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DO TRABALHO
Os efeitos da Revolução
DIGITAl na sociedade
Organizadores
Rodrigo de Lacerda Carelli
Tiago Muniz Cavalcanti
Vanessa Patriota da Fonseca
República Federativa do Brasil
Pareceristas
Erlan José Peixoto do Prado
Procurador Regional do Trabalho
Apresentação
Rodrigo de Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti
e Vanessa Patriota da Fonseca.........................................................................................9
Texto introdutório
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Se a vida não é só de sombra, ela tampouco é apenas de luz. A partir
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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O mundo do trabalho, certamente um dos mais atingidos por
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mais diversos – desde a tradução de um texto até o desenvolvi-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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dessa história. Roga-se por uma meta global: um pacto social pela
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de Direito do Trabalho na Katholieke Universiteit Leuven, Bélgica,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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ver por trás da novidade a real atividade econômica e o modo com
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vezes imperceptíveis mas importantes impactos e analisando as
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
16
Importa ressaltar que os textos que integram a presente obra não
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TEXTO INTRODUTÓRIO
Automação, inteligência artificial e proteção
laboral: patrões algorítmicos e o que fazer
com eles1-2
Valerio De Stefano
Professor de Direito do Trabalho na KU Leuven, University
de Leuven, Bélgica.
21
humanos para a regulação do trabalho, a fim de proteger a privacidade
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Abstract: This paper aims at filling some gaps in the mainstream debate
on automation, the introduction of new technologies at the workplace
and the future of work. This debate has concentrated, so far, on how
many jobs will be lost as a consequence of technological innovation. This
paper examines instead issues related to the quality of jobs in future
labor markets. It examines the implications of practices such as “people
analytics” and the use of big data and artificial intelligence to manage
the workforce. It stresses on an oft-neglected feature of the contract of
employment, namely the fact that it vests the employer with authority and
managerial prerogatives over workers. It points out that a vital function of
labor law is to limit these authority and prerogatives to protect the human
dignity of workers. In light of this, it argues that even if a Universal Basic
Income were introduced, the existence of managerial prerogatives would
still warrant the existence of labor regulation since this regulation is
about much more than protecting workers’ income. It then highlights the
benefits of human-rights based approaches to labor regulation to protect
workers’ privacy against invasive electronic monitoring. It concludes by
highlighting the crucial role of collective regulation and social partners in
governing automation and the impact of technology at the workplace, to
ensure a vital “human-in-command” approach.
1 · Introdução
Em 2013, a publicação de um artigo agora mundialmente famoso
dos acadêmicos de Oxford Carl Frey e Michael Osborne sobre
“como os empregos são suscetíveis à informatização” estimulou
um debate gigantesco sobre automação e as ameaças relaciona-
das à perda irrestrita de empregos e ao desemprego em massa
(FREY; OSBORNE, 2013). Pode-se dizer que esse debate se concen-
trou fortemente no número de empregos que serão perdidos para
a automação. De fato, o debate acadêmico e político sobre essas
22
questões tem adotado uma abordagem “quantitativa”, tentando
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avanços tecnológicos sempre implicarão progresso, particularmente
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
9 Ver a Seção 4.
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A tecnologia da informação e a inteligência artificial10 permitem,
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Sistemas GPS permitem monitorar a posição e a velocidade dos
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de e-mail, escutas telefônicas, rastreamento de conteúdo de com-
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14 Para uma análise exaustiva realizada por uma autoridade pública das
práticas comuns do EPM, ver o Grupo de Trabalho “Proteção de Dados” do
art. 29º (agora, o Comitê Europeu para a Proteção de Dados), Opinion 2/2017
on data processing at work, adopted on 8 June 2017.
15 Disponível em: https://www.humanyze.com.
28
elementos altamente pessoais,16 incluindo o nível de interação com
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escritórios de advocacia, empregaram a IA para examinar o com-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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produtividade e o aumento dos níveis de segurança, também para o
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softwares sofisticados ainda poderiam reconhecer e penalizar os
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nomeadamente medindo os seus dados biológicos por meio da
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pois se um pai poderia ordenar onde seus filhos adquirissem merca-
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pelo direito contratual ou pelo direito de propriedade (SUMMERS,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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trabalho e na noção de subordinação da civil law. Como Deakin e
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causados pela automação deve ser a introdução da RBU para mitigar
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a salvaguarda dos trabalhadores porque eles são economicamente
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para evitar abusos gerenciais que põem em perigo a dignidade
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
26 Para uma ampla discussão sobre como a proteção da dignidade humana e dos
direitos humanos dos trabalhadores pode ser apresentada como elemento
fundamental do Direito do Trabalho, ver as contribuições recolhidas em
Philosophical Foundations of Labour Law (COLLINS; LESTER; MANTOUVALOU,
2019). Para uma avaliação crítica aprofundada dos argumentos baseados nos
direitos humanos nos discursos sobre o Direito do Trabalho, ver, no entanto,
Matthew Finkin (2019).
27 Ver Frank Hendrickx (2019a, 2019b).
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atividades online pelo empregador, embora admissível em princípio,
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inferindo como alguém com um histórico de crédito particular
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Assim, é crucial que padrões e proteções adequados e específicos
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“éticos” muito mais vagos, como o discurso da “IA ética”, atual-
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STEFANO, 2016).34 Por exemplo, a prática de capturar imagens
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5 · Negociar o algoritmo: “humanos no comando”
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sejam evitados resultados arbitrários ou discriminatórios. Para
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tomada de decisão sem intervenção humana, acima discutido,
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enquanto direito habilitador e mecanismo de racionalização do
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Referências
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: how
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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Disponível em: http://uniglobalunion.org/news/global-union-sets-new-
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HOLLO, Tim. Can less work be more fair? A discussion paper on Universal
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58
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. The employment relationship:
59
MOORE, Phoebe; AKHTAR, Pav; UPCHURCH, Martin. Digitalisation
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
PASQUALE, Frank. The black box society. The secret algorithms that
control money and information. Cambridge, MA: Harvard University
Press, 2015.
60
www.theguardian.com/technology/2016/jun/22/silicon-valley-univer
THE WORKPLACE of the future. The Economist, London, Mar. 28th 2018.
Disponível em: https://www.economist.com/news/leaders/21739658-arti
ficial-intelligence-pushes-beyond-tech-industry-work-could-become-
faireror-more.
61
PRIMEIRO CAPÍTULO
Programação algorítmica e subordinação
cibernética: a sociedade do controle e a
falácia da autonomia
O trabalho em plataformas e o vínculo de
emprego: desfazendo mitos e mostrando a
nudez do rei
Abstract: This paper argues that the claims of digital platforms that could
justify that their workers would not be employed are based on myths
or are detached from reality. The study presents the difference between
platforms that function as a marketplace and those that intermediate
workers, which are also differentiated from those that effectively provide
other services beyond mere intermediation and that cannot, therefore,
be considered as digital instruments of connection between clients
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and service providers. It is also argued that the claim that workers are
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
O mundo do trabalho, em praticamente toda parte deste planeta, foi
surpreendido pela invasão de empresas que, apresentando-se como
soluções tecnológicas modernas sob o modelo de marketplace, pro-
põem novas formas de contratação de trabalhadores que, por sua
vez, realizariam seu trabalho de forma independente e alcançariam
sua autonomia organizando seu próprio labor. Essas empresas, por
meio de plataformas eletrônicas baseadas em conexões na grande
rede e a partir de aplicativos instalados em aparelhos smartphones,
realizariam de forma otimizada a ligação entre a oferta de presta-
dores de serviços e a demanda de clientes que desejariam contratar
esses trabalhadores.
Se por um lado algumas empresas mantêm esse modelo de maneira
razoavelmente fiel, por outro uma parte das companhias da dita
gig economy, como por exemplo aquelas que prestam serviços de
transporte de pessoas e mercadorias, faz proveito da ideia como
escudo para poderem prestar serviços sem cumprir as regras
democráticas estatuídas.
O discurso dessas empresas sustenta-se basicamente em dois
argumentos: 1) que realizam apenas intermediação eletrônica entre
oferta e procura, sendo somente empresas de tecnologia que otimi-
zam o “mercado”; 2) que seus trabalhadores são autônomos, pois
não são submetidos a subordinação, tendo em vista que não têm
horário para cumprir e podem inclusive recusar trabalho ofertado.
Esses argumentos não são convincentes, seja pela falta de res-
paldo na realidade, seja por não encontrarem guarida no próprio
Direito do Trabalho e nos conceitos de empregado, empregador e
trabalhador autônomo.
66
Este artigo pretende desmistificar esses dois pontos, que são emba-
67
digital para unir viajantes a pessoas que desejariam fornecer um
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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que trabalham. A criação dessa mercadoria fictícia é essencial para
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
3 Art. 7º, § 1º. A citada convenção não foi ainda ratificada pelo Brasil, mas é
aplicada por conta do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, devido à
ausência de regras específicas no direito brasileiro. Em relação à cobrança, há
dispositivo na Lei n. 6.019/1974 que proíbe a exigência de qualquer quantia do
trabalhador, mesmo a título de mediação.
70
garantir o melhor serviço. Mas, se acontecer qualquer problema,
71
É tática já conhecida de empresas de transporte por plataforma
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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Uber coloca no mercado uma “gama de produtos”. Pode-se pergun-
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FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Figura 2: Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive. Pretos cangueiros (1841). Acervo
do Instituto Moreira Salles
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empresa, seja ela individual ou coletiva, é aquele empreendimento
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próprio negócio a direção e a distribuição do trabalho necessário
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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plataforma: os trabalhadores deveriam, para serem considerados
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Outra dessas considerações sem base legal ou mesmo conceitual
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
12 Cf. https://www.nsctotal.com.br/colunistas/anderson-silva/uber-diz-que-mo
torista-do-aplicativo-nao-pode-perguntar-destino-de.
13 Cf. https://uberbra.com/destino-do-passageiro/.
14 Cf. https://ojs.library.queensu.ca/index.php/surveillance-and-society/article/
download/12911/8493/.
15 Cf. https://www.buzzfeednews.com/article/pranavdixit/uber-ola-drivers-can
cel-india.
16 Cf. https://www.uber.com/pt-BR/blog/como-funciona-taxa-aceitacao-cance
lamento/.
17 Cf. https://uberbra.com/motivos-punicoes-uber/.
18 Cf. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/08/21/o-que-uber-99-e-
cabify-realmente-fazem-com-motoristas-que-tem-nota-baixa.htm.
19 Cf. https://www.theguardian.com/technology/2019/may/31/uber-to-ban-riders
-with-low-ratings.
20 Cf. https://www.conjur.com.br/dl/juiz-reconhece-vinculo-emprego-uber.pdf.
21 https://www.reclameaqui.com.br/cabify/bonus-para-motorista_cUzVrOHa
JwuymeaW/.
79
Contudo, mesmo se o trabalhador tivesse essa possibilidade de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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Também já salientava Marx (2013, p. 624-625) que tal tipo de con-
4 · Conclusão
Os mitos invadem a sociedade em todos os seus aspectos, e não
poderia ser diferente em relação ao direito do trabalho. As empre-
sas-plataforma, que podem ser consideradas desenhos digitais de
concepções ideológicas – como as de livre mercado e livre contra-
tação de homens e mulheres, entendidos como empresas em con-
corrência –, agem no mundo para a implementação dessas ideias
de forma afastada da realidade e do ordenamento jurídico. Tenta-se
alterar a realidade pela forma, mudar a coisa pelo nome. Toda ten-
tativa nesse sentido sempre foi vã, a história nos mostra isso.
As plataformas apresentam uma nova forma de organização do
trabalho, mas não têm a capacidade de alterar a realidade das
coisas. Uma pessoa que se ativa em uma plataforma para buscar
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trabalho automaticamente transforma essa empresa em inter-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
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HIGTON, Bernard (Compilação). Histórias maravilhosas de Andersen. Trad.
Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995. p. 15-21.
KENNEY, Martin; ZYSMAN, John. The rise of the platform economy. Issues
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and Medicine, The University of Texas at Dallas- Arizona State University,
32, n. 3, p. 61-69, Spring 2016.
82
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. Platform capitalism: the intermediation
83
Gestão algorítmica e o futuro do trabalho*
Jeremias Adams-Prassl
Professor de Direito da Magdalen College and Faculty of
Law, Universidade de Oxford.
85
aspect of debates surrounding automation and the future of work:
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
O futuro do trabalho é um fascínio antigo: a cada nova onda de ino-
vação tecnológica surge uma série de questões espinhosas sobre
seu impacto no mercado de trabalho. Os postos de trabalho serão
substituídos pela nova tecnologia? Caso contrário, como serão refor-
mulados? Quais são as implicações mais amplas tanto para os tra-
balhadores individuais quanto para a regulamentação jurídica em
geral? Os recentes avanços tecnológicos trouxeram de novo à tona
muitas destas questões, nomeadamente no contexto da gig economy,
possibilitada por celulares equipados com processadores poderosos,
ligações rápidas à internet e navegação por satélite de alta precisão.
Os desafios do mercado de trabalho inerentes a um mundo de inter-
mediação laboral baseada em plataformas são consideráveis, desde a
classificação dos trabalhadores e a proteção coletiva dos direitos até
as disposições em matéria de saúde e segurança, impostos e segu-
rança social. Essas questões têm estado, com razão, na vanguarda
da atenção dos tribunais e dos decisores políticos, tanto em nível
interno como em nível internacional.
Ao mesmo tempo, porém, uma exploração detalhada da gig economy
logo encontra um paradoxo de inovação fundamental. Embora seja
indubitavelmente verdade que os elementos (tecnológicos) funda-
mentais subjacentes ao crescimento da gig economy são fenôme-
nos completamente novos, seu impacto na organização do traba-
lho pode ser caracterizado com maior precisão com a continuação
lógica e a extrapolação das tendências de longa data do trabalho
atípico, como explorado num recente relatório da OIT:
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[...] ao longo das últimas décadas, tanto nos países industria-
87
em massa, parece que a consequência imediata da automação tem
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
88
de trabalho. Ao contrário das previsões futuristas, o advento do
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vez mais –, com consequências às vezes profundamente proble-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
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dos seus armazéns, a Amazon revelou o uso extensivo da gestão
3 · Concentrando controle
As limitações de espaço do presente estudo proíbem maior explo-
ração de como o exercício de toda a gama de funções do emprega-
dor pode ser – e tornou-se – automatizado pelo advento da análise
de pessoas. O quadro que emerge da rica literatura sobre a questão
é claro:6 a automação da gestão permite o exercício de um controle
até agora incrivelmente granular sobre todos os aspectos do dia de
trabalho. No entanto, isso não é apenas um retorno ao taylorismo
(digital): os tipos de dados considerados, os padrões probabilísticos
utilizados na autoaprendizagem e as novas formas de exercício do
controle diferem fundamentalmente das estruturas tradicionais
de gestão em torno das quais o Direito do Trabalho foi concebido.
Uma combinação de coleta de dados em tempo real e análise de
aprendizagem por máquina permite que os empregadores monito-
rem e direcionem sua força de trabalho de forma contínua – enquanto
dispersam a responsabilidade pelos algoritmos. Impulsionadas por
parâmetros imprevisíveis e em rápida evolução, as decisões de gestão
tornam-se difíceis de registrar, ou mesmo de explicar. As restantes
seções deste artigo exploram o consequente paradoxo de controle/
responsabilidade, olhando primeiro para a concentração de controle,
antes de se voltar para a difusão de responsabilidade.
3.1 · Dados
O primeiro elemento na ascensão da análise de pessoas é a coleta
de quantidades inimagináveis de dados: informações de granu-
laridade fina sobre funcionários individuais. Existem três gran-
des fontes de dados no local de trabalho moderno: informações
digitais, sensores e uma tendência crescente de autocontrole de
91
funcionários. No que diz respeito à informação digital, em pri-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
92
de dados de diferentes fontes podem – pelo menos em princípio e
3.2 · Processamento
Gravar e organizar grandes quantidades de dados por si só não
é suficiente, no entanto: a chave para o crescimento da análise de
pessoas é a disponibilidade de ferramentas cada vez mais pode-
rosas para processar e analisar o que foi capturado. A ascensão
da inteligência artificial em geral, e da aprendizagem automática
em particular, tornou-se objeto de intensa discussão em debates
jurídicos e políticos para além do âmbito do presente inquérito.
É importante notar que a inteligência artificial (do tipo domain-
-specific) não é um conceito novo, ou mesmo um novo termo.9
Historicamente, no entanto, a tecnologia estava restrita aos cha-
mados “sistemas peritos”, em que uma série de decisões foi codi-
ficada em uma complexa árvore de decisão.10
Mais recentemente, o advento de grandes conjuntos de dados e
as quedas precipitadas no custo do poder de processamento ali-
mentaram o aumento da autoaprendizagem – análises probabi-
lísticas de grandes conjuntos de dados, confiando em modelos
estatísticos sofisticados para detectar padrões ou correlações nos
dados (POLSON; SCOTT, 2018). Esse é um passo crucial para nos
afastarmos de nossa compreensão tradicional dos algoritmos: o
aprendizado de máquina é projetado para depender de uma cons-
tante evolução e redefinição de parâmetros – o controle algorít-
mico não está mais confinado apenas às experiências ensinadas
por meio de conjuntos de dados de treinamento e rotinas analíti-
cas pré-programadas (HEAVEN, 2017). Os resultados são estrutu-
ras de decisão em constante mudança: à medida que quantidades
93
crescentes de dados são coletadas sobre os empregados e todos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
3.3 · Controle
Em uma primeira onda de people analytics, a ênfase foi no aumento
do poder de tomada de decisão gerencial: algoritmos de aprendi-
zagem de máquina iriam varrer grandes conjuntos de dados para
insights importantes no local de trabalho, a partir da disposição
dos espaços físicos para comportamentos de equipe produtivos e
improdutivos, e, em seguida, fornecer a automação para a gestão, a
fim de informar suas escolhas.
Pelo menos de uma perspectiva técnica, no entanto, não há nada
inerente às capacidades de tal software para se limitar a infor-
mar os gerentes tradicionais: em princípio, pelo menos, suas deci-
sões reais podem ser totalmente automatizadas.11 O armazém da
Amazon em Baltimore, discutido anteriormente, é um estudo de
caso em questão:
O sistema da Amazon rastreia as taxas de produtividade de cada
colaborador e gera automaticamente quaisquer avisos ou encerra-
mentos relativos à qualidade ou produtividade sem a intervenção
dos supervisores [...]. Se um colaborador receber duas advertências
finais escritas ou um total de seis advertências escritas num perí-
odo de 12 meses consecutivos, o sistema gera automaticamente
um aviso de rescisão. (LECHER, 2019).
94
demonstra. O chefe algorítmico pode pairar sobre cada trabalha-
4 · Dispersar a responsabilidade
Do ponto de vista jurídico, esse aumento dramático do controle
pode, a princípio, ser considerado bem-vindo: a maioria dos sis-
temas de Direito do Trabalho coloca uma ênfase significativa no
controle e (ou) na subordinação como fator-chave para determinar
quando uma relação deve ser abrangida pelas normas de proteção.
Ao mesmo tempo que se concentra dramaticamente o controle do
empregador, no entanto, elementos-chave da gestão algorítmica
também podem ser usados para espalhar a responsabilidade: ques-
tões sobre quem deve ser responsável (a empresa empregadora? Os
designers do software? Os fornecedores de dados de treinamento
contaminados?) já não podem ser necessariamente abordadas com
as ferramentas tradicionais do Direito do Trabalho. Esse é o desafio
técnico fundamental na ascensão da análise de pessoas.
A abrangência do Direito do Trabalho é uma questão contro-
versa há décadas: na maioria dos sistemas jurídicos, o controle e
a subordinação são critérios centrais na definição do trabalhador
(que goza de direitos e proteção jurídica), do seu empregador (que
está sujeito aos deveres correspondentes) e do contrato de traba-
lho entre eles (VAN VOSS; WAAS, 2017). Com base na teoria da
firma de Coase, Deakin e Wilkinson (2005) demonstraram como
esse modelo jurídico desempenha um papel igualmente crucial
na economia da regulação do mercado de trabalho: o Direito
do Trabalho é a contrapartida entre os benefícios do controle
imposto aos empregados e o custo das obrigações de proteção
impostas aos empregadores em troca. As instâncias individuais
de controle gerencial são atribuídas à personalidade (jurídica) do
empregador, a fim de garantir a responsabilização e facilitar a
execução (DAVIES; FREEDLAND, 2006).
95
Uma vasta literatura sobre “trabalho atípico” explorou as impli-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
96
trespassado para combater abusos fraudulentos por parte das
5 · Conclusão
A ascensão da gestão algorítmica está lenta, mas, definitiva-
mente, se tornando um ponto focal da análise acadêmica e dos
debates políticos mais amplos em torno do futuro do trabalho. Os
padrões de discurso são reminiscentes daqueles que rodeavam
os primeiros tempos do que era então frequentemente referido
como a “economia do compartilhamento”. Mais uma vez, somos
confrontados com mensagens fortemente conflituosas, justa-
pondo a promessa do futuro do trabalho com previsões terríveis
de exploração (algoritmicamente aperfeiçoada). Na realidade, é
claro, há elementos de verdade em ambas as narrativas: deve-
mos ser muito cautelosos com as soluções regulatórias fáceis
propostas pelos proponentes de ambos os lados, seja uma desre-
gulamentação completa de um lado, seja uma fantasia ludita de
destruir a tecnologia do outro.
O verdadeiro desafio reside em aproveitar o potencial inequívoco
das tendências que irão moldar o trabalho de amanhã, assegu-
rando simultaneamente que ninguém fique para trás em termos
de condições de trabalho dignas e sustentáveis. Mais fundamen-
talmente, isso exige que evitemos cair na armadilha do determi-
nismo (tecnológico): nenhuma das tendências identificadas neste
artigo resulta de uma lógica inexorável. A análise histórica sugere
fortemente que o progresso tecnológico torna o trabalho mais fácil,
mais seguro e mais produtivo. Ao mesmo tempo, no entanto, abre
as possibilidades de abuso, desde a vigilância invasiva da privaci-
dade até o trabalho precário e altamente pressionado.
97
O que é essencial, então, é um verdadeiro sentido de agência, do
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
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TURING, A. Computing machinery and intelligence. Mind, Oxford, v. 59,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
WEIL, D. The fissured workplace: why work became so bad for so many
and what can be done to improve it. Cambridge, MA: Harvard University
Press, 2014.
100
Controle e contrato hiper-realidade:
a relação de emprego na era da economia
orientada a dados
101
1 · Introdução
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
102
A tarefa da doutrina é, de forma analítica, qual coruja hegeliana,
105
elevação do preço do petróleo, o padrão de acumulação taylorista
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
109
O conceito de controle adapta-se melhor que a ideia de subordina-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
112
Em síntese, será o algoritmo que ditará as regras do negócio e da pres-
4 · Considerações finais
A transição de uma economia industrial-metalúrgica, material,
analógica, da escassez para uma economia digital e semiúrgica, da
abundância de bits, pós-industrial ainda não nos permite definir os
seus contornos finais, mas já é possível vislumbrar suas tendências
e perigos, sobretudo no que toca ao âmbito da anomia regulatória
e da concentração da riqueza.
Neste momento, quer-nos parecer que os cinco operadores con-
ceituais examinados neste estudo passam a ser úteis para melhor
compreender e operar o Direito do Trabalho sob os influxos do
capitalismo dos dados:
O Direito do Trabalho sob o impacto das tecnologias orientadas a
dados não pode se conter mais apenas na disciplina, individualizada,
foucaultiana; ele deve se dirigir também ao controle deleuzeano,
estatístico e coletivo. O mais estratégico, do ponto de vista da orga-
nização do trabalho, na era do rastreamento de dados e da vigilância
pós-panóptica, não emana da disciplina dos corpos, mas, sobretudo,
do controle da mente, da alma, da criatividade e dos afetos.
O conceito de controle encaixa-se melhor – do que a ideia de subor-
dinação jurídica – como critério de identificação do vínculo empre-
gatício em relação às novas formas de trabalho. O controle, tele-
mático e informatizado, além do duplo argumento dogmático de
haver sido integrado de maneira explícita ao ordenamento jurídico,
tanto a partir do (I) parágrafo único adicionado ao art. 6° da CLT
em 2011, como do desdobramento da possibilidade de (II) recusa
à convocação de trabalho do contrato intermitente (CLT, § 3° do
artigo 452-A), aproxima-se mais dos critérios adotados no Direito
do Trabalho Comparado, por exemplo, as noções de alienidade, (aje-
nidad na Espanha), subordinação tipológica ou aproximativa (Itália)
e até do teste ABC, oriundo da jurisprudência norte-americana e
consagrado na Lei AB-5 do Direito do Trabalho californiano.
113
Se o contrato-realidade foi um construto jurídico para ressal-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
ATZORI, Luigi; IERA, Antonio; MORABITO, Giacomo. The internet of things:
a survey. Computer Networks, Amsterdam, v. 54, n. 15, p. 2787-2805, 2010.
114
tecnológico. In: CHAVES JÚNIOR, J. E. R.; LEME, A. C. R. P.; RODRIGUES,
115
NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Império. Trad. para o português de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
SPINOZA, Benedicti de. Tratado político. Trad. castel., introd., índice analítico
y notas de Atilano Domínguez Basalo. Madrid: Alianza Editorial, 1986, 2004.
116
A lei sobre o TVDE e o
contrato de trabalho: sujeitos,
relações e presunções
117
à subordinação jurídica e pondera que este é um elemento de geometria
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
120
I. O CT afirma, expressis verbis, que o trabalhador é, necessaria-
2 Talvez seja possível ir mais longe com Fernandes (2017, p. 113-122), para quem
o novo segmento “no âmbito de organização”, em lugar da anterior “direção”,
consiste numa alteração suscetível de agilizar a qualificação do elemento
subordinação, adotando um conceito mais flexível de subordinação laboral, de
forma a abranger as novas formas de organização do trabalho e passando esta
nova matriz de laboralidade a abranger os trabalhadores economicamente
dependentes. Também Fernandes (2018, p. 97-107) considera existir uma
tendência para passar do critério formal da subordinação jurídica (assente
na existência de uma posição de autoridade juridificada de um sujeito sobre
o outro) para o critério material da dependência económica (assente numa
situação de supremacia de facto derivada da posição de um dos sujeitos
perante o mercado e o processo produtivo).
121
Assim, ontem como hoje, analisando a noção legal de contrato
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
122
(pense-se, por exemplo, em certas hipóteses do chamado “traba-
123
de serviço compromete-se a proporcionar um resultado do traba-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
124
Se a isto juntarmos que não existe uma relação necessária entre a
125
serviço) resulta de uma alteração do tipo negocial correspondente
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
126
toparemos com um contrato de trabalho, e não com um qualquer
127
de controlo múltiplo, em ordem a formular um juízo global sobre
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
128
a. A atividade seja realizada em local pertencente ao seu benefici-
129
primeiro momento, ele poderá concentrar-se nos dados que inte-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
130
TVDE, pessoa coletiva que efetua transporte individual remune-
11 Nos termos do artigo 5º, n. 1, da lei, “o serviço de TVDE só pode ser contratado
pelo utilizador mediante subscrição e reserva prévias efetuadas através de
plataforma eletrónica”.
12 Sobre os serviços disponibilizados pelos operadores de plataformas eletrónicas, vd.
o disposto no artigo 19° da lei. Entre esses serviços, contam-se o de disponibilizar
mecanismos transparentes, credíveis e fiáveis de avaliação da qualidade do
serviço pelo utilizador, nomeadamente por botão eletrónico de avaliação relativo
a cada operação, bem como o botão eletrónico para apresentação de queixas (n.
1, d), assim como a identificação do motorista, incluindo o seu número único
de registo de motorista de TVDE e fotografia (n. 1, e). Em vez, é expressamente
proibida a criação e a utilização de mecanismos de avaliação de utilizadores por
parte dos motoristas de TVDE ou dos operadores de plataformas eletrónicas (n. 5
do mesmo artigo). A atividade de operador de plataformas eletrónicas está sujeita
a licenciamento, nos termos do artigo 17°, procurando a lei estabelecer garantias
quanto à idoneidade de tais operadores (artigo 18°).
131
E, como decorre do disposto no artigo 10º, “apenas podem conduzir
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
13 Norma esta replicada pela lei, exatamente nos mesmos termos, para o
operador de plataformas eletrónicas, no artigo 17°, n. 11. E também a atividade
de operador de TVDE está sujeita a licenciamento, com a lei a estabelecer
regras tendentes a garantir a respetiva idoneidade (arts. 3º e 4º).
132
pessoas coletivas dedicadas a efetuar transporte individual remu-
133
de forma altamente inovadora e até surpreendente,15 se pensarmos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
134
operador de plataforma eletrónica. Este contrato será celebrado
135
trabalhar através de plataformas eletrónicas e de apps. Fatores
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
136
o cliente. E a discussão se centra na qualificação da relação jurídica
Referências
AMADO, João Leal. Contrato de trabalho: noções básicas. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 2019.
137
GOMES, Júlio. Direito do trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2005.
138
Neuromarketing e sedução dos
trabalhadores: o caso Uber
Abstract: The problem of Uber drivers and cyclists has been addressed
lightly in Brazil, failing to point out relevant aspects related to the way
society and the workers themselves view this legal relationship. The
purpose of this paper is to indicate the Neuromarketing tools, together
with advertising techniques, color theory and subjectivity capture,
which the company has been using to convince the general public that
its work is not exploratory of the human capital and that it is, therefore,
not related to or protected by Labor Law. The problem-theme, namely,
how is the relationship between Neuromarketing and the seduction of
139
Uber drivers and cyclists in preventing access to justice, will have as its
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
O presente artigo visa a demonstrar como a empresa Uber uti-
liza técnicas do Neuromarketing, da ciência comportamental, da
teoria das cores e dos princípios cromáticos para capturar a sub-
jetividade de trabalhadores a fim de atrair, de maneira sutil, uma
multidão de motoristas e ciclistas “independentes” e formar um
exército de “autônomos”, além de conseguir o engajamento dos
clientes que, inclusive, defendem a marca. Tudo isso com o obje-
tivo de viabilizar seu negócio e maximizar seu crescimento expo-
nencial, em nível quase planetário.
Os motoristas e ciclistas da Uber, em tese, são empreendedores ou
donos de “empresas independentes”, em vez de empregados tradi-
cionais. Isto lhe permite minimizar os custos de mão de obra, na
linha das empresas de custo marginal zero,1 bem como transfe-
rir riscos ou mesmo se blindar contra eles. Todavia, defender essa
suposta autonomia significa não poder obrigar os motoristas e
ciclistas a comparecerem em um local e horário específicos. E essa
incerteza quanto à disponibilidade poderia causar estragos em um
serviço cujo objetivo é transportar passageiros e alimentos sem
interrupções, quando e onde quiserem os usuários.
Ao que tudo indica, a solução para essa indesejada incerteza, então,
vem sendo a inserção de incentivos psicológicos e outras técnicas
descobertas pela ciência comportamental no algoritmo, para influen-
ciar quando, onde e por quanto tempo os motoristas e ciclistas tra-
balham. Foram elaboradas estratégias para criar um sistema, em
tese, perfeitamente eficiente sob a ótica da empresa: um equilíbrio
entre a demanda e o fornecimento de motoristas e entregadores de
alimentos com o menor custo para os passageiros e para a empresa.
A conta não fecha, contudo, para os trabalhadores, como se veri-
fica em uma série de dados que demonstram a precarização de
140
suas condições, como a baixa remuneração e a transferência dos
142
Nos autos do inquérito, o ex-gerente-geral informou que “o aplica-
informava o preço bruto por hora que os motoristas poderiam ganhar, que
variava de R$ 35,00 a R$ 70,00. No entanto, há requisitos que podem impedir
os ganhos, pois o trabalhador terá que aceitar no mínimo 85% das viagens e
completar 1,8 viagem por hora dentro dos períodos promocionais.
143
truques psicológicos. O intrigante foi perceber que esses esforços
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
144
mais importante são as pessoas a quem serve: os motoristas, já que
145
também representa o ícone da tecnologia; contudo, é usado quase
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
146
Uber, e, no Brasil, não havia sequer um único acórdão até agosto
147
Esse sistema foi denominado pelo autor de uma “espécie de purga-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
8 De acordo com Helena Shigaki, Carlos Gonçalves e Carolina dos Santos (2017),
“uma definição de Neuromarketing foi dada por Luttikhuis, coordenadora de
marketing da Neuromarketing Science & Business Association (NMSBA), que dizia:
‘Neuromarketing tem por objetivo entender o impacto dos estímulos de marketing,
pela observação e interpretação das emoções humanas’ (ZIELINSKI, 2016)”.
151
de motoristas contra a Uber. Utilizando-se a somatória dos dados
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
7 · Conclusão
A Uber se utiliza de técnicas de Neuromarketing, das cores e da
ciência comportamental para capturar a subjetividade de trabalha-
dores a fim de atrair de maneira sutil uma multidão de motoristas
e ciclistas “independentes” e formar um exército de “autônomos”.
Com isso, cumpre seu objetivo de viabilizar seu negócio e maximi-
zar seu crescimento exponencial.
152
Seja por meio da desarticulação linguística, da visão do trabalho
Referências
AGARWAL, Sharad; DUTTA, Tanusree. Neuromarketing and consumer
neuroscience: current understanding and the way forward. Decision, v. 42,
n. 4, p. 457-462, dez. 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/
publication/284234343_Neuromarketing_and_consumer_neuroscience_
current_understanding_and_the_way_forward. Acesso em: 23 jun. 2019.
153
RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
COMERCIAL Uber Young Golds. [S. l.: s. n.], 2015, vídeo (1 min). Publicado
pelo canal Juan Arboleda Puma. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=kIsC3EIeYOo. Acesso em: 20 jun. 2018.
RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero: a internet das coisas,
os bens comuns colaborativos e o eclipse do capitalismo. Tradução de
Monica Rosemberg. São Paulo: M. Books, 2016.
SCHEIBER, Noam. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’
buttons. The New York Times, [online], 2 abr. 2017. Disponível em: https://
154
www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-drivers-
UBER: commercial. [S. l.: s. n.], 2014, vídeo (3 min). Publicado pelo canal Gregory
Totten. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2o9wR5_NfS8.
Acesso em: 20 jun. 2020.
155
Formas de contratação do trabalhador na
prestação de serviços sob plataformas digitais
Abstract: This text deals with the debate of the business platforms of
industry 4.0 and the reflection on the framework of these as economy
of sharing. It addresses the example of Airbnb and its deregulation problems.
When dealing with digital working platforms, it presents the Uber as a
model case. It examines the arguments of judicial and administrative
decisions on Uber drivers and, in the end, presents incipient conclusions.
157
tecnológica permite que apenas um celular seja o elo com a cadeia
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
158
uso compartilhado. O ditado popular inglês What’s yours is mine (o
159
3 · O trabalho nas plataformas digitais
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
4 · O caso Uber
A Uber é o caso de maior destaque e até designado como “econo-
mia-Uber” por ser um modelo de gestão de atividade econômica na
indústria 4.0. O padrão Uber não começou pela própria, mas sim
pela empresa de plataforma denominada Lyft.
A precursora Lyft deu início à virada de aplicativos de transportes
do eixo da economia do compartilhamento para a prática da eco-
nomia capitalista. Nesta plataforma de transporte, os motoristas,
em busca de uma certa quantia de dinheiro, faziam percursos não
programados ou fora do seu roteiro, a fim de coletar passageiros;
ou seja, saiu-se de um padrão em que um motorista proporcionava
carona compartilhada a outra pessoa para um tipo padrão de venda
de um serviço de transporte pelo motorista com seu carro próprio
mediante o pagamento de certa quantia.
161
A Uber foi fundada em 2009 com a proposta de ser uma empresa de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
162
lhe envia mensagens de estímulos e até com oferta de premiações
163
Uber impor inúmeras condições aos motoristas (como escolha limi-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
164
– límite de 40 minutos en la realización de un encargo (en la cláusula
165
por sua vontade, o que impede a ideia de não eventualidade como
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
167
numa subordinação algorítmica (TEODORO, 2017, p. 18), e escanca-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
6 · (Incipientes) conclusões
O modelo Uber é, mais do que uma forma de organizar uma empresa,
essencialmente um modelo de negócio com uma concepção sistêmica
de atividade econômica baseada em tecnologia com custos mínimos.
Contudo, este modelo empresarial ocorre numa zona de desregula-
ção, sem garantia de proteção social para seus trabalhadores.
O trabalho por aplicativo tem se mostrado, assim, como uma intensa
precarização associada à tecnologia e evidente hipossuficiência do
trabalhador. Um dos fatores de sucesso econômico das plataformas
de serviço ou trabalho é estas atuarem numa clara zona de desre-
gulação, sob a aparente forma de plataforma de comunicação, impu-
tando aos seus trabalhadores a forma de parceiros e autônomos.
Agrava ainda mais essa situação de precariedade a transferência dos
riscos da atividade para os trabalhadores, particularmente nos casos
de aplicativos de transportes, sendo eles responsáveis pela aquisi-
ção e manutenção dos veículos, despesas de combustível, impostos
sobre o veículo, seguro por acidente, além de outros, sofrendo ainda
os riscos e o custo econômico da ociosidade, visto que estão disponí-
veis para trabalhar e não receber pelo tempo à disposição.
No caso das decisões judiciais brasileiras, a situação do TRT-MG é
ilustrativa da controvérsia jurisprudencial sobre o tema, embora
prevaleçam, quantitativamente, decisões de improcedência. Aquelas
que reconhecem o vínculo realizam a análise da relação litigiosa com
a totalidade da atividade econômica da Uber e sempre sob o prisma
da primazia da realidade. As decisões de improcedência fazem uma
abordagem limitada à individualidade da relação litigiosa, despre-
zando o contexto em que a Uber empreende seu negócio.
Uma das grandes questões do exame fático-jurídico do trabalho
nessas plataformas é a relativa liberdade do trabalhador para defi-
nir quando se ativar e quando se desativar da plataforma. Nesse
novo estágio de organização da empresa, a questão da definição do
momento de início ou mesmo de término do labor é superada pela
“programação por controle” e, na visão da totalidade do algoritmo,
168
permite estimular ativações ou desativações dos trabalhadores
Referências
ABÍLIO, Ludmilla. Uberização traz ao debate a relação entre precarização
do trabalho e tecnologia [Entrevista cedida a] IHU Online. Revista do
Instituto Humanitas da Unisinos, Rio Grande do Sul, ano 17, edição 503,
p. 20-27, 24 abr. 2017. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/
artigo/6826-uberizacao-traz-ao-debate-a-relacao-entre-precarizacao-
do-trabalho-e-tecnologia. Acesso em: 12 dez. 2018.
169
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O caso Uber e o controle por programação:
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
de carona para o século XIX. In: PAES LEME, Ana Carolina Reis;
RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
(coord.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São
Paulo: Ltr, 2017. p. 130-146.
170
Os empregados das plataformas1
Emmanuel Dockès
Professor Titular de Direito do Trabalho na Universidade
de Paris X – Nanterre
171
which classified as employment contract the relationship between this
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
digital platform and its delivery cyclists. Following this decision, most
of these workers should be qualified as employees in France, which will
allow them to benefit from the protection of Labour Law and Social
Security. The elements of the employment relationship are analyzed,
especially the signs of subordination and economic dependence in the
case of digital platform workers, and decisions already made in France
and other countries around the world are studied. We highlight the need
to guarantee the protection of Social Law to these workers, who are in a
situation of special fragility, without requiring them to give up flexibility
and freedom regarding working hours.
1 · Introdução
A decisão da Corte de Cassação francesa no caso Take Eat Easy,
de 28 de novembro de 2018,2 qualifica como contrato de emprego
a relação existente entre uma plataforma digital, Take Eat Easy, e
seus entregadores ciclistas. Ela se destaca, assim, em um dos deba-
tes mais acalorados do Direito do Trabalho, tanto na França como
no exterior, a saber, aquele relativo às novas organizações do traba-
lho e, particularmente, aos trabalhadores das plataformas, às vezes
chamados de “uberizados”.3 Após essa decisão, a maioria desses
172
trabalhadores deve ser qualificada como “empregados”,4 o que per-
173
sem dúvida, de uma das principais inovações dos últimos quinze
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
174
tipo de trabalho, não apenas dependente mas submisso, embora
175
perigo para as liberdades.14 E esta é apenas uma das muitas novas
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
176
meio da decisão de 20 de dezembro de 2017,17 que qualifica o Uber
17 CJUE 20 dez. 2017, Elite Taxi x Uber, dec. C-434/15, espec. 34-37, RTD eur. 2018.
147, nota. L. Grard e 2018.273, nota. V. Hatzopoulos RDT 2018.150, nota B. Gomes.
18 A integração em um serviço organizado já chegou a ser um critério alternativo
do contrato de trabalho: v. Cass. Pleno 18 de junho de 1976, D 1977, 173, nota A.
Jeammaud. Desde a decisão no caso Société Générale, de 13 de novembro de
1996, n. 94-13187 P, Dr. soc. 1996. 67, nota J.-J. Dupeyroux; JCP E 1997. II. 911,
nota J. Barthélémy; J. Pélissier, A. Jeammaud, A. Lyon-Caen e E. Dockès, Les
grands arrêts du droit du travail, 4. ed. 2008, n. 2, essa integração se tornou um
indício simples, mas forte, de subordinação. Para uma tentativa doutrinária de
retornar à solução do critério alternativo, baseado na integração econômica,
vide C. Radé, Des critères du contrat de travail, Dr. soc. 2013, p. 202.
19 London Employment Appeal Tribunal, 10 nov. 2017, Uber x Aslam, n.
UKEAT/0056/17/DA28 (e, em primeira instância, London Employment Trib.,
28 out. 2015, Aslam e Farrar x Uber, n. 2202550/2015). Sobre essa decisão,
vide nota de J. Prassl, Uber devant les tribunaux. Le futur du travail ou juste
un autre employeur?, RDT 2017. 439. Mais precisamente, a referida Corte
de Londres rejeita a qualificação de trabalhador autônomo, mas ela apenas
reconhece a qualificação de “worker”, um pouco menos favorável do que
aquela de “employee”. Essa diferenciação não é possível no Direito francês
ou norte-americano. Vide, todavia, para uma recusa de qualificação, High
Court of Justice, 5 dez. 2018, (IWGB v. RooFoods Ltd t/a Deliveroo, n. [2018]
EWHC 3342 (admin), Case n.: CO/810/2018) e sobre esse caso M. Vicente, Les
coursiers Deliveroo face au droit anglais, RDT 2018, p. 515.
20 Suprema Corte da Califórnia, 30 de abril de 2018, Dynamex Operations W., Inc.
v. Superior Court, N. S222732, 2018 WL 1999120. Vide também, na Califórnia,
not. O’Connor v. Uber Technologies, Inc., 311 F.R.D. 547 (N.D. Cal. 2013); Berwick
v. Uber Technologies, Inc., N. 11-46739 EK, 2015 WL 4153765, (Cal. Dept. Lab.
June 3, 2015), aff’d No. CGC-15-546378 (Cal. Super. Ct. June 16, 2015); Superior
Court of California 16 jun. 2015, Berwick v. Uber Technologies Inc., aff’d n.
CGC-15-546378; Cotter v. Lyft, Inc., 176 F.Supp.3d 930 (N.D. Cal. 2016).
177
de 28 de novembro de 2018, reforça e confirma uma tendência
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
178
derivada da decisão do caso Societé Generale proferida pela Corte de
21 Soc. 13. nov. 1996, n. 94-13187 P, Les Grands arrêts du droit du travail, op. cit., n.
2; Dr. soc. 1996.67, nota J.-J. Dupeyroux; JCP E, 1997. II. 911, nota J. Barthélémy.
22 Vide especialmente Soc. 1º dez. 2005, G7, n. 05-43031 P, D. 2006. Pan. 410,
obs. E. Peskine; 17 maio 2006, n. 05-43.265; Civ. 2º, 20 de junho de 2007, n.
06-17.146 P; 22 set. 2010, n. 09-41.495; 3 nov. 2010, n. 09-4.215.
23 ”A existência de uma relação de trabalho não depende nem da vontade
expressa pelas partes, nem da denominação que elas deram a seu acordo,
mas das condições de fato em que a atividade dos trabalhadores é exercida”,
fórmula que é retomada da decisão no caso Labbanne, de 19 dez. 2000, n.
98-40572 P, Dr. soc. 2001. 227, nota A. Jeammaud; Dr. ouvrier 2001. 241, nota A.
de Senga; Grands arrêts op. cit., n. 3.
24 A aprovação do artigo L. 8221-6 II do Código do Trabalho, ao lado desses
princípios tradicionais, demonstra mais uma vez que esse artigo não teve um
impacto significativo sobre esses princípios: sobre esse texto, cujo alcance
permanece essencialmente simbólico, vide especialmente G. Auzero, D.
Baugard e E. Dockès, Droit du travail, Précis Dalloz, 32. ed. 2019, n. 204.
25 É possível pensar que a jurisprudência seria mais educativa se reconhecesse
expressamente a influência que ela atribui à dependência econômica na
operação de qualificação, ao lado da subordinação (nesse sentido, vide E.
Dockès, Notion de contrat de travail, Droit social 2011, p. 546). Mas essa
evolução terminológica visa apenas a refletir melhor a jurisprudência, sem
alterar substancialmente seu conteúdo. Vide também a proposta de P. Lokiec
de substituir a “subordinação” pelo “controle”, o que sem dúvida seria um
pouco redutor (SSL 2018-1841, p. 10).
179
de subordinação é caracterizada pela realização de um trabalho sob
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
180
1931, a Corte impôs o critério de subordinação.29 Desde 1932, ela já
29 Civ., 6 jul. 1931, DP 1931. 1. 131, nota P. PIC; Les grands arrêts du droit du travail,
op. cit., n. 1.
30 Vide especialmente civ. 22 jun. 1932 (três decisões), 30 jun. 1932, e 1º ago.
1932, DH, 1, p. 145, nota P. PIC e, no mesmo sentido, especialmente Civ., 25
jul. 1938, DH 1938. 530.
31 No sentido do artigo L. 1331-1 do Código do Trabalho.
181
geolocalizados por meio de seus telefones celulares, mesmo que
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
184
a atividade desse trabalhador. Este pode ser em especial o caso de
185
solvência do trabalho e o suposto custo do Direito Social. Se alguém
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
pela realização de uma proteção mínima dos mais fracos e para que
não se desenvolva uma espécie de subproletariado composto por
trabalhadores mais frágeis do que os mais frágeis dos empregados.
A decisão da Corte de Cassação francesa, ao ordenar a aplicação
do Direito Social à maioria dos trabalhadores das plataformas, os
quais são trabalhadores em situação de fraqueza particular, fez um
trabalho útil. Espera-se que seu potencial espalhado pela Europa e
pelo mundo seja importante, para que essa categoria de trabalha-
dores possa, em todo o mundo, se beneficiar de uma jurisprudên-
cia consciente da realidade da situação desses trabalhadores, da
necessidade de sua proteção e, portanto, da necessidade de qualifi-
cá-los plenamente como empregados.
Referências
AUZERO, G.; BAUGARD, D.; DOCKÈS, E. Droit du travail. 32. ed. Paris:
Dalloz, 2019.
188
PÉLISSIER, J.; JEAMMAUD, A.; LYON-CAEN, A.; DOCKÈS, E. 4. ed. Les
189
As novas tecnologias e o trabalho: proteção
para o empregado e para o ser humano
1 · Introdução
Busca-se, com este estudo, efetuar breve análise acerca da proteção do
trabalhador empregado em contexto marcado pelo desenvolvimento
191
de novas tecnologias e ferramentas tecnológicas de gestão de mão
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
192
executado. As empresas envolvidas negam a sua condição de trans-
193
respeito à jornada de trabalho, patamar mínimo remuneratório,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
194
nunca consagraram a exclusividade, mencionada no art. 442-B da
195
elementos fático-jurídicos imprescindíveis ao estabelecimento do
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
196
para encontrar a verdadeira relação jurídica e tornar visível o pri-
197
à própria expectativa do credor do trabalho; f) preponderância ou
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
198
Por fim, o elemento subordinação, que deve estar presente para a
199
à legislação vigente, impedindo o trabalhador de acessar a integra-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
200
repassando ao motorista os valores a ele devidos, definindo de forma
201
Por essa razão, a pesquisa acerca dos pressupostos do vínculo de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Executivo Federal, cujos benefícios “podem ser extintos por simples ato de
vontade do governo de plantão” (MARQUES, 2005, p. 107-120).
6 A expressão “exigir teste de meios” é utilizada por Rosa Maria Marques,
que questiona a condicionalidade imposta para o acesso ao benefício de
prestação continuada, ao defender a renda básica da cidadania não como
programa assistencial, mas como direito básico de qualquer cidadão
brasileiro, como é compreendido “o acesso aos cuidados com a saúde e o
ensino fundamental” (Ibidem).
7 Para Rosa Maria Marques, “a adoção de uma renda mínima, que dificilmente
poderia ser de valor diferente do que se entende por um salário-mínimo,
exigiria a redefinição dos valores a serem pagos ao trabalhador ativo”. A autora
entende que o salário-mínimo é o piso a ser recebido por qualquer trabalhador,
na ativa ou não, e que o conflito entre o direito à renda mínima e o desejo de
trabalhar deve ser resolvido pela elevação do piso salarial, bem como pela
redução da desigualdade existente no País (MARQUES, 2005, p. 107-109).
204
Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e
205
O item I do art. 25 da Declaração de Direitos Humanos preconiza
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
206
do fenômeno da desterritorialização, mudando o lugar da pres-
5 · Conclusão
O Direito do Trabalho, resultado de lutas antagonistas empreendi-
das pelos trabalhadores, representa a possibilidade de regulação e
limitação dos interesses capitalistas na exploração da mão de obra.
Por essa razão, passou a ser atacado pelos meios de comunicação e
por agentes políticos, como verdadeira distorção, na medida em que
impõe patamares civilizatórios para a referida exploração, sendo
propalada a necessidade de sua flexibilização, sob o discurso ide-
ológico de salvaguardar empresas e empregos por estas gerados.
O atual contexto marcado pelo desenvolvimento de novas tecno-
logias e ferramentas tecnológicas de gestão de mão de obra difi-
culta a identificação dos pressupostos ditados pelo art. 3º da CLT
e, por consequência, o reconhecimento da relação de emprego.
Por outro lado, é possível perceber a premente necessidade de
inclusão do trabalhador subordinado no sistema de proteção do
trabalho estatuído pela CLT, como meio de acesso a direitos e
garantias trabalhistas, dificultando a hiperexploração por parte
das empresas, que se autopropagam como meras otimizadoras
do uso solidário do consumo colaborativo, quando na verdade se
apropriam da energia da cooperação social.
Cabe à Justiça do Trabalho, por meio dos seus julgamentos, fazer
uma releitura dos elementos fático-jurídicos ditados pelos arts.
207
2º e 3º da CLT para a identificação da relação de emprego, sem-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
208
Referências
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo:
LTr, 2016.
209
Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (coord.). Tecnologias
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
210
Condições transparentes de trabalho,
informação e subordinação algorítmica
nas relações de trabalho
Lucieli Breda
Advogada. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
211
right to information, as in the European Union Directive 2019/1152 on
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
Em 20 de junho de 2019, foi publicada a Diretiva n. 2019/1152, do
Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia (UE), de modo
a atualizar os termos da Diretiva n. 91/533/CEE, de 14/10/1991, para
garantir condições laborais mais transparentes e previsíveis na UE,
com fundamento no direito à informação, garantindo a adaptabili-
dade do trabalhador ao mercado de trabalho. Essa diretiva, ainda que
criticável por estabelecer apenas um piso mínimo de direitos, traz um
contrato de trabalho absolutamente regrado em termos de obrigações
contratuais e se aplica a todas as relações de trabalho, numa extensão
guarda-chuva de direitos, impondo aos países da UE que a cumpram
até 2022. A ideia é que o empregado tenha segurança sobre o objeto do
seu labor, plasmado por um direito fundamental à informação, ou, nos
termos da diretiva, por condições transparentes de trabalho.
Coincidentemente ou não, nos trabalhos digitais realizados por meio
de plataformas, ou por aplicativos, as expectativas dos trabalhadores
são justamente no sentido de que as exigências patronais tornem-se
claras, a remuneração previsível, invocando-se transparência, mesmo
que se discuta o tipo de relação contratual envolvida: com subordina-
ção, autonomia ou, ainda, regulada sob outras espécies como quase-
-assalariados, parassubordinados etc. (OIT, 2018, p. 105-109).
Neste contexto, discute-se o surgimento de uma nova forma de
expressão da subordinação, a subordinação algorítmica, elemento-
-chave para a caracterização da relação empregatícia. Enquanto na
subordinação clássica a execução do serviço do trabalhador era per-
meada por ordens e fiscalização direta do trabalho por meio da pre-
sença física de ambos os sujeitos, a subordinação algorítmica ocorre
através da presença digital do empregador e mesmo do empregado.
O algoritmo prescreve um roteiro prévio de tarefas, programado por
instrumentos digitais ou aplicativos, em que os comandos laborais ou
212
ordens são dados que informam as obrigações contratuais recíprocas.
218
não mais se preocupa apenas com a questão da automação e subs-
219
enfoque que não apenas aquele referente a um direito de persona-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
220
assumido pelas empresas quanto ao recolhimento, armazena-
Referências
AGUIAR, Antônio Carlos. Direito do trabalho 2.0. São Paulo: LTr, 2018.
221
wp-content/uploads/2019/01/CONAFRET_WEB-compressed.pdf. Acesso
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
LEE, Min Kyung; KUSBIT, Daniel; METSKY, Evan; DABBISH, Laura. Working
with machines: the impact of algorithmic and data-driven management on
human workers. Human-Computer Interaction Institute, Heinz College.
Carnegie Mellon University, 2015 [PDF]. Disponível em: https://www.
researchgate.net/publication/277875720_Working_with_Machines_The_
Impact_of_Algorithmic_and_Data-Driven_Management_on_Human_
Workers. Acesso em: 4 set. 2019.
223
SEGUNDO CAPÍTULO
Proteção do trabalhador: intimidade,
vida privada, saúde e segurança
O trabalhador transparente:
relações trabalhistas e redes sociais1
227
fall into excessive automatism. The networks impose rules of conduct to
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
which the legal interpretation must be adapted. Nor should we lose sight
of the difficulties in setting profiles and the fact that, on many occasions,
workers do not know the circle of recipients of their publications and,
therefore, the guilt judgment must take these factors into account. Nor
can we dispense with the restrictions imposed by data protection rules
on the processing of information from networks. In some comparative
models, there are special mechanisms, albeit incipient, for the protection
of workers’ collective actions that are manifested through social networks.
Finally, it claims that the problems that social networks raise in the process,
and especially in evidential matters, are not minor. The starting point
is the possibility of resorting to social content, as long as it has not been
reached illegally. From this point on, the difficulties focus on determining
whether what emerges from profiles can be a reliable proof, and here the
difficulties are immense and range from the determination of authorship
to the truthfulness of content that is, on the other hand, volatile.
1 · Introdução
Para qualquer pessoa que tenha conhecido os tempos da intimidade
tradicional, aqueles em que as pessoas pugnavam por manter um
âmbito próprio e reservado em relação aos demais, a comprovação de
seu declive (GOÑI SEIN, 2017, p. 21)2 constitui quase uma evidência.
Nos poucos anos que transcorrem entre a dispensa de um trabalha-
dor que, segundo atesta uma ata notarial, trabalha em uma fábrica
durante sua enfermidade3 e a de outro que durante a incapacidade
laboral publica no Facebook fotos de férias em que aparece “tocando
os genitais de uma figura de um índio”,4 muitas coisas mudaram.
Essa alteração fulgurante de hábitos nos coloca questões sobre os
limites da nossa exposição pública voluntária e, no nosso contexto,
sobre como adaptar à era das redes sociais a configuração legisla-
tiva de um contrato, o contrato de trabalho, que mal podia intuir
acabaria por lidar com um trabalhador transparente tanto no seu
trabalho profissional como, o que é mais surpreendente, na sua vida
228
privada. É uma nova forma de comunitarismo em que toda a pessoa
229
Evidentemente, a atividade sindical e representativa encontra
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
6 Que tem sido objeto de atenção em nossa doutrina há algum tempo; sendo assim,
além de outros trabalhos que citaremos ao longo do texto, podemos destacar
os estudos de Cardona Rubert (2010, p. 67 e ss.; e 2013, p. 163-176); Calvo Gallego
(2012); Selma Penalva (2014); e Angulo Garzaro e Angulo Garzaro (2017).
230
empresarial encontra nesses casos, mas elas são acessíveis pela
7 Ver, por exemplo, o caso do STSJ Aragón 18.5.2016 (rec. 300/2016), em que os
comentários de uma trabalhadora na sua parede do Facebook são fotografados e
divulgados entre o pessoal da empresa por meio do WhatsApp. Também o caso
em que um dos participantes de um grupo de WhatsApp revela à empresa o
conteúdo: STSJ Andalucía (Sevilla) 22.11.2017 (rec. 3626/2016), que entende que
nesses casos não há obrigação legal de reserva, mas, no máximo, um dever ético.
231
Esses são elementos importantes do ponto de vista do Direito
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
232
A alternativa a essas contas abertas é a configuração de perfis res-
233
permite tais práticas, não é certo que seja suficientemente forte
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
236
que se baseassem em convicções políticas, religiosas ou sindicais
237
se se trata de perfis privados, sem que se desconsidere que é bastante
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
238
sociais evidenciam o descumprimento do dever laboral. Assim, está
18 Como uma amostra simples: STSJ Extremadura 23.3.2017 (rec. 66/2017); STSJ
Andalucía (Sevilla) 23.3.2017 (rec. 1309/2016); STSJ Canarias (Las Palmas)
27.7.2016, (rec. 385/2016); STSJ Aragón 18.5.2016 (rec. 300/2016); STSJ Galicia
8.10.2014 (rec. 2941/2014).
19 Sem qualquer intenção exaustiva: STSJ Galicia 12.6.2017 (rec. 1554/2017);
STSJ Madrid 5.5.2017 (rec. 722/2016); STSJ Cantabria 10.11.2015 (rec.
765/2015); STSJ Andalucía (Sevilla) 29.10.2015 (rec. 2723/2014); STSJ
Asturias 19.4.2013 (rec. 528/2013).
20 STSJ Madrid 27.11.2017 (rec. 558/2017).
21 STSJ Cataluña, de 13.1.2017 (rec. 6414/2016).
22 Entre outras: STSJ Cataluña 20.10.2017 (rec. 4831/2017); STSJ Galicia 25.4.2013
(rec. 5998/2012).
23 Assim, um pressuposto em que se encontram comprometidas a dignidade
do trabalhador e a sua liberdade de associação em resultado da utilização do
Facebook pelos responsáveis da empresa: STSJ Andalucía (Málaga) 5.4.2017
(rec. 278/2017).
24 Ver, por exemplo, STSJ Extremadura 17.12.2014 (rec. 543/2014).
239
daqueles que ocupam posições não neutras na empresa e que não
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
240
fazem parte da atividade privada ou recreativa dos trabalhadores
241
antijurídico do post. A empresa não violou o direito fundamental
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
ao sigilo das comunicações do autor por não ter acessado sua conta
privada no Facebook. O fato de que inicialmente os destinatários
da mensagem foram apenas alguns amigos e conhecidos do autor
não os impede, como acontece normalmente nas redes sociais, de
divulgar posteriormente essas informações, que a empresa não
tomou conhecimento por ter interceptado comunicações de outras
pessoas, nem por ter acessado ilegalmente seu conteúdo, mas
porque a divulgação dessas informações por seus destinatários
chegou ao supervisor da empresa. Enviar uma mensagem impac-
tante em uma rede social faz com que os destinatários, por sua
vez, frequentemente a divulguem. Quando o trabalhador enviou
esta mensagem numa rede social a uma pluralidade de destinatá-
rios, era previsível que estes, por sua vez, a divulgassem, como o
fizeram, até chegar ao conhecimento da empresa, que não violou
o direito fundamental ao sigilo das comunicações do reclamante.
244
noutros países. Mais uma vez, a experiência dos EUA oferece alguns
245
legislação trabalhista federal, como a discussão de salários ou con-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
6 · Conclusões
A popularização das redes sociais deu origem, no campo das rela-
ções de trabalho, a uma espécie de trabalhador transparente, cuja
intimidade é facilmente contornada tanto por meios lícitos quanto
por outros que não o são, mas que não são fáceis de detectar. Em
qualquer caso, o trabalhador não pode ser obrigado a permitir ao
empregador o acesso às suas redes pessoais.
A exposição às redes sociais permite que as empresas utilizem perfis
de trabalhadores para todos os tipos de práticas, desde a contratação
à dispensa, mas é necessário, na ausência de legislação específica,
não cair num automatismo excessivo. As redes impõem normas de
conduta às quais a interpretação jurídica deve ser adaptada. Também
não devemos perder de vista as dificuldades de configuração dos
perfis e o fato de, em muitas ocasiões, o trabalhador não conhecer o
círculo de destinatários das suas publicações, e, por conseguinte, o
julgamento de culpa deve ter em conta esses fatores. Também não
podemos prescindir das restrições impostas pelas regras de prote-
ção de dados ao tratamento de informações provenientes de redes.
É necessário que isso não implique uma limitação dos poderes
decorrentes do art. 28.1 da Constituição da Espanha com base em
considerações relacionadas com a imagem das empresas. De fato,
em alguns modelos comparativos existem mecanismos especiais,
ainda que incipientes, para a proteção das ações coletivas dos tra-
balhadores que se manifestam por meio das redes sociais.
Finalmente, os problemas que as redes sociais suscitam no âmbito
do processo e, especialmente, em matéria probatória não são
menores. O ponto de partida é a possibilidade de recorrer a conte-
údos sociais, desde que não tenham sido alcançados ilegalmente.
248
A partir daí, as dificuldades se concentram em determinar se o
Referências
ANGULO GARZARO, A.; ANGULO GARZARO, N. Límites a la utilización
de las redes sociales como medio de expresión: la lesión al honor o la
imagen y el despido como consecuencias indeseables. Revista Aranzadi de
Derecho y Nuevas Tecnologías, Cizur Menor, n. 43, p. 101-119, 2017.
249
NORES TORRES, L. E. Algunos puntos críticos sobre la repercusión
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
PABLO, E.; LÓRIZ, M. Las redes sociales y CCOO. Manual de uso y estilos.
Madrid: Confederación Sindical de Comisiones Obreras, 2013. Disponível
em: www.ccoo.es/5e631f68b4357d24026872f11e6fb06c000001.pdf. Acesso
em: abr. 2018.
250
O panóptico pós-moderno no trabalho
251
informações e como elas podem afetar suas próprias vidas. O vínculo
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
Vivemos na era da informação, propiciada pelas novas tecnologias.
As pessoas estão constantemente conectadas, seja via internet,
de um modo geral, seja por alguma rede social, como Instagram,
Facebook ou Linkedin. Essa tecnologia, no entanto, parece carre-
gar em si uma grande contradição, pois, ao mesmo tempo em que
252
ela liberta – permitindo acesso a todo e qualquer tipo de informa-
253
Na nova lógica de acumulação, o capital utiliza-se não só do exce-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
2 “As análises de Löwy ainda consideram que a visão proletária pode e deve
ser capaz de incorporar as verdades parciais produzidas pelas ciências de
nível inferior ou limitadas, sem que isso, necessariamente, leve ao ecletismo.
Suas conclusões atestam que o proletariado, na medida em que busca a
possibilidade objetiva ao acesso da verdade, é a classe revolucionariamente
mais crítica, mas isso não o induz a uma garantia suficiente do conhecimento
da verdade social”. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/
6544?lang=pt. Acesso em: 19 jul. 2019.
254
Sodré (2015) chama esse novo fenômeno social de “sociedade inci-
255
modificar o comportamento humano como meio de produzir recei-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
256
veículos para resolver disputas entre motoristas e passageiros e
257
(ZUBOFF, 2018, p. 30). Essa prática é denominada por alguns de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
258
De acordo com a autora,
259
o panóptico constituiu-se como uma metáfora adequada para os
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
262
Com a crise dos confinamentos, refina-se a sociedade disciplinar
263
Ao controle já não interessa o confinamento dentro da fábrica,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
264
contraprestação, e o capital, através do excedente da força de tra-
265
O trabalhador despossuído de sua própria subjetividade vivencia
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
266
Logo, em um ambiente de vigilância por parte do empregador,
267
os tornou necessariamente dependentes do emprego e do consumo.
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
ANTUNES, Ricardo. Banca de Doutorado da Pontifícia Universidade
Católica. Faculdade de Direito da PUC/MG. Unidade Coração Eucarístico.
Belo Horizonte. 05/04/2019.
268
CONGER, Kate. Uber embraces videotaping rides, raising privacy concerns.
269
FUMAGALLI, Andrea; LUCARELLI, Stefano. A model of cognitive
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
270
ci_a rttex t&pid=S1645-99112009000200012&l ng=pt&n rm=iso.
271
Algumas considerações sobre
segurança e saúde dos trabalhadores
no trabalho 4.0
1 · Introdução
O progresso da humanidade está, muitas vezes, associado ao fas-
cínio perante a ciência e a tecnologia por originarem inovações
que fazem avançar a humanidade: da roda ao microprocessador,
do ábaco ao computador, da imprensa escrita à internet e à web,
273
inter alia.1 E, atualmente, a Inteligência Artificial2 veio para ficar
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
274
defendendo sempre a pessoa humana nas suas várias vertentes.
275
Nestas novas formas de prestar trabalho, existem inúmeros novos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
276
As novas formas de controlo tornaram-se também automáticas,
277
serviço, podem ser fatais dependendo da atividade do trabalhador,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
278
Torna-se assim necessária uma atuação proactiva de identifica-
279
de problemas complexos e a tomada de decisões são essenciais. E,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
280
E este é outro risco psicossocial, que é a imposição do cumprimento
281
adversas ou ao final da tarde ou até à noite com pouca visibilidade,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
282
a sua própria responsabilidade, assim como um aumento enorme do
283
com o desempenho profissional,15 a situação económica, saúde, pre-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
15 Grifos nossos.
16 UNIÃO EUROPEIA, 2016, p. 23.
17 O Grupo de Trabalho do Artigo 29, nas Orientações sobre as decisões
individuais automatizadas e a definição de perfis para efeitos do Regulamento
(UE) 2016/679 (UNIÃO EUROPEIA, 2016, p. 21), esclarece que: “O artigo
22º, nº 1, estabelece uma proibição geral da tomada de decisões com base
exclusivamente no tratamento automatizado. Esta proibição aplica-se
independentemente de o titular dos dados adotar uma medida relativa ao
tratamento dos seus dados pessoais”.
18 Aliás, este controlo total feito por GPS foi um dos argumentos utilizados
pela Cour de Cassation numa decisão de 28 de novembro de 2018, sobre a
qualificação como contrato de trabalho do trabalho realizado na plataforma
Take Eat Easy, e onde se pode ler que: “Dès lors qu’ils constataient, d’une part,
que l’application était dotée d’un système de géo-localisation permettant le suivi en
temps réel par la société de la position du coursier et la comptabilisation du nombre
total de kilomètres parcourus, de sorte que le rôle de la plateforme ne se limitait pas
à la mise en relation du restaurateur, du client et du coursier, et, d’autre part, que
la société disposait d’un pouvoir de sanction à l’égard du coursier, constatations
dont il résultait l’existence d’un pouvoir de direction et de contrôle de l’exécution
de la prestation du livreur caractérisant un lien de subordination, les juges du
284
sido muitas vezes considerado como um argumento para qualifi-
285
o responsável? Quem fabricou o cobot? Ou a empresa que utiliza
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
3 · Conclusões
O desafio atualmente é o da adaptação prática dos regimes tra-
dicionais em matéria de segurança e saúde no local de trabalho
às novas formas de prestar trabalho que decorrem das tecnolo-
gias digitais e aos riscos profissionais inerentes. Assim, um dos
desafios atuais é o de antecipar os riscos destas novas formas de
prestar trabalho, já que os riscos psicossociais têm consequências
a nível físico, incluindo doenças cardiovasculares, musculoes-
queléticas, hipertensão, e problemas a nível do foro mental como
Síndrome de Burnout, depressão, entre outros (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2019, p. 55-56).
Defende-se, contudo, que não existem obstáculos para a aplicação
dos princípios sobre segurança e saúde no trabalho a quem traba-
lha nas plataformas digitais. Na verdade, esta tutela encontra-se
relacionada com a dignidade da pessoa humana e também com a
ideia de trabalho decente.
Esta proteção começa logo na fase de seleção porque todo o pro-
cesso pode ser qualificado de estressante, pois há uma enorme com-
petição entre todos, já que a plataforma vive da reputação que tem
online. Esta reputação tem influência nas condições laborais de quem
286
presta atividade para ela e na possibilidade de vir ou não a obter uma
287
a atribuição do trabalho, da retribuição incerta e do esbatimento
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
288
sociais aproveitarem a oportunidade para tentar criar um futuro
Referências
DEGRYSE, Christophe. Digitalisation of the economy and its impact
on labour markets. European Trade Union Institute Working Paper.
Brussels: ETUI, 2016.
LYON, David. The electronic eye – the rise of surveillance society. Cambridge:
Polity Press, 1994.
289
RODES, Jean-Michel; PIEJUT, Geneviève; PLAS, Emmanuelle. Memory of
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
THE FUTURE of safety in the digital age. Knowledge at Work, [s. l.], July
17, 2018. Disponível em: https://www.ulehssustainability.com/blog/work
placesafety/the-future-of-safety-in-the-digital.
290
Proteção de dados do trabalhador e a
questão do necessário consentimento: uma
abordagem a partir da Lei n. 13.709/2018
291
1 · Introdução
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
292
e, assim, não está limitado ou controlado de modo específico pelas
1 Salvo os arts. 55-A a 55-L, 58-A e 58-B, conforme art. 65, que entraram em
vigor a partir de 28 de dezembro de 2018.
293
os direitos fundamentais adentram o campo das relações de trabalho
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
294
Imperioso reconhecer os dados pessoais tutelados pela Lei Geral
295
Deve haver clara indicação de quais dados se pretende sejam for-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
[…]
296
paternidade (inciso XIX); proteção do mercado de trabalho da
297
Toda cautela é bem-vinda no campo dos contratos de trabalho,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
5 · Considerações finais
As relações entre empregador e empregado, não obstante gravi-
tem no espaço interprivado e por força de um contrato celebrado,
não isentam as partes da observância das normas convencionais
internacionais, constitucionais relativas aos direitos fundamen-
tais e, ainda, no que tange aos dados, da Lei de Proteção de Dados
– Lei n. 13.709/2018.
Todos os empregadores, inclusive os empregadores por equipara-
ção, assim igualmente os grupos econômicos, micro, pequenas e
grandes empresas, multinacionais, MEIs, pessoas físicas que man-
tiverem contratos em execução ou quando selecionarem candida-
tos e admitirem novos empregados, para qualquer que seja a natu-
reza das atividades e o setor de atuação, desde o trabalho rural ou
doméstico até o urbano, deverão se adequar às disposições legisla-
tivas a partir de 14 de agosto de 2020.
As medidas de cautela para atendimento das disposições proteti-
vas, no âmbito da organização e para os fins da gestão de pessoas,
consistem em estruturar e estabelecer padrões de controle e moni-
toramento para conformidade, avaliando os riscos que devem ser
minimizados. Para tanto, é preciso identificar quais dados pessoais
serão solicitados e estabelecer uma conduta de obtenção de consen-
timento prévio ao fornecimento, comunicando e indicando os fins
a que se destinam, e, ainda, zelar pela guarda desses dados com o
emprego de senha ou criptografia, evitando que sejam divulgados
298
ou subtraídos. Além disso, todos os envolvidos com o tratamento
Referências
ACCIOLY, Clara Lacerda. A proteção de dados do trabalhador: o direito do
trabalho constitucionalizado e seu diálogo com o direito à privacidade.
Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, n.
15, p. 255-264, 2018. Edição comemorativa de 30 anos da Constituição
Federal de 1988. Disponível em: periodicos.unb.br/index.php/redunb/
article/download/22429/20410/. Acesso em: 7 ago. 2019.
299
A indústria 4.0: impactos nas relações de
trabalho e na saúde dos trabalhadores
301
assumption, this article aims to understand and identify the implications
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
of industry 4.0 for work organization and its aspects in workers’ health,
through the process of literature review and the use of systematic review
technique. The verified results indicate the need for a re-reading of the
constitutional principle of protection of workers against automation so
that this protection encompasses not only the right to the maintenance
of jobs, but also the health of the work environment in order to guarantee
the health of the workers.
1 · Introdução
“Indústria 4.0” ou “quarta revolução industrial” são expressões que
foram utilizadas na feira industrial de Hannover em 2011 e que se
propõem a descrever como a utilização de “fábricas inteligentes”
pode “revolucionar a organização das cadeias globais de valor”, por
meio da criação de “um mundo onde os sistemas físicos e virtuais
de fabricação cooperam de forma global e flexível”, possibilitando
a “personalização de produtos e a criação de novos modelos opera-
cionais” (SCHWAB, 2016, p. 16).
Entretanto, as potencialidades trazidas pela quarta revolução
industrial para o processo produtivo também promovem alteração
substancial para a dinâmica das relações de trabalho, sobretudo as
que envolvem tarefas de caráter intelectual.
Como ressalta Yuval Harari (2016, p. 313), se antes no processo pro-
dutivo havia muitas atividades que “somente os humanos seriam
capazes de fazer [...] hoje os robôs e computadores logo ultrapassa-
rão os humanos no cumprimento da maioria das tarefas”.
A preocupação não é sem motivo. Em relatório elaborado pelo
Fórum Econômico Mundial (2016, p. 13), estima-se que a incorpora-
ção das novas tecnologias de informação à produção de bens e ser-
viços pode provocar a perda de 7,1 milhões de empregos, criando
apenas 2 milhões de novos postos de trabalho, o que resulta num
impacto negativo de 5,1 milhões de postos de trabalho até 2020.
Previsões mais pessimistas dizem que, até o ano de 2050, “uma
nova classe de pessoas pode surgir: a classe dos inúteis”, que
302
conterá pessoas que “não serão somente desempregadas, mas sim,
303
São especialmente suscetíveis a essa mudança os trabalhadores
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
304
inteligentes farão o mesmo com as ocupações de colarinho-branco.
306
3 · Os impactos da indústria 4.0 na saúde
307
produtivos. A necessidade de se qualificar e buscar o constante
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
4 · Conclusão
O presente trabalho buscou demonstrar o funcionamento e a dinâ-
mica das novas tecnologias no processo de produção, bem como
seus potenciais impactos nas relações de trabalho.
308
Foi ainda evidenciado como a natureza dos novos processos
Referências
FELSTINER, A. Working the crowd: Employment and labor law in the
crowdsourcing industry. Berkeley Journal of Employment and Labor Law, v. 32,
n. 1, p. 143-204, 2010.
309
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. Report the future of jobs: Employment,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad.
Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
HARARI, Yuval Noah. The meaning of life in a world without work. Entrevista
ao Jornal “The Guardian”. 8 de maio de 2017.
LESO, V.; FONTANA, L.; IAVICOLI, I. The occupational health and safety
dimension of Industry 4.0. Mattioli 1885 journals: La Medicina del Lavoro,
Parma-Itália, v. 109, n. 5, p. 327-338, 29 out. 2018. Disponível em: https://
www.mattioli1885journals.com/index.php/lamedicinadellavoro/article/
view/7282. Acesso em: 19 jan. 2019.
310
WOLFF, Simone. O espectro da reificação em uma empresa de telecomunicações:
311
Jurimetria e predição: notas sobre uso dos
algoritmos e o Poder Judiciário
1 · Considerações iniciais
O artigo abordará aspectos referentes à inteligência artificial e ao
chamado data mining, com o cuidado que o tema merece ao Direito.
Em seguida, analisará os temas da jurimetria e da predição no
313
Poder Judiciário. Serão mesmo inexoráveis e ilimitados em face do
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
314
nos carros autônomos, nas interfaces virtuais de programas de
315
A mineração de dados tem sido realizada no Brasil, inclusive nos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
318
Solução. O AIJUS coleta dados de todos os tribunais e diários oficiais,
319
Convex Legal Analytics. O software, então, fornece análises descri-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
ção, ainda que o vínculo não seja estabelecido de imediato ou que seja
de maneira indireta ou mediata. Integram o conceito de dados pesso-
ais quaisquer informações que possam ser utilizadas para identificar
uma pessoa, como dados de localização de usuário, IDs de dispositivos
móveis e até endereço IP, em alguns casos.
Nos artigos 4o, itens 13, 14 e 15, e 9o, além dos Considerandos 51 a
56 do GDPR, há previsão sobre os chamados dados sensíveis, que
são os dados pessoais que revelem origem racial ou étnica, opini-
ões políticas e convicções religiosas ou filosóficas; filiação sindical;
dados genéticos, dados biométricos tratados simplesmente para
identificar um ser humano; dados relacionados com a saúde; dados
relativos à vida sexual ou à orientação sexual da pessoa.
No que tange ao tratamento de dados, o artigo 4o, itens 2 e 6, da GDPR
inclui o recolhimento, o registro, a organização, a estruturação, a
conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a
utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra
forma de disponibilização, comparação ou interconexão, a limitação,
o pagamento ou a destruição de dados pessoais. Tal previsão é apli-
cável ao tratamento dos dados pessoais seja por meios total ou par-
cialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não
automatizados de dados pessoais contidos em arquivos (ficheiros).
Em junho de 2019, a European Comission7 divulgou o texto Take
control of your virtual identity #GDPR,8 para esclarecimentos da pro-
teção e dos direitos da identidade virtual.
322
com a informatização de quase todo o sistema processual brasileiro,
O artigo 33 (V) da Lei n. 2013-111, que foi modificado pela Lei n. 2019-
222, de 23 de março de 2019, dispõe que os acórdãos dos tribunais judi-
ciais são disponibilizados gratuitamente ao público em formato ele-
trônico, mas sujeitos às disposições especiais que regem o acesso e a
publicidade das decisões judiciais; os nomes e sobrenomes das pessoas
singulares mencionadas na decisão, quando são partes ou terceiros,
ficam ocultos antes da disponibilização ao público. Prevê também que,
quando a divulgação dos dados for suscetível de prejudicar a segu-
rança ou o respeito da privacidade dessas pessoas ou sua comitiva,
também estará oculto qualquer elemento que permita identificar as
partes, os terceiros, os magistrados e os membros do registro.
A violação da proibição à predição é punida com as penalidades pre-
vistas nos artigos 226-18, 226-24 e 226-31 do Código Penal, sem pre-
juízo das medidas e sanções previstas pela Lei n. 78-17, de 6 de janeiro
de 1978, relativa ao tratamento de dados, arquivos e liberdades.
Os artigos L. 321-1 a L. 326-1 do Código de Relações entre o público
e a administração também se aplicam à reutilização da informa-
ção pública contida nessas decisões. Um decreto no Conseil d’Etat
estabeleceu as condições de aplicação do artigo para decisões de
primeira instância, de recurso ou de cassação.
A vedação dos tratamentos ligados à identidade dos magistrados é jus-
tificada pelo argumento de que a construção de perfis individualiza-
dos é contrária ao funcionamento adequado da justiça. Parlamentares
franceses impugnaram a vedação no Conselho Constitucional francês,
alegando que a proibição do tratamento desses dados violaria o prin-
cípio da igualdade, uma vez que a construção dos perfis contribuiria
para o estabelecimento de uma “paridade de armas” entre litigantes.
Entretanto, o argumento foi rejeitado pelo Conselho Constitucional
Francês conforme a Decisão 2019-778 DC,12 na qual se afirmou que
327
consideraram que a modelagem de dados é igualmente útil ao setor
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
328
tem o controle de toda essa gama de informações, dados pessoais
329
com eficiência a perpetuação da violação do Direito, bem como efe-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
9 · Considerações finais
O estudo trouxe aspectos referentes à inteligência artificial e ao
chamado data mining, analisando os temas referentes à jurimetria
e à predição no Poder Judiciário. Em que pesem os argumentos que
defendem o acesso ao big data oriundo dos julgamentos pelos tribu-
nais brasileiros, entendeu-se que a experiência francesa de limitação
da predição em face da existência de dados pessoais, de terceiros e
sensíveis justifica a limitação e a responsabilidade por parte daqueles
que trabalham com dados confiados por meio dos processos judiciais.
O exemplo que foi trazido à colação demonstrou que o mercado de
predição via big data judiciário já é uma realidade, tendo ou não
conhecimento o Poder Judiciário no Brasil.
O artigo examinou a Lei francesa n. 2019-222, bem como os argu-
mentos contrários a uma possível previsão similar no Brasil, para,
considerando os princípios constitucionais da inviolabilidade à
privacidade e da dignidade da pessoa humana, defender que deve
existir uma regulação do tratamento dos dados pessoais, de tercei-
ros e sensíveis, existentes nos processos e nas decisões judiciais.
Pensar, criar e realizar algoritmos de forma independente do mer-
cado e internamente aos poderes públicos brasileiros é medida que
se faz urgente, de modo que passem a ser instrumentos para o efe-
tivo acesso à justiça no Brasil.
Referências
BARBOSA, Cássio Modenesi. Jurimetria como método de compreensão
do Estado. In: SCALQUETTE, Ana Claudia Silva; SIQUEIRA NETO, José
Francisco (org.). 60 desafios do direito. Política, democracia e direito. São
Paulo: Atlas, 2013. v. 3, p. 91-100.
330
BARBOSA, Cássio Modenesi; MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Juri
331
LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the methodology of legal inquiry. Law and
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
RUGER, T. W. et al. The supreme court forecasting project: legal and political
science approaches to predicting supreme court decision making. Columbia
Law Review, New York, v. 104, n. 4, p. 1150-1210, 2004.
332
Nanotecnologia: da revolução 4.0
à proteção da vida
Abstract: The present work intends to expose the need for regulation of
nanotechnology and its impacts according to precautionary methodologies.
For this it presents synthetically the concepts of nanotechnology, forms of
regulation, industrial revolution 4.0, as well as the fundamental principles
333
of precaution and public participation. It also consists of reporting on the
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
A atividade econômica no século XXI tem se caracterizado por cons-
tantes inovações e mudanças em escala não apenas linear mas expo-
nencial. Os principais aspectos nesta economia amplamente base-
ada na tecnologia de ponta são: a economia digital, a inteligência
artificial, a internet das coisas, a impressão 3D, o armazenamento de
energia e a computação quântica, conforme nos expõe Klaus Schwab,
fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial.2
A nanotecnologia está na base de todas as principais mudanças
tecnológicas, com reflexos importantes na sociedade, cultura e
várias outras esferas. Por nanotecnologia, entendemos o conjunto
de ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com a organiza-
ção da matéria a partir de estruturas de dimensões nanométricas.
Nanomateriais possuem uma dimensão inferior a 100 nanômetros, e
um nanômetro constitui um bilionésimo de um metro. Sua aplicação
é demasiado extensa em atividades como estética, beleza, farmacêu-
tica, siderurgia, cimento, microeletrônica. Chips e sensores, cada vez
mais, derivam de nanotecnologia. Entretanto, ao mesmo tempo em
que a nanotecnologia abre todo um leque de possibilidades de mate-
riais mais leves, fortes e duráveis, o que pode ser vital para o desen-
volvimento sustentável e a proteção do meio ambiente, aumentam
potencialmente os riscos invisíveis (imperceptibilidade, inclusive em
termos da ausência de mecanismos seguros para avaliar o riscos),
imprevisíveis, globais e intertemporais (com possibilidade de com-
prometer gerações futuras de forma irreversível).
2 · Formas de regulamentação
O estudo da nanotecnologia tem sido muito desafiador para o Grupo
de Trabalho Nanotecnologia (GT Nano), pois, além de estudar maté-
rias totalmente novas no campo científico (o que exige apreensão de
novos conceitos técnicos, metodologias etc.), a própria noção de norma
no campo epistemológico sofre toda uma reavaliação. Por mais que o
jurista e o ator do Direito do Trabalho estejam acostumados com o
pluralismo e o diálogo das fontes, ainda permanece uma concepção
formal da norma, muito mais pautada em comportamentos, ou seja, o
que se deve e o que não se deve fazer, mediante uma sanção.
No campo científico, por sua vez, fala-se de norma no sentido muito
mais de uma padronização e se lembra muito mais de um manual
de como agir. Neste sentido a análise de Hohendorff e Engelmann
(2014) merece ser mencionada, com o argumento de que normas de
padronização internacional poderão proporcionar uma transição
suave do conhecimento científico e do laboratório para o mercado,
impulsionando o progresso em toda a cadeia de valor da nanotec-
nologia (ou seja, a nanotecnologia também se amplia em escala, um
nanoproduto não se restringe apenas à atividade econômica para a
qual foi desenvolvido, as interseções são muitas vezes infindáveis),
a partir de materiais em nanoescala (paralelo com tijolos de outros
componentes e dispositivos) com a integração em sistemas fun-
cionais. Até mesmo a terminologia, a nomenclatura, as medições,
as características dos nanoprodutos em geral são essenciais para
entender sua viabilidade no mercado e os riscos do produto.
Dessa maneira, não se devem abandonar e são extremamente impor-
tantes os modos de proteção baseados nas formas tradicionais da
fonte de Direito (neste sentido, inclusive, há o PLS n. 880/2019, como
projeto de regulamentação das nanotecnologias sobre o qual o MPT –
GT Nano expediu nota técnica, louvando a iniciativa legislativa por se
preocupar em definir nanotoxicologia, nanossegurança, entre outras
medidas, mas trazendo também críticas e sugestões relacionadas à
falta de preocupação no projeto com a saúde e segurança do trabalho,
335
bem como necessidade de garantia de educação e qualificação pro-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
336
advogados,7 empresas;8 enfim, são inúmeros atores sociais e eco-
337
pessoa humana;11 IV – os valores sociais do trabalho e da livre
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
340
A norma ambiental não terá nenhuma efetividade se colocarmos a
341
nitidamente viola a essência constitucional da educação na forma
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
3 · Conclusão
O Brasil não pode se furtar a buscar o desenvolvimento científico,
uma vez que de pesquisas derivadas de aplicação de nanotecnologias
podem se derivar consequências fabulosas para a saúde e prevenção
de várias doenças. Por outro lado, não se devem desprezar também
riscos extremos como a fabricação de nanorrobôs replicadores, que
eliminem toda a matéria e vida em seu processo de autorreplicação.
Talvez uma melhor perspectiva seja considerar de forma séria os ris-
cos e benefícios, impedindo que o exagero em uma das pontas impeça
a busca da sustentabilidade. Nada obsta a que a sustentabilidade
ambiental e a econômica sejam otimizadas em um processo no qual
uma fortalece a outra de forma interdependente e complementar.
A sociedade deve participar de todo esse processo, não é uma ini-
ciativa exclusiva dos cientistas ou de instituições governamentais.
Os impactos têm que ser ponderados sempre, pois é o próprio con-
ceito e a possibilidade de vida de todo o ecossistema planetário que
se encontram em risco.
Assim, o Ministério Público do Trabalho deve agir de forma a
favorecer o desenvolvimento científico (ameaçado inclusive por
342
concepções obscurantistas que atravancam o desenvolvimento
Referências
GÓES, Maurício de Carvalho; ENGELMANN, Wilson. Direito das nano
tecnologias e o meio ambiente do trabalho. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2015.
343
TERCEIRO CAPÍTULO
Precarização do trabalho: da crise
do sindicalismo à regulação do trabalho
em plataformas digitais
Trabalho digital, “indústria 4.0” e uberização
do trabalho
Ricardo Antunes
Professor Titular de Sociologia do Trabalho no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas (IFCH/Unicamp)
1 · Intermitência e uberização
A uberização é um processo no qual as relações de trabalho são
crescentemente individualizadas e invisibilizadas, assumindo,
assim, a aparência de “prestação de serviços” e obliterando as rela-
ções de assalariamento e de exploração do trabalho.
Como foi desenvolvido em O privilégio da servidão: o novo proleta-
riado digital na era de serviços (ANTUNES, 2018), contra a rigidez
taylorista e fordista vigente nas fábricas da “era do automóvel”,
347
durante o longo século XX, nas últimas décadas, as empresas “lio-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
348
Mais um exemplo vimos ainda recentemente na Itália, onde se desen-
349
Ao contrário da equivocada “previsão” do fim do trabalho, da
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
350
valor, mas o potencializam (ANTUNES, 2013; DYER-WITHEFORD,
351
das lojas da Amazon, já existentes nos EUA, que funcionam sem
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
trabalhadores e trabalhadoras?
O que essas plataformas digitais globais têm a oferecer, estando
crescentemente robotizadas, automatizadas e cada vez com menos
trabalho vivo? Se isso vier a ser implementado, o que acrescentam de
positivo para a humanidade?
É necessário acentuar que esse vilipêndio em relação ao trabalho
não é uma “possível remissão ao futuro”. Isto porque, no presente, a
monumental expansão do trabalho digital, online, vem demolindo a
separação entre o tempo de vida no trabalho e o tempo de vida fora dele,
uma vez que vem apresentando, como resultado perverso, o advento
do que denominamos como escravidão digital (ANTUNES, 2018).
Assim, se essa tendência destrutiva em relação ao trabalho não for
fortemente confrontada e recusada e obstada, sob todas as formas pos-
síveis, teremos, além da ampliação exponencial da informalidade no
mundo digital, a expansão dos trabalhos “autônomos”, dos “empre-
endedorismos” etc., configurando-se cada vez mais como uma
forma oculta de assalariamento do trabalho que introduz o véu ideo-
lógico para obliterar um mundo incapaz de oferecer vida digna para
a humanidade. Isto ocorre porque, ao tentar sobreviver, o “empre-
endedor” se imagina como proprietário de si mesmo, um quase-
-burguês, mas que frequentemente se converte em um proletário de
si próprio, que autoexplora seu trabalho.
Esse conjunto de mudanças vem ocorrendo desde os anos 1970,
quando os serviços passaram a ser crescentemente invadidos pela
lógica do capital imbricado com mundo informacional e comando
financeiro (CHESNAIS, 1996; LOJKINE, 1995), e se intensificaram
enormemente neste início do século XXI, com a explosão das tec-
nologias informacionais e digitais.
A esse movimento atual do capital se somou a terceirização, que
também se tornou um instrumento fundamental para o aumento
dos lucros e da extração de mais-valia nos serviços de telemarket
ing, call center, hotelaria, fast food, hipermercados etc., ampliando o
proletariado gerador de lucro e mais-valia.
Mas há uma outra consequência a tirar dessa derrelição: como
tudo que interessa aos capitais está sendo privatizado (hospitais,
previdência, educação e tantas outras atividades públicas que, no
352
passado, prestavam um serviço público e se transformaram em
Referências
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2015.
354
ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (org.). Infoproletários: degradação real
HUWS, Ursula. Labor in the global digital economy: the cybertariat comes
of age. Londres: Merlin, 2014.
355
LINHART, Danièle. A desmedida do capital. São Paulo: Boitempo, 2007.
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
356
O crowdsourcing e os desafios do
sindicalismo em meio à crise civilizatória
Abstract: This study deals with a new model of production emerged with
the Digital Revolution – the crowdsourcing. It approaches the ways to
classify work in virtual platforms and contextualizes them. It also brings
considerations about the bonds shared by workers and companies which
357
own platforms and apps, in the context of cyber subordination. The study
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
358
na externalização do serviço para um grande número de trabalha-
359
Segundo os autores acima reportados (2018, p. 19), no trabalho
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
360
As condições de trabalho dos entregadores são lastimáveis. Eles
361
único do art. 6º da CLT alarga a concepção da subordinação para
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
364
A construção do engodo do empreendedorismo e sua incorporação
365
não se interessa em sê-lo, ao passo que os pobres, que “sempre pra-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
5 · A precarização é inevitável?
É premissa pacífica que a Revolução Digital intensificou, numa
ordem de grandeza assustadora, a precarização das relações de tra-
balho, embarcando os trabalhadores em uma espécie de máquina
do tempo que os levou a um período anterior ao surgimento do
Direito do Trabalho. Veja-se o alerta de Todolí-Signes (2017, p. 37):
No século XIX, os trabalhadores se amontoavam na entrada das
fábricas ou no campo, a cada manhã, a espera de ter trabalho nesse
dia. Os contratos eram diários – sem nenhum tipo de compromisso
de estabilidade ou previsão contratual de indenizações por dispensa
imotivada – e o empresário poderia eleger, em cada momento, o
número de trabalhadores com quem contar. Do mesmo modo, o
empresário podia realizar um leilão com o emprego, oferecendo tra-
balho apenas aqueles que estivessem dispostos a receber o menor
valor como forma de retribuição. Pois bem. [...]. Nas plataformas
virtuais, os ofertantes de trabalho podem contratar, não mais por
dias, mas por tarefas, que podem durar minutos ou segundos, adap-
tando totalmente a mão de obra às necessidades de cada momento.
Isso deixa totalmente desprotegido o trabalhador que desconhece
a forma de funcionamento, ou mesmo se terá trabalho no minuto
seguinte. Somado a isso, o grande número de participantes nas pla-
taformas provoca um leilão pelo menor valor do trabalho. A imensa
concorrência criada entre os trabalhadores – que supera de forma
inimaginável a que poderia ter existido no século XIX – irremedia-
velmente implica que o preço do trabalho cai para o nível mínimo de
subsistência, ou até mesmo abaixo disto.
366
E Antunes (2018, p. 30) arremata:
367
foi tão fácil, pois está tudo registrado na plataforma: a data de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
368
6 · A crise civilizatória e a crise do sindicalismo
369
de profissão e de interesses econômicos. Tanto o psicólogo como o
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
370
7 · Conclusão
Referências
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. O direito do trabalho na filosofia e na
teoria social crítica: os sentidos do trabalho subordinado na cultura e no
poder das organizações. São Paulo: Ltr, 2008.
371
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro:
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
372
AB5 para democracia:
segurança econômica e a regulação do
trabalho do bico na Califórnia1-2
Veena B. Dubal
Professora Associada de Direito na Universidade da
Califórnia, Hastings College of the Law.
373
as independent contractors, carved out of state labor laws. This Article
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
A pobreza não é uma suspect classification,3 segundo a Constituição
dos EUA, mas é uma afronta à vida, à dignidade e à democracia em
geral. Com a evisceração do estado de bem-estar social dos EUA e
a deferência do Judiciário em relação a resultados políticos na área
de “economia e bem-estar social” (LOFFREDO, 1993, p. 1278-1290),
o emprego é o principal meio legal e político para atacar a desigual-
dade econômica (DUBAL, 2017a, p. 67). Por sua vez, o emprego é
– para o melhor ou para o pior – chave para os resultados democrá-
ticos nos EUA. Ele fornece acesso às ferramentas para o sustento
básico na América moderna: o salário-mínimo, o seguro de saúde,
a proteção da rede de segurança e até mesmo o direito de se orga-
nizar e negociar coletivamente. Nossa capacidade de participar da
vida e da política depende, em grande parte, de nossa condição de
empregados. Nas palavras da teórica política Judith Shklar, “somos
cidadãos apenas se ‘formos remunerados’” (SHKLAR, 1995, p. 416).
No entanto, desde pelo menos a década de 1970, a capacidade dos
trabalhadores dos EUA de obterem uma renda sustentável por
meio do trabalho tem sido restringida pela proliferação do contract
labor – mão de obra contratada civilmente, conduzida fora do qua-
dro regulamentar do emprego (COLLIER; DUBAL; CARTER, 2017,
p. 3-5). Nos últimos anos, esse tipo de trabalho por contrato civil
tem crescido graças às plataformas de trabalho sob demanda e de
crowdsourcing (COLLIER; DUBAL; CARTER, 2017, p. 3-5), ambas as
quais dependem de supostos trabalhadores autônomos.
374
O potencial das plataformas de trabalho que dependem do traba-
375
contratante o ônus de provar o contrário. Como as plataformas de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
2 · Compartilhar ou tomar?
O surgimento do trabalho precário de plataforma
Para entender a importância da AB5 no contexto político e econô-
mico mais amplo, precisamos compreender como as tendências de
trabalho precário que ela enfrenta inicialmente se proliferaram. As
empresas de plataformas de trabalho Uber e Lyft apareceram pela
primeira vez nas ruas de São Francisco, nas sombras da Grande
Recessão. Elas operavam sob o pretexto de compartilhar e construir
confiança e foram lançadas para um público cativo. Em um perí-
odo de aumento do desemprego e desconfiança no governo (tanto
à esquerda quanto à direita), as empresas capitalizaram o apetite
da população por postos de trabalho de fácil acesso e realizaram
uma reelaboração econômica para introduzir modelos de negócios
“disruptivos” construídos sobre o trabalho não regulamentado e
formalmente autônomo de autoempreendedores. Uber e Lyft (que
pavimentaram o caminho ideológico para inúmeras empresas da
gig economy que seguiram seu exemplo) forneceram serviços de táxi
tradicionais fora dos marcos regulatórios convencionais (DUBAL,
2017a, p. 119-134) a preços muito baixos e subsidiados (DEAN, 2019).
Elas argumentaram que suas plataformas tecnológicas não produ-
ziam trabalho, mas comunidade. E sua mensagem de relações públi-
cas era que eles não empregavam pessoas; eles as empoderavam.
4 Nova York, por exemplo, está construindo sua própria versão da AB5
(MCDONOUGH, 2019).
376
Por trás dessa narrativa sedutora estão práticas comerciais anti-
377
Uber, lançando um Grupo de Trabalho de Economia Compartilhada
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
378
Califórnia era “elevar os padrões de vida” dos trabalhadores cali-
379
anos, as empresas encontraram maneiras de usar o teste como um
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
380
de trabalho que viviam em seus carros ou que dormiam de favor
381
pela empresa seria ilegal sob o National Labor Relations Act se os
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
382
US$ 5,64 ou cerca de um terço do salário-mínimo da cidade de São
383
da Califórnia, por exemplo, poderia tornar mais fácil para os traba-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
BERNHARDT, Annette; THOMASON, Sarah. What do we know about gig
work in California? An analysis of independent contracting. UC Berkeley
Labor Center, Berkeley, June 14, 2017. Disponível em: http://laborcenter.
berkeley.edu/what-do-we-know-about-gig-work-in-california/.
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International Transport Workers’ Federation, London, Sept. 12, 2019. Dispo-
nível em: https://www.itfseafarers.org/en/news/california-ab-5-law-now
-we-need-global-law-gig-workers.
384
DEAN, Sam. Uber fares are cheap, thanks to venture capital. But is that
DUBAL, Veena B. Winning the battle, losing the war? Assessing the
impact of misclassification litigation on workers in the gig economy.
Wisconsin Law Review, Madison, v. 2017, n. 4, p. 739-802, 2017c.
HARRIS, Seth D.; KRUEGER, Alan B. A proposal for modernizing labor laws
for twenty-first-century work: the independent worker. Washington, D.C.: The
Hamilton Project, Brookings, 2015.
385
https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-dri
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
vers-psychological-tricks.html.
SMITH, Rebecca et al. Uber state interference: how TNC’s buy, bully, and
bamboozle their way to deregulation. National Employment Law Project,
New York, Jan. 2018. Disponível em: https://www.nelp.org/publication/
uber-state-interference/.
386
Tecnologias e o futuro dos sindicatos
388
2 · Tecnologias do nosso quotidiano
389
profissionais oferecidos on-demand, do sistema cada dia mais usual
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
El estudio revela además que un promedio del 62 por ciento del empleo
de estos 99 países corresponde al sector informal, donde las condi-
ciones de trabajo en general tienden a ser inferiores, (o sea: falta de
seguridad social, salarios más bajos, y deficiencias, tanto en materia
de seguridad y salud en el trabajo, como de relaciones laborales). El
nivel de informalidad varía mucho, desde más del 90 por ciento en
Benín, Cote d’Ivoire y Madagascar, hasta menos del cinco por ciento
en Austria, Bélgica, Brunei Darussalam y Suiza.
392
A pulverização sindical, no Brasil, apesar da unicidade imposta no
394
seu poder de representação dos trabalhadores. Será uma redução
395
• a tecnologia deve abranger todos os representados, não apenas
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
396
diretorias. São urnas físicas, cédulas de papel e uma burocracia tão
397
10% de filiados (20 mil) e generosos 10% de comparecentes (2 mil),
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
398
ser assegurados nas negociações coletivas, já que a tendência do
399
contratuais, momento propício às conciliações. Trabalhadores des-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
5 · Considerações finais
Novas tecnologias se instalam e modificam profundamente as rela-
ções de trabalho, que já não são unicamente baseadas no modelo dos
anos 1940. As formas de labuta se modificaram ou foram substitu-
ídas entre o final do século XX e o começo do século XXI, sem que
os sindicatos tenham conseguido acompanhar este mundo em cons-
tante transformação. As entidades deixam escapar por entre os dedos
importantes recursos tecnológicos de contato com os membros de
sua base, ao passo que perdem os representados para a indústria 4.0,
que pulveriza os trabalhadores e os afasta da relação tradicional do
contrato individual de trabalho e das organizações de classe.
Cabe aos sindicatos, então, buscar mecanismos de reaproximação
dos trabalhadores e conquistar a legitimidade dos que não são (ou
não se sentem) empregados. Afinal, estando a realidade a apontar a
substituição inexorável da relação empregatícia por modelos dife-
rentes, é chegado o momento de os sindicatos partirem para um
400
esquema de representação mais ampla e moderna, extensível aos
Referências
ARGÜELLES, María Antonia Castro. El derecho del trabajo ante los nuevos
modelos organizativos y el emprendimiento. In: GOBIERNO DE ESPAÑA.
Ministerio de Empleo y Seguridad Social. El futuro del trabajo que queremos.
Conferencia Nacional Tripartita, 28 de marzo de 2017, Palacio de Zurbano,
Madrid. Madrid: Subdirección General de Información y Publicaciones,
2017. p. 343-358. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/pu
blic/---europe/---ro-geneva/---ilo-madrid/documents/publication/wcms
_615487.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
401
Revolução digital: a demanda social pela
regulação do trabalho1
403
pelos dados da PNADCT e pelas análises do IPEA. Serão tratados pontos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
404
incremento do trabalho nas plataformas digitais e pela radicaliza-
405
A leitura conjunta dos autores citados possibilita entender a
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
406
elementos para dar conteúdo ao neoliberalismo. Para Dardot e Laval,
407
da CGV para outros países (offshoring), mantendo-se alto grau de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
408
[...] a racionalidade neoliberal produz o sujeito de que necessita orde-
3 A sociedade do consumo não será tratada aqui, mas importa a nota de que
o acesso às inovações da Revolução Digital encontra-se estratificado por
Estados nacionais e classes econômicas. O primeiro, pela concentração
territorial das empresas de tecnologia; o segundo, pelas diferenciações de
custo e uso das inovações. A medicina se concentra em doenças de países
centrais; plataformas fazem os 50% da base entregar pizza debaixo de chuva
e frio para o 1% do topo da pirâmide socioeconômica.
409
digitais. Define Slee (2017, p. 33): “é uma onda de novos negócios que
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
410
estrutural do trabalho” em escala global. Ressalta que, proletari-
411
Outro dado que chama a atenção é sobre o trabalhador por conta
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
412
A deterioração do emprego é também marcada pela baixa esco-
413
esses traços se intensificam e se cristalizam na diminuição dos
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de
revendedoras de cosméticos. São Paulo: Boitempo, 2014.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz & Terra, 2016. (A
Era da Informação: economia, sociedade e cultura. v. 1).
414
FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do
KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de. Para além dos discursos:
impactos efetivos da Reforma nas formas de contratação. In: KREIN,
José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (org.).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2019. p. 81-126.
415
Neotaylorismo digital e a economia
do (des)compartilhamento
Abstract: This paper has as its object the models of division of labor
of the sharing economy from the formulations presented by the
contemporary scientific administration. It describes the digital neo-
Taylorism applied to informational platforms, in models considered
“successful” by cognitive capitalism, yet socially costly. In them the
“collaborators” are called to “undertake” without minimum social
protection, with unsatisfactory income, in strenuous journeys, without
any stability, without class identity and far from basic guarantees,
417
such as social security. The study thus goes on to two propositions:
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
A economia do compartilhamento compreende um modelo de
negócios baseado na difusão de informações advindas do uni-
verso virtual. Nela, plataformas informacionais1 promovem o
encontro entre duas conhecidas variáveis dos mercados, oferta e
procura, e abrem novas oportunidades para que ativos, habilida-
des, tempo e dinheiro sejam usados em níveis mais próximos de
sua capacidade total.
A oferta de capital e de mão de obra nesse cenário provém de mul-
tidões descentralizadas de indivíduos; o fornecimento de mão de
obra e serviços comercializa e escala muitas atividades de “pessoa
para pessoa”, aparentemente sem intermediários, o que passa a ser
possível através da utilização de conexões conhecidas na lingua-
gem computacional como peer-to-peer (ponto a ponto).
Assim, o desenvolvimento constante de novas tecnologias informa-
cionais e comunicacionais tem potencializado o compartilhamento
de informações em sistemas de intercâmbio de bens, propiciando
o surgimento de novas modalidades de serviços que resultam em
níveis potencialmente mais elevados de atividade econômica.
418
Embora esses movimentos possam ser interpretados positiva-
419
as partes do mundo, dispostos a executar tarefas pela internet. A
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
420
mas que buscam a reestruturação da relação jurídico-trabalhista
6 “We need labor policy that anticipates this ongoing transition, moves past the false
dichotomy of ‘employee’ and ‘independent contractor’ to redefine how we categorize
productive work, decouples the social safety net from full-time employment, and
better supports out emerging networked society of micro-entrepreneurs. We also
need to think hard about whether the corporate ownership structures of the 20th
century are adequate for this new world of work. I discuss each of these issues in
greater depth in the next chapter.” (SUNDARARAJAN, 2016, p. 176).
421
às oscilações de demanda dos mercados por seus produtos. Nesse
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
422
Seguindo a mesma lógica de conexão entre os que procuram e os
4 · O multiempregador e o compartilhamento
de empregado
Hoje existem muitas estruturas legais que fornecem respostas
para as necessidades das empresas, em termos de flexibilidade;
e para as necessidades dos trabalhadores, em termos de autono-
mia e envolvimento.
Vê-se o Direito do Trabalho como um empecilho à agilidade e à
necessidade das empresas contemporâneas. Por isso, o mundo
423
corporativo tem criado alternativas às relações tradicionais de
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
425
no início de sua carreira, pode ser determinante para todo o seu
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
426
6 · Conclusão
427
sentidos das transformações sociais vivenciadas contemporanea-
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. O direito do trabalho na filosofia e na
teoria social crítica. Os sentidos do trabalho subordinado na cultura e no
poder das organizações. São Paulo: Ltr, 2014.
428
HUWS, Ursula. The making of a cybertariat: virtual work in a real work.
429
Representação coletiva dos trabalhadores
em plataformas digitais
Sidnei Machado
Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Pós-Doutor em Direito pela
Université Paris Nanterre.
1 · Introdução
A transformação digital das empresas e a economia de plataformas
são um processo social em desenvolvimento, cujos impactos sociais
431
e limites ainda não estão definidos. As mudanças provocadas pela
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
2 · O desafio da representação
A partir de um quadro mais amplo de generalização da precarie-
dade do trabalho, os impactos tecnológicos concorrem com o fenô-
meno da globalização, financeirização, transformações no modelo
de emprego e fragmentação das cadeias produtivas. Esses fatores,
que colocam novos desafios a respeito de como proteger esse tra-
balho, assegurando direitos individuais e coletivos, se agregam aos
problemas tradicionais de capacidade de representação e de con-
tratação coletiva dos trabalhadores.
Afora a natureza fragmentária do trabalho por plataformas digi-
tais, a ela também se associa o movimento de desregulação do
432
trabalho, a exemplo da Reforma Trabalhista brasileira de 2017, que
434
totalmente excluídos (DEGRYSE, 2017). Assim, precede ao Direito
435
Por último, a liberdade sindical é admitida quando há um correto
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 http://sindmaap.org.br.
2 http://stattesp.com.br/.
436
No Pará, o Sindicato de Motoristas de Transportes por Aplicativo
3 https://pt-br.facebook.com/sindicatodemotoristadeaplicativo.
4 https://pt-br.facebook.com/simactterba/.
5 https://pt-br.facebook.com/ampars999/.
6 https://amasp.org/.
437
reivindicam o reconhecimento da relação de trabalho – a exemplo
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
5 · Considerações finais
O impacto da expansão das plataformas digitais e das redes de
subcontratação tem efeitos desiguais nas diversas regiões, suge-
rindo ser necessário garantir um modelo básico de representação
e de ação coletiva desses trabalhadores. Para além da dicotomia
trabalho subordinado vs. autônomo, é preciso garantir o direito à
liberdade sindical e à negociação coletiva, direitos esses que têm,
no caso brasileiro, amparo no texto constitucional.
Por outro lado, constata-se que há no Brasil iniciativas de represen-
tação e de ação coletiva, mas elas não reivindicam o modelo de repre-
sentação tipicamente sindical. Embora algumas entidades tenham
sido criadas como sindicatos, suas ações têm características assis-
tenciais (caso de sindicatos e associações) ou de iniciativa de resis-
tência e denúncias (caso dos grupos de Facebook e WhatsApp).
Uma efetiva representação coletiva pode ter impacto na melhoria
das condições laborais desses trabalhadores. São diversos os pos-
síveis espaços de intervenção via representação na negociação em
temas de remuneração, tempo de trabalho, formação profissional
e em segurança e saúde. Os direitos de personalidade também
podem ser objeto de regulação, em especial quanto à conjugação
das regras convencionais existentes nesta matéria com as regras
em matéria de proteção de dados.
438
Referências
439
Zona cinzenta do emprego, poder do
empregador e espaço público1
Christian Azaïs
Professor de Sociologia do Conservatoire National des
Artes et Métiers (Cnam). Codiretor do Laboratoire Inter
disciplinaire pour la Sociologie Économique (Lise).
Patrick Dieuaide
Professor de Economia da Universidade Sorbonne Nouvelle
– Paris 3.
Donna Kesselman
Professora de Sociologia da Universidade Paris-Est Créteil
Val de Marne.
441
Abstract: The article questions the notion of the grey zone of
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
1 · Introdução
Desde o início da década de 1990, a multiplicação de formas par-
ticulares de emprego tem vindo a difundir-se, aumentando a pre-
cariedade e, mais recentemente, desembocando na emergência
de contratos de trabalho à margem do assalariamento (“miniem-
pregos” na Alemanha, contratos de “hora zero” na Grã-Bretanha,
“contratos de microemprego” na “economia do bico” – gig economy).
Eles marcam uma clara ruptura com o período de estabilidade e
pleno emprego dos Trinta Gloriosos. A escala e a complexidade da
despadronização da relação de trabalho são tais que hoje se pode
questionar a noção de relação de emprego, cujas fronteiras se tor-
naram mais incertas e indecisas do que nunca.
Nos estudos de relações industriais, os contornos borrados da rela-
ção de emprego são consubstanciais à globalização. Inicialmente, o
debate foi levado aos limites do modelo elaborado por Dunlop (1958)
em torno da capacidade das empresas de se libertarem da relação de
emprego (KOCHAN; KATZ; MCKERSIE, 1986); depois, considerou-se
a emergência de novos atores como partes implicadas no processo,
como a empresa-cliente (LEGAULT; BELLEMARE, 2008) ou as ONGs
da sociedade civil (PIORE; SAFFORD, 2006); e, mais recentemente, as
interdependências entre os atores da globalização (instituições finan-
ceiras, firmas multinacionais, federações sindicais transnacionais,
ONGs) foram levantadas (JACKSON; KURUVILLA; FREGE, 2013).
Esses trabalhos mostraram a diversidade dos atores implicados nos
sistemas de relações profissionais e, acidentalmente, a complexidade
do processo de transformação da relação de emprego, segundo as
442
épocas e os contextos. Fecunda para acompanhar as ampliações
443
Em suma, num contexto de globalização traduzindo uma nova
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
444
noção de ZC permite acompanhar essa fragilidade e as transfor-
2 A taxa de emprego em CDI, dos 15 aos 64 anos, progride desde 2017 para
atingir 49,7% no 2º trimestre de 2019. A participação das pessoas em situação
de subemprego (desejando trabalhar mais horas e disponíveis para fazê-lo)
está, paralelamente, recuando (5,2% em meados de 2019 contra 6,7% três anos
antes) (DARES, 2019, p. 12).
3 A taxa de emprego precário corresponde à parte dos empregos interinos,
CDD e aprendizagem, relacionada com o emprego total. A aprendizagem é um
contrato precário, porém vinculado com uma formação. É distinto do CDD
e dos interinos. Segundo o Institut National de la Statistique et des Études
445
51,6% em 2014; a dos 25 a 49 anos progrediu de 2,9% para 10,1%.
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
446
que cerca essas categorias sugere que a dualização do mercado de
447
de cobertura convencional dos assalariados no setor privado em
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
448
as fraquezas das categorias e das regulações institucionais que
449
coincide mais com as condições reais de trabalho que o ligam a ele.
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
450
se esse esclarecimento constitui o único ponto de vista possí-
451
“desencaixe” e “reencaixe” da relação de emprego não caminham
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
452
para quem a identidade e o número dos atores do sistema de rela-
453
de uma ordem de regulação híbrida onde nada garante nem a
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
5 · Conclusão
A diversidade das características de uma zona cinzenta destaca o
interesse da noção para se analisar as transformações da relação
de emprego na globalização. Receptáculo de transbordamentos
oriundos das transformações do trabalho, cujos lugares, tempo-
ralidades e modalidades de execução se desdobram para fora dos
muros das fábricas e embaçam as fronteiras estatutárias entre
assalariados e trabalhadores independentes, a zona cinzenta é
também o terreno de expressão de dinâmicas múltiplas insufla-
das “por cima”, pelas estratégias empresariais. Algumas delas
são ilegais ou ignorantes das obrigações impostas pelo Direito
do Trabalho; outras se inscrevem nas estratégias da empresa de
contorno das obrigações das fronteiras nacionais. Esses casos
diversos são práticas e regulações largamente autônomas em
face das normas da relação de emprego standard.
Aí está sem dúvida uma virtude heurística salutar: recorrer à noção
de ZC permite desenclausurar a análise de uma leitura estadocên-
trica da relação de emprego (dominante no caso da França) e se
liberar de uma abordagem sistêmica herdada do tríptico “empre-
gador, sindicato, governo” forjado inicialmente por Dunlop.
Nossa proposta de definir a ZC como “um espaço público” é a con-
sequência direta desta mudança de perspectiva. Levar em conta
a ZC como componente integral da relação de emprego conduz a
pensar que esta última não é somente regulada de maneira unila-
teral pelas direções das empresas segundo o “fato de direito”.
455
Para concluir, é conveniente sublinhar que a noção de ZC deve ser
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
Referências
ARTUS, Ingrid. Les salariés précaires et la codétermination en Allemagne
– la représentation collective au-delà des normes. La Revue de l’IRES, Paris, 1
(68), p. 109-140, 2011.
BARLET, Muriel; MINNI, Claude. Entre 2000 et 2012, forte hausse des
embauches en contrats temporaires, mais stabilisation de la part des CDI
dans l’emploi. En coll. avec Samuel Ettouati, Jean Finot et Xavier Paraire.
Dares Analyses, Paris, n. 56, juillet 2014.
DARES. Plus d’un tiers des CDI sont rompus avant un an. Dares Analyses,
Paris, janvier 2015.
456
DOELLGAST, Virginia; GREER, Ian. Vertical disintegration and the disor
KOCHAN, Thomas A.; KATZ, Harry C.; MCKERSIE, Robert B. The trans
formation of American industrial relations. New York: Basic Books, 1986.
457
PICART, Claude. Une rotation de la main-d’oeuvre presque quintuplée en
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
458
Os impactos jurídico-sociais da automação
no mundo do trabalho e a hermenêutica
da prevenção1-2
Wilson Engelmann
Professor de Direito da Unisinos. Pós-Doutor em Direito
Público – Direitos Humanos.
459
precisam ser renovados, apresentando-se a hermenêutica da prevenção
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
462
Essas tarefas estão na primeira linha de serem incorporadas pela
463
análise de big data; e a tecnologia em nuvem – devem dominar o
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
464
trabalho, as empresas priorizam a disponibilidade de talen-
465
decisão (18%) – começarão a ser automatizadas (30%, 29% e 27%,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
466
gerados pela adoção de novas tecnologias e outros desenvolvi-
467
tecnologias: 1) contratar pessoal permanente totalmente novo,
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
468
abordagens baseadas em cenários prospectivos e o uso de estudos
469
Referências
FUTURO DO TRABALHO • OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE
ÁLVAREZ CUESTA, Henar. El futuro del trabajo vs. el trabajo del futuro:
implicaciones laborales de la industria 4.0. A Coruña (Galicia): Colex, 2017.
ANDRIOLE, Steve. Will (software) robots take your job? Track trends
closely for smart career management. Forbes, Jersey City, April 30, 2019.
Disponível em: https://www.forbes.com/sites/steveandriole/2019/04/30/
will-robots-take-your-job-maybe-probably-absolutely/#506ec6e433e1.
Acesso em: 6 jul. 2019.
470
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira
471
Livro produzido pela Escola Superior do Ministério Público
da União e composto nas fontes KoHo e Zilla Slab.
2020 | Brasília-DF