Rui Vitória recordou a mudança do Benfica para a Arábia Saudita, e como implementou o modelo de jogo no Al Nassr, com o qual foi campeão. O técnico admitiu que teve um choque inicial, numa intervenção em que recordou o duelo com o Bayern Munique de Guardiola.

O antigo treinador dos encarnados revelou que ir para a Arábia Saudita «foi uma decisão tomada em 48 horas», pelo que houve «muito pouco tempo» para conhecer o futebol do país e do clube em particular.

«Tinha havido umas conversas, mas nunca encarámos [muito a sério] porque eu era treinador do Benfica. A decisão foi num fim de semana e conhecia pouco da equipa. Vieram aqui num domingo e na segunda-feira assinámos contrato. Depois tivemos conhecimento dos jogadores e da equipa, mas ainda tivemos aqui alguma burocracia como questões de residência, etc», começou por lembrar, nas Scoutalks da ProScout, nas quais revelou também ter dois objetivos quando regressar a Portugal.

Rui Vitória declarou que ele e a equipa técnica tiveram «a preocupação de estudar algo» do Al Nassr, «mas lá é que se começou a meter a mão na massa». Numa primeira análise, ficou «com a ideia do estilo de jogo de equipa» e que «os resultados do Al Nassr tinham uma grande alternância, tal como  primeiro classificado».

O treinador português acrescentou: «Via uma preocupação na equipa. Com o primeiro jogo houve logo um grande choque. Saio de um clube como o Benfica, no inverno, com dinâmica de jogo estabelecida e definida. Entro num jogo de Taça e queria que os meus jogadores na Arábia andassem como os do Benfica! Eu queria meter uma velocidade acima e eles [a jogar] numa velocidade baixo.»

Quando chegou à Arábia Saudita, a «principal preocupação foi tentar perceber rapidamente como é a cultura, a parte social e como tudo funciona». Ou seja, a questão para Rui Vitória era: «Como meto as minhas ideias no futebol da Arábia?» Assim, fez várias análises. «De que forma jogam as equipas da Arábia? Que tipo de jogador é o futebolista árabe? Se joga com intensidade, se gosta de treinar, que tipo de adversários há, quantos dias de intervalo entre os jogos há. Os campos como são, se a relva era boa, se eram todos iguais. Fazer esta leitura muito rápida. Muitas vezes entramos a meio de um processo e ao mesmo tempo temos de ganhar, de treinar e pôr as nossas ideias. Não é fácil», disse.

Uma das primeiras coisas que vislumbrou foi um maior número de paragens do jogo. «É muito normal um jogo durar mais dez ou 12 minutos. O VAR intervém mais, o jogo para muito mais. As pausas acontecem muitas vezes. Entram médicos muitas vezes nos recintos. O jogo nunca está decidido por isso. Facilmente se passa de 2-1 a perder para 3-2 a ganhar. A intensidade do jogo era relativamente baixa. O jogo tinha tantas pausas que havia uma alternância grande no foco do jogador. Acaba por ser estranho para quem tem aqui um futebol muito dinâmico e movimentado, mais ativo, lá acaba por ser ao contrário. Tínhamos de aumentar a intensidade do jogo e isso passou pela frequência com que os jogadores tinham de tomar decisões táticas.»

O Bayern-Benfica e o elogio de Guardiola

Rui Vitória começou então por mudar o Al Nassr. «Percebi que eles gostam de jogo apoiado, de posse e assumi isso como parte do modelo de jogo», referiu. «Depois íamos à transição, mas vamos primeiro dar este conforto em organização ofensiva, com mais circulação e aí os jogadores estão ligados, têm bola no pé, mesmo que não haja progressão», assumiu.

O processo defensivo foi algo que também teve de evoluir e a conversa começou recordando o elogio de Pep Guardiola, quando pelo Bayern Munique defrontou o Benfica: o técnico declarou que os encarnados eram das melhores equipas a defender.

«Vinha de sucessos e êxito no Benfica e ia para a Arábia como alguém que tinha títulos e tinha jogado a Liga dos Campeões. Esse estatuto ajuda. Depois, foram coisas muito pragmáticas e objetivas», declarou Rui Vitória, que acrescentou que a chegada de Maicon [ex-FC Porto] também foi importante.

«Esse jogo com o Bayern foi interessantíssimo, os dois, aliás, de uma equipa e outra e daí a grandeza e a capacidade do Guardiola para jogo da segunda mão, controlando alguns aspetos nossos», observou. 

Rui Vitória prosseguiu: «Uma das frases que ele acabou por dizer foi não cabia uma agulha entre a nossa linha de meio-campo e defesa. Nós tínhamos uma capacidade de encurtamento muito grande. O nosso bloco tinha de estar fechado e não deixar jogar por dentro. Na Alemanha, o Bayern jogou muito por o fora e nós tivemos de bascular. Cansámo-nos bastante. Mas havia dinâmicas, os jogadores em Portugal tinham essas rotinas. Tínhamos de encurtar a zona central para que eles não tivessem espaço para decidir. Acabámos por sofrer um golo logo no primeiro minuto com um cruzamento. Acabámos só perder 1-0 e, depois, em Portugal foi 2-2» 

Resumindo, o técnico disse que a ideia frente ao Bayern foi «fechar o centro, reduzir espaços e não deixar jogadores com qualidade entrar no bloco». E como se faz isso na Arábia? «Ter paciência e não querer que as coisas sejam feitas da mesma forma. Porque não há [falando na generalidade do futebol árabe] dinâmica de subir linha, de redução frontal e trabalho de basculação. Fomos tendo dinâmica de a equipa jogar mais em bloco, mas não é fácil. Se jogarmos no Alentejo com 40 graus, quem é o jogador que faz com a mesma velocidade», questionou e concluiu Rui Vitória.