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determinados, contraídos no processo de produção da sua vida "O caráter social da atividade - tanto como a forma social do

social, se apresentem como propriedades específicas de uma produto e a participação do indivíduo na produção - aparece
coisa; esta inversão e mistificação, que não são inventadas, à coletividade como qualquer coisa de estranho, como uma
mas prosaicamente reais, caracterizam todas as formas sociais coisa natural... Tornada condição de vida e laço recíproco, a
do trabalho que põe valor de troca. Só que no dinheiro elas troca universal de atividades e produtos aparece ao indivíduo
aparecem de forma mais evidente do que na mercadoria" 89• isolado como estranha, independente - como uma coisa. No
valor de troca, a relação social entre pessoas é transformada
Assim, numa relação social entre coisas, o poder das pessoas é trans­
formado em poder de coisas" 94•
"a natureza não produz dinheiro... Mas como a produção
burguesa necessita cristalizar a riqueza como um fetiche, na Noutro fragmento, "Dialética do Capital", Marx escreve:
forma de uma coisa única" 90,

o ouro e a prata - os metais preciosos -, produtos da natureza e "Importa notar que a riqueza enquanto tal, ou seja: a riqueza
produtos da circulação, não se distinguem enquanto tais: burguesa, encontra sua expressão mais dinâmica no valor de
troca, posto como mediador e como vínculo entre ele mesmo e
"O produto geral do processo social, ou o próprio processo o valor de uso levados a seu ponto mais extremo. Este ponto,
social enquanto produto, [aparece como] um produto natural porque une os contrários e parece, em última análise, ser uma
especial" 91 potência superior e unilateral ante os extremos que contém,
aparece como a relação econômica acabada. De fato, o movi­
Não se exige uma exegese minudente para fazer ressaltar que todos mento onde a relação, originariamente, desempenha o papel
estes desenvolvimentos sobre o problema do fetichismo se concre­ de intermediário entre os extremos, aquele movimento, dialé­
tizam particularmente no livro I d'O Capital e nos materiais que tica e necessariamente, conduz ao seguinte resultado: surge
compõem os livros H e III. como sua própria mediação, como o sujeito do qual os mo­
Perspectiva similar é a que se contém no conjunto de manus­ mentos são apenas extremos, e, pois, suprime o caráter de
critos que Marx elaborou entre 1857 e 1858 e que, desde a sua pressuposto independente para se colocar a si próprio, por
publicação, em 1939-1941, tornaram-se célebres: Elementos Funda­ esta superação, como o único fator autônomo" 95•
mentais para a Crítica da Economia Política (1857-1858). 92 Boa parte
destes esboços marxianos tem por substrato a problemática do Ê de reter aqui um traço fundamental do fetichismo, que, enun­
fetichismo 93• Naquele intitulado "Dinheiro e Relações de Domi­ ciado em outras formulações, alcança nesta uma notável clareza: a
nação", por exemplo, lê-se: supressão das mediações sociais que ele opera, subsumindo-as numa
coisa substantiva e autônoma. Não é um acidente o fato de esta
clareza surgir num texto que se abre demandando
(89) Idem, p. 157-158(sublinhados meus - J. P. N.).
(90) Idem, p. 238.
(91) Ibidem.
"uma análise exata da noção de capital" 96•
(92) Acessíveis na versão castelhana, Marx, K.: Elementos Fundamentales
para la Crítica de la Economéa Política. Borrador (1857-1858), Buenos Aires-México,
1-2-3, 1971, 1972, 1976. A tradução francesa(Marx, K.: Fondements de la Critique
de l'Economie Politique, Paris, 1-2, 1967, 1968) não merece crédito. As Oeuvresl balho" (in Oeuvres/Economie, ed. cit., II, respectivamente pp. 201-205, 218-227 e
Economie, ed. cit., registram, no volume II (pp. 179-359), somente extratos desses 282-287). No texto integral, cfr. especialmente na versão castelhana citada: vol. 1, pp.
manuscritos. Para as polêmicas recentes acerca dos Elementos Fundamentais ..., cfr. 88 e ss., 130 e ss., 163, 478 e ss.; vol. II, pp. 1% e ss., 394 e ss.
o artigo de Vigorelli, A.: "Continuità e Rottura in Marx: su Alcune Interpretazione (94) Cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p. 209 (sublinhados meus - J. P.
Recenti dei Grundrirse", Aut-Aut, Milano, gennaio-aprile 1975, n? 145-146. N.).
(93) Entre muitos, vejam-se os fragmento� "Moeda Metálica e Moeda de (95) Idem, p. 235.
Trabalho", "Dinheiro, Produção e Tempo de Trabalho", "A Alienação do Tra- (96) Idem, p. 234.

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Finalmente, cabe assinalar que a constante tematização do "Trata-se... de um sistema econômico bem determinado, de
problema do fetichismo, a partir de 1857-1858, comprova-se tam­ um modo de produção onde o produto aparece, em si, diante
bém nos manuscritos (preparados, basicamente, entre 1861 e 1865) dos que estão engajados neste processo, como uma merca·
que Marx reservava para aquele que seria depois o livro IV d'O dada. Esta é uma das bases do fetichismo da economia polí­
.... í
Capital - publicados postumamente por Kautsky 97• tica"100 ;
Tratando do problema trabalho produtivo/trabalho improdu­
tivo, Marx afirma: neste sistema,

"Dado que o intercâmbio entre capital e trabalho incorpora o "as condições materiais, necessárias à realização do trabalho,
trabalho vivo ao capital e o faz aparecer como atividade que são estranhas ao operário e aparecem mesmo como fetiches
pertence a este desde que se engaja no processo de trabalho, dotados de vontade e alma próprias" 101
todas as forças produtivas do trabalho social se apresentam
como forças do capital, igualmente como a forma social do
do trabalho em geral aparece no dinheiro como a propriedade 2.2. A PROBLEMÃTICA DO FETICHISMO: CONFRONTO
de uma coisa. Assim, a força produtiva do trabalho social e DE MARX COM A ECONOMIA POLÍTICA
suas formas particulares aparecem como emanação do capi­
tal, do trabalho materializado, das condições materiais do Nas páginas imediatamente precedentes, reproduziram-se de­
trabalho e, face ao trabalho vivo, encarnam-se no capitalista, zenas de citações de Marx. Não as transcrevi pelo vezo da erudição
sob o aspecto de um objeto independente. Ainda aqui, esta­ (fácil) ou por uma tácita e eventual adesão à escolástica que se nutre
mos diante da inversão da relação que designamos, analisando do apelo repetitivo ao texto clássico. Um duplo objetivo balizou o
o sistema do dinheiro, pelo termofetichismo" 98• recurso às citações: de um lado, a sumária tentativa de documentar
que as proposições marxianas sobre o fetichismo são essenciais à/na
teoria social de Marx; doutro, o intento de capturar nelas a estru­
Neste contexto, a tendência a definir o caráter produtivo ou impro­ tura de uma teoria setorial que possui uma função particular na
dutivo do trabalho pelo seu conteúdo material é debitada, priori­ pesquisa de Marx. Antes de prosseguir, pois, seja-me permitido
tariamente, à enfatizar que as numerosas citações não foram tomadas aleatoria­
mente ou segundo uma conveniência manipulada: todas se extraí­
"concepção fetichista - particular e inerente ao modo de ram de contextos absolutamente significativos do discurso marxiano
produção capitalista - que considera as determinações eco­ e a sua ordenação obedeceu, num primeiro momento, à seqüência
nômicas formais... como propriedades pertinentes em si e expositiva de Marx e, depois, à provável cronologia da sua ela­
por si aos agentes materiais destas categorias ou determi­ boração. Se, ao fim, o conjunto oferece a impressão de uma monta­
nações formais" 99• gem articulada, isto apenas sintomatiza que as proposições marxia­
nas, em contextos e momentos diferentes, abrigam uma organização
Enfim, na parte em que estuda os "resultados do processo interna específica.
imediato de produção", Marx estabelece a seguinte caracterização Penso que é indispensável aclarar que a problemática do
do capitalismo: fetichismo não surge na reflexão de Marx somente por volta da
segunda metade dos anos cinqüenta, quando suas investigações
colocam sistematicamente a economia política no centro da sua
(97) Uma edição acessível do material coligido por Kautsky é a versão caste­ pesquisa. Desde muito antes, esta problemática está presente no
lhana, Marx, K.: Teorias de la Plusvalía, Madrid, 1-2, 1971, 1972. No momento em pensamento de Marx: sempre que procurou implementar o pro-
que se redige este texto, sai o primeiro volume - de um total previsto para cinco -
da edição brasileira, Marx, K.: Teorias da Mais-Valia, Rio de Janeiro, 1, 1980.
(98) Cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p. 383. Marx se refere, obviamente,
ao texto publicado em 1859. (100) Idem, p. 412.
(99) Idem, p. 395. (101) Idem, p.430.

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grama teónco decorrente do profundo giro que a sua reflexão realiza conclusa ' é trabalho de · um •pensador que, já operando nos• piirâme-
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em meados de 1843- ou seja: a compreensão do Estado a partir da tros da superação- da filosofia, apresenta-se como economista . As
compreensão da sociedade civil, programa que resulta da crítica a diferenças entre ambos convalidam o tratamento distinto que rece­
que submete, nos manuscritos redigidos entre julho e outubro da­ berão a seguir, mas não elidem o fato de se centrarem, as duas
quele ano, a filosofia jurídico-política de Hegel-, Marx teve que se obras, no quadro da crítica da economia política.
debruçar sobre a economia política. E sempre que se confronta com
a economia política, ele se defronta com a problemática do feti­
chismo. Resumindo: independentemente das etapas evolutivas da 105
sua reflexão, todas as vezes em que a economia política é o âmbito 2.2.1. A questão da alienação (1844)
em que se coloca o objeto da operação crítica de Marx, põe-se-lhe a
problemática do fetichismo. Talvez o fascínio que os Manuscritos de 1844 exercem sobre o
Enquadrar assim a presença da problemática do fetichismo na leitor do nosso tempo se deva menos ao seu substrato teórico,
obra de Marx não implica em postular uma invariância no seu amarrado a muitos dos dilemas típicos da etapa de dissolução da
tratamento. Ao contrário: estou convencido de que somente depois filosofia clássica alemã (é inconteste a inspiração feuerbachiana,
de 1857-1858- em função das determinações ontológico-históricas bem como as sugestões do "comunismo filosófico" dessa importan­
tíssima figura que é Moses Hess ), do que ao vigor apaixonado e
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que estabelece- é que esta problemática é conclusivamente equa­
cionada por Marx. O que um tal enquadramento acarreta, suge­ apaixonante com que neles se arma a crítica do modo de vida capita­
rindo uma medular continuidade no conjunto da obra marxiana lista ( que, aí, se pode surpreender in statu nascendi). Mas o mencio­
posterior a 1843, é a infirmação de falsas oposições no interior desta nado substrato aparece numa articulação original: Marx é o pri­
obra 102• meiro pensador alemão pós-hegeliano que procura iluminar o enfo­
Ao meu objetivo escapa inteiramente o rastreio da problemá­ que da problemática histórico-filosófica recorrendo à economia polí­
tica do fetichismo na obra marxiana anterior a 1857-1858. Dada, tica, e com pressupostos éticos socialistas. Neste primeiro confronto
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porém, a hipótese que acabo de avançar, é imprescindível uma de Marx com a economia política 10 , não aparece apenas a sua
rápida referência a textos que possam fornecer elementos para sua
fundamentação e, ao mesmo tempo, uma sucinta indicação que
possa corroborar a idéia de que a problemática em pauta comparece
no processo geral de construção da teoria social de Marx. Nesta 1844 que Marx emprega, pela primeira vez, o termo fetichismo, num fragmento em
perspectiva, dois textos merecem atenção: os Manuscritos de 1844 e que discorre sobre propriedade privada e trabalho (dr. Oeuvres/E�onomie, ed. �it.,
II, p. 74 e o volume "Marx", cit., p. 11). Parece fundamental considerar o conteudo
a Miséria da Filosofia. Textos cuja diferencialidade é patente: um, dos Manuscritos de 1844 juntamente com as várias "notas de leitura" que Marx
conjunto de elaborações publicado postumamente, assinala o pri­ redigiu paralelamente - e este será o meu procedimento aqui.
meiro confronto de Marx com a economia política 103 ; outro, obra (104) Pela primeira vez em sua carreira intelectual, diga-se de passagem; cfr.
o prólogo da Miséria da Filosofia (cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., I, p. 7).
( 105) Larguíssima é a bibliografia que tematiza a colocação marxiana da
alienação em 1844. Apenas a título indicativo, recorde-se: Mészáros, op. cit., esp. cap.
(102) Quase todas resumidas na tese althusseriana do "corte epistemológico" Ili; Lukács, G.: Elloven Hegely los Problemas·de la Sociedad Capitalista, ed. cit.,
(expressão tomada de Bachelard) que marcaria a solução de continuidade entre as esp. cap. IV, 4; Marcuse, H.: "Les Manuscrits Economico-Philosophiques", in Phi­
"obras de juventude" e o trabalho do Marx "maduro". Na medida em que estas losophie et Révolution, Paris, 1969. Várias e fundamentais sugestões sobre o tema
contraposições não resistem ao menor exame documental, Lukács teve razão ao encontram-se também em Giannotti, J. A.: Origens da Dialética do Trabalho, São
considerá-Ias, certa feita, como "estupidez historiográfica". No trato do problema de Paulo, 1966.
que me ocupo, J. Ranciere é um exemplar privilegiado dos que operam essa contra­ (106) Sobre Hess, cfr. as informações contidas em McLellan, D.: The Young
posição; para a crítica das suas concepções, cfr. Bedeschi, G.: A/ienaci6n y Feti· Hegelians and Karl Marx, London, 1969 e o belo ensaio de Lukács, G.: "Moses Hess
chismo en el Pensamiento de Marx, Madrid, 1975, p. 211 e ss. e i Problemi della Dialettica Idealistica", in Scritti Politici Giovani/i (1919-1928), Bari,
(103) Como já referi, os Manuscritos de 1844 só viram a luz em 1932. A sua 1972.
primeira edição brasileira é precária: Marx, K.: Economia Política e Filosofia, Rio de ( 107) Confronto para o qual a influência de Engels, através do ensaio "Esboço
Janeiro, 1963; há outra versão na obra de Fronun, E.: Conceito Marxista do Homem, de uma Crítica da Economia Política", de 1843-1844 ( publicado no Brasil no vol. 5 de
ed. cit.; a confiável tradução contida no volume "Marx", cit., não reproduz o texto Temas de Ciências Humanas, São Paulo, 1979), foi decisiva. E na primavera de 1844,
completo. Sem qualquer pretensão de rigor filológico, julgo que é nos Manuscritos de já em Paris, que Marx começa a buscar a compreensão do Estado na análise da

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ainda: a partir da derivação do trabalho alienado referido à proprie­ nada mostra-se como a inversão de todas as relações sociais: a reali­
dade privada, Marx garante que é possível expor todas as categorias zação do ser socral é a sua perdição, a vida é o sacrifício da vida, o
da economia políticaus , das quais, nos Manuscritos de 1844, privi­ poder do indivíduo sobre o objeto é o poder do objeto sobre o
legia três: a divisão social do trabalho (expressão político-econômica indivíduo. E a economia política, justamente, é a ciência desse
do caráter social do trabalho alienado), a troca 116 e, especialmente, universo social: é uma função da propriedade privada, sem a qual a
o dinheiro, que se .lhe afigura a força alienada da própria socie­ riqueza· não existe separadamente da atividade do trabalhador - a
dade 117• economia política, precisamente, é a ciência da produção e da
O universo social embasado na propriedade privada e no acumulação desta riqueza. O pressuposto da economia política,
trabalho alienado (e que só pode ser efetivamente abolido pelo ei-lo: a sociedade das trocas e do intercâmbio mercantil - a eco­
comunismo118 ) é um arremedo de sociedade. Aferida pela verda­ nomia política
deira natureza social do homem, comunitária 119, a sociedade alie-
"fixa a forma alienada das relações sociais como o modo
(115) Cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p. 68. Talvez seja a partir daqui
essencial e original do intercâmbio humano e a considera ade­
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que Marcuse, dogmaticamente, infira que os Manuscritas de 1844 "já comportam quada à vocação humana"
todas as categorias que Marx: utilizará mais tarde na sua crítica da economia política"
(op. cit., p. 42).
(116) E:de comparar, por exemplo, a concepção de M arx acerca da circulação Noviço na matéria, Marx pretende com isto impugnar a eco­
do capital, já citada, com esta passagem dos Manuscritas de 1844:"0 estudo da nomia política; só nos anos seguintes compreenderá que esta impug­
divisão do trabalho e da troca tem o maior interesse, porque elas são a expressão nação exige argumentos mais sólidos. Entretanto, o que me iro. !
concreta e alienada da atividade e da força criadora do homem enquanto ser social"
(Oeuvres/Ecanomie, ed. cit., II, p. 104 e o volume "Marx", cit., p. 33); cfr. a nota
porta destacar aqui é que a matriz que enfibra os Manuscritos de
seguinte. 1844 é compatível com a ulterior determinação teórica do fetichis­
(117) Tudo indica que as concepções de Marx sobre o dinheiro, então, reco­ mo: a tematização da alienação contém uma primeira aproximação
lhiam sugestões de Moses Hess. Aqui, são de comparar: à problemática do fetichismo - porque, em resumidas contas, a '
a) a caracterização do dinheiro e da mediação que o valor de troca realiza na riqueza
burguesa, ambas já referidas, com o que se diz nas "notas de leitura" paralelas aos
Manuscritos de 1844: no dinheiro não se aliena apenas a propriedade, mas "a ativi­
dade mediadora, o movimento mediador, o ato social, humano, através do qual os
produtos humanos se completam reciprocamente; este ato mediador se toma fun­ intensa: se Ma rcuse sustenta que se tr ata de uma concepção histórico-ontológica (cfr.
ção de uma coisa material•.. , uma função do dinheiro" (Oeuvres/Economie, ed. ap. cit., p. 62 e ss.), Seve argumenta que ela é especulativa (Seve, L.: Marxismo y
cit., II, p.16); Teoría de la Personalidad. Buenos Aires, 1973, esp. p. 63 e ss.). Agnes Heller põe
b) a noção de que o cristianismo, com o seu culto abstrato e nas formulações bur;/ mais adequadamente o problem a, valendo-se das análises de M arkus, que_ in�icam
guesas (protestantes), é o complemento religioso adequado a um a sociedade áe que, em M arx, essência humana é a síntese dialética de tr abalh�•- soc1ahd ad _e,
base mercantil(cfr. O Capital, ed. bras. cit., 1, 1, parte primeira, I, 4, p. 88) com universalidade. autoconsciência e liberdade (cfr. Heller, A.: O Quot1d1ano e a H1s­
a idéia, contida nas mesmas "notas de leitur a", de que o caráter de mediação t6ria, Rio de J aneiro, 1972). N a comunidade hum ana que serve de parâmetro p ara
alienada de que se reveste o mito de Cristo corresponde à mesm a mediação do Marx, em 1844, avaliar a sociedade burguesa (alienada), ·•o ser social não é uma
dinheiro(cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p. 16-17). força geral, abstr ata face ao individuo isol ado, mas o ser de cada individuo, sua
As comparações sugeridas nesta nota e na anterior dão fundamento sólido à própria atividade, sua própria vid a, sua própria felicidade, sua própria riqueza"
tese da centralidade e da continuidade da problemática da alienação em toda a obra (Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p. 23); dai que Heller explicite o argumento segundo
de Marx posterior a 1843. Na defesa desta tese, embora atribuindo-lhe um conteúdo o qual "existe alien ação quando ocorre um abismo entre o desenvolvimento humano­
eticista muito discutível, Rubel chegou mesmo a afirmar que "basta eliminar dos genérico e as possibilid ades de desenvolvimento dos indivíduos humanos, entre a
Manuscritos de 1844 as palavras alienação, humanismo, natur alismo, etc., para produção humano-genéric a e a p articip ação consciente do indivíduo nessa produção"
encontrar neles os/atos descritos e analisados n'O Capital" (Rubel, M., introduction (op. cit., p. 38).
a M arx, K.: Oeuvres/Econamie, ed. cit., II, p. LXXXIV). (120) Cfr. Oeuvres/Ecanomie, ed. cit., II, p. 24; é de comparar esta caracte­
(118) Com esta determinação, que o afasta dos jovens hegelianos, Marx rização da economi a política com aquel a referenciada na nota 72; cfr. ainda infra.
antecipa tanto a questão dasociedode dos homens livres (cfr. nota 69) quanto esboça Parece que Marx, nesta passagem, visa claramente a antropologia que subjaz à
i déias nodulares sobre o importante problema da apropriação (cfr. idem, II, p. 76 e economia política clássic a; sabe-se que, para A. Smith, a natureza humana se define
ss. e o volume"Marx", cit., p.12 e ss.). pela "tendência para negociar e trocar" (Smith, A.: Investigação sobre a Natureza e
(119) Natureza social que deriva da essência humana. Em tomo da concepção as Causas da Riqueza das Nações, vol. "Adam Smith/David Ricardo", col. Os
de essência humana que respalda as formulações marxianas de 1844, a polêmica é Pensadores, São Paulo, 1974, p. 19).

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ção u, uma antropologia feuerbachiana, Marx não consiga ainda superar
concepção m arxiana do fetichism o supõe um a teoria da aliena
e m ais adiante se verá co m o a colocaç ão m arxiana da alienaç ão abre uma perspectiva filosófico-abstrata, ja estão daêfãs as possibillâades
a via para as formulações sobre o fetichismo; por agora, interessa ( especialmente aquelas que se�ão exploradas levando em conta as
. ressaltar que a matriz referida reside em que Marx ·· desenvolve• nos dimensões teleológicas da ação social) que se atualizarão quando
' ,nanuscntos
•-'
-· ·
····-· de 1844 , as bases de uma
. categori·a que. postenor-·· ·· apreender as concretas determinações que a economia instaura nas
,
mente, dese mpenhara uma função central na estrutura ontol'og1ca · totalidades histórico-sociais.
. , a categoria
- socia1:
da sua teona , . da práxis 122
• Ao cons1 ·derar o O que distingue a impostação marxiana no enfoque da alie­
homem
. . . c_:>m o ser prat:co e social e a práxis como a1 totalidade das nação, em 1844, da tematização ult erior do fetichismo é a concreti­
ob1envaçoes do ser social, constituída e constituinte 2J , M arx funda zação histórico-social a que Marx submete o objeto da sua investi­
-
a altemafiva para situar a alienação como fieno�meno e problema
· 124 , gação. A partir de 1857-1858, está dissolvida a antropolatria; então,
·
pra'tzco-socza 1 • Ernoora, nos Manuscritos de 1844, pns1one1ro
· · · de de forma radical e completa, é a ontologia das totalidades histórico­
sociais que fornece os fundamentos para a elaboração de um refe­
0_21) Esta relação e n tre fetichismo e alienação _ a ser discutida adiante _ e,
rencial antropológico. A angulação da pesquisa gira: os seus parâ­
tã0 �stre!la que levou alguns analistas a labo rar em erro. Fetscher exemplo,
metros, propicia-os a análise determinada das relações sociais de
considera que o fen?meno do fetichismo, tratado p or Marx n'O CaP it�t�:.e o ?1 esm o produção que os homens estabelecem em circunstâncias precisas 125•
_
que s e chama de alienação nos primeiros escrito
mesmo
.
, s " (op. ctt. • P-_ 30), Bedesch1 chega
_
'
·
Por isto m esmo, as formulações sobre a problemática do fetichismo l
_ a afirmar , . •
que "a te oria do fp~ t'1ch"ismo e u ma te oria da ahenaçã
.�
" (o p. Cll.' p. apresentam determinações histórico-econômicas que falecem no tra- '.
258), no prefaci o a 2� edição (195ó/l 957) da sua Crítica da "V.' t da C?t1d1ana, Lefebvre
assevera que, no desdobramento das pes uisas de ª da aliena� ão s e
to da alienação: referem-se a um fenômeno peculiar e agarram a sua {
transforma em teoria do fetichismo:, (Critique de � �:� Qªuoteto1 _
n1.ªenne, ed. clt. l especificidade - não é mais a alienação do homem moderno, abs- 1
p 90)· e tam b' A h op ra uma qua�e identificação entre os doi s fenôm enos ' a� tratamente contraposto ao homem da pólis grega 126 ; o que elas 1 .,
d

(A '·h, W.
f�
e�c�v�r- .....o e_ ich�ismo ;as mercadonas ou o sentimento de alienação do h om;m"
• • M arx1smo e Moral' Rio de Jan eiro, 1965
denotam é a expressão característica da alienação típica engendrada
1,"- • ' P- 1•s 1) Ora, a razão assiste a
Schaff·
•-e-=. "A hip · o, tese segun�o a qual o... 'fetichismo' seria...· idêntico à 'alienaçã0 · pelo capitalismo, a reificação.
b
aseia-se num mal-entendido" (Sc h ff A . O Marxismo •
ª ' ·· e O Indivíd uo, Rio de A reposição histórico-concreta da problemática da alienação~r
Janeiro, 1967, p. 115).
(122) Acredito que foi Mészáros (op cit· caP- I) 0 pn·me1ro ·
na tematização do fetichismo, no bojo da sua teoria social, Marx!
., · ' a chamar a
atenção pa·a ' O fat0 de que, Ja em 1844 Marx a
efetivá-la-á a partir da Introdução à Crítica da Economia Política
, ª m · senr • a antropologia
na onto º ª eguindo, pois, mais a Hege·I que a F;:;ri::it (1857). A esta altura, já terá acumulado não só um assombroso­
\t �
�--3) ,_ de lembrar que, nos Manuscritos de J8d4 . focando a Fenomenologia conhecimento historiográfico como, sobretudo, controlará de forma
do Espuito' Marx realça que um dos méritos de HegeI consiste ',, em conceber o homem
. segura a bibliografia da economia política - lacunas de que se
com o p��ess o, autocnação {cfr. Oeuvres/Economie' ed· cit· II, .D • 125· 126 e o
vo Iume ,,íarx", cit., p. 43-44). · ressentem, com evidência, os Manuscritos de 1844. Todavia, quan­
124) O enorme �quívoco em considerar "hegeliana . a colocação marxiana da. do se dispõe a polemizar com Proudhon, redigindo a Miséria da
aliena �
1844, � �i e�: i� ::;�::�om a simples co7tatação de que, nos Manuscritos de
Filosofia, no inverno de 1847, já fez sensíveis progressos: ultra­
a e ç � e raiza�o n a
:;:ri�;:;:º:!::;�;!�:��
°i1;;�r:;�
passou a colocação filosófica (especulativa) dos problemas histórico­
vida econômico·social. Nestes m::u�:�t:s� ; .
s º

sociais, revisou a sua apreciação da economia política clássica 127 e,


g e e alien o de objetivação: q_u{ em
:;;;:�:�:!�; ::�� e�:. � :::: ��
_ : ç�: do espmto que põe a obJ etlVldade (alienação
n

no espaço = natureza,. a1·ienaçao no tempo = história·• cfr · Hege l, ,., ,.. _ W. F.: La
Phénoménologie de l'Espn't Pari II d : s p. p. 311-312). Aqui, pois, Marx é (125) Angulação desconhe cida por Marx em 1844 ( e que, abstratamente,
· ' \- · �
legatário de fe uerbach' pa:.a qu:m a o J et1v1dade é causa sui. Dai Pra observou como pe tição metodológica, começa a vislumbrar-se n 'A Ideologia Alemã).
corretamente.· "Pºd se d.ize r. . que o ponto de div ergência entre o processo dialético (126) Nos Manuscri tos de 1844, a contrapos ição é esta (a "sensibilidade
h �· : .• .
. egeliano e o marxis mo consISte em que O prime ·tro, fu. nd.ª_o d na autoconsc1enc1a, fetichista" e a "sensibilidade dos �"; cfr. Oeuvres/Economie, ed. cit., II, p.
identifica alienação com objetivação e , portanto , faz comc1d1r a superação da alie- 97-98 e o v olume "Marx", cit., p. 26). Contraposição que vem do r omantis mo e é
nação com a su . .
ç pas so i:e ? segun do, f�ndado no homem uma cons tant e na cultura alemã mais nobre: reforçou-se no "jovem" Hegel, transitou
real sens ível vir:'c�:�: a�: :�j::: !��t;: i v
º

pelo "jov e m" Marx e env olveu o "jovem" Lukács.


d staç daq e la, e f= c�i�c i�� �:;e���� �;:i�;n:�o\�: (127) O melhor índice desta r evisão é a sua nova atitude frente a Ricardo;
e

: ã º �
::1;::::i�o :d���ncreto e desumamzado em que se expressa a re1ação entre o sobre est e ponto, cfr. Mande!, E.: A Formação do Pensamen to Econômico de Karl
hornerne os obietos... "(Da!Pra, op. ctt., .
p. 192). Marx, Rio de Janeiro, 1968, cap. 3.
,

60 61

j
-
a inépci a teórica
a críti ca de M a rx,
.
n?meadamente , não é mais um "intelec tu l d. e pos ã " - seus
De ac rdo c m a corr siv
o o
s eq
o
ív c s fun damentais,
fluê ncia de trê u o o

de P r u h n d eriva a con
o o

. e orgªAamc s . iç sociais de pro­


d
vmcul s com a classe op erária sã reais o d o
at miza da d çõ
a saber: a) a c nsi eração
o o o as rel a es
da socie a e
o
o d

s tórica n a a b r
ag m d d

uçã ; b) a p erspectiva a-hi a n a determinaçã o caráter pr ­


e o d
o o
nci
d

burguesa e , c) a inconseqüê
o d

2.2.2. A questão da economia política (1847) 128 ente, o qu e


s ec nôroicas • Basic am
131
priamente social el çõ
r social: ele
e o
e
as r a d

h n é a especificidade
s do
. f ge à comp reensã e Pr u forma, é
o d o
j
o d
São estes progressos q ue lhe p rm1tem esenv lver a p lêmic a o
e a e , qualquer q
sua
nã compreen e que a s ci
d o o ue se a a

con tra Prou dhon de f orma tal que e a nã se esgota na luta imedia-
d o
h
d
m
d
s 132• Ma s esta
recíproca d
o
a aç ã
o en o

sempre r esulta
os o
e Pr u dh n - ela é a
d
tament e ideológica·. M"'- ...,_.,. avança nela to um Ieq ue e etermi-
do

siv apanágio
o
u
o
do d d
é xcl d o

nações teórico -c ríticas que d , m incompreensã tal. Assim, a


e o
' i" ant ' e, es_tarão presentes na sua não o

nomia política enquanto


?�
d

reflexã , c nduzindo-a pr�cis�; nt -n senti �ntologia do ser nota cara cterística da eco mi p lítica. Marx
n se c nverte na crítica da ec d ec nomista; ao
o o do n a o o o

. , social. Ê desnecessário dizer qu: :m�a _na M1s�rza da Filosofia, crítica a Prou h o
o
tu
d

h n é a car ica o o

sempre estaca que P r u eixa atente qu e a caricatura apenas


r a
o d o
M a rx está l nge de comp reen er 'na sua m
o d tegrahda e a m " am1c a d d A •
d

nt t , d
,
ec n m1c -s cial do capitalismo '29•! mas e _Pre�1�0 12er que, pela
A •
• •
mesmo temp o, no e an p o

nt no original.
o o o o d

exagera tr ç s xi t es
r u hon, n o seu
os equívoco s e P
e
primeira vez, ele esboça uma a r x1maçã a anahse e c nj unto do a e s o

Com efeito, segun M arx,


o d o d o d

mo o e pr ução capitalist/ da Miséria
do
, sem a q ual tratament ont - Econômicas ou Filosofia
. .
d d od o o o
,
lógic �histórico o ser s oc1·al e mviavei - , ou sej a:· e, nesta bra q ue Sistema das Contradições u ignorância
m etên cia científic a, a
s a
(1846), flu em da sua inc p petência, por outro la o , potencia ,
d
, .
o d o

começa a ganhar c orpo


o

pr gram a teonco imanan te do gir om


d

mesmo. Contu , esta inc c s fundamentais que c nstituem o


o o d o

realiza em 1843.
do
o
q ív
gr tescamente, aquel
do
. . . hon
No fim as cont as, Proud
e u o o

T a a argumentação e M arx e_ , mgid" a para impugn ar o


es
p lítica.
o

.
od d d
ró ri mi ol o a e n o mi a o
s su c on­
d

tipific
co d
proJet polític e Proudhon c oJ e to peq u� n -burguês, utó­ no mia política sem
o ar a as

tipifica as mazelas a ec
p p
elos
o o d o o
p
pic -ref rmista. Mas ela n ã . se p�;n�:
d o

ue as mercad ria
s s
. 8: este p roJ.et : centra-se nas
roduzidas

quist . Ele c mpreen e q


ã p o o
o o o o
as relações e
d

suas bases teóricas·' denuncian a m 1gência c1:ntífica de P rou - o uzem t a mbém


o d
as
e h m r
h mens, mas não qu merca orias.
do d ens d
s o p o

d_hon é q ue Marx o desacre ita . - Proudho pr p e f alsas alterna- que se dá a produ ç ã as


o d
o d
etermina as em
d n o o
çã d
omista , q
r c mum aos econ
A • o d
hvas políticas p rque analisa mc rretamen te a reali a e economtc - ro u d s ue
P rém, este é o enomina
p
. .
o o d d o o
d do

social. Conseqü entemente a r fl ã: marxiana ��e ar c nta a d d o d


o

dh :i�:
. i.r.i�e_cia_te.Q.rjca d e Prou on tr r a su � _fragilI�a_ e científica guesa como cate­
- relações a produç ão bur
d

" epresentam as
d
p ara infirmar as suas inferên�ias e ilaçoes poli tico-s ciais. o r

- . gorias eternas" •
133
E ispensável, p ara s meus o
d o. h ·etiv s , um e xame particular e
e ti d s p ntos precisos da ré pli c/de �arx a Pr u h n, embor a u esti nar a su a gên
ese
. o b urguesa s.em q
d do o o o d o

Pr u h on in aga a pro uçã


o

eles ofereçam ric material p ar a ª !mha e exegese que enforma 0 d d


d
mistas, que\
o d o d

pres ente text 130


• Interessa-me mais i,
o " e_n tificar brevemente o pr ­
d o real. O mesmo fazem os econo
-
cedimen t marxi ano na impugnaça teon ca e P rou h n. ão co­
st relações a as, mas n
o o d d o

"explic am c mo se pr duz ne
d d
as
his tórico
o
o
es, ou seja, m vim to
mo se p uzem es1tas relaçõ
o en o
rod

n "
que as eng r u 34• d o
e
(128) Sobre a Miséria da Fi1asafia d ti e-me, de forma sucinta, na introdução
:
q u� redigi para a sua nova versão brasileir:, ser lançada brevemente pela Livraria
. p
Editora Ciências Humanas
• , de São I
auo.
, capítulo .
. . 1 ("0 Método") do segundo
.
(129) Apenas um índice: ele ain da eSta mmto distante da descoberta da (131) Cfr. especialmente o§ 12/184 6(0 euv res/ Economie, ed. cit., L p.
mais-valia. nkov, 28/
.. (132) Cfr. a carta aAnne o núc leo a arg umentação desenvolvid
a
esta carta contém
d
(130) Que se pense, por exemplo no § 2 ("A diVIsão do trabalho e as
, . _ 1438 e ss.). Com o se sabe,
rn�qumas") do segundo capítulo da obra. À'1, sem referu abertamente o problema da
, . na Miséria da Filosofia. mie, ed. cit., [, p. 123.
alienação , Mane já ofe rece um tr tamento genético-siste mátic o do processo (133) Cfr. Oeuvres/Econo
pelo qual o trabalho sob o capir:;Itº
mo , ;esapossa o �er social do trabalhador e ao
(134) Ide m, p. 74.
ª
mesmo tempo, abre ; via para ultrapassagem desta situação.
63
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