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Justiça tira falso frei de perícia do Caso Samarco e determina que MPF e PF tomem providências por ‘possíveis crimes’

Decisão acontece após Itatiaia revelar possíveis irregularidades em currículo e ligações de Phillip Machado

A Justiça Federal destituiu o falso frei Phillip Machado do cargo de perito judicial do Caso Samarco, o proibiu de realizar, por cinco anos, novas perícias para a Justiça e ainda determinou que o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal tomem “providencias cabíveis em relação aos possíveis crimes praticados pelo então perito”. A decisão é da noite desta quarta-feira (5) e foi feita pelo novo juiz responsável pelo caso, Vinicius Cobucci.

Em junho, reportagem da Itatiaia mostrou que o “frei” Phillip Machado já recebeu quase R$ 2 milhões do Judiciário, através de pagamentos da Fundação Renova, para atuar como perito socioeconômico no processo referente às indenizações feitas pela mineradora Samarco, proprietária da barragem de Fundão, que se rompeu em 2015. Nos autos, ainda estavam previstos para ser repassados a Machado mais R$ 900 mil.

Só que a Itatiaia apurou que todo o currículo acadêmico que Machado afirmava ter era, na realidade, questionável - universidades em que ele dizia ter doutorados, mestrados e graduações em geral não reconheciam a veracidade das informações. Além disso, ele dizia ser frei da Igreja Católica, o que foi negado oficialmente pela Arquidiocese.

Se não bastassem as dúvidas quanto à qualificação do então perito judicial, Phillip Machado tinha ligações com a Fundação Renova, tendo atuado como membro do Comitê Técnico Cientifico da entidade entre 2018 e 2021. O contrato dele com a Renova se encerrou apenas sete meses antes de sua nomeação como perito do caso - que tem, entre os réus, a Renova.

Na semana em que a reportagem foi publicada, o então juiz do caso, Michael Procópio de Avelar, determinou que todos os peritos do Caso Samarco anexassem e comprovassem suas graduações acadêmicas. Todos conseguiram, com exceção de Phillip Machado.

“O prazo não foi observado pelo perito socioeconômico, Dr. Phillip Neves Machado, que mesmo após dilação de prazo conferida em seu favor, não apresentou os diplomas devidos ou documentação faltante que pudessem comprovar a formação acadêmica listada na decisão que o nomeou e, consequentemente, a expertise necessária para exercer a função de perito socioeconômico nos autos (...) o perito não foi capaz de demonstrar, muito menos comprovar nenhuma das formações descritas na decisão referenciada, apesar de ter juntado diversos documentos nos autos. O perito só conseguiu provar a sua participação em eventos diversos, como conferências, congressos, seminários e fóruns ligados aos temas socioeconômicos e socioambiental, apenas. Não há documentação quanto à sua formação acadêmica listada na decisão que o nomeou como perito do juízo”, mostra trecho da decisão.

Em outro trecho, o juiz Vinicius Cobucci pontua, inclusive, que Phillip Machado registrou ser casado - ato que não seria permitido enquanto frei da igreja, que dizia e pontuava ser em documentos judiciais. “Ressalto, ainda, que embora seja conhecido e atenda por ‘Frei Phillip’, o que pode ser confirmado pelos próprios registros trazidos por Phillip nos documentos 1395678375; 1395678376; 1395678377, o perito declarou ser casado, em sua qualificação de manifestação 1395678357, condição totalmente incompatível com as regras que regem a Instituição da Igreja Católica, as quais alegava estar submetido”.

Trabalho sob suspeita

Após a publicação da Itatiaia, o coordenador da Força-Tarefa do Caso Samarco, procurador Carlos Bruno Ferreira, chegou a afirmar que, caso as informações sobre irregularidades do perito Phillip Machado fossem comprovadas, decisões da Justiça Federal que tiveram como base relatórios de Machado podem ser anuladas - a investigação, no entanto, ainda é muito inicial.

“Se forem comprovadas as irregularidades na especialização e currículo do perito judicial, é possível que sejam anuladas as perícias efetuadas e até decisões que foram baseadas nos laudos e relatórios desse perito. Mas é tudo muito inicial ainda, precisamos comprovar de fato a fraude e, se comprovada, se os relatórios do perito de fato foram utilizados como base central em decisões. Então ainda é muito cedo para falar, inclusive porque um dos maiores males do processo do Rio Doce , entre tantos problemas, e a ausência de avanços das perícias, em especial judiciais, quase 8 anos após a tragédia”, afirmou à Itatiaia o procurador.

O procurador da República apontou, ainda, considerar imprópria a escolha de Phillip Machado como perito judicial, uma vez que ele chegou a atuar no Comitê Técnico da Fundação Renova entre 2018 e 2020. “De fato, sendo confirmada, considero imprópria a escolha como perito que tenha histórico de ter atuado por uma das partes. Seria impróprio inclusive se tivesse atuado por outra das partes, como pelo MP ou em assessorias de atingidos. A confiança na imparcialidade é essencial para o juízo e seus auxiliares”, diz.

Na decisão desta quarta-feira, o juiz Vinicius Cobucci determina que o MPF e a Polícia Federal sejam oficiados para que “sejam tomadas as providencias cabíveis em relação aos possíveis crimes praticados pelo então perito”.

Lucas Ragazzi é jornalista investigativo com foco em política. É colunista da Rádio Itatiaia. Integrou o Núcleo de Jornalismo Investigativo da TV Globo e tem passagem pelo jornal O Tempo, onde cobriu o Congresso Nacional e comandou a coluna Minas na Esplanada, direto de Brasília. É autor do livro-reportagem “Brumadinho: a engenharia de um crime”.
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