Nova Dança Portuguesa

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N0VA DANÇA P0RTUGUESA

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DP dançaguesa
Joana Matos — Rodrigo Balseiro — Rui Miguel
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Portugal no séc. XX Ballet Gulbenkian 5 Companhia Nacional de Bailado 8 A Nova Dança Portuguesa 12 Dar baile ao Governo 21 Bibliografia 27 N D P 3
N0VA DANÇA P0RTUGUESA

Portugal no séc. XX

O século XX trouxe muitos desafios e inovações para o mundo, que levaram a novas estruturas de funcionamento e que influenciam ainda os dias de hoje. Na primeira parte do século dá-se o boom da Industrialização, o mundo entra, por duas vezes, em comflitos mundiais e acontecem mudanças radicais nas artes, tanto ao nível técnico como ao nível estético.

Na segunda metade, ainda numa Europa dividida por um muro de forças opostas, dá-se em Portugal a Revolução do 25 de Abril de 1974, que é um ponto de viragem para ao desenvolvimento da dança teatral1 portuguesa. No entanto, no caso da dança, enquanto género inovador e de rotura, o desenvolvimento não foi tão regular, comparativamente às outras artes.

Na década de 90, ocorre uma diversificação das orientações estéticas, fruto de projetos de coreógrafos independentes que, nos seus espetáculos, e de forma a refletir os avanços dos tempos em que viviam, implementaram mundanças, no âmbito da então densignada Nova Dança Portuguesa, que influenciam a dança até aos dias de hoje. Em 1996, o Ministério da Cultura define uma política de apoios às artes do espetáculo, em geral, e à dança, em particular, de iniciativa não governamental, no quadro do XIII Governo Constitucional de Portugal.

1 “Designo por dança teatral uma performance deliberadamente apresentada por um grupo de intérpretes selecionados de acordo com expectativas definidas por motivações artísticas e pressupostos estéticos determinados perante um outro grupo de pessoas e cujo contexto de ocorrência é delimitado pela moldura que recorta o espaço em que o evento se concretiza e o separa dos outros eventos do mundo, mas que a ele se reporta de forma reflexiva.” Sobre a distinção entre dança teatral, dança social e dança ritual, v. Fazenda (2012/2007)

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Ballet Gulbenkian

Companhia criada, a partir do Grupo Experimental de Ballet do Centro Português de Bailado, criado em 1961. Era constituído por um pequeno grupo de bailarinos, sob a direção artística de Norman Dixon e, então, subsídiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1965, sob a tutela do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, é criado o Grupo Gulbenkian de Bailado, sob a direção de Walter Gore. Sendo sucedido, em 1970, por Milko Sparemblek, cujo contributo para o crescimento técnico e artístico do Grupo foi notável. Nesse tempo Lar Lubovitch cria para a companhia portuguesa a obra, Algumas reacções de algumas pessoas algures no tempo ao ouvirem a notícia da vinda do Messias, a qual foi dançada cerca de sessenta vezes, entre a sua estreia, em fevereiro de 1971, e 1981. Sanasardo estreia a coreografia O Baile dos Mendigos, com a companhia em 1974, dançada cerca de quarenta vezes até 1980. Em 1975, na sequência de problemas internos iniciados em 1973 e de uma greve de bailarinos em 1974, Sparemblek é afastado e substituído por uma comissão artística. Em janeiro de 1977, Jorge Salavisa, ex-bailarino e professor, regressa a Portugal e inicia funções como maître de ballet (mestre de bailado), na então apelidada de Ballet Gulbenkian, até a comissão artística ser extinta em setembro, e este tomar posse como diretor artístico da companhia, sendo o seu primeiro diretor português. Salavisa tem um papel decisivo no desenvolvimento do grupo, ao nível do o seu repertório, redefinindo-o e expandindo-o, através de uma linha contemporânea para a companhia que alterna entre criações modernas e obras clássicas, e ao nível da formação dos bailarinos portugueses.

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Entre 1985-1986, o Ballet Gulbenkian é já uma companhia definida e estabilizada e em 1989/90, o elenco é maioritariamente contituído por bailarinos portugueses, resultado direto do investimento de Salavisa na formação. É também sob a sua diretoria que ganham notoriedade dois dos mais importantes coreógrafos do pós-25 de Abril, Vasco Wellenkamp, com uma “expressão fundamentalmente lírica e apaixonada, e dotado de imensa musicalidade”, e Olga Roriz, com “o espírito de pesquisa, a exploração da violência cinética, a incorporação da estética minimalista-repetitiva, o acentuado pendor teatral, e por vezes o insólito relacionamento com a música” 2, que contribuem, com momentos e com estilos diferentes, para a definição do perfil da Ballet Gulbenkian. Em 1984, o programa da BG era fundamentalmente composto pelas suas obras, porém em maio do mesmo ano, foram as obras de Roriz que representaram quase a totalidade dos programas da companhia no conceituado Théâtre de la Ville, em Paris. Os dois coreógrafos tornam-se, assim, elementos distintos nas digressões internacionais da companhia, com obras muito bem recebidas pela crítica e pelo público.

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2 Citacões - Leça, C. P. (1991). Ballet Gulbenkian: 25 anos. Colóquio Artes, 91: 61-67.

Wellenkamp, abandona o BG em 1996, criando o seu próprio grupo, a Companhia de Bailado Contemporâneo. Assume a direção artística da Companhia Nacional de Bailado, em 2007, até 2010, quando retoma a direção da Companhia de Bailado Contemporâneo.

Em 1995, Olga Roriz cria a sua prória e homónima companhia de dança e Jorge Salavisa dirige o Ballet Gulbenkian até ao ano seguinte.

Durante este período, e graças à sua direção, com uma competente administração, coreógrafos distintos e bailarinos extreodinários, o Ballet Gulbenkian tornou-se uma referência cultural nacional.

Após quarenta anos, em julho de 2005, o Ballet Gulbenkian cessou atividade, mas até aí foi enriquecendo o seu repertório com remontagens de obras de Ohad Nahirin, Wiliam Forsythe, Angelin

Preljocaj e Marie Chouinard, criações originais de Gilles Jobin, e trabalhos de vários criadores como Itzik Galili e, os portugueses, Clara

Andermatt, João Fiadeiro, Vera Mantero e Rui Horta.

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Companhia Nacional de Bailado

Criada em 1977 por despacho de David Mourão-Ferreira, Secretário de Estado da Cultura do I Governo Constitucional de Portugal, chefiado por Mário Soares, a Companhia Nacional de Bailado é a primeira instituição pública no âmbito das artes do espetáculo criada de raiz no regime democrático. A Companhia, vem em certa medida, preencher o espaço criado pela recente extinção da companhia Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, criada durante o Estado Novo, por António Ferro, diretor do Secretariado da Propaganda Nacional. É no Teatro Nacional de São Carlos, que a companhia se estabelece, e alberga os seus fundadores, as bailarinas e professoras de danças Luna Andermatt e Vera Cid, Pedro Risques Pereira e Armando Jorge, que se tornaria o primeiro diretor do grupo.

O foco da CNB é o clássico e o neo-clássico, tendo o Ballet Gulbenkian o espaço para o desenvolvimento da dança contemporânea. Inicia atividade sob a égide da Direção-Geral da Cultura Popular de Espetáculos que ,em 1980, ainda sem regime jurídico definido, passa a Direção-Geral da Cultura Popular de Espetáculos e do Direito de Autor.

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A CNB tem como missão a divulgação do património da dança, assim como a criação de um novo repertório, sobretudo, de criadores portugueses e um centro de formação de bailarinos, como é descrito, em 1982, ano em que é colocada sob regime de instalação com as seguintes atribuições:

1- Promover e difundir o bailado, bem como formar e estimular novos bailarinos, coreógrafos e técnicos;

2- Produzir bailados, sempre que possível pertencentes ao património coreográfico e musical português […];

3- Produzir os bailados mais relevantes do património universal clássico ou contemporâneo […];

4- Apoiar os restantes grupos de bailado[…]

5- Criar e manter um centro de formação visando o aperfeiçoamento e profissionalização dos artistas e técnicos de bailado […];

6- Promover cursos de férias e seminários […]

Em 1985 a Companhia Nacional de Bailado é integrada no Teatro Nacional de S. Carlos E.P. e assim permanece até 1992, quando esta empresa pública é extinta a Companhia recupera a sua autonomia e reinstitui-se.

Sem influêcia das indefinições e incongruências de natureza jurídica da CNB, Armando Jorge, que assumiu a direção em 1978, continuava com os seus objetivos artísticos para o grupo, sendo uma figura importante na consolidação da companhia, trabalhando para elevar a Companhia Nacional de Bailado ao mesmo nível das suas semelhantes internacionais, até deixar o cargo em 1993.

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3 Decreto-lei 460/82, de 26 de Novembro 1982, Ministério da Cultura e Coordenação Científica; Diário da República n.º 274/1982, Série I de 1982-11-26

Nesse ano, a CNB, até então, pessoa coletiva de direito público, é integrada no IPBD – Instituto Português do Bailado e da Dança, uma associação de direito privado, constituída por escritura notarial entre o Estado, representado pela Secretaria de Estado da Cultura, a Fundação das Descobertas e a sociedade proprietária do Teatro de São João, no Porto. Sob a tutela do IPBD, a companhia enfrenta dificuldades com a falta de bailarinos de excelência, produções dispendiosas e contrassensos legislativos que a deixam muito fragilizada.

Em 1995, no quadro do XIII Governo Constitucional de Portugal, sob a chefia de António Guterres, derrubando em eleições três governos sucessivos liderados por Aníbal Cavaco de Silva, é reposto o Ministério da Cultura, departamento tutelado pelo Ministro Manuel Maria Carrilho e o musicólogo Rui Vieira Nery, como Secretário de Estado. Em 1996, Jorge Salavisa é nomeado como diretor da Companhia Nacional de Bailado, para processo de reestruturação, em conjunto com a Secretaria de Estado da Cultura. Estebelecem-se ainda, com o Decreto-Lei no 245/97, as bases legais que devolvem à CNB a sua autonomia, assim como lhe conferem as bases orgânicas essenciais para um funcionamento eficiente. A CNB transpõe, assim, o subfinanciamento que a limitava, entre outros, desde a integração no IPBD. Dá-se então início à reestruturação da companhia, com a renovação do elenco artístico e a atualização do repertório com várias novas obras, estreando, em 1998, uma arrojada versão de A Bela Adormecida, de Marius Petipa, a estreia de duas obras de William Forsythe, “Artifact II” e “In The Middle, Somewhat Elevated” e ainda a estreia de“The Lisbon Piece”, de Anne Teresa De Keersmaeker, aqui é a primeira vez que esta notável coreógrafa belga trabalha com bailarinas sobre sapatilhas de ponta, o que revelou ser crucial na afirmação internacional da CNB.

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Até à sua saída, em 1999, Jorge Salavisa promove e apoia jovens coreógrafos nas suas criações, dando espaço para a criação de Cantoluso de David Fielding, Rui Lopes Graça e Armando Maciel, em 1997, sobre a expressão lusófona, com extensa divulgação nacional.

Fielding criou ainda Bomtempo, sobre música de João Domingos

Bomtempo, ainda em 1998, e Present Tense em 1999, sobre música de Steve Reich e Rui Lopes Graça, em 1998 criou Llanto, e Dançares em 1999, sobre música de Fernando Lopes-Graça.

A Companhia Nacional de Bailado continua em atividade até aos dias de hoje, sob a direção artística de Carlos Prado.

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CNB

Dança Portuguesa

É num Portugal enquadrado nos finais dos anos 80 e início dos 90, que se assiste a um movimento emergente no panorama da dança portuguesa que convoca uma nova geração de criadores a agir, ou reagir, face à frágil estrutura nacional da criação, produção e apresentação de espetáculos.

É uma vaga de criadores, com percursos artísticos diversificados, com muitas diferenças entre uns e outros, tanto na idade como na formação base ou nas abordagens artísticas. Deste grupo fizeram parte Clara Andermatt, Francisco Camacho, João Fiadeiro, Madalena Vitorino, Margarida Bettencourt, Paula Massano, Paulo Ribeiro e Vera Mantero, entre muitos outros.

Face a este movimento revolucionário do panorama da dança nacional, o critico de dança António Pinto Ribeiro nomeou-o de Nova Dança Portuguesa, e acompanhou de perto os projetos destes criadores, assumindo o compromisso de uma crónica regular no semanário

Expresso, entre 1987 e 1993, apresentados sob um olhar artístico e teoricamente informado, onde expõe as questões e as opções estéticas destes criadores, o que acaba por ter um papel fundamental na projeção destes mesmos projetos da nova dança.

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Esta nova realidade, aproximou Portugal da que já se vivia na Europa, de um movimento que já emergira em França, Bélgica, Holanda e Inglaterra nos anos 70 e que na altura já se faziam notar a nível mundial e que partilhavam desta emergência de um trabalho independente das companhias já institucionalizadas. Uma postura punk face ao sistema clássico de criação, programação, apresentação e de meios utilizados - um sistema sobretudo europeu, onde predominava o ballet

A Nova Dança Portuguesa recusa ser conotada a um género ou a um estilo, e propõe-se a ser definida por essa mesma ausência, onde o ónus está na singularidade que cada criador apresenta e a pluralidade de linguagem, da expressão e do movimento.

“A Revolution without Dancing is a Revolution not worth having!

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-

Uma revolução emergente na dança que procurava:

1- violar as regras, opondo-se à prática clássica do ballet e da modern dance ;

2- sugerir uma nova atitude para o corpo, integrando nas criações, movimentos do quotidiano, do desporto, do ioga ou do tai chi, das danças tradicionais, dos gestos ou passagens com base em improvisação livre e do contacto com a natureza, ou ainda recorrendo às técnica da dança clássica mas, agora, utilizando-as de forma diferente e com diferentes propósitos;

3- estabelecer um novo interesse pela teatralidade, fazendo uso do gesto narrativo, do recurso ao texto e à construção de personagens;

4- valorizar a pluralidade e a variedade de fontes para a criação artística, nomeadamente a literatura e as artes plásticas;

5- adotar uma atitude critica perante as instituições, principalmente em relação às questões de organização hierárquica.

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A Nova Dança Portuguesa assume-se como uma dança rebelde e iconoclasta, que procura uma maior acessibilidade e inclusão quer na interpretação como na criação, mas sobretudo uma mistura de géneros, fontes, opções, estéticas, ritmos, artes e conceitos.

A Fundação Calouste Gulbenkian teve um papel fundamental na eclosão e na solidificação da Nova Dança Portuguesa, pois para além de muitos destes criadores terem feito parte da companhia Ballet Gulbenkian (1975-2005), é o projeto ACARTE (Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte), criado por Maria Madalena de Azevedo Perdigão em 1984, e a inauguração recente do CAM (Centro de Arte Moderna) que potenciam a NDP, pois apresentam uma programação cuidada e atenta às referências vanguardistas Europeias e Americanas e permitem um contacto próximo com elas, através de workshops, conferências e mesas-redondas. O ACARTE propunha projetos multidisciplinares, oferecendo espaço para que diferenciados temas fossem abordados sob o olhar de diversas áreas artísticasteatro, dança, musica, poesia, cinema, artes plásticas e arquitetura, o que inspirou, na teoria e na pratica, jovens coreógrafos e bailarinos emergentes já com interesse em desenvolver trabalho à margem das companhias institucionalizadas, quer a Ballet Gulbenkian, quer a Companhia Nacional de Bailado. Para além disso, foi um enorme contributo para modificar e permeabilizar o gosto e interesse do público, como também na formação de novos públicos para a dança.

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Alguns dos principais espetáculos internacionais programado pelo ACARTE, na época:

- Rosas danst Rosas, Anne Teresa De Keersmaeker (1983);

- Grain, Eiko & Koma (1983);

- Les Louves de Pandora, Jean-Claude Gallotta (1986);

- What the Body does not Remember

- Hommage à Dore Hoyer /Afectos Humanos

- Canard Pékinois, Josef Nadj (1987);

- Auf dem Gebirge hat man ein Geschrei gehört [Na Montanha Ouviu-se Um Grito], Tanztheater Wuppertal Pina Bausch (1989)Estreia da Companhia em Portugal.

Para além de uma programação estrangeira, o ACARTE teve o cuidado de dar palco a programas exclusivamente de dança portuguesa. Na primeira edição da Mostra de Dança Portuguesa em 1989, apresentaram-se:

- Linha, Rui Horta & Friends;

- Con(m)certo Sentido, Aparte (Margarida Bettencourt e João Natividade);

- Voos Domésticos, Dança Grupo (fundado por Elisa Worm).

No ano seguinte, na Mostra de Dança Contemporânea II, foram programados:

- Alto Contraste, Dança Grupo;

- Divagações, um solo criado e interpretado por João Natividade;

- Jardim de Inverno, de Olga Roriz,

- Estranhezas, de Paula Massano,

- Interiores, de Rui Horta;

- Mecanismos, de Joana Providência.

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“O Acarte pôs-nos realmente no mundo. Proporcionou-nos descobertas emocionantes, encontros fundamentais, o acesso a redes informais – de organizadores, de críticos, de artistas – que já então estavam activas na Europa e nos Estados Unidos. E, talvez o mais importante de todos os encontros, o encontro de um público, minoritário que fosse. Quem viveu essa época não pode ter esquecido o clima de festa, a sensação empolgante de estar a viver algo de muito forte, uma sensação de pertença que nos unia, espectadores, organizadores, artistas, pensadores, em inesquecíveis dias e noites na Sala Polivalente, no Anfiteatro ao ar Livre, no Self-Service do Centro de Arte Moderna, no Grande Auditório e nos jardins da Fundação Gulbenkian. O ACARTE deu um contributo sem paralelo para a criação de um desejo de comunidade, de movimento.”

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Depois do ACARTE seguiram-se vários outros espaços com este cuidado de promover novos criadores e artistas como por exemplo a Semana Internacional do Teatro Universitário e a Bienal Universitária de Coimbra. Portugal começava a olhar para esta novidade com um olhar cada vez mais interessado e curioso, assim como a Coca-Cola segundo o publicitário Fernando Pessoa, o que inicialmente se estranhou, acabou por se entranhar nas programações culturais e a chegar a cada vez mais publico, até às massas televisivas. Pode-se afirmar que o contexto artístico do final dos anos 80 e início dos 90, a par de todas estas alterações culturais e sociais, sofrera uma mudança de paradigma da criação, com um desejo inerente a esta nova vaga de criadores e interpretes de dar palco e expressão às suas experiências e visões do mundo contemporâneo, com uma linguagem própria e muitas vezes numa colaboração composta de várias áreas artísticas, numa linguagem tão diversa quanto a contemporaneidade permitia descobrir e explorar.

No trabalho de vários coreógrafos, como Vera Mantero, Francisco Camacho, Paula Massano, João Fiadeiro ou Paulo Ribeiro houve uma procura de utilizar o corpo para além daquilo que até então era visto como estético, belo, harmonioso ou elegante. Procurou-se explorar o corpo como lugar de opressão, de banalidade, de trabalho, de tensões, de repouso, de apatia ou inércia, recorrendo a outras técnicas e métodos, à margem do ballet e da modern dance, como por exemplo a técnica de composição Cunningham, a referência da Pina Baush e o Contact Improvisation, técnicas que entraram no circuito português através destes criadores e interpretes graças às suas formações internacionais na Europa e nos Estados Unidos da America e que só mais tarde integraram o programa formativo de várias escolas de dança.

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A Nova Dança Portuguesa, foi mais que um marco na história pela sua rebeldia, foi uma factor charneira para a criação em Portugal que se estendeu para o novo milénio e ainda hoje se manifesta nas gerações de criadores seguintes. O cenário artístico contemporâneo, deve muito a este movimento, e pode-se afirmar que nomes como Marlene Monteiro Freitas, Victor Hugo Pontes, Tânia Carvalho, Marco da Silva Ferreira e Sofia Dias e Vitor Roriz são filhos da Nova Dança Portuguesa, de uma dança mais livre, mais inclusiva, mais plural e mais política.

Dar baile ao Governo

A escassez de espaços, de programações disponíveis e de apoios era notória no trabalho destes criadores independentes, pois não havia uma política cultural que se disponibilizava para apoiar este novo tipo de dança emergente. No seu relatório sobre as políticas culturais entre os anos 1985 e 1995, Maria de Lourdes Lima dos Santos, socióloga, conclui que não existem objetivos para o setor da dança, durante os X, XI e XII Governos Constitucionais de Portugal. Consultando o Relatório de Atividades da Secretária de Estado da Cultura ficamos a saber que:

“O [relatório] de 1985 indica que se procura proteger e estimular a atividade do bailado em Portugal, nomeadamente através de subsídios concedidos pela Direcção Geral de Acção Cultural a grupos e companhias de bailado independentes […] No entanto, logo a partir de 1986 a autonomia da dança cessa de ser reconhecida por aquele Relatório, visto que, para efeitos de publicitação de apoios e subsídios concedidos, a dança é aglomerada com o teatro e a ópera na categoria “Artes cénicas” […] Porém, já no final do período, em 1994, com a criação do Instituto Português do Bailado e da Dança e das principais orientações políticas que o hão-de reger na sua actividade, o Estado parece adoptar explicitamente uma posição de tendencial não intervenção […]”

(Santos, 1998, pp. 162-163)

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(Santos, 1998, pp. 168).

Eventos internacionais foram muito importantes para a divulgação da Nova Dança Portuguesa, tais como a “Europalia’91 – Portugal”, ajudavam com a produção dos trabalhos e também estabeleciam algumas parcerias internacionais. Sendo assim, o Comissário de Música e Dança, José Ribeiro da Fonte, convida Gil Mendo para produzir a representação portuguesa de dança no festival de arte em Bruxelas. Gil Mendo pretendia “que esta primeira exposição internacional da Nova Dança Portuguesa se realizasse em condições profissionais normais, isto é, integrada numa programação internacional regular, e de acordo com a escolha do respectivo programador, e não isolada numa efeméride especial” (2008). Selecionaram-se então os representantes portugueses que rapidamente se apelidaram como “Os Novos Portugueses”, dentro dos quais Vera Mantero, Francisco Camacho, Joana Providência, entre outros.

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“Não obstante os apoios que, no período em análise, beneficiaram algumas estruturas, conforme dados apresentados pela autora, aqueles foram insuficientes e atribuídos de modo casuístico, de onde se conclui que “o estímulo à produção e difusão da dança entre 1985 e 1995 em nenhum momento constituiu prioridade da ação governativa””

Mas mesmo com todos estes eventos, os artistas continuavam sem espaços de ensaio, de pesquisa, de apresentação e até mesmo de formação para poderem desenvolver o seu trabalho. Em 1993, surge a primeira edição do Festival de Danças na Cidade, organizado pela bailarina Mónica Lapa, o qual apresenta uma dose nova de criadores.

Muitos nomes conhecidos do mundo da dança participaram neste festival ao longo dos anos. No mesmo ano, em abril, foi organizado um evento por um grupo de bailarinas que contava em apresentar trabalhos de vinte e dois criadores, durante doze horas, no Maria Matos Teatro Municipal, intitulado de “Maratona para a Dança”.

Contudo, em 1992, um ano antes, um grupo de profissionais da área juntam-se numa reunião, no Teatro O Bando, para falarem sobre as suas condições de trabalho. Dentro das reuniões, surge então um documento chamado “Manifesto para a Dança”, onde se comunica a falta de infraestruturas e apoios para o setor.

É também em 1993, que a procura por melhores condições por parte dos artistas ganha uma força com a constituição da Associação Portuguesa para a Dança, em Lisboa. A criação desta associação surge de uma necessidade de fazer entender às instituições governamentais, as falhas para com o setor da dança e sobre a vitalidade da mesma. A nível nacional, a dança viria a ser programada por Jorge Salavisa, em eventos como Lisboa’94. Estes eventos traziam também com eles uma grande importância para a visibilidade deste novo trabalho dentro do nosso país. Os meios económicos e as parcerias tomam aqui a sua relevância, pois só assim é que se possibilitava a realização de tais eventos. Existem grandes projetos que nasceram destas iniciativas,

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como o trabalho realizado por Clara Andermatt e Paulo Ribeiro em Cabo Verde, com bailarinos e músicos de ambas as nacionalidades, intitulado de “Dançar Cabo Verde”. Com a subida do novo Governo Constitucional em 1996, liderado por António Guterres, um documento foi lançado que defendia “Continuar o diálogo começado com as instituições no sentido de intervir no delinear de uma política para a dança”. Em julho do mesmo ano, o Ministro da Cultura organiza uma série de debates para todos os setores das artes. “Cultura em Diálogo”, um evento para o qual foi convidado o ex-Ministro da Cultura francês, Jack Lang, e que pretendia trazer a público todas as questões que existiam na altura sobre as políticas culturais apresentadas para cada setor. No debate apontado para a dança, compara-se as verbas disponibilizadas para o apoio à dança e o apoio às outras artes do espetáculo e fala-se também sobre as regras e critérios de atribuição de subsídios.

O Ministério da Cultura decide então criar o Instituto Português das Artes do Espetáculo, interlocutor das artes performativas independentes. É em dezembro de 1996 que é publicado o primeiro regulamento de apoios do Ministério da Cultura à criação e produção coreográfica, que fez com que os meios disponíveis para a Nova Dança Portuguesa começassem a aumentar.

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"Toda a cultura é um diálogo com o seu tempo." - Vergílio Ferreira

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Se, aos olhos daqueles que ainda hoje perseguem o sonho da dança, Portugal representa, muitas das vezes, um espaço de futuro incerto, existe um legado que é importante não esquecer. Numa história que, como qualquer outra, se alimenta de começos e fins, propusemo-nos a seguir criadores e intérpretes que até hoje têm contribuído para uma narrativa que, como a vida, está em permanente mutação.

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Bibliografia

O Processo Criativo da Nova Dança Portuguesa: contributos de quatro coreógrafos da primeira geração — Dora Maria Bastos e Silva da Fonseca

O Papel do Corpo no Corpo do Ator — Sônia Machado de Azevedo

Dança Teatral — Maria José Fazenda

Movimentos Presentes, Aspectos da dança independente em Portugal — Maria José Fazenda

Dançaram em Lisboa 1900-1994 — Helena Coelho - José Sasportes - Maria de Assis

Os passos da dança portuguesa unem-se num movimento contínuo — Gerador

A velha-nova dança portuguesa — João Fiadeiro / Público

A minha História da Dança — João Fiadeiro / Forum Dança

Contributo para uma cartografia da dança contemporânea em Portugal — Forum Dança

Um Corpo que dança — Filme de Marco Martins

Portugal que dança — Série RTP

Francisco Camacho 1982/2022 — Museu Nacional do Teatro e da Dança

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