Por entre terras e águas do Atlântico: projetos, processos e experiências internacionais

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POR ENTRE AS ÁGUAS DO ATLÂNTICO projetos, processos e experiências internacionais de pró-mobilidade internacional atravessando e sendo atravessados por Brasil e Cabo Verde

Nima I. Spigolon - Claudia M. Wanderley - Débora Mazza (Orgs.)



Nima l. Spigolon Claudia M. Wanderley Débora Mazza (Orgs.)

POR ENTRE TERRAS E ÁGUAS DO ATLÂNTICO: PROJETOS, PROCESSOS E EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE PRÓ-MOBILIDADE INTERNACIONAL ATRAVESSANDO E SENDO ATRAVESSADOS POR BRASIL E CABO VERDE 1a Edição Eletrônica

Uberlândia / Minas Gerais Navegando Publicações 2019


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www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com Uberlândia – MG, Brasil

Copyright © by autor, 2019. P832 – Spigolon, Nima l.; Wanderley, Claudia M.; Mazza, Débora (Orgs.) Por entre terras e águas do Atlântico: projetos, processos e experiências internacionais de pró-mobilidade internacional atravessando e sendo atravessados por Brasil e Cabo Verde. Uberlândia: Navegando Publicações, 2019. ISBN: 978-85-53111-43-5 10.29388/978-85-53111-43-5-0 1. Direito 2. Políticas Públicas 3. Processo Coletivo. I. Nima lmaculada. Spigolon; Claudia Marinho Wanderley; Débora Mazza. II. Navegando Publicações. Título. CDD – 370 CDU – 37 Revisão/ Diagramação – Lurdes Lucena

Índice para catálogo sistemático Educação

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Editores Carlos Lucena – UFU, Brasil José Claudinei Lombardi – Unicamp, Brasil José Carlos de Souza Araújo – Uniube/UFU, Brasil

Conselho Editorial

Afrânio Mendes Catani – USP, Brasil Alberto L. Bialakowsky – Universidad de Buenos Aires, Argentina. Ángela A. Fernández – Univ. Autónoma de Sto. Domingo, República Dominicana Anselmo Alencar Colares – UFOPA, Brasil Carlos Lucena – UFU, Brasil Carlos Henrique de Carvalho – UFU, Brasil Carolina Crisorio – Universidad de Buenos Aires, Argentina Cílson César Fagiani – Uniube, Brasil Christian Cwik – University of the West Indies, St.Augustine, Trinidad & Tobago Christian Hausser – Universidad de Talca, Chile Daniel Schugurensky – Arizona State University, EUA Dermeval Saviani – Unicamp, Brasil Elizet Payne Iglesias – Universidad de Costa Rica, Costa Rica Fabiane Santana Previtali – UFU, Brasil Francisco Javier Maza Avila – Universidad de Cartagena, Colômbia Gilberto Luiz Alves – UFMS, Brasil Hernán Venegas Delgado – Universidad Autónoma de Coahuila, México Iside Gjergji – Universidade de Coimbra - Portugal Iván Sánchez – Universidad del Magdalena –Colômbia João dos Reis Silva Júnior – UFSCar, Brasil Jorge Enrique Elías-Caro – Universidad del Magdalena, Colômbia José Carlos de Souza Araújo – Uniube/UFU, Brasil José Claudinei Lombardi – Unicamp, Brasil José Jesus Borjón Nieto – El Colégio de Vera Cruz, México José Luis Sanfelice – Univás/Unicamp, Brasil Lívia Diana Rocha Magalhães – UESB, Brasil Mara Regina Martins Jacomeli – Unicamp, Brasil Miguel Perez – Universidade Nova Lisboa – Portugal Newton Antonio Paciulli Bryan – Unicamp, Brasil Paulino José Orso – Unioeste – Brasil Raul Roman Romero – Universidad Nacional de Colombia – Colômbia Ricardo Antunes – Unicamp, Brasil Robson Luiz de França – UFU, Brasil Sérgio Guerra Vilaboy – Universidad de la Habana, Cuba Silvia Mancini – Université de Lausanne, Suíça Teresa Medina – Universidade do Minho – Portugal Tristan MacCoaw – Universit of London – Inglaterra Valdemar Sguissardi – UFSCar – (Aposentado), Brasil Victor-Jacinto Flecha – Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción, Paraguai Yoel Cordoví Núñes – Instituto de História de Cuba, Cuba





[...] jurei a mim mesmo que tenho que dar toda a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho (Amílcar Cabral, in Seminário de Quadros do PAIGC, 1969).



Agradecimentos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior) Câmara Municipal de Praia Ipericentro Embaixada de Cabo Verde no Brasil Centro Cultural Brasil-Cabo Verde Sra. Maria Aleluia Andrade, Sr. Antonio Carlos Lopes da Silva, Paulo Umaru e Ema Barros UNESCO Todos e todas que conosco sonharam e realizaram este livro



SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Nima I. Spigolon, Débora Mazza e Claudia M. Wanderley DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.01-04

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PREFÁCIO José Tadeu Jorge – UNICAMP/BRASIL DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.05-06

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Poemas

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Caboverdianos todos somos Wilmar D’Angelis DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.07-08

07

Interpelação ao escravo-fujão Gertrudes M. F. Silva de Oliveira DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.09-10

09

Cidade Velha Saidu Bangura DOI – 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.11-12

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Txoru silensiadu txoradu Saidu Bangura DOI – 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.13-14

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I - Cabo Verde, Brasil e as Tecnologias de Linguagem Claudia M. Wanderley DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.15-32

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II - Relatos de uma experiência de vida: conhecimentos, aprendizagens e descobertas em Cabo Verde (Nos Kaza) Beatriz Torres, Danyelen Lima e Débora Mazza DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.33-46

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III - Mais mestiça, mexida e humana: uma travessia entre Brasil e Cabo Verde Nima I. Spigolon DOI – 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.47-66

47


IV - Intercâmbios académicos e diálogos Interculturais: Reflexões a partir da experiência de cooperação académica entre a Unicamp (Brasil) e a UniPiaget (Cabo Verde) Gertrudes M. F. Silva de Oliveira DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.67-84

67

V - A Experiência em Cabo Verde Lucas Manca Dal'Ava DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.85-92

85

VI - Aprendizagem da Língua Cabo-verdiana através de dispositivos móveis Oryana Jennifer Ramos Correia e Silva DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.93-112

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VII - Vivências cabo-verdianas: reflexões, aprendizagens e um giro decolonial Mirian Lúcia Gonçalves DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.113-132

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VIII - Travessias do Atlântico – Brasil e Cabo Verde em diálogo com o Projeto/Acordo CAPES-AULP Débora Mazza, Nima I. Spigolon e Gertrudes Oliveira DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.133-154

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XIX - Educação, multiculturalismo e diversidade: um olhar sobre Cabo Verde Maria Santos Trigueiros DOI - 10.29388/978-85-53111-43-5-0-f.155-200

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SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

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ANEXOS

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Edital CAPES/AULP

203

Projeto Aprovado/(Edital CAPES/AULP)

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APRESENTAÇÃO Acontece que o mundo é sempre grávido de imenso. E os homens, moradores de infinitos, não têm olhos a medir. Seus sonhos vão à frente de seus passos. Os homens nasceram para desobedecer aos mapas e desinventar bússolas. (Mia COUTO. Cronicando – Crônicas. Alfragide: Portugal, Editorial Caminho, S.A., 1988).

Sendo uma divisão das águas marítimas terrestres, o Atlântico separa e une, ao mesmo tempo, Continente Americano e Continente Africano. Por entre (suas) terras e (suas) águas atravessam povos, países, pesquisas, ora pelo ar, ora pelo mar, ora por pedaços de terra. Aqui, nesse livro, a distinção histórica e geográfica far-se-á pela junção cultural e política, tendo em vista a realização do Projeto “Brasil e Cabo Verde – limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta”, no escopo do Programa Pró-Mobilidade Internacional com financiamento CAPES entre os países e as instituições participantes da AULP conforme Edital 0033/2012 entre as instituições associadas: Universidade Estadual de Campinas – Brasil e a Universidade Jean Piaget – Cabo Verde. A origem da cordilheira meso-oceânica (ou Dorsal Atlântica) está relacionada à dinâmica do afastamento milenar entre as placas Sul-Americana e Africana e, em consequência das correntes de convecção do magma, existentes nas camadas abaixo da superfície determina a formação de um extenso dobramento contemporâneo que se estende de norte a sul ao longo do oceano Atlântico. Talvez, assim com um formato que lembra um S, as páginas deste livro sejam capazes de integrar novos tratados, cujo princípio da liberdade dos mares, da movimentação dos continentes e da autonomia universitária estejam solidamente estabelecidos. Suas páginas se referem às travessias do Atlântico, travessias de pesquisas e de pesquisadores brasileiros e caboverdianos tendo em vista a formação docente/discente, lançando mão de registros das experiências, das abordagens teórico-metodológicas e resultados de campo empírico, bem como a discussão de aspectos burocráticos e institucionais do referido Acordo em vigência desde 2013. O recorte temporal aqui vincula-se ao ano I e II (2013/2015) do Projeto e traz um conjunto de artigos produzidos por pesquisadores brasileiros e cabo-verdianos a partir do Acordo Internacional CAPES/AULP entre a UNICAMP – BRASIL e a UNIPIAGET – CABO VERDE. Mais detidamente, o Atlântico Sul, sob a perspectiva dos trabalhos e das pesquisas contempladas por esse grupo, não pode ser delimita_____ 1


do segundo aspectos geográficos, históricos ou políticos. Embora, considerado como a região dinâmica de comércio entre a África, Europa e América Latina, ao longo do período que vai das grandes navegações do século XVI até fins do século XVIII e início do XIX, aqui em termos geopolíticos, político-pedagógicos, socioculturais e multilinguísticos, o Atlântico Sul pode e passa a ser entendido como um tempo-espaço localizado, de modo geral entre a América do Sul e a África e, de modo particular entre o Brasil e Cabo Verde. Ao tornar publicado o referido material que aborda experiências de professores/pesquisadores, estudantes/pesquisadores de graduação, pós-graduação e conta com a colaboração de brasileiros e caboverdianos, produzimos movimentos de publicização que irrompem com a anterior e, não muito distante, dinâmica social e comercial que envolvia principalmente o tráfico de escravos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX e o intenso comércio de produtos tropicais como açúcar, café, cacau, tabaco, além de óleo de dendê e cachaça e metais preciosos como ouro e prata, para consolidar a cooperação Sul-Sul resultante dos processos de articulação política e de intercâmbio econômico, científico, tecnológico, cultural e em outras áreas entre países, considerados em desenvolvimento. Quiçá, o livro faça parte de outras e novas rotas entre América do Sul e África, entre o Brasil e Cabo Verde, que passam necessariamente por encontros transatlânticos, capazes de compor, até então, desconhecidos mapas cartográficos da produção do conhecimento, dos processos de ensinar e aprender, das múltiplas linguagens, em respeito à diversidade, alinhados com a formação/transformação humana. As heranças históricas deixadas e trazidas por estes períodos podem ser identificadas em vários aspectos culturais, linguísticos, religiosos e gastronômicos de ambos os lados do Atlântico Sul, tanto na África como na América Latina, especialmente no Brasil e em Cabo Verde. Somos seres da resistência, da luta e da superação, do diálogo, da dialética, da convivência, portanto, heranças de outrora e de agora. Somos também, seres históricos que registram seus percursos, achados e sentidos por meio de muitos suportes. Esta publicação é um exercício de memória e permanência de resultados de pesquisas, inserções em instituições de ensino superior, especialmente em língua portuguesa, que visa consolidar experiências de ensino e pesquisa, bem como incentivar a mobilidade entre países e instituições que participam ou não da Associação de Universidades de Língua Portuguesa (AULP), contemplando profissionais de diversas áreas e diversos países, em razão do cunho interdisciplinar e internacional.

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O livro convoca e provoca, ao menos, a se permitir ir por entre terras e águas do atlântico para atravessar-se com projetos, processos e experiências de pró-mobilidade internacional atravessando e sendo atravessado por Brasil e Cabo Verde. As organizadoras Nima I. Spigolon, Débora Mazza e Claudia M. Wanderley

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PREFÁCIO A mobilidade de professores e estudantes é atividade essencial nas universidades qualificadas em todo o mundo. Na maioria das vezes, os projetos executados limitam-se à interesses específicos, tanto para os professores, que buscam estabelecer parcerias que ampliem seu potencial de publicações e submissão de financiamentos para suas pesquisas, quanto para os estudantes, que buscam aprimorar seus conhecimentos ou a oportunidade de desenvolver seus trabalhos de pós-graduação com melhor estrutura e mais recursos. Não é o que acontece na experiência descrita neste livro. Aqui, em perfeita harmonia, alinham-se as atividades de docência, pesquisa e extensão, integradas na plenitude da missão da Universidade, demonstrada na contínua atualização dos docentes e pesquisadores, aliada à formação integral dos discentes e produzindo conhecimento em benefício da sociedade. Ao promover o intercâmbio de professores, pesquisadores e estudantes, o projeto focou com propriedade os modos como se articulam os processos de multilinguismo com a tecnologia da informação na web, na construção de bibliotecas digitais e no oferecimento de um sistema de educação aberta. Entretanto, não deixou de lado, pelo contrário, enfatizou, o respeito às realidades locais, suas culturas e especificidades, contexto evidentemente decisivo para a viabilidade de qualquer proposta educacional. Os textos que formam este livro, escritos por professores, pesquisadores e estudantes da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (Brasil) e da Universidade Jean Piaget (Cabo Verde), permitem compreender os propósitos do projeto, os primeiros passos, as dificuldades encontradas e os avanços conseguidos. Os vários relatos sobre Cabo Verde e as experiências vividas em função da execução da pesquisa permitem clara compreensão do contexto cultural, linguístico e educacional. Bem como expressa o Professor Wilmar D'Angelis em seu poema “Caboverdianos todos somos”: Aqui, como lá, mesmas dores e as mesmas mulheres e homens, persistentes sonhadores, mesmo velhos, mesmo jovens.

No conjunto, a concepção inicial configurou-se de forma significativamente apropriada. A interação entre os membros da equipe permitiu a implantação de um diálogo acadêmico pragmático, que resultou em compreensão sem interferência, em conhecimento sem intromissão e em _____ 5


proposituras sem imposições culturais. Que não se encerre. Que avance e prolifere. José Tadeu Jorge Reitor da Unicamp (2005-2009 e 2013-2017)

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POEMAS Caboverdianos todos somos Wilmar D’Angelis A Cabo Verde vamos, outros de lá viemos, e assim, cabo-verdianos, c’o mar ao meio demos. C’o mar ao meio demos em nau andando às nuvens, buscando novas terras, novos ventos, novas gentes. Novos ventos, novas gentes novos frutos saborosos, ideias que abrem mentes abraços mais calorosos. Abraços mais calorosos, malucos de todas as cores, amores mais amorosos, aqui, como lá, mesmas dores. Aqui, como lá, mesmas dores e as mesmas mulheres e homens, persistentes sonhadores, mesmo velhos, mesmo jovens. Mesmo velhos, mesmo jovens constroem imensa rede, e é tanta a esperança, que ao fim, me acabo verde. A Cabo Verde retorno de onde nunca parti, brasileiro também sendo, jamais me separei de ti. Jamais me separei de ti _____ 7


rabelado dos meus sowetos quilombola também aqui, Brasil de brancos e pretos. Brasil de brancos e pretos, Cabo Verde do crioulo, línguas, linguagens e gestos de áfricas, lusos e mouros De áfricas, lusos e mouros, índios, latinos e imigrantes, fazemos cultura nova, nunca seremos os de antes.

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Interpelação ao escravo-fujão Gertrudes M. F. Silva de Oliveira Escravo-fujão Terás sido o Adão Dessas terras altas de Picolião? Pela colonização Sofri um empurrão Cumprir servidão Em terras de serração! Foste trazido então, Ordens do capitão Que queria povoação Em troca de algodão? Dentro do porão De grilhão na mão, Sofri humilhação Mas não morri não! Quando pisaste o chão, Qual foi a sensação? Terras de dragão ou do rei Leão? Vi neste torrão Muito algodão Mas, valentão ou vilão Não encontrei, não! Longa foi a submissão! Fizeste rebelião? Como era o patrão? Um espertalhão? Deixei a mansão Fugi ao morgadão Vida de escravidão É vida de cão! Subiste Librão Sofreste perseguição? _____ 9


Passaste privação? Tiveste pimpão? Semeei bom feijão Cresci que nem grão Mas veio a desolação Fui pra emigração! Então meu irmão, Fica triste não Da nossa paixão Veio a libertação! Tem toda a razão, Viver é ação, Viva a nação De que sou cidadão! Cuscuz de pilão Água no ribeirão Milho no caldeirão Cochido à mão!!

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Cidade Velha Saidu Bangura Nesta baía neste txon aqui, na Cidade Velha meus irmãos foram trazidos sem consentimento, desembarcaram e trabalharam nestas montanhas em trânsito para os seus destinos, desconhecedores e inseguros de seus fados; foram construídas paredes que nos separaram, este pilar, portão para a cidadela – o emblema de vergonha monumental – de escravidão – empobreceu meu mundo. Meus irmãos foram batizados, "civilizados", foi-lhes negada a humanidade e a natividade – nascidos de novo? Um novo estilo de vida eles tomaram; levaram alguns e deixaram estes, estes que eu agora encontrei na minha missão de aprendizagem: não tão diferentes de mim mas diferentes em simplicidade. Cidade Velha, a cidade incubadora de uma nova identidade um novo "tipo" de pessoas dispersas no Atlântico, uma nova conduta toda ela moldada aqui na Cidade Velha onde duas pessoas encontraram e escreveram a história – misturaram culturas e criaram os meus irmãos "crioulos" tornando-me estranho para os meus próprios irmãos. Com angústia, suor, esperança meus irmãos transformaram-se num povo _____ 11


tão diversamente distintos em união – que riqueza! a codeína que atenuou as minhas dores – um produto da diversidade na Cidade Velha onde dois povos encontraram e esculpiram a história, o destino: fui parte disto embora agora um estranho. Queridos antepassados idos e achados aqui, nesta Velha Cidade guiem-me e protejam-me na minha saída … desta baia, deste solo, desta terra na minha procura constante... txon = língua Cabo-verdiana (variante de Santiago) para chão ou solo em Português

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Txoru silensiadu txoradu Saidu Bangura N ta txora kada bês ki N odja mintira abrasadu ku falsidadi bira berdadi; N ta txora kada bês ki N odja ignoransia altamenti kualifikadu na bagunsa di inteligensia. Dja N txora tudu dia di nha bida sô di odja kuantidadi bira kualidadi, di odja igualidadi igualmenti disigual; Dja N txora di odja futuru fuliadu pamô ganánsia bira oru; N txora tanbé di odja planta ki ta da fruta ka regadu. Ka da-u gana txora di odja kriansa bira adultu antis di tenpu? Bu ka atxa ki N ten razon di txora pamodi kau bira seku na tenpu di azágua? Manu, djuda N txora! Djuda N txora kuandu bu odja kel otu na kontentor ora ki bu bai pa fulia réstu, kuandu tristéza omenta kuali-kuali, kuandu prigu bira vivénsia natural, kuandu bu odja inseguransa bira ton siguru ti ki nu kala medu boka djuda N txora tanbé kuandu futuru é gósi li dexadu manha pa dizaraska na skuridon di speransa! Mana, txora ku mi! Txora ku mi kuandu skesimentu kai na rubera di ingratidon; kuandu purmeru bira ultimu, kuandu kel ki fladu e ka kel ki skrebedu y kel ki skrebedu e ka kel ki ledu y kel ki odjadu e ka kel ki interpretadu; - kuandu tudu bira sukuru na klaréza di dia, txora ku mi! _____ 13


Nha gentis, ami dja N txora di tristéza di otu, N pila txoru ku filísidadi di alegria di otu; N txora pamodi transparénsia fika intransparenti, di vizibilidadi invizível, di filísidadi infilís, di sertéza ki ka da sértu. Nha fidju matxu, keli e ka próza nem poezia: - é sô um txoru GRITANTI! - um silénsiu GRITADU! - um txoru silensiadu TXORADU Kauberdianamenti!

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I

Cabo Verde, Brasil e as Tecnologias de Linguagem Claudia M. Wanderley

Apresentação Realizar o intercâmbio intelectual, afetivo e presencial entre Brasil e Cabo Verde é um projeto que surge em 2004 quando construímos junto com a Sra. Frances Albernaz e o Prof. Claudio Menezes na UNESCO-Paris um grupo de trabalho entre as instituições de educação superior, nos países de língua oficial portuguesa, que tem como principal objetivo a reflexão sobre a situação das humanidades (ciências humanas) em nossos países. Esta discussão sobre a situação das humanidades tem como elemento disparador a situação do multilinguismo e o espaço digital como território de trânsito para esta discussão. Diferentemente do multilinguismo como existe na Europa, os países de língua oficial portuguesa têm grande quantidade de idiomas de povos originários presentes. Estes idiomas, em sua grande maioria, não são reconhecidos como língua nacional, como língua de trabalho, como língua de estudo, etc. Dentro deste contexto, que é muito semelhante ao que ocorre com o multilinguismo em outros países em situação pós-colonial (ex-colônias da França, da Inglaterra, etc.), uma das soluções para o fortalecimento destas línguas locais, que apontava no horizonte em 2005, seria a construção e disponibilização de repositórios abertos e gratuitos no espaço digital. O espaço digital a princípio ofereceria certa facilidade e praticidade para a preservação, o fortalecimento e a circulação dos idiomas considerados locais, menores ou em risco de extinção. Esta visão do espaço digital como capaz de abranger conteúdos em todos os idiomas e fortalecê-los (atualmente calculam-se aproximadamente 6000 línguas vivas no mundo) ainda é uma utopia tecnológica em nossa época. Em termos práticos, o número de línguas com sistemas operacionais, plataformas, softwares, ou seja, línguas equipadas para participar do mundo virtual atualmente está em torno de 60 a 70. Outros idiomas também participam com ferramentas emprestadas de línguas dominantes, mas neste caso sem possuírem o luxo tecnológico de terem construídos para si tradutores automáticos, dicionários online, máquinas de busca ou indexadores próprios. Ainda outro grupo de línguas não tem nem mesmo caracteres correspondentes para sua escrita que estejam registrados no _____ 15


Consórcio Unicode, e neste caso é preciso um grande esforço para que sejam incluídas no espaço digital. Tratam-se basicamente de “tecnologias de linguagem” (WANDERLEY, 2003) que precisam ser apropriadas e agenciadas para todos os povos, de forma a ocupar e se representar no espaço digital e na vida acadêmica com o intuito de realizar uma democratização do acesso aos conhecimentos, de forma mais equilibrada. No nosso caso, em situação póscolonial, temos várias especificidades da construção desta ambiência de conhecimentos e culturas e idiomas. Para além de consumir a produção intelectual gerada alhures, entendemos que é importante aprender a reconhecer nossos sábios, nossos filósofos, nossos autores. No caso da relação com um colonizador que preza o imaginário monolíngue, é interessante discutirmos e tornarmos pública os dados de nossa própria realidade. Por exemplo, apresentar sempre que possível os interesses, valores e anseios de comunidades tradicionais, comunidades de imigrantes e comunidades em situação diaspórica no sentido de verem seus idiomas, suas culturas, seus conhecimentos representados e respeitados no espaço regional, nacional e internacional. Ou seja, há uma agenda incrível pela frente que visa a construção de uma sociedade de saberes voltada para a construção do bem comum, e nós felizmente fazemos parte dela e seguimos trabalhando nesta direção com autenticidade e integridade.

Tecnologias de Linguagem Nós realizamos em 2005, na UNESCO sede em Paris, o “Colloque Technologies du Langage”. Na organização do evento, estávamos Prof. Fernando Hartmann, Prof. Carlos Piovezani, Profa. Luzmara Curcino Ferreira, que faziam parte – como eu - dos pesquisadores brasileiros na França. Deram-nos um apoio inestimável pra a divulgação e realização do evento na UNESCO a Embaixada do Brasil na França e a representação do Brasil na UNESCO que apoiaram nossa iniciativa de refletir a respeito de nossa realidade em conjunto com pesquisadores de outros países. Neste evento realizado em 2005, fomos convidados a desenhar formalmente o projeto de uma Cátedra UNESCO sobre Multilinguismo no Mundo Digital. No projeto da Cátedra, a escolha que fiz foi por pensar, a princípio, o multilinguismo e seus contextos em países de língua oficial portuguesa. Na época eu mesma não percebia claramente os contornos desta questão e minha maior surpresa era a de não haver nenhum projeto entre os PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) que já tivesse se disposto a encarar a questão de frente. A iniciativa mais perene que conheço tem a ver com a herança da língua portuguesa, ligada a comunidade dos países de língua portuguesa. Entendemos que seja uma iniciativa importante, entretanto, falta, sem dúvida, este ambiente em que possamos de _____ 16


debater as línguas, culturas e epistemes locais e seu lugar nas academias entre nossos países. Em interlocução com a UNESCO-Paris, especialmente com o Setor de Cultura que acompanha as atividades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, havíamos algumas vezes discutido a necessidade de trabalhar com os registros dos países lusófonos. Havia um senso comum relativamente instalado de que os filhos das elites dos países de língua oficial portuguesa, ao saírem para estudar nos países europeus francófonos e anglófonos deslocavam o olhar pós-colonial para relações com Estado, como por exemplo, cidadania, educação, saúde, direito de uma certa maneira que quando voltavam a seu próprio país, depois de formados nas áreas de humanidades, muitas vezes os arcabouços teórico aprendidos não contemplavam os traços da colonização, resistência e independência do colonizador falante do português. A possibilidade de ir a Europa estudar, sem dúvida, aprofunda o conhecimento das narrativas dominantes das ciências humanas, entretanto dentro de nossa perspectiva não facilita a percepção dos espaços de resistência, transformação, ruptura, corte, diferença e/ou desconstrução que todos nós intelectuais (estou me referindo especialmente aos colegas das humanidades) – em situação pós-colonial temos que agenciar para nos estabelecermos em nossos países e em nossas áreas de reflexão. É certo que já passamos do tempo em que era interessante – e talvez em alguma época tenha sido preciso - trabalharmos para a criação de uma academia nacional referendada em sua maioria por autores estrangeiros. Já não é o caso. Penso, portanto, ser cada vez mais interessante investirmos em uma rede que percebe nossas línguas locais (e todas as consequências disto), em um regime de discussão colaborativa 1 e com clareza das contingências da assunção pós-colonial. Considero importante pensarmos juntos como estas sociedades que tiveram suas línguas, culturas e conhecimentos apagados no registro oficial (tendo resistido até aqui por seu próprio vigor e inteligência) podem se preservar e fortalecer e compartilhar conosco da construção de uma identidade ampliada, de uma possibilidade de conhecimento alargado pelo discernimento dessa pluralidade, que nos permita in1

É certo que já houve um momento, na constituição da vida acadêmica do Brasil, que os autores de humanidades que chegaram eram principalmente advindos da Europa ou Estados Unidos da América – já que não tínhamos autores aqui neste momento. Mas hoje entendo que os professores e pesquisadores de nosso país não demonstram muito interesse na atividade [antigamente quase que exclusiva de divulgação] de autores europeus. É possível pensar a realidade local a partir de nossos próprios recursos humanos e intelectuais, e as diversas epistemes que nos permitem refletir sobre nossa realidade podem conviver sem que necessariamente uma seja mais importante que a outra. Assim fica aqui minha sugestão para uma boa convivência entre epistemes no âmbito acadêmico, de forma que sejam tratadas com mesmo respeito e reconhecimento, daí a ideia de uma rede colaborativa.

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cluir de forma consciente o que por tanto tempo o discurso dominante silenciou, apagou ou cancelou. Ou seja, um trabalho conjunto de produção do conhecimento voltado para o bem comum, e para a ampliação de nossas potencialidades intelectuais. Fundamentalmente esta rede pode pensar (no sentido de viabilizar possibilidades concretas em nossas instituições) como nós, pesquisadores instalados na vida acadêmica hoje, podemos colaborar para que possam construir mais espaços de representação. É neste sentido que caminham meus esforços no trabalho de pesquisa ao longo desta última década, assim como os de vários colegas que o fazem em diferentes partes do mundo. Estamos interessados e disponíveis para interlocução ligada ao fortalecimento de línguas, culturas e epistemes que não fazem parte do discurso dominante, e que indubitavelmente constituem uma riqueza inigualável para nossa comunidade regional, nacional, internacional e (sem dúvida) para todos nós humanos.

Cabo Verde e Brasil, ou universidades em rede em prol das humanidades Na relação com a construção desta rede, que a Profa. Frances Albernaz nomeou “Humaniredes”, fizemos a proposição de interlocução para todos os países de língua oficial portuguesa em parceria com a Unesco-Paris. Em 2006, como resposta a nossa proposição, foram indicados como interlocutores desta proposta em Cabo Verde a Profa. Alice Mattos, Prof. Paulino Lima Fortes no então Instituto Superior de Educação em Cabo Verde (ISE, atualmente Universidade de Cabo Verde) e o Prof. Isaías Barreto Rosa, Prof. Luís Filipe Tavares, Prof. Jorge Sousa Brito na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. Na época, o Ministério da Cultura no Brasil (MinC) fez um investimento para criar pontos de cultura no exterior. Entramos em contato com o MinC, e ao apresentar o projeto desta rede para o Sr. Cláudio Prado com a interlocução do Prof. Chico Caminati e do Prof. Laymert Garcia dos Santos, vimos a disposição do MinC em apoiar este projeto com aproximadamente 10 pontos de cultura no exterior. Ambas as instituições (ISE e UniPiaget) escreveram projetos de pontos de cultura para integrar esta proposta. Mas embora ambos os projetos de ponto de cultura tenham sido encaminhados e aprovados, o Itamaraty entrou com um recurso, e infelizmente os pontos de cultura que tínhamos planejado foram embargados. Academicamente, com Cabo Verde, celebramos em 2006 dois acordos formais de cooperação: entre a UNICAMP e o 1) Instituto Superior de Educação e a 2) Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, que foram re_____ 18


gularmente renovados e vigoram até a presente data, todos voltados para o tema Multilinguismo no Mundo Digital. Com os parceiros e com os projetos comuns desenhados, em 2006, encaminhei o projeto da Cátedra UNESCO Multilinguismo no Mundo Digital em coautoria com Prof. Nelson Maculan (na época Diretor do Setor de Educação Superior, SESu, do MEC). O projeto foi aprovado na UNESCO, e tive a honra de ter sido indicada pelo Prof. José Tadeu Jorge, Reitor da UNICAMP, como Catedrática responsável por esta primeira Cátedra UNESCO sobre o tema, que foi instalada na UNICAMP. Trata-se também da primeira Cátedra UNESCO que a UNICAMP recebeu em sua história, daí a nossa grande responsabilidade de trabalho. Os projetos dos primeiros anos de trabalho com o tema estão acessíveis no livro "Multilinguismo no Mundo Digital: Trajetórias Iniciais" disponibilizado no site do CLE-UNICAMP. E com grande alegria recebi na Unicamp em julho de 2007 o Prof. Isaías Barreto da Rosa para participar da cerimônia de criação da Cátedra. Na ocasião Prof. Isaías deu uma entrevista 2 ao Jornal de nossa universidade, que intitulou a matéria “A Cátedra que fala todas as línguas”. Segue o trecho ligado a Cabo Verde, da matéria publicada no Jornal da Unicamp sobre o nosso projeto: “Cabo Verde – O cabo-verdiano Isaías Barreto da Rosa é professor da área de computação da Universidade Jean Piaget, instituição que integra uma cooperativa portuguesa, sem fins lucrativos, que tem cerca de dez campus espalhados por Portugal, Angola e Moçambique, além de Cabo Verde, país de 480 mil habitantes que enfrenta problemas estruturais semelhantes aos de outras nações africanas. Rosa acredita que a maior contribuição do Projeto Multilinguismo é o seu perfil multidisciplinar e o fato de disponibilizar recursos e materiais cujo conteúdo, em língua portuguesa, será voltado para o ambiente digital. “Em Cabo Verde, por exemplo, praticamente não temos acesso a recursos bibliográficos – de livros a publicações científicas”. Segundo o professor, os mecanismos tradicionais de distribuição no seu país são precários, problema recorrente em países em desenvolvimento. “Não existe nenhuma grande livraria ou biblioteca”. Cabo Verde tem cerca de 450 mil habitantes. Nesse sentido, acredita o docente, o fato de o projeto colocar na rede obras de referência, em língua portuguesa, será fundamental para a comunidade acadêmica e, consequentemente, para a populaReportagem sobre a Catedra UNESCO Multilinguismo no Mundo Digital. Jornal da Unicamp. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2007/ju363pag11.html>. Acesso em: fevereiro de 2017 2

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ção. Para tanto, a Universidade Jean Piaget, que conta com 1,5 mil alunos, tem um departamento – Ambientes Virtuais – que abrigará o projeto. Na avaliação de Rosa, a interação que se inicia tende a render ganhos para todos os envolvidos, a começar da troca de conteúdo acadêmico no que se refere às pesquisas desenvolvidas. “Temos muitas áreas nas quais podemos desenvolver, em nível institucional, projetos conjuntos. A de infra-estrutura, que no nosso caso é muito precária, é uma delas”, afirma Rosa, acrescentando que a instituição à qual é ligado foi fundada em 2001. “Há, portanto, todo um terreno a ser desbravado. Trata-se de uma iniciativa muito promissora. Vemos com muitos bons olhos”. Em Cabo Verde, explica Rosa, embora o português seja a língua oficial, usada formalmente na administração pública e no ensino, toda a população fala o crioulo ou o cabo-verdiano, idioma que tem variantes e sotaques diferentes. “Não consigo, por exemplo, falar o português com muitos dos meus conterrâneos. Comunico-me em crioulo, que não é uma língua ensinada na escola”, revela Rosa, que acrescenta que iniciativas vêm sendo adotadas para mudar essa realidade. “Já temos inclusive um dicionário crioulo-português”. Nesse contexto, acredita Rosa, o Projeto Multilingüismo é importante porque ajuda a difundir e preservar o idioma cabo-verdiano.”

É preciso salientar que o Prof. Isaías, além de ser um entusiasta da língua e cultura cabo-verdiana, é formado em ciências da computação e tem seu doutorado dedicado a bibliotecas digitais. Assim, um parceiro sob medida para um projeto que se dispôs a fazer circular conteúdo de línguas e culturas locais. É preciso abrir um parêntese aqui sobre a língua portuguesa no espaço digital. Curiosamente, a língua portuguesa no território digital é uma língua considerada minoritária. Esta é outra questão que lentamente foi se configurando na medida em que o projeto avançou. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ou os PALOPs, não tem uma política clara de disponibilização e circulação de produção científica em língua portuguesa na rede mundial de computadores. Embora tenha havido uma grande movimentação para desenhar uma reforma ortográfica entre todos os países que adotam o português como língua oficial. Ou seja, há interesse que os autores de um país para serem publicados em outro não precisem traduzir de um português para outro, porque com a reforma ortográfica (em vigor a partir de janeiro de 2009) estamos – em tese - todos os paí ses de língua oficial portuguesa com as mesmas regras ortográficas. Mas até onde tenho conhecimento não há uma iniciativa consolidada entre nossos países para que as obras de nossos autores circulem livremente (ou mesmo de forma controlada entre as universidades de língua portuguesa) no espaço digital. Como a distribuição física dos livros entre nossos países _____ 20


ainda é uma questão importante a ser resolvida para a promoção de conhecimento, o espaço digital se configura como um dos horizontes a serem explorados para promovermos este trânsito. Outro aspecto da falta de iniciativa no âmbito internacional voltada para o investimento na língua portuguesa, é pensar a visibiidade dos trabalhos acadêmicos escritos em português no espaço digital, aparentemente a comunidade lusófona tem dificuldade de reconhecer a língua portuguesa como língua de produção de conhecimento. Isso tem uma implicação grave para as gerações que vão buscar fontes de pesquisa no espaço digital. Essa geração ao se deparar com a falta de conteúdos disponíveis em sua língua de escolarização, buscará fontes de consultas em outros idiomas. E na medida em que começam a perceber (pela falta de conteúdo disponível online) que a língua portuguesa não é uma língua em que se produz conhecimento, e na medida em que queiram se aprofundar na pesquisa buscarão desenvolver o bilinguismo para acessar o conteúdo disponibilizado. Ou seja, hoje não há uma base comum em língua portuguesa que permita que nós saibamos o que está sendo pesquisado em Moçambique, em Cabo Verde, em Timor Leste, etc. Uma base de dados que nos permita achar nossos interlocutores com mais facilidade e ter acesso às obras que nos interessam3. A ideia de trabalhar com o tema do multilinguismo faz mais sentido quando é possível trocar experiências, aprender sobre atividades bem-sucedidas e muitas vezes sobre o que não se deve fazer. Aprender sobre as boas práticas em contingências similares nos ajuda a pensar melhor sobre o que estamos propondo para nossa região. Este é o nosso esforço através da criação e consolidação desta rede de interlocutores, pesquisadores, professores e interessados. No caso do Brasil, há os contornos da língua oficial e do ensino das escolas que se estruturam a partir de uma política de estado monolíngue. A política monolíngue prestigia, entre todas as línguas existentes no Brasil, a língua que veio dos colonizadores europeus. Há também de maneira parafrástica em paralelo ao monolíngue, a narrativa dominante. Uma língua oficial, uma narrativa oficial, que em nosso caso é uma narrativa histórica ligada à proveniência dos habitantes brasileiros de origem europeia, particularmente com um olhar colonial 4. 3

Uma solução interessante em termos de gestão pública da produção de conhecimento entre nossos países, seria adotar sistemas no âmbito nacional como a Plataforma Lattes e/ou como a Plataforma de Grupo de Pesquisas, ambas do CNPq. Tratam-se de plataformas que nos permitem localizar os professores e pesquisadores, suas instituições e publicações disponíveis. 4 Foi com muita surpresa, conversando com os colegas dos países de língua oficial portuguesa, que entendi que a maioria de nós tem em sua historiografia oficial o “mito da descoberta”. Até onde tenho conhecimento, nas escolas em pleno século XXI, todos aprendemos que fomos descobertos.

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Recentemente, em 2003, o Brasil assinou na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) a carta de promoção e valorização da diversidade cultural [e linguística]. A partir da necessidade de inserir informações sobre a pluralidade linguística e cultural de nossos países, foram aprovadas duas leis. Neste sentido o acesso à informação relativa à produção de conhecimento em nossos países é fundamental para desenvolvermos uma reflexão conjunta sobre o tema do Multilinguismo, e, sem dúvida, para articular os grupos de pesquisa que decidiram utilizar a língua portuguesa como língua de conhecimento. Em 2003 e 2008, duas leis brasileiras (10.639/03 e 11645/08) abriram as portas para inserirmos nas escolas conteúdos ligados às histórias e cultura das populações afrodescendentes e indígenas (ou ameríndias), e começarmos o longo processo de passarmos de “narrativa oficial” para “narrativas oficiais” que compõem a construção da identidade nacional brasileira no espaço escolar. Ou seja, um longo processo histórico de equalização da participação autoral das comunidades que compõem a vida e a dinâmica histórica de nosso país. A modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em março de 2008 inclui as duas iniciativas, e segue para o leitor a última alteração da lei que tivemos: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)

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Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad”

A iniciativa é importantíssima para nosso país e para quem tem interesse na inclusão oficial de outras narrativas, outras culturas, outros idiomas, outras lógicas no conjunto de elementos que nos ajudam a compreender a realidade brasileira. Embora tanto a assinatura do acordo internacional em prol da diversidade cultural como a criação das leis e a inclusão das mesmas no nosso processo formal de educação brasileira não tenham sido acompanhadas de um programa de médio e longo prazo de fomento à elaboração de conteúdos, muitos professores tomaram iniciativa de criar e disponibilizar estes conteúdos, em parte hoje disponíveis gratuitamente hoje no portal de domínio público. Algumas obras foram especialmente traduzidas para o português e indicadas no site do Ministério da Educação e no Portal de Domínio Público5, como a História Geral da África, produzido pela UNESCO. Em 2008, neste espírito de boas mudanças, a Profa. Alice Mattos, na época trabalhando no Instituto Superior de Educação de Cabo Verde me convidou para palestrar e desenvolver reflexões no ISE em Praia e debater questões ligadas ao multilinguismo, de uma perspectiva pós-colonial. Convite com o qual fiquei muito contente. Na época, a Catedra UNESCO Multilinguismo no Mundo Digital (instaurada na Unicamp em 2007), projeto do qual fui autora e catedrática responsável, sofria revezes de certo mal-estar eurocêntrico, que infelizmente se opôs ao projeto depois de instalado na Unicamp. Em virtude da necessidade de garantir a continuidade do projeto, e de manter as atividades com as quais me comprometi, me senti obrigada a ficar no país e investir em fortalecer o tema, e assim infelizmente fui obrigada a declinar o convite da Profa. Alice. É também no início de 2008 que o Prof. Wilmar D'Angelis, linguista e indigenista do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP integra esta proposta voltada para o reconhecimento e fortalecimento das línguas ditas minoritárias e passa a assumir junto comigo a responsabilidade da execução das cooperações internacionais em vigor. O trabalho do Prof. Wilmar com o povo Kaingang é um dos melhores exemplos que conheço no Brasil sobre modos de gestão de produção intelectual de povos 5

Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php? option=com_content&view=article&id=12814&Itemid=872>, e as obras de domínio público: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp>. Acesso em fevereiro de 2017

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tradicionais. Refiro-me especialmente à versão da Wikipédia que ele organizou junto com os Kaingang, que permite uma construção de conhecimento, e colaboração entre quem está distante, além da comodidade do acesso imediato ao que foi elaborado. Em 2008, realizamos em parceria com o Instituto Brasileiro de Comunicação e Informação o Encontro Comunicação e Informação para Todos: parcerias para conteúdo gratuito no Mundo Digital, no auditório 8 do Palácio de Convenções do Anhembi em São Paulo dentro do XV Encontro Nacional de Bibliotecas Universitárias 6. Contamos já com a presença do Prof. Wilmar D'Angelis e felizmente mais uma vez contamos com a presença do Prof. Isaías Barreto da Rosa, que participou da mesa “Parcerias entre Bibliotecas com África e Ásia de língua portuguesa e UNESCO”. E aproximadamente em 2010 comecei a trabalhar junto com Alessandra Ribeiro, TC, Alessandra Gama, lideranças que são referências de casas de cultura de matriz africana em Campinas para a construção de um Fórum de Cultura Digital de Campinas e Região (FCDC). Encontrei então Frank Sousa, que já tinha a ideia de trabalhar a cultura digital na cidade, como forma de integrar a comunidade ligada à cultura hip-hop. E a ideia do FCDC foi se configurando de forma a permitir este contato com os países de língua portuguesa, tanto no âmbito acadêmico como cultural. No caso de meus interesses específicos o Fórum de Cultura Digital de Campinas seria mais fortemente ligado à cultura negra, através do qual este contato com os PALOPs pudesse reverberar diretamente nas comunidades tradicionais de matriz africana, e não somente no âmbito acadêmico. Fundamos o Fórum e dentro dele uma Casa de Cultura Digital, que está ativo até hoje, e desempenha este papel de ponte quando necessário. Em 2013, em um feliz encontro com Profa. Nima Spigolon, ainda doutoranda, pusemo-nos a escrever e encaminhar conjuntamente um projeto para a chamada CAPES-AULP no intervalo entre o natal e ano novo de 2013. Escrevemos dois projetos para esta chamada, um com a Universidade Jean Piaget de Cabo Verde e o então Instituto Superior de Educação (ISE) que hoje conhecemos como UNI-CV, e outro com a Universidade Pedagógica de Moçambique. O projeto com a Universidade Pedagógica, junto com o Prof. Castiano Mendes e com o Prof. Rogério Uthui era para apreendermos melhor e discutirmos conjuntamente a proposta de uma filosofia africana com eles. A ideia era a de aproveitar a ousadia dos professores moçambicanos com a abertura de uma pós-graduação em filosofia africana e discutir com eles as possibilidades de uma filosofia ameri cana, e das epistemologias possíveis na nossa vida acadêmica pós-colonial. Esta proposta foi encaminhada, e eu a assinei como coordenação pela 6

Disponível em: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2008/11/12/421045/ vento-ira-promover-acesso-conteudo-digital.html>. Acesso em fevereiro de 2017.

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discussão que desenvolvo a respeito de epistemologias alternativas no Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, junto à rede de trabalho Multilinguismo no Mundo Digital. A resposta da Capes para este projeto filosófico africano-americano foi que deveria ser um projeto em que o Brasil basicamente levasse conhecimento a Moçambique e não o contrário. Embora não nos tenha em absoluto passado pela cabeça que um projeto seria assim percebido, foi um aprendizado em relação ao posicionamento que ainda encontramos em nossas terras. No caso do projeto com Cabo Verde, apenas a UniPiaget nos mandou a documentação solicitada, e assim encaminhamos o projeto entre a UniPiaget e a Unicamp, sendo ISE parceiro de ambas as universidades. Nosso parceiro na escrita do projeto com a UniPiaget foi o Prof. Isaías Barreto da Rosa, que acionou seus então alunos Emília Monteiro e Evandro Neves Fonseca para nos auxiliar no preenchimento da plataforma da CAPES. Nosso projeto, com Prof. Wilmar figurando como coordenador, felizmente foi aprovado, ficando assim a UniPiaget responsável por fazer a interlocução com o ISE. O projeto dizia respeito inicialmente à construção de um dicionário sobre o caboverdiano online, aberto, gratuito, de forma que pudéssemos problematizar junto com nossos colegas a presença da língua oficial portuguesa e da língua materna caboverdiana, e o propósito fundamental era criar uma plataforma colaborativa que ajudasse a construção de algo como um dicionário ou wikcionário (tecnologia de linguagem) para fortalecer o estudo formal e a presença do caboverdiano na escola. Em nosso imaginário o kabuverdianu (língua materna da maioria dos Cabo-verdianos) poderia ganhar com a construção de uma plataforma em que fosse possível subir e acessar conteúdo gratuitamente online. As línguas locais brasileiras estão em situação semelhante. Seria preciso construir uma plataforma que as acolhesse, de forma a crianças poderem acessar conteúdo escolar na internet em sua língua materna. No intervalo entre a aprovação do projeto e o início de sua execução, o Prof. Isaías recebeu um convite para trabalhar na CEDEAO na Nigéria. Pois é assim que começamos os trânsitos, e minha ida a Praia se organizou.

Ao chegar a Cabo Verde A filosofia define-se, então, como a reflexão sobre o presente coletivo encarado em sua integralidade, ao passo que outras atitudes, quer puramente pragmáticas, quer, ao inverso, puramente contemplativas, se fecham dentro do imediato ou da meditação sobre a longa duração. Vale dizer que só a filosofia – qualquer “filosofia da época” e não apenas o marxismo – entende a história em formação, ao mesmo tempo em que participa dessa formação, na medida em _____ 25


que capta (o que não quer dizer que todas as filosofias o conseguem com o mesmo grau) a relação dialética entre a conjuntura e os movimentos orgânicos e não esquece um dos pólos em benefício do outro. (Debrun, 2001:58)

Cheguei a Cabo Verde em maio de 2014 em missão de trabalho pelo projeto Capes-AULP com absoluta alegria e certeza de que as nossas possibilidades de trabalho conjunto e interlocução mútua são imensas. Quando cheguei conheci Paulo Umaru e Ema Barros, então com um projeto parecido com a nossa proposta do Fórum de Cultura Digital chamado Ipericentro. Conheci também Sra. Maria Aleluia e Sr. António Tober Silva na Câmara Municipal de Praia.

Esta é uma foto do nosso encontro na Câmara Municipal de Praia. Da esquerda para a direita Sra. Aleluia, Profa. Claudia, Sr. Tober, e aluna da UNICAMP em missão de estudos pelo nosso projeto Sra. Stefânia. E neste encontro surgiu uma possibilidade muito interessante que seria Campinas e Praia se tornarem cidades irmãs. Ideia que ainda me parece excelente a ser executada, com os novos parceiros que o trabalho destes anos nos trouxe em Praia e em Campinas. Trago aqui trecho da mensagem encaminhada para os colegas em 30 de maio de 2014: _____ 26


[...] Seguindo as orientações da Sra. Aleluia, estamos nos organizando para construir este projeto conjunto, de forma que ele tenha longa vida e consistência em suas atividades. Assim que chegar ao Brasil, começo a trabalhar em uma proposta de cooperação cultural e com parceria acadêmica entre Praia e Campinas para submetermos a Associação Brasileira de Cooperação. Sobre a nossa iniciativa "relâmpago" para encaminhar o projeto para o fundo internacional para a diversidade cultural, através da Unesco de Cabo Verde, é preciso agradecer imensamente a Sra. Maria Aleluia pela disposição e excelente humor com que a acolheu. Esta experiência, em minha perspectiva mostrou que precisamos fazer o trabalho de base, realizar as conversas necessárias com cada um envolvido, e definir com clareza as atividades que priorizaremos desenvolver. A Sra. Maria Aleluia foi sábia desde o princípio, e fico contente que estará conosco neste projeto. Peço desculpas por qualquer incomodo ou mal estar que tenhamos causado, na medida em que sei que criamos uma demanda de urgência, de informações e contatos, que não estava prevista nas atividades da CMP. É preciso sublinhar a boa vontade e disposição das pessoas da CMP que contatamos, e nosso agradecimento pela sua disponibilidade e atenção. Não conseguimos enviar a tempo por questões exclusivamente de desorganização de nosso lado. Vamos nos esforçar para superar estes limites. Como conversamos sobre intercâmbios culturais, o Secretário da Cultura da Prefeitura de Campinas, Sr. Gabriel Rapassi está disponível para trazer a Campinas as Batucadeiras de Praia. Conversei através do computador com a Sra. Alessandra Ribeiro Martins, em cópia, que coordena a Casa de Cultura Afro Fazenda Roseira em Campinas. A Sra. Alessandra afirma o interesse da Casa de Cultura afro Fazenda Roseira ser a sede oficial desses intercâmbios e trocas simbólicas entre grupos culturais. Ela também é acadêmica e deseja afirmar seu interesse acadêmico em consolidar um mapeamento sobre essas matrizes africanas culturais de Praia em diálogo com seu doutorado sobre as mesmas em Campinas. A Sra. Alessandra é inclusive líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, e - segundo conversamos - deverá encaminhar a Senhora Aleluia um pedido de intercâmbio cultural, para ser (se a atividade for aprovada pela Câmara de Praia) incluída nas atividades culturais de 2015 da CMP. [...]

Outra pessoa fundamental para este projeto é a Sra. Marilene Pereira, responsável pelo Centro Cultural Brasil-Cabo Verde em Praia, ligada Embaixada do Brasil. A Sra. Marilene desenvolve no CCBCV uma metodologia de ensino de português, e é um registro vivo das interações culturais já realizadas entre nossos países. O CCBCV felizmente mostrou imediata disposição para a construção de um projeto que coloque a tradição cultural de Praia e Mindelo em contato com a tradição cultural de _____ 27


Campinas via digital, e também via missões de intercâmbio através de realizações de oficinas. Em consonância com a proposta da Senhora Aleluia e do Sr. Tober. Em 2014 igualmente estava em contato com a obra de Michel Debrun, um dos fundadores do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp onde trabalho hoje como pesquisadora, e participava – como participo até hoje – do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar CLE Autoorganização, coordenado pela Profa. Itala D'Ottaviano. As possibilidades da filosofia temática desde então me parecem adequadas para este tipo de trabalho intelectual e, portanto cheguei interessada em descobrir por Cabo Verde os produtores culturais e os filósofos orgânicos, pensando na promoção de uma interlocução mais ligada à realidade local. Diz Debrun sobre os contatos intelectuais: O encontro entre intelectuais “orgânicos” e “tradicionais” permite que os primeiros se universalizem, ao mesmo tempo em que os segundos se “particularizam”. É essa interação entre duas categorias de intelectuais que representa, para um grupo, o fator decisivo de sua passagem da fase econômico-coorporativa para a fase hegemônica. (Debrun, 2001:94).

Encontrei na UniPiaget como coordenador do projeto, indicado pelo Prof. Isaías, o Prof. Saidu Bangura, que por sua formação em ciências da computação e por ser proveniente de Serra Leoa tinha pouca intimidade com as questões de fundo do projeto, e gentilmente se dispôs a trabalhar na construção da base de dados do caboverdiano, já que na época herdou também de Prof. Isaías a coordenação do Laboratório de Educação Digital. Por meio deste Laboratório, Prof. Saidu e Prof. Evandro que me acolheram no LED organizaram um fórum sobre “Cultura Digital” em que abrimos o espaço para a realização do fórum. Segundo Prof. Evandro Fonseca, para [...] demonstrar como podemos representar a cultura na Web, despertar a comunidade académica para a promoção da nossa cultura numa plataforma digital, ou seja, permitir o acesso e conhecimento das particularidades culturais de cada ilha7.

A questão fundamental em Cabo Verde, assim como no Brasil, em que vemos a potencialidade da cultura digital é a possibilidade promover a representação e reconhecimento (mesmo que inicialmente seja online e às vezes nem mesmo em seu espaço regional) das culturas e línguas locais. Neste sentido, o espaço digital além de ser veículo de conteúdos de grupos dominantes, que financeiramente possuem mais recursos/pessoal Cultura Digital em debate na UniPiaget. Disponível em: <http://www.unipiaget.cv/ printnews.php?tnews=186>. Acesso em janeiro de 2017 7

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para criar e disponibilizar conteúdo online pode também ser um espaço de construção de projetos que dão visibilidade, acesso e sustentação a culturas tradicionais de diferentes maneiras. Em Cabo Verde, há uma preponderância online das informações relativas à ilha de Santiago, onde fica a capital Praia. Parecido com o que acontece conosco no Brasil. Os maiores centros têm condições de construir sites, plataformas e (quando é o caso) maior rentabilidade para desenvolver serviços digitais que tem vida online de maior duração. As pequenas iniciativas têm dificuldade de ter a infraestrutura e recursos humanos necessários para irem além do primeiro impulso. Um exemplo bem sucedido de uma biblioteca digital voltada para culturas locais, que a UNESCO nos indicou como exemplar é a biblioteca digital do Povo Maori8, desenvolvido pelo Prof. Ian Witten na Universidade de Waikato na Nova Zelândia. Neste sentido, em nosso projeto estimulamos a construção de pequenas pesquisas, que possam virar materiais introdutórios, ou fontes de consulta para pesquisa. O importante é que as informações estejam estruturadas em termos de metadados adequados, para que possam ser encontradas por buscadores (máquinas de busca), e possam estar disponíveis por longo prazo, de forma que alimentem gerações de pesquisadores. É importante ressaltar que nosso interesse é trabalhar em parceria com as comunidades locais, e de preferência em coautoria. Em Cabo Verde, porém, este quadro está distante da realidade que encontramos. Até onde percebi, não se trata em absoluto de uma pequena comunidade de falantes, trata-se de uma língua ainda com poucos recursos de representação online. A população em sua vasta maioria fala o caboverdiano e o tem como sua língua materna. A língua portuguesa, até onde compreendo, é uma língua escolar, administrativa e midiática por excelência. Quando nos dispusemos a começar os preparativos para construir esta base que seria um dicionário online colaborativo do kabuverdianu, de acesso gratuito, nos deparamos com alguns debates que não esperávamos. Seria uma base do kabuverdianu com o acento de qual ilha? Seria com maior ênfase nas ilhas barlavento (Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia (desabitada), São Nicolau, Sal e Boa Vista) maior ênfase nas ilhas sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava)? Qual a escolha que o projeto faria? Começaria por onde? Partiríamos do zero, ou de um glossário já pronto? E porque esta escolha, e não outra? Pois eis que havíamos pensado nas dinâmicas de inclusão nos espaços digitais e não no debate político que isto evidentemente geraria. Com o apoio da equipe do LED na UniPiaget nossos recursos de trabalho 8

É possível ver a diversidade de assuntos e documentação que pode ser consultada quando estão apropriadamente organizadas em formato de coleção digital. Disponível em: <http:// www.nzdl.org/cgi-bin/library.cgi>. Acesso em: fevereiro de 2017.

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para este período estavam ligados à plataforma digital. E neste aspecto o Prof. Evandro Fonseca, inclusive para começar o trânsito entre as culturas locais de nossas regiões, abriu uma área para construirmos cursos de educação à distância sobre nossas culturas e línguas locais. Disponibilidade que só temos a agradecer e fazer valer o convite de desenvolver os cursos à distância daqui em diante. Só mais tarde com o contato com a Profa. Gertrudes Oliveira e com a interlocução com o Prof. Jorge Brito que encontramos as bases do debate bem assentadas na reflexão sobre a interculturalidade e sobre sistemas complexos em Cabo Verde. Ora, entender as dinâmicas culturais e linguísticas de Cabo Verde é absolutamente fundamental para podermos planejar a construção desta base de dados linguística e porque não também cultural. Evidentemente não gostaríamos de desenvolver estas tarefas sozinhos, mas com os professores que se dedicam a compreender a realidade local, que falam e vivem o cotidiano em kabuverdianu, e que podem medir a importância e a factibilidade de um tal projeto através de nossa cooperação acadêmica. A equipe brasileira, um dos lados da cooperação não tem condições de realizar um dicionário online de um idioma que não conhecemos, mas nos dispusemos a ser parceiros na reflexão e no planejamento desta empreitada. E felizmente neste momento do projeto contamos na equipe caboverdiana com interlocutores em pontos chave que podem articular as questões que precisam ser trazidas para pensarmos juntos a elaboração desta base. É por isso que solicitamos a CAPES a continuação do projeto, uma vez que os laços intelectuais puderam ser fortalecidos através das missões de trabalho e das missões de estudo. Agora com o conjunto da interlocução completo, começamos novamente a querer saber o que é multilinguismo e multiculturalismo para os intelectuais caboverdianos. O que há disponível em termos de debate acadêmico? Como articular melhor o Fórum de Cultura Digital de Campinas e o Ipericentro? De que forma viabilizar as oficinas de culturas tradicionais, de forma a aproximar as populações locais das atividades acadêmicas em ambas as regiões? Como dar continuidade a um projeto de encontro tão amplo e tão necessário para as humanidades de nossos países é a questão que guardo comigo e que espero poder sempre encontrar colegas, parceiros, amigos, como estes que trilharam nestes anos de cooperação e reflexão.

Referências DEBRUN, M.; GONZALEZ, M. E. Q.; PESSOA JR., O. (Org.) AutoOrganização: estudos interdisciplinares em filosofia, ciências naturais e

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Humanas, e artes. Campinas: UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 1996. DEBRUN, M. Gramsci: filosofia, política e bom senso. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Centro de Lógica, Epistemologia, 2001. ISBN 8526805096. WANDERLEY, C. Multilinguismo no mundo digital: trajetórias iniciais. Ed. CLE, 2017. Disponível em: <http://www.cle.unicamp.br/index.php/multilinguismo-no-mundo-digital-trajetorias-iniciais>. Acesso em março de 2015 _______. Noções de Saúde: tecnologias de linguagem. IEL-UNICAMP. 2003. Disponível em:<http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/270716>. Acesso em: março de 2015

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II

Relatos de uma experiência de vida: conhecimentos, aprendizagens e descobertas em Cabo Verde (Nos Kaza) Beatriz Torres, Danyelen Lima e Débora Mazza

Introdução Dentro do projeto CAPES/AULP no mês de Maio de 2015, nós, Danyelen Lima e Beatriz Torres, estudantes da graduação do curso de Pedagogia da Universidade de Campinas (Unicamp), realizamos uma pesquisa etnográfica em Cabo Verde sob a orientação da Professora Doutora Débora Mazza. Nós ficamos na universidade Jean Piaget, desenvolvemos a nossa pesquisa na ilha de São Thiago, na Cidade de Praia, e na Cidade Velha, no texto que segue trazemos os relatos dessa experiência, baseado nos nossos diários de campos, nas anotações e registros diversos.

Desenvolvimento da Pesquisa A pesquisa em Cabo Verde começou algum tempo antes da nossa viagem, anteriormente realizamos leituras, reuniões e discutimos sobre a história de Cabo Verde, como por exemplo, a questão do racismo, a posição das mulheres na sociedade africana, especialmente em Cabo Verde, o pensamento econômico ideológico racial, a presente religião e suas atuais implicações...enfim, fizemos um levantamento bibliográfico na tentativa de conhecer ainda mais essa cultura ( CABRAL, s/Ano; CABRAL, 2015; FURTADO, 2013; PEREIRA, 2009; RODRIGUES, 2010). Partindo dessas reuniões e discussões, elaboramos os nossos projetos de pesquisas. Eles se assemelhavam, pois atentavam para as dimensões educativas e por isso muitas das observações e visitas às instituições e aos coletivos em processos educativos pudemos realizar juntas. Os projetos tinham como eixo norteador a relação da cultura cabo verdiana com a educação em diferentes espaços, escolares e não escolares. Inicialmente pensamos em visitar uma escola particular, uma pública, uma rural e algumas instituições não formais. Realizamos nosso projeto com as informações das leituras feitas e sobre a educação do Brasil como referência, pois _____ 33


era a que conhecíamos, porém, o campo se mostrou diferente do que tínhamos idealizado. Nós, alunas, fomos primeiro a Cabo Verde, no dia 23 de abril de 2014, e a professora Débora Mazza chegou uma semana depois no dia 30 de abril. Inicialmente, entramos em contato com os professores da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, com a professora Gertrudes Oliveira e com o professor Saidu Bandura, também fomos recebidos pelos funcionários da universidade. Através deles tivemos contato com algumas escolas, algumas instituições, conhecemos festas populares e a cultura de Cabo Verde. Eles também apresentaram alguns espaços e lugares da cidade de Praia e de outras localidades. No começo fizemos um levantamento dos lugares que iríamos visitar. Em espaços escolares definimos três locais: a escola pública “S.O.S”, localizada no centro da Cidade de Praia; a escola particular com o “Colégio da Turminha”, que fica próxima à Universidade Jean Piaget; a Escola da Sucupira, localizada na Cidade Velha como escola rural; e por último, visitamos o Colégio Mira Flores, caracterizado por ser uma escola de administração mista. Em relação aos espaços não escolares almejamos visitar uma comunidade da periferia chamada Safende, tentamos contato com o ICCA (Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente) uma instituição ligada à Unicef, porém não conseguimos. Em uma visita ao Ipiricentro, uma instituição localizada no Platô (bairro central e de classe média que reúne os intelectuais), que promovia a divulgação do pensamento digital, acolhia alguns projetos culturais, encontros e divulgação de produções artísticas. Lá conhecemos o Eli que fazia parte de um centro de moradores do Bairro do Pensamento, onde realizamos visitas a este bairro. Também consideramos o que observamos nos espaços “não-formais” como o Mercado Platô, o Mercado do Sucupira, a Cidade Velha, e as experiências culturais que adquirimos. Dentro das instituições, e dos espaços formais e não formais de educação conseguimos conhecer novas pessoas, que nos levaram a outros lugares. A pesquisa foi se construindo conforme descobrimos a realidade, acompanhado das conversas que tivemos, com as visitas aos espaços e as experiências. A seguir relatamos os lugares visitados e os momentos que vivenciamos. O projeto várias vezes foi remodelado, modificado, assim como o nosso levantamento inicial dos lugares a serem visitados. Essas mudanças se mostraram importantes para não nos prendermos ao que já sabíamos, tendo uma postura flexível conseguimos conhecer mais lugares e obter mais experiências.

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Espaços Escolares Escola S.O.S A escola S.O.S é uma escola pública que está localizada perto do Centro da Cidade da Praia em frente ao mercado do Sucupira. Atende as crianças do primeiro ano ao sexto ano, ao seu lado tem uma outra escola pública que atende do sétimo ao nono ano, e ao lado dessa outra escola está o Liceu da Cidade de Praia que é responsável pelo ensino secundário para os jovens de classe média que seguem uma trajetória escolar bemsucedida e ininterrupta. Na Escola S.O.S fizemos algumas visitas, em duas salas de primeiro ano, observamos uma aula de batuque (uma música local), observamos uma aula de alfabetização de Crioulo, e participamos das comemorações do aniversário desta escola. Também realizamos diversas conversas com os professores, com a diretora. Essa escola é considerada pioneira por ter um projeto de valorização da cultura Cabo Verdiana, uma prática desse projeto é justamente a aula de alfabetização em Crioulo, que está inserida num projeto e numa discussão maior que vai além da escola envolvendo a sociedade Cabo Verdiana como um todo, que é a questão da transformação do Crioulo em língua escrita ou não. A escola S.O.S defende uma educação bilíngue, no português e no Crioulo, pois compreende que o Português é a língua oficial do país, se fazendo necessário sua aprendizagem, mas o Crioulo é a língua materna vinculada a origem africana dos primeiros moradores de Cabo Verde1, e representa a cultura das crianças do país. Conversando com a professora que ministra as aulas de alfabetização em Crioulo, soubemos que muitas crianças apresentam dificuldades no Português, pois não conseguem transferir o que sabem em crioulo para uma segunda língua. Entendia que se o crioulo participasse da alfabetização as crianças teriam mais facilidade na escola. Essa aula de alfabetização foi muito além da língua escrita, envolve a cultura, a história do país, passando por músicas, contos e outros aspectos. A comemoração do aniversário da Escola aconteceu com uma festa que contou com a apresentação dos alunos, essa teve danças, músicas Cabo Verdianas em que o enfoque era exaltar a cultura local. No refeitório da escola havia uma exposição de trabalhos artesanais próprios da cultura e da história de Cabo Verde.

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Cabo Verde é um arquipélago composto por dez ilhas vulcânicas. Ele foi explorado pelos portugueses a partir final do século XV e cresceu em importância, pois representou rota de navegação entre a Europa, Índia e Austrália e serviu como entreposto do comércio de escravos no Atlântico.

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Colégio Mira Flores O colégio de Mira Flores se localiza no Bairro do Palmarejo Grande, ao Lado da Universidade Jean Piaget, esse colégio abrange todo o sistema de ensino, atende do primeiro ano ao décimo segundo. Visitamos algumas aulas dessa escola, conversamos com os professores, com a gestão e fizemos uma entrevista com dois alunos do ensino médio. Essa instituição é pública, porém com gestão privada, nesse caso a gestão é feita pela Congregação das Irmãs de Mira Flores.

Escola Particular Próxima ao Bairro do Palmarejo Grande há uma instituição de ensino privado, onde realizamos algumas visitas, observamos uma aula do segundo ano, uma aula de artes, de música e um período na educação préescolar. Conversamos com alguns professores e fizemos uma entrevista com a diretora. Essa escola tem uma postura diferente da Escola S.O.S em relação ao crioulo, a diretora nos contou por conversa que o crioulo atrapalha a educação dos alunos, logo, dentro das dependências da escola não se podia falar crioulo, era utilizado apenas o Português. Embora os alunos aprendam outras línguas como o inglês e o francês, mas o crioulo não era utilizado.

Escola Sucupira A escola Sucupira fica na Cidade Velha, é uma escola que não possui um prédio centralizado, mas com salas de aulas separadas pela cidade. Duas ficam logo na entrada da cidade, uma fica perto do centro e da praia, sendo que o prédio da gestão funciona em uma casa próxima à praia. Essa escola atende do primeiro ano ao sexto ano. De manhã são oferecidas as aulas do primeiro ano ao terceiro ano, no período da tarde são oferecidas as aulas do quarto ano ao sexto. A partir do nono ano, os alunos da Cidade Velha começam a estudar na cidade da Praia, recentemente fizeram um liceu na cidade, mas a maioria dos alunos continua indo para a Cidade da Praia. Nessa escola, visitamos duas aulas nas salas localizadas na entrada da cidade, em duas semanas. Esse espaço nos surpreendeu muito, porque traz uma informalidade para dentro do espaço formal. Essas salas de aula não possuem muros ou portões, quem abre, fecha e limpa as salas são as próprias professoras. Os alunos chegam no horário da aula, no intervalo quem mora mais perto vai até sua casa livremente e depois retorna. Não _____ 36


há nenhum funcionário fiscalizando a entrada ou a saída dos alunos, mas, mesmo assim, eles não saiam escondidos das aulas. Há uma terceira funcionária que traz a merenda, a comida é preparada em outro lugar e trazida para as salas de aula, os alunos comem dentro das salas, e depois vão para o pátio ter alguns minutos de brincadeiras, algumas crianças, por morarem vizinhas da escola, iam até a casa delas, comiam e brincavam, porém quando a professora as chamava, voltavam para a aula. Nesse mesmo local tivemos a chance de participar de uma contação de história em crioulo. Num horário à tarde depois das aulas, a escola organizou essa apresentação, chamou todos os alunos, de todas as idades para presenciar e também foi aberta para a comunidade. A sala onde foi realizada essa apresentação ficou cheia, tinha gente de diferentes faixas etárias. Conversando com uma professora ela nos relatou que a escola estava desenvolvendo um projeto de se aproximar da cultura caboverdiana, ela também nos disse que a contação de histórias tem uma importância dentro dessa cultura, por estar ligada a tradição oral do crioulo

Espaços não escolares Mercado Platô O Mercado Platô, localizado no Bairro do Platô, centro da Cidade de Praia, era um espaço de grande circulação de pessoas, possuía diversas barracas organizadas em corredores expondo em bancas frutas, legumes, peixe, carnes, comidas rápidas etc. Tinha-se um visual muito colorido, um cheiro forte de tempero. Ouvia-se o crioulo nas negociações, nas ofertas, nas conversas informais que vincam a cultura Cabo Verdiana Quem predominantemente atuava nesse mercado eram as mulheres, elas vendiam, negociavam, abriam e fechavam o mercado. Tivemos a oportunidade de conversar com duas mulheres que trabalhavam lá, uma mais nova e outra de mais idade, a mais velha falava em crioulo porque como não tinha ido para escola não tinha aprendido o Português. Elas nos relataram que estavam no mercado Platô há muito tempo, uma senhora disse que tudo que sabia foi lá que aprendeu, que nesse lugar aprendeu matemática o pouco de português que sabia, e também foi onde criou os filhos e estava criando os netos, a filha inclusive trabalhava lá com ela. Percebemos que esse era um lugar de aprendizado, pois ali se tinha contato com turistas, com estrangeiros e se aprendia diversas culturas. As crianças estavam presentes em todas as partes, elas se dividiam entre as bancas, os corredores, nas ruas próximas e na praça. Algumas estuda_____ 37


vam nas escolas próximas, como a S.O.S, e após as aulas, se juntavam às mães no trabalho para ajudar, brincar ou simplesmente para aprender.

Cidade Velha A Cidade Velha foi a primeira cidade construída fora de Portugal pelos portugueses na época das navegações. Foi a primeira capital de Cabo Verde, servindo como centro comercial e entreposto do comércio que Portugal desenvolveu com a África, Índia e América. Atualmente, é considerada patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO, pois tem uma riqueza histórica e cultural. Neste lugar há diversos monumentos históricos, como igrejas, conventos, o pelourinho entre outros. Alguns conservados, outros em ruínas e outros ainda em sítios arqueológicos. Nós visitamos diversas vezes essa cidade, pois ela fica próxima à cidade da Praia. Percebemos que é um lugar onde há o resgate da cultura cabo-verdiana, pois na cidade tivemos o privilégio de assistir um espetáculo da Dança Batuque, uma dança que por muito tempo foi proibida pelos portugueses, por ser considerada muito sensual, vir de uma tradição africana e ser controlada só por mulheres. Elas tocam, cantam e dançam em rodas, os homens só entram se forem convidados. Na primeira vez que tivemos nessa cidade chegamos na hora em que as crianças estavam saindo da escola, diversas crianças se ofereceram para ser nossos guias, para nos mostrar a cidade, mas como não conhecíamos o costume acabamos não aceitando de início, até que andando nas ruas, encontramos uma senhora sentada embaixo de uma árvore. Conversamos com ela e ficamos sabendo que essa prática é muito comum, é normal as crianças guiarem os turistas pela cidade. Ela chamou o filho dela e pediu que nos acompanhasse até a “Fortaleza”, um ponto turístico da cidade, é uma antiga muralha de pedra construída pelos espanhóis, na época da união das coroas portuguesa e espanhola, para defender a Ilha de ataques dos piratas e de outros reinos. O menino que nos acompanhou tinha na época onze anos de idade, mas sabia explicar a história da fortaleza e da cidade. Além de fortaleza, ele nos mostrou duas igrejas que ficavam mais para o interior da cidade e a rua das Bananas, a rua mais antiga de Cabo Verde. Nessa visita passeamos por uma ruína de uma igreja, esse menino nos explicou que as crianças utilizavam aquele espaço para brincar. Nessa hora aproximou-se um grupo de crianças de mais ou menos quatro a cinco anos, conversando em crioulo, o menino que estava sendo o nosso guia nos disse que elas estavam pedindo alguma moeda, e que crianças muito pequenas não podiam ser guias porque os pais não deixavam, eles só começavam a mostrar a cidade para os turistas quando estivessem na escola e dominassem o português. _____ 38


Percebemos que essa cidade é um grande espaço de educação e aprendizagem, um espaço não-escolar, que as crianças por meio algumas práticas e tradições tem aprendem a história e a cultura brincando, em lugares de grande importância cultural, inclusive para humanidade.

Bairro do Pensamento O Bairro do Pensamento fica localizado na periferia da cidade da Praia, conhecemos um morador desse Bairro numa visita ao Ipiricentro. Ele nos convidou a conhecer a associação do bairro onde estavam desenvolvendo um projeto de teatro. Conhecemos o bairro, algumas crianças que faziam parte desse projeto e tivemos a oportunidade de realizar algumas atividades conjuntas.

A pesquisa e o espaço, o que aprendemos? Inicialmente nossa pesquisa se baseava em diversos questionamentos, tais como: as crianças cabo verdianas se manifestam através da dança, do teatro E da música? Há alguma matéria específica para esses aprendizados? Qual a relação entre a cultura e a educação? Quais espaços privilegiados de educação na cultura crioula? Prevalecem os espaços escolares ou os não escolares de educação? Nossos cadernos estavam prontos para responder a essas perguntas. Nosso questionário estava finalizado. Estávamos indo para África realizar uma pesquisa semiestruturada, com data para o início e o final. De fato, encaminhamos todos nossos questionamentos. O que não esperávamos, era que voltaríamos com mais dúvidas. Não sobre o projeto, claro, mas sobre nós mesmas. Toda pesquisa de campo exige entrega. Não apenas intelectual, mas também de corpo e espírito. É preciso estar aberta para os imprevistos e acasos que surgem. E pudemos provar: são nos acasos que as descobertas e indagações realmente acontecem. Antes de irmos, ouvíamos a música de Tiago Rinaldi que dizia: “Como ir, sem nada nas mãos com tudo nos olhos? A razão não caminha em linha reta” Como ir só com a vontade de conhecer e se deixar maravilhar pela ventura de se estar em um território que desconhecemos completamente. Ao menos, tínhamos o apoio de nossa língua, onde pudemos compreender e ser compreendidas. O início não foi fácil, afinal éramos três mulheres em um país marcado pelo machismo e pela violência. Evitávamos sair à noite sozinhas, e sempre ancorávamos em companhia nativa para os deslocamentos. Contudo, a viagem foi se desenrolando, e assim, tecíamos (apesar de nossas limitações sociais) relações com outras pessoas, jovens, velhas, ho_____ 39


mens, mulheres. Todos dispostos a nos ajudar. E então, by serendipity, pudemos encontrar no tesouro, algo ainda mais precioso. A relação com as pessoas nos levou a ouvir, curtir e dançar o Funana. A relação com as pessoas nos fez apreciar e arrepiar ao participarmos de uma roda de batuque no meio da praça da Cidade Velha. Fizeramnos chorar, ao ver uma criança defecar no centro da capital. Fizerem-nos sorrir e crer que a sodade é um sentimento para vida inteira. Os cabo verdianos utilizam a palavra “morabeza” para expressar seu carisma em receber bem as pessoas. De fato, é um país que o povo te abraça e te convida para entrar, sentar e jantar em casa e, caso você negue, cuidado, pois você pode ser interpretado como rude. Um país que o povo age de modo a te fazer sentir em casa, “nos kasa”. E assim pudemos degustar nas festas de rua do Tira Chapéu, a kachupa, prato tradicional da culinária de caboverdiano feito de milho cozido e carnes, sua importância é semelhante à nossa feijoada. Bebemos o poncho e o grogue. Pudemos observar também, os vestígios de um país colonizado, marcado pela pobreza de um solo infértil e um clima não favorável para a agricultura. Um país dividido entre ilhas, separadas pelo mar, onde há dez destinos diferentes, e assim, nove culturas 2, nove sotaques, nove costumes diferentes. Basta olhar de um lugar diferente, e toda nossa pesquisa seria alterada. Por isso, salientamos que toda essa experiência foi baseada na ilha de Santiago, entre a capital, Cidade de Praia e a Cidade Velha. Tivemos o prazer e a oportunidade de conhecer as ilhas de Santo Antão e São Vicente, e perceber a diferença entre cada uma delas. Santo Antão e a ilha mais montanhosa, onde o topo mais alto é conhecido como “Tope de Coroa”, com 1979 metros. Com imagens belíssimas, fizemos nosso turismo pelo Vale do Paur. São Vicente é conhecida por ser a capital cultural de Cabo Verde. É uma cidade mais planejada, bem construída, com saneamento básico e água encanada em toda a ilha, diferentemente da Ilha de Santiago que a água é controlada e aberta apenas por 3 ou 4 horas por dia. Contudo, a hospitalidade e a morabeza, se fizeram presentes em todos os lugares. Durante todo o tempo da missão de pesquisa existiram pesquisadoras ávidas por conhecimentos e novas experiências. Realizar o intercâmbio para Cabo Verde nos proporcionou um estar com o outro, conhecimento sobre o outro, e logo um questionamento sobre nós mesmos. Acreditamos que olhar para o outro faz com que possamos nos compreender melhor.

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O arquipélago de Cabo Verde é composto por dez ilhas vulcânicas, mas apenas nove são habitáveis.

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(In) Conclusões, questões, construções desconstruções de novos conhecimentos

e

Não podemos reduzir uma experiência tão rica a supostas conclusões, pois as vivências ficam inscritas nos corpos e na vida. Fomos com a intenção de conhecer, descobrir novos conhecimentos e conseguimos muito mais que isso. Ao entrarmos em contato com uma outra cultura refletimos sobre a nossa própria cultura, criando questionamentos sobre as nossas experiências que naturalizamos sem o olhar comparativo. Esse trabalho nos permitiu conhecer uma nova cultura, um novo país, uma nova sociedade e aprender com ela, assim como refletir sobre a nossa realidade. Em relação à educação nos questionamos como e o porquê referenciamos a educação e a cultura a uma instituição chamada escola? A experiência de ter visitado diversos lugares, ter observado como a cultura cabo-verdiana comparece em tempos e espaços “não escolares” e como esses processos são ricos em aprendizagens, percebemos que é possível ensinar e aprender de diferentes formas, em diversos lugares, com múltiplos mediadores e muitos suportes. Resgatar a educação tecida nas práticas culturais, nas relações sociais e para além da escola talvez tenha sido a lição mais importante que levamos do intercâmbio que realizamos em Cabo Verde. A relação que as políticas educativas oficiais de Cabo Verde estabelecem com a cultura popular africana e com a cultura portuguesa dos colonizadores, por meio da escola, nos fez pensar sobre processos similares ocorridos em outros países, incluindo o Brasil. Vincent, Lahire e Thin (2001) apontam que concomitante a constituição dos Estados nacionais se expandiu no mundo moderno ocidental, a partir do século XVII, a “forma escolar”. Essa instaura a dominação, a sujeição e a predominância de um modo de socialização que vinca as formações sociais. O modelo de civilidade é o europeu urbano caracterizado pela constituição de um universo separado para a infância, a generalização da alfabetização, a importância de regras de aprendizagem, a multiplicação e a repetição de exercícios abstratos, a relação pedagógica baseada em regras impessoais que cercam o contato do professor com o aluno, a valorização da arte da retórica e a construção de um distanciamento da linguagem escritural e da oralidade. A sociogênese desta racionalidade de objetivação-codificação-acumulação dos saberes se universaliza e expande “a forma escolar” para outras formas sociais e políticas. Os autores dirão [...] nossa sociedade escolarizada está incapaz de pensar a educação a não ser segundo o modelo escolar, até mesmo nos domínios alheios aos currículos consagrados das escolas de cultura geral ou de _____ 41


formação profissional [...] os elementos e traços da forma escolar encontram-se hoje presentes nas práticas socializadoras de uma fração crescente de famílias, nas atividades peri-escolares, nos estágios de formação etc. [...] Existe uma tendência de numerosas famílias multiplicarem as atividades extra escolares de seus filhos para reforçar a aquisição de saberes específicos tais como: a aprendizagem da disciplina, o gosto pelo esforço, a capacidade de concentração. (VINCENT, LAHIRE & THIN, 2001, p. 39).

Segundo este referencial a sociabilidade dos coletivos seria subsumida pela forma escolar, entretanto, o que observamos nas dinâmicas de Cabo Verde e das periferias populares do Brasil não nos permitem este tipo de inferência. Em Cabo Verde, por exemplo, pudemos perceber que o crioulo cabo verdiano é a língua materna da maioria da população e que o português é a segunda língua mesmo sendo a língua oficial do país. Os contatos familiares, comunitários, comerciais e mesmo acadêmicos acontecem em crioulo e somente em situações muito formais e na sala de aula, professores e alunos se comunicam em português. A parcela mais significativa da sociabilidade escapa a forma escolar e essa aparece como um adereço pos tiço da vida. O contato com essa realidade nos levou a analisar comparativamente a situação do nosso país. A Constituição de 1988, no seu Preâmbulo assume “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Sabemos que o Brasil é um país cujo povo se constituiu a partir da convivência territorial entre indígenas nativos, brancos europeus, negros africanos e amarelos asiáticos. Segundo o Censo de 2010, 91 milhões de brasileiros se auto declararam brancos (47,7%), 15 milhões pretos (7,6%), 82 milhões pardos (43,1%), 2 milhões amarelos (0,95%) e 817 mil como indígenas (0,5%). A população de negros e pardos é majoritária constituindo 50,7% da população nacional, entretanto, nossa escola pouco, quase nada, trabalha os conteúdos e a forma da sociabilidade africana ou indígena. Os 817 mil brasileiros que se autodeclararam indígenas estão distribuídos em 305 etnias e falam 274 línguas. Dentre eles, um total de 37,5% de 5 anos ou mais, falam no domicílio uma língua indígena como primeira língua. Observou-se também que 17,5% não falavam o português e, no entanto, nunca a escola pautou as línguas indígenas como línguas maternas dos muitos nativos no território. O Art. 6º da Constituição de 1988 prescreve São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a _____ 42


proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).

O Art. 231 assume São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, Constituição, 1988).

O Censo de 2010 revelou também que 9,7 milhões de brasileiros, ou seja, 5,1% da população são surdos e mudos e têm nas Libras a sua primeira língua, sendo o português sua segunda língua. Temos ainda a LDB 9394/1996, que aprofunda a Constituição de 1988, no campo da Educação Brasileira, trazendo no Cap. V as normativas de implementação da Educação Especial. O Decreto 5626 de 2005, prescreve no Art. 3º ”A Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério” e regulamenta a língua brasileira de sinais às pessoas com deficiências auditiva. Entretanto, apesar da dimensão real e jurídica, o processo educativo, tanto na dependência pública quanto na privada, insiste na hegemonia da cultura e da língua portuguesa sem reconhecer as culturas e as línguas maternas de muitos coletivos nacionais. A pergunta sobre o respeito ao pluriculturalismo cabível ao contexto cabo verdiano se aplica à realidade brasileira e a de muitos países da América e da África. Em muitos casos, a cultura e a língua do colonizador foi assumida como oficial no país, mas ela não alcançou recobrir a totalidade das formas de sociabilidade e nem se apresenta como modelo dominante. Como podemos compreender a relação das sociabilidades dos coletivos e sua relação com a forma escolar em países como o Brasil e Cabo Verde? O que podemos afirmar é a importância que essas experiências, de intercâmbio cultural e de pesquisa, têm na formação dos educadores. A oportunidade de conhecer outros países e poder fazer esses questionamentos, de se posicionar em relação à outra cultura traz uma riqueza no processo de construção do ser professor, de pensar a educação para além da escola, para além do que é oferecido pelas políticas públicas que muitas vezes hegemonizaram determinados repertórios de frações do social e apagam a pluralidade de culturas que nos constituem enquanto povo e nação. A diversidade nos enriquece, mas a desigualdade nos empobrece. A mobilidade sociocultural possibilita que o conhecimento deixe de ser ilustrado e abstrato e passe a ser incorporado como experiência vivida que confere sentido. Afinal, só internalizamos aquilo que entendemos _____ 43


e compreendemos. O tornar-se professor é um ato contínuo e inacabado. Precisamos sempre estar atentas ao nosso mundo para que possamos agregar pessoas, histórias e conhecimentos.

Referências BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.>. Acesso em: 3 out. 2016. ______. Presidência da República. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.>. Acesso em: 3 out. 2016. ______. Presidência da República. Decreto no. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/ d5626.htm.>. Acesso em: 3 out. 2016. CABO VERDE. Ministério da Educação e Desporto. Direção Geral de Planeamento, Orçamento e Gestão. Serviço de Estudos, Planeamento e Cooperação. Palácio do Governo. Anuário de Educação 2014/2015. Praia, dez. 2015. ______. Ministério da Educação e Desporto. Direcção Geral de Planeamento, Orçamento e Gestão. Serviço de Estudos, Planeamento e Cooperação. Principais Indicadores de Educação 2013/2014. Praia, dez. 2014. ______. Nova Lei de Bases do Sistema Educativo. Maio de 2010. MORAIS, Maria Helena Fortes. A Escola Secundaria Privada – Organização E Funcionamento - Estudo De Caso. Universidade Jean Piaget. Praia, 2003. Página Oficial do Governo de Cabo Verde. Disponível em: <http://www.governo.cv/>. Acesso em: 13 jul. 2016. CABRAL, I. A representação das mulheres, casadas e viúvas, da ilha de Santiago nos documentos dos séculos XVI-XVIII. (Um estudo prosopográfico), mimeo (p. 1- 15), s/data. ______. Homenagem a Amilcar Cabral. XII Congresso Luso Afro Bra_____ 44


sileiro, Lisboa. p. 1-10. 31 jan. 2015. FURTADO, C. Cabo Verde: dilemas étnico-identitários num território fluido. In: Ciências Sociais, São Leopoldo, Unisinos, 49(1), p. 2-11, jan./abr. 2013. GUY, V; LAHIRE, B; THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47. jun. 2001. PEREIRA, J. Alfabetização de crianças caboverdianas em língua portuguesa como língua não materna: o ensino da leitura. 2009. 186 páginas. Dissertação (Mestrado) - Universidade Aberta Departamento de Humanidades, Cabo Verde, 2009. RODRIGUES, A. Pensar currículo como um enunciado cultural com foco na Língua Crioula Cabo-Verdiana. 2010. 124 páginas. Dissertação (Mestrado) - Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. SANTOS, D. Culturas infantis: crianças brincando na rua e em uma pré-escola na cidade da Praia (Cabo Verde). Campinas: São Paulo, 2010. 288 páginas. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Campinas-SP.

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III

Mais mestiça, mexida e humana: uma travessia entre Brasil e Cabo Verde Nima I. Spigolon Este texto vincula-se ao ano I e II (2013/2015) de realização do Projeto “Brasil e Cabo Verde – limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta”, no escopo do Programa PróMobilidade Internacional com financiamento CAPES entre os países e as instituições participantes da AULP conforme Edital 0033/2012 e vinculame como uma das autoras e integrantes do projeto aprovado entre as instituições associadas: Universidade Estadual de Campinas – Brasil e a Universidade Jean Piaget – Cabo Verde. Suas palavras se deslocam em meio a um período de transição. Primeiro, por recobrirem desde a estudante do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp (2013) a recém doutora e hoje professora da Faculdade de Educação da Unicamp (2015). Em seguida, por vincarem a renovação do projeto com o cronograma de implantação do ano III e IV (2015/2017). Suas páginas se referem a minha (primeira) ida a Cabo Verde, no segundo semestre de 2013, tendo em uma das margens as perspectivas iniciais do referido projeto e, nas outras a realização de pesquisa de campo como parte do meu doutorado. Como integrante do grupo brasileiro, fui a primeira a realizar essa travessia do Atlântico. Seus parágrafos trazem uma narrativa marcada pelas experiências vividas nos campos da educação com a pesquisa e da memória com a cultura, cujos sentidos atribuídos identificam parte de meus percursos formativos, acadêmicos, profissionais e pessoais. Uma narrativa que propõe a criação de relações, geradas por outras percepções de mundo, de países e de povos, construídas sob a perspectiva humanizadora e por uma metodologia político-pedagógica que se posiciona indissociável das relações entre sentir, pensar, agir e relacionar. É o fenômeno da minha experiência que se abre para a percepção do mundo de outro jeito em diversos tempos e lugares. Fenômeno trazido por processos com grande intensidade e pelas situações de encontro e, também, por uma convivência que transforma o real e dá acesso para a travessia sensível em direção aos nossos potenciais permitindo novos modos de conhecer, de se conhecer e de produzir conhecimentos. _____ 47


Pisei o solo africano aos doze dias de setembro de 2013. Chegar na Cidade da Praia, na ilha de Santiago, era ao mesmo tempo, chegar em África. As experiências de lá e de cá me conduziram a esse momento. Manifesto a minha gratidão a todos que comigo participaram desse processo de travessias, e que participam do projeto tanto no Brasil quanto em Cabo Verde.

Ondi ku sta bai? (Onde é que vais?) De alguma maneira, meu encontro com o continente africano se dá no entrecruzamento das razões contidas em um projeto de pesquisa em nível de Doutorado1 e nas paixões inseridas nas concepções de educação e visões de mundo em que situo a minha práxis, de modo inacabado e inconclusivo, ao longo dos meus percursos. Meses e meses de preparação, para tentar responder: onde é que vais? Muito malabarismo entre paciência, bom humor, tempo e energia para encaminhar questões burocráticas, institucionais e pessoais, calendários, papeladas, contatos e projetos. Meses e meses de preparação, para tentar responder: como é que vais? Muito mais malabarismo para prazos acadêmicos, captação e alocação de recursos, demandas internas e externas, de ordem variada. É um emaranhado de configurações2 indissociáveis da ida, da vinda e da vida. O medo do desconhecido ou do pouco conhecido. Nos quadros do Doutorado, parte do campo empírico, aconteceu em África. Esse Doutorado me induziu (e seduziu) a travessias, uma delas, a do Atlântico. Sabe-se que por essas travessias há caminhos e descaminhos, dos quais muitos ainda estão por ser trilhados, contudo produzir um doutorado é adentrar nos escuros escaninhos da alma e elaborar labirintos de perguntas, problemas, encaminhamentos a partir de sensibilidades e de materiais que seletivamente construímos a partir dos processos escolhidos e vividos. No dizer de Edward Said:

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A pesquisa, em nível de Doutorado (2010 a 2014), aconteceu sob a orientação da Professora Dra. Débora Mazza, junto ao Programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Unicamp. Contou com bolsa DS/CAPES e a realização de campo empírico, no período teve diversos momentos com financiamento, por exemplo: Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (FAEPEX), da UNICAMP; Programa de Bolsas de Mo bilidade Internacional Pós-Graduação 2013 Santander Universidades; Programa de Centros Associados de Pós-Graduação (CAPG/BA). Dentre outros, sugiro acesso a entrevista “O exílio e a educação” como parte do Programa Pesquisa em Pauta concedida à rtv.UNI CAMP, http://www.rtv.unicamp.br/?video_listing=o-exilio-e-a-educacao 2 Entendo que “o conceito de configuração expressa o que chamamos de ‘sociedade’ como parte da rede de interdependência formada pelos indivíduos” (ELIAS, 1994, p. 249).

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[...] o que passou a me preocupar foi como o tema se constituía, de que modo uma linguagem podia se formar – a escrita como uma construção de realidades que serviam instrumentalmente a um ou outro propósito. Tratava-se do mundo do poder e das representações, um mundo que passava a existir graças a uma série de decisões tomadas por escritores, políticos, filósofos para sugerir ou obscurecer uma realidade e, ao mesmo tempo, apagar outras (SAID, 2003, p. 310).

São processos fundidos por escolhas, decisões e vivências. Situações com as quais, nos deparamos incessantemente. Então, as percepções trazidas, como fragmentos do real, compõem o conjunto de experiências e de relações, que formam meus percursos e que são formas de participar como integrante do projeto. Os percursos encontram-se em movimento, vivo e presente, deixando marcas nos outros pesquisadores, nos estudantes e nos coletivos que os tem vivenciado. Essa vivacidade e presença se expressam com toda a sua intensidade ao marcar que escolhemos, eu e a Professora Débora Mazza, África como um campo de pesquisa durante o doutorado. Por que ir para África? Por que não ir para a Europa ou para os Estados Unidos? Nós tínhamos outras opções e ao frisar isso, a escolha consciente de ir e estar em tal território com os povos daqueles lugares, espaços e naqueles tempos, ela se torna decisiva nos resultados e processos. Diante desse fato, nos contrapomos ao que têm sido (im) posição hegemônica nas pesquisas. Você escolhe estar em outro continente, às vezes um continente próximo e, tão desconhecido. No dizer de Débora Mazza: [...] A pesquisadora e a pesquisa nos colocam diante de um cenário composto por fatos, documentos, depoimentos, fontes de natureza variada que existiram objetivamente e que sem o esforço da vocação científica permaneceriam nos recônditos das subjetividades e intimidades. Me parece, cada vez mais, que esta é a vocação da ciência. Digo vocação no sentido weberiano, ou seja, não como um dom inato, mas como um conjunto de disposições socialmente desenvolvidas (MAZZA, 2014, p. 04).

Orientada e orientadora tiveram e tem uma relação ritualística com a pesquisa – de passagem para outras dimensões do metié acadêmico. Ambas, deixamos ver por frestas em si mesmas o trabalho que tecemos com os mapeamentos bibliográficos, os dados coletados, os cadernos de campo, as imagens, as comunidades, as pessoas que perpassam a vida e os percursos de vida de Nima e de Débora. As pesquisadoras “e a pesquisa nos colocam diante de” cenários, ora distantes, ora presentes, compostos por “fontes de natureza variada que existiram objetivamente e que sem o esforço da vocação científica _____ 49


permaneceriam nos recônditos das subjetividades e intimidades” esquecidos, arquivados, ou quase que, inacessados. Cenários que, permitem criar um texto menos teórico e mais dialógico, eivado por uma experiência que me propus com o apoio incondicional da Professora Débora, a transformar cada fragmento do real que pudesse colaborar para a pesquisa, o grupo, as instituições, os países, em efeitos de sentido conferidos à ação pessoal e ao mesmo tempo coletiva. A textualidade dessa experiência apresenta uma narrativa e um mundo que passam a existir pelas decisões e opções feitas pelas pesquisadoras.

Nu sata bai (Vamos andando) As objetividades fundantes da realização dessa pesquisa de campo se mesclam às subjetividades da vontade, necessidade e desejo em ir. Assim, vamos andando e, me aproprio de uma espécie de caleidoscópio para acessar pormenores dessa travessia. Aqui faço uma digressão ao tema de doutorado3 que compreende o Golpe de 1964 no Brasil, a ditadura e o exílio advindo das políticas instituídas por aquele Estado de exceção e das suas consequências na vida de homens, mulheres, crianças, jovens e adultos que saíram do país em virtude de se tornarem alvo da ditadura, da violência e da repressão. A digressão temporal pela qual enveredei me conduziu a uma periodização que se fez acompanhar por um lado da vinda à tona, das questões da ditadura e do exílio e da relação da educação e da sociedade brasileira com elas e, por outro da forma de lidar com a pesquisa de Mestrado 4 que realizei no período anterior. Em ambos oriento-me pelos percursos de Elza Freire5 entrelaçados aos de Paulo Freire, seu esposo, para torná-los conhecidos e melhor compreendidos, tendo em vista, ao mesmo tempo, as suas participações para o legado Freiriano. Concomitante aos percursos dela, aproximo-me e me lanço na busca das inserções do casal Freire em África, durante a ditadura brasilei3

SPIGOLON, Nima I. As noites da ditadura e os dias de utopia – o exílio, a educação e os percursos de Elza Freire nos anos de 1964 a 1979. 2014. 506f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais na Educação). Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas. 4 SPIGOLON, N. I. Pedagogia da Convivência: Elza Freire – uma vida que faz Educação. 2009. Dissertação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. 5 Elza Maia Costa Oliveira nasceu em 1916, no Recife. Concluiu o magistério em 1935. Concursada, atuou como professora e diretora. Ao mesmo tempo, trabalhou no MEB, no MCP e nos Círculos de Cultura, até 1964 – quando estava em Brasília para o PNA e veio o golpe, tornando a família exilada. O retorno ao Brasil se dá em 1979, e em definitivo em 1980, sendo que em 1986 ela falece. Após o casamento com Paulo Réglus Neves Freire, passa a assinar Elza Maia Costa Freire. O casal passa a ser conhecido nacional e internaci onalmente como: Elza Freire e Paulo Freire (SPIGOLON, 2009; 2014).

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ra e na condição de exilados políticos, sempre vinculados, de modo geral ao campo da educação e, de modo particular da educação de adultos. Cabe a ressalva de que vários países africanos acolheram um grande contingente de exilados, inclusive muitos brasileiros. Tal fato, além de me motivar a estar lá, foi o principal mote de minha travessia. Travessia que foi antecedida, atravessada e preparada pelos itinerários de pesquisa da Doutora Cláudia Marinho Wanderley, pesquisadora do CLE – Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, da Unicamp, que desde meados de 2000 tem estabelecido interlocuções com África por meio da temática do Multiculturalismo e do Multilinguismo no Mundo Digital. Cabe ressaltar, que segundo ela, a constituição da rede entre Países de Língua Oficial Portuguesa – PALOP’s, se deu em parceria com a Unesco em 2005, quando da sua estadia na França para o pós-doc., e as cooperações internacionais com a Unicamp (inclusive com a Universidade Jean Piaget de Cabo Verde) foram firmadas em 2006 e daí em diante em sua grande maioria foram renovadas. As configurações de Acordos Internacionais, de redes, de parcerias e dos projetos nos quais ela é partícipe, traz o reconhecimento do seu trabalho acadêmico, que advém com a atual coordenação brasileira do Projeto CAPES/AULP 0038/13, antecedida pelo Professor Dr. Wilmar D’Angelis. Um parêntese: em decorrência de tais configurações, fui apresentada a pesquisadora Claudia, logo em seguida a minha qualificação (outubro, 2012) pelo desejo e pela necessidade de fazer campo de pesquisa em África. Desses primeiros encontros, surgiram os processos para a submissão do Edital CAPES/AULP. É neste sentido, também, que reitero o diálogo aberto e a participação conjunta que nos leva a caminhar desde então na direção de propostas com teorias e práticas de convergência. Algumas travessias feitas, muitas a ser fazer.

Os PALOP’s e o PAIGC O casal Freire (e eu) se insere em África através dos PALOP’s – Países de Língua Oficial Portuguesa. Eles, com o engajamento políticopedagógico junto os movimentos revolucionários de libertação das colônias portuguesas e a instalação dos primeiros governos independentes, indo atuar na década de 1970, no projeto de Unidade Nacional como parte das estratégias do PAIGC – Partido para Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde. Eu, com o projeto de pesquisa do Doutorado, fortaleço vínculos com eles e estabeleço outros com o Projeto de Unidade Nacional, indo no início dos anos de 2010, realizar campo empírico para levantamento, descrição, análise e interpretação de dados.

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O Projeto de Unidade Nacional, composto por Cabo Verde e Guiné-Bissau, foi a porta de entrada aonde o casal Freire chega a África e eu, mais de trinta anos depois, vou fazer pesquisa. Em linhas gerais, era um projeto que nascia, crescia e se desenvolvia dentro de um partido político, o PAIGC, tendo à frente Amílcar Cabral como um dos fundadores e principais personagens dos processos de libertação das colônias portuguesas em África, que à época, eram: Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe e Moçambique. Eis, o mapa que se abre da travessia que pretendia realizar, pretendo. Figura 01 – Mapa com a circulação do casal Elza Freire e Paulo Freire durante o exílio brasileiro a partir das inserções político-pedagógicas em África nos PALOP’s, elaborado pela pesquisadora.

Fonte: SPIGOLON, 2014, p. 302. Ainda sob o esquadrinhar do Projeto de Unidade Nacional, a partir do meu olhar que vislumbra a costa africana do Atlântico, situo as li nhas de Cabo Verde que é um país mais ocidental composto por dez ilhas e índices que se aproximam à América Latina e de Guiné-Bissau que é um país continental, embora com algumas ilhas também, aonde há dois riscos iminentes a todo instante: o primeiro é a Malária e, o segundo um novo golpe. Os dois podem ser fatais. Cabo Verde e Guiné-Bissau foram os países nos quais, Elza Freire e Paulo Freire, nuclearam as suas atividades e agendas de trabalho junto _____ 52


aos PALOP’s, mesmo com registro deles em Angola e São Tomé e Príncipe. Foram anos de idas e vindas entre Europa e África 6, que se constituía em um campo de pesquisa importante a ser realizado como parte do meu Doutorado. E o foi realizado, parcialmente por mim, em dois campos não separados: Cabo Verde e Guiné-Bissau, ou seja, em dois campos unidos pelo Projeto de Unidade Nacional. Guiné-Bissau é a primeira colônia portuguesa em África a ter sua independência reconhecida em 1973, após luta armada. Cabo Verde ascende à sua emancipação política de Portugal em 1975. Ambos sob a égide do PAIGC. Porém, em 1980, um golpe de estado na Guiné Bissau, representou o fim do Projeto de Unidade Nacional Guiné - Cabo Verde, idealizado por Amílcar Cabral, cuja memória e presença é muito viva nos dias atuais. As diferenças sociais, culturais e outras ligadas à formação étnica eram de tais formas significativas que, aliadas aos ressentimentos seculares dos guineenses em relação aos cabo-verdianos e vice-versa, inviabilizaram a continuidade de projetos dessa natureza (SPIGOLON, 2014). Certa lógica de pesquisa fez emergir com a teoria, a metodologia e os campos empíricos uma dedicação integral a organização de fontes, que tornaram real um trabalho (quase) arqueológico... fui de cidades a países; vasculhei estantes e gavetas; incursionei por arquivos e acervos; visitei fundações e organizações; estive em embaixadas e tabancas; fiz transcrições e glossários; digitalizei rasgaduras e gravuras; elaborei roteiros e relatórios; escrevi diário de bordo; racionalizei o uso de recursos variados; ponderei prazos e cronogramas; ordenei temporalidades; debrucei-me por livros e manuscritos... Tendo, sempre de mãos dadas comigo, a minha orientadora, a Professora Débora Mazza.

Entre Fortaleza, Brasil e a cidade da Praia, Cabo Verde: o Atlântico A Professora Débora e eu, elaboramos tabelas contendo prazos, recursos, planos de trabalho, etc. analisamos os pré-requisitos, como por exemplo: o exame de qualificação realizado em outubro de 2012 e o projeto CAPES/AULP aprovado desde o início de 2013. Todavia, não foram suficientes para viabilizar a minha ida naquele momento. Como esperado, se fizeram necessários arranjos e rearranjos, minuciosamente encaminhados durante encontros para orientação. Faríamos, com certeza, tudo de novo.

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Parte do campo empírico realizado em África está inserido na tese, capítulo IV Itinerários do exílio: inserções político-pedagógicas em África (SPIGOLON, 2014, p. 285-354).

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Destacadamente, um desses arranjos foi viabilizar a minha travessia, com os aportes relacionais e institucionais em Cabo Verde, a partir dos contatos que integravam os quadros do Projeto CAPES/AULP entre a Unicamp, Brasil e a Universidade Jean Piaget, Cabo Verde. A pesquisa é um ato político e não apenas um fato político. Daqui em diante, o texto é circunscrito a esse recorte de campo referente a Cabo Verde. Então, submetemos um projeto para o Programa de Bolsas de Mobilidade Internacional na Pós-Graduação 2013 Santander Universidades, concomitante, aos trâmites do CAPES/AULP, cuja aprovação já tinha sido oficializada. Baila em minha memória: “- Professora Débora, eles não vão aprovar isso... África! Santander não investe abaixo da linha do Equador... Eles vão rir do nosso projeto...” Mas, ela sempre me encorajando e criando condições (até hoje). Referência... Símbolo... Acontecimento raro e possível, aonde a vida acadêmica se entrelaça a vida pessoal. Pasme, o projeto foi aprovado! É chegado o tempo de África! O projeto de pesquisa de campo se torna exequível, dentro dos limites e das possibilidades, tendo por um lado as dinâmicas de um Doutorado com bolsa DS, da CAPES e, por outro os critérios da bolsa Santander. Devido ao descompasso das temporalidades da pesquisa e das pesquisadoras, das questões burocráticas e acadêmicas da Capes e do Programa de Pós Graduação, a minha viagem se deu quando o projeto já estava em andamento, todavia sem os seus recursos financeiros do mesmo para a bolsa de estudos. Que possam compreender a minha atitude acadêmica em nome de um conjunto de causas e valores, que felizmente ou infelizmente, não entrou nas bolsas: o do amor, da paixão e do desafio, naquilo que se faz, por acreditar que somos uma só humanidade. Cabo Verde através da Universidade Jean Piaget e sob a supervisão do Professor Dr. Izaías Barreto da Rosa, que à época era o coordena dor estrangeiro do projeto CAPES/AULP. Enquanto isso, a Professora Débora segue minha orientação no Brasil por meio da Unicamp. A distância territorial entre as duas margens da América do Sul e da África, era azul, tanto vista de cima quanto de baixo. São muitos tons de azul, que estão a variáveis alturas em relação ao solo ou em relação ao nível do mar. Há, literalmente, um céu e um oceano entre o Brasil e Cabo Verde. Eles, o céu e o oceano, ora nos unem e aproximam, ora nos separam e distanciam. Sem preterir o astrolábio, nós, os sujeitos, podemos mediatizar as suas travessias... É um pouco do que tentei fazer, ou melhor, que fiz. Dada às circunstâncias, optei por transpor a distância azul pelo céu. Dentre as rotas, duas conexões mais usuais, uma via Europa com es calas em Portugal ou França, outra via sem escalas, partindo de Fortaleza e chegando na cidade da Praia e cuja companhia aérea é caboverdiana. Fui _____ 54


por voo direto, sendo que voei cinco horas e meia do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas, São Paulo ao Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza, Ceará e, de lá voei três horas e meia até o Aeroporto Internacional Nelson Mandela. Senti-me atravessada por sensações até então desconhecidas... era, do mesmo modo, uma travessia interior. Desejei, quis, lutei e quando aterrissei na cidade de Praia senti toda a força e o desconhecido, todo o medo e a coragem. Cheguei inteira para a proposta de pesquisa que a realidade se encarregou de transformar em coleta de dados e a insistência em transformar-me “em pesquisadora”. Pois, tal como afirmei, ao mergulhar nesse projeto a abertura para o outro era e é o caminho que seguia a revelar a sua pujança. Continuo convencida de que esta é uma história sem fim, que se completa a cada novo dado que porventura surgir mesmo depois da sua conclusão. Acabei indo sob a ambiência do CAPES/AULP e com recursos financeiros do Programa de Bolsas de Mobilidade Internacional na Pós-Graduação 2013 Santander Universidades. De maneira sucinta, é assim que eu chego a Cabo Verde, África. Cabo Verde, oficialmente República de Cabo Verde, é um país insular localizado na zona subsaheliana num arquipélago formado por dez ilhas vulcânicas na região central do Oceano Atlântico acerca de aproximadamente 570 quilômetros da Costa da África Ocidental. A ilha de Santiago situa-se abaixo do trópico de Câncer, limite norte de deslocação da frente intertropical. A UniPiaget, na cidade de Praia7, em Cabo Verde, me recebe e acolhe como base de trabalho para a pesquisa de campo. Infelizmente, não consegui me deslocar para os outros arquipélagos e, nem tampouco, afastar-me muito da capital. Contentei-me, por enquanto, em ser apresentada ao queijo de leite de cabra da Ilha de Brava, o café e o vinho da Ilha do Fogo, a faixa de urzela da Ilha de Boavista, a koladeira da Ilha de São Vicente, dentre outras manifestações artísticas e culturais, como por exemplo: o funaná, a morna, o batuku e, destacadamente o ciroulo caboverdiano. O vulcão do Fogo, a montanha e falésia de Carbeirinho, as praias de areia branca ou negra de Santa Maria, os corredores dunares do Deserto de Viana, o festival internacional de teatro de Mindelo, o queijo fumado de Santo Antão... Também, por isso, e muito mais, desejo retornar. Durante essa(s) travessia(s), me lancei em uma busca (frenética) de fontes documentais e não documentais, dados brutos e primários, me propondo ser inteireza diante da morabeza, me propondo imersões e incursões nos lugares, nos tempos, com o país e com o povo de Cabo Verde. 7

Praia é a capital de Cabo Verde, fica situada em uma das ilhas, que é a ilha de Santiago

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Imersões que, em parte se reúnem aqui, como fragmentos datados do que vivi no período que lá estive. Alguns fragmentos me tocaram e despertaram mais os sentidos ao acessar percepções e estabelecer conexões que sugerem uma verticalidade/profundidade no campo das sensibilidades. Os sentidos que tocam as sensibilidades em inter-relação com o mundo sensorial e sensível.

Mercado do Plateau, Arquivo Histórico Nacional, DGAEA, crioulo... As estações do ano são fundamentalmente duas: “as águas” e “as secas” ou “tempo das brisas”. A estação mais seca, de dezembro a julho, é caracterizada por ventos constantes, chamada “bruma seca”, trazida pelo vento harmatão das areias do Saara. É de recordar que Cabo Verde lidera, desde 2011, o ranking mundial de aproveitamento do vento para gerar eletricidade, o que destaca a posição do país nos vários índices de cálculo sobre a utilização de energia eólica. São quatro os parques eólicos nas ilhas de São Vicente, Santiago, Sal e Boa Vista. Não chovia8 desde novembro passado (2012) e a previsão era de voltar a chover até julho ou agosto, nesse interim a ilha é seca e a terra ressequida. E realmente voltou a chover, quando cheguei. O solo de origem vulcânico é muito fértil e consegue resistir e produzir. A cultura associada a camponeses e a pescadores livres caracteriza a exploração dos recursos naturais numa lógica de autossubsistência. A produção de milho e feijão depende de forma vital das chuvas, e as chuvas frequentemente escassas. Às vezes, a seca confinava-se a uma ilha ou a um grupo de ilhas, outras vezes assolava o arquipélago inteiro. A fome era um mal endémico em Cabo Verde. Parte da produção colhida e pescada na ilha de Santiago, frutos da terra e água, é comercializada no Mercado Plateau, localizado no centro histórico da cidade da Praia. O Mercado Plateau me provocou e, muito, com suas vendedeiras, mulheres e crianças, com suas cores, aromas, formas, sabores, vestimentas, vozes, corpos. Toda intensidade da força produtiva da mulher caboverdiana.

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Pude presenciar e vivenciar a falta de água e a consciência dessa falta por parte da população é visível nas estratégias de sobrevivência, de economia e do uso mais racional, por exemplo, lavar a louça em bacias, o balde com água e a canequinha nos banheiros, o corte no fornecimento de água nas torneiras, o reuso e o manejo ecológico da água, etc.

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Lembro-me de que saía do Campus da Piaget, entre o caminho para a Cidade Velha e o alto do Palmarejo, descia por bairros como o Tira Chapéu, Paiol dos Coqueiros, Terra Branca chegando até a Várzea para chegar até o Plateau que é a região mais alta e central da cidade. Fui por incontáveis vezes ao Mercado Plateau. O transporte público e privado para a população se dividia entre os ônibus e as Hiaces (Toyota Van), com opção do táxi que da UniPiaget ao Plateau cobrava em média 250 (duzentos e cinquenta) a 300 (trezentos) escudos cabo-verdianos ou 10 (dez) euros. Esse trajeto era realizado por mim de Hiace, a um custo mínimo de moedas e um benefício incalculável de convivência com o local e as pessoas, os hábitos e os costumes, a língua e a cultura, as cores e os cheiros, as imagens. As Hiaces transportavam (quase) tudo, em seu interior acomodavam-se e acotovelavam-se mulheres, homens, crianças e velhos, compras de supermercado e das bancas espalhadas pelas calçadas, das frutas, verduras e dos peixes. A informalidade no trabalho urbano, o comércio em barris expostos nas ruas, os homens com suas máquinas de costura nas calçadas. Pessoas e produtos que se misturavam, mesclando e transpirando vida e a luta cotidiana por condições de existência e sobrevivência. A expansão impiedosa, o avanço violento e a exploração desumana dos imperialismos e das hegemonias percorrendo oceanos afora… O sistema colonial, do mundo contemporâneo, que ao ser constatado não pode deixar de ser contestado. É ainda uma luta permanente cujos movimentos de libertação se fazem até hoje revolucionários. Presenciei, dentre outros, o chinês pelas costas marítimas de Cabo Verde com aqueles navios pesqueiros enormes com suas tecnologias arrastando peixes e talvez a única forma de subsistência de muitos nativos; o português e italiano pelas montanhas extraindo pedras e alterando a estrutura natural de sustentação do arquipélago; o brasileiro pelas antenas de televisão com o poder de uma mídia novelística, comunicação de massa e outras denominações cristãs. Expansão, avanço e exploração que copta, captura, apaga e negocia formas de subsistência, de cultura, de identidade e, que não são exclusividade de Cabo Verde ou da África, são realidades alteradas em grande parte pelas conjunturas econômicas internacionais e dinâmicas políticas das sociedades na contemporaneidade. A moeda é o escudo cabo-verdiano. No Brasil, a principal referência econômica é o dólar americano. Lá é o euro que regula os câmbios e as trocas, as negociações menores e maiores. Em tabelas de conversão de moedas, 01 (um) euro equivale aproximadamente a 110 (cento e dez) escudos cabo-verdianos e a 03 (três) reais. Daí, eu elegi o bandejão como referência de valor, era a minha moeda de referência de valor lá. O bandejão da Universidade Jean Piaget é muito saboroso e temperado com um cardápio de comida típica cabo-verdiana. Custa em média 04 (quatro) euros, _____ 57


correspondente a quatrocentos escudos cabo-verdianos. O bandejão da Unicamp é 02 (dois) reais, correspondente a centavos de euro. É só para refletirmos um pouco nesses valores de referência econômica. A colonização impôs também a língua portuguesa como oficial no país. No entanto, a língua nacional é o crioulo cabo-verdiano, com suas variantes das línguas maternas da população das dez ilhas que formam o país, independente desde 1975, com exceção da ilha de Santa Luzia pois não é habitada. O crioulo é parte da cultura do povo cabo-verdiano. A língua portuguesa é língua oficial do Estado e o crioulo caboverdiano é língua das tradições orais. O lugar social e cultural do crioulo é tema recorrente e o lugar do crioulo na educação, nomeadamente a sua adoção no ensino básico e secundário está sob recentes intervenções do Ministério da Cultura e também de movimentos sociais que apontam a necessidade de oficializar a língua cabo-verdiana como necessidade da diversidade cultural e como prevê a constituição do país em paridade com a língua portuguesa. A língua oficial portuguesa demarca alguns territórios. A língua materna crioula marca as relações. Elas estão aos olhos e aos ouvidos como marcadores de classes e nas minhas percepções como algo (quase) inenarrável. Outro aspecto que me impactou foram os aportes e os suportes de pesquisa que tive em Cabo Verde, detidamente na cidade de Praia e na Universidade Jean Piaget. Fui recepcionada e me instalei no próprio Campus, em uma Vila Universitária, que disponibiliza estruturas de recepção e recursos de trabalho que dão condições para viabilizar projetos variados de pesquisa, como a de campo que realizei e para receber pesquisadores de qualquer parte do mundo. Por exemplo, alojamento, midiatecas (assim que se referem às bibliotecas), serviços e laboratórios tecnológicos. O acolhimento humano e a tratativa do grupo que me recebeu, a par do acolhimento técnico e burocrático, foram decisivos para os resultados e os processos dessa experiência. Sem eles, a travessia teria sido outra. Saindo dos espaços da Universidade Jean Piaget, nos locais aonde me lancei em busca e ao encontro de fontes documentais e não documentais, me deparei com aportes e suportes de pesquisa semelhantes. Os acervos, os arquivos, as entrevistas, o levantamento bibliográfico que priorizei com um referencial de autores cabo-verdianos e africanos. Quero citar, mesmo que parcialmente, o que esse conjunto me possibilitou ver, agir, sentir, estar, pensar, mapear e pesquisar: as instituições públicas ou não: a DGAEA – Direção Geral de Alfabetização e Educação de Adultos, localizada na Rua Paulo Freire; o Palácio do Governo, na Avenida Cidade de Lisboa, a mesma em que fica o Mercado Sucupira (nome inspirado na novela brasileira o Bem-Amado); o Arquivo Histórico Nacional, na Rua da Alfândega, de frente ao mar, na região Chã d’Areia e próximo a Embaixa_____ 58


da brasileira; a Fundação Amílcar Cabral, nas proximidades da Rua Pedronal e da Câmara Municipal; a Biblioteca Nacional que tem à sua frente a estátua de Amílcar Cabral; a sede do PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde) cujo um de seus fundadores foi o ex-presidente Aristides Pereira; o(a)s entrevistado(a)s: Ana Francisca Barbosa, Carlos Reis e Florêncio Mendes Varela; levantamento bibliográfico: Amílcar Cabral. André Corsino Tolentino; Cláudio Furtado; Dulce Almeida Duarte; Frantz Fanon; Gabriel Fernandes; José Lopes Filho; José Vicente Lopes; Roselma Évora; Yara dos Santos. A força do pensamento e das práticas pós-coloniais, das epistemologias contra hegemônicas está em uma realidade para além da minha narrativa. E a potência e a boniteza do Mercado Plateau, das fontes de pesquisa de campo, dos cabo-verdianos, do crioulo, constituem formas de luta e resistência, capazes de produzir movimentos e um conjunto de manifestações culturais, sociais e educacionais que desencadeiam outros sentidos e conhecimentos, outras experiências e narrativas. Faço das (minhas) utopias9 lutas coletivas.

Morabeza, Batuko, Catxupa, Fidjôs ... A Morabeza, tida como um regionalismo crioulo de Cabo Verde, que é originalmente cabo-verdiano. Significa para alguns: bem-vindo, para outros: amor, beleza e amabilidade, para a maioria: é a arte de bem receber. Dizem que não tem tradução porque é um sentimento, e é um sentimento cabo-verdiano. Marabeza que acolhe (e fui acolhida). O Batuko, entoado em crioulo de Cabo Verde, é tradição, ritmo, sonoridade, dança, corpo. É considerada a forma musical mais antiga de Cabo Verde, herança dos antepassados africanos, e está no sangue dos cabo-verdianos, sobretudo, das mulheres cabo-verdianas. Batuko, de batidas, de cantos, de corpos, que vibram, contagiam, fazem movimentar (e me movimentaram, muito). A Catxupa, aroma da comida cabo-verdiana. Distingue-se entre a catxupa rica (elaborada com vários tipos de carne) e a catxupa pobre (feita apenas com peixe). É o prato típico e mais tradicional, cuja preparação é um ritual, que começa na véspera com a colocação do milho e dos feijões em água fria. No dia seguinte, mandioca, carnes ou peixes, couve e batata doce. Ainda pode ser servida com linguiça da terra e ovo estrelado. Catxupa frita, refogada ou guisada, que desperta paladares (inclusive o meu). 9

O sentido é que a realidade também é a utopia, pois é a partir do que se vive no real que se projetam as ideais, os sonhos, as esperanças de um futuro melhor e é feita a partir dos movimentos de transformação dessa realidade. Vázquez (2001); Lefebvre (2008); Pepetela (1997); Galeano (2007) e Freire (2000).

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Os fidjôs, é uma receita de Cabo Verde, na forma de pastel, feito à base de farinha de milho, abóbora e banana. A calabaceira, embodeiro, imbodeiro ou baobá, tem no seu interior um miolo seco comestível e é agridoce. Este fruto é altamente nutritivo. Em Cabo Verde é misturada com aguardente de cana-de-açúcar, originando uma bebida de nome “ponche de kalbisera”. Fidjôs e calabaceira, combinação local, típica e original, mistura de sabor e cor (misturei-me aos dois). Para acompanhar a morabeza, o batuko e a catxupa, há várias bebidas típicas, por exemplo, o grogue (rum, água e açúcar), ponche (grogue com sabor de mel, coco, chocolate, tambarina, calabaceira) e, o vinho Chã. São alguns elementos fortes da identidade cabo-verdiana, amalgamados pela língua crioula... A identidade está em movimento e no movimento possível de se destacar as marcas sociais e culturais que produzem práticas, geram conhecimentos e que fazem parte de um país com vários povos e dez ilhas. País cuja experiência com as cores, os corpos, os ritmos, as paisagens, os sabores, os saberes, os sons (tocados, cantados, falados, recitados) me provocou, colocou e deslocou para outros territórios (internos e externos), que até então, eu desconhecia.

Nô djunta mô (Vamos nos unir) Os contrastes, as contradições, os conflitos, os desafios e as paixões de um país e seu povo, em início ou continuidade, colocam-me fora da condição de observadora e atiram-me na posição de que é preciso aproximar-se dessas forças criadoras e desses cenários revolucionários. Forças e cenários que aguçam (e aguçaram) a mulher, a estudante a professora, a pesquisadora, uma parece dissolver-se na outra, sem ofuscar uma em detrimento das outras, às quais vem sendo ininterruptamente redefinidas. Nessas condições, em vez de isolamento do sujeito, é importante a superação dialética e dialógica das adversidades e a consciência que se têm das experiências vivenciadas na coletividade. O estranho e o estrangeiro que tentam ser permanentemente aceito ou ao menos tolerado (SCHÜTZ, 2010) nos quais “todos os tipos de suposições, associações e ficções parecem amontoar-se no espaço não familiar fora do nosso” (SAID, 2007, p. 91). A mulher, a estudante, a professora, a pesquisadora e as evidências de que você é um estrangeiro. Sujeitos de alteridade que em suas múltiplas configurações se debruçam nas formas contemporâneas. Tais formas contemporâneas me permitem e convidam adentar as perspectivas de entendimento e intervenção da realidade. Por meio da “narrativa fui apreendendo as entranhas do conhecimento delas” (MAZ_____ 60


ZA, 1996, p. 12) e tentando, textualmente, compor fragmentos dessa experiência. A experiência em África de modo geral e, em particular em Cabo Verde, reuniu em meus percursos, questões que amo e que tenho dedicado minha vida: a Educação e a Humanidade. Reuniu e reúne questões e questionamentos de como a educação contribui nos processos de luta e libertação dos países ex-colônias de Portugal, nos processos pós independência e, mais, como, por que, para que e aonde nos encaixamos nesses movimentos e nessas lutas? Sinto o início/a continuidade de campos de pesquisa, projetos de trabalho, acordos de cooperação internacional, parcerias institucionais e redes relacionais. Considero que meu desejo, reverbera o desse grupo, para que as travessias entre Brasil e Cabo Verde (e vice-versa) sejam constantes. Esquivei-me de comparações quantitativas ou qualitativas, em exposições ou discursos que por vezes frustram e tolhem os diversos olhares e contextos dentro dos quais surgem as temáticas de pesquisa e as preocupações de conhecimentos. Há uma espécie de dispersão contida na minha experiência que tentou estabelecer relações com o outro. O outro enquanto sujeito, país, continente, em uma dimensão mais sensível de escuta e de humanidade. Essa dispersão nas condições de mulher, estudante, professora, pesquisadora e estrangeira faz com que aconteça uma narrativa atravessada por muitos sentidos e significados, por muitas inquietações e provocações. Uma narrativa carregada por subjetividades, historicidades, materialidades e sensibilidades de um sujeito que se constitui na tessitura do conteúdo, das formas, das informações, do conjunto de fontes, das percepções. Uma narrativa transparente que tenta desvendar as condições do sujeito ao se deslocar em travessia por diferentes mundos construindo processos de formação, de significação e de emancipação humana. E junto a minha bagagem de retorno – a mulher, a estudante, a professora, a pesquisadora e a estrangeira, muito mais mestiça e misturada, muito mais mexida e humana.

Hora di bai (Despedida, hora da partida) A partir dos processos de pesquisa de campo realizada, que articulou e mobilizou os enunciados anteriores, é possível expandir a própria teorização sobre os processos metodológicos e empíricos que coadunam com as condições sociais e os mecanismos de produção do conhecimento. É possível situá-los como ato humano que lança mão da concepção Freiriana de inacabado, incompletude e inconclusão (FREIRE, 1967). Com a arte da ciência e do pesquisador que a faz eivada de si, não permi_____ 61


tindo que o sujeito se perca e que busque o movimento e a exposição entre as suas linguagens, as leituras de determinadas fontes, e a vinculação com as formas de se produzir conhecimentos. Para caracterizar o instrumental do texto como registro de uma travessia e de um tempo narrado na história a partir das experiências, fui alinhavando a memória, o passado, o presente e o futuro como expressões da experiência que é “o que nos acontece, nos passa e nos toca” é poder pensar a “educação a partir do par experiência/sentido” (LARROSA, 2002, p. 20-28) e embaralhando as narrativas com elementos factuais e sensíveis (BENJAMIN, 1997). Ambas são elaboradas tendo como disparadores as imersões da travessia em questão sendo entendida como imersões nessas realidades. A experiência e a narrativa como componentes fundamentais da formação e não como dicotomias dos processos acadêmicos/científicos de produção e de formação humana. O falado e escrito precisam estar acompanhados do vivido, precisam de outros elementos, por exemplo: a vida real, as práticas, os costumes, os saberes, o cotidiano dos sujeitos, etc. Nesse sentido, as composições aqui feitas entre experiência e narrativa propõem ampliar os temas da formação e também uma verticalidade/profundidade que se inter-relaciona de modo a preservar, modificar, reconstruir e interpretar realidades. Há outras formas de interpretação contidas na sensibilidade do outro, que se apresentam empecilhos no campo das ciências nos quais as pesquisas e os pesquisadores se inserem e que tencionam a tradição de divulgação acadêmica. Essas inquietações geram problemas, mas também potencializam as análises e os processos investigativos pela indagação de como foram educados os sentidos e as sensibilidades em determinados tempos e lugares (TABORDA de OLIVEIRA, 2012, p. 13). Assim, posso sugerir que as formas de interpretação que configuram as experiências e as narrativas não são circunscritas a categorias ge rais de minha interpretação do mundo, elas são perpassadas pelas formas de inserção dos integrantes nas realidades e no projeto. Projeto que acontece no escopo do CAPES/AULP, atrelado à Unicamp e à UniPiaget, e que também se expande para os universos das pesquisas, dos pesquisadores e das relações ente eles e deles com o outro, de maneira a evidenciar as utopias, os desejos, as ideologias, as construções sociais, culturais e educacionais que vincam o projeto desde a sua escrita inicial até a reescrita atual. Tais configurações fortalecem e enriquecem os países, as universidades, as instituições, os sujeitos, os grupos, com uma materialidade denunciadora do seu passado/presente com o já realizado e o em vias de realização e com uma maturidade anunciadora do futuro com a sua continui_____ 62


dade para além dos interesses delimitados por este acordo firmado em 2013. O projeto foi renovado em 10 de agosto de 2016. Pode-se dizer que entre encerrar uma travessia ou abrir círculos, preferi abrir. O texto/a narrativa ao revelar processos, documentar experiências e apontar possibilidades de pesquisa, expande campos e se coloca como espaço de construção dialógica ao estabelecer aproximações para os diversos conhecimentos e múltiplos saberes junto a realidades alheias, aliadas, distintas, distantes, antagônicas ou não nos cenários contemporâneos e nas dinâmicas políticas das mobilidades internacionais. Muitas experiências em pouco tempo. Às vezes, as narrativas retornam antes, outras depois. As contradições do dito e do não dito, as reflexões emancipatórias do vivido. Gostaria de concluir lembrando Cesária Évora, considerada um dos patrimônios culturais de Cabo Verde e do mundo, ícone do gênero morna. E assim, manifestar a “sodade10” que guardo de Cabo Verde, porque quem lá esteve uma vez como eu estive, não pode deixar de lá voltar. Vida longa ao CAPES/AULP! Vida longa às parcerias entre a Unicamp/Brasil e a UniPiaget/Cabo Verde. Vida longa à Educação pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada para todos e todas.

Referências BENJAMIN, W. O narrador - considerações sobre a vida de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1997. BRASIL. Projeto 0038: Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta, 2013. _____. Relatório e Prestação de Contas referentes ao Projeto 0038, do Acordo CAPES/AULP, 2014.

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Composta nos anos 1950 por Armando Zeferino Soares, comerciante em Praia Branca, na ilha de São Nicolau, que fez a música na despedida de um grupo de amigos que iam embarcar para São Tomé e Príncipe, o que era habitual naquela época. A música Sodade tornou-se emblemática de Cabo Verde e da sua cultura, e se imortalizou na interpretação de Cesária Évora. É um hino não oficial das ilhas.

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____. Relatório e Prestação de Contas referentes ao Projeto 0038, do Acordo CAPES/AULP, 2016. ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. GALEANO, E. As palavras andantes. Porto Alegre: L&PM, 2007. LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, 2002. LEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. LIMA, D; MAZZA, D; SPIGOLON, N.; TORRES, B. Cabo Verde e Brasil: relatos de experiências de pesquisa. In: Crítica Educativa, v. 2, n. 2, p. 178-196, jul./dez. 2016. MAZZA, D. Conversa de mulher – a construção do feminino no cotidiano popular. Taubaté: Vogal, 1996. ______. O sentido e o significado de ser orientadora de Nima nestes anos (desde fevereiro de 2010). Parecer referente a pesquisa de Doutorado, 2014. _____; SPIGOLON, N. O exílio e a educação, entrevista. In: Programa Pesquisa em Pauta, Campinas: UNICAMP, julho de 2014. Disponível em: <http://www.rtv.unicamp.br/?video_listing=o-exilio-e-a-educacao >. Acesso em: 25 abr. 2017. PEPETELA [PESTANA, A. C. M.]. A geração da utopia. Lisboa: Dom Quixote, 1997. SAID, E. Orientalismos: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. ______. Fora do lugar: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. _____ 64


SCHÜTZ, A. O Estrangeiro – Um ensaio em psicologia social. Revista Espaço Acadêmico, Ano X, n. 113, out. 2010. SPIGOLON, N. Pedagogia da Convivência: Elza Freire – uma vida que faz Educação. 2009. 238 folhas Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. ______. As noites da ditadura e os dias de utopia – o exílio, a educação e os percursos de Elza Freire nos anos de 1964 a 1979. 2014. 505 folhas. Tese (Doutorado em Ciências Sociais na Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. ______. Relatório de estágio e pesquisa realizado no exterior, referente ao Programa de Bolsas de Mobilidade Internacional na Pós-Graduação – Santander Universidades, 2013. ______. Pedagogia da Convivência: Elza Freire – uma vida que faz Educação. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. TABORDA de OLIVEIRA, M. Introdução. In: TABORDA de OLIVEIRA, Marcus Aurélio (Org.). Sentidos e Sensibilidades: sua educação na história. Curitiba: Ed. UFPR, 2012. VÁZQUEZ, A. Entre a realidade e a utopia: ensaios sobre política, moral e socialismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

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IV

Intercâmbios académicos e diálogos Interculturais: Reflexões a partir da experiência de cooperação académica entre a Unicamp (Brasil) e a UniPiaget (Cabo Verde) Gertrudes M. F. Silva de Oliveira

Introdução Brasil e Cabo Verde constituem países irmanados por uma história intercruzada, considerando o factum colonial, donde emerge uma historicidade de movimentos, contatos, partilhas, influências com grande valor e impacto na trajetória de ambas as realidades socioculturais. Acompanhando a dinâmica e as vicissitudes coloniais, os intercâmbios entre Cabo Verde e Brasil têm contemplado diversas dimensões, gerando influências e similitudes profundas, sobretudo no plano das manifestações culturais. Pereira (2011: 29) destaca, a este propósito, a “implantação e desenvolvimento do carnaval da cidade do Mindelo”, a música e a literatura cabo-verdianas como campos onde se verifica grande influência de autores do nordeste do Brasil. Entretanto, a compreensão, o reconhecimento e valorização destas aproximações e similitudes por parte do Brasil, nem sempre tem correspondido à expectativa cabo-verdiana. A polémica gerada na interpretação e análise da realidade identitária cultural cabo-verdiana por Freyre (1953) e a consequente reação da elite intelectual cabo-verdiana é disto um exemplo (cf. Pereira, 2011)1. Considerando a diversidade e o dinamismo que encerra toda a cultura, graças à rede humana e relacional que a mantém viva, torna-se, portanto, necessário aprofundar o diálogo intercultural Cabo Verde-Brasil, fundamentado na compreensão das suas culturas como realidades históricas e intersubjetivas.

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O autor retrata a polémica gerada pela descrição da realidade cabo-verdiana por Gilberto Freyre na sua obra Aventura e Rotina (1953), bem como a subsequente reação de intelectuais cabo-verdianos, com destaque para as posições críticas de Baltazar Lopes da Silva, pu blicadas em diversas edições do Boletim de Propaganda e Informação (1956).

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Neste propósito, a CAPES-AULP, em cujo programa se insere o presente projeto, tem sido uma parceira importante. Tendo como foco a cooperação e o intercâmbio intercultural e académico entre os PALOP, esta instituição tem contribuído no reforço da pesquisa científica e da formação académica entre países e regiões de língua oficial portuguesa. Por outro lado, a “aldeia global”, facilitada pelas TIC e pelo incremento da mobilidade, podem ser encarados, no contexto atual, como oportunidades de alargamento do conhecimento mútuo, convertendo redes de comunicação em vias de diálogo, de educação, da pesquisa favorecendo a compreensão intercultural. E o mar que os une (Cabo Verde e Brasil) constitui para além de uma ponte natural, uma fonte inspiradora e potenciadora de novas travessias atlânticas, cognitivas e criativas, promotoras do intercâmbio cultural, científico, educativo e de parcerias para um desenvolvimento sociocultural mais inclusivo.

Cabo Verde-Brasil – a pertinência de um novo reencontro De acordo com Pereira (2011: 28), “simbolicamente, (...), as relações entre Cabo Verde e Brasil, antes de acontecerem já existiam”, reme tendo-nos ao tratado de Tordesilhas que toma como referência o arquipélago e, bem assim, ao facto de que Pedro Álvares Cabral, na sua viagem que veio a culminar com a descoberta do Brasil em 1500, ter efetuado uma paragem em Cabo Verde, nomeadamente na ilha de S. Nicolau, onde abasteceu-se de águas e frescos. Com o início da colonização do Brasil, as relações com Cabo Verde ganham corpo e dinâmica, contemplando diversas dimensões, nomeadamente a humana, o mundo das plantas e animais, bem como a dimensão administrativa. Enquanto, entreposto mais diretamente ligado ao comércio triangular, foi através de Cabo Verde que chegou ao Brasil uma grande parte da sua população afrodescendente que, trazida da costa ocidental africana escravizada, era em boa medida ladinizada na ilha de Santiago, (aprendizagem da catequese, do crioulo e das primeiras letras), antes da sua partida para a travessia do Atlântico. Foi, igualmente, através de Cabo Verde, após habituação ao seu clima tropical, que se introduziu no Brasil as palmeiras da Índia, a cana-de-açúcar de Madeira, o arroz e o inhame africanos, bem como animais como a vaca, a ovelha, a cabra. (Albuquerque e Santos, 2001; Pereira, 2011; Correia e Silva, 2004). Do Brasil chegou a Cabo Verde, o milho-maís e os feijões que se adaptaram tão bem ao contexto climático cabo-verdiano. Especialmente em relação ao milho vale destacar que este, para além de se ter tornado o _____ 68


principal ingrediente da dieta alimentar cabo-verdiana, significando “comida, pão, fartura”, é detentor de um forte simbolismo que marca de forma indelével o modo de ser e estar do cabo-verdiano. A este propósito são bastante elucidativas as palavras de Veiga (1998, p. 69): A indigência ou riqueza das festas de “guarda-cabeça”, de batizado, de casamento, dos funerais […] A indigência ou exuberância das idas às igrejas aos domingos, da hospitalidade, das rixas, do relacionamento entre os vizinhos […] A exuberância ou riqueza do quotidiano e do irreversível peso do destino sobre os Homens. O ficar ou o partir. Tudo tem, em Cabo Verde o peso do milho, enquanto símbolo da fertilidade da terra. Outrossim, sob a égide da mesma potência colonizadora, os modelos administrativos coloniais tiveram seus ensaios nas ilhas de Cabo Verde, sendo posteriormente transplantados para o Brasil. “Cabo Verde foi a primeira sociedade crioula e escravocrata do Atlântico e foi tendo a sua experiência como modelo que se fundaram outras sociedades como a Santomense, Hispaniola […], depois a Brasileira” (Correia e Silva, 2004, p. 66).

Entretanto, aquilo que não era possível fazer-se em Cabo Verde (monocultura extensiva, grandes explorações, etc.) conseguiu-se implementar no Brasil, mediante experimentos e ensaios feitos no arquipélago. Tudo isto justifica a tese de que Brasil é de facto um “pedação de Cabo Verde” (Pereira, 2011), ou, nas palavras de Correia e Silva, “Cabo Verde é a irmã mais velha do Brasil” contradizendo a tese Gilbertiana que atribui tal estatuto à Madeira. Todavia, se é verdade que essas duas realidades socioculturais tiveram na base muitas semelhanças (a mesma potência colonizadora, a implantação de um sistema socioeconômico escravocrata, a miscigenação intensa entre a cultura afro e a europeia, não é menos verdade que os contextos distintos onde processaram suas configurações culturais, integrando tantos outros elementos e relações diferenciadores (dimensão, condicionalismos naturais e geoclimáticas, população indígena, experiências migratórias, socioeconômica, política, cultural, etc.), produziram sínteses culturais diferentes, considerando o processo e a dinâmica inerentes à autoorganização. A Teoria de auto-organização remete-nos para a compreensão dos sistemas vivos (como a natureza, a vida as sociedades e culturas) enquanto sistemas abertos, com uma dinâmica própria, emergente da interação entre suas diferentes partes, gerando padrões de comportamentos não previsíveis e propriedades emergentes. Neste contexto, Debrun, um dos eminentes estudiosos desta teoria e que a aproxima enquanto modelo epistemológico inter e transdisciplinar no estudo da identidade cultural brasileira, destaca que: _____ 69


Há auto-organização cada vez que o advento ou a restruturação de uma forma ao longo de um processo se deve principalmente ao próprio processo e às características nele intrínsecas e só em menor grau as suas condições de partida, ao intercâmbio com o ambiente ou a presença eventual de uma instância supervisora. (Debrun, 2009, P. 54).

De fato, o quadro conceptual da auto-organização contribui para a superação do pensamento linear e reducionista na compreensão dos objetos científicos, colocando em seu lugar, o pensamento sistémico, assente nos princípios da complexidade, instabilidade e intersubjetividade, integrando os sujeitos e os contextos na compreensão da realidade. Uma compreensão da aproximação e diferença na diversidade entre Cabo Verde e Brasil foi expressada teluricamente por Jorge Barbosa no seu poema “Você Brasil”, cujo um extrato não resistimos em integrar aqui: Eu gosto, de Você, Brasil. Você é parecido com a minha terra. O que é é tudo e à grande E tudo aqui é em ponto mais pequeno [...] Eu desejava ir-lhe fazer uma visita mas isso é coisa impossível. [….] Você, Brasil, é parecido com a minha terra, as secas do Ceará são as nossas estiagens, com a mesma intensidade de dramas e renúncias. Mas há no entanto uma diferença: é que os seus retirantes têm léguas sem conta para fugir dos flagelos, ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem porque seria para se afogarem no mar...

No Fórum Brasil-África, realizado na cidade de Fortaleza, Brasil, em junho de 2003, o então Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, no seu discurso oficial, alertou para o facto de as duas realidades, Brasil e África, não se conhecerem o suficiente, apesar de um relacionamento secular existente entre ambas, sublinhando que “a construção de um relacionamento frutuoso e mutuamente vantajoso implica, antes de tudo no conhecimento do outro. ” Diríamos que tais constatações sobre a relação Brasil – África continuam válidas e se aplicam invariavelmente também numa perspectiva Cabo Verde – Brasil. Nesta base, necessário se torna superar uma orientação tradicionalista nas relações e na comunicação intercultural e promover uma orientação mais aberta na percepção das culturas, reconhecen_____ 70


do a interação entre elas e o sincretismo daí resultante. Esta é a base para se potenciar um verdadeiro diálogo intercultural especificamente no contexto da CPLP, implicando a compreensão das nossas culturas como realidades históricas e intersubjetivas e o reconhecimento da diversidade e do dinamismo que encerra toda a cultura, graças à rede humana e relacional que a mantém viva. A cultura pode ser assim concebida como uma chave para uma maior e mais profunda comunicação entre os nossos povos irmãos. Efetivamente, a análise, exploração e compreensão dos objetos culturais favorecem uma compreensão mais profunda das nossas relações, semelhanças e diferenças. Baseando-se na hermenêutica decifradora de Ricoeur esta posição é defendida por Batista (2008) que, nesta linha, afirma que os objetos culturais ao serem constituídos através de mitos, metáforas e símbolos, constituem uma fonte inesgotável de sentidos, abrindo as portas para a compreensão e o diálogo de culturas. E assim, a comunicação intercultural emerge, “[…] não como mera tradução, mas propriamente recriação, requerendo, de cada sujeito, um olhar (re)criador e culturalmente reprodutor. Com efeito, a comunicação exige [...] imaginação produtora [...] e interpretação (Baptista, 2008: 174). No que diz respeito à concepção da interculturalidade não como uma questão meramente de tradução, mas sim de “comunicação e possível fecundação mútua” Panikkar (2002) apresenta algumas condições e também constrangimentos para o estabelecimento do diálogo intercultural. Segundo o mesmo, o importante da interculturalidade é o diálogo, sendo o homem um ser dialogal. Entretanto, este diálogo, base da interculturalidade, deve ser um diálogo dialogal que distingue do dialético na medida em que não busca convencer o outro, isto é, “vencer dialécticamente al interlocutor.” Afirma, neste sentido, que: El terreno del dialogo dialogal no es la arena lógica de la batalla entre ideas, se no más bien el ágora espiritual del encuentro entre dos seres que hablan, escuchan e que esperamos son conscientes de ser en realidad algo más que “máquinas pensantes” […]. Podemos bajar a la arena, pero deberíamos mantener una invitación permanente al ágora e no quedar atrapados en la mera dialéctica (Panikkar, 2002, p. 36).

Neste contexto, o autor critica a ideia muito estendida no ocidente que afirma que as culturas e linguagem ocidentais especialmente em inglês estariam mais preparadas para o diálogo intercultural. A este propósito, alerta-nos, por um lado, que a existência de desigualdades deve ser considerada […] acicate para corrigir el desequilíbrio en vez de perpetualo com la excusa de la eficiencia e, por outro, desafia-nos a uma maior consciência intercultural capaz de enfrentar aquilo que ele designa _____ 71


como “el pensamiento único del sistema“[…] de la aldea global, de la dictadura de la globalizacion,” em vez de reproduzi-lo (Panikkar, 2002, p. 40).

Pela via da cooperação e do intercâmbio acadêmico e cultural, da investigação e do debate, acreditamos possível colmatar o défice de conhecimento e estreitar do diálogo intercultural reflexivo entre os nossos dois povos. É o que a Universidade Estadual de Campinas/Brasil e a Universidade Jean Piaget de Cabo Verde procuram desenvolver em atividades iniciadas desde 2013, no âmbito do projeto intitulado “Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades de pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo digital: web indígena, bibliotecas digitais e Educação”, celebrado entre estas duas universidades desde 2013, cujo escopo é objeto da nossa análise e apreciação neste artigo.

Refazendo pontes com o projeto Brasil Cabo Verde: limites e possibilidades de pesquisa entre países, sob a perspetiva do multilinguismo no mundo digital No período pós-colonial as relações entre Cabo Verde e Brasil vem-se intensificando e fortalecendo no âmbito da cooperação internacional, decorrente de uma vontade e intencionalidade crescentes em promover o estreitamento destas relações, nos mais variados domínios do desenvolvimento. Focalizando o campo educativo torna-se fundamental destacar a colaboração do Brasil no âmbito da formação superior de quadros caboverdianos indispensáveis à reconstrução do país no pós-independência. Conforme destacam, Mazza, Oliveira e Spigolon (2016), a mobilidade estudantil foi a porta de entrada para a cooperação no campo educacional entre Brasil e Cabo Verde, apontando o Programa Estudante-Convénio (PEC-G e PEC-PG) que existe desde as primeiras décadas do século XX, como a responsável pela criação de programas de cooperação académica internacional com o objetivo de fomentar grupos de pesquisa e o intercâmbio entre pesquisadores e estudantes. Mais recentemente, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) bem como outras instituições brasileiras de fomento e promoção do ensino superior e da mobilidade acadêmica vem proporcionando oportunidades diversas de formação, intercâmbio acadêmico, científico e cultural, numa abertura progressiva a países africanos. O projeto Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades de pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multiculturalismo no Mundo Digital: Web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta celebrado entre as _____ 72


Universidades Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Jean Piaget de Cabo Verde (UniPiaget) tem como foco aproximações entre estas duas instituições e as realidades socioculturais onde se inserem, por meio do encontro de pesquisadores, estudantes e professores, rompendo [...] fronteiras geográficas e paradigmas políticos para que a partir dos diálogos e das experiências colectivas possam ocorrer ressignificações, compartilhamentos e intercâmbios sobre os eixos temáticos que perpassam o referido Projeto/Acordo. (Mazza, Oliveira e Spigolon, 2016, p. 7).

Conforme o documento original, apresentado à CAPES, o projeto contempla os seguintes objetivos: Promover a cooperação e o intercâmbio intercultural académico na grande área de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), Educação, Linguística e Cultura por meio da associação entre a Universidade Jean Piaget e a Universidade Estadual de Campinas, em rede, com os programas a que se acham vinculados os pesquisadores, professores e estudantes que compõem as equipes brasileiras e cabo-verdianas; […] desenvolver pesquisas sobre os modos de como se articulam os processos de Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta, bem como os entrecruzamentos das realidades, sociedades; […] promover o intercâmbio de pesquisadores, docentes e discentes brasileiros e cabo-verdianos, visando a formação de recursos humanos bem qualificados e à internacionalização dos programas de pós-graduação e graduação. (Projeto submetido à CAPES).

Ainda, segundo o mesmo documento do projeto, este almeja os seguintes resultados: Resultado I: Conceitualização e planificação do projeto: nesta fase faz-se a delimitação conceitual entre os termos “conhecimento”, "língua", “acesso”, “práticas culturais”, “valor”, “autoria”, "território". Resultado II: Identificação dos modos comuns de investir em democratização do acesso à informação, de forma a permitir o intercâmbio de informações entre diferentes culturas e nossas instituições. Construção e disponibilização de uma coleção digital com obras de interesses comum e com os trabalhos dos colegas ligados ao tema. Transferência tecnológica do resultado alcançado através de minicursos e manuais disponibilizados gratuitamente online. Resultado III: Apresentação de resultados preliminares em seminários locais e regionais, em jornadas científicas, nas aulas e outros espaços locais e provinciais; relatório parcial e artigos publicados em livro organizado por ambas universidades. _____ 73


Resultado IV: Participação de pesquisadores na organização e execução de um Congresso sobre “Acesso à Cultura e ao Conhecimento ”. Relatório final e publicação de artigos. Resultado V: Formação de quatro (4) candidatos com o nível de doutoramento em temáticas relacionadas com a Ciência da Computação e Multilinguismo no Mundo Digital de ambas universidades. (Fonte: Projeto submetido à CAPES. O negrito é nosso.) Como se pode ver, este projeto tem a sua lógica fundada nos princípios da preservação cultural, do compartilhamento, da pesquisa e da formação “considerando a educação como recurso que proporciona reflexão entre a teoria e a prática” (Spigolon, 2014). Através do mesmo procura-se, igualmente, instalar nas instituições académicas um criticismo epistemológico, apoiando a criação de grupos de pesquisas para promover a reflexão que permitirá: (i) A integração de culturas locais na construção de conhecimento no meio académico; (ii) a troca de informações e criar um conhecimento colaborativo através da cultura digital nas universidades parceiras; (iii) formar indivíduos para serem capazes de integrar os valores locais e a visão local sobre o mundo nas práticas académicas (iv) promover o paradigma de conhecimento da sociedade através da cultura digital. A análise que a seguir apresentamos pretende dar conta desta experiência de cooperação académica, científica e cultural, identificando ganhos, dificuldades e possibilidades de continuidade e alargamento do mesmo.

Uma perspectiva da coordenação da equipe caboverdiana sobre o trabalho desenvolvido até o momento entre a UniPiaget e a Unicamp Orientação metodológica Em termos metodológicos o presente trabalho integra-se nos estudos descritivos e interpretativos, recorrendo as diversas fontes quais sejam as bibliográficas, documentais, a observação e notas de campo, os processos conversacionais, enquanto modos relevantes de obtenção dos dados. A análise interpretativa dos dados, estratégia privilegiada nesse estudo, ligase, pelo seu historial, a trabalhos etnográficos e associam-se à abordagem metodológica qualitativa. Esta orientação metodológica nos processos de investigação emergiu, num contexto de busca de superação das limitações da abordagem quantitativa nos estudos das situações sociais e dos comportamentos humanos, associada primordialmente ao desenvolvimento das ciências antropológicas, nomeadamente da etnografia e da antropolo_____ 74


gia social e cultural. Assenta em processos de observação naturalista dos contextos, considerando o investigador com a sua experiência, seu conhecimento e sua sensibilidade, um instrumento primordial de pesquisa. Neste contexto, os métodos “conversacionais”, tais como os descreve González Rey (2007, p. 32), ganham também relevância na medida em que “permiten al investigador “descentrarse del lugar central de las preguntas para integrarse en una dinámica de conversación […] responsable de la producción de un tejido de información que implique con naturalidad y autenticidad a los participantes”. É, partindo destes pressupostos, de orientamos o presente estudo, corroborando Lessard-Herbert, Goyette e Boutin, (2005), quando defendem que a investigação científica não se reduz a um conjunto de procedimentos lineares, mas sim num todo articulado, afirmando que, subjacente a uma multiplicidade de procedimentos, apercebe-se uma unidade. Inscrito nas travessias do Atlântico proporcionadas pelas CAPESAULP no âmbito deste projeto, o trabalho realizado configura em rotas de diálogo entre percursos acadêmicos, e profissionais e projetos políticopedagógicos diferenciados, veiculados pelos professores/pesquisadores e estudantes envolvidos e pelos territórios de acolhimento, na sua dinâmica e interação com a academia. O quadro abaixo retrata, justamente esta mobilidade registrando nele os participantes de ambas as Universidades. Quadro 1 – Registro de participantes Participante

Categoria

Universidade de origem

Universidade de destino

Data do intercâmbio

Nima Spigolon

Docente

Unicamp

UniPiaget

Saidu Bangura

Docente

UniPiaget

Unicamp

Fevereiro de 2012 Março de 2014

Evandro Fonseca

Docente

UniPiaget

Unicamp

Março de 2014

Cláudia Wanderley Rosana Meneses

Docente

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2014

Estudante

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2014

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2014

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2014

UniPiaget

Unicamp

UniPiaget

Unicamp

Janeiro/fevereiro 2015 Fevereiro-Junho, 2015

Lucas Dall’Ava Estudante do IEL Stephânia F. Estudante Silva Gertrudes de Docente Oliveira Oryana Silva Estudante

Continua _____ 75


Quadro 1 – Registro de participantes Conclusão Participante

Categoria

Universidade de origem

Universidade de destino

Data do intercâmbio

Danielen Silva

Estudante

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2015

Beatriz Torres

Estudante

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2015

Débora Mazza

Professora

Unicamp

UniPiaget

Maio de 2015

Retomamos aqui, parte do questionamento colocado por Mazza, Silva e Spigolon em trabalho anterior desenvolvido no âmbito do projeto e já citado anteriormente: “As atividades realizadas implicam (implicaram) adaptações e provocam (provocaram) rupturas com a formação docente? São estabelecidas outras relações com outros lugares? Como as travessias afetam a visão de mundo e de Brasil/Cabo Verde? Resumindo, qual tem sido o impacto deste projeto nos sujeitos, instituições e territórios envolvidos e, bem assim, nas redes relacionais a que se encontram vinculadas no seu fazer profissional? A partir de uma reflexão e interpretação sustentada nos estudos, partilhas e oportunidades de diálogo que este projeto propiciou a nós e aos colegas integrantes estruturamos a nossa análise em quatro níveis: (i) Pesquisa, eventos e partilha de saberes; (ii) Extensão universitária (iii) educação aberta formal, informal e não formal (iv) Internacionalização.

Pesquisa, eventos e partilha de saberes Sendo a mobilidade, a dimensão estruturante deste projeto, ela tem propiciado a organização de diversos eventos académicos e culturais dos dois lados do Atlântico, o desenvolvimento da pesquisa e publicação de alguns trabalhos conjuntos, de que esta obra é mais um elemento. Em nível dos eventos destacam-se (i) o Fórum Cabo Verde e Brasil: Primeiras Aproximações, realizado em 2014 na Unicamp e que contou com a participação dos docentes Saidu Bangura e Evandro Neves Fonseca, da Universidade Jean Piaget, tendo sido discutidas questões como multilinguismo, multiculturalismo e cultura digital; (ii) as jornadas reflexivas de 11 a 13 de Fevereiro de 2015, (Campinas), tendo como principal objetivo a apresentação e discussão preliminar dos trabalhos em curso, e que contou com a nossa participação na qualidade de docente da UniPiaget integrada no projeto; (iii) as jornadas sobre Políticas Públicas para diversidade e inclusão, realizadas na UniPiaget, em Maio de 2015, e que contaram com a participação da professora Débora Mazza e das estudantes Danielen Silva _____ 76


e Beatriz Torres, todas da Unicamp; (iv) a Conferência Multilinguismo e Multiculturalismo no Mundo digital, em que participamos, ao lado da Unicamp, coordenando uma equipe constituída por docentes da UniPiaget e apresentamos reflexões pertinentes sobre a representação da cultura cabo-verdiana no mundo digital, entre outros. No que tange à pesquisa destaca-se a nossa participação na produção do Dossier Migrações Internas e Internacionais e Educação, organizado pela Prof.ª Dra. Débora Mazza e a participação no congresso História da África organizado pela Universidade de Santiago (Cabo Verde) com um artigo intitulado Travessias do Atlântico – Brasil e Cabo Verde em diálogo com o Projeto/Acordo CAPES-AULP, feito a várias mãos entre três professoras/pesquisadoras integrantes do projeto – a Prof.ª Dra. Débora Mazza, a Prof.ª Dra. Nima Spigolon, ambas da Unicamp e a Prof.ª Dra. Gertrudes Oliveira da UniPiaget.

Extensão universitária As idas e vindas têm proporcionado, igualmente um contato com dimensões fundamentais dos trabalhos de extensão universitária das duas instituições envolvidas. Neste contexto, vale destacar a experiência da Unicamp e mais concretamente da pesquisadora Claudia Wanderley, atual coordenadora da equipe brasileira do projeto, com os grupos que lidam e procuram resgatar/preservar/valorizar as culturas tradicionais e heranças ancestrais da cultura afro-brasileira, bem como a representação dos saberes locais na academia. Da nossa Missão à Unicamp destacamos: (i) O encontro com o grupo de recuperação da cultura Afro da Fazenda Roseira, onde tivemos a oportunidade de observar a forma como grupos locais estão recuperando as manifestações culturais de matrizes africanas, bem como conhecer políticas de incentivo à valorização da cultura como fator de coesão e integração social. Como sabemos a sociedade e cultura brasileiras resultam de um processo de intercâmbios e simbioses com várias matrizes. Reconhece-se que a matriz africana, embora sujeita a processo de silenciamento e apagamento durante séculos por parte do sistema colonial e das elites dominantes, tenha resistido e desempenhado um papel importante, na configuração do panorama cultural brasileiro. Assim, o grupo da Casa de Cultura Afro Fazenda Roseira, trabalhando com a ancestralidade, procura a sua preservação, visibilidade e valorização com destaque para a preser_____ 77


vação do Jongo2. A fazenda Roseira cujo edifício fora uma Casa Grande, um símbolo do passado colonial escravocrata desta região de Campinas ligado à cultura do café, tornou-se hoje num espaço de memória, de resistência, de celebração da cultura afro e de reflexão identitária. O diálogo entre a Casa da cultura Fazenda Roseira e a Unicamp insere-se numa lógica de valorização da diversidade cultural, extensão universitária, diálogo intercultural e cultura digital. Reconhecese que o importante é a valorização e o diálogo, com vista ao fortalecimento da diversidade cultural, ao abrigo dos seguintes documentos: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Plano Nacional da Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR), Mapa da População Negra IBGE 2000, Plano Nacional de Implementação da Lei 10639/2003, Estatuto da Igualdade Racial. No âmbito da nossa presença na casa da cultura Afro Fazenda Roseira dinamizamos uma palestra/debate sobre o tema Cultura e Educação no pós-independência, em Cabo Verde. Foi um diálogo muito participativo onde se discutiu as raízes africanas das nossas culturas irmãs, o sentido plural das nossas identidades, a resiliência dos nossos ancestrais, a memória, cidadania e liberdade, com uma comunidade muito motivada em conhecer e valorizar a sua história. O grupo de cultura Afro pretende um intercâmbio com as Batucadeiras e os Rebelados da ilha Santiago, Cabo Verde. (ii) A visita ao festival Balaio das Águas (2015). Nesta visita, pudemos observar como a comunidade apropria-se dos valores locais herdados e reconstruídos a partir da vivência quotidiana, organizando eventos culturais que permitem a valorização e a promoção destes valores. Vários grupos musicais apresentaram os seus trabalhos: a capoeira nas suas variadas modalidades, o YaYá-Samba, e o Jongo. Foi um momento de encontro entre manifestações culturais que se regozijam fraternalmente. (iii) A visita ao Instituto Baobá – Ibaô) Foi um diálogo instigante, onde a líder comunitária Alessandra Gama partilhou conosco a forma como foram organizando e percebendo o trabalho comunitário, assentando-o em va2

De acordo com a líder comunitária, Alessandra Ribeiro que é também historiadora, o Jongo terá semelhanças com uma manifestação cultural de Angola trazida pelos escravos de origem Bantu, embora tenha alterado o significado ao reunir aqui outros elementos no bojo das interacções socio-comunicativas havidas.

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lores ligados à solidariedade, harmonia e sustentabilidade ambiental, amizade que acreditam serem parte das suas identidades de matriz africana. Assim, paulatinamente o grupo vem sensibilizando a comunidade à participação e cidadania e, sobretudo, vem recuperando e valorizando a memória coletiva feita de vivências, tradições, dimensões culturais, muitas vezes invisíveis ou silenciadas pelo tempo. Um trabalho de consciencialização, resgate, registo, inventário, valorização, promoção e intercâmbio foi descrito com muito entusiasmo, pela líder que procura conciliar vida académica, ativismo social, educação social e pesquisa cultural. Neste encontro surgiu a ideia de se potenciar um intercâmbio com estudantes dos cursos de Ciências Humanas da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde e associações de desenvolvimento comunitário de Cabo Verde no sentido da fomentar a aprendizagem e valorização do conhecimento mútuo e das culturas locais, educação social e comunitária e desenvolvimento sustentável. A construção de uma " plataforma colaborativa online de património cultural imaterial, “Uma ferramenta de autonomia: mapeamento cultural através do inventário como forma de registro” (como diz Mayara Rodrigues, aluna da Unicamp e também membro do Ibaô) também consta dos resultados que pretendemos conseguir.

Educação aberta formal, informal e não formal Através das idas e vindas tem sido possível, igualmente, uma aproximação e intervenção educativas junto a comunidades, escolas, associações, numa perspectiva de apoiar a reflexão adentrando numa epistemologia crítica que considere os contextos como portadores de saberes e questionamentos que desafiam e enriquecem abordagens acadêmicas já sistematizadas. Sobretudo os estudantes da Unicamp que têm participado nestas deslocações a UniPiaget, têm dado um contributo importante em várias escolas e associações locais onde destacamos igualmente a vivência com a comunidade dos Rebelados de Espinho Branco, Ilha de Santigo pela Rosana Meneses, doutoranda na Unicamp e integrante do Projeto.

Internacionalização Esta dimensão é uma construção, um projeto. A possibilidade de participação em programas de Pós-Graduação conjuntos envolvendo docentes e estudantes de ambas as realidades depara-se, na prática, com uma _____ 79


série de constrangimentos, donde destacamos as financeiras. Entretanto, tem sido tema discutido e o debate aponta caminhos para a sua promoção.

Considerações Finais As mudanças sociais do final do século XX, relacionadas sobretudo com os progressos tecnológicos em nível de comunicação configuram uma nova estrutura social, marcada pela presença e o funcionamento de um sistema de redes interligadas. Esta sociedade em rede (Castellls, 1999) implica pensar a relação entre as instituições de ensino superior neste contexto de mudanças e transformações tecnológicas. O projeto Brasil - Cabo Verde Limites e possibilidades de pesquisa, sob a perspectiva do multilinguismo no mundo digital constitui uma iniciativa relevante neste sentido, irmanando duas universidades de países irmãos como a Unicamp do Brasil e a UniPiaget de Cabo Verde, fomentando a relação entre os seus docentes e discentes e com as próprias sociedades onde se inserem. Esboçando, considerações a partir dos questionamentos formulados, diríamos que os diálogos e compartilhamentos propiciados no âmbito do projeto em análise tem impactado a dinâmica acadêmica e científica nas duas universidades, com reflexos no aprofundamento teórico-conceitual e metodológico dos participantes, a integração de novas abordagens na análise da realidade, nomeadamente o enfoque nas metodologias qualitativas, a epistemologia crítica e a auto-organização. Tudo isto vem contribuindo para ampliar as fronteiras do conhecimento mútuo e o desenvolvimento de um modus operandi que paulatinamente vem consubstanciando em áreas de interesse teórico-práticos partilhados, uma base indispensável para a emergência de grupos de pesquisas que reúnem pesquisadores docentes e discentes de ambas as instituições. Importa, neste propósito, referir que durante a nossa missão à Unicamp pudemos observar as atividades de extensão universitária, dialogando e intercambiando conhecimentos e experiências com organizações locais de desenvolvimento e promoção cultural e, como a autarquia local de Campinas, em articulação com o Ministério da Cultura, vem apoiando o empoderamento das associações culturais. As associações por nós visitadas evidenciaram organização e liderança comunitária. Destacamos, igualmente, a partir da nossa observação, o trabalho de resgate, registro e valorização das culturas locais de matriz afro. Assim, consideramos que a nossa experiência de intercâmbio com a Unicamp foi muito proveitosa e auguramos a continuidade deste projeto. A experiência que tivemos através deste intercâmbio reforçou em nós a ideia cada vez mais premente de pensar as culturas como realidades abertas e dinâmicas de modo a podemos chegar a uma visão mais realista das mesmas e reconhecendo o pluralismo que elas integram. _____ 80


As universidades, por meio dos seus eixos Ensino, Investigação, Extensão e Intervenção, ao se aproximarem dos contextos sociais e territoriais locais conseguem promover uma atuação mais complexa e inclusiva na reconstrução dos saberes, valorizando o diálogo dialogal e a comunicação intercultural, com vista a uma educação mais inclusiva e sustentável. Por meio desta parceria com a Unicamp sentimos desafiados a incentivar a criação de um centro de pesquisa e extensão ligada à Unidade de Ciências Humanas, Sociais e Artes, que, neste momento, já existe e funciona, integrando um grupo de docentes e discentes. A partir das travessias e do intercâmbio delas resultante pode-se constatar a grande vontade de ambas as partes na consecução dos resultados previstos e no alargamento das esferas de colaboração. Entretanto, subsistem desafios a serem vencidos de modo a tornar mais efetiva esta colaboração, envolvendo de uma forma mais intensa as nossas instituições e a sua relação com os contextos. Nesta linha, corroboramos a posição de Cláudia Wanderley, pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) e uma das integrantes do projeto que, num artigo publicado na Página da Unicamp Nº 602 em agosto de 2014, fala que a colaboração entre Pesquisadores da Unicamp e da UniPiaget, no âmbito do projeto em análise, tem trazido muito ganhos, destacando, entretanto, que o maior entrave talvez esteja na ainda incipiente colaboração entre o Brasil e os países africanos: “Quando se fala em cooperação e intercâmbio, imediatamente as pessoas pensam em Europa e Estados Unidos como parceiros preferenciais”. E remata “esse é um limite da nossa tradição acadêmica que precisa ser superado”. Julgamos que esta sutil herança colonial se faz presente, também, em boa medida, em Cabo Verde. Assim, consideramos que a abertura proporcionada no quadro deste projeto constitui um passo e uma experiência relevante para uma desconstrução e uma reconstrução mais inclusiva e intercultural das relações pessoais, acadêmicas e científicas entre os nossos países irmãos, a CPLP, o continente africano de que Cabo Verde faz parte e o Hemisfério sul, de uma forma geral.

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V

A Experiência em Cabo Verde Lucas Manca Dal'Ava A experiência em Cabo Verde, como aluno e pesquisador participante do Programa Pró-Mobilidade Internacional CAPES/AULP e do projeto “Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta” orientado pelo professor doutor Wilmar da Rocha D’Angelis e co-orientado pela professora doutora Claudia Wanderley e pelo professor Saidu Bangura, me garantiu a oportunidade de explorar o contexto linguístico e a formação da identidade cabo verdiana, pude compreender que a formação da língua crioula cabo verdiana tem aspectos sociolinguísticos evidentes que justificam os resultados observados em campo no ano de 2014, proporcionando contribuições suficientes para inter-relacionar as culturas (brasileira e cabo verdiana) separadas apenas por um oceano. Os aspectos sociais, por vezes não levantados em pesquisas de campo, são partes essenciais da formação da identidade de um povo, região e nação. As histórias que abordam as origens de Cabo Verde contemplam a riqueza da miscigenação de culturas no arquipélago, afinal, as dez ilhas eram inabitadas ou, pelo menos, sem uma sociedade ou comunidade estável até a presença portuguesa em 1460. A história das ilhas está na literatura cabo verdiana, descrita em poesias e poemas, os períodos de descobrimento e começo de uma grande miscigenação que remete à história atual de uma nação orgulhosa de suas conquistas e independência. No poema Prelúdio do poeta Jorge Barbosa, considerado o pioneiro da moderna poesia cabo verdiana, observamos as histórias do arquipélago sendo contadas na literatura com orgulho e ênfase na miscigenação: “Quando o descobridor chegou à primeira ilha Nem homens nus Nem mulheres nuas Espreitando Inocentes e medrosos Detrás da vegetação... Quando o descobridor chegou E saltou da proa do escaler varado Receoso ainda e surpreso Pensando n’El-Rei Nessa hora então _____ 85


Nessa hora inicial Começou a cumprir-se Este destino de todos nós”. (BARBOSA, J. (2002). Poemas Panorama. Prelúdio, Obra Poética, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda).

Em trabalho de campo fica evidente que os cabo verdianos se identificam como um povo único e com uma cultura única, pois, assim como afirmado pelo ex-ministro da cultura, Manuel Veiga, em entrevista realizada em 2014 para o projeto de pesquisa CAPES/AULP, “o cabo verdiano faz parte de um contexto histórico muito específico que resultou da identidade cultural miscigenada entre o povo africano, europeu e brasileiro”. O cabo verdiano está na intersecção de cultura africana e cultura ocidental, sendo capaz de ser reconhecido pela própria cultura em qualquer lugar do mundo. Cabe aqui, que cada ilha de Cabo Verde se trata de um complexo histórico e cultural individual rico, podendo, as ilhas, serem compreendidas em suas formações de forma individual, contudo me mantive nos aspectos que unem todas as ilhas culturalmente, pois já pude encontrar aprofundamentos teóricos ainda não explorados ainda nos aspectos macro. A miscigenação cabo verdiana vai além de África e Europa (Portugal), a cultura moderna também tem influências da cultura brasileira, e esse fator pôde ser observado quando frequentados os mercados, lojas, feiras, bancas de jornal e museus da capital Praia, pois, observa-se que desde as tendências da moda cabo verdiana de vestimentas e até mesmo os estilos de escrita e de produção jornalística possuem fatores semelhantes ou próximos às tendências brasileiras. O orgulho de ser cabo verdiano resulta dos confrontos e reencontros dos dois importantes instrumentos de comunicação: a Língua cabo verdiana, que emergiu do gênio criador do povo e a Língua Portuguesa que, em uma determinada fase, começou por ser imposta e que agora está sendo assumida como um espaço complementar na formação e atualização do ser cabo verdiano no mundo. O orgulho cabo verdiano é responsável pela libertação e prosperidade na história do arquipélago. O orgulho da crioulidade tornou-se responsável pela intimidação dos exploradores e se popularizou nos tempos modernos após séculos de luta pela independência. O orgulho cabo verdiano é diferente, da mesma forma que a construção do bilinguismo no país se deu de uma forma diferente, pois, sem que o português desaparecesse, surgiu uma língua mestiça com uma estrutura autônoma e com uma vivacidade, em termos de informalidade comunicativa, que ultrapassa a do português, o orgulho cabo verdiano é prole da miscigenação e reconhecimento de uma história enriquecedora imersa no contexto impositivo de uma elite branca europeia em contraste com as _____ 86


frentes libertárias crioulas que cresceram durante a história da independência cabo verdiana. É diferente, pois concerne que toda a história é motivo de orgulho, sem vírgulas ou relevos para camuflar qualquer aspecto, o cabo verdiano absorve sua história de acordo com o contexto que ela foi se moldando. O orgulho cabo verdiano é o orgulho ideal, de saber toda a história, retratar ela na literatura, ensinar nas escolas e nas culturas familiares, compreender que a história de sua nação merece ser destacada pelos contornos percorridos na história. O cabo verdiano se identifica como mestiço de origem, de tal forma que seu processo pode ser estudado como um sistema de formação social que se operou mais por uma africanização do europeu do que por uma europeização do africano. Neste contexto sobre mestiçagem cabo verdiana, podemos abordar o termo transculturação usado por professores e pesquisadores cabo verdianos. A mestiçagem cabo verdiana não foi, não é e nem será uma dádiva, ela foi fruto de uma transculturação, de uma síntese que perdura e vai perdurar. Nessa transculturação perfilaram o mundo lusitano e o mundo africano, mas hoje, a transculturação é entre crioulidade e a diversidade mundial. Cabo Verde e Brasil estabelecem intercâmbios culturais evidentes. Em minha experiência como pesquisador em Cabo Verde, por exemplo, durante um mês pude observar alunos da universidade de Jean Piaget que queriam consumir produtos brasileiros, pois tinham visto em novelas e comerciais, como chinelos da marca Havaianas e guaraná Antarctica, ambos os produtos são comercializados no país, contudo apresentam um preço maior do que quando são encontrados no Brasil, portanto, acredito que eu estou relatando, além de uma ligação e influência cultural, um comércio exterior que o Brasil tem garantido de seus produtos característicos e nacionais. Durante pesquisa de campo, realizada com apoio dos órgãos de fomento, os pesquisadores participantes puderam conhecer a escola responsável pela primeira experiência-piloto de alfabetização de adultos em crioulo e em português, para a qual foram produzidos manuais e outros materiais didáticos em crioulo. No entanto, até o momento da pesquisa, o ensino oficial era todo ele em língua portuguesa, de tal forma que os alunos monolíngues se encontravam na difícil tarefa de iniciar suas leituras e passar pelo processo de alfabetização, e letramentos, em uma língua que não é sua língua materna, língua de berço, contrariando as já antigas recomendações da UNESCO de pôr em prática o aprendizado da língua materna. Sobre as alterações oficiais já efetivadas pelo estatuto da língua crioula, é previsto que o cabo verdiano venha a ser introduzido progressivamente no ensino, a par do português, começando no ensino superior. A _____ 87


decisão de oficializar a língua crioula é objeto de polêmica na comunidade cabo verdiana em geral, pois não é fácil normalizar uma língua, isto é, adotar uma variedade como norma, sem que tenha oposição dos falantes das variáveis. Para entender e estudar as leis educacionais me propus a conversar com o atual Ministro da Educação e Ministro da Cultura cabo verdianos, consultando os ministérios da educação e cultura, depois de muita insistência e muitas idas e vindas de minha residência até o centro de Praia em busca de informações, não consegui contato com nenhum representante formal que quisesse falar sobre bilinguismo e ensino. Portanto, minhas opiniões, acerca do ensino do crioulo cabo verdiano, estão teoricamente sustentadas pelas conversas com os acadêmicos que me guiaram em Cabo Verde: Manuel Veiga e Saidu Bangura. Dado que o crioulo cabo verdiano foi considerado, erradamente, por muitos, um dialeto do português e dadas as semelhanças lexicais entre o português e o crioulo, muitos professores de ensino básico cabo verdianos tendem a ignorar o fato de que, em geral, o português não é a língua materna dos seus alunos. Isto tem consequências negativas na metodologia de ensino do português, uma vez que as expectativas de práticas linguísticas dos alunos não correspondem à realidade do cotidiano. O exemplo que a metodologia pode necessitar de revisão e adaptação é dado pela presunção errada de que, por parte dos professores que aplicam a metodologia, os alunos possuem o mesmo vocabulário básico que os alunos de língua materna portuguesa3. O fato dos cabo-verdianos terem apenas oportunidades acadêmicas de contato com o português nos alerta para a necessidade de modificações no modelo de aprendizagem de língua materna Cabo Verdiano. O professor não pode esperar que o aluno desenvolva de forma autônoma o seu conhecimento gramatical e lexical da língua portuguesa, se não lhe der oportunidades de uso da língua e se não lhe proporcionar, de forma sistemática e programada, para além de textos escritos em diferentes estilos, discursos orais produzidos em diferentes situações de comunicação e sobre temas diversificados. Sobre os limites bilíngues no arquipélago, a pesquisadora Dulce Pereira, 2007, concerne: Desde a sua formação até aos nossos dias o Crioulo Cabo-verdiano manteve-se em contacto quase exclusivo com a língua portuguesa. Privados das relações com as suas terras de origem, no continente africano, mais precisamente na região em que se localizam agora o Senegal e a Guiné-Bissau, os escravos africanos acabaram por deixar morrer as suas línguas maternas. Deste modo, em Cabo Verde 3

Os ensinos primários cabo-verdianos, por vezes, encontram dificuldades sobre como lecionar uma língua estrangeira, pois não havia normatização completa da língua materna.

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existem apenas duas línguas nacionais: o Crioulo e o Português. Até hoje, só o Português ganhou o estatuto de língua oficial, embora se anuncie para breve um novo estatuto para o Crioulo: o de “língua de ensino e da administração”. (PEREIRA, 2007, p. 3).

Em Cabo Verde, muito foi falado sobre ensino bilíngue, contudo seria possível estabelecer, neste momento, um ensino bilíngue competente? A resposta oscila entre os acadêmicos, linguistas e docentes, contudo, para Manuel Veiga, há a necessidade de fortalecimento da língua materna, uma vez que a língua materna é a responsável pela manutenção dos vínculos iniciais da vida humana e responsável pelos primeiros contatos com a cultura e noção de realidade. O linguista, se baseando no Colégio da França, concerne que a língua cabo verdiana tem seu poder unificador e deve ser ensinada como forma de prevalecer a cultura materna. No arquipélago, há a necessidade de disseminação e comprometimento, por parte das autoridades, em organizar todo o complexo de políticas linguísticas que protegem e intensificam a língua materna do povo cabo verdiano, ao invés dos favorecimentos e imposições à língua dos colonizadores portugueses. Não há uma solução imediata como idealizada pelo “proto modelo” proposto de ensino bilíngue na escola cabo verdiana, algo talvez pretensioso em excesso por parte do governo cabo verdiano que autorizou um “proto modelo”, como afirmado pelo acadêmico Saidu Bangura, focado no ensino das escolas primárias. E, Manuel Veiga acredita que enquanto a língua cabo verdiana não for o foco de ensino, os cabo verdianos continuarão com altas taxas de analfabetismo e pouca expressividade cultural quando representados em crioulo. Durante a pesquisa, foi possível observar que divisão linguística dialetal cabo-verdiana em dois eixos afeta o social e linguístico dos falantes e pode acarretar em oposições às futuras normatizações propostas no ensino da língua crioula (a divisão exposta aqui é apenas a representação geral das divisões e limites linguísticos cabo verdiano observados na pesquisa): Eixo Norte: Na confluência com as outras variantes do norte do arquipélago. O enriquecimento linguístico em confluência dá-se em dois sentidos: no da variante de São Vicente (a grande confluência, com vocação suprarregional); e no de cada uma das variantes do Norte, com inputs de S. Vicente (a pequena confluência, com vocação local). Em São Vicente, estuda-se a variante de São Vicente e faz-se a ponte possível com as riquezas e as particularidades específicas das outras variantes do norte. Em cada uma das outras ilhas do Norte estuda-se a respectiva variante e faz-se a ponte possível com as especificidades da variedade linguística de São Vicente. Ao estudante sanvincentino é lhe proposto à competência na respectiva variante e aos conhecimentos básicos do funcionamento das outras variantes do Norte. Embora o falante possa optar pela variante que tenha _____ 89


mais potencialidades enriquecedoras, melhores possibilidades de intercompreensão e maior dimensão em termos de mercado linguístico. Eixo Sul: A estratégia se repete nos mesmos moldes do eixo Norte, possuindo a expressão de Santiago vocação suprarregional e nacional (já que esteve na origem de todas as outras). As restantes variantes do Sul terão uma vocação local. Observamos na pesquisa de campo em Cabo Verde uma demanda pela normatização e reconhecimento acadêmico da língua crioula, que será guiada através de debates e propostas até a obtenção de um ideal suprarregional de língua, mas esse caminho indica que o bilinguismo cabo verdiano precisa de suporte linguístico acadêmico enquanto é fortalecido pelo seu embasamento libertário que já foi tão explorado e exposto por Amílcar Cabral no processo de independência cabo verdiano. Todo processo de padronização de uma língua é conduzido por órgãos formais com a finalidade de estabelecer regras unânimes e mais abrangentes - assim se espera na teoria - com todas as variantes da língua. O processo de padronização, conduzido pelos governos nacionais, implicará a elaboração de gramáticas e dicionários, a definição de regras de or tografia e de ortoepia e a criação de academias de belas letras. Em países da Europa ocidental, pode-se facilmente traçar a linha histórica que culminou com a emergência de uma variedade – ou dialeto – de prestígio, de natureza suprarregional, a partir da constituição de um governo unificado, após a Idade Média. Analisando as variantes de cada eixo, pode-se propor como é concebida a compreensão e aceitação de cada variante em cada ilha do arquipélago, auxiliando, dessa forma, cientificamente para a concretização de uma língua padrão em Cabo Verde. Sobre língua padrão, faz-se aqui uso dos estudos de Norbert Dittmar, 1976, que estudava na literatura da sociolinguística as funções de uma língua padrão: 1) a função unificadora, que confere a todos os falantes uma pertinência à comunidade de fala; 2) a separatista, que separa as comunidades de fala, principalmente em regiões fronteiriças; e 3) a de prestígio. Esta última fornece o quadro de referência aos falantes. (Dittmar, 1976, p. 107).

Os acadêmicos cabo verdianos estão divididos, pelo que pude observar durante a pesquisa, em defensores da crioulização da língua, que defendem a ideia de que em Cabo Verde surgiu uma língua mestiça com uma estrutura autônoma e com sua própria vivacidade, em termos de informalidade comunicativa, que ultrapassa a do português; defensores do português como língua dominante e única (normalmente composto pela elite e minoria, em número, no país); e defensores da plenitude do bilinguismo. Cabe ressaltar aqui que estamos abordando uma macro divisão entre os defensores, pois é necessária uma divisão minuciosa sobre como _____ 90


cada grupo está subdividido e estabelecido dentre as discussões de ensino Cabo Verdiano. A literatura cabo verdiana foi a surpresa neste complexo de estudos, ela, de forma simples e aliciante, enraizou que a etnografia é necessária e indispensável para o entendimento completo da crioulidade do arquipélago, e proporciona aventuras expondo a história africana e cabo verdiana. A proximidade cultural da literatura cabo verdiana e literatura portuguesa são notáveis, seja na escrita ou na oralidade, contudo, as diferenças estão nas formas crioulas e a rica miscigenação, que por influência de outros países africanos, estabeleceram este quadro histórico, motivo de tanto orgulho, linguístico e literário tão complexo e único. Os estudos da literatura cabo verdiana proporcionaram uma viagem pela história da língua portuguesa e pela língua crioula. Os contatos linguísticos propostos através da pesquisa proporcionaram este campo de estudo etnográfico e de possibilidades de margear com outras áreas de pesquisas. Considerando a língua um objeto de estudo social, não há recorte que indicará, precisamente, os caminhos que serão tomados pelas novas perspectivas que o crioulo cabo verdiano está cercado, a linguística torna-se, neste contexto, uma ferramenta para sua compreensão e afirmação identitária.

Referências BORTONI-RICARDO. S. Manual de Sociolinguística. São Paulo: Editora Contexto, 2014. p. 167. D'ANGELIS, W. Aprisionando sonhos: a educação escolar indígena no Brasil. Campinas, SP: Curt Nimuendaju, 2012. p. 250. DITTMAR, N. A critical survey of sociolinguistics: theory and application. New York, New York: St. Martin's Press, 1976. p. 307. FREIRE, P. The Politics of Education: culture, power and liberation Bergin & Garvey: MA, 1985,p.213. . PEREIRA, D. Alfabetização de Adultos em Contexto Bilíngue: as comunidades africanas em Portugal. In: ROCHA-TRINDADE, M. B. et al. (Orgs.). Educação Intercultural de Adultos. Lisboa: Universidade Aberta e DEB, 1996, 369p. ______. Diversidade Linguística na Escola Portuguesa: Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, Lisboa: ILTEC. 2007. _____ 91


VEIGA, M. A construção do bilinguismo. Cidade da Praia: IBNL, 2004. p. 166. ______. Cabo Verde: Nação Crioula Caldeada num Bilinguismo em Construção. Revista Desafios, Cidade da Praia CUniCV - Cátedra Amílcar Cabral. 2013. ______. Dicionário Cabovediano-Português. Cidade de Praia: IBNL, 2011. ______. Diskrison strutural di Lingua kabuverdianu: um ensaio. Lisboa: ICL, 1982.

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VI

Aprendizagem da Língua Cabo-verdiana através de dispositivos móveis Oryana Jennifer Ramos Correia e Silva

Introdução Desde o início da vida em sociedade, o homem teve necessidade de se comunicar a fim de informar, alertar, expressar cultura, pensamentos e sentimentos. A comunicação, sendo uma atividade essencial para a vida em sociedade, como meio de interação, integração e instrução, tem evoluído, desenvolvendo linguagens e meios, passando por várias fases, das quais referimos a era da fala, era da escrita, era da comunicação de massa (rádio e televisão), e era da tecnologia e da informação. Com as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), principalmente o aparecimento e evolução da Internet, podemos transmitir, receber e transportar informação em todas as formas (voz, dados, imagens) em tempo real a partir dos pontos mais remotos do nosso planeta, através de computadores, celulares (ou telemóveis) e outros dispositivos com acesso à Internet. Portanto, as TICs constituem, hoje em dia, instrumentos indispensáveis às comunicações, dando espaço a um novo modelo de organização das sociedades que assenta num estilo de desenvolvimento social e econômico, a Sociedade da Informação, onde a informação desempenha um papel primordial na produção de riqueza e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos (Pintér e Dessewffy, 2008). O impacto das tecnologias digitais e da conexão em rede na sociedade em diversos setores vem, por sua vez, fomentar não só um processo inovador de construção colaborativa das políticas públicas para o digital, mas também a diminuição radical de custos de computadores pessoais, telemóveis (ou celulares), tablets, e a disponibilização de softwares e serviços gratuitos na rede, proporcionando melhor acesso ao conhecimento e meios de produção, criando assim o conceito de Cultura Digital, na qual está inserida a aprendizagem de línguas no meio digital (Savazoni e Cohn, 2009). Há sempre um grande valor em aprender uma nova língua, seja este valor educacional, cultural, profissional ou social. E, ultimamente tem existido grande interesse em suprimir os limites de tempo e espaço na _____ 93


aprendizagem, levando à criação de suportes e aplicações que facilitam muito o acesso flexível aos materiais de aprendizagem de línguas. Hoje, estamos na era dos dispositivos móveis, onde há rápida e constante evolução dos telemóveis (celulares) inteligentes (smartphones) e tablets que permitem integrar o real e o virtual, facilitando ainda mais o acesso à informação, proporcionando mais opções de lazer e permitindo a partilha de pensamentos e experiências diariamente, a qualquer hora e em qualquer lugar. Portanto, há necessidade de re-conceitualizar a aprendizagem, inclusive de línguas, a fim de reconhecer a principal função da mobilidade e da comunicação no processo da aprendizagem, além de indicar a importância do contexto da determinação de significados, e o efeito transformativo das redes digitais em suportar comunidades virtuais que transcendem barreiras de idade e cultura. Cabo Verde é um país de desenvolvimento médio, cuja base da economia é o turismo. Além disso, dispõe de grandes oportunidades de investimento para nativos e estrangeiros. A aprendizagem da língua caboverdiana amplia enormemente as possibilidades do estrangeiro compreender melhor as manifestações culturais de Cabo Verde, desenvolver habilidades comunicativas dentro da sociedade cabo-verdiana, favorecendo relações interpessoais e facilitando o acesso ao conhecimento em diversos âmbitos das áreas de negócios, turismo, política, arte e educação, além de permitir o intercâmbio científico. Uma aplicação interativa, teoricamente embasada, que permita a aprendizagem da língua cabo-verdiana utilizando o conceito MALL, isto é, mediado por dispositivos móveis, será muito relevante para os estrangeiros que passam em Cabo Verde, seja por um período curto ou longo, pois apesar de o Português ser a língua oficial de Cabo Verde, a língua utilizada na comunicação diária (casa, rua, meios culturais, etc.) é a caboverdiana, fazendo com que esses estrangeiros possam necessitar ou desejar aprender esta língua, de forma mais cômoda e econômica. Importante realçar que este trabalho é de grande relevância para Cabo Verde, por se tratar de um tema relativamente recente, com teorias ainda em fase de estudo, mas que permite estimular mais a internacionalização, ultrapassando assim, barreiras como a distância e promovendo trocas culturais, tendo em especial consideração que estamos na era dos dispositivos móveis. Pode ser igualmente interessante para os investigadores desta área nos países que falam a língua portuguesa, que queiram compreender melhor ou realizar estudos mais aprofundados sobre esse tema, visto a falta de referência no tema MALL em Português. Portanto, o objetivo geral desta investigação consiste na apresentação de uma proposta teórica que viabilize a futura construção de uma _____ 94


aplicação interativa para dispositivos móveis inteligentes que permita a aprendizagem da língua cabo-verdiana, pautada por abordagens de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, assim como os princípios de design e de usabilidade que se mostram apropriados. O presente documento está dividido em três capítulos, além da introdução e da conclusão, onde cada capítulo está dividido em secções e subsecções, cada um tratando de um assunto mais específico, finalizando com algumas considerações.

Aprendizagem da língua cabo-verdiana Segundo Pegrum (2014), o ensino de línguas realizado através de meios tecnológicos é profundamente afetado por teorias e abordagens que derivam de estudos sobre aquisição de segunda língua e linguística aplicada. Ainda, a compreensão de uma língua “depende, em grande parte, do conhecimento do sentido contextual que é atualizado sócio historicamente” (MATTES; THEOBALD, 2008, p. 30), isto é, embora existam diversos caminhos para a aprendizagem e o ensino de línguas, o conhecimento da cultura é fundamental para a aquisição de uma língua estrangeira, pois somente com esse conhecimento é possível entender o sentido de determinadas expressões, capacitando assim o aprendiz a construir significados e a compreender as construções linguísticas da língua alvo. Cabo Verde é um país insular, composto por 10 ilhas de origem vulcânica, situado no oceano Atlântico, cerca de 700 quilómetros da costa ocidental africana. Em 1456, os portugueses chegaram pela primeira vez nesse arquipélago, que se encontrava inabitado. Este país foi colônia de Portugal de 1462 a 1975, e devido à sua localização estratégica, foi o centro administrativo e serviu de entreposto para o comércio de escravos da África, principalmente da Guiné-Bissau, para a Europa e a América. As ilhas de Cabo Verde são divididas em dois grupos: Barlavento (Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boa Vista) e Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava), das quais todas são hoje habitadas, exceto a ilha de Santa Luzia. Embora o Português seja a língua oficial de Cabo Verde, esta é a língua segunda dos nativos desse arquipélago de aproximadamente meio milhão de habitantes, restrito às pessoas que tiveram oportunidade de estudá-lo. A língua materna é a cabo-verdiana, mais conhecida por Crioulo de Cabo-Verde. Normalmente, todas as línguas maternas se manifestam por meio de um dialeto, isto é, uma variante regional, e no caso de Cabo Verde, cada uma das ilhas habitadas possui sua própria variante da língua, que por sua vez, pode ainda variar de região para região na mesma ilha. A língua cabo-verdiana é um crioulo. Acredita-se que esta língua teve origem na época de colonização de Cabo Verde, a partir do século _____ 95


XV, através da fusão, por contato direto da Língua Portuguesa com outras línguas locais da costa ocidental africana, particularmente da Guiné-Bissau, que falavam línguas do Atlântico Ocidental e línguas Mande, tais como Wolof, Papel, Balanta e Mandinga (HOLM, 1989), fato notado tendo em conta a grande semelhança entre a variante do crioulo de Cabo Verde falada na ilha de Santiago, e o crioulo falado na Guiné-Bissau. Tem havido, igualmente, várias discussões acerca da oficialização da língua cabo-verdiana. Há pessoas a favor da padronização e oficialização da língua, mas também existem pessoas contra, pois esta oficialização poderá levar à quase total perda do domínio da língua Portuguesa, caso as duas línguas não sejam tratadas em pé de igualdade, no que diz respeito ao rigor de um ensino totalmente bilíngue. Nota-se hoje que, cada vez menos, a população de Cabo Verde fala o Português corretamente. Um inquérito sociolinguístico realizado em 1972 indicou que a maioria dos cabo-verdianos achavam que o Português era mais valorizado e mais falado do que o Crioulo durante essa época. Entretanto, após a independência de Cabo Verde, em 1975, o Crioulo ganhou mais espaço e o domínio da língua portuguesa diminuiu, simbolizando novo nacionalismo (HOLM, 1989). A tendência tem sido de deixar o Português de lado para dar espaço à língua cabo-verdiana. Têm sido criados dicionários, alfabetos e regras gramaticais da língua cabo-verdiana, além de já existirem vários livros literários nessa língua. Contudo, são opiniões e tentativas de imposição de regras e variantes de uma certa minoria, sem antes realizar um estudo aprofundado da língua falada e escrita pela população de Cabo Verde no geral. Acreditamos que é muito importante para Cabo Verde e para o seu povo a oficialização da sua língua materna, mas primeiramente deverá ser feito uma padronização, preservando a essência de cada uma das variantes, com base em dados fornecidas pela maioria da população, representada por cada uma das ilhas, e não simplesmente a partir da visão de uma minoria. Visto que a língua cabo-verdiana não é ainda uma língua oficial, nem tampouco possui um padrão formalmente definido, o foco da aprendizagem para os estrangeiros no presente momento, independentemente da situação, será a oralidade (compreensão e fala) e o desenvolvimento das habilidades linguísticas para fins de comunicação na sociedade e cultura cabo-verdiana, em diferentes contextos, situações e variantes da língua. Assim, a abordagem mais adequada para o ensino-aprendizagem desta língua é a sociocultural, pois pretende ensinar significados através de contextos, onde as atividades são tarefas autênticas para a comunicação, de caráter linguística, profissional, académica, social e cultural, per_____ 96


mitindo a partilha de valores culturais e a interação ativa entre os aprendizes e com o ambiente para a construção do conhecimento.

Mobile Assisted Language Learning (MALL) À medida que o tempo passa, a tecnologia evolui, e ao mesmo tempo, evoluem também os meios e modalidades de ensino-aprendizagem de línguas. O surgimento dos dispositivos móveis inteligentes, em 2007 (Petit e Santos, 2014), criou novas possibilidades de pedagogia, dando origem ao Mobile Learning para o processo de ensino-aprendizagem em geral, e posteriormente o MALL, especificamente para a aprendizagem de línguas, que utilizam como meio de aprendizagem os dispositivos móveis. O uso de dispositivos móveis tem crescido imensamente, principalmente após o aparecimento dos smartphones. Por serem, geralmente, mais baratos do que computadores de mesa e portáteis, representam para várias pessoas a porta de entrada para o mundo digital. Desde meados da década de 90, MALL centrou-se na exploração de cinco tecnologias móveis: dicionários eletrônicos de bolso, assistentes pessoais digitais (PDAs), celulares ou telemóveis, aparelhos MP3, e mais recentemente os tablets. Segundo a União Internacional das Telecomunicações (UIT, 2015), a penetração global da Internet cresceu de 6.5% a 43% nos últimos 15 anos, e estimou que, antes do início de 2016, 3.2 bilhões de pessoas utilizavam a Internet, dos quais 2 bilhões são de países em desenvolvimento, incluindo Cabo Verde. A banda larga móvel é o segmento de mercado mais dinâmico. A taxa de penetração da rede móvel a nível global atingiu os 47% em 2015 (UIT, 2015), enquanto em Cabo Verde a penetração da rede móvel chegou a 97.5%, com uma taxa de utilização da banda larga móvel de 24% no ano 2014 (CCITPCV, 2014). UIT (2015) estimou ainda que, no final de 2015, globalmente, haveria mais de 7 bilhões de subscrições em serviços da rede móvel, correspondendo a uma taxa de 97% de penetração, comparativamente aos 738 milhões no ano 2000. Nielsen Social Media Report (2012) registou ainda que o tempo de utilização da Internet (via web e aplicações) nos dispositivos móveis é superior à utilização da mesma nos computadores convencionais, tanto pelos homens como pelas mulheres. De acordo com Brown (2009), houve, igualmente, aumento de uso dos dispositivos sem fios, sem a funcionalidade de telefone, tais como MP3 e PDAs, mas com muitos dos mesmos serviços existentes nos smartphones atuais, incluindo o processamento de texto básico e acesso à Internet. _____ 97


Hoje, a proporção da população mundial coberta pela rede móvel 2G é de 95% e rede móvel 3G de 69% (UIT, 2015). E Cabo Verde não fica para trás por causa das facilidades de acesso à Internet, tais como as 50 praças digitais de acesso à Internet sem fios construídas até o ano 2014. Tendo em conta essas informações, podemos entender porque é importante pensar em MALL hoje em dia, tratando-se de aprendizagem de línguas. Embora haja algumas divergências na definição dos conceitos de MALL, considerando diferentes formas de compreender a mobilidade nesse contexto, diversas perspectivas e diferentes tipos de acordo com os objetivos traçados, o fato é que no centro de cada uma das definições está o uso de dispositivos móveis com caraterísticas similares como a restrição do tamanho e que tenham algum tipo de conexão como wifi, bluetooth, entre outros. Isto é, MALL consiste numa modalidade de aprendizagem de línguas, que utiliza como meio os dispositivos móveis de tamanho reduzido que permita conectividade e ainda possibilita o desenvolvimento de habilidades linguísticas.

Tipos de MALL Pegrum (2014) distingue ainda vários tipos de MALL, que são diferentes, porém interconectados, tais como:

• MALL para conteúdo Este tipo de MALL faz uso de dispositivos móveis para partilhar conteúdo, idealmente compreensível na forma de texto para leitura ou para escuta, para que os aprendizes o utilizem de forma autónoma. Seu uso é normalmente simples e fácil tanto em nível tecnológico como em nível pedagógico, fazendo uso de glossários, dicionários ou concordâncias baseadas na Web como suporte, e a quantidade de conteúdo disponível depende da língua a ser aprendida. Uma das abordagens utilizadas neste tipo de MALL promove leituras curtas, frequentemente com foco no léxico (ou gramática). Quando o foco é mais no desenvolvimento de habilidades de leitura, os textos são mantidos sucintos e divididos em subtítulos, ilustrando bem o princípio da segmentação. Contudo, é igualmente possível realizar leituras em formatos longos, através de, por exemplo, e-books e e-magazines, que têm ganho cada vez mais popularidade nos dispositivos móveis, principalmente tablets. O MALL para conteúdo também abrange materiais de escuta para compreensão oral, em qualquer formato de arquivo de áudio digital aces_____ 98


sível online. Esta abordagem traz mais facilidades em termos de mobilidade, visto que o utilizador pode simplesmente utilizar fones de ouvido para escutar uma matéria enquanto se desloca, o que que não é possível com a leitura. Segundo o mesmo autor, esse tipo de material, denominado multimídia, acedido por meio de dois canais (áudio e visual) pode ser muito benéfico para a aprendizagem se os alunos são capazes de desenvolver representações visuais e verbais coerentes em suas mentes, e integrá-los uns com os outros e sua anterior aprendizagem. No entanto, uma grande carga cognitiva pode prejudicar esse processo, como, por exemplo, um desenho confuso ou material irrelevante que distrai o aprendiz, ou ainda um canal visual sobrecarregado com textos redundantes (onde o texto concorre com imagens, levando a dividir a atenção). A vantagem dos materiais multimídia na aprendizagem de línguas é que os vídeos e animações conseguem contextualizar textos falados, oferecendo suporte visual e introspeções sobre a pragmática, assim como a construção de uma compreensão social e cultural mais ampla, ajudando no desenvolvimento do vocabulário e habilidade de compreensão oral. No caso de vídeos com subtítulos, ajuda igualmente no desenvolvimento da capacidade de leitura.

• MALL para tutorias Utilizam técnicas de repetição de vocabulários, estudo da gramática e da pronunciação, e testam os conhecimentos adquiridos através de pequenas atividades, mini testes ou jogos simples. Estes podem ser disponibilizados através de SMS, web ou aplicações, em qualquer modo ou combinação multimodal. Assim como o MALL para conteúdo, este permite uma aprendizagem de forma autônoma, sem as formalidades das salas de aulas, onde os aprendizes podem praticar nos seus próprios espaços e de acordo com as suas necessidades, onde o foco é o significado das palavras, contudo são limitadas pedagogicamente por não envolverem uma comunicação ou compreensão real. O projeto “Millee” (Mobile & Immersive Learning for Literacy in Emmerging Economies), exemplo de MALL para tutorial, consiste em aplicações contendo jogos educativos para o ensino-aprendizado do Inglês, em três fases piloto em que a primeira tinha foco em vocabulário, gramática e pronunciação, a segunda somente em vocabulário, e a terceira em vocabulário e habilidades de leitura. Após um processo de desenvolvimento interativo longo, o projeto “Millee” foi capaz de produzir jogos que refletiam os padrões locais de jo_____ 99


gos, atingiu as expectativas culturais de salas de aula convencionais, e ensinou conhecimento fundamental através de abordagens tradicionais adequadamente. Esse processo de desenvolvimento tem sido reproduzido com sucesso em um contexto cultural diferente, nomeadamente na China.

• MALL para criação A abordagem sociocultural no MALL envolve os aprendizes em atividades de criação de conteúdos diversificados e ricos, a serem integrados aos materiais da turma e, inclusive partilhados publicamente online. Essas crescentes possibilidades de disseminar conteúdos multimodais nas redes online, recebendo e respondendo aos feedbacks, e retrabalhando e construindo materiais próprios e de outros, permitem que a noção de comunicação mediada por computadores seja elevada a um outro nível. Tende a requerer a orientação de um professor e um feedback construtivo. É geralmente um MALL para a comunicação também e exige muita criatividade. Em níveis mais avançados, os professores podem exigir dos alunos um certo grau de aperfeiçoamento da competência linguística, em termos sociolinguísticos ou intercultural, através da produção (alteração e revisão inclusive) de textos escritos de diversos géneros em formatos de e-book.

• MALL para comunicação Este envolve, por vezes, a interação entre os aprendizes e os professores, colegas ou outros falantes da língua estrangeira alvo, com a finalidade de negociar os significados das palavras numa perspectiva comunicativa, e de explorar identidades numa abordagem sociocultural. Pode ser construído com base em MALL para a criação, podendo igualmente conter elementos do MALL para conteúdo ou para tutoriais. A abordagem de aprendizagem utilizada neste, abre caminho para as tarefas da comunicação mediada por computadores que estão associadas com frequência ao MALL, onde os aprendizes podem começar a desenvolver suas competências pragmáticas, ou seja, a habilidade de engajar num discurso social e culturalmente apropriado num dado contexto. Pode fazer uso de diversos canais de comunicação disponíveis no dispositivo utilizado, como mensagens de texto, multimídia ou instantâneas, áudio, redes sociais. Assim como o MALL para criação, adopta abordagens que necessitam de melhor conectividade e softwares mais eficientes. A construção do conhecimento e a rede colaborativa nesse tipo de MALL são muito valorizadas. A aplicação desenvolvida no âmbito do projeto “Mentira”, desde 2009 nos Estados Unidos, é um exemplo de MALL para a comunicação. _____ 100


Este tinha como objetivo a aprendizagem do Espanhol, integrando todas as habilidades linguísticas. Trata-se de um jogo que inclui textos e multimídia, fatos e ficções, cujo objetivo é criar uma história misteriosa de assassinato. As atividades de criação e comunicação são benéficas para complementar o MALL para conteúdo e para tutorial, não necessariamente para substituí-los.

Vantagens do MALL Um dispositivo móvel inteligente (smartphone ou tablet) oferece por si só inúmeras funcionalidades como tirar fotos, gravar sons e vídeos, compartilhar documentos, imagens, áudios e vídeos em tempo real. Aplicações MALL podem oferecer ainda muito mais. Algumas pessoas desejam aprender línguas, mas não têm tempo ou dinheiro suficiente para tal, mas o MALL vem mudar esse cenário, com a melhoria da segurança e velocidade das redes sem fios e a baixa de preço do mesmo, oferecendo portabilidade, flexibilidade, comodidade, baixo custo, além de uma melhor gestão do tempo. Custo: A maioria das pessoas hoje possui e usa pelo menos um dispositivo móvel, visto as várias opções de preço e qualidade no mercado, fato que reduz a necessidade de obtenção de acesso e formação nesta modalidade de ensino. A tecnologia é relativamente barata, mesmo pessoas com baixo rendimento financeiro têm tido acesso a telefones inteligentes. Os dispositivos mais caros acabam sendo, muitas vezes, mais baratos do que um computador portátil e de mesa. As aplicações MALL são na sua maioria gratuitas ou possuem um preço simbólico. Algumas apenas precisam de acesso à Internet na hora de baixar, enquanto outras só podem ser acedidas e utilizadas online. De qualquer forma, o custo é muito inferior ao custo de um curso de língua presencial, professores particulares, inúmeras deslocações e outros materiais de estudo. Portabilidade: A leveza dos próprios aparelhos permite transportá-los para qualquer lugar com maior facilidade. Os dispositivos multifuncionais, incluindo principalmente a funcionalidade de telefone, estão normalmente sempre acompanhando os utilizadores. Comodidade: O indivíduo não precisa estar num determinado espaço físico, nem carregar livros e outros materiais de estudo consigo, para praticar um pouco a língua. Só precisa instalar a aplicação no seu telemóvel (celular) ou tablet e, dependendo do modo de funcionamento da aplicação, ter acesso à Internet a partir do seu dispositivo. _____ 101


Flexibilidade: A aprendizagem é não formal e centrada no aprendiz, isto é, o aprendiz é quem decide quando e onde estudar. Não precisa cumprir um horário, nem estar num espaço físico específico, pois a qualquer momento poderá praticar um pouco, como numa fila de espera, em viagens, no transporte público, num café, numa pausa do trabalho, etc. O aprendiz aqui é autônomo, seguindo nova pedagogia e interação mediada pelos dispositivos móveis. Capacidade de explorar contextos: O MALL permite interagir com outros artefatos para proporcionar experiências individuais aos utilizadores, além de criar experiências interativas de utilizadores sensíveis ao contexto e em ambientes diversos e adaptativos. Isto é, permite a aprendizagem em qualquer contexto ou situação, possibilitando assim a variação da escolha de expressões formais ou informais, curtas ou longas, entre outras possibilidades. O MALL integra a vida real do aprendiz no aprendizado, encorajando e facilitando a interação deste com outros, e ainda estimulando a criatividade. Além disso, as pessoas são motivadas positivamente pela tecnologia, que faz com que o aprendizado seja também uma diversão. Na realidade, todas essas vantagens se aplicam de forma generalizada ao Mobile Learning (Aprendizagem Móvel) e às outras aplicações para dispositivos móveis. Não foi possível identificar nenhuma vantagem específica e exclusiva para aplicações MALL, apontando assim uma lacuna na literatura. Porém, tendo em conta as diversas possibilidades de funcionalidade dos dispositivos móveis modernos, o MALL permite ao utilizador passar por experiências de aprendizagem que não poderia passar nas outras modalidades a distância, nem na modalidade presencial, através do uso do sistema de geo-localização, fotografias, pesquisa por voz, tradutores online (áudio ou texto), interação através de mensagens instantâneas, áudio ou vídeo com falantes nativos, visitas guiadas virtuais, entre outras possibilidades, sem sair do lugar e onde quer que ele esteja. Assim, entendemos que a grande vantagem do MALL em relação às outras modalidades de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras é a mobilidade, que dependendo do nível do MALL, poderá abranger o aprendiz (utilizador), o dispositivo, e/ou a própria experiência de aprendizagem.

Limitações e desafios do MALL De acordo com Manson e Rennie (2008), o MALL é um desafio para educação, apesar das múltiplas vantagens. Têm sido usados PDAs, celulares (ou telemóveis), e outros dispositivos do gênero na educação, contudo num caráter organizacional, administrativo e de suporte, ou seja, _____ 102


relacionadas com a aprendizagem, mas não aplicadas diretamente na aprendizagem em si. Esses autores apresentaram algumas desvantagens dos dispositivos móveis para a aprendizagem, no geral: • Capacidade de armazenamento limitada; • Necessidade de recarregar bataria com muita frequência; • São menos robustos do que computadores; • Quando muitos utilizadores usam a rede sem fios, a largura de banda pode degradar; • Caso não for utilizado de forma adequada pode ocorrer perda de dados; • Não garante uma boa avaliação, visto que, com o acesso à Internet, os aprendizes poderão copiar / trapacear; • Ecrãs (ou telas) pequenos, limitando o tipo e quantidade de informação, fazendo com que a navegação seja incómoda, e /ou as expressões sejam abreviadas, podendo dificultar maior explicação e melhor compreensão, além de fatigar a visão na leitura; • Teclado limitado, podendo não conter todos os símbolos necessários, ou desconfortáveis para escrever longos textos, na produção escrita por exemplo Brown (2009) aponta ainda que o uso de dispositivos móveis levanta questões que se relacionam com a implementação da tecnologia, ou seja, hardware e software. Com base em pesquisas anteriores sobre aplicações móveis de aprendizagem, a autora afirma que foram reveladas preocupações em relação à propriedade do dispositivo, à vida da bateria e à conectividade de rede, e que essas preocupações podem afetar significativamente os resultados de aprendizagem dos alunos. As desvantagens acima apresentadas, hoje em dia, não são tão relevantes quanto eram na época em que foram identificadas, visto a rápida e crescente evolução dos dispositivos móveis e o aparecimento de tablets.

Diretrizes para o design de um mall para a língua cabo-verdiana Baseando-se em Gonçalves (2003), a presente investigação científica é de natureza qualitativa, cuja finalidade é de compreender e interpretar o fenômeno, neste caso o MALL, considerando perspectivas de vários autores, para gerar conhecimentos que serão posteriormente utilizados na geração de um produto, ou seja, o protótipo e posteriormente uma aplicação de aprendizagem da língua cabo-verdiana para dispositivos móveis. De acordo com seus objetivos, estamos diante de uma pesquisa exploratória, pois pretende-se aqui recuperar informações disponíveis, realizando levantamentos bibliográficos, a fim de desenvolver e esclarecer ideias acerca do MALL, conhecer fatos e fenômenos relacionados ao mes_____ 103


mo, oferecendo assim uma visão panorâmica e uma primeira aproximação ao tema, visto que este é ainda pouco explorado, buscando ainda fornecer subsídios para uma futura pesquisa de campo. Ainda, segundo a citada autora, quanto às fontes de informação, esta investigação classifica-se como uma pesquisa bibliográfica, com o intuito de desvendar, recolher e analisar as principais contribuições para a investigação. Relativamente aos procedimentos de recolha de dados, tratase de um levantamento bibliográfico, obtendo informação através de livros, artigos, relatórios de pesquisas, entre outros documentos, e de uma pesquisa de levantamento, visto que para uma melhor compreensão do ponto de vista do público-alvo foi aplicado um questionário online, cujas respostas foram tabuladas e analisadas com auxílio da ferramenta estatística Excel. O público-alvo da pesquisa são pessoas, cuja língua materna não é a língua cabo-verdiana, que poderão ter algum interesse, seja cultural, social, educacional, de negócios ou outro, em aprender esta língua. A amostra para os registros deste estudo é constituída por estudantes e professores de diversas áreas de conhecimento da Universidade Estadual de Campinas, com maior ênfase nas áreas de Linguística Aplicada e TIC, membros de grupos culturais brasileiros de descendência africana como a Casa Cultural Tainã e a Casa Cultural Fazenda Roseira, alunos que frequentam cursos de língua estrangeira e outras pessoas escolhidas de forma aleatória no território brasileiro (São Paulo, Santo André, Campinas e Rio de Janeiro). Pretendemos aqui oferecer diretrizes para o design e desenvolvimento de uma aplicação MALL para a comunicação, incluindo igualmente elementos do MALL para conteúdo, tutorial e criação, levando em consideração a mobilidade do dispositivo, do aprendiz e das experiências de aprendizagem.

Funcionalidades As funcionalidades sugeridas para esta aplicação são: • Lições utilizando áudio somente, ou audiovisuais (vídeo- aulas) com e sem legenda, permitindo assim que não seja sempre necessário a utilização das mãos nem visualização do ecrã; • Atividades (exercícios) orais referentes à compreensão oral, fala e vocabulários utilizando sistema de reconhecimento de voz, permitindo igualmente atividades que não necessitam a utilização das mãos nem observação constante do ecrã; • Sistema de gamificação4, incluindo jogos contextualizadas às situações prováveis do utilizador, onde é preciso passar níveis para desbloquear ou4

Uso de técnicas características de videojogos em situações do mundo real.

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tros jogos, a fim de motivar e engajar os aprendizes; • Sistema de recompensa, que permite ao utilizador escolher sua recompensa ao finalizar módulos de atividades; • Sistema de notificação, lembrando ao utilizador que deve praticar, a fim de estimular os aprendizes para a prática da língua; • Fórum e vídeo-chat para a interação e troca de experiências com outros aprendizes e nativos da língua, utilizando o conceito de tandem 5, assim cabo-verdianos poderão aprender outras línguas; • Uso do calendário para fins de identificação de dias especiais (feriados por exemplo) e propor atividades e lições contextualizadas; • Sistema de posicionamento geográfico (GPS) para fins de identificação da localização do utilizador e sugerir atividades contextualizadas; • Teste de conhecimento para identificar o nível do utilizador e sugerir lições e atividades; • Pesquisa por voz, utilizando palavras-chaves para a navegação entre as lições, atividades, jogos, fórum e vídeo-chat.

Estilo de interação O estilo de interação deve ser instrumental para dispositivos móveis de tamanhos reduzidos. A interface inicial orientada por menus deve estar disponível para a escolha da variante da língua cabo-verdiana que se pretende aprender, e ainda para a escolha do contexto e da situação. Para que os menus não ocupem muito espaço no ecrã do dispositivo móvel, que já é limitado, devemos utilizar a técnica de categorização hierárquica das opções com no máximo dois níveis de hierarquia, na forma de uma sequência de interfaces, para agrupar e apresentar as opções de menus, prestando atenção na escolha dos nomes dos grupos e de cada opção, para que reflitam as metas e tarefas do utilizador. Para os exercícios e atividades, propomos a linguagem natural, ícones e manipulação direta. A aplicação deve fornecer as explicações na língua base, a partir da sua base de conhecimento, e permitir que, em algumas atividades, os utilizadores respondam na língua cabo-verdiana, utilizando reconhecimento de voz e possibilitando expressões equívocas. Outras atividades, jogos ou exercícios devem, simultaneamente, utilizar ícones e possibilitar manipulação direta sobre os objetos da aplicação.

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Tandem é uma forma de aprendizagem colaborativa de línguas em que o foco de aprendi zagem é a comunicação e o trabalho em pares (Mayrink e Albuquerque-Costa, 2013).

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Princípios de usabilidade e de design Consistem em todos os princípios destinados aos dispositivos e aplicações móveis e nas diretrizes específicas para a aprendizagem, que se adaptam à aprendizagem de línguas no contexto sociocultural. O design deve utilizar uma abordagem centrada no utilizador, suas necessidades, aspetos cognitivos e preferências. 1. Possibilitar a utilização de atalhos aos utilizadores frequentes: à medida que o utilizador aumenta a frequência de utilização da aplicação, o desejo de reduzir o número de operações para aumentar o ritmo da interação também aumenta, principalmente em dispositivos móveis, onde o tempo é muitas vezes mais crítico. Portando, a redução do número de operações necessárias para realizar tarefas frequentes ou repetitivos é um fator chave na facilidade de utilização de dispositivos móveis. Pode-se fazer isso através de comando utilizando reconhecimento de voz. 2. Oferecer feedback (retorno) informativo: para cada ação de operador deve haver algum sistema de retorno, como por exemplo, um som quando for pressionada uma tecla, ou uma mensagem de erro quando é recebida uma entrada inválida. As mensagens devem ser substanciais e compreensíveis para os utilizadores. Corbett e Anderson (Brown, 2009) compararam três tipos de feedback: feedback imediato com correção imediata de erros, sinalização de erro imediato com controlo do estudante na correção de erros, e feedback sobre a demanda com a correção de erros controlada pelo estudante. O resultado da pesquisa foi que estudantes com feedback imediato produziam melhor resultado, concluindo que a orientação explícita do tutor traz mais benefícios aos alunos. Portanto, o tipo de feedback sugerido para este caso é o imediato. 3. Suporte de controle interno: visto que os utilizadores, normalmente, desejam ter o controle do sistema para que este responda às suas ações, as aplicações devem ser concebidas de tal forma que os utilizadores iniciem a ação em vez de responder à esta. 4. Projetar diálogos para produzir término: as sequências de ação devem ser organizadas em grupos com um começo, meio e fim, e os utilizadores devem sentir-se satisfeitos pela realização e conclusão de cada tarefa. 5. Coerência: a coerência assume uma dimensão adicional com as aplicações móveis, pois os utilizadores devem ver e sentir familiaridade através de múltiplas plataformas e dispositivos com os mesmos fins. Por exemplo, os nomes de interfaces, esquemas de cores e aparências de diálogo devem ser idênticas em todos os dispositivos. Levando em considera_____ 106


ção a frequente necessidade de uso intercalado entre diferentes tipos de dispositivos, deve haver coerência entre estes. 6. Inversão de ações: permitir fácil inversão (voltar atrás) de ações, procurando armazenar os estados de eventos passados para futuros rastreamentos. No entanto, deve-se suspeitar da comunicação sem fios na utilização de aplicações móveis, pois nem sempre a conectividade de rede é boa, levando a perdas de informação. 7. Prevenção e tratamento de erros: a necessidade da prevenção e do tratamento de erros em interfaces móveis se torna mais crítica devido à maior rapidez no ritmo dos acontecimentos no seu tipo de ambiente. Deve-se levar em consideração que os dispositivos menores fazem da proximidade dos botões mais de um problema potencial. Nada deve prejudicar potencialmente o desencadeamento de uma operação fácil como ligar / desligar. 8. Reduzir a carga da memória de curto prazo do utilizador: devese preferir funções baseadas em reconhecimento em vez de utilizar modalidades que requerem memorização. As interfaces devem ser concebidas de tal forma que não exija muita memorização por parte dos utilizadores durante a execução das tarefas, pois no ambiente móvel, o utilizador precisa lidar com mais distrações do que em outros ambientes. As atividades correntes do utilizador devem prevalecer as funcionalidades do dispositivo, impedindo assim que estas sejam suspendidas involuntariamente para outras interações com o dispositivo. Neste caso, notificações em formato de som são mais adequadas. 9. Design para contextos múltiplos e dinâmicos: A utilização das aplicações móveis pode implicar um número significativo de pessoas, objetos e atividades disputando a atenção do utilizador, além da aplicação e do dispositivo em si. Ainda, assim como as condições ambientais podem mudar dependendo da localização, hora do dia e temporada, a usabilidade ou adequação da aplicação deverá mudar de acordo com fatores de situações diferentes. Assim, para diferentes contextos, permitir operações com 0, 1, ou 2 mãos, por exemplo, torna-se extremamente importante para a viabilidade da interface. Para resolver o problema da mudança de contextos e aumentar a usabilidade e acessibilidade das aplicações num ambiente dinâmico, podese implementar a consciência do contexto e funcionalidades de auto adaptação, onde as aplicações são adaptadas automaticamente ao ambiente atual dos utilizadores, utilizando dispositivos que derivam entradas a partir do utilizador, indiretamente, permitindo operações simples ou que não requer uso de mãos, e possibilitando aos utilizadores a configuração da saída de acordo com suas necessidades e preferências (tamanho do texto, brilho, cores, etc.). _____ 107


10. Design para pequenos dispositivos: tendo em conta que a tecnologia continua a evoluir, as plataformas móveis vão continuar diminuindo de tamanho e incluir itens como pulseiras, anéis, brincos, botões e chaveiros. Podem ser necessárias técnicas novas ou modificadas de interação para superar as limitações físicas, como, por exemplo, permitir selecionar palavra em vez de exigir entrada de texto. A entrada de voz é uma alternativa viável para dispositivos muito pequenos para suportar botões, assim como o som também pode ser utilizado para a saída, substituindo os textos ou gráficos. 11. Design para atenção limitada e dividida: visto que, normalmente, os utilizadores de dispositivos móveis precisam muitas vezes se concentrar em mais de uma tarefa, a aplicação móvel não pode ser o ponto focal de atividades atuais do utilizador. Portanto, as interfaces para dispositivos móveis precisam ser desenhadas de forma a exigir o mínimo de atenção possível dos utilizadores. Para tal, pode-se conceber aplicações que não requerem mãos e/ ou olhos para a interação, a fim de proporcionar a maior acessibilidade e liberdade de movimento durante a interação, utilizando entradas e saídas através do som. 12. Design para a interação “Top-Down” (de cima para baixo): os dispositivos móveis com pequenos ecrãs têm limitações relativas à quantidade de informações que podem apresentar simultaneamente. A leitura de grande quantidade de informação a partir de tais dispositivos pode exigir muita interação de deslocamento (subir descer no ecrã) e forte concentração. Para reduzir distração, interações e potencial sobrecarga de informação, a melhor maneira de apresentar a informação pode ser por meio de mecanismos de vários níveis hierárquicos, assim o utilizador poderá decidir quais tarefas, conteúdos e níveis de detalhes pretendem aceder. 13. Design para a velocidade e recuperação: as aplicações móveis devem permitir que sejam parados, iniciados, e retomados com pouco ou nenhum esforço. Ainda, devem ser instaladas rapidamente e funcionar da mesma forma. As limitações de tempo precisam ser levadas em conta na disponibilidade inicial e velocidade de recuperação nos dispositivos e aplicações móveis. Quando o tempo é crítico, esperar alguns minutos para uma aplicação iniciar, pode não ser muito interesse para o utilizador. Tendo em conta os diferentes contextos em que os dispositivos móveis são utilizados, os utilizadores podem precisar alterar ou aceder rapidamente outras funções ou aplicações, salvando de forma rápida e segura qualquer trabalho já realizado, a fim de retomá-lo mais tarde, sem qualquer perda. 14. Possibilitar a personalização: deve-se fornecer aos utilizadores a capacidade de alterar as configurações, pois os dispositivos móveis, por sua natureza, são mais pessoais. Enquanto os telefones tradicionais e computadores de mesa podem muitas vezes ser compartilhados entre diferen_____ 108


tes utilizadores, um dispositivo móvel é normalmente utilizado apenas por uma pessoa. Por isso, é mais provável que o utilizador queira personalizar o dispositivo e suas aplicações de acordo com os seus padrões de utilização, níveis de habilidade, necessidades e preferências. 15. Design para o prazer: as aplicações devem ser visualmente agradáveis e divertidas, bem como utilizáveis, pois apesar da funcionalidade e da usabilidade serem pontos chaves para o sucesso de aplicações móveis, outros fatores como a estética também influenciam numa experiência de utilizador agradável com os dispositivos móveis. Karlsson e Djabri, citados em Gong e Tarasewich (s.d) fizeram uma investigação da "estética em uso", definindo essa expressão como a interação dinâmica que busca uma resposta afetiva positiva do utilizador, onde a cor e a sua manipulação são considerações importantes para interfaces visuais. No caso de duas aplicações possuírem funcionalidades e usabilidades idênticas, irá destacar-se o mais atraente, de alguma forma, pois segundo Donald Norman, igualmente citado em Gong e Tarasewich (s.d), a emoção atua em grande parte na nossa interação com os objetos. Ainda, os tipos de atividades devem ser diversificados regularmente, a fim de evitar monotonia; a aplicação deve permitir segmentações e ajuste de conteúdos apresentados no ecrã. 16. Facilidade de utilização, aprendizagem e memorização: devese possuir fontes (tipos de letra) simples, que facilitam a leitura e compatíveis com todos os sistemas operativos iOS e Android. Segundo Brown (2009), representações na resolução de problemas de matemática permitem que os alunos a organizem, registem e comuniquem ideias. Concordamos que na aprendizagem de línguas, o uso de representações pode ser igualmente muito importante, possibilitando uma melhor abordagem contextualizada de aprendizagem. 17. Flexibilidade: o utilizador deverá ser capaz de baixar módulos da aplicação individualmente, dependendo dos contextos e variantes da língua pretendidos, ou baixar a aplicação completa. A aplicação deverá permitir ao utilizador o acesso e uso em modos offline e online, com e sem registo ou autenticação; permitir ao utilizador escolher uma lição/atividade ou fazer teste de nível para que a aplicação sugira lições/atividades; permitir iniciar ou parar qualquer tarefa a qualquer momento e retomar quando e onde desejar, indicando onde o utilizador tinha parado; possibilitar personalização da aplicação. 18. Compatibilidade: a aplicação deve ser compatível e adaptável aos dispositivos móveis como smartphone e tablet, adotados principalmente dos sistemas operativos iOS ou Android.

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Abordagem de ensino-aprendizagem e conteúdo do MALL De acordo com os objetivos de aprendizagem da língua, estritamente oral orientada para a compreensão, fala e desenvolvimento de habilidades para uso da língua dentro dum contexto sociocultural, propomos a abordagem de aprendizagem sociocultural, com foco na oralidade (compreensão e fala) e vocabulário de forma contextualizada. O conteúdo ideal para essa aplicação deve incluir cada uma das variantes de todas as ilhas e localidades através de situações que representam a cultura cabo-verdiana, por exemplo, as expressões utilizadas pelas batucadeiras da ilha de Santiago.

Considerações finais A língua cabo-verdiana possui sistema linguístico e estrutura própria. Passou por várias gerações, porém está ainda em fase de desenvolvimento, tendo um longo percurso a percorrer a fim de padronizá-la e oficializá-la, sem perder as variantes de cada ilha. Isso deverá ser realizado mediante um estudo aprofundado da língua falada e escrita pela população de Cabo Verde em geral, evitando assim opiniões pessoais e tentativas de imposição de regras e variantes de uma minoria. Da mesma forma, deve-se pensar numa reestruturação no sistema de educação desde o ensino básico até aa superior, a fim implementar um ensino bilíngue, tratando as duas línguas (portuguesa e cabo-verdiana) com igual rigor. Deste modo será possível estruturar um sistema de ensino de línguas para estrangeiros com maior eficácia. Até lá, a melhor abordagem de ensino a ser implementada é a sociocultural com ênfase na oralidade (compreensão e fala), apresentando aspetos sociais e culturais. As perspectivas do MALL consistem em diferentes níveis, onde o nível mais profundo é o capaz de explorar e aproveitar ao máximo as funcionalidades, possibilidades, facilidades e vantagens dos dispositivos utilizados em diferentes situações e contextos na aprendizagem de línguas. Quanto mais essas funcionalidades, possibilidades, facilidades e vantagens dos dispositivos são exploradas e aproveitadas na aprendizagem de línguas, mais vantajoso fica o MALL, marcando assim sua diferença com as demais modalidades de ensino-aprendizagem de línguas. As limitações dependem do objetivo de aprendizagem e estas podem ser superadas, pois muitas das limitações existentes no passado já não fazem sentido hoje, e a escolha da modalidade de aprendizagem de línguas deve depender do objetivo do aprendiz, suas necessidades, condições materiais, disponibilidade, entre outros aspetos.

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Relativamente ao design e usabilidade, um MALL não deve ser uma versão em formato miniatura de uma aplicação para computadores, mas sim uma criação com caraterísticas específicas, aproveitando ao máximo as vantagens e benefícios únicos que os dispositivos móveis e seus contextos proporcionam, tendo em especial consideração o tamanho dos dispositivos que continuam a diminuir. Ainda, este deve seguir uma abordagem centrada no aprendiz, situada, materializada, de aprendizagem informal, que debruça sobre a autonomia e ação, e que permite o desenvolvimento da competência intercultural. O MALL ainda possui grandes lacunas na literatura, principalmente em nível de design e usabilidade, devendo ainda ser estudado de forma interdisciplinar, por profissionais das áreas de Linguística Aplicada, Educação, Sociologia, Tecnologias de Informação e Comunicação, e Inteligência Artificial no caso do iMALL (MALL Inteligente), pois só assim o resultado atingirá com sucesso as necessidades e objetivos desses conceitos. Visto que se trata de uma pesquisa de caráter exploratória e qualitativa, esta poderá servir de base para abrir caminho para futuros trabalhos, entre os quais uma pesquisa de campo incidente sobre um públicoalvo amplo a fim de realizar uma análise mais profunda e detalhada, elaboração de um modelo conceitual, design e desenvolvimento de um aplicativo MALL/iMALL para a língua cabo-verdiana.

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MASON, R.; RENNIE, F. E-Learning and Social Networking Handbook: Resources for Higher Education. London: Routledge, 2008. MATTES, M.; THEOBALD, P. Ensino de Línguas. Questões Práticas e Teóricas. Fortaleza: UFC, 2008. Nielsen Social Media Report. [Em linha], 2012. Disponível em: <http:// www.nielsen.com/us/en/insights/reports/2012/state-of-the-media-the-socialmedia-report-2012.html/>. Acesso em: 30 mai. 2015. PEGRUM, M. Mobile Learning. Languages, Literacies and Cultures. Graduate School of Education, The University of Wester Australia, 2014. PETIT, T.; SANTOS, G. L. A aprendizagem não formal da língua estrangeira usando o smartphone: por quê voltamos a metodologias do século XIX?. Aprendizagem móvel dentro e fora da escola. In: 5º SIMPÓSIO HIPERTEXTO E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO. 1º COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO COM TECNOLOGIAS, 2014, Pernambuco Anais… Pernambuco. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), 2014. PINTÉR, R.; DESSEWFFY, T. Information Society - From Theory to Political Practice. 1. ed. Budapest: Gondolat - Uj Mandátum, 2008. SAVAZONI, R.; COHN, S. Cultura Digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009. UTI, União International de Telecomunicação. The world in 2015. ICT Facts & Figures. Place des Nations. Geneva Switzerland, 2015.

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VII

Vivências cabo-verdianas: reflexões, aprendizagens e um giro decolonial Mirian Lúcia Gonçalves

O texto que apresento a seguir tem como objetivo narrar a experiência de quem fez a opção de, em um intercâmbio para a pesquisa de doutorado, pisar em terras africanas a fim de se aproximar das histórias e culturas africanas que se entrelaçam com as histórias e as culturas brasileiras e, portanto, afro-brasileiras. O interesse por África surgiu ao me interessar e me debruçar sobre relações étnico-raciais e sobre as Políticas de Ação Afirmativa voltadas ao povo negro brasileiro e, assim, após caminhos tortuosos de buscas de delineamentos para uma tese, ter proposto como objetivo de pesquisa para o doutoramento analisar se e como alguns cursos de Pedagogia implementaram o disposto nas Leis 10.639/031 e 11.645/082 que tornam obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nos currículos[3]. Para tanto, entendi ser importante compreender as Histórias e Culturas africanas em seu lugar originárias e a partir das narrativas de seus próprios atores, sem passar pela interlocução de autores eurocêntricos como é feito de costume. Desta forma, busquei a inserção na cultura e história africanas em Cabo Verde, país insular do continente, a fim de fazer os levantamentos possíveis que fossem capazes de lançar luzes ao aprimoramento do estudo de Histórias e Culturas Africanas no Brasil a fim de que se coloquem

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A Lei 10.639/03 alterou os artigos 26-A, 79-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394 de 1996 determinando que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Os conteúdos devem abranger, dentre outros, o estudo da História da África e dos Africanos. 2 Em 2008 a Lei 11.645 altera novamente o artigo 26-A incluindo o estudo da História e Cultura Indígena.

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como “resistência epistemológica” para um “pensamento pós-abissal 3” (SANTOS, 2007). O intercâmbio deu-se no âmbito do Edital Santander 034/2016 e, para concorrer ao mesmo, recorri ao auxílio das Professoras Doutoras Débora Mazza e Nima I. Spigolon que tão prontamente me colocaram em contato com a Professora Doutora Gertrudes Oliveira da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde (localizada na capital Praia, Ilha de Santiago), que me auxiliou com os documentos necessários para inscrição e seguinte aprovação para usufruir de uma bolsa parcial que cobriria os gastos com passagem, seguro-saúde e moradia. Assim, embarquei no dia 18 de outubro de 2016 com destino à Cabo Verde na África, vivência que relato nas páginas a seguir.

A chegada: descobertas Embarcar em um avião para cruzar o Atlântico era uma experiência da qual eu nunca havia desfrutado e nem mesmo imaginado realizar. Uma travessia – termo que empresto dos relatos da Professora Nima I. Spigolon – que embora longa, não durou o tempo necessário para que eu me desse conta de que estava no lado leste do Oceano. Perceber-me em um novo território com especificidades próprias foi um movimento de descobertas que vivenciei com todos os sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição. Desembarquei em Praia, capital de Cabo Verde, depois de quase 24 horas de viagem entre voos e escala. Ao sair do avião já senti o calor úmido do clima tropical semidesértico – “vou gostar disso” foi o que pensei. A Universidade Jean Piaget, não apenas em minha chegada, mas durante toda a minha estadia foi sempre atenciosa e tive a honra de ser recepcionada, ainda no aeroporto, pelo Reitor da Universidade, Wlodzimierz Szymaniak, que aguardava também por um professor de Portugal que chegara no mesmo voo. Hospedei-me em uma das casas dentro do campus da Universidade e daí em diante comecei a construir um lar, laços de amizade e uma ro3

O pensamento abissal explica a divisão desde a colonização, até a contemporaneidade, em linhas abissais que dividem o mundo em “deste lado da linha” e “do outro lado da li nha”, no qual o outro lado da linha desaparece como realidade e torna-se inexistente. “A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença nos dois lados da linha” (SANTOS, 2007, p. 71). O pensamento abissal não ocorre ao acaso, mas é institucionalizado por meio das universidades, centros de pesquisa, escolas e as sofisticadas linguagens técnicas da ciência que torna a exclusão simultaneamente racial e inexistente que considera o “outro lado da linha” como subumanos e, portanto, sequer candi datos à inclusão social. “A negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na medida em que se constitui a condição para que a outra parte da humanidade se afirme como uni versal” (SANTOS, 2007, p. 76).

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tina que incluía além das aulas, estudos, passeios e o cuidado com dois cachorros – Revlon e Castanha – que foram meus fiéis companheiros durante os dois meses e dez dias que vivi em Praia. A comunicação, de forma geral, aconteceu de maneira bastante fácil. A língua oficial do país é o português com aquele sotaque que nos remete aos nossos colonizadores portugueses. No entanto, grande parte da população se comunica através do crioulo cabo-verdiano, língua materna no país e, apesar, de ter uma relação forte com o português, muitas vezes presenciei diálogos dos quais compreendi pouco ou nada do que se dizia. Durante o período pude aprender que o crioulo tem diversas ramificações entre os países africanos de língua portuguesa e até mesmo entre as ilhas de Cabo Verde. Meus vizinhos, majoritariamente guineenses, estavam sempre prontos a me ajudar e a me fazer companhia, desde o entendimento da nova moeda que eu deveria administrar – os escudos cabo-verdianos, – às compras no supermercado, praia e algumas saídas sem rumo em que pude conhecer a cidade real, para além de um turismo plastificado. Conheci botecos escondidos em vielas no qual geralmente havia uma televisão ligada com programas brasileiros sendo exibidos. A universidade Jean Piaget é pequena, mas muito acolhedora! Localiza-se numa região com casas grandes e prédios modernos que se diferenciam da maioria das moradias, mais simples e humildes, da cidade de Praia. Já na segunda semana na universidade, ministrei uma aula para a turma de Enfermagem: Direitos Humanos e Bioética, disciplina que participei esporadicamente, sempre que pude auxiliar em questões como Direitos Humanos e Ética. Entretanto, meu trabalho de estágio aconteceu de fato na disciplina “Abordagens Interculturais” para o 4º da turma do curso de Tradução e Interculturalidade que estava sob a responsabilidade da Professora Doutora Gertrudes que, além de me acolher nas atividades acadêmicas, acolheu-me também em passeios em que pude conhecer um pouco mais da Ilha de Santiago, suas culturas e histórias. A sala de aula é sempre um espaço que me encanta e mantém acesa a chama das possibilidades de construção e reconstrução de um mundo melhor. Poder trabalhar interculturalidade a partir de uma vivência intercultural concreta e real foi uma prática ao encontro do que Walsh (2001, p. 10-11) apud OLIVEIRA, CANDAU, 2010) denomina interculturalidade: Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. _____ 115


Quando a saudade apertava e precisava me sentir um pouco mais próxima do Brasil a televisão era um meio bastante eficaz, mas que me acenderam novas reflexões sobre nossas produções artísticas e jornalísticas. Isto porque em Cabo Verde há basicamente três canais de televisão em sinal aberto: a estatal RTC (Radiotelevisão Cabo Verde) que possui a TCV (televisão Cabo Verde) e a RCV (Rádio Cabo Verde) e exibe novelas brasileiras geralmente nos horários das 19h e das 21h, além dos horá rios de reprise no período da tarde ou madrugada; a Record TV Cabo Verde que, além da programação local, exibe alguns programas como “Balanço Geral” e também algumas novelas de origem brasileira e, por fim, a Tiver Cabo Verde (televisão independente de Cabo Verde) que também estava exibindo uma novela brasileira no horário das 21 horas. Desta forma, os cabo-verdianos têm uma aproximação bastante forte com o Brasil pelas histórias contadas nas novelas que constroem um imaginário nem sempre verdadeiro acerca da realidade brasileira – “Não há negros no Brasil” disse-me um taxista! – como ainda na narrativa sensacionalista de alguns jornais da Record TV que exibem notícias que exploram tão somente e demasiadamente a violência cotidiana – “Tinha vontade de ir ao Brasil, mas lá é muito perigoso, é bala perdida, assalto, eu vejo no jornal, é muito pe rigoso [...]” relatou-me outro motorista de táxi. Qual o retrato brasileiro que exportamos através das nossas produções televisivas? O levantamento com cerca de 70% das telenovelas brasileiras, realizado por Joel Zito Araújo (2007) junto a um grupo de pesquisadores, mostrou que em mais de um terço destas, não apareceu nenhum ator ou atriz negra, isso em um país com mais de 50% 4 da população negra (que se autodeclara preta ou parda). Daí a ideia do taxista de que “Não há negros no Brasil”. A experiência permite afirmar ainda que a representatividade televisiva brasileira é majoritariamente branca. Apresentadores de jornais, programas de entretenimento, propagandas etc., têm uma maioria esmagadora de pessoas brancas. Além disso, se no Brasil programas sensacionalistas lucram com a exploração da tragédia humana, exportados, constroem um imaginário de um Brasil tão somente violento que afasta o interesse em conhecer e desfrutar das inúmeras belezas naturais e culturais que oferecemos. Uma diferença marcante entre a televisão brasileira e a cabo-verdiana é a representatividade negra. Em Cabo Verde, nos programas locais a representatividade negra é absoluta. Apresentadoras e apresentadores dos telejornais e de programas de entrevistas, os videoclipes musicais exibidos, as (poucas) propagandas, todos são protagonizados por pessoas ne4

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2014), realizada pelo IBGE mostrou que em 2014 53,6% da população brasileira se autodeclaram como negra (pardos 45% e pretos 8,6%), em 2004 este percentual era de 48,1% (42,2% de pardos e 5,9% de pretos).

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gras. Além disso, a grande maioria de outdoors da cidade de Praia estava representado por pessoas negras. Ao entender que representatividade importa, imagino que seja menos difícil se desenvolver em uma sociedade no qual é possível se ver representada ou representado em jornalistas ou em apresentadores diversos, em que é possível assumir-se integralmente com os cabelos da forma que lhe for conveniente, o que no Brasil 5 é um privilégio oferecido apenas às pessoas brancas. Ainda na primeira semana fui também conhecer o mar. Em Cabo Verde, a praia é chamada “praia-mar” porque tendo em vista que “Praia” é o nome da cidade, se você solicitar ir à praia a um taxista, por exemplo, ele provavelmente lhe levará até o “Platô” (ou Plateau) que é o centro da cidade de Praia. Enfim, em terras cabo-verdianas, mais especificamente em Praia ou Tarrafal6, que foram lugares onde me deixei ser envolvida pelo mar, o Oceano Atlântico tem águas lindas, limpas, com muitas pedras que são rodeadas por peixes diversos que nem sempre se intimidam com a presença humana e nadam com a gente! Na areia, diferente do Brasil, quase não se vê cadeiras de praia, guarda-sol, vendedores ambulantes com carrinhos, coolers com bebidas, ou os quiosques de praia. Apenas uma bolsa com canga, protetor e uma garrafa com água é o que a maioria das pessoas leva para relaxar ou tomar um banho de mar. Durante a semana a praia-mar é mais tranquila, embora seja sempre possível encontrar alguns banhistas, geralmente turistas, mas aos domingos a Kebra-Kanela, nome da principal praia-mar da cidade, fica cheia de famílias, grupos de jovens e casais. A culinária de Cabo Verde oferece pratos típicos como a feijoada cabo-verdiana que é feita com feijão manteiga, legumes e carnes de porco e frango. Deliciosa. Outro prato bastante típico é a cachupa, uma espécie de cozido de feijão e/ou milhos estufados com legumes cozidos como batata ou banana e pode ainda ter acrescentada à receita carne ou peixe. A 5

O racismo no Brasil opera de diversas formas, e uma destas se dá pela negação à pessoa negra de manter os cabelos da forma como preferir, estigmatizando e violentando simbólica ou até fisicamente o considerado “fora do padrão” (magro, branco, cabelos lisos). Desta forma, ainda nos dias atuais são comum notícias como: “Não consigo emprego por causa do meu cabelo afro" (https://estilo.uol.com.br/beleza/listas/nao-consigo-emprego-por-causa-do-meu-cabeloafro-veja-casos-de-racismo.htm); “Colégio em Guarulhos pede que aluno corte cabelo crespo” (http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/12/colegio-em-guarulhos-obriga-menino-cortar-o-cabelo-crespo.html); “Estagiária negra é forçada a alisar o cabelo para preservar ‘boa aparência” (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/12/estagiaria-negra-e-forcada-alisar.html); Mãe recebe notificação de coordenador para cortas os cabelos crespos dos filhos ( http:// www.em.com.br/app/noticia/nacional/2016/06/21/interna_nacional,775244/coordenadoracritica-cabelos-crespos-de-duas-criancas-em-escola-no-rj.shtml). Estas são algumas que exponho para ilustrar o cenário racista em que o Brasil ainda está colocado. 6 Tarrafal é uma cidade localizada ao norte da Ilha de Santiago.

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cachupa é servida de dois jeitos: com caldo ou refogada. Neste último caso ela é deixada descansando de um dia para outro e, já sem caldo, é re fogada com cebola e servida com um ovo frito e linguiça. Recomendo! A descoberta que fiz com menos alegria foi acerca do machismo exacerbado nos homens que parecem não compreender a possibilidade de uma mulher estar sozinha e ousar não querer a companhia de um homem. Há forte a ideia da mulher como sexo frágil que precisa ter um homem ao seu lado para cuidá-la e protegê-la. O assédio, embora sutil, acontece em todos os espaços: no táxi, no mercado, na rua, na praia-mar. Há sempre um “psiu” ou mesmo uma tentativa de conversa, ainda que haja recusa. Por outro lado, a questão de gênero era sempre abordada em reportagens exibidas nos programas televisivos locais. Os dados da violência baseada em gênero, de acordo com a pesquisa do Instituto Cabo Verde para igualdade e equidade de gênero – ICIEG, mostram que em uma amostra formada por 1333 mulheres de 15 a 49 anos, 22% sofreram violência de algum tipo desde os 15 anos. Das 1333, 797 são casadas e destas, 20% admitiram sofrer violência conjugal (emocional, psicológica, física e/ou sexual). O Instituto disponibiliza uma linha de atendimento para denúncia de mulheres vítimas da violência, a linha SOS (800 1818). Sobre esse assunto, tive a oportunidade de conversar com as famílias que estão começando a se organizar em uma Associação de Pais e Mestre da Escola Secundária de Salineiro6 sobre feminismo, explorando os dados da violência de gênero. Enquanto as mulheres ouviam atentas e estabeleciam diálogos com o tema, os homens, claramente incomodados, encaravam-me com desconforto e alguns chegaram a se retirar da sala durante a conversa. A música cabo-verdiana tem grandes nomes como Cesária Évora (1941-2011), cantora popular que teve o maior reconhecimento internacional da História de Cabo Verde. Lang (2007) explica que Cesária cantava principalmente no dialeto do Norte ou barlavento crioulo da ilha de Mindelo (onde nasceu) e contemplava toda a gama da cultura musical caboverdiana, não apenas na direção da morna 7, mas da coladeira, do batuque e do funaná, gêneros musicais cabo-verdianos. Atualmente a cantora Mayra Andrade, destaca-se como um talento musical de Cabo-Verde. Em seu site oficial8 é possível descobrir que seu pai foi combatente na luta pela independência de Cabo-Verde, que teve apoio de Cuba. Como havia receio pela saúde da mãe durante a gravi6

Localizada no Município de Ribeira Grande de Santiago (Cidade-Velha). “É provável, entretanto, que a morna, o fado e o samba brasileiro tenham raízes comuns, advindas de uma fonte distante, o lundum angolano. Há evidências de que o lundum já existia em Boa Vista, uma das ilhas de Cabo Verde, no século XVII, tendo sido então leva do para o Brasil, de lá para Lisboa e talvez de volta a Cabo Verde (LANG, 2007 apud MORTAIGNE, 1997, p. 114-118). 8 http://www.mayra-andrade.com/biography/ 7

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dez, partiu para ter a sua filha num país irmão. Assim, Mayra nasceu em Havana e adquiriu a nacionalidade cubana, mas passou o início da sua infância na cidade da Praia, em Cabo Verde. Depois, aos 6 anos de idade, viajou com a sua mãe e o seu padrasto, que era diplomata, para o Senegal, Angola e Alemanha. Quando regressou a Cabo Verde aos 14 anos de idade, começou a cantar e ganhou uma medalha de ouro no concurso dos Jogos da Francofonia em 2001, em Otava. Eu tive o privilégio de assistir a um show (gratuito!) de Mayra Andrade em 11 de dezembro de 2016, no Platô (centro da cidade), para a celebração de um ano da campanha Livres & Iguais9. Essas foram descobertas de quem ao chegar se tornou “estrangeira”. Já havia sido “estrangeira” em mim mesma, muitas vezes, tendo que me revisitar e reconhecer para ser novamente nativa de mim, mas pela primeira vez eu, de fato, podia me apresentar como alguém de fora do mundo me colocado à frente, e que me acolhia e me fazia entender cotidianamente o significado de morabeza 10, a arte cabo-verdiana de bem receber e acolher.

A vivência: aprendizagens significativas Ao fazer a digressão necessária para a construção desta narrativa, percebo as aprendizagens que foram possíveis ao longo dos 70 dias em que estive na Ilha de Santiago: histórias, culturas e vivências que seriam impossíveis de descrever com as particularidades que só uma vivência é capaz de desvelar, no entanto, faço a seguir o esforço de apresentar e compartilhar da forma mais leal que posso, os aprendizados sobre Amílcar Cabral, As batucadeiras e o Mercado Sucupira.

Amílcar Cabral A história oficial do país conta que os portugueses chegaram à Ilha de Santiago em 1460, e encontraram terras desabitadas, portanto, ilhas virgens, que tão logo se ocuparam em tomar posse e utilizar das mesmas práticas utilizadas nas demais colônias: oferecimento de terras a portugueses e exploração do povo escravizado trazido forçadamente de países 9

Cabo Verde foi o primeiro país africano a aderir à Campanha Livres & Iguais da ONU que tem como objetivo promover a igualdade de lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT). 10 A palavra “morabeza” é uma categoria cultural, espécie de cordialidade crioula caboverdiana, tida como uma das maiores marcas culturais do país. Tal é a sua força como ex pressão de uma originalidade cultural, que é de difícil correspondência vocabular ou tradução para outra língua, ganhando foro semelhante àquele reservado à palavra saudade na língua portuguesa (DE PINA, 2011).

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do continente africano às ilhas que eram também rota do mercado escravocrata. Findou-se a escravidão, mas não findou, nas terras cabo-verdianas, a exploração da metrópole sob a colônia que, apenas em 1975, por meio de luta armada inicialmente liderada por Amílcar Cabral teve sua independência proclamada. É em meio à descoberta desta História que conheço Amílcar Cabral, marxista, revolucionário fundador e líder do PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (fundado em 1956). A partir da obra “Unidade de luta” (CABRAL, ANDRADE, 1976) pude compreender um pouco mais a opressão portuguesa e a luta empunhada por Amílcar Cabral junto ao PAIGC para a independência de Guiné e Cabo Verde. A situação dos nossos povos, assim como a dos outros povos dominados por Portugal, parece absurda. Os direitos fundamentais do homem, as liberdades essenciais, o respeito pela dignidade humana — tudo isso é desconhecido nos nossos países. Enquanto que as potências coloniais aceitam, regra geral, o princípio da auto-determinação dos povos e procuram, cada uma de sua maneira, encontrar uma solução para o conflito que as opõe ao povo dominado, o governo português teima em manter o seu domínio e a sua exploração sobre cerca de quinze milhões de seres humanos, dos quais doze milhões são africanos11 [...] Um princípio fundamental da nossa luta é que a nossa luta é a luta do nosso povo, e o nosso povo é que tem que a fazer, e o seu resul tado é para o nosso povo. O nosso povo está, portanto, a lutar contra a classe colonialista capitalista portuguesa e, lutando contra ela, está a lutar necessariamente contra o imperialismo, porque ela é um pedaço, embora pequenino e mesmo podre, do imperialismo. Assim, nós sabemos contra quem é que lutamos. Mas nós enfrentamos o problema não só da libertação, mas também do progresso do nosso povo. E, nessa base, vemos logo que a nossa luta não pode ser só contra estrangeiros, tem que ser também contra alguma gente dentro da nossa terra. O nosso povo tem que lutar ao mesmo tempo contra os seus inimigos de dentro. Quem? Toda 11

Trecho do Capítulo 3.2 denominado “A Guiné e as Ilhas de Cabo Verde face ao colonialismo português” de Cabral (1978) e foi retirado do Relatório geral sobre a luta de libertação nacional apresentado na Conferência das Organizações Nacionalistas da Guine e das Ilhas de Cabo Verde, realizada em Dacar de 12 a 14 de Julho de l 961. [14]Foi a primeira cidade do país, onde chegaram os portugueses em 1460, tornando-se Ribeira Grande em 1462

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aquela camada social da nossa terra, ou classes da nossa, terra, que não querem o progresso do nosso povo, mas querem só o seu progresso, das suas famílias, da sua gente. É por isso que dizemos que a luta do nosso povo é contra tudo quanto seja contrário à sua liberdade e independência, mas também contra tudo quanto seja contrário ao seu progresso e à sua felicidade.

Para Paulo Freire (1985), Amílcar Cabral foi um “pedagogo da revolução” porque encarnou perfeitamente o sonho de libertação de seu povo e os procedimentos políticos pedagógicos, para a realização desse sonho. Freire (1985) relata em palestra, após retornar do exílio em meados dos anos 80 (século XX), lamentar não o ter conhecido pessoalmente. Pessoalmente, lamentavelmente, eu nunca pude encontrar Amílcar, é uma das minhas frustrações, eu gostaria de tê-lo conhecido pessoalmente. Mas conhecia seus trabalhos e fiz a leitura de alguns de seus textos. Dediquei-me muito à leitura de seus textos quando, após a libertação da Guiné Bissau, Cabo Verde e demais países, recebi um convite do Governo da Guiné Bissau para, com uma equipe com a qual eu trabalhava, na época em Genebra, dar uma contribuição ao povo Guineense e também Cabo Verdiano. Então naquela época uma das exigências que nós nos fizemos foi exatamente fazer um estudo sério do que a gente encontrou da obra de Amílcar. Lembro-me de que eu li dois volumes da obra de Amílcar numa tradução francesa; só depois eu consegui o texto original publicado em Lisboa. Mas a gente lia, eu costumava a ler o Amílcar assim, página por página, palavra por palavra, fazendo minhas notas, e quando cheguei, fomos juntos, a equipe do Instituto de Ação Cultural – IDA, e eu, a Bissau, nós começamos então a conversar com gente que havia lutado ao lado de Amílcar, com gente cabo-verdiana e com gente guineense, que havia lutado com Amílcar, ao lado de Amílcar. E a gente foi vendo e comprovando uma enorme coerência, através dos depoimentos, entre o que a gente lia nos textos de Amílcar, e o que se diziam a nós nos depoimentos. Gente moça, gente jovem, guerrilheiro que tinha lutado nos campos, nas matas com Amílcar. Então, a leitura de Amílcar, a personalidade Amílcar, de Amílcar como um grande revolucionário, era uma coisa que a mim me fascinava e me fascina completamente hoje (p. 4-5).

Na cidade de Praia visitei o memorial à Amílcar Cabral que, além da estátua representando a sua figura, possui uma sala com documentos que contam um pouco sobre a luta pela independência como a carta ilustrada na figura a seguir da qual destaco o trecho: Adoptei o nome de Abel Djassi, por razões de segurança. Trabalhei muito pela nossa causa e finalmente abandonei tudo e estou aqui para continuar a luta contra os nossos opressores e pela nossa inde-

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pendência. Garanto-vos que temos todas as possibilidades de vencer e que cada dia teremos mais possibilidades.

Figura 1 - Memorial Amílcar Cabral em Praia, Cabo Verde.

Fonte: Foto do arquivo da autora

A decisão pela luta armada se deu em 1959, em função da repressão violenta à greve dos trabalhadores portuários pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE-Portugal) que ficou conhecida como o massacre do cais de Pindjiguiti, no qual houve dezenas de mortos e feridos e foram seguidas por ondas de repressão por parte da administração portuguesa (MONTEIRO, 2013). Quatro anos depois, aconteceram as primeiras ações militares do PAIGC contra as instalações das Forças Armadas Portuguesas. Estas ações contaram com o apoio das populações locais que conheciam a proposta do PAIGC e estavam mobilizadas para a luta da independência.

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A luta, na nossa terra, tem que ser feita pelo nosso povo. Não podíamos de maneira nenhuma pensar em libertar a nossa terra, em fazer a paz e o progresso da nossa terra, chamando gente de fora (estrangeiros) para virem lutar por nós. Na Guiné e em Cabo Verde nós é que temos que lutar, nós é que temos que lançar mão de todos os meios para lutar. E assim de fato tem acontecido (CABRAL, 1975, p.99). Devemos fixar, portanto, em cada momento desta grande luta que estamos a fazer, duas fases: uma, contra as classes dirigentes capitalistas colonialistas de Portugal e o imperialismo que querem dominar a nossa terra, econômica e politicamente; outra, contra todas as forças, dentro da nossa terra, forças materiais ou de espírito (quer dizer: de cabeça e de ‘idéias’), que possam levantar - se contra o progresso do nosso povo no caminho da liberdade, da independência e da justiça. E, para isso, luta corajosa contra os criminosos colonialistas portugueses e vigilância rigorosa contra os agentes imperialistas (CABRAL, 1975, p.101).

“Che” Guevara, Fidel Castro e Papa Paulo VI são nomes célebres que fazem parte da biografia de Amílcar Cabral, assassinado em 20 de janeiro de 1973, aos 48 anos sem ver a consolidação da independência de Guiné Bissau e Cabo Verde que aconteceram em 24 de setembro de 1973 e 5 de julho de 1975 respectivamente.

As batucadeiras A primeira vez que vi a apresentação das “Batucadeiras” foi quando conheci a Cidade Velha, que na verdade chama-se Ribeira Grande de Santiago12. Foi a primeira manifestação cultural com raízes claramente africanas que pude presenciar. As batucadeiras são um grupo de mulheres que tocam o “batuko”, ou batuque, que é ´marcado pela polirritmia e uma estrutura de canto-resposta, aspectos que fazem do batuko a expressão musical mais próxima de padrões africanos dentro do cenário musical cabo-verdiano (NOGUEIRA, 2011).

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Foi a primeira cidade do país, onde chegaram os portugueses em 1460, tornando-se Ri beira Grande em 1462.

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Figura 2 -As batucadeiras. Praia, Cabo Verde.

Fonte: Foto do arquivo da autora, novembro/2016 É com o auxílio da descrição de Nogueira (2011) que narro a apresentação das batucadeiras que pude presenciar: as mulheres colocaram-se na forma de um grupo de percussionistas-vocalistas e, sentadas em um semicírculo cantaram e tocaram percutindo num instrumento (de pano) que tinham preso entre as coxas. Havia uma solista a cujo canto o grupo respondia com um refrão. O início da sessão se deu com um ritmo lento e à medida que a cantiga avançou, uma parte do grupo passa a fazer outro ritmo, de modo que ambos se sobrepunham. Esse conjunto sonoro é denominado “xabeta”. Durante toda a apresentação do batuko que presenciei, havia uma – e em alguns momentos duas ou mais – dançarinas (conforme é possível ver na imagem acima) para “dá ku torno”, dança centrada no requebrar dos quadris e que atinge um clímax de rapidez quando a xabeta se torna mais intensa – mudança que se denomina rapica xabeta ou rabida (NOGUEIRA, 2011).

O Mercado Sucupira O Mercado Sucupira tem esse nome por causa de uma novela 13 brasileira. Lá eu costumava dizer que me sentia como no mundo de Nárnia, um lugar fantástico e mágico, mas no qual as crianças quase nunca se tornam reis ou rainhas, e, além disso, parecia um mundo sem saída. Eu entrava por uma das diversas entradas e jamais consegui sair pela mes13

Novela “O bem-amado”, primeira novela em cores da televisão brasileira e a primeira a ser exportada.

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ma e sempre havia passado mais tempo do que eu imaginava perdida na diversidade dos inúmeros produtos e serviços oferecidos: consertos diversos, celulares, relógios, tecidos, brinquedos, roupas de todos os tipos, sapatos, artesanatos locais e regionais, produtos de beleza, souvenirs, frutas, legumes, peixes frescos, temperos, panelas, cabeleireiras, manicures e pedicures... A actividade principal do mercado do Sucupira é a comercialização de produtos adquiridos no país e em vários países africanos (principalmente Senegal, Gâmbia, África do Sul e Guiné- Conakri), europeus (principalmente Portugal, Holanda, França) e americanos (principalmente Estados Unidos da América e Brasil). Muitas das coisas que se vende no mercado do Sucupira são trazidas dos Estados Unidos em bidões (que já foram utilizados com o petróleo). Isto constitui uma das formas que os emigrantes utilizam para ajudar a família. Outras actividades tais como a confecção de vestuários, produção e montagem de fotografias, salões de cabeleireiros, serviços informáticos, som, etc. são também produzidas no mercado do Sucupira (GRAÇA, 2011).

Graça (2011) conta em sua pesquisa sobre o Sucupira que o mercado surgiu na década de 1990 sob a necessidade de descongestionar o mercado do Platô e faz parte da rede de mercados municipais da Câmara Municipal de Praia e é considerado o maior mercado de Cabo Verde. O mercado é formado por um grande espaço coberto e possui centenas de “lojas” que remetem a organização dos ‘camelódromos’ brasileiros e conta com cerca de 1350 vendedores – “rabidantes 14” que são na sua maioria mulheres. A atuação das mulheres no mercado constitui uma via importante de emancipação econômica, ao proporcionar emprego e renda, no entanto, essa possível independência financeira não tem conseguido reverter às desigualdades de gênero, uma vez que na realidade, ocorre uma sobreposição de atividades; as rabidantes, apesar obterem um rendimento significativo, devem ainda realizar as atividades domésticas e cuidar dos filhos (SILVA, 2015). O mercado Sucupira, além de me encantar com a diversidade exposta, foi o espaço de contato com a força da mulher africana que, muitas vezes acompanhada de suas crianças, empunhava sem medo o facão para cortar o peixe, na luta cotidiana pela sobrevivência num país onde todos os taxistas eram homens e a maioria esmagadora de “rabidantes” eram mulheres. Elas relatam, para além da jornada dupla ou tripla, a dificuldade 14

ra·bi·dan·te: (rabidar + -ante) adjetivo de dois gêneros e substantivo de dois gêneros. [Cabo Verde] Que ou quem vende o que foi comprado com a intenção de ser comercializa do; Revendedor (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/rabidante>. Acesso em: 08 mar. 2017.

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encontrada no mercado informal: aumento das taxas, as condições de higiene e de segurança, o baixo volume de vendas; a concorrência desleal com os chineses; os elevados preços das viagens; as taxas alfandegárias elevadas e desmotivadoras (GRAÇA, 2011). Ao redor do mercado muitas pessoas, também uma grande maioria de mulheres, se estabelecem para vender frutas, legumes, peixes, porcos, galinhas e cabritos. O mercado informal é a principal fonte de renda em Cabo Verde e o Sucupira contribui com mais de 40% para o crescimento da economia urbana do país.

A partida: recomeços e utopia "A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei, porque ela vai se distanciando quando mais me aproximo. Para que serve, então? Pois a utopia serve para isso, para caminhar!" Fernando Birri (diretor de cinema argentino)15

Em meio a tantas aprendizagens, um ponto que me chamou a atenção ao longo de todas essas vivências em Cabo Verde foi a religiosidade cabo-verdiana ligada fortemente ao cristianismo com uma maioria esmagadora da população que se declara católica. Há também manifestações religiosas de igrejas evangélicas como a Batista, Adventista do 7º dia, Nazarena e Universal do Reino de Deus. Era comum ver jovens universitários com terços adornando o pescoço, ou brincos com a imagem de Jesus Cristo. Não encontrei – com o limite do tempo e espaço em que estive no país – manifestações religiosas ligadas às matrizes africanas, como é o caso da Umbanda, por exemplo. Também senti falta de uma narrativa crítica e combativa em relação ao período escravocrata, nas discussões sobre o tema com estudantes da universidade. Pude ainda perceber que o ideal de branqueamento está presente tal qual no Brasil, em que o prestígio social liga-se também a quanto mais clara for a pele da pessoa. Isso se concretiza em Cabo Verde na rivalidade entre as ilhas, na qual a ilha que possui uma população mais branqueada manifesta um sentimento de superioridade com relação à população de ilhas com pessoas de pele mais escura. Mourão (2009, p. 89-90) explica que a construção das nacionalidades cabo-verdianas privilegia a forma de 15

Muitas vezes a autoria desta citaçãoé atribuída à Eduardo Galeano, mas o mesmo explica que a ouviu de Fernando Birri ao responder a questão de um aluno que perguntou “Para que serve a utopia”?. É possível ver Eduardo Galeano contando esta história no vídeo “Eduardo Galeano - El Derecho al Delirio”. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=Z3A9NybYZj8>. Acesso em: 10 mar. 2017.

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colonização portuguesa e as elites cabo-verdianas são fundamentais à compreensão da construção da identidade nacional em Cabo Verde. A forma de ocupação e as estratégias usadas pelos portugueses e pelas elites cabo-verdianas - aliadas aos portugueses, no projeto colonial - distanciaram os cabo-verdianos de suas "raízes africanas" e os aproximaram mais da "cultura europeia", possibilitando questionar se são africanos, atlânticos, europeus ou uma mistura de todos esses atributos. Em suas definições sobre a "cabo-verdianidade", muitos elementos identitários são acionados e se relacionam, como "raça", língua, religião e nacionalidade. Ao encontro disso, Castro-Gomes e Grosfoguel (2007, p. 291) explicam que “uma das realizações da razão imperial foi a de afirmar-se como uma identidade superior ao construir constructos inferiores (raciais, nacionais, religiosos, sexuais, de gênero), e de expeli-los para fora da esfera normativa do “real”. Neste contexto, surgiram reflexões que me levaram a um novo caminho na pesquisa do Doutorado. Ao me deparar com a força dos constructos (CASTRO-GOMES; GROSFOGUEL, 2007) de identidade, cultural, religioso e epistemológico da colonização portuguesa, que é tal qual ou, ainda mais forte que no Brasil, encontro em Fanon o diálogo necessário para compreender as contradições entre o processo de independência que, embora conquistada à base de luta, não foi suficiente para romper com mais de cinco séculos de dominação que acabara por impor também em terras africanas a hegemonia ideológica eurocêntrica. Assim, diz Fanon (1968, p. 272): A Europa assumiu a direção do mundo com ardor, cinismo e violência. E vemos como a sombra de seus monumentos se estende se multiplica. Cada movimento da Europa fez estalar os limites do espaço e do pensamento. A Europa recusou-se a toda humildade, a toda modéstia, e também a toda solicitude, a toda afeição. Desta forma, parti de Cabo Verde maravilhada com as aprendizagens de novos sabores, culturas e histórias de resistência africana, mas também com a reflexão de que uma Educação antirracista, como pressuposta pela Lei 10.639/03, passa também pela descolonização do pensamento porque “nenhum povo, mesmo no período pós-colonial, consegue se livrar de seu colonizador, enquanto não se liberta também de seus referenciais teóricos, de suas premissas, de seus fundamentos e de seus paradigmas” (ROMÃO, 2012). Além disso, uma vez que a ideia de raça, por exemplo, não tem história conhecida antes da invasão das Américas e, de acordo com Quijano (2005) pode ter se originado como uma referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados, o racismo é também um marco da colonialidade. Daí a necessidade de um giro decolonial para construir e reconstruir as particularidades perdidas pelo violento processo de colonização. _____ 127


Isto porque a elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e euro centrado (QUIJANO, 2005). O conceito de decolonialidade questiona, portanto, a ideia de que os Estados-nações das periferias se estabelecem agora em um mundo descolonizado e pós-colonial, tendo em vista que a divisão internacional do trabalho entre centros e periferias, assim como a hierarquização étnicoracial das populações, formada durante os vários séculos de expansão colonial europeia, não se transformou significativamente com o fim do colonialismo. Portanto, o que ocorre é uma transição do colonialismo moderno para uma colonialidade global (CASTRO-GOMES; GROSFOGUEL, 2007). Neste cenário, não se trata de negar ou deslegitimar as ideias críticas europeias ou as ideias pós-coloniais, a opção decolonial é epistêmica, ou seja, ela retira do centro hegemônico os fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais de acumulação do conhecimento (MIGNOLO 2007) numa perspectiva de interculturalidade crítica que deve buscar implodir as estruturas coloniais do poder para refundar estruturas sociais, epistêmicas e de existências que coloquem em cena e em relação equitativa práticas e modos culturais diversos de pensar, atuar e viver (WALSH, 2010). Dessa reflexão construo e reconstruo a mim mesma e a pesquisa que propus para o doutorado. Desejo ir além da compreensão sobre o cumprimento da Lei nos cursos de Pedagogia. A práxis como estrangeira em um solo com as mesmas dores do Brasil me impulsionam a buscar saber se e onde estão as possibilidades para uma Educação Decolonial a partir da implementação de Políticas de Ação Afirmativa como as Leis 12.711/1216, 10.639/03 e 11.645/08. A partida de Cabo Verde finalizou uma experiência que, paradoxalmente, alçou-me novamente no recomeço de uma pesquisa que busca ser mais que um emaranhado de palavras organizadas metodologicamente com citações, busca – utopicamente talvez – ser a construção de possibilidades decoloniais para a construção de um mundo que seja capaz de romper com as hierarquias raciais, políticas, econômicas e de gênero construídas sob séculos de colonialismo europeu no mundo (GROSFOGUEL, 2012). 16

A Lei 12.711/12 estabeleceu a obrigatoriedade das instituições públicas federais de edu cação superior e dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia a reservarem, em cada processo seletivo para ingresso, um mínimo de 50% das vagas por curso e turno a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino médio – ou o ensino fundamental, para o caso dos institutos de ensino médio técnico – em escolas públicas. É ainda garantida a reserva de vagas, dentro destes 50%, de no mínimo a porcentagem do IBGE de onde a IE se localiza de pessoas autodeclaradas negras, indígenas ou pessoas com deficiência.

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VIII

Travessias do Atlântico – Brasil e Cabo Verde em diálogo com o Projeto/Acordo CAPES-AULP Débora Mazza, Nima I. Spigolon e Gertrudes M. F. Silva de Oliveira

Considerações iniciais O presente capítulo constitui um desafio que elabora sobre a experiência de fazer parte das travessias, que ora aproximam, ora distanciam as costas marítimas do Atlântico. É ainda, uma feitura a várias mãos entre três professoras/pesquisadoras – duas brasileiras e uma cabo-verdiana, que aqui se reúnem no formato de texto. Ele se inspira inicialmente nos mapas de idas e vindas, tracejados com projetos político-pedagógico, percursos formativos e processos epistemológicos, que objetivam pensar e dialogar sobre a educação no Brasil e em Cabo Verde a partir do Projeto/Acordo CAPES-AULP (0038/13) que têm como foco a cooperação e o intercâmbio intercultural e acadêmico entre os PALOP. Entre as páginas, duas instituições balizam os diálogos: a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), /Brasil e a Universidade Jean Piaget (UniPiaget), Cabo Verde, veiculando professoras/pesquisadoras, estudantes, funcionários, países de origem e de destino. Neste sentido, as experiências acontecem concomitantes em ambas as realidades, impactando e ampliando as fronteiras da pesquisa entre África e América Latina. Tal associação suscita indagações acerca de nossas reflexões: Qual o sentido atribuído aos acordos de cooperação internacional? Quais os cenários para esses acordos bilaterais, especificamente entre Brasil e Cabo Verde? As atividades realizadas implicam adaptações e provocam rupturas com a formação docente? São estabelecidas outras relações com outros lugares? Como as travessias afetam a visão de mundo e de Brasil/ Cabo Verde? Sem condições de aprofundar o debate à volta das questões supracitadas e de outras suscitadas ao longo deste trabalho, é importante mencionar que as travessias do Atlântico e os Projetos/Acordos CAPES/AULP compõem cenários educacionais mundiais marcados por transformações econômicas, políticas e sociais que abrangem um repertório de discussões contemporâneas de valor significativo que merece ênfase sobre a forma_____ 133


ção/atuação docente, os campos de pesquisa e de produção de conhecimento, os projetos de sociedade, as diversidades de povos e países e as configurações1 nas quais elas se inserem.

Em torno dos Acordos bilaterais Os acordos internacionais para a área da Educação celebrados entre Brasil e Cabo Verde, abordados nesse artigo, referem-se ao período pós-colonial, considerando as relações históricas e as temporalidades diferenciadas na construção e estruturação dos estados Brasileiro e Cabo-verdiano. Volvidos cerca de século e meio após a independência do Brasil, Cabo Verde ascende à sua emancipação política de Portugal em 1975, sob a égide do Partido Africano para Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), a força política que, quer por meios diplomáticos, quer pela luta armada, conquista a independência dos dois países: Guiné e Cabo Verde. Porém, em 1980, um golpe de estado na Guiné Bissau, representou o fim do projeto Unidade Guiné - Cabo Verde, idealizado por Amílcar Cabral, o protagonista do movimento de libertação e herói nacional dos povos da Guiné e Cabo Verde. Na verdade, as diferenças sociais, culturais e outras ligadas à formação étnica eram de tais formas significativas que, aliadas aos ressentimentos seculares dos guineenses em relação aos cabo-verdianos e vice-versa, inviabilizaram a continuidade de projetos dessa natureza2. Com o viés nacionalista, o governo do PAIGC/CV compreendia a educação como locus de transformações estruturais no que tange as relações sociais, a identidade cultural, o desenvolvimento e a constituição de uma unidade nacional. Assim, era de extrema urgência encontrar respostas que contribuíssem para mitigar a situação educacional em Cabo Verde na altura da independência, caracterizada por: • Um reduzido número de infraestruturas educativas (escolas), distribuídas de forma assimétrica ao longo do território nacional com graves disparidades regionais. • Uma elevada taxa de analfabetismo (que rondava os 60%), afetando especialmente as mulheres, onde 1

O sentido é o adotado por Elias – como ele entendo que “o conceito de configuração expressa o que chamamos de ‘sociedade’ e que os instrumentos conceituais da sociologia não são nem uma abstração de atributos de indivíduos que existem sem uma sociedade, nem um ‘sistema’ ou ‘totalidade’ para além dos indivíduos, mas a rede de interdependência por eles formada” (1994, p. 249). 2 Para aprofundar a temática sugerimos, por exemplo: ÉVORA (2004); LOPES (2002); LOPES (2005, 2012); LOPES FILHO (2007, 2013); FURTADO (1997); TOLENTINO (2005); CARDOSO (1993); NDJAI (2013) e SPIGOLON (2014).

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determinados tabus tolhia-lhes o direito de frequentar a escola; • Um déficit crônico de materiais pedagógicos, sendo, os poucos que havia completamente alienados da realidade nacional, pois reproduziam os conteúdos curriculares da metrópole; • Um fraco investimento na formação docente. Nesta linha, havia, antes de mais, a necessidade de formar quadros para responder ao projeto de sociedade em construção, além de romper com os padrões educacionais instituídos durante o período colonial (Barros, 2007; Moniz, 2007; Morais, 2013; Santos, 2010). A partir de 1977, com os objetivos de integrar as escolas com a vida da comunidade e com o mundo do trabalho e reduzir o analfabetismo foram firmados acordos de cooperação entre o PAIGC e o Estado ditatorial brasileiro, onde o teor, a forma e a estrutura desses ainda se encontram pouco explorados pelas pesquisas consultadas. Houve unanimidade nas pesquisas ao apontar que a mobilidade estudantil foi a porta de entrada para a cooperação no campo educacional entre os dois países (Brasil e Cabo Verde). Nesse caso, o Programa Estudante-Convénio (PEC-G e PEC-PG) existente desde as primeiras décadas do século XX – administrado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) e, posteriormente, em conjunto com o Ministério de Educação (MEC) e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no Brasil3, tornou-se responsável, entre 1960 e 1980, pela emissão estudantes nacionais para cursar mestrado e doutorado em universidades estrangeiras e a recepção de professores e estudantes internacionais, a partir de 1990, para a criação de programas de cooperação acadêmica internacional com o objetivo de fomentar grupos de pesquisa e o intercâmbio entre pesquisadores e estudantes4. Sobre as relações bilaterais promulgadas através desse Programa, os pesquisadores cabo-verdianos Barros (2007), Moniz (2007) e Morais (2013) analisaram que houve grande interesse do Estado ditatorial Brasi3

Embora o artigo 26-A da LDB torne obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nos ensinos fundamental e médio, a Resolução Nº1 de 17 de junho de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana apresenta no Artigo 1°: “A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas instituições de ensino de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, bem como na Educação Superior, em especial no que se refere à formação inicial e continuada de professores, necessariamente quanto à Educação das Relações Étnico-Raciais...” 4 Sobre os Acordos PEG e PEG-PG, remissão a Mazza (2011 b).

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leiro em estreitar relações com países africanos, principalmente como os lusófonos, que se intensificam sob a hipótese da constituição de regiões de influências através de redes de cooperação em diferentes áreas, sendo a outra hipótese baseada na natureza cultural e colonial que também aproximava tais países. Outra constante apontada pelos pesquisadores foi que tais cooperações de ordem política e econômica tornaram-se uma constante com a abertura dos dois países ao sistema político democrático, o que em Cabo Verde aconteceu a partir da década de 1990. Neste contexto foram intensificados os acordos de cooperação com Cabo Verde no âmbito da educação inicial (1998 e 2002), do ensino profissionalizante e Pós-graduação (2004) e de assessoria para a criação de uma Universidade (2005 e 2006). Na última década, a cooperação bilateral entre Brasil e Cabo Verde intensificou-se no âmbito do Ensino Superior mediante acordos de cooperação técnica, onde o Brasil reverte a tendência nacional das décadas anteriores de emissor de nacionais para instituições estrangeiras para a tendência internacional de assessorias e de contribuição para o desenvolvimento de outros países também através dos Programas PEC-G e PECPG e outros no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e outras Instituições nacionais e internacionais que fomentam e promovem a mobilidade acadêmica 5. Optamos por utilizar o conceito de circulação e não de migração para referirmo-nos aos percursos realizados como parte do intercâmbio acadêmico, inserido em configurações mais amplas de circulação de práticas, saberes e pessoas. A apreensão tradicional do fato migratório se refere a uma definição de tipo residencial (mudança de residência) e unidirecional (transferência de um lugar para outro) a partir da concepção de uma residência única e inicial. A apreensão do conceito de circulação tende a recobrir as situações migratórias distintas, onde a ideia de mobilidade predomina como elemento organizador das dinâmicas sociais individuais e grupais em situações migratórias. Le concept de circulation different de celui de migration, fait reference à la mobilité physique dês hommes, avec leur itineraire, leur moyen de transport et la pratique effective et affective de l’espace parcouru. Dans ce sens, le terme envoie aux mobilités dês individus, mais aussi dês biens et dês valeurs, dans um espace 5

Projeto CNE/UNESCO intitulado “Desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação nacional de qualidade”, Contrato número SA – 390/2013 e UNESCO: 545341, Brasília: 2013. Trata-se de estudo analítico sobre a legislação referente a acordos internacionais assinados pelo Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:OivtBzEoBVEJ:portal.mec.gov.br/index.php%3Foption %3Dcom_docman%26task%3Ddoc_download%26gid%3D13941%26Itemid %3D+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acessado em: jul. 2014.

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structuré antériorment par dês flux migratoire, c’est-à-dire dans um champ migratoire6 (CORTES & FARET, 2009, p.12).

Consideramos também que a circulação experienciada em decorrência do acordo CAPES/AULP pode produzir construções identitárias diversas decorrentes de diferentes tipos de relações com o país de acolhimento e manutenção das relações com o país de origem. Neste sentido a memória se liga concomitantemente ao lugar de origem e a multiplicidade de lugares encontrados e vividos (Bruneau, 1994, 2009). Os espaços de circulação, nesta perspectiva, não são apenas lugares de origem, de trânsito ou de destino, eles representam lugares de relação, portanto, espaços de vida (Courgeau, 1988). Entendemos que a circulação provoca o alargamento dos “espaços de vida” dos indivíduos, com possibilidades de mobilidades simultâneas, com temporalidades diferentes considerando atividades realizadas no espaço. Os espaços de circulação, aqui são entendidos não apenas como os lugares de origem, de passagens ou de permanência. Eles são lugares de relação, de construção de sentidos, portanto, espaços de vida que afetam estudantes, professores, pesquisadores, jovens e adultos; homens e mulheres, instituições e Universidades, países desenvolvidos e países em desenvolvimento (Courgeau, 1988). Frente a esse breve histórico, buscaremos nos deter ao acordo que compreende o Ensino Superior em Cabo Verde e abrange o Programa de Mobilidade Internacional entre docentes e discentes (Pró-Mobilidade Internacional/CAPES) e a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP).

CAPES-AULP e o intercâmbio acadêmico entre Brasil e Cabo Verde No Brasil, o presente trabalho se insere num escopo mais amplo de pesquisa e para o momento selecionamos algumas atividades do Projeto CAPES-AULP 0038/13 que se vinculam à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) dentro do Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino por meio da Mobilidade Docente e Discente Internacional (Pró-Mobilidade Internacional) e a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP).

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“O conceito de circulação, diferente do de migração, faz referência à mobilidade física de pessoas, com seus itinerários e as práticas efetivas e afetivas dos espaços percorridos. Neste sentido, o termo refere-se às mobilidades dos indivíduos, mas também dos bens e dos valores, no espaço estruturado anteriormente pelos fluxos migratórios, ou seja, num campo migratório” (tradução das autoras).

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Integrado nos quadros do Programa CAPES-AULP, o projeto 003813 /se intitula “Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades de pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo digital: web indígena, bibliotecas digitais e Educação”, celebrado entre a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no Brasil e a Universidade Jean Piaget (UniPiaget), em Cabo Verde. O recorte temporal é relativo aos dois primeiros anos de trabalho, que compreende de 01 de junho de 2013 a 31 de maio de 2015, cuja coordenação e gestão envolve o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) e a Faculdade de Educação (FE), ambos da UNICAMP. O foco da proposta consiste na promoção de aproximações entre Brasil e Cabo Verde, por meio do encontro de pesquisadores, midiatizado pelas idas e vindas aos dois lados do Atlântico, quando o que se pretende é romper além das fronteiras geográficas e paradigmas políticos para que a partir dos diálogos e das experiências coletivas possam ocorrer ressignificações, compartilhamentos e intercâmbios sobre os eixos temáticos que perpassam o referido Projeto/Acordo. As ressignificações, compartilhamentos e intercâmbios desencadeados pela Educação em seus processos político-pedagógico, também, buscam possibilitar interlocuções acerca de políticas públicas, práticas culturais e produção de saberes oriundas das diversidades, realidades e sociedades nas quais se inserem os sujeitos. Assim, os eixos de pesquisa que regem tal acordo versam sobre: 1.1.1. Incrementar o intercâmbio acadêmico entre países e regiões de língua oficial portuguesa; 1.1.2. Contribuir para a inclusão tecnológica e científica dos e nos países africanos e asiáticos de língua oficial portuguesa; 1.1.3. Proporcionar a realização, por parte de estudantes e docentes de universidades brasileiras, de atividades de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de inovação em universidades e centros de ensino superior filiados à AULP e situados em países lusófonos localizados na África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor-Leste); 1.1.4. Possibilitar que estudantes e docentes de universidades e centros de ensino superior filiados à AULP situados na África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor Leste) participem de atividades de ensino, de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de inovação em universidades brasileiras; (BRASIL, 2013, PROJETO 0038).

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Nesse sentido, ao lançar mão deste artigo, vamos estabelecendo conexões de sentido e problematizando questões para dialogar e pensar a Educação em seus processos político-pedagógico com base no Acordo CAPES/AULP. Ressaltamos que no âmbito geral dele, objetiva-se promover a cooperação e o intercâmbio intercultural - académico - na grande área de Educação, e nas subáreas de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC); Linguística e Cultura por meio da associação entre a UniPiaget e a UNICAMP, em rede com os programas a que se acham vinculados os pesquisadores, professores e estudantes que compõem as equipes brasileiras e caboverdianas. Essa rede representa fator agregador e enriquece as capacidades humanas das experiências sociais. O reconhecimento de tal diversidade sugere que a circulação de pessoas, saberes e práticas são processos crescentes capazes de provocar mudanças nas dinâmicas pessoais, educacionais, relacionais, profissionais e institucionais, em curso nas classes, nos grupos, nas nações. E se torna problema educacional, na medida em que a circulação representa a contrapartida humana da regulação produtiva (Mazza, 2011, p. 122). Portanto, o artigo prioriza a oportunidade de confrontar os objetivos propostos com os resultados dos dois primeiros anos, em relação ao intercâmbio entre os pesquisadores envolvidos na parceria UNICAMP e UniPiaget.

Aportes teórico-metodológicos O artigo e a pesquisa até aqui se articulam por meio de uma triangulação teórica, metodológica e empírica fundamentados na abordagem qualitativa e entremeados por intertextualidades. O Projeto/Acordo CAPES-AULP encontra-se na interface desses aportes, estruturados segundo perspectivas de análise como, por exemplo: América Latina e África; os processos para a constituição do grupo de estudos e pesquisas; as redes relacionais e institucionais. Não se trata de discorrer sobre América e África portuguesas, ou fazê-lo de forma comparativa de duas partes separadas pelo Atlântico, mas de aproximá-las considerando que compartilham um sistema de exploração colonial cuja singularidade de cada processo de independência ainda marca a contemporaneidade. Quanto à estrutura metodológica, optamos pelo mapeamento bibliográfico inicial e a base documental do Acordo/Projeto, seguido do alinhavo entre os dois campos: Brasil e Cabo Verde. Ao mesmo tempo, trabalhamos a seleção de materiais e atividades, o conjunto de fontes documentais e não documentais. _____ 139


Os aportes da abordagem qualitativa se organizam segundo uma lógica indutiva. Bogdan e Biklen (1994) fundamentam a aquisição de dados descritivos, conseguidos pelo pesquisador, diretamente como fato a ser pesquisado, com maior ênfase no processo de constituição do que em seu produto final, preocupando-se em destacar as perspectivas dos sujeitos. Esta possibilidade, permitida pela interação com e entre o sujeito da pesquisa, afigura-se relevante neste campo de estudo. Portanto: [...] são qualitativas as pesquisas que privilegiam o sentido dos fenômenos sociais compreendo-os, como no caso da educação, pelo seu processo e pela experiência humana envolvida, mais que pela explicação de seus eventuais resultados (Monteiro, 1998, p.20).

Pois, bem, o material que vai se constituindo e que se apresenta por hora não tem peso estatístico e não permite generalizações de tipo quantitativo. Não busca apontar quantos são os Projetos/Acordos CAPESAULP e nem tampouco o numerário de pesquisadores e instituições e, sim são reflexões que misturam fatos vividos, impressões particulares e experiências coletivas. No quadro abaixo apontamos quantos docentes/discentes/pesquisadores foram e vieram nestes dois anos, considerando que o quanti qualifica o quali. Eis os dados: Ano do Projeto/ Acordo 1º

Travessia Brasil/Cabo Verde Docentes/ Pesquisadores Claudia Wanderley Débora Mazza

Discentes/ Pesquisadores Lucas Manca Dal’Ava Stephânia C. Freitas Danyelen Pereira Lima Beatriz R. Torres

Travessia Cabo Verde/Brasil Docentes/ Pesquisadores Saidu Bangura Evandro N. Fonseca Gertrudes Oliveira

de

Discentes/ Pesquisadores

Oryana Jennifer Ramos Correia e Silva

Assim sendo, não consideramos as reflexões aqui desenvolvidas uma amostragem representativa dos Projetos/Acordos CAPES-AULP, mas uma expressão de participantes de um desses projetos (Bauer & Gaskell, 2010).

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Por entre os limites do projeto e as possibilidades de realização Sem condições de aprofundar na análise desse Projeto, ainda em andamento, é importante que alguns desses enunciados, em especial os intercâmbios produzidos nas travessias do Atlântico, sejam analisados numa perspectiva processual de pesquisa e como parte das dinâmicas sociais, históricas, culturais, políticas, econômicas e educacionais. Outrossim, como vem sendo discorrido, o objetivo principal aqui é pensar a Educação em seus processos político-pedagógico com base no Acordo CAPES/AULP e dialogar em linhas gerais por um lado com os percursos tanto do projeto quanto dos pesquisadores envolvidos na parceria de cooperação entre a UNICAMP e a Universidade Jean Piaget e por outro confrontar o que se realizou e o que ainda há por se realizar no escopo do referido projeto. No tocante à limites e possibilidades, alinhavamos as principais ações inseridas no escopo do Acordo e que orientaram a elaboração, implementação e execução do projeto, a partir das perspectivas inicias e que foram se configurando em decorrência das temporalidades burocráticas e das demandas acadêmicas. De modo geral: 1) criação de uma base para acesso com contatos, informações, mapas, guias e roteiros de instituições destinados a subsidiar orientações e facilitar os deslocamentos e que será alimentado por todos os integrantes; 2) encaminhamentos/acompanhamentos dos estudantes, professores, pesquisadores que foram e vieram em missões de estudo e trabalho; 3) recepção e organização de atividades e agendas, bem como de hospedagem e demais trâmites, concomitantemente nas duas Universidades; E destacadamente: 1) criação de um grupo mensal para diálogos e leituras iniciais em torno de Cabo Verde (desde Fevereiro/2014, na FE/Unicamp); em torno de uma educação emancipatória que possibilite o resgate da memória e uma conscientização histórico-cultural crítica dos sujeitos nas nossas realidades formais e não formais da educação, potenciando a partilha de experiências e a co-construção de saberes; _____ 141


2) planejamento, organização, realização e participação conjunta em eventos acadêmicos e culturais (três eventos na Unicamp, os Encontros Acadêmicos da 3a Semana de Cultura Digital, no IEL/ UNICAMP, 27 e 28 de março de 2014; Fórum Cabo Verde e Brasil: Primeiras Aproximações, em 08 abril 2014, na FE/UNICAMP e a Jornada Interações África Brasil, em 15 de fevereiro de 2015; 3) realização e participação conjunta na Semana Acadêmica na UniPiaget intitulada Jornadas de Reflexão Acadêmica, nos dias 08 e 09 de maio de 2015. Como parte do conjunto de fontes documentais e não documentais que compõem o acervo do projeto, se observa as intenções, os objetivos, o desenvolvimento e as ações efetivadas, em ambos os lados do Atlântico, ora brasileiro, ora cabo-verdiano. Por agora, inserimos algumas dessas fontes como intertextualidades capazes de entremear ao texto certos movimentos de leitura, descrição, interpretação e análise.

FÓRUM Cabo Verde e Brasil: (primeiras) aproximações 08 abril 2014 Unidade: FE Docente responsável: Profa. Dra. Debora Mazza Área temática: Cultura, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação.

PROGRAMA 9h – Abertura Prof. Dr. Luis Augusto Barbosa Cortez – Vice-Reitor Executivo de Relações Internacionais Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas - Diretor da FE – Unicamp Prof. Dr. Wilmar da Rocha D’Angelis – IEL-Unicamp Prof. Ms. Saidu Bangura – Universidade Jean Piaget de Cabo Verde 10h – Coffee-break 10h20 – Conferência - Cabo Verde: um país com origem e vocação multicultural e multilíngue Prof. Dr. Saidu Bangura – Universidade Jean Piaget de Cabo Verde Moderador: Prof. Dr. Wilmar da Rocha D’Angelis 12h – Almoço _____ 142


14h - Mesa-Redonda - Cabo Verde: cultura e sociedade Dr. Deolindo Nunes de Barros – Revista Ideias (IFCH-Unicamp) Prof. Dr. Ivo Carvalho Silva Jr. – PUC-Campinas Profa. Ms. Nima Imaculada Spigolon – Doutoranda FE-Unicamp Moderadora: Profa. Dra. Debora Mazza (FE-Unicamp) 15:40 Coffee-break 16h – Conferência Multiculturalismo, multilinguismo e Cultura Digital Prof. Evandro Neves Fonseca – Universidade Jean Piaget de Cabo Verde Moderadora: Profa. Dra. Claudia Marinho Wanderley (CLE-Unicamp) 17h00 – Encerramento

Jornada Interações Africa Brasil - Projeto Capes/AULP Auditório do IEL-Unicamp 13 de fevereiro de 2015 das 9h-17h transmissão ao vivo: www.iel.unicamp.br/iel-li ve/ Esta jornada é pensada para compartilhar com a comunidade acadêmica as atividades de participantes das ações Ações do Cultural Lab e Interações África Brasil - que integram o Projeto Capes/AULP "Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta" . 9h - Abertura Prof. Ney Carrasco (IA-Unicamp, Prefeitura Municipal de Campinas) Profa. Itala D'Ottaviano (CLE-Unicamp) Prof. Wilmar D'Angelis (IEL-Unicamp) 9h30 - mesa redonda: Interculturalidade: entre as academias e as culturas locais Profa. Gertrudes de Oliveira(Universidade Jean Piaget de Cabo Verde) _____ 143


Profa. Alessandra Ribeiro (PUC-Campinas, Centro de Referência do Jongo do Sudeste) Profa. Claudia Wanderley (CLE-Unicamp) 11h – debate 14h30 - mesa redonda: Interações entre Praia e Campinas Profa. Rosana Meneses (CERES/IFCH-Unicamp) Profa. Dra. Nima Spigolon (PUC-Campinas; FE/Unicamp) Prof. Gianfrank M. de Souza (CTI-Campinas) 16h – debate 17h - Encerramento Prof. Wilmar D'Angelis (IEL-UNICAMP, Coordenador do Projeto CAPESAULP)

JORNADAS DE REFLEXÃO ACADÊMICA POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A DIVERSIDADE E INCLUSÃO Dias 08 e 09 de Maio/2015 (Semana Acadêmica) Enquadramento Compreender as Universidades como sistemas formativos implica proporcionar oportunidades de reflexão sobre temáticas que integram o saber acadêmico com as problemáticas sociais visando o reforço da capacidade interventiva dos seus agentes e a promoção de um conhecimento integrado e inclusivo. A semana acadêmica constitui um destes espaços/tempo previsto no calendário Escolar da UniPiaget para a realização de tais actividades que promovam esta integração. A ideia das jornadas que ora planificamos surgiu no âmbito da Unidade Curricular Politicas Publicas para a Diversidade e Inclusão que integra o plano curricular do Mestrado em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento e pretende constituir igualmente uma das acções na decorrência do fórum sobre a inclusão realizado na semana académica do ao ano lectivo transacto. O objetivo das Jornadas é proporcionar a partilha, reflexão e construção de conhecimento sobre questões sociais e educativas viradas para a pro_____ 144


moção da inclusão a partir do sector educativo implicando a participação de estudantes e docentes.

PROGRAMA

1º Dia – 8 de Maio [16H:00 – 16H:15] – Recepção dos convidados [16H15 – 16H30] – Cumprimentos e enquadramento do acto • Mestre de Cerimónia: Eneida Morais (Mestranda em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento - Uni-Piaget) 16H30 – 16H45 – Apresentação do Manifesto: inclusão • Prof. Doutor Carlos Simões (UniPiaget) [16H:45 – 17H:10] – Abertura Oficial das Jornadas • Exmo. Sr. Director do Centro de Investigação, Relação Institucional e Formação Avançada - Prof. Doutor Carlos Simões • Exmo. Sr. Vice-reitor da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde – Prof. Doutor Luis Teixeira • Magnífico Reitor da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde – Prof. Doutor Osvaldo Borges • Exmo. Sr. Administrador da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde – Mestre Luís Filipe Tavares [17H:10] – 17H:30 – Conferência inaugural das jornadas - Prof Doutora Débora Mazza (Unicamp Brasil) e Prof. Doutora Gertrudes Oliveira, Prof Jacinto Estrela (Uni-Piaget) [15H:40 – 16H:40] – Debate em plenária 17H:40 – Encerramento do 1º Dia – Mestre de Cerimônia - Eneida Morais

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2º Dia – 09 de Maio [08H30 – 08H40] – Cumprimentos e enquadramento das actividades do 2º dia das Jornadas – • Mestre de Cerimónia: Eneida Morais (Mestranda em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento – Uni-Piaget) [08H40 – 08H50] – Animação musical • Maria Tavares (Mestranda em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento - Uni-Piaget)

Painel I

Repensar a Inclusão a partir de contextos vulneráveis à exclusão

Comunicações

Oradores/as

O Idoso: um desafio à construção de uma sociedade para todas as idades

Sílvia Delgado (Mestranda em PED - Uni Piaget)

Gênero e família – contextos de reflexão sobre a diversidade e a inclusão

Samira Moniz e Dilce de Sá Nogueira (Mestrandas em PED - Uni Piaget)

Necessidades especiais e oportunidades educativas

Áurea Alves e Euclides (Mestrandos em PED - Uni Piaget)

[09H:40 – 10H:00] – Debate em plenária [10H:00 – 10H:15] – Pausa café

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Moderado res/as

Prof. Jacinto Estrela (docente UniPiaget)

Hora

Duração

08H50

09H:00

09H:00

09H:20

09H:20

09H:40


Painel II

Comunicaçõe s Políticas públicas, diversidade e inclusão no sector educativo Educação pela arte - uma proposta para a inclusão

Oradores/as

Moderadore s/as

Hora

Duração

Eneida Morais (Mestranda em 10H:15 10H:30 PED - Uni Piaget) Promover a Profª Joanita Maria Antónia inclusão a Cristina RodriMarques 10H:30 (10H:40) gues (Mestranda em partir do (Docente UniBelas Artes – sector eduPiaget) Faculdade de cativo Belas Artes do Porto) Educação para a Maria de FátiCidadania e Dima Carvalho/ 10H:40 (10H:50) reitos humanos Maria Tavares (Mestranda em PED - Uni Piaget) Escola/família – Beatriz de Pina uma parceria in(Mestranda em 10H:50 (11H:00) clusiva PED - Uni Piaget) [11H:00 – 11H:30] – Debate em plenária Mensagem de encerramento das Jornadas EncerraMagnífico Reitor da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde – Prof. Doutor mento das Osvaldo Borges Jornadas 11H:30 – 12H:00] Atividades Exposição dos trabalhos realizados na oficina artística – o território é socialmenComplementa- te construída dinamizado pela prof. Antónia Marques e com a participação de res: estudantes de Ciências da Educação, Psicologia, Serviço Social, Arquitetura, e os estudantes e professora da Universidade de Campinas em Programa de Intercâmbio na Uni-Piaget

Decorre daí indagações que nos instigam discutir e refletir até que ponto as intenções e ações desse acordo contribuíram para sua finalidade e as perspectivas após os primeiros dois anos de execução. Há uma relação dialética entre a pesquisa, o engajamento e a sociedade e que exerce um papel nas suas relações com os projetos de instituições, de países, dos povos: A expressão viva da nação é a consciência do movimento do conjunto do povo. É a práxis coerente e esclarecida dos homens e das mulheres. A construção coletiva de um destino, a assunção de uma responsabilidade à dimensão da história (Fanon, 1979, p. 150-151).

Isso desperta questões cruciais: - problematizamos os porquês, como e quando desse acordo; - damos visibilidade à atuação, presença e participação de pesquisadores que nele se inscrevem (Quantos? De que _____ 147


áreas). De nível?). As indagações e as questões aqui anunciadas se prestam a dialogar com uma pedagogia da pergunta (Freire & Faundez, 1985).

Considerações finais À guisa de conclusão, importa ressaltar que o debate é extenso, o projeto em andamento e as questões suscitadas instigantes. Conseguimos identificar, através do material apresentado e das fontes levantadas, que conforme Plano de Trabalho Anual relativo ao ano de 2013, ou seja, ao primeiro e segundo ano do Acordo, apresentou-se dentre os resultados esperados: 1) Conceitualização e planificação do projeto: nesta fase faz-se a delimitação conceitual entre os termos “conhecimento”, “língua”, “acesso”, “práticas culturais”, “valor”, “autoria”, “território”; 2) Identificação dos modos comuns de investir em democratização do acesso à informação, de forma a permitir o intercâmbio de informações entre diferentes culturas e nossas instituições; 3) Construção e disponibilização de uma coleção digital com obras de interesses comum e com os trabalhos dos colegas ligados ao tema. Transferência tecnológica do resultado alcançado através de minicursos e manuais disponibilizados gratuitamente online. 4) Apresentação de resultados preliminares em seminários locais e regionais, em jornadas científicas, nas aulas e outros espaços locais e provinciais; relatório parcial e artigos publicados em livro organizado por ambas universidades; 5) Participação de pesquisadores na organização e execução de um Congresso sobre “Acesso à Cultura e ao Conhecimento”; relatório final e publicação de artigos. Breves considerações ainda pertinentes que durante estes dois primeiros anos de projeto percebemos boa repercussão de nossas atividades na Unicamp. As atividades agregaram e continuam agregando parceiros dos mais variados perfis intelectuais e culturais. Neste sentido acreditamos que este projeto supre uma demanda existente em nossa região de curiosidade, interesse e disposição de conhecer mais um pouco de Cabo Verde e de nossos laços comuns. Até o momento dois subprojetos surgiram destas atividades: 1) ELab Multiculturalismo no Mundo Digital (CulturalLab) Laboratório do Campus Digital da Unitwin UNESCO de Sistemas Complexos, ligada ao Grupo Interdisciplinar CLE Auto-Organização, sediado no Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência-CLE, UNICAMP; 2) Interações África-Brasil: Intercâmbio científico-cultural para reconhecer e compartilhar tradições. _____ 148


Da parte da UniPiaget, o Centro de Pesquisa e Extensão da UCHSA (Unidade de Ciências Humanas Sociais e Artes) é uma ideia/projeto, emergida no âmbito das partilhas, reflexões e intercâmbios realizados com a Unicamp encontrando-se na sua fase de implementação e de busca de parcerias para sustentabilidade. Concomitante a isso, entendemos que alguns pontos entre os países e as instituições que compõem o Acordo CAPES/AULP se pensados, discutidos e analisados isoladamente não são suficientes para mediar tais pontos de tensão e estrangulamento entre o que está proposto formalmente no projeto e a sua implementação e execução. Então é preciso ampliar os diálogos, incluindo as temporalidades burocráticas, pois ao diminuir distâncias aproximar os dois lados do Atlântico, as instituições, pesquisadores, estudantes. Aos poucos, avançando ou aparentemente estacionando, esse movimento sai da abstração e se torna algo concreto, ganha corpo nas práticas sociais e culturais, nos movimentos de todos os envolvidos nas diferentes esferas do Acordo. Em síntese, o texto aponta que, a partir das travessias, diversidades das realidades e instituições as interlocuções estabelecidas em temposespaços outros abrem parcerias para conhecer e compreender os processos de educação, seus desdobramentos, ao aproximar sentidos e práticas em relação com os movimentos históricos, políticos, pedagógicos e sociais mais amplos. Por fim, as páginas se completam e se complementam numa perspectiva do diálogo, da dialética, da convivência humana para o enfrentamento de desafios quanto às desigualdades, à produção e à análise dos diferentes saberes, seja na América Latina ou em África.

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XIX

Educação, multiculturalismo e diversidade: um olhar sobre Cabo Verde1 Maria Santos Trigueiros

Introdução Cabo Verde, um pequeno país insular, situado a meio do Oceano Atlântico, que se tornou independente a 5 de julho de 1975. Tem a particularidade de ter sido colônia portuguesa durante cerca de quinhentos anos, com a ressalva de ter sido encontrado desabitado aquando do achamento, pelos portugueses (1460-1462), das dez ilhas que formam o arquipélago. Assim, para se falar de um Cabo Verde colônia, há que primeiro falar do início da vida humana nessa pequena parcela do mundo, ou seja, haver um Cabo Verde humano, habitado, e não apenas pequenos pedaços de terra espalhados no meio do Atlântico. E, na verdade, o povoamento das ilhas de Cabo Verde foi um processo que se revelou de muita complexidade, morosidade e especificidades, não encontradas em outras situações de colonização noutras parcelas do mundo. Isso porque todos os territórios que se tornaram colônias europeias à época dos Grandes Descobrimentos (sec. XV – XVII) já possuíam a sua população endógena, pelo que já se conheciam formas de viver e de subsistir nesses diferentes espaços territoriais, acrescido do fato de neles existirem recursos naturais que facilitavam a sobrevivência das populações que neles habitavam. Em Cabo Verde não. Tudo era diferente. Tratava-se de um espaço árido, deserto e inóspito, sem condições de habitabilidade. A sua própria composição física tornava tudo mais difícil, com as ilhas dispersas no meio do Atlântico, isoladas umas das outras. Neste sentido, este capítulo do trabalho de investigação em que se encontra inserido foi reservado ao enquadramento de Cabo Verde no contexto da pesquisa, partindo da caracterização física e da localização geográfica do país, passando pela formação da sociedade cabo-verdiana, 1

Este capítulo constitui parte integrante de uma Tese de Doutoramento em Educação, na especialidade de Educação e Interculturalidade, realizada na Universidade Aberta de 2012 a 2016, na modalidade de e-Learning. A orientação da Tese esteve a cargo da Professora Doutora Branca Miranda, tendo como tema “Formação de Professores para contextos de aprendizagem multiculturais e diversos” e como subtema “Um olhar sobre Cabo Verde”.


o aparecimento e a evolução do Crioulo como língua caboverdiana, a situação sociolinguística do país, as migrações e o seu impacto nas dinâmicas sociais e culturais caboverdianas, as marcas da emigração na literatura cabo-verdiana. O objetivo é ajudar a melhor perceber o fenômeno do multiculturalismo nesta sociedade e a necessidade de se passar a olhar para essa problemática de forma diferente no contexto do sistema socioeducativo nacional, de modo a descobrir caminhos sobre medidas de política que devem ser concebidas e adotadas para o setor da educação, visando imprimir maior eficiência e eficácia ao modelo de formação e educação destinado aos aprendentes em território caboverdiano. Para isso, há que ter em conta os contextos de aprendizagem no seu todo e não apenas o aprendente como elemento isolado e desgarrado da realidade circundante.

Caracterização de Cabo Verde As ilhas de Cabo Verde, país independente desde 5 de julho de 1975, encontram-se situadas ao largo da costa ocidental do continente africano, em pleno oceano Atlântico, a 455 km a oeste do cabo com o mesmo nome (Cap-Vert), situado na costa senegalesa. O Arquipélago tem uma superfície de 4033 km2, mas com um perímetro marítimo exclusivo de mais de 800 000 km2, e é formado por dez ilhas e oito ilhéus, divididos por dois grupos: as ilhas de Barlavento a Norte e as de Sotavento a Sul, segundo a sua relação com o sentido do vento dominante do Nordeste que tem uma influência determinante na vida do povo destas ilhas (Hanras, 1995, p. 19). Figura1 - Localização geográfica de Cabo Verde no Continente Africano

Fonte: https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=mapa+de+cabo+verde _____ 154


No que diz respeito ao agrupamento das ilhas, o grupo de Barlavento compreende as ilhas de Santo Antão (779 km2), São Vicente (227 km2), Santa Luzia (35 km2, desabitada), São Nicolau (388 km2), Sal (216 km2) e Boa Vista (620 Km2), mais quatro ilhéus: ilhéu dos Pássaros ao lado de São Vicente, ilhéu Branco e ilhéu Raso entre Santa Luzia e São Nicolau e ilhéu do Sal Rei ao lado da Boa vista. O grupo de Sotavento é formado pelas ilhas do Maio (269 km2), Santiago (991 km2), Fogo (476 km2) e Brava (67.5 km2), mais quatro outros ilhéus: ilhéu de Santa Maria ao lado de Santiago, e o ilhéus Secos ou do Rombo, isto é, ilhéu Grande, ilhéu Luís Carneiro e ilhéu Cima, ao lado da Brava (ibid.). Figura 2 - Distribuição das ilhas pelos grupos de Barlavento e Sotavento

Fonte: https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=mapa+de+cabo+verde O Quadro 1 abaixo faz uma síntese da composição do arquipélago de Cabo Verde em termos do agrupamento e da dimensão das ilhas, com o respectivo ilhéus.

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Quadro 1 - Quadro síntese da composição do Arquipélago de Cabo Verde Arquipélago de Cabo Verde Grupo de Barlavento Grupo de Sotavento Ilha Ilhéu Superfície Ilha Ilhéu Santo -----779 Km2 Maio -----Antão São -----227 Km2 Santiago -----Vicente Santa -----35 Km2 Fogo -----Luzia * São -----388 Km2 Brava -----Nicolau Sal -----216 Km2 -----Santa Maria Boa Vista -----620 Km2 -----Grande -----Dos ----------Luís Pássaros Carneiro -----Branco ----------Cima -----Raso --------------------Sal Rei ----------------

Superfície 269 Km2 991 Km2 476 Km2 67.5 Km2 -------------------------------

Fonte: Elaborado a partir de bibliografia consultada. *Desabitada. Todas as ilhas são de origem vulcânica, à semelhança das outras ilhas que formam o conjunto dos Arquipélagos do Atlântico denominado Macaronésia (Cabo Verde, Canárias, Selvagens, Madeira e Açores), (Livramento, 2013: 68), mas o seu relevo difere muito de ilha para ilha. Sal, Boavista e Maio, por exemplo, são ilhas relativamente planas e rodeadas de longas praias, enquanto Santo Antão, Santiago e São Nicolau possuem um relevo acidentado, mesmo muito montanhoso, e orladas por altas falésias. O ponto mais alto do Arquipélago é o Vulcão na ilha do Fogo, com uma altitude de 2.829 m, plenamente ativo, com frequentes sinais de erupção. Neste preciso momento o vulcão passa por um dos momentos mais temidos da sua atividade, com uma erupção que teve início no dia 23 de novembro de 2014 e já vai ao seu quarto dia, como se estivesse a espelhar uma Natureza em fúria, causando pânico e terror na população da ilha e muita preocupação e manifestações de solidariedade no País e em nível internacional. A última vez que tinha havido uma erupção dessa envergadura, que ainda só está a começar, foi há dezenove anos, em abril de 1995. A imagem abaixo registra um dos momentos temíveis da presente erupção do vulcão do Fogo.

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Figura 3 - Vulcão do Fogo em plena erupção, novembro 2014.

Fonte:http://noticiasdonorte.publ.cv/wp-content/uploads/2014/11/vulc %C3%A3o-fogo1.jpg No que diz respeito ao clima, o Arquipélago de Cabo Verde está localizado na zona subsaariana, com um clima subtropical seco (árido ou semiárido), com temperaturas amenas e quase constantes o ano inteiro, oscilando entre os 20º C e os 25º C (valores médios) ao nível do mar, embora as mudanças climáticas mundiais já se façam sentir com alguma intensidade também neste Arquipélago. O oceano e os ventos alísios que sopram do Nordeste (pouco úmido), do Leste (quente e seco – o temível harmatão ou a “lestada” vindo do Sahara) e do Su-sudoeste (quente e úmido) moderam a temperatura, havendo, no entanto, a predominância do alísio do Nordeste, pouco favorável à queda das chuvas. As estações do ano são fundamentalmente duas: a das chuvas (conhecida por "as-águas") e a seca (chamada "as-secas" ou "tempo das brisas"). A estação chuvosa, de agosto a outubro, é muito irregular e geralmente com fraca pluviosidade, especialmente nas ilhas de São Vicente e Sal. Nas ilhas mais acidentadas, como Santo Antão, Santiago e Fogo, registra-se normalmente uma maior pluviosidade. Mas apesar de a pluviosidade ser muito irregular e períodos de seca agravada serem uma constante, podem registrar-se episódios de inundações catastróficas, resultantes de chuvas torrenciais que podem cair e cujas correntes vão arrastando e destruindo tudo por onde vão passando (Hanras, 1995, p. 19-21). _____ 157


Formação da Sociedade Caboverdiana A história da formação da sociedade caboverdiana está diretamente ligada à história do povoamento das ilhas de Cabo Verde, da sua situação geográfica e do seu clima. Segundo dados históricos, à data oficial da descoberta das ilhas (Santiago, Fogo, Maio, Boavista e Sal, em 1460, e as demais em 1462) estas se encontravam completamente desabitadas (CARREIRA, 1983, p. 25; HANRAS, 1995, p. 23; CARVALHO, 1998, p. 1617; CORREIA, 1998, p. 55). Assim, ao falarmos da sociedade caboverdiana estamos a falar de um povo que se foi formando, paulatinamente, ao longo de séculos, com o povoamento de cada ilha, ao contrário de outros territórios colonizados do mundo que à data do início da sua colonização já possuíam uma população endógena. Mas, para uma melhor compreensão desse fenômeno, tentaremos traçar umas breves pinceladas sobre a forma como se processou o povoamento das diferentes ilhas, visando uma melhor contextualização e encadeamento dos fatos. Segundo autores consultados, a formação da sociedade Caboverdiana seguiu um processo inverso, isto é, de fora para dentro, e apontam 1462 como sendo a data a partir da qual se deu início ao povoamento das ilhas por aventureiros portugueses, a maioria dos quais provenientes do Algarve, a que se seguiram indivíduos de outras proveniências tais como catalães, genoveses, castelhanos, judeus e degredados portugueses (CGD, 2007, p. 25). No entanto, António Carreira (2000, p. 282) esclarece que “os brancos eram poucos e na maioria portugueses, tendo que recrutar mão de obra (escrava) do continente fronteiriço, visto não possuírem condições de resistência ao clima para cultivar os campos, apascentar o gado e fazer tudo o mais que a colonização exigia”. A mesma tese é defendida pela historiadora caboverdiana Elisa Andrade (1996, p. 36) que aponta 1466 como sendo a data (provável) da chegada dos primeiros escravos a Cabo Verde, mas defende que os negros não eram somente escravos. Havia igualmente (provavelmente numa fase mais avançada) negros livres que acompanhavam espontaneamente os comerciantes, os mercenários e os capitães de navios nas suas deslocações (p. 42). O povoamento de Cabo Verde deu-se então em épocas diferentes, sendo as primeiras ilhas ainda no século XV e as últimas no século XVIII. Carvalho (1998, p. 18) refere igualmente o ano de 1462 como sendo o marco temporal que aponta para o início dessa atividade. Sendo Santiago a maior ilha, a menos árida das três orientais (Maio, Boavista e Sal), menos rochosa do que a ilha do Fogo, com bons portos e recantos onde os navios podiam abrigar-se, uma localização estratégica privilegiada e, sobretudo, com boas nascentes de água doce, justifica-se que tenha sido a _____ 158


primeira a ser povoada (ANDRADE, 1996, p. 46; CARVALHO, 1998, p. 20). Nessa ilha a água corria em abundância, razão porque foi atribuído o nome de Ribeira Grande ao local a partir do qual a população se foi desenvolvendo (junto ao mar) e expandindo-se em direção ao interior da ilha. A povoação da Ribeira Grande foi elevada à categoria de Vila em 1530 e de Cidade em 1533 (CGD, 2007, p. 27). Séculos mais tarde, com a ascensão da Vila da Praia à categoria de Cidade (em 1858), embora já fosse capital da Província desde 1769, Ribeira Grande de Santiago passou a ser conhecida por Cidade Velha (Hanras, 1995, p. 25), nome por que é historicamente referenciada. Com o seu povoamento, a ilha de Santiago viria a funcionar como placa giratória do tráfico escravocrata, comércio muito atrativo e muito explorado nessa época. Os negros eram capturados na Costa Ocidental africana, trazidos para Santiago (Ribeira Grande) onde eram ladinizados (ensinados os rudimentos da língua portuguesa e da religião) e depois exportados para a Europa e América do Sul. Do século XV ao século XVI o tráfico de escravos tornou-se a base da riqueza dos moradores de Santiago, tendo esse comércio atingido o seu apogeu no século XVI. Esse fato vem associado ao papel desempenhado por Santiago desde o século XV em que os portugueses, ao aperceberem-se do valor estratégico da ilha aquando da sua descoberta em 1460, tudo fizeram para transformá-la numa base segura não só para o comércio com a costa africana, mas também para a navegação de longo curso ao longo dessa mesma costa e mais tarde com destino às Índias Orientais e Ocidentais (cf. CARREIRA, 2000). Historiadores e investigadores visitados (CARREIRA, 1983; 2000; HANRAS, 1995; ANDRADE, 1996) são de opinião que o Fogo foi a segunda ilha a ser povoada e ao que tudo indica por iniciativa dos moradores de Santiago, já nos finais do século XV. Calcula-se que os primeiros habitantes do Fogo foram os servos brancos do Infante D. Fernando e os escravos do mesmo Infante. À semelhança de Santiago, houve a necessidade de recrutar mão de obra escrava e barata para cuidar da agricultura e do gado. Apesar de a ilha possuir escassos recursos hídricos, tinha condições para ser uma grande produtora de algodão e situava-se muito próxima de Santiago. O algodão era uma mercadoria privilegiada nas transações comerciais dos moradores de Santiago com a Guiné e daí o interesse em alargar a sua exploração à vizinha ilha que o produzia em abundância. No entanto, afirma-se que no Fogo houve uma maior mestiçagem do que em Santiago, mas com uma maioria branca prevalecente (que se foi diminuindo) e com diferenças sociais e raciais muito acentuadas. Segundo a investigadora Cláudia Correia (1998, p. 55), as restantes ilhas teriam continuado desabitadas durante todo o séc. XVI, “embora tivessem sido aproveitadas, rendendo em particular, na criação de gado, _____ 159


urzela e sal”. Assim, “a incrementação do povoamento das outras ilhas só se faria a partir do séc. XVII e finais do séc. XVIII” (p. 56). A ilha do Maio, por exemplo, foi sendo lentamente povoada por nativos de Santiago e em 1718 não contava com mais de 60 habitantes, todos muito pobres. Era uma ilha especialmente frequentada por ingleses que lá iam abastecer-se de sal sem autorização das autoridades portuguesas, tratando-se de uma colônia portuguesa. Devido ao seu clima severo e à aridez do solo que não favoreciam a prática da agricultura, a ilha não atraía a fixação dos brancos (Andrade, 1996, p. 48). Boavista foi doada a um português (Rodrigo Afonso) em 1490, em simultâneo com a ilha do Maio, para a exploração do gado bravo, embora o seu povoamento não se tivesse iniciado de imediato. A princípio, apenas descendentes de escravos eram para lá enviados das outras ilhas, bem como alguns mestiços para guardarem o gado. Mas com o desenvolvimento do comércio nessa ilha (sal, carnes, peles, urzela), numa fase anterior à expansão do Porto Grande do Mindelo, algumas famílias brancas instalaram-se na ilha da Boavista para a exploração do comércio em expansão (ibid.). A ilha de São Nicolau foi povoada por famílias provenientes da Madeira e respectivos escravos. Foram eles que deram origem aos primeiros mestiços nessa ilha. Durante muito tempo foi a ilha melhor explorada do ponto de vista da agricultura, tendo sido também a importação de escravos da Guiné fator determinante no sucesso dessa atividade (Andrade, 1996, p. 48). Na Brava, os primeiros povoadores foram europeus originários da Madeira, Minho e Algarve, excetuando as populações que ali se refugiaram por ocasião das erupções vulcânicas da ilha do Fogo em 1680, pelo que foi conseguindo manter uma certa percentagem de população branca. Mas segundo a investigadora Elisa Andrade (1996), a partir de 1903, quando a fome assolou especialmente a ilha de Santiago, muitas pessoas, sobretudo crianças, foram acolhidas na Brava, aumentando assim o número de negros na ilha. Supõe-se que devido aos contatos que os habitantes dessa ilha mantinham com os americanos, ligados à atividade da pesca da baleia, se verificasse um acentuado preconceito racial que via no negro um ser inferior e evitável. Ainda na década de 1960, em pleno séc. XX existiam na ilha Brava, tal como no Fogo, “brancos que faziam questão [...] de conservar a pureza do sangue” (ANDRADE, 1996, p. 49). Acredita-se que a ilha de Santo Antão, do séc. XVII ao séc. XVIII apenas registrou a presença de escravos alforriados. Após uma tentativa fracassada dos ingleses de se adonarem da ilha em 1724, o povoamento de Santo Antão foi efetuado por portugueses e uma colônia de espanhóis das ilhas Canárias que se dedicavam à cultura de cereais como o trigo, a cevada e o centeio (ibid., p. 50). Mas nessa ilha a mestiçagem não foi tão bemsucedida quanto nas outras, pois os brancos esforçavam-se por manter os _____ 160


casamentos no seio da mesma família com o objetivo de preservar as famílias brancas do contato com os negros. Apesar de não se ter encontrado registros que o comprovem, relatos orais e algumas manifestações culturais dessa ilha revelam também a existência de colonos franceses nesse espaço do Arquipélago. Esses vestígios são particularmente identificados na área da música e da dança tradicional, onde a valsa, a mazurca e a contradança faziam as delícias das festas, com os “comandos” todos expressos em francês. Os vestígios são igualmente notórios na vertente linguística do Crioulo de Santo Antão, pela predominância do som nasalado [õ] que denota alguma relação de proximidade com a língua francesa. O povoamento da ilha de São Vicente, após várias tentativas fracassadas, começou a registrar algum êxito a partir de 1795 quando um comerciante abastado da ilha do fogo (João da Silva Rosado) se ofereceu para trazer para S. Vicente 50 escravos próprios e 20 casais das outras ilhas, mediante determinadas concessões e regalias acordadas com a Coroa Portuguesa (BRITO-SEMEDO, 2006, p. 144). Depois de alguns avanços e recuos, a população foi crescendo lentamente e no séc. XIX, com a expansão das atividades do Porto Grande do Mindelo na rota da navegação transatlântica, registrou-se um fluxo interno de migrações das outras ilhas para São Vicente, principalmente das ilhas de Santo Antão, São Nicolau e Boavista, em busca de emprego, o que se traduziu num rápido aumento da população de S. Vicente (ANDRADE, 1996, p. 50). Isso sem esquecer os Britânicos que aqui se fixaram, a partir de 1838, para a exploração do então autorizado e instalado entreposto carvoeiro para abastecimento à navegação que demandava essa rota do Atlântico. Portanto, a população de São Vicente foi formada por homens livres, homens alforriados, escravos, comerciantes oriundos de outras paragens e por elementos da população já nascidos nas ilhas. A ilha do Sal foi a última a ser povoada, muito mais tarde. Além de algumas famílias brancas, a população era constituída, sobretudo, por escravos provenientes da Boavista, inicialmente para guardar o gado (1938), e mais tarde para a extração do sal (ibid., p. 51). Com a construção do aeroporto internacional dos Espargos em 1939, por iniciativa e investimento do Governo italiano (CGD, 2007, p. 13), a ilha do Sal passou a ser um promissor polo de desenvolvimento no contexto da Província que começou a atrair muitos indivíduos das outras ilhas à procura de melhores condições de vida. Diferentes pesquisas levadas a cabo ao longo dos tempos sustentam, assim, que Cabo Verde foi povoado basicamente por escravos trazidos de toda a Costa da Guiné, do rio Senegal a Serra Leoa, conjuntamente com europeus que incluíam portugueses, genoveses, castelhanos, franceses, ingleses, holandeses, judeus e povos de outras latitudes (ANDRADE et al., 1996, p. 44). Segundo Andrade (1996, p. 42), “entre os portugueses, _____ 161


foram os originários da Madeira que forneceram o maior número de indivíduos no processo de formação do povo caboverdiano. Houve nobres, mas também deportados políticos e de direito comum”. Correia (1998, p. 59) refere igualmente que entre os homens vindos de Portugal havia diferentes categorias sociais, entre os quais nobres, clérigos, plebeus, degredados e judeus. Houve, assim, nas palavras de Antônio Carreira (2000), um caldeamento de etnias e povos de onde resultou uma sociedade crioula em que o elemento “mestiço” explicita uma cultura-síntese emergente do cruzamento afro-europeu. A sociedade caboverdiana foi então formada a partir de brancos e negros e do seu contato e vivência resultaram não apenas uma miscigenação, mas também trocas culturais profundas que provocaram uma grande mestiçagem tanto humana, como social, cultural e linguística (Lopes Filho, 1996, p. 41), tendo no Crioulo caboverdiano a expressão máxima da sua identidade e veículo de comunicação por excelência. A mestiçagem foi um fenômeno que se verificou desde muito cedo na formação da sociedade caboverdiana. Esse fenômeno foi favorecido pela escassez de mulheres brancas (havia apenas quatro mulheres solteiras em 1513), o que fez com que os homens brancos se envolvessem com as escravas negras, dando origem ao aparecimento do mestiço (CARVALHO, 1998, p. 22; CORREIA, 1998, p. 61). O processo de mestiçagem foi tão acelerado que em pouco tempo o número de mestiços ultrapassava o número de brancos. O mestiço não era portador nem da cultura africana, nem da cultura europeia, mas sim de uma cultura síntese, produto do encontro de várias culturas de que o Crioulo é um dos principais ele mentos. Estavam assim lançadas as bases de uma sociedade mestiça e multicultural, tendo na Cidade Velha o berço da Cultura e da Nação Caboverdianas. A sociedade caboverdiana tem a particularidade de, já na sua formação, ser uma sociedade geneticamente multicultural e diversa. Na opinião de Carvalho (1998), Vivendo embora sob-regime colonial, a sociedade destas ilhas afirmou-se como uma sociedade de intensa mestiçagem, verificando-se uma dinâmica reelaboração dos contributos etno-culturais de origem branca e negra. O resultado deste cruzamento multissecular não é uma mera amálgama desses contributos, senão que, a partir dessa base plural, a afirmação de uma identidade própria, ou seja, uma Nação dotada do seu patrimônio identitário: desde a língua até à música, passando pela cultura material, pelas tradições, pela literatura, entre outras componentes. (Carvalho, 1998, p. 23)

Cabo Verde conta atualmente com uma população residente de 511.685 habitantes, sendo 253.665 (49.6%) correspondente à população masculina e 258. _____ 162


020 (50.4%) correspondente à população feminina 2. Os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatísticas Caboverdiano (INE), Censo 2010, referem, nessa altura, uma população residente de 491.875 indivíduos,3 sendo que o Observatório dos Países de Língua Oficial Portuguesa (OPLOP) apontava nessa mesma altura uma população caboverdiana não residente que ascendia os 700.000 indivíduos, com a maior comunidade concentrada nos EUA (com cerca de 250.000 indivíduos) seguida de Portugal (com cerca de 100.000)4.

Situação linguística de Cabo Verde O Crioulo, língua caboverdiana, é considerado, por alguns linguistas, o mais antigo dos crioulos que se formaram no contexto dos Descobrimentos Europeus e associados à escravatura. Isto porque Cabo Verde foi o espaço onde se deu o primeiro encontro de línguas africanas com uma língua europeia, neste caso, o português. Conforme já se referiu, Cabo Verde foi povoado basicamente por escravos trazidos de toda a Costa da Guiné, do rio Senegal a Serra Leoa, onde uma miscelânea de etnias contribuiu para a crioulização da sociedade, conjuntamente com portugueses e povoadores brancos provenientes de outras latitudes. Segundo alguns autores, uma língua crioula nasce no contexto de uma comunidade que se tornou tão culturalmente diversificada que não é possível adotar para o conjunto dessa comunidade nenhuma das várias línguas naturais faladas por cada falante. Maria Antônia Mota (1996, p. 524) é um dos autores que afirmam que contextos desse gênero existiram, por exemplo, durante os descobrimentos portugueses, quando escravos das mais variadas origens eram separados das suas famílias e reunidos aleatoriamente em fazendas e roças coloniais. Essas comunidades não tinham a oportunidade de aprender corretamente a língua do colonizador e desenvolviam um pidgin ou uma língua de contato, ou seja, um sistema linguístico rudimentar, com palavras baseadas na língua do colonizador, misturadas com as línguas naturais dos colonizados. Esse sistema permitia estabelecer uma comunicação inteligível quer entre os membros da comunidade em questão, quer entre esses e os colonos. Nesse sentido, define-se uma língua crioula como uma língua natural que se distingue das restantes devido a três características essenciais: o seu processo de formação, a 2

Segundo dados disponíveis em: <http://countrymeters.info/pt/Cape_Verde>. Acesso em: 29 nov. 2014. 3 Dados publicados pelo INE, Censo 2010. Disponível em: <http://www.ine.cv/dadostats/ dados.aspx?d=1>. Acesso em: 29 nov. 2014. 4 A importância da emigração na história cabo-verdiana. Disponível em: <http://www.oplop.uff.br/boletim/154/importancia-da-emigracao-na-historia-cabo-verdiana >. Acesso em: 27 jun. 2016.

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sua relação com a língua de prestígio e algumas particularidades gramaticais. Tal como outros crioulos, o Crioulo Caboverdiano emergiu de uma situação histórica e sociológica que foi o colonialismo. Nasceu no contexto dos Grandes Descobrimentos Marítimos Europeus, a partir do século XV, como resultado de um processo sociológico e antropológico intimamente ligado ao fenômeno da escravidão. Mas há quem acredite que a história do Crioulo Caboverdiano seja difícil de traçar devido não apenas à falta de registros escritos desde a sua formação, mas também ao ostracismo a que foi relegado durante a administração colonial. E foi nesse contexto de povoamento das ilhas de Cabo Verde que nasceu a cultura caboverdiana tendo no Crioulo o elemento que melhor define a identidade cultural do povo das ilhas. Carreira (1983,p. 26-27) afirma que em 1582 havia em Santiago 13.700 escravos e uma centena de brancos, uma miscelânea de etnias que contribuiu para a crioulização da sociedade. Estudos falam de mandingas, jalofos, fulas, banhuns, brames, cassangas, balantas, entre outros, embora seja difícil identificar com precisão a proveniência das diferentes etnias existentes uma vez que esse fator não constituía prioridade na aquisição dos escravos. Assim, a mestiçagem, fenômeno que se verificou desde muito cedo no Arquipélago de Cabo Verde, contribuiu grandemente para a transformação do Crioulo num dos elementos mais significativos da identidade caboverdiana. Contudo, essa nova língua que emergiu no referido contexto histórico, sociológico e antropológico foi-se desdobrando em variantes dialectais, de acordo com os elementos étnicos que estão na base do povoamento da cada uma das ilhas e com o seu grau de miscigenação cultural. Sobre a Língua Caboverdiana diz-nos Manuel Veiga (2002, p. 7) que “é tão mestiça como o nosso povo, é tão sincrética como a nossa cultura”. Portanto, o Crioulo tem uma identidade própria que lhe permite autonomizar-se e ser reconhecido como uma língua específica. Falando do Crioulo Caboverdiano, a linguista Dulce Pereira (1996, p. 551) defende que apesar da distância temporal que medeia entre o achamento (ou descobrimento) das ilhas e os nossos dias, “o Cabo-Verdiano (que foi um dos primeiros crioulos de base portuguesa que se formaram na Costa Ocidental da África como resultado dos múltiplos contactos linguísticos desencadeados pelos descobrimentos portugueses nos séculos XV e XVI) persiste com grande vitalidade”. É língua materna não só de toda a população residente no Arquipélago, mas também da maioria das comunidades emigradas espalhadas pela Europa e pela América, e pelo mundo inteiro. Mas como já se referiu, e como todas as línguas, a Língua Caboverdiana tem as suas variantes regionais, sociais e estilísticas, particularmente a nível lexical e fonético. A situação de insularidade, os diferentes _____ 164


processos utilizados no povoamento das ilhas, a proveniência diversa dos povoadores, os diferentes sistemas de propriedade que se impuseram no conjunto do Arquipélago, o isolamento das ilhas em relação ao resto do mundo, o isolamento de cada ilha no contexto arquipélago e as características específicas de cada uma das ilhas trouxeram consigo efeitos que explicam os diferentes comportamentos, hábitos, estilos de vida, tradições, bem como a existência de variantes dialetais, visto que em cada uma das nove ilhas habitadas se desenvolveu uma forma característica de falar. A sociedade é consciente da existência de duas grandes variedades regionais do Crioulo: a de Barlavento (S. Antão, S. Vicente, S. Nicolau, Sal e Boavista) e a de Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava). Até numa mesma região, as especificidades são bem notórias de ilha para ilha, sem, no entanto, afetar a mútua inteligibilidade dos seus falantes nem o sentimento comum de se falar a mesma língua (VEIGA, 2002). Há quem acredite que de um ponto de vista linguístico, as variantes mais importantes são as de Santiago, Fogo, São Nicolau e Santo Antão e qualquer estudo profundo da Língua Caboverdiana deve ter em conta estas quatro variantes. São as únicas ilhas que receberam escravos diretamente do continente africano, e são as ilhas que possuem características linguísticas mais conservadoras e mais distintas entre si. Já do ponto de vista sociológico, deve-se ter em conta as variantes de Santiago e de S. Vicente que, por comportarem os dois maiores centros urbanos (Praia e Mindelo), são as variantes com maior número de falantes e que têm uma tendência glotofagista sobre as variantes vizinhas5. Porém, de há alguns anos a esta parte, o tema que vem animando os debates linguísticos no meio letrado caboverdiano tem sido: Qual é a situação linguística de Cabo Verde hoje? Infelizmente, esta pergunta não parece passível de uma fácil resposta. Fato é que Cabo Verde vive hoje numa encruzilhada linguística que, paradoxalmente, parece complexificarse em vez de simplificar-se com o tempo. Esta afirmação não se deve ao fato de haver mais do que uma língua na sociedade caboverdiana (o Crioulo e o Português). Cabo Verde não é o primeiro nem o único caso desse gênero. Dos vários casos existentes à volta do mundo podíamos citar a Suíça, a Bélgica, a Finlândia, o Luxemburgo, o México, o Canadá, sendo alguns deles até casos de trilinguismo ou polilinguismo. No entanto, e conforme afirma Manuel Ferreira (1959,p. 54-55), a questão fulcral é que, […] o crioulo de Cabo Verde manifesta-se como fenómeno singularíssimo, dado que ali surgiu em condições especiais, adquirindo modernamente um relevo de tal envergadura no todo dos valores sociais – étnicos, antropológicos e estéticos que, longe de ser um 5

Crioulo Cabo-verdiano. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/Crioulo_cabo-verdiano >. Acesso em: 27 dez. 2014.

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caso de circunstância, se impõe como um dos problemas capitais a quem pretende estudar a alma do mestiço daquelas ilhas.

Assim, no meio dessa complexidade linguística, antropológica e epistemológica, há os que defendem que em Cabo Verde se vive uma situação linguística bilíngue em que o Crioulo e o Português coexistem em situação de paridade. Há outros que defendem que a situação não é de bilinguismo, mas sim de diglossia, pois as duas línguas não gozam de igual estatuto sociolinguístico, estando o português num patamar superior. Outros há que defendem a oficialização da Língua Caboverdiana – o Crioulo – como forma de clarificar definitivamente o estatuto de ambas as línguas e a encruzilhada linguística em que esta situação parece ter-se transformado. Mas neste particular, importa analisar um pouco alguns dos aspetos desse fenômeno que talvez nos possam ajudar a melhor refletir. Ora, a situação linguística de Cabo Verde é caracterizada pela existência de duas línguas em presença: o Crioulo Caboverdiano e a Língua Portuguesa. E Almada Duarte (1998, p. 209) afirma que “no arquipélago de Cabo Verde existe uma situação de bilinguismo (crioulo-português)” [...], opinião partilhada por outros estudiosos ou pessoas com algum interesse nessa matéria. Mas a esse respeito Manuel Veiga, no seu artigo intitulado O Crioulo e o Português em Cabo Verde, diz que, Não obstante, o estatuto linguístico das duas línguas continua sendo muito diferente. Com efeito, enquanto a língua portuguesa é língua oficial do ensino, da literatura, da mídia e das situações formais de comunicação, o crioulo cabo-verdiano é língua de comunicação na família, língua das tradições orais, principal veículo de suporte musical, numa palavra, língua da oralidade e das situações informais de comunicação. (VEIGA, 2009)

Segundo esse mesmo autor, “o bilinguismo, em Cabo Verde está presente apenas numa franja muito reduzida da nossa sociedade – a elite letrada – e, mesmo nesse caso, o seu bilinguismo é sobretudo oral na medida em que muito poucos letrados escrevem em crioulo”. A linguista Dulce Pereira (2001, p. 153) também faz referência a um “bilinguismo elitista” já que a percentagem daqueles que falam e escrevem corretamente o português é muito pequena comparada com a população do país. E acrescenta que [...] o bilinguismo ideal será aquele que é capaz de compreender e usar as duas línguas, nos seus vários estilos, autonomamente, sem interferências mútuas sistemáticas, segundo a sua vontade ou em função das exigências contextuais e em concordância com as intenções expressivas e comunicativas” (ibid.).

Há ainda quem defenda expressamente que a situação linguística de Cabo Verde não é de bilinguismo, mas sim de diglossia, expressão ori_____ 166


ginada da latinização do termo francês diglossie, utilizada em inglês pela primeira vez por Charles Ferguson. De acordo com Ferguson (1959) “uma situação diglóssica existe numa sociedade quando existem dois códigos distintos que mostram uma separação funcional clara, isto é, um dos códigos é utilizado num determinado conjunto de circunstâncias e o outro é utilizado num conjunto totalmente diferente”. Portanto, uma comunidade é considerada diglóssica quando uma variedade considerada alta sobrepõe-se a uma ou mais variedades consideradas baixas. A variedade alta é mais utilizada na linguagem escrita e em situações mais formais de comunicação, enquanto a variedade baixa é mais utilizada em ambientes de informalidade. Nessa base, existem linguistas e estudiosos que defendem que isso é o que se passa em Cabo Verde onde se vive uma situação caracterizada pela exclusividade dos contextos da escrita e da oralidade formal reservadas à língua portuguesa e pela predominância do uso da língua materna/nacional – o Crioulo – em contextos de oralidade informal e de mais afetividade (VEIGA, 2009). Há quem acredite, no entanto, que a afirmação e valorização da Língua Caboverdiana passa pela sua oficialização. A sociedade caboverdiana vive numa grande expectativa a esse respeito já que se trata de uma questão complexa e que não congrega muito consenso. Se uns são firmes na defesa da oficialização do Crioulo, outros recomendam cautela no processo porque o Crioulo tem as variantes dialectais, conforme já referido e, por isso, põe-se o problema de qual dessas variantes irá ser a padronizada. Eis uma das razões porque a problemática da oficialização do Crioulo tem constituído objeto de importantes trabalhos de estudo e investigação, mas também de debate e controvérsia na sociedade caboverdiana. Ainda que todos pareçam estar de acordo quanto à necessidade de preservar, estudar, desenvolver e valorizar a língua caboverdiana, nem todos têm a mesma opinião quanto à necessidade ou mesmo a viabilidade da sua instituição como língua oficial de Cabo Verde. A questão de fundo já nem parece ser tanto o estatuto sociolinguístico de uma ou da outra língua, mas a forma como o processo tem sido concebido e conduzido. É essencialmente o problema da metodologia que se tem vindo a utilizar na condução desse complexo dossier, que parece servir mais interesses políticos, pessoais ou conjunturais subjacentes do que os interesses da população que deve ser vista como o maior interessado. Este é um exemplo do tipo de reformas que não podem ser feitas por simples decreto, por decisão de gabinete, ou por imposição seja de que tipo for. E o maior problema parece ter sido querer mudar uma estrutura basilar de uma sociedade de costas viradas para os principais atores do processo – os falantes e donos da língua, ou seja, o povo. Colocadas à parte convicções de ordem filosófica, epistemológica, antropológica, linguística ou política de cada cidadão, a verdade é que para se oficializar _____ 167


uma língua são necessárias condições fundamentais, estruturais e materiais que ainda não existem no caso de Cabo Verde. Onde estão os instrumentos linguísticos e estruturais para a afirmação e desenvolvimento da língua – como sendo instrumentos de padronização escrita e oral visando uma forma de escrita estandardizada (o ALUPEC 6 não parece ter conseguido resolver essa questão), dicionários, gramática, material didático, mecanismos de suporte linguístico e literário para que o Crioulo possa ser transformado em língua de instrução e de ensino a todos os níveis? Onde estão os professores científica, didática e pedagogicamente formados e capacitados para assumirem essa profunda transformação sociolinguística que a tarefa exige sem que estejamos indefinidamente a falar de experiências-piloto nas escolas que nunca chegam a atingir a fase de maturação ou de generalização? Onde estão as condições para fazer do Crioulo o instrumento técnico-linguístico e administrativo na gestão do País? Onde estão os mecanismos que assegurarão a comunicação entre Cabo Verde e o mundo exterior, especialmente com os países de língua oficial portuguesa? Como é que vamos preparar os nossos jovens para serem cidadãos do mundo se estamos a querer quartar o alcance do seu voo? Cabo Verde é um país pequeno, pobre e insular que não dispõe de recursos naturais próprios para a sua sustentabilidade, portanto, quanto maior for o número de línguas que os caboverdianos conseguirem dominar, melhor será para a sua sobrevivência e inserção no mundo globalizado. Isso não desvaloriza de forma alguma a importância da nossa língua materna e nacional, mas não deve também minimizar a importância da língua portuguesa no desenvolvimento da nossa sociedade. Quem se encontra no seu dia a dia a lidar com alunos numa sala de aula, sabe bem do que estamos a falar. Ao dizermos que estamos neste momento a viver numa encruzilhada linguística, nos referíamos precisamente a isso. Os alunos desta geração, mesmo em nível do ensino superior, já não sabem onde se situam, linguisticamente falando. Vamos assistindo, passiva e cumplicemente ao degradar das competências linguísticas dos nossos alunos que numa percentagem considerável já mal conseguem formular uma frase em português, resistem à utilização dessa língua e ficam à espera que milagres aconteçam em termos de aproveitamento escolar, quando o português continua a ser a língua de instrução no nosso país. E a encruzilhada reside no facto de não conseguirem exprimir-se em Português, mas de não serem igualmente capazes de fazê-lo em Crioulo, falando da expressão escrita, devido a todos os constrangimentos conhecidos e que não vamos aqui poder abordar. Até parece que regressamos à era dos pidgins, porque o que muitos alunos escrevem muitas vezes não é 6

Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano, mais conhecido como ALUPEC, é o alfabeto que foi oficialmente reconhecido pelo Governo de Cabo Verde em 2005 para a escrita do Cabo-verdiano.

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nem uma coisa nem outra, mas uma mistura de tudo: do Português, do Crioulo, e das línguas estrangeiras que vão aprendendo ao longo do seu percurso escolar. Não é por acaso que hoje em dia instituições de ensino superior nacional e estrangeira (Portugal e Brasil, principalmente) estão a queixar-se da ausência de competências linguísticas demonstrada pelos nossos alunos e a impor medidas mais rigorosas na seleção de alunos caboverdianos. A quem responsabilizar? A pergunta fica em aberto, dependendo a resposta da reflexão e da leitura que cada um fizer da situação. Uma coisa é certa. Conforme já tínhamos afirmado num outro sítio (TRIGUEIROS, 2010, p. 150), a presença da Língua Portuguesa na sociedade caboverdiana é uma realidade incontornável. Pelos laços seculares, linguísticos e culturais que unem a história destes dois povos, pela forma como a sociedade caboverdiana se encontra indelevelmente ligada à sociedade portuguesa pelos ditames da sua história, pela importância dessa língua enquanto instrumento de comunicação com o exterior nas diversas áreas do conhecimento e do saber e das relações comerciais e diplomáticas, a Língua Portuguesa constitui para nós o mais valioso legado que a história da colonização nos deixou, pelo que a importância desse patrimônio não deve ser minimizada, mas antes preservada e acarinhada. Nas palavras de Roberto Carneiro (2008), Coordenador do Observatório da Imigração do ACIDI, Cabo Verde e Portugal, “dois Estados, duas Nações, irmanadas num destino entrelaçado pelo cimento de uma língua comum que é pátria de pátrias geograficamente dispersas” (Prefácio, p. 7). Esses laços não são certamente passíveis de fácil dissolução.

As migrações e o seu impacto nas dinâmicas sociais cabo-verdianas Salvaguardado foi que a problemática da migração seria um ponto de referência obrigatória neste trabalho tendo em conta o impacto das migrações nas transformações sociológicas e culturais ocorridas ao longo dos tempos à escala mundial. E Cabo Verde não é exceção. Em Cabo Verde a migração não apenas direcionou e moldou a vida do caboverdiano, como faz parte de todas as dinâmicas sociais que tiveram e continuam a ter lugar neste solo desde os primórdios da formação da sociedade caboverdiana. Embora estejamos a falar de um fenômeno de abrangência mundial, a nossa reflexão neste contexto estará essencialmente virada para o “mundo” caboverdiano. O espaço que foi dedicado neste trabalho à caraterização do Arquipélago, ao povoamento das ilhas, à formação da sociedade caboverdiana e à complexa situação linguística que se vive no país teve como finalidade ajudar-nos a melhor nos situarmos no tempo e no espaço geográfico _____ 169


e sociológico a que o estudo diz respeito, juntando os possíveis retalhos e fragmentos que nos permitirão fazer a montagem do manto que pretendemos reconstruir. Mas para falarmos das migrações caboverdianas será talvez necessário dividirmos o tema em dois subtemas (como forma de encontrar o fio condutor e ao mesmo tempo entrelaçante de toda essa meada) – emigração e imigração.

Emigração caboverdiana Na ótica de vários autores, investigadores e, principalmente, de vários escritores e poetas caboverdianos, a emigração caboverdiana está intimamente ligada a situações de crise profunda ou de catástrofes causadas por fenômenos hostis da natureza como sendo o clima pouco favorável, provocado pelos ventos alísios do Nordeste e do Leste, que estará na base das frequentes e prolongadas secas ou estiagens, por sua vez responsáveis por longos períodos de fome extrema acompanhados de mortandade em larga escala, que ciclicamente assolavam e dizimavam a população das ilhas. Na memória coletiva do povo caboverdiano, o termo fome faz recordar cenários de muita tristeza e desolação causados por essas impiedosas crises que com alguma frequência batiam à porta do povo caboverdiano. Relatos históricos mostram que ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX episódios de seca e fome caminharam lado a lado com a história do povo das ilhas, o que levou Jorge Dias (1959: XIV) a afirmar que, “o problema fundamental de Cabo Verde é de natureza econômica”. A década de 1940, em pleno século XX, é destacada na história de Cabo Verde como uma das mais mortíferas que reduziu a população do arquipélago de uma forma sem precedentes (LEITÃO DA GRAÇA, 2007. p. 104). A fome de 47 é referida na literatura, na música, na poesia caboverdiana e por aqueles que sobreviveram à crise, como um autêntico flagelo da natureza que se abateu sobre as já frágeis e abandonadas ilhas do Atlântico, que não conseguiam proporcionar aos seus habitantes o necessário sustento para a sua sobrevivência (cf. CARREIRA et al., 1983). A esse respeito, Carreira (1983) refere A degradação do clima: acentuada irregularidade de chuvas, avanço do processo de erosão das terras, numa parte devido às enxurradas (quando chove torrencialmente) e em parte pela açcão dos ventos dominantes, facilitada pela ausência de cobertura vegetal dos solos (desarborização progressiva, ocasionada por múltiplos factores). Destes fenómenos tem resultado a perda das melhores camadas de terra, arrastadas para o mar pelas enxurradas ou pelo desnudamento das encostas e dos montes pelas fortes e constantes ventanias em determinados períodos do ano. (CARREIRA, 1983, p. 278)

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Na opinião de Luís Terry (1959, p. 103), a fome de 47 foi o culminar da crise que eclodiu entre 1940 e 1950, mais concretamente no período entre 1942 e 1945, a mais grave de todas as crises que já tinham tido lugar, pois “foi agravada pelo facto de se ter processado em plena guerra [a II Guerra Mundial], quando, portanto, a escassez de alimentos era grande em toda a parte e dificílimo o afretamento de barcos” para o transporte de mercadorias. Segundo o mesmo autor, [...] em Cabo Verde a recuperação depois dessas crises é particularmente difícil, pois trata-se de uma população de economia agropecuária [em que] os campos ficam abandonados e devastados; o gado morre quase todo; e a economia, mesmo a dos medianamente dotados, perfeitamente arruinada. (ibid.).

Assim, todo esse espetro de fome causado por fatores múltiplos, mas que acabavam por desembocar-se no mesmo cenário de ausência de meios de subsistência para a sobrevivência das pessoas, foi provocando no caboverdiano uma vontade crescente de se evadir, de fugir para longe em busca de uma vida diferente que pudesse garantir a sua subsistência e a dos seus familiares. E é assim que começa a surgir, primeiro, migrações internas, tanto dentro da mesma ilha (fugindo aos locais mais fustigados pela seca) como de uma ilha para outra com melhores condições; mais tarde as migrações passaram a estar direcionadas para outras partes do mundo, migrações externas, onde a situação econômica do país dava esperanças de uma vida melhor. Correia e Silva (2005, p. 44) afirma que, “a história de Cabo Verde ensina-nos que as secas possuem tanto maior virulência quando a elas se adicionam conjunturas comerciais externas depressivas. A conjunção da dinâmica crítica endógena (despoletada pela seca) com a exógena (diminuição dos fluxos financeiros com o exterior) lança a economia do arquipélago em depressões profundas”, o que não se verifica quando as crises acontecem isoladamente. Falando das migrações internas, um marco importante que acarreta consigo uma grande viragem histórica, econômica e sociológica na história das ilhas de Cabo Verde é a instalação, na ilha de S. Vicente, em 1838, do entreposto carvoeiro de abastecimento à navegação, pelos britânicos, legitimada por um acordo celebrado a 3 de julho de 1842 entre Portugal e a Grã-Bretanha e denominado “Tratado de Comércio e Navegação” (CORREIA E SILVA, 2005, p. 99). Esse acontecimento veio imprimir uma nova dinâmica à ilha de S. Vicente e fomentar o crescimento daquilo que se tornaria mais tarde (a 14 de Abril de 1879) a Cidade do Mindelo. Correia e Silva faz lembrar que, antes da chegada dos britânicos, Mindelo era apenas um pobre e pacato povoado de S. Vicente, “a menos povoada das ilhas habitadas do arquipélago, [sendo] igualmente a mais pobre em rendimentos fiscais e a menos coberta pelas instituições da administração civil, militar e eclesiástica” (p. 104-105). _____ 171


Porém, com a exploração do comércio do carvão e outras atividades ligadas ao Porto Grande, “Mindelo vai compondo a sua população pela imigração massiva de camponeses pobres ou sem-terra das ilhas de Santo Antão e S. Nicolau que veem nas oportunidades de emprego criadas pelo porto um apelo irresistível”. De igual forma, “da Boa Vista, um pouco mais adiante, chegam também homens já adestrados nas lides do porto e na língua inglesa” (CORREIA E SILVA, 2005, p. 112). Chegam ainda pessoas provenientes das ilhas de Sotavento, especialmente do Maio (ibid.). De recordar que antes da expansão do comércio no Porto Grande do Mindelo, era nas ilhas do Maio e da Boavista que os navios americanos e ingleses iam abastecer-se de sal, carnes, peles, víveres e outros produtos que transportavam para os respectivos países para comercialização, tendo esse comércio entrado em declínio com a implementação do entreposto comercial do Mindelo. E nessa nova conjuntura o Porto Grande do Mindelo brotou, expandiu e floresceu ao ponto de Manuel Lopes ter afirmado que, A cidadezinha do Mindelo pode-se dizer que veio ao mundo sobre as quilhas da navegação internacional, nasceu, por assim dizer, cosmopolita, porque nasceu parasita do porto, e até hoje sempre dependeu dele. Sobre essas quilhas tem navegado, ora em boa maré, ora em marés bravios, mais nestes do que naquela. As convulsões do mundo não são completamente estranhas e alheias aos seus filhos, porque o movimento do seu porto depende dos caprichos da política internacional. (Manuel Lopes, 1959, p. 9)

Ainda sobre as migrações internas, Leitão da Graça (2007, p. 35) reforça a tese defendida por Correia e Silva (2005) quando fala do impacto severo da “conjunção da dinâmica crísica endógena com a exógena”, e exemplifica dizendo que, “em S. Vicente, os anos de 1900-1905 representam o caso da confluência da crise urbano-portuária com a agrocamponesa. Durante estes anos assiste-se à chegada maciça de camponeses famintos vindos das ilhas vizinhas, atraídos pelas oportunidades de emprego no porto. Mas o êxodo rural vai confrontar-se com a baixa de intensidade comercial do Porto Grande” e fazer romper o já frágil tecido social existente. É o que se constata mais tarde, com a crise de 1940-1945 que coincide com a II Guerra Mundial. Além dos fatores mencionados, há que ter ainda em conta as fugas cíclicas de uma ilha para a outra por razões de salubridade como aconteceu, por exemplo, em 1847, quando o Governo da Província transferiu a sua sede da Praia, ilha de Santiago, para a ilha Brava, e com ele foram transferidos vários serviços públicos, incluindo a Imprensa Nacional (criada em 1842), tendo nessa ilha sido criada a Escola Principal de Instrução Primária. Dez anos mais tarde regressaria tudo à Cidade da Praia, capital da Província (Nobre de Oliveira, 1998). Ou ainda, a transferência, no sé_____ 172


culo XVIII, da sede da Diocese de Cabo Verde da Praia para Santo Antão e depois para S. Nicolau onde se manteve até 1943. E ainda, a transferência da Escola Principal de Instrução Primária da Praia para S. Nicolau em 1867 onde funcionou durante quatro anos, regressando de novo à Praia em 1871 (Nobre de Oliveira, 1998, p. 77). Quanto às migrações externas, os historiadores e investigadores que se têm debruçado sobre esta problemática em relação a Cabo Verde, têm todos partidos de uma base comum, que é uma visão historicista do fenômeno, para depois tentarem associá-la a outras abordagens ou perspectivas de análise. Fato é que a emigração caboverdiana para o exterior está em todos (ou quase todos) os autores também associada à situação geoestratégica privilegiada do Arquipélago, para além das causas internas já referidas. Com efeito, a localização de Cabo Verde a meio do Atlântico, em plena rota de cruzamento entre a Europa, a África e as Américas, é mencionada por vários autores (CARREIRA et al., 1983), colocando o Arquipélago como eixo fulcral “nas grandes rotas do comércio mundial [...] e na divisão internacional de trabalho”, conforme refere Leitão da Graça (2007, p. 33). Lopes Filho (1996, p. 245) afirma que, “desde o seu povoamento, os barcos aportavam às ilhas para receberem provisões e abastecerem-se de água. A sua localização estratégica no Atlântico Norte [...] fez do arquipélago um local preferido pelos traficantes de escravos e piratas”. E acrescenta que, “vindos das costas da Guiné, passaram por Cabo Verde grande parte dos escravos destinados às Américas. Para além do tráfico de escravos [...], os traficantes contrabandeavam outros produtos, visto utilizarem os portos de Cabo Verde como ponto de abastecimento” (ibid.). Todos esses contatos com pessoas de culturas diversas e de outras partes do mundo aumentaram no caboverdiano o desejo de partir para longe, de conhecer novas terras, conduzindo, consequentemente, ao despoletar da emigração massiva para o exterior. Manuel Lopes (1959, p. 11) afirma ainda que, [...] por influência do Porto Grande, que lhe deu a possibilidade de um convívio permanente com outros povos e outras terras, o caboverdiano é sensível ao que se passa por este mundo fora. [...] À volta do porto gira uma multidão ansiosa de partir; habituada a ver os barcos em contínuo vaivém, há na ‘gente do Mindelo’ uma saudade das terras que não conhece Isso porque o autor acredita que a baía de S. Vicente é considerada a sala de visitas do arquipélago crioulo [...], a cidade do Mindelo tem as janelas viradas para os ventos do largo [...], o Porto Grande – imensa janela aberta sobre o Atlântico [...] através da qual os ventos da civilização e do progresso refrescam estas ilhas [...]. (ibid., p. 10,12).

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No entanto, existem documentos que evidenciam que a emigração para o exterior teve início ainda antes de 1750, quando caboverdianos começaram a ser contratados para tripular navios baleeiros de Nantucket que aportavam as ilhas de Cabo Verde. A juntar-se ainda a todos os fatores apontados como estando na base da emigração externa, surge um dado novo, não referido por muitos pesquisadores, que se manifesta na segunda metade do século XIX: a fuga ao serviço militar obrigatório para todos os mancebos aptos com a idade de vinte e um anos. Carreira (1983) faz referência ao “horror pela vida militar” e menciona casos de jovens que se mutilavam, que se lançavam ao mar ou que se precipitavam rocha abaixo para não terem que prestar serviço militar (p. 72), principalmente em territórios onde havia muitos conflitos internos e um clima aterrorizador como era o caso da Guiné-Bissau (LOPES FILHO, 1995, p. 248). De relembrar que nessa altura os indivíduos recrutados para o serviço militar podiam ser colocados em qualquer das colônias portuguesas como se de um todo territorial uno e indivisível se tratasse. Seja como for, Carreira (1983, p. 65) é de opinião que, “pode afirmar-se, sem receio de desmentido, que de todos os territórios do ultramar português, foi o arquipélago de Cabo Verde o pioneiro na emigração livre. Só muito mais tarde viria a surgir a emigração forçada”. Os autores consultados são unânimes em apontar a América do Norte como sendo o primeiro destino da emigração caboverdiana para o exterior, mas divergem no tocante à data em que este fenômeno teve o seu início. Enquanto Carreira (1983, p. 65), por exemplo, fala de finais do século XVII e princípios do século XVIII, Lopes Filho (1996, p. 245) aponta meados do século XVIII e Leitão da Graça (2007, p. 91) defende que “no final do século XVIII [...] encontramos caboverdianos nos Estados Unidos ocupados nos mais diferentes tipos de actividades [...]”, o que pressupõe já alguma familiaridade com a sociedade de acolhimento. No entanto, alguns autores admitem que a ausência de evidências que comprovem determinados aspetos da história antiga de Cabo Verde deixa muitas vezes espaço para alguma discrepância concernente a datas e factos assinalados (Carreira, 1983, p. 66). De uma forma ou de outra, a emigração para os Estados Unidos, apelidada de emigração espontânea por alguns autores (cf. CARREIRA, 1983), mas que atrever-me-ia a chamar de emigração circunstancial, está associada à pesca da baleia, fato apontado por todos os autores visitados. Trata-se de uma época (finais do século XVII, inícios do século XVIII) em que o óleo da baleia era um produto altamente procurado dando lugar à emergência de um setor econômico de grande importância internacional devido à abrangência da sua utilização: iluminação, curtição de peles, fabricação de objetos, etc., o que levou a que baleeiros norte-americanos e _____ 174


de outras nacionalidades iniciassem uma verdadeira caça aos cetáceos nos mares de Cabo Verde e dos Açores para a obtenção não apenas do óleo da baleia, mas também do âmbar, substância encontrada no ventre dos cetáceos. O crescente interesse pela expansão dessa atividade que conduziu a uma grande concorrência de cidadãos estrangeiros levou a que Portugal passasse a cobrar pela pesca da baleia nos “seus mares” ou a dar esse direito de arrendamento aos estrangeiros (CARREIRA, 1983, p. 65-70; LOPES FILHO, 1996, p. 245-249). Foi assim que, em 1798, por Alvará de 12 de Maio, a Coroa Portuguesa terá concedido autorização aos americanos para a pesca da baleia nas águas de Cabo Verde (Ramos, 2003: 109). Calcula-se que entre 1825 e 1875 tenha entrado, por ano, uma média de 100 navios baleeiros norte-americanos no arquipélago, 7 ao abrigo desse acordo, sem contar os navios de outras nacionalidades. Assim, os capitães dos navios norte-americanos tiveram a necessidade de começar a recrutar nativos caboverdianos para tripular os navios baleeiros e ajudar nas lides pesqueiras e de produção do azeite. Os primeiros marinheiros a serem recrutados foram originários das ilhas de S. Nicolau, Fogo e especialmente da Brava (CARREIRA, 1983; LOPES FILHO, 1996; LEITÃO DA GRAÇA, 2007) conquistando para si a fama de bons profissionais, razão porque alguns deles chegaram mesmo a desempenhar funções de capitão de navio. Isso explica as relações seculares e intensas entre as ilhas do Fogo e da Brava com a América do Norte, até aos dias de hoje, e alturas houve em que os habitantes dessas duas ilhas se sentiam mais americanos do que portugueses, durante o período colonial. A partir de então, as saídas para a América foram tomando outros contornos uma vez que chegados ao novo continente os caboverdianos procuravam todas as formas de ficar em terra e fixar-se naquele país. Os que tiveram sucesso, mais tarde solicitariam o reagrupamento familiar e a emigração caboverdiana foi-se expandindo do outro lado do Atlântico, tendo a primeira vaga atingido o seu pico na década de 1920. Com as medidas restritivas e impeditivas de entrada de emigrantes nos Estados Unidos da América, impostas pelas leis de 1919, 1924 e 1928 (LOPES FILHO, 1996, p. 249), a emigração caboverdiana redireciona-se para outros destinos (na primeira metade do século XX) como sendo o Brasil e a Argentina na América do Sul, pese embora as dificuldades iniciais de penetração, particularmente em território brasileiro. Leitão da Graça (2007: 127) é de opinião que a corrente migratória caboverdiana para o Brasil deve ser a menos conhecida talvez, por um lado, devido à 7

Conforme citado em Referências Cronológicas: Cabo Verde/Cabo-verdianos Americanos (n.d.), p. 5-8. Disponível em: <http://www1.umassd.edu/specialprograms/caboverde/cvchronp.htm>. Acesso em: 27 dez. 2014.

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sua insignificante expressão numérica e, por outro, “porque as comunidades imigradas diluíram-se completamente nas culturas e sociedades de acolhimento”. Por outras palavras, parece ter havido uma completa assimilação desses emigrantes pela sociedade de acolhimento. O autor fala mesmo em rompimento [afetivo] do cordão umbilical que os ligava ao local de origem, especialmente após o reagrupamento familiar nos casos em que isso teve lugar (LEITÃO DA GRAÇA, 2007, p. 123). Sabe-se que os primeiros emigrantes para o Brasil eram oriundos de S. Nicolau, tendo-se lhes seguido outros indivíduos provenientes de S. Vicente e de S. Antão. Efetivamente, fazem parte das nossas memórias de criança (da escola primária) episódios de pessoas da nossa comunidade em S. Antão, ou chegadas à família, deixando a ilha natal rumo ao Brasil. Muito poucas dessas pessoas alguma vez regressaram para visitar a terra natal, chegando, podese dizer, a cair no esquecimento da memória coletiva. Quanto a Argentina, há registros que indiciam que já em finais de 1920 existia uma comunidade caboverdiana nesse país que foi crescendo até atingir atualmente cerca de 4 mil pessoas, incluindo os descendentes. Fenômeno curioso é que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos da América, falando de uma forma geral, onde o baixo nível de escolaridade dos emigrantes progenitores, “a precocidade da constituição familiar, a falta de acompanhamento educacional dos filhos, a negação de referências familiares no quadro da estratificação social encontrada” não favoreceram um desenvolvimento equilibrado e harmonioso da comunidade caboverdiana (LEITÃO DA GRAÇA, 2007, p. 127), na Argentina a comunidade caboverdiana lutou por “manter um padrão de dignidade social e os seus descendentes procuraram obter uma formação média ou superior” e alguns exercem funções relevantes na administração pública daquele país (p. 129). No rescaldo da II Guerra Mundial, muitos países da Europa Ocidental precisavam de mão de obra massiva e barata, especialmente dos países do Sul (África), para a reconstrução daquilo que a Guerra deixou em destroços. Foi assim que a população caboverdiana encontrou novas oportunidades de emigração, iniciando, na década de 1950, uma nova vaga de emigração, desta feita para países europeus como a Holanda, a Bélgica, os países escandinavos (Suécia, Dinamarca, Noruega), a França, a Alemanha, a Suíça, a Itália (emigração essencialmente feminina), o Luxemburgo, ao que Lopes Filho (1996, p. 254-255) considera um verdadeiro “êxodo” de caboverdianos para o exterior. Mas o país que maior número de emigrantes caboverdianos tem acolhido, especialmente desde a década de sessenta, por razões de vária ordem e que merece aqui menção especial, é sem dúvida Portugal, não se sabendo ao certo o número de caboverdianos residentes nesse país atualmente. Na década de 1980, deu-se início a deslocação de alguns desses imigrantes para a vizinha Espanha, em parte de_____ 176


vido à crise que começou a manifestar-se no setor da construção civil em Portugal. Portugal, tal como outros países europeus, tinha dado início a uma política ativa de recrutamento de mão de obra, “recrutando trabalhadores no interior do seu antigo império colonial para suprir necessidades de mão-de-obra ‘na metrópole” (GÓIS, 2008, p. 12). Esses trabalhadores, sobretudo caboverdianos, chegaram a Portugal contratados como mão de obra de substituição, preenchendo o vazio deixado pelos portugueses que, no entanto, tinham também emigrado para outros países europeus com melhores condições econômicas como a França e a Alemanha (ibid.). Assim, Caboverdianos estarão presentes em quase todas as partes do mundo, fazendo da diáspora caboverdiana uma das maiores do mundo e fazendo com que existam mais caboverdianos (e seus descendentes) fora do que dentro do território caboverdiano. Mas o nosso périplo ficaria muito incompleto se não fizéssemos referência à emigração para alguns países africanos, a começar por Senegal (provavelmente no início do século XX), embora não existam muitos dados sobre a corrente migratória africana, talvez por não tiver tido um grande impacto visível na melhoria das condições de vida dos familiares dos emigrantes. Neste ponto, há que diferenciar dois tipos de emigração: aquela para o Senegal ou a Guiné-Bissau, por exemplo, considerada ainda emigração espontânea, utilizando as expressões de Antônio Carreira (1983), e a chamada emigração forçada para Angola e Moçambique (nas décadas de 1930 e 1940) e São Tomé e Príncipe (na década de 1960), (LOPES FILHO, 1996, p. 265-272; LEITÃO DA GRAÇA, 2007, p. 143160). Para esses territórios os indivíduos eram recrutados pela administração colonial sob contratos rígidos que não deixavam espaço para um fácil regresso, tais eram as condições dos contratos assinados para trabalharem em roças de produção agrícola ou em locais de extração mineira. A emigração forçada objetivava essencialmente “resolver” três problemas: minimizar as consequências causadas pelas crises de seca e fome nas ilhas; recrutar mão de obra barata para a exploração da atividade agrícola nos territórios colonizados; dirimir a responsabilidade político-social da potência colonizadora em relação aos problemas que assolavam as ilhas. Importa referir, no entanto, que já numa fase posterior, década de sessenta, se tenha dado início a uma nova vaga de emigração para Angola, em moldes espontâneos, tendo esses emigrantes caboverdianos se transformado em “retornados” para a terra natal, ou “refugiados” em Portugal, ao mesmo tempo em que se assistia ao repatriamento massivo de colonos portugueses das ex-colônias, incluindo funcionários públicos e respectivas famílias, com a queda do regime salazarista em 1974 (GÓIS, 2008: 13). Os resultados da emigração africana são sobejamente conhecidos e não iremos aprofundá-los aqui por não fazerem parte dos objetivos da nossa análise _____ 177


neste estudo. No entanto, importa tecer alguns breves comentários ligados ao:

a) Impacto socioeconômico da emigração caboverdiana Visível e sentido, direta ou indiretamente, foi na verdade o impacto das migrações caboverdianas para o exterior, nos diferentes momentos da história das ilhas, no que concerne a melhoria de vida das famílias e ao equilíbrio macroeconômico do Arquipélago/País. Seja através de remessas enviadas para investimentos individuais que incluíam construção ou melhoria de habitações próprias, sustento das famílias e apoio a familiares, investimentos no comércio e/ou na indústria, no transporte ou em outros setores de atividades econômicas; seja através de remessas de poupança no país, o rosto da sociedade caboverdiana começou a mudar tanto em termos físicos, como humanos, sociais, ambientais. As casas cobertas de colmo, por exemplo, passaram a dar lugar a casas cobertas de telha vermelha, rebocadas e pintadas, com melhores condições de habitabilidade e um melhor nível de conforto e dignidade humana, característica que passou a ser indicador da presença de emigrantes numa comunidade. Por outro lado, a taxa de desemprego baixou consideravelmente nos períodos de maior fluxo migratório e as remessas dos emigrantes passaram a ter um peso significativo no PIB nacional constituindo, assim, apesar das oscilações relacionadas às crises econômicas internacionais, uma fonte de receitas considerável. Calcula-se que, atualmente, os países que mais contribuem para o equilíbrio da balança financeira caboverdiana, em termos de remessas de imigrantes, seja Portugal, em primeiro lugar, seguido da França, dos Estados Unidos da América, da Holanda e do Luxemburgo.

b) Impacto socioeducativo e dinâmicas sociais Desde o ano de 1917 em que foi criado o Liceu Nacional de Cabo Verde, instalado no Mindelo, até ao ano de 1960 em que foi criado o Liceu Adriano Moreira, na Praia, Cabo Verde teve um único Liceu para toda a população estudantil do Arquipélago, em nível de ensino secundário (cf. BRITO-SEMEDO, 2006; TRIGUEIROS, 2010). É evidente que poucas famílias tinham condições de mandar os seus filhos para o liceu, especialmente porque isso implicava, necessariamente, a deslocação dos filhos para a ilha de S. Vicente onde o liceu se encontrava instalado. Mas a emigração veio mudar o cenário a partir de meados da década de cinquenta, permitindo que alunos das diversas ilhas do arquipélago pudessem vir frequentar o Liceu em S. Vicente. E o tecido sociocultural e intelectual das ilhas também se foi transformando paulatinamente porque um maior nú_____ 178


mero de jovens passou a ter acesso a um nível mais elevado de escolaridade e a antever perspectivas diferentes para a sua vida em termos de conhecimento e de empregabilidade. E com a criação do ensino técnico-profissional em 1956, em Mindelo, abriu-se espaço para a formação de jovens profissionais que, terminando a formação, entravam imediatamente para o mercado de trabalho nas áreas da sua formação. Efetivamente, os cargos de gestão e contabilidade dos setores comercial e empresarial em S. Vicente, “nos tempos do Porto Grande” (CORREIA E SILVA, 2005), foram durante muito tempo preenchidos por alunos saídos da Escola Técnica do Mindelo. Muitos desses formados foram também enviados a desempenhar funções técnicas ou de administração em outras colónias portuguesas do ultramar. Portanto, em nível da educação, a sociedade caboverdiana sofreu também uma grande revolução, em grande medida graças ao impacto das migrações na vida das famílias caboverdianas. Já depois da independência (1975), um número significativo de famílias passou a poder custear uma formação média ou superior dos seus filhos no exterior. O reagrupamento familiar na emigração foi outra possibilidade aberta, sem esquecer toda a ajuda internacional que Cabo Verde recebeu logo após a independência com programas de bolsas de estudo para formação nas mais diversas áreas, em quase todos os países do mundo industrializado. Esta é a razão por que Góis (2004, p. 17-18), ao referirem-se aos chamados migrantes transnacionais (ou seja, aqueles que partilham um conjunto de elementos identitários comuns que, não sendo já apenas e só nacionais, serão, muitos deles, transnacionais) aponta uma nova geração de atores, “[…] económica e socialmente pouco visíveis (por enquanto) mas que vêm emergindo como agentes de mudança nas múltiplas sociedades em que ocorre a sua presença – os estudantes caboverdianos no exterior”. O autor afirma que em países como Portugal e Brasil são já muitos os milhares de estudantes que adotam práticas transnacionais partilhando as suas vidas entre vários países. Góis (2008, p. 19) refere que existe em Portugal um grupo simbolicamente importante de caboverdianos, constituído por indivíduos que vieram frequentar estabelecimentos de ensino, normalmente no Ensino Superior, e que acabou por ali permanecer por um tempo relativamente longo na qualidade de estudantes ou de quadros profissionais. Isso tudo vai dando lugar a movimentos migratórios pendulares que ocorrem ao ritmo dos períodos escolares entre o arquipélago de origem e os países de residência; existe uma prática de vida comunitária no seio dos países receptores de estudantes igual, ou talvez mesmo superior, à de núcleos de migrantes laborais; existe igualmente uma circulação migratória muito ativa entre estas comunidades e o país natal (ibid.). Significa que ao movimento migratório laboral tradicional do passado vieram juntar-se outras categorias de migrantes transnacionais que de certa forma baralharam todo o mapa conceptual que se tinha da mi_____ 179


gração até a data. Góis (2004, p. 17) fala de empresários transnacionais tradicionais; de “rabidantes”, mulheres que circulam a uma escala transnacional, movendo-se essencialmente num mercado informal transnacional (GRASSI, 2007); músicos caboverdianos envolvidos em práticas transnacionais; políticos transnacionais caboverdianos que circulam entre o país de origem e o exterior consoante a rotatividade dos partidos no governo ou na oposição. Quer com isso dizer que a migração caboverdiana se transformou, com o passar do tempo e com as novas conjunturas políticosociais emergentes, numa grande amálgama multidisciplinar e multissectorial, deixando de ser movida exclusivamente por questões econômicas ou de sobrevivência, o que por sua vez, alargou exponencialmente a amplitude do multiculturalismo e da diversidade na nação caboverdiana. O Quadro 2 abaixo ilustra a evolução demográfica da população caboverdiana desde a quarta década do século XX à primeira década do século XXI. Quadro: 2 - Evolução da população residente em Cabo Verde, de 1900 a 2010. ANO 1900

1940

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

Cabo Verde

143.929

181.740

149.984

199.902

270.999

295.703

341.491

434.625

491.875

Santo Antão

35.977

28.379

33.953

44.623

43.321

43.845

47.170

43.915

43.915

São Vicente

15.848

19.576

20.705

31.578

41.594

51.277

67.163

76.140

76.140

São Nicolau

14.846

10.366

13.866

16.308

13.572

13.665

13.661

12.817

12.817

Sal

1.121

1.838

2.608

5.505

5.826

7.715

14.816

25.779

25.779

Boavista

2.779

2.985

3.263

3.569

3.372

3.452

4.209

9.162

9.162

Maio

2.237

1.924

2.680

3.466

4.098

4.969

6.754

6.952

6.952

Santiago

77.382

59.397

88.587

128.782

145.957

175.691

236.627

274.044

274.044

Fogo

23.022

17.582

25.615

29.412

30.978

33.902

37.421

37.071

37.071

Brava

8.528

7.937

8.625

7.756

6.985

6.975

6.804

5.995

5.995

País

Fonte: INE (Instituto Nacional de Estatísticas) de Cabo Verde, recenseamentos da população residente de 1900 a 2010. Disponível em: <http:// www.ine.cv/actualise/dadostat/files/7ba5fbd5-bf0a-4faf-a7340495ba9f80f0evolução%20da%20população%20residente%20em%20cabo%20verde,%201900%20-2010.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2014. Uma breve análise do quadro acima apresentado sobre a evolução demográfica da população residente em Cabo Verde no período de 1900 a 2010 revela alguns dados significativos dos quais destacaríamos: 1) A di_____ 180


minuição drástica da população na década de 1940-1950 no cômputo geral. Já tínhamos referido neste artigo que a década de 1940 foi uma das mais mortíferas em termos de seca e fome em Cabo Verde, tendo dizimado uma parte considerável da sua população. Dos dados constantes do quadro verifica-se que as ilhas mais atingidas foram: Santo Antão, que perdeu cerca de 21% dos seus habitantes (7 598 pessoas); São Nicolau, que perdeu cerca de 30.17% (4 480 pessoas); Santiago, que perdeu cerca de 23.24% (17 985 pessoas); Fogo, que perdeu cerca de 23.62% dos seus habitantes (5 440 pessoas). 2) Paradoxalmente, S. Vicente viu aumentada a sua população em cerca de 23.52% (3 728 pessoas) e Sal em cerca de 63.96% (717 pessoas), graças ao impacto do Porto Grande do Mindelo e à construção do aeroporto internacional na ilha do Sal, em 1939, ilhas que passaram a funcionar como verdadeiros polos de atração laboral no contexto do Arquipélago. De realçar que de 1970 a 2000, a população de S. Vicente aumentou numa média de 12.000 indivíduos por década. Aqui já entra o impacto da migração externa no sistema educativo em que um número maior de famílias de outras ilhas de Barlavento passou a poder enviar os filhos para estudar em Mindelo, a princípio em nível de ensino secundário e a partir de 2001 em nível de ensino superior, sem descurar as dinâmicas habituais no fluxo da migração interna; e da imigração, com a chegada de cidadãos oeste-africanos, chineses e de indivíduos de outras nacionalidades. 3) Em relação à ilha de Santiago, a população aumentou de forma exponencial de 1970 a 2010, de acordo com os dados constantes do quadro em análise, registrando-se um aumento de cerca de 112.79% (145 262 habitantes) em 2010, comparado ao ano de 1970, quando a explosão demográfica começou a ter lugar. Fatores como migrações internas, a fuga de cérebros (the brain-drain) para a capital, Praia, e a imigração (Praia é a porta de entrada para os imigrantes da CEDEAO) estarão na base desse fenômeno. Santiago tem nove Municípios, mas o Município da Praia sozinho registra, neste momento, uma população de mais de 130.000 habitantes, quase metade da população da ilha de Santiago no seu todo (cerca de 48% da população da ilha.

Imigração para Cabo Verde Falar de Cabo Verde como país de imigração parece um tanto ou quanto paradoxal na medida em que Cabo Verde continua sendo um país de exportação de mão-de-obra barata para os países mais desenvolvidos e com melhores condições sócio laborais para quem procure uma vida melhor, isto é, continua na senda da emigração. Contudo, razões de vária ordem estarão na base dessa tendência de inversão do fenômeno migratório rumo às ilhas do Atlântico. Uma dessas razões estará subjacente à criação _____ 181


da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), através do Tratado de Lagos, assinado em Maio de 1975, cujo objetivo era o de promover o comércio, a cooperação e o desenvolvimento regional através da livre circulação de pessoas e bens (Leitão da Graça, 2007). Cabo Verde só veio a integrar essa organização um ano após a sua criação, em 1976, enquanto a Mauritânia pedia a sua desvinculação em 2002. Assim, da CEDEAO fazem parte os seguintes países: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do marfim, Gâmbia, Gana, Guiné Conacri, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. O Tratado foi revisto em 1993, com o objetivo de acelerar a integração econômica e aumentar a cooperação na esfera política, incluindo a criação de um parlamento oeste-africano, um conselho econômico e social e um novo tribunal para assegurar a execução das decisões da Comunidade. Este novo Tratado dá formalmente à Comunidade CEDEAO a responsabilidade de evitar e resolver conflitos na região (ibid.). E foi assim que na década de 1990 começou-se a registrar em Cabo Verde a entrada massiva de cidadãos dos diferentes países oesteafricanos membros da CEDEAO que vinham à procura de outras condições tais como oportunidades de negócio, estabilidade política, funcionalidade democrática, maior segurança e estabilidade social, entre outras razões (LEITÃO DA GRAÇA, 2007, p. 161-162). Guineenses, senegaleses, nigerianos e ganenses constituem as comunidades oeste africanas de maior expressão em Cabo Verde, perfazendo quase metade de todos os cidadãos estrangeiros residentes legalmente no país. Há a adicionar ainda o significativo número de imigrantes ilegais provenientes essencialmente da Guiné-Bissau e do Senegal, sem contar com os que entram clandestinamente, trazidos por embarcações especializadas nesse tipo de atividade que se tornou um negócio, pois esses indivíduos aportam Cabo Verde como ponto de escala para as ilhas Canárias de onde esperam alcançar a Europa (ibid., p. 163). Mas os guineenses são, sem dúvida, a maior comunidade estrangeira radicada no país. Dados disponibilizados pelo Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento sobre Migrações, Globalização e Pobreza (DRC, 2007) apontam no sentido da maioria dos imigrantes em Cabo Verde (82%) ser proveniente dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – PALOP (66%) e de Portugal (16%). De entre os PALOP, destacam-se a Guiné-Bissau (35%), Angola (22%) e S. Tomé e Príncipe (8%), mas Moçambique representa apenas cerca de 1%. Dados relativos a autorizações de residência (DEF, 2008) indicam que os principais países de origem são a Guiné-Bissau (19,8%), Portugal (13,8%), Nigéria (11,5%) e Senegal (11,3%), (Carvalho, 2009: 17). Outra onda de imigração a ter-se em conta é a imigração chinesa. São essencialmente pequenos comerciantes, mas integrados numa estraté_____ 182


gia de expansão socioeconômica, dispersa por todas as ilhas do Arquipélago e ocupando locais estratégicos nos centros urbanos, cuja presença se vai impondo discretamente e o número aumentando significativamente. Calcula-se que cerca de 20% dos imigrantes legais sejam chineses, depois da chegada da primeira leva há mais de dez anos (LEITÃO DA GRAÇA, 2007, p. 166). Não se pode esquecer ainda as centenas de cidadãos europeus e dezenas de americanos residentes nas diferentes ilhas, concorrendo todos para uma maior multiculturalidade e diversidade da sociedade caboverdiana, estando as marcas das migrações e dos contatos interculturais presentes na língua, na literatura, na música, nos hábitos e costumes, na gastronomia, no desporto, na mestiçagem do povo caboverdiano. Em 2010, estimava-se haver cerca de 13 450 estrangeiros em Cabo Verde (INE, Censos 2010) e a maioria dessa população está concentrada nas ilhas de São Vicente, Sal, Santiago e Boavista, pelo que neste momento a população de imigrantes residentes em Cabo Verde poderá ultrapassar os 15 000 indivíduos, legalmente residentes.

As marcas da emigração na literatura caboverdiana A situação literária dos países africanos de expressão portuguesa não evoluiu da mesma forma em todas as ex-colônias, pois, cada literatura tem origem num contexto sociocultural próprio e com características bem específicas. Além do mais, as colônias encontravam-se distantes umas das outras, em contextos geográficos em nada parecidos. Daí, o fato de a luta pela sobrevivência não se assentar em bases exatamente iguais. Havia certa especificidade no modo de viver, de pensar, de agir e de lutar das populações, em alguns casos entregues a sua própria sorte e com parcos recursos econômicos. Por outro lado, houve ainda o fenômeno da luta armada no terreno, mesmo depois das independências, fenômeno que não aconteceu em todos os territórios. Mesmo assim, embora não se possa falar de uma literatura homogênea, poder-se-á falar de uma literatura de unidade de objetivos numa diversidade de culturas; unidade na língua colonizadora, diversidade nas línguas nacionais; unidade na literatura poética de expressão portuguesa, diversidade nos poetas dos diferentes países; unidade nas formas literárias utilizadas (poesia, contos, novelas, romances, ensaios, peças de teatro, composições musicais), diversidade nos temas abordados; unidade na aspiração à liberdade, diversidade na sua forma de expressão. No caso de Cabo Verde, quase toda a produção literária deve-se aos caboverdianos, com uma literatura colonial menos difundida do que nos outros países de expressão portuguesa. Esta literatura traz quase sempre como pano de fundo o mar e a natureza agreste, responsáveis em _____ 183


grande medida pelo sofrimento do povo (dos que vão e dos que ficam), pelo seu isolamento, pelas partidas, pelas saudades, pela tristeza nas ilhas, mas também é garantia do sustento do quotidiano. O mar é prisão e liberdade. Ao mesmo tempo em que prende o povo nas ilhas, ajuda-o a libertar-se para longe. Conforme escreveu Eugénio Tavares, um dos renomados Pré-Claridosos cabo-verdianos, 8 O mar, aqui, nesta pequena ilha [Brava], é o nosso pai e a nossa mãe. E o campo largo onde vamos colher o sustento das nossas casas, o futuro dos nossos filhos, e a tranquila felicidade das nossas mulheres. Sem o mar a nossa miséria não teria equiparência, dá-nos o pão, dá-nos a alegria. É verdade que às vezes apunhala-nos o coração: quantos bravos marinheiros nos não têm levado o mar, que é a força do nosso coração? [...] O mar parece que se sente com o direito de nos matar às vezes, porque, afinal, é ele quem dá vida sempre àqueles entes que adoramos. (In: MONTEIRO, 1999, p. 100)

Entrando no período dos Claridosos, 9 encontramos outros poetas/ escritores também preocupados com os problemas do seu povo que acabavam sempre por conduzir à emigração. Jorge Barbosa (1941), no seu poema intitulado Poema do Mar, refere a “Este convite de toda a hora / que o Mar nos faz para a evasão! / este desejo de querer partir / e ter que ficar!” Nesse período aparece também Baltasar Lopes (1947), com o destacado romance Chiquinho, a dar-nos a conhecer não apenas o drama da emigração, nem sempre bem-sucedida, mas também o reverso da medalha, ou seja, o regresso. Quando o emigrante americano voltava à terra, de férias ou para ficar, era um sinal de status poder mostrar a sua destreza na “língua dos grings” e o seu sucesso do outro lado do Atlântico10. Também o romance Chuva Braba de Manuel Lopes (1962) vai na linha da perspectiva defendida por esse autor segundo a qual “em Cabo Verde há dois problemas importantes que comandam e engendram todos os outros: a chuva e o Porto Grande” (1959, p. 18). Na novelística de Manuel Lopes aparece bem vincada a dicotomia vivida pelo povo das ilhas perante o dilema do “querer partir, mas ter que ficar” (ou o inverso, querer ficar, mas ter que 8

Os três vultos das letras e da cultura tradicional cabo-verdianas considerados pioneiros na senda literária que lançou as bases e abriu caminho ao aparecimento do chamado período Claridoso (a partir de 1936) foram Eugénio Tavares da Ilha Brava, Pedro Cardoso da Ilha do Fogo e José Lopes da Ilha de São Nicolau. 9 Claridade é uma revista literária e cultural surgida em 1936 na cidade do Mindelo, Cabo Verde, e que está no centro de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. Os seus responsáveis foram Manuel Lopes, Baltasar Lopes da Silva (que usou o pseudónimo poético de Osvaldo Alcântara) e Jorge Barbosa, respetiva mente oriundos da ilha de São Vicente, da ilha de São Nicolau e da ilha de Santiago. 10 “Língua dos grings” quer dizer, língua dos americanos.

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partir), a que a corrente literária dessa época convencionou apelidar de evasionismo. No período Pós-Claridoso (a partir de 1960), muitos dos escritores/poetas e músicos caboverdianos fazem alusão ao tema da emigração nas suas obras. Gabriel Mariano (n.d.) é exemplo disso. No conto Vida e Morte de João Cabafume encontramos um João Cabafume insurreto, insubmisso, pobre, mas altaneiro, que não se curvava a nada nem a ninguém, nem ao destino, nem à fome. Razão porque não se curvou ao Sr. Administrador ficando livre das roças de S. Tomé; não se curvou ao Sr. Varanda apesar da falta que lhe fazia o emprego; não se curvou à D. Maninha mesmo tendo a fome à espreita. João Cabafume prezava muito a sua liberdade e para ele, se liberdade significava morrer, preferia morrer livre na sua terra a ir contratado para as roças de S. Tomé. E morreu “livre” na Baía do Porto Grande, tentando “passar calaca” 11 ao destino, aos guardas e ao capitão dos portos, quando fazia contrabando “numa noite de lua cheia”. Nessa geração, aparecem nomes como os de Nuno Miranda, Aguinaldo Fonseca, Ovídio Martins, Arnaldo França, Guilherme Rocheteau, Tomaz Martins, Onésimo Silveira, Corsino Fortes, Terêncio Anahory, Oswaldo Osório, Mário Fonseca, Arménio Vieira, Jorge Miranda Alfama, só para citar alguns, que versaram sobre os mais diversos temas do quotidiano caboverdiano: o sofrimento, a emigração, a partida, a saudade, a chuva, a seca, a fome, o milho, a esperança, de entre outros temas. Na literatura contemporânea encontramos, por exemplo, Corsino Fortes, Manuel Veiga, Carlota de Barros a versar sobre um tema que faz parte indissociável da história da vida dos caboverdianos – o milho. Este cereal reveste-se de uma importância incomensurável na vida do caboverdiano enquanto meio de subsistência, base principal do seu sustento, fonte da sua esperança ou do seu desespero. Citando Manuel Veiga (2007, p. 10), “[…] esse cereal representa o alimento e o sofrimento”. “[…] o milho inaugura a faina agrícola com o seu típico ciclo de “Azagua”, mas também o início de uma caminhada que só de raro em raro transforma a partida em chegada, o sonho em realidade”. Todos os anos, na época das águas, com chuva ou sem chuva, o caboverdiano lá vai, de enxada na mão, colocar a semente do milho debaixo da terra. Se chover, poderá haver colheita, se não chover, restará sempre a esperança de dias melhores. Muito embora o objetivo comum a todos os autores caboverdianos parece ter sido denunciar, representar, problematizar a dramática existência das populações e o seu sonho por uma vida melhor, cada obra revela aspetos da personalidade, do temperamento e da vivência pessoal do respetivo autor. E nesse sentido, Katharina Aulls diz que “a poesia é caracterizada por ser uma expressão íntima e pessoal, escrita, no entanto, numa estrutura artística que utiliza as experiências pessoais, para levá-las 11

“Passar calaca” quer dizer, enganar.

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a um nível mais elevado e alcançar valores universais da humanidade. A experiência única torna-se numa verdade geral, numa metáfora de vida ou mesmo num mito”12. A acreditar nisso, não seria de todo incoerente falarse de alguma similitude entre o poema “O rumor da chuva” em Sonho Sonhado de Carlota de Barros (2011, p. 154) e o poema “Regresso”, mais conhecido por “Mamãe Velha” de Amílcar Cabral (n.d.). Ambos exprimem o júbilo pela queda das chuvas, a esperança renovada e o prenúncio de dias melhores para as populações sofridas. E poder-se-ia mesmo dizer que, a esse nível mais elevado de valores universais da humanidade, o poema “Um dia voltarão” também de Carlota de Barros (2011, p. 159) faznos lembrar um pouco o discurso de Martin Luther King, Jr. (1963) intitulado, “I Have a Dream” pois, cada um à sua maneira, na sua época e no seu contexto histórico-sociológico, sonha com dias melhores, com um futuro de esperança para todos, na terra que é de todos. E por último citaríamos Jorge Figueiredo Ramos que em 2013 tornou público o seu romance intitulado “Portal de Memórias” em que o autor consegue, na sua obra, superar as características de um romance histórico comum, indo muito além do expectável nesse tipo de gênero literário. Consegue, de uma forma engenhosa, fazer uma simbiose bem conciliada entre aspetos históricos, sociológicos, antropológicos, econômicos e linguísticos da sociedade caboverdiana dentro e fora das ilhas, criando para o leitor um enredo tão rico e diversificado, alicerçado numa vasta experiência e vivência adquiridas através das estradas da emigração. A obra revela uma abordagem multidisciplinar e transversal da sociedade caboverdiana numa perspectiva diacrônica e multiespacial, onde são contemplados aspectos sociais, econômicos, educativos, culturais, demográficos e políticos, operando tanto em nível local como nacional e internacional. Isso vai ao encontro das diferentes fases da evolução da sociedade caboverdiana, numa mesclagem harmoniosa entre o real e criações do imaginário do autor. Nessa obra, a problemática da emigração é uma componente fortemente evidenciada, especialmente a chamada migração espontânea, virada num primeiro momento para os Estados Unidos da América (no séc. XIX e parte do séc. XX), dando assim início à diáspora laboral caboverdiana transatlântica, conforme afirma Pedro Góis (2006, p. 26). O autor põe em relevo o drama que pode ser a vida de um emigrante que nem sempre traduz uma história de muito sucesso ou com um final feliz. Na sua narrativa, vemos os caboverdianos a bordo dos barcos norte-americanos da pesca da baleia, nas fábricas de produção do algodão em Fall River, na recolha do cranberry nos campos de Wareham, na construção da ponte de Nova Iorque, só para citar alguns exemplos, ajudando, com a sua força 12

Imagem Virtual pela Poesia da África Lusófona. Disponível em: <http://www.teiaportuguesa.com/poesiaafricalusofona/>. Acesso em: 5 abr. 2011.

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laboral, no desenvolvimento daquela que veio a tornar-se a maior potência mundial da globalização – os Estados Unidos da América. Mas também os encontramos nos bancos de universidades norte-americanas lutando por um futuro melhor, como é o caso do autor. Segundo a professora e investigadora Luísa Aires (2011, p. 41), “do ponto de vista educativo, a utilização desta técnica de recurso à história de vida é muito importante porque permite obter e divulgar informações muito ricas e diversificadas acerca dos ciclos vitais das pessoas ou das sociedades em estudo”. Resumindo, diríamos que qualquer relato histórico ou pesquisa científica sobre a formação e evolução da sociedade caboverdiana que não tenha em conta a importância das chuvas, do mar, da emigração, do milho, do pilão (para se fizer a cachupa, a papa, o cuscus, a camoca) na vida do povo das ilhas se transforma num simples relato ao qual faltam as peças essenciais que são a alma, o coração e a mente do povo caboverdiano.

Que modelo de educação para Cabo Verde? Compreende-se assim, pelos ditames da sua história, que a população caboverdiana tenha já na sua matriz uma composição tão multicultural e diversa, fenômeno que se vai acentuando à medida que a globalização vai-se alargando, ao mesmo tempo que vai encurtando distâncias, permitindo que o contacto entre povos e nações se torne cada vez mais facilitado. São as consequências inevitáveis da era da globalização. Sobretudo nas últimas décadas, vem-se assistindo a um acelerar vertiginoso de mudanças e transformações das sociedades a todos os níveis, à escala planetária, com um acentuado impacto sobre a vida das populações, especialmente no tocante à formação, estruturação e dinâmica das comunidades, sejam elas urbanas ou rurais, ricas ou pobres, letradas ou pouco escolarizadas, mas com a mesma marca da era global – o multiculturalismo. Cabo Verde faz parte desse mundo cada vez mais globalizado em que as sociedades se encontram em constante transformação estrutural, cultural, econômica, política, ambiental, e o desenvolvimento de políticas educativas interculturais cada vez mais necessários face ao multiculturalismo crescente. Ademais, a diversidade cultural faz parte da gênese da sociedade caboverdiana, como já se frisou, e esse fenômeno vai-se acentuando com as migrações e a globalização. O multiculturalismo e a diversidade tornaram-se aspetos incontornáveis da sociedade contemporânea. E a existência de sociedades plurais traz subjacente a problemática da educação intercultural. No entanto, para haver educação intercultural é necessário formar professores com competências específicas, sensibilidade e disposição para trabalhar em contextos multiculturais. A escola e a família são parceiras de grande valor nesse _____ 187


processo, pois sem o seu apoio e engajamento os alicerces da estrutura que são as instituições educativas ficam fragilizados. Os currículos, por sua vez, ocupam lugar de destaque no processo educativo, pois não se consegue ensinar conteúdos desgarrados da realidade dos educandos. As novas tecnologias de informação e comunicação constituem, por seu lado, outro parceiro de muito peso no processo ensino aprendizagem dos tempos atuais. As vantagens dessa aliança são ditadas não apenas pela realidade mundial, mas também pelo contexto profissional circundante bem próximo e pela necessidade de desenvolvimento de outros saberes relacionados com a utilização das novas tecnologias, no ambiente de aprendizagem, permitindo acesso à sociedade do conhecimento. Essa aliança terá ainda como vantagem dotar alunos e professores de ferramentas e conhecimentos que os permitam integrar-se e funcionar em pleno num mundo onde o desconhecimento das tecnologias passou a ser sinônimo de iliteracia e um entrave à evolução pessoal e profissional. Acrescenta-se a tudo isso a capacidade de familiarização com outro tipo de instrumentos. Instrumentos que permitem ultrapassar determinadas barreiras que nos impedem de visualizar e de interagir com o mundo e o outro que se encontra geograficamente menos próximo de nós. Melhor dizendo, a educação contemporânea deve ser capaz de ver nas novas tecnologias uma grande maisvalia e uma aliada de sucesso. Para isso, tem de ser capaz de utilizá-las para incrementar um ensino aprendizagem mais diversificado em termos de meios e recursos educativos que ajudem a derrubar fronteiras que separam os povos, permitindo um mais rápido acesso à informação e ao conhecimento, tanto aos alunos como aos professores. Assim sendo, uma educação que se queira intercultural e inclusiva tem de saber conciliar todos esses fatores para ser representativa de todas as partes envolvidas e significativa para os aprendentes a quem se vai ensinar, formar e educar. Sendo Cabo Verde parte integrante deste mundo globalizado, profundamente marcado pelo multiculturalismo e pela diversidade, “riqueza da sociedade cabo-verdiana”, impõe-se um esforço cada vez maior para que o país possa sentir-se cada vez mais integrado e nunca excluído do contexto global. Consequentemente, um setor que deve constituir aposta privilegiada é o setor da educação. Mas olhar a educação com olhos de ver, como via de acesso ao desenvolvimento, ao bem-estar social e humano, como um processo em constante construção e evolução, caminhando lado a lado com as mudanças operadas dentro e fora do respectivo espaço geográfico e/ou sociológico, e que para tal necessita de meios e condições de acordo com as suas características e especificidades. Mas, sobretudo, que os ambientes de aprendizagem sejam espaços congregadores de experiências, competências, sensibilidades, diversidade e, acima de tudo, de valorização do ser humano. Conforme já se referiu, a sociedade caboverdiana é por natureza multicultural, o que significa que a diversidade e a _____ 188


pluralidade são fatores intrinsecamente ligados à sua existência. Assim sendo, esses fatores têm de ser levados em conta em qualquer modelo de ensino ou de gestão curricular que se queira de sucesso onde o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a ser e o aprender a viver juntos (DELORS et al., 1996) constituam os pilares fundamentais dos contextos de aprendizagem e da construção do conhecimento. Por conseguinte, para se falar da problemática da educação em Cabo Verde não basta falar de um País enquanto Estado-Nação relativamente jovem, que se tornou independente no último quartel do séc. XX. Há que entrar um pouco mais a fundo na história desse pequeno território insular que faz parte do mapa global e do mapa das Nações Unidas. O que significa olhar mais de perto para uma multiplicidade de fatores endógenos existentes para se poder perceber o enquadramento e o encadeamento dos fatos de forma a tê-los em devida conta na concepção de um modelo educativo que dê satisfação às exigências dos tempos atuais e às necessidades dos cidadãos. Essa observação mais atenta tem de passar, indubitavelmente, pelo estudo, análise e observação de vários aspetos interligados como sendo: a localização, composição, estrutura física e clima do Arquipélago (HANRAS, 1995); o processo de povoamento das ilhas e a formação da sociedade caboverdiana (CARREIRA, 1983; ANDRADE, 1996; CORREIA, 1998); a situação linguística do país (ALMADA DUARTE, 1998; VEIGA, 2002); as migrações e o seu impacto nas dinâmicas sociais e socioeconómicas cabo-verdianas (LOPES FILHO, 1996; CORREIA E SILVA, 2005; LEITÃO DA GRAÇA, 2007); a influência da emigração na história e na literatura caboverdianas (MONTEIRO, 1999; VEIGA, 2007; RAMOS, 2013), as interligações de Cabo Verde com o mundo, tudo isso com o propósito de nos ajudar a melhor nos situar no tempo e no espaço geográfico, histórico e sociológico e a agir em conformidade. Conforme referido, qualquer trabalho científico sobre a formação e evolução da sociedade caboverdiana que não tenha em conta todos esses fatores se transforma num mero relato ao qual faltam as peças essenciais para o estudo e entendimento do povo cabo-verdiano. E é nesse sentido que surge a pertinência de se referir a problemática da educação intercultural, ou seja, um modelo de educação que sirva efetivamente a todos independentemente da sua origem, sexo, religião, situação econômica, cultura ou filosofia de vida. Na era da globalização, tornou-se necessário outro tipo de educação, diferente do tradicional, que contemple toda a diversidade existente na sociedade e promova não apenas a construção de conhecimentos, mas também a integração dos diferentes grupos no todo social e propicie aos seus elementos as competências necessárias ao diálogo e ao entendimento entre as diversas culturas, numa base de igualdade e de respeito mútuo. A educação intercultural constitui o modelo de educação que tem na identidade, na heterogeneidade e na di_____ 189


versidade os eixos definidores da interculturalidade e realça o ensino de valores como os da paz, da liberdade, da democracia, da cidadania, dos direitos humanos e da compreensão como sendo de importância vital. Educação intercultural consiste no desenvolvimento de competências específicas, as chamadas competências interculturais, destinadas à compreensão e valorização do “outro” e à descoberta do “eu” através do “outro”, facilitando assim o diálogo, a interação, a negociação e o entendimento entre pessoas e povos de culturas diferentes, conforme advogam especialistas como Stoer (1994); Byram (1997); Baumel (2004); Moss (2005); Candau (2008), de entre outros. Compreende-se, assim, a preocupação expressa por muitos dos autores visitados ao longo do trabalho de investigação em que este artigo se encontra inserido, que defendem não apenas uma abordagem intercultural como estratégia mais adequada a um contexto multicultural inclusivo, mas também a importância de uma formação específica para professores e educadores e a necessidade dessa formação ir muito além da formação ini cial, se pretendemos ter profissionais com competência, qualidade e capacidade para enfrentar os desafios colocados por ambientes de aprendizagem multiculturais e diversos onde o professor seja capaz de fazer germinar empatias que possam brotar, crescer e fluir livremente transformando os espaços de aprendizagem em locais aprazíveis de construção do conhecimento, de convivência social e humana e de partilha de informação, de experiências e de saberes. Acreditamos ter chegado a hora de todos começarmos a agir e a nos prepararmos para a realidade incontornável que é a existência de sociedades cada vez mais multiculturais que devem ser transformadas em sociedades cada vez mais interculturais, inter-relacionais e intercomunicacionais sob pena de, ao não agirmos, deixarmos espaço aberto para o aumento do individualismo e do egocentrismo perversos que se vêm manifestando sob diversas formas através de comportamentos e atitudes menos desejáveis, mas presentes nas sociedades atuais. Assim sendo, torna-se imperativo que o professor de hoje e do futuro seja portador e detentor de instrumentos, competências e ferramentas didático-pedagógicas teóricas, práticas e técnicas para o cabal exercício da sua profissão, na lógica de que um verdadeiro professor necessita de, pelo menos, quatro componentes fundamentais: formação, saberes, competência e perfil, para além de muita sensibilidade e humanismo. Cabo Verde, como parte do mundo globalizado e em constante transformação, precisa igualmente de professores e educadores com uma nova visão, que sejam práticos e reflexivos, inovadores, criativos e ousados, capazes de prevenir problemas, antecipar soluções e mediar conflitos em situações imprevisíveis, mas passíveis de acontecer a qualquer momento em ambientes de aprendizagem caraterizados pela diversidade e pelo pluralismo (ALARCÃO, 1996; PERRENOUD, 1999; LEITE, 2005), tendo sempre _____ 190


presente que o multiculturalismo, apesar de ser um fenômeno universal, não tem as mesmas características em todo o lado. As suas configurações dependem de cada contexto histórico, político, sociocultural e geográfico em que se insere, conforme defendido por Candau (2008, p. 50), e tem de ser encarado como tal. E na estruturação do seu modelo educativo, Cabo Verde precisa olhar para dentro de si mesmo, avaliar as suas forças e fraquezas, as suas necessidades, as suas especificidades, a sua realidade, para ser capaz de delinear estratégias educativas que satisfaçam, por um lado, as necessidades dos seus contextos de aprendizagem e, por outro, ir ao encontro das exigências de inserção no mundo global em que se encontra inserido. Faz aqui eco a preocupação revelada pelos vários investigadores à volta do mundo que vêm trabalhando em propostas de formação de professores, incluindo diferentes estratégias e modelos de formação, que contemplem a pluralidade dos contextos de aprendizagem e as necessidades de aprendizagem dos seus membros, em consonância com as exigências de aprendizagem das sociedades contemporâneas e das novas formulações e concepções didático-pedagógicas da educação nos tempos atuais (cf. STOER et al., 1994). E para uma educação dos tempos atuais, multiculturalismo e interculturalidade têm de caminhar de mãos dadas não apenas no conviver quotidiano, mas também, nos modelos de ensino aprendizagem delineados para o educar e o aprender hoje. Para isso, Cabo Verde precisa de professores e de educadores formados, capacitados e atualizados. Professores e educadores que sejam capazes de investigar, agir, interagir e partilhar saberes, experiências e conhecimentos e que sejam capazes de tirar o máximo proveito do manancial de informação e de ferramentas didático-pedagógicas que lhe são proporcionadas pelas novas tecnologias de informação e de comunicação, aprendendo, crescendo e se afirmando como verdadeiros agentes da educação e da transformação social e humana do seu tempo. Cabo Verde precisa de professores reflexivos, inovadores, criativos e ousados, dispostos a desafiar o conforto monótono do tradicional e ir ao encontro do novo, do diferente.

Conclusão Numa breve conclusão diríamos que, na área das Ciências Sociais e Humanas, qualquer projeto de investigação que vise estudar a vida e o desenvolvimento do povo caboverdiano não pode furtar-se a aspetos considerados determinantes para a compreensão da história deste povo tão sui generis na sua formação. Desses aspetos constam a composição e localização do Arquipélago de Cabo Verde, o clima dominante nestas ilhas, o processo de povoamento das diferentes ilhas e a grande miscigenação daí resultante do contacto havido entre brancos e negros, designado por mesti_____ 191


çagem, o surgimento do Crioulo como língua cabo-verdiana e a situação linguística do País, a importância e o impacto da emigração na sociedade cabo-verdiana, as marcas da mestiçagem e do multiculturalismo na cultura, literatura, nos hábitos e costumes evidenciados pelos caboverdianos dentro e fora do País. São todos esses fatores que vão influenciar e determinar medidas de política necessárias e adequadas ao desenvolvimento do todo nacional, mas partindo das potencialidades e especificidades locais, uma vez que uma determinada atividade que pode ser exequível e vantajosa para uma determinada parcela do território pode não sê-lo para outra parcela, isso falando em termos de desenvolvimento econômico, social, cultural, educacional, turístico, ambiental, agrícola, etc. Falando do aspeto educativo no País, apesar dos ganhos registrados ao longo dos tempos nesse domínio, convém realçar que é chegado o momento de se passar a olhar para o sistema de ensino com outros olhares e de consciencializar-se de que o mundo hoje tem outras características e outras exigências e que o multiculturalismo, consequência direta da globalização, veio “baralhar” o cenário até então existente em termos de concepções, abordagens e paradigmas de ensino aprendizagem anteriormente utilizados. Cabo Verde, como outros países, passou a albergar uma sociedade cada vez mais multicultural, multiétnica, multirreligiosa, multifilosófica, multipartidária, tendo os ambientes de aprendizagem passado a ser uma amálgama de todas essas características, que devem ser potenciadas, geridas e não ignoradas. Daí, a necessidade de se começar a pensar num modelo de ensino com outras características, que contemple o multiculturalismo e a diversidade existentes na sociedade, numa base de igualdade de oportunidades, de equidade e de respeito pelas diferenças.

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SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES Beatriz Torres Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (2015). Tem experiência em educação fundamental e participa de grupos e projetos ligados ao teatro. Em 2015, participou do programa CAPES/ AULP, realizando uma pesquisa em Cabo Verde. Atualmente reside nos Estados Unidos. Claudia M. Wanderley Pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) na UNICAMP onde desenvolve pesquisas na área do multilinguismo, multiculturalismo e epistemologias alternativas, e atua junto a comunidades tradicionais no sentido de fortalecer línguas e culturas locais assim como promover o contato e interlocução entre a produção acadêmica e o conhecimento tradicional. Coordena o Grupo de Pesquisa Multilinguismo e Interculturalidade no Mundo Digital (CNPq/UNICAMP) Danyelen Lima Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (2015). Realizou um intercâmbio acadêmico de duração de seis meses na Universidade de Lisboa em 2014. Participou do programa CAPES/AULP, realizando uma pesquisa em Cabo Verde em maio de 2015. Atualmente trabalha como monitora no Instituto Jacarandá e realiza uma especialização em Sociologia da Infância pela Universidade Federal de São Carlos. Débora Mazza Diretora Associada da FE/UNICAMP e docente do Departamento de Ciências Sociais na Educação. Participa do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Linha Educação e Ciências Sociais e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, Educação e Sociedade (GPPES). Tem experiência na área de Sociologia e Educação, atuando principalmente nos temas de: Educação e Escolarização, Pensamento social brasileiro, Florestan Fernandes, Circulação de pessoas, saberes e práticas e Políticas Públicas e Educação.

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Gertrudes M. F. Silva de Oliveira Natural da ilha de São Nicolau, Cabo Verde. É doutora em Educação pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha; Mestre em Administração e Planificação da Educação pela Universidade Portucalense, Portugal, onde fez a sua licenciatura em Ciências Históricas, após concluir o grau de Bacharel em Ensino da História na Escola de Formação de Professores para Ensino Secundário da Praia – Cabo Verde. Professora auxiliar na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. Directora da Unidade de Ciências Humanas Sociais e Artes. Lucas Manca Dal'Ava Graduado em Bacharelado em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem, na Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é mestrando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação do mesmo instituto na Universidade Estadual de Campinas e graduando em fonoaudiologia pela Faculdade de Ciências Médicas da mesma universidade. Foi bolsista intercambista pelo programa CAPES/AULP em colaboração com Cabo Verde em estudos sobre línguas indígenas e bolsista CNPq/PIBIC na área de estudos da prosódia da fala. Tem como áreas de interesse Neurolinguística e Linguística Textual. Faz parte do grupo de pesquisa Cognição, Interação e Significação (COGITES). Maria Santos Trigueiros É natural de Cabo Verde, licenciada em Ciências da Educação pela Universidade de Wisconsin em Milwaukee, USA, com especialização para o Ensino do Inglês e do Francês. Em 1987 concluiu um mestrado em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa na Universidade de Leeds, Inglaterra e, posteriormente, (2007 a 2009) fez um mestrado em Estudos Africanos, na modalidade de e-learning, na Universidade do Porto, Portugal. Iniciou um programa de doutoramento em Educação em 2012, especialidade em Educação e Interculturalidade, na modalidade de e-learning, cuja Tese foi defendida em julho de 2017, na Universidade Aberta, Portugal, com distinção e louvor. A Doutora Trigueiros foi professora do Ensino Secundário durante 32 anos, dez dos quais como Diretora do estabelecimento de ensino onde trabalhava. Enveredou-se para o Ensino Superior, sendo que desde 2011 é responsável pela Reitoria da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, no Polo do Mindelo em S. Vicente (onde também leciona), na qualidade de Pró-Reitora. Em 2010 publicou a sua dissertação de mestrado sob o título, “Ensino/Aprendizagem da Língua Inglesa em Cabo Verde – Um contributo para a História da Educação no Arquipélago”.

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Mirian Lúcia Gonçalves É natural de Itu/SP. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Unicamp. Concluiu o Mestrado em 2012 e o Doutorado em 2019, ambos na Faculdade de Educação da Unicamp. Possui Especialização em Jornalismo Científico pelo LabJor/Unicamp. Pesquisa na área da Educação com foco em Políticas de Ação Afirmativa; Relações Étnico-raciais e Formação de Professores. Integrou, como voluntária, o Grupo de Avaliação Continuada do Programa de Formação Interdisciplinar - ProFIS, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas - NEPP, da Unicamp. Atualmente atua como professora de Ensino Fundamental I na Rede Municipal de Campinas. Nima I. Spigolon Doutorado em Ciências Sociais na Educação e Mestrado em Educação, pela UNICAMP; graduação em Pedagogia e bacharelado em Administração. Docente da Faculdade de Educação da UNICAMP e Coordenadora do Mestrado Profissional em Educação Escolar. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (GEPEJA) e pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Políticas, Educação e Sociedade (GPPES). Oryana Jennifer Ramos Correia e Silva Analista de Sistemas na Empresa Isone Information Systems, desde março de 2014. Licenciada em Engenharia de Sistemas e Informática pela Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, em Agosto de 2015. Bolsa de Investigação Científica da CAPES - AULP, Universidade Estadual de Campinas, fevereiro a junho de 2015. Certificado de Mérito 2009/2010 da Faculdade de Ciências da Universidade de Moncton, NB Canadá. Representante da Universidade de Moncton no Concurso Colegial Internacional de Programação NENA APICS Preliminary da ACM na Universidade Dalhousie, Halifax, NS Canadá (2009) e na Universidade St. Mary's, Halifax, NS Canadá (2010). Bolsa de excelência para graduação do PCBF 20072010. Licenciada em Engenharia de Sistemas e Informática pela Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. Saidu Bangura Is an Assistant Professor in the English Studies course, Faculty of Social Sciences, Humanities and Arts at the University of Cape Verde (Uni-CV) since 2016 to date. Before joining the University of Cape Verde, he was at the Jean Piaget University of Cape Verde (2009 - 2016) where he became the Director of the Science and Technology Unit, a position equivalent to Dean of Faculty, and where he designed, promoted and coordinated the _____ 201


Translation and Intercultural Studies course. He holds a PhD in Translation, Communication and Culture with a specialty in Postcolonial Englishes from the University of Las Palmas, Canary Islands, Spain. His main academic interest is centered on contact languages: Pidgin and Creole languages and Postcolonial Englishes in West Africa. Bangura’s unique place in contact linguistics is that he is one of the few creolists in the world who has native speaker competence in two creoles: Krio and ape Verdean. He has co-authored a book chapter, delivered seminars and conference papers around the linguistic situation of the Cape Verdean creole. Wilmar da Rocha D’Angelis Graduado em Linguística pelo IEL, UNICAMP, Doutorado em Linguística pela mesma instituição e Livre-Docente. Professor no Departamento de Linguística do IEL, UNICAMP. Indigenista mantem-se vinculado a práticas e à reflexão sobre política indigenista. Líder do grupo de pesquisa INDIOMAS. Criou e coordena o “Projeto Web Indígena”, responsável pelo primeiro e único site totalmente em língua indígena no Brasil (www.kanhgag.or).

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ANEXOS Edital

Pró-Mobilidade Internacional (CAPES/AULP)

Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino por meio da Mobilidade Docente e Discente Internacional – Pró-Mobilidade Internacional (Capes/AULP) Edital Capes nº 33/2012 A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), instituída como Fundação Pública pela Lei nº. 8.405, de 09 de janeiro de 1992, modificada pela Lei nº. 11.502, de 11 de julho de 2007, regida pelo Estatuto aprovado pelo Decreto nº 7.692, de 02 de março de 2012, inscrita no CNPJ sob nº. 00.889.834/0001-08, com sede no Setor Bancário Norte, Quadra 2, Bloco L, Lote 06, CEP 70040-020, Brasília, DF, por intermédio de sua Diretoria de Relações Internacionais - DRI, no uso de suas atribuições, conforme Processo nº 23038.005363/2012-51, com base no Memorando de Entendimento entre a Capes e a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), firmado em 03 de fevereiro de 2012, torna pública a realização de seleção de projetos para o Programa Pró-Mobilidade Internacional nas diversas áreas do conhecimento e com vistas a incentivar a mobilidade docente e discente internacional entre os países e as instituições participantes da Associação de Universidades de Língua Portuguesa (AULP). O processo seletivo será regido pela legislação aplicável, em especial a lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999, e pelas disposições deste edital. 1.

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

1.1 O Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino por meio da Mobilidade Docente e Discente Internacional (Pró-Mobilidade Internacional) destina-se à estruturação, fortalecimento e internacionalização dos _____ 203


Programas de Graduação, Pesquisa e Pós-Graduação das universidades integrantes da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP). Seus objetivos são: 1.1.1. incrementar o intercâmbio acadêmico entre países e regiões de língua oficial portuguesa; 1.1.2. contribuir para a inclusão tecnológica e científica dos e nos países africanos e asiáticos de língua oficial portuguesa; 1.1.3. proporcionar a realização, por parte de estudantes e docentes de universidades brasileiras, de atividades de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de inovação em universidades e centros de ensino superior filiados à AULP e situados em países lusófonos localizados na África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor-Leste); 1.1.4. possibilitar que estudantes e docentes de universidades e centros de ensino superior filiados à AULP situados na África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor Leste) participem de atividades de ensino, de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de inovação em universidades brasileiras; 1.2 A seleção regida por este edital será executada pela Capes com o apoio de consultores ad hoc e visa selecionar projetos para iniciarem as atividades a partir de janeiro de 2013. 1.3 As normas deste edital serão aplicáveis a 02 (dois) processos seletivos a serem desenvolvidos: 01 (um) em 2012 e 01 (um) em 2013. 1.4 A seleção das propostas de que trata este edital consistirá em três fases, constituídas respectivamente de: verificação da consistência documental; análise do mérito técnico-científico e homologação do resultado por parte do Grupo Assessor Especial da Diretoria de Relações Internacionais da Capes. 1.5 As Instituições de Ensino Superior (IES) estrangeiras interessadas no programa deverão entrar em contato com a IES brasileira de seu interesse para que esta submeta a proposta a Capes. 2.

DOS REQUISITOS PARA A CANDIDATURA

2.1 Quanto às propostas: _____ 204


2.1.1 A proposta deverá ser submetida via representante de Instituição de Ensino Superior (IES) brasileira e estar vinculada a um ou mais programas de pós-graduação avaliados pela Capes. 2.1.2 A coordenação do projeto deverá estar a cargo de docente com título de doutor há pelo menos 03 (três) anos e com comprovada capacidade técnico-científica para o desenvolvimento do projeto. 2.1.3 A equipe brasileira deverá ser composta de pelo menos 02 (dois) doutores, além do Coordenador. 2.1.4 Cada proposta deverá planejar suas atividades considerando que a duração inicial de financiamento dos projetos poderá ser de até 02 (dois) anos, podendo ser prorrogada por igual período, mediante análise e aprovação de pedido de renovação. 2.1.5 Cada proposta deverá prever o prazo de permanência dos bolsistas discentes/docentes, sendo mínima de 01 (um) mês e máxima de 04 (quatro) meses, sem possibilidade de prorrogação. 2.1.6 A instituição brasileira deverá possuir Acordo de Cooperação Internacional vigente com a universidade estrangeira de destino dos docentes e/ou discentes. 2.2 Quanto aos participantes: 2.2.1 Discentes e/ou docentes que estejam devidamente matriculados ou que façam parte efetiva dos quadros das universidades e centros de ensino superior filiados à AULP e situados no Brasil, na África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor Leste); 2.2.2 Estudantes ou docentes estrangeiros vinculados à universidade estrangeira não poderão possuir visto permanente para o Brasil; 2.2.3. Estudantes de graduação que tenham integralizado no mínimo 20% (vinte por cento) e no máximo 90% (noventa por cento) do currículo previsto para seu curso no momento do início previsto da viagem de estudos; 2.2.4 Estudantes de pós-graduação (mestrado/doutorado) devem integralizar no mínimo 20% (vinte por cento) e no máximo 90% (noventa por cen_____ 205


to) do currículo previsto para seu curso no momento do início previsto da viagem de estudos; 2.2.5 Docentes em pleno exercício de suas atividades na universidade de origem. 2.3 A concessão de bolsa ou auxílio a estrangeiro se destinará apenas à missão de estudo ou trabalho no Brasil, mediante prévia aprovação de projeto de cooperação ancorado em universidade brasileira. 3.

DAS MODALIDADES DE APOIO

3.1 A Capes apoiará, por meio de cada processo seletivo, até 40 (quarenta) projetos e cada projeto contemplará até 10 (dez) bolsas/ano para discentes e/ou docentes em mobilidade internacional, assim distribuída por ano de projeto: a) Até 03 (três) bolsas de estudos para estudantes de graduação de universidades brasileiras em mobilidade no exterior; b) 01 (uma) bolsa de estudos para estudantes de doutorado de universidades brasileiras em mobilidade no exterior; c) 01 (uma) bolsa de estudos para docentes de universidades brasileiras em mobilidade no exterior; d) Até 02 (dois) bolsas de estudos para estudantes de graduação de universidades estrangeiras em mobilidade no Brasil; e) 01 (uma) bolsa de estudos para estudantes de mestrado de universidades estrangeiras em mobilidade no Brasil; f) 01 (uma) bolsa de estudos para estudante de doutorado de universidades estrangeiras em mobilidade no Brasil; g) 01 (uma) bolsa de estudos para docente de universidades estrangeiras em mobilidade no Brasil; 3.1.1 O limite estabelecido no item 3.1 poderá, a critério da Capes, ser revisto mediante comprovação de disponibilidade orçamentária para o apoio de um número maior de propostas. 3.2 Missões de Estudo: 3.2.1 Missões de Estudo para discentes e/ou docentes de universidades brasileiras:

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a) Bolsas de estudo e/ou pesquisa com prazo de implementação e duração conforme conteúdo da carta de concessão enviada ao candidato cuja proposta foi aprovada; b) Auxílio-instalação, pago em uma única parcela no início da concessão, proporcional ao período inicial aprovado para a visita, conforme legislação vigente; c) Seguro-Saúde, pago em uma única parcela no início da concessão, proporcional ao período inicial aprovado para a visita, conforme legislação vigente; c) Auxílio-deslocamento, pago em uma única parcela no início da concessão, conforme legislação vigente ou, a critério da Capes, passagem aérea em classe econômica promocional. 3.2.2 Missões de Estudo para discentes e/ou docentes de universidades do exterior: a) Bolsas de estudo e/ou pesquisa com prazo de implementação e duração conforme conteúdo da carta de concessão enviada ao candidato cuja proposta foi aprovada; b) Auxílio-instalação, pago em uma única parcela no início da concessão, proporcional ao período inicial aprovado para a visita; c) Passagem aérea internacional em classe econômica da capital mais próxima da Instituição de Origem até a capital mais próxima à Instituição de Destino. 3.2.3 As missões de estudo terão duração mínima de 01 (um) mês e máxima de 04 (quatro) meses e deverão ser realizados ao longo do projeto. 3.2.4 É vedado o acúmulo de bolsas com outras concedidas pela Capes ou por quaisquer agências nacionais, salvo se norma superveniente dispuser em contrário. 3.2.4.1 O estudante selecionado pelo Programa que possuir outra bolsa de estudos, em função de programa ou projeto financiado pela Capes ou qualquer órgão público, deverá providenciar a suspensão da bolsa no Brasil pelo período em que for permanecer no exterior. 3.2.5 Os benefícios serão concedidos individualmente, não sofrendo qualquer modificação em razão de condição familiar do bolsista ou da eventual percepção de rendimentos por vínculo empregatício. 3.2.6 A Capes não cobrirá quaisquer outros custos além dos descritos nos subitens 3.2.1 e 3.2.2, tais como: seguro de vida, seguro contra acidentes, _____ 207


etc. Por este motivo, é recomendável que o bolsista estrangeiro adquira seguro-saúde e/ou de vida, uma vez que não haverá ressarcimento de qualquer tipo de despesas médica, acidente pessoal ou a terceiros. 3.2.7 Os discentes e/ou docentes de universidades do exterior deverão fazer uso de assistência médica, odontológica e farmacêutica do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do convênio firmado entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Saúde, em 25 de janeiro 1994; 3.3 Missões de Trabalho: Consistem na concessão de recursos para o custeio de viagens de curta duração para o coordenador brasileiro do projeto e/ou de docentes doutores brasileiros da equipe, com duração mínima de 07 (sete) e máxima de 20 (vinte) dias, com o objetivo de planejar as missões de estudo de discentes e/ou docentes e manter comunicação permanente entre as instituições envolvidas e para parcerias futuras e para a sistematização de informações a respeito do programa. 3.3.1 Serão concedidas até 02 (duas) missões de trabalho por ano, por projeto, contado a partir do mês de concessão. Para períodos de 07 (sete) a 20 (vinte) dias, serão pagas diárias no valor de € 140,00, de acordo com a Portaria Capes nº 51, de 14 de junho de 2007. A partir do 3º ano, após a avaliação e renovação do projeto, serão permitidas missões de trabalho dentro do número anual aprovado para o estabelecimento de projetos estruturantes. 3.3.2 Recursos para a compra de passagens aéreas internacionais de ida e volta, em classe econômica promocional. 3.3.3 Recursos de custeio - até R$ 10.000,00 (Dez mil reais) em recursos de custeio necessários à execução do projeto, para a equipe brasileira, que serão geridos pelo Coordenador, de acordo com a programação anual aprovada pela Capes. 3.3.4 O recurso de custeio deverá ser utilizado em conformidade à Portaria CAPES nº 28, de 29 de janeiro de 2010, e ao “Manual de Concessão de Prestação de Contas de Auxílio Financeiro a Pesquisador”, disponíveis na página da CAPES <http://www.capes.gov.br/bolsas/auxilios-a-pesquisa>. 4.

DAS OBRIGAÇÕES

4.1 Caberá às instituições de Origem: _____ 208


4.1.1 Selecionar os bolsistas da instituição que realizarão mobilidade internacional (discentes e/ou docentes); 4.1.2 Efetuar o aproveitamento das atividades acadêmicas realizadas no exterior em conformidade com o plano de trabalho; 4.1.3 Oferecer contrapartida mediante acolhimento de discentes e docentes estrangeiros em mobilidade prevista pelo Programa. 4.2 Caberá às instituições de Destino: 4.2.1 Oferecer acesso aos discentes e docentes das Instituições de Origem em mobilidade prevista pelo Programa às instalações e aos serviços de sua instituição necessários para o adequado cumprimento do plano de trabalho; 4.2.2 Oferecer alojamento nos complexos residenciais universitários para discentes ou docentes das Instituições de Origem ou apoio financeiro equivalente; 4.3 A concessão da bolsa de estudo ao candidato selecionado estará condicionada à assinatura de instrumento, no qual se obrigará a: 4.3.1 Dedicar-se integralmente às atividades do plano de estudo; 4.3.2 Retornar a seu país no prazo de 30 (trinta) dias da conclusão da missão de estudo e permanecer em seu país pelo tempo igual ao da duração das atividades do doutorado. 4.3.3 Ressarcir a Capes de todo o investimento feito em sua formação, na eventualidade de ocorrência de revogação da concessão, motivada por ação ou omissão dolosa ou culposa do bolsista, no caso de bolsista brasileiro. 5.

DA INSCRIÇÃO DO PROJETO

5.1 As inscrições serão gratuitas e efetuadas por meio do preenchimento de formulários e envio de documentos, exclusivamente via Internet, até as 23h59, horário de Brasília, até a data limite estipulada nos cronogramas do item 13, no endereço: http://www.Capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/aulp

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5.2 O representante da IES brasileira deverá se inscrever apresentando projeto de pesquisa, preenchendo os formulários e enviando documentação complementar. O fornecimento parcial ou incorreto dessas informações, em qualquer etapa do processo de seleção, levará ao cancelamento da inscrição. 5.3 Deverá ser anexada eletronicamente ao formulário de inscrição a se guinte documentação: 5.3.1 Projeto de mobilidade internacional de discentes e/ou docentes, com no máximo cinco páginas (fonte times new roman, tamanho 12, espaço entre linhas 1,5; margens direita, esquerda superior e inferior: 2,5 cm) com título, introdução e justificativa (indicando a pertinência e relevância do projeto); objetivos (com definição e delimitação do objeto de estudo); metodologia a ser empregada no projeto, que poderá envolver atividades de ensino e de pesquisa e estratégias a serem adotadas para o acompanhamento do cronograma das atividades no exterior; e bibliografia de referência, quando for o caso. Além disso, o projeto deverá conter: a) Plano de ações gerais a ser desenvolvido pelo conjunto dos estudantes envolvidos na proposta com a descrição das atividades a serem realizadas pela equipe e coordenação da instituição brasileira. O plano de ação deve considerar o regresso dos estudantes à instituição de origem. (máximo de três páginas); b) Procedimentos adotados para o reconhecimento de créditos; c) Descrição das atividades a serem realizadas entre equipe de coordenação da instituição brasileira e da universidade estrangeira (cronograma provisório); 5.3.2 Currículos extraídos da plataforma LATTES, http://lattes.cnpq.br, de cada membro da equipe brasileira; 5.3.3. Cópia do acordo de cooperação internacional entre as universidades envolvidas (brasileiras e estrangeiras); 5.4 Os documentos obrigatórios descritos no subitem 5.3 devem ser gerados em formato “PDF”, limitando-se a 05 MB (cinco megabytes). Recomenda-se evitar o uso de figuras, gráficos, ou outros que comprometam a capacidade do arquivo, pois documento que exceda o limite de 05 MB não será recebido pelo guichê eletrônico da Capes. 5.5 A Capes não se responsabilizará por propostas não recebidas em decorrência de eventuais problemas técnicos, falhas de comunicação, con_____ 210


gestionamentos das linhas de comunicação, bem como outros fatores que impossibilitem a transferência de dados. 5.6 Será aceita apenas uma única proposta por candidato. Na hipótese de envio de uma segunda proposta pelo mesmo proponente, respeitando-se o prazo limite estipulado para submissão de propostas, será considerada apenas a primeira proposta enviada. 6. NAL

DA INSCRIÇÃO À BOLSA DE MOBILIDADE INTERNACIO-

6.1 Só serão concedidas bolsas de mobilidade internacional para discentes e/ou docentes no âmbito de projetos aprovados neste edital. Os procedimentos para a concessão e implementação das bolsas serão comunicados formalmente aos responsáveis quando da aprovação de cada projeto. Entretanto, caberá ao bolsista providenciar: 6.1.1 Carta de aceite da instituição anfitriã indicando as condições a serem por ela asseguradas ao candidato (para estrangeiros que desejem vir ao Brasil, o documento deverá indicar representante da instituição com nome completo e CPF para acompanhar as atividades do aluno/docente); 6.1.2 Carta da instituição de origem do candidato, comprovando o vínculo de aluno ou docente e afirmando o compromisso em aproveitar os créditos cursados; 6.1.3 Para os estudantes de graduação, correspondência do coordenador do curso no Brasil indicando qual será o impacto para a vida acadêmica do estudante e o apoio à candidatura; 6.1.4 Para os doutorandos brasileiros, correspondência do orientador de doutorado no Brasil indicando qual será o impacto no projeto de pesquisa caso o estágio venha a ser realizado; 6.1.5 Currículo do orientador ou coordenador brasileiro para os estudantes de graduação ou doutorado, extraído da plataforma LATTES, http://lattes.cnpq.br, em português; 6.1.6 Para os docentes do exterior, currículo resumido, em português.

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7.

DAS MODALIDADES DE BOLSA

7.1 O Programa prevê 07 (sete) modalidades de bolsas para discentes e docentes estrangeiros em mobilidade no Brasil, de acordo com as portarias CAPES nº 12 (19 de janeiro de 2009) e nº 206 (22 de outubro de 2010), a saber: a) Bolsa de graduação sanduíche – para estudantes de graduação de universidades estrangeiras, no valor de R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais) mensais, para alimentação e demais gastos pessoais; b) Bolsa de mestrado sanduíche – para mestrandos de universidades estrangeiras, no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais; c) Bolsa de doutorado sanduíche – para doutorandos de universidades estrangeiras, no valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais; d) Bolsa para docentes – para professores de universidades estrangeiras, entre R$1.200,00 e R$ 8.905,42, mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais, possíveis para quatro categorias: 1. Mestre (R$ 1.200,00): professor ou pesquisador com título de Mestre obtido há pelo menos 03 (três) anos; 2. Doutorando (R$ 1.800,00): professor ou pesquisador com título de Mestre obtido há pelo menos 03 (três) anos e cursando o doutorado há pelo menos 02 (dois) anos; 2. Jovem Doutor (R$ 3.997,09): professor ou pesquisador com título de Doutor obtido há menos de 05 (cinco) anos; 3. Doutor Júnior (R$ 4.889,56): professor ou pesquisador com título de Doutor obtido há mais de 05 (cinco) e menos de 08 (oito) anos, produção acadêmica relevante e compatível com os pesquisadores 1D do CNPq; 4. Doutor Pleno (R$ 6.931,54): professor ou pesquisador com título de Doutor obtido há mais de 08 (oito) anos, produção acadêmica relevante e compatível com os pesquisadores 1C do CNPq; 5. Doutor Sênior (R$ 8.905,42): professor ou pesquisador com título de Doutor obtido há mais de 08 (oito) anos, produção acadêmica compatível com os pesquisadores 1A e 1B do CNPq, status acadêmico em instituição _____ 212


de ensino superior ou pesquisa estrangeira semelhante ao de professor titular de universidades federais brasileiras. 7.2 O Programa prevê 03 (três) modalidades de bolsas e 03 (três) auxílios para discentes e docentes brasileiros em mobilidade no Exterior, conforme Portaria CAPES nº 141 (de 14 de outubro de 2009), a saber: a) Bolsa de graduação sanduíche – para estudantes de graduação de universidades brasileiras, no valor de € 870,00 (oitocentos e setenta euros) mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais. b) Bolsa de doutorado sanduíche – para doutorandos de universidades brasileiras, no valor de € 1.300,00 (um mil e trezentos euros) mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais; c) Bolsa para docentes – para professores de universidades brasileiras, no valor de € 2.300,00 (dois mil e trezentos euros) mensais, para hospedagem, alimentação e demais gastos pessoais; d) Auxílio-deslocamento ou passagem aérea internacional em classe econômica – para qualquer modalidade de bolsa, no valor de US$ 1.891 (um mil, oitocentos e noventa e um dólares americanos) para mobilidade no Continente Africano e US$ 2.521 (dois mil, quinhentos e vinte e um dólares americanos) para mobilidade no Continente Asiático, em conformidade com a Portaria CAPES/DGES nº 11, de 10 de março de 2011. e) Auxílio-instalação – para qualquer modalidade de bolsa, no valor de € 110,00 (cento e dez euros) por mês de estadia, conforme Portaria CAPES nº 141, de 14 de outubro de 2009. f) Seguro-saúde - para qualquer modalidade de bolsa, no valor de € 70,00 (setenta euros) por mês de estadia, conforme a Portaria CAPES/ DGES nº 21, de 10 de março de 2011. 8.

DO PROCESSO DE ANÁLISE E JULGAMENTO

8.1 A análise e o julgamento das propostas submetidas a Capes, em atendimento a este Edital, serão realizados em 03 (três) etapas: 8.1.1 Etapa I – Análise pela Área Técnica da DRI: As propostas serão analisadas pela equipe técnica da Diretoria de Relações Internacionais da Capes, com a finalidade de verificar o atendimento às características obrigatórias, o envio da documentação solicitada e a adequação das propostas às especificações e condições contidas neste Edital. As propostas encaminhadas fora do prazo previsto e/ou em desacordo com as respecti_____ 213


vas instruções deste Edital serão automaticamente desclassificadas pela Capes. 8.1.2 Etapa II – Análise de Mérito Técnico-Científico: Consistirá na análise e julgamento de mérito e relevância educacional das propostas, a ser realizada por consultoria ad hoc, referendada pelo Comitê Assessor da DRI, especificamente instituído para tal finalidade e constituído por consultores especialistas. Tais análises levarão em consideração a análise da área técnica da DRI e os seguintes aspectos: a) Qualidade e adequação do plano de trabalho e projeto de pesquisa e/ou ensino; b) Experiência do proponente em linhas de pesquisa e/ou atividades relacionadas com a área para a qual submeteu a candidatura; c) Resultados esperados ao fim da execução do plano de trabalho e projeto de pesquisa e/ou ensino; d) Relevância do plano de trabalho proposto considerando-se o seu impacto na área de conhecimento, no currículo do proponente, nas Instituições de destino e origem e na comunidade da região geográfica; e) Coerência e adequação entre a capacitação do proponente aos objetivos, atividades e metas propostas; 4.1.2.2 O parecer dos especialistas será registrado em formulário próprio, devidamente assinado pelo parecerista, contendo as informações e recomendações julgadas pertinentes. 4.1.2.3 Para propostas não aprovadas, serão emitidos pareceres contendo a justificativa para a não aprovação. 8.1.3 Etapa III – Homologação do Resultado: O resultado da avaliação prevista no item 8.1.2 será referendado pelo Grupo Assessor Especial da DRI (GAE), instituído pela Portaria nº 77, de 27 de maio de 2011, e encaminhado à Diretoria de Relações Internacionais da Capes, que emitirá documento para a homologação do resultado, incluindo a decisão sobre a aprovação de cada proposta. 9.

DO RESULTADO DO JULGAMENTO

9.1 A aprovação de cada proposta será comunicada por meio de correspondência oficial endereçada ao titular da proposta. 9.2 Todos os proponentes do presente Edital poderão tomar conhecimento do parecer sobre sua proposta por meio de correspondência da DRI, por _____ 214


remessa postal, enviada ao coordenador do curso da Pós-Graduação solicitante, com cópia para a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da IES. 10.

DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS

10.1 Da decisão final da Capes quanto ao julgamento de cada proposta caberá recurso no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar do recebimento de correspondência oficial comunicando o resultado. Na contagem do prazo excluir-se-á o dia de início e incluir-se-á o do vencimento, e considerarse-ão os dias consecutivos. O prazo só se inicia e vence em dias de expediente na Capes. 10.2 O recurso deverá ser encaminhado a Capes, por meio de ofício ao Diretor de Relações Internacionais - DRI por correio e para o endereço eletrônico aulp@Capes.gov.br. Neste caso, serão designados outros consultores ad hoc que, após exame, fundamentará a apreciação do pedido de reconsideração. 10.3 O pedido de reconsideração deve estritamente contrapor o motivo do indeferimento, não incluindo fatos novos, que não tenham sido objeto de análise de mérito anterior. 10.4 O resultado sobre a reconsideração será definitivo, não cabendo qualquer outro recurso. 11.

DA AVALIAÇÃO DO PROJETO

11.1 O acompanhamento do projeto dar-se-á por intermédio da análise de relatório de atividade contendo a descrição das principais ações desenvolvidas e em andamento. Os relatórios de atividades dos projetos devem ser elaborados e encaminhados a Capes até 30 (trinta) dias após o encerramento da vigência da bolsa. 11.2 A Capes poderá enviar equipe técnica para avaliação in loco e supervisão da execução das atividades do proponente, solicitar documentação e informações adicionais, entre outras ações de acompanhamento e avaliação, durante o período de execução da proposta. 12.

DAS PUBLICAÇÕES

12.1 As publicações científicas e qualquer outro meio de divulgação de trabalho de pesquisa, apoiados pelo presente Edital, deverão citar, obriga_____ 215


toriamente, o apoio das entidades/órgãos financiadores, no presente caso a Capes. 12.2. As ações publicitárias atinentes a projetos e obras financiadas com recursos da União deverão observar rigorosamente as disposições contidas no § 1º do Art. 37 da Constituição Federal, bem como aquelas consigna das nas Instruções da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República – atualmente a IN/SECOM-PR nº 31, de 10 de setembro de 2003. 13. DOS CRONOGRAMAS 13.1 – Primeiro processo seletivo: FASE Encaminhamento das propostas Etapa I - Análise Técnica Etapa II – Análise de Mérito Etapa III – Homologação do Resultado Pedidos de Recurso

PRAZOS Até 28/12/2012 Até 15 (quinze) dias Até 30 (trinta) dias Até 15 (quinze) dias Até 10 (dez) dias úteis

13.2 – Segundo processo seletivo: FASE Encaminhamento das propostas Etapa I - Análise Técnica Etapa II – Análise de Mérito Etapa III – Homologação do Resultado Pedidos de Recurso

PRAZOS Até 28/12/2013 Até 15 (quinze) dias Até 30 (trinta) dias Até 15 (quinze) dias Até 10 (dez) dias úteis

14.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

14.1 Durante a fase de execução do projeto, toda e qualquer comunicação com a Capes deverá ser feita por meio de correspondência eletrônica pelo endereço aulp@capes.gov.br. 14.2 Qualquer alteração relativa à execução do projeto deverá ser solicitada por ofício, numerado e assinado, pelo coordenador do projeto a Capes, acompanhado da devida justificativa e deverá ser autorizada pela equipe técnica antes de sua efetivação. 14.3 O presente Edital regula-se pelos preceitos de direito público e, em especial, pelas disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que couber, pelas normas internas da Capes.

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14.4 Fica estabelecido o foro da cidade de Brasília/DF para dirimir eventuais questões oriundas da execução do presente Edital. 14.5 À Diretoria Colegiada da Capes reserva-se o direito de resolver os casos omissos e as situações não previstas no presente Edital.

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ANEXO Projeto Aprovado (Edital CAPES/AULP) Título: Brasil e Cabo Verde, limites e possibilidades da pesquisa entre países, sob a perspectiva do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta. Introdução Não há quem tenha dúvida quanto à importância e necessidade da inclusão digital nos tempos que vivemos. A tecnologia digital quebrou literalmente todo o isomorfismo bio-psico-social no qual muitos grupos humanos viviam continentes afora (CUNHA, 2012). Num contexto cada dia mais “tecnologizado” e voltado ao letramento, embora saibamos ainda das centenas de comunidades ignotas, i.e., grupos de minoria, podemos distribuir tal conhecimento em rede e até mesmo cooperar/colaborar com os tipos já supramencionados. A preocupação de se compartilhar do esboço desse matizes e meandros culturais, e porque não interculturais(?), na inclusão digital e na educação aberta não têm tão-só como foco o afã daquele magistério pueril e neófito, mas o progresso e desenvolvimento das já citadas comunidades de minorias, contudo, a fortiori, dispormos à comunidade acadêmica e não acadêmica dum banco de dados digital dos saberes, das cores e sabores interculturais e etno-antropo-linguísticas, tanto da escrita quanto da oralidade de povos - isolados e relativamente isolados que vise ao advento do progresso e desenvolvimento deles. Numa outra dimensão, este projeto interdisciplinar entre a Universidade Jean Piaget, de Cabo Verde e a Universidade Estadual de Campinas, do Brasil, aponta para um modo de pensar e tornar esta reflexão acessível e, alcança relevância quando se consideram as possibilidades que abre para a ampliação do intercâmbio de pesquisadores, discentes e docentes, e o consequente fortalecimento dos programas das Universidades a que estão vinculados, desenhado a par de composições nas equipes de ambos os países e elaborado sob a perspectiva da construção coletiva do conhecimento. Justificativa Quando se traz à baila o assunto multilinguismo no mundo digital bem como o engenho das bibliotecas digitais, educação aberta e web indígena, aprioristicamente, soa-nos assaz moderno intentarmos projeto nesse

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tipo de empresa; entretanto, não nos interessa “aculturar” os grupos com que pretendemos trabalhar em conjunto, ou seja, os grupos isolados. Para se ter noção, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje, no Brasil, vivem mais de oitocentos mil índios, representando cerca de 0,4% da população brasileira, segundo dados do censo 2010. Eles vivem em todo o território nacional, principalmente em 688 terras indígenas (TIs) e em várias áreas urbanas. Há também setenta e sete referên cias de grupos indígenas não contatados, das quais trinta foram confirmadas, traduzindo, são mais de cento e oitenta línguas, ou seja, mais de cento e oitenta culturas. Isso sem falar nas línguas crioulas de Cabo Verde e nas línguas de minorias da Amazônia brasileira. Com a inserção das tecnologias de informação de que dispomos, não pretendemos interferir nos modos de vida deles, decompondo seus modus operandi nas diversas circunstâncias de vida. Não é - outrossim de nosso intento introduzir novos valores, hábitos e/ou tipos de interação social, incluindo o aparecimento de novas formas de ensinar e aprender; ao contrário, objetivamos preservar, manter o agir, o fazer e o operar em cada cultura a que este projeto chegar. Consideramos que a cultura e luta social configuram-se como referenciais a serem utilizados nos processos de interação político-pedagógica [...] a educação é identificada como recurso que proporciona reflexões entre teoria e prática (SPIGOLON, 2012). Assim, conservar para interagir, eis a finalidade sine qua non ao entendimento de nosso trabalho, ou melhor, a interação com essas culturas para doravante iniciarmos o processo de educação aberta (continuada) rumo ao processo de compartilhamento intercultural e educacional, isto é, são eles construindo conosco e nós contribuindo com eles, onde os caminhos são muitos, mas a direção é uma só. Desta feita, propomos contribuir à reflexão sobre o mundo contemporâneo, às sociedades e à educação e, particularmente, à compreensão das conexões entre os processos de democratização e acesso às informações, produções de conhecimento nos dois países supracitados. Em referida vertente, o projeto ganha relevância quando se consideram as possibilidades de diálogo articulado em torno duma rede de pesquisa que abrange algumas das mais reconhecidas instituições brasileiras e caboverdianas, beneficiando-se da experiência dialética de trabalho solidário de grande parte dos pesquisadores envolvidos em iniciativas anteriores, como também da experiência dos pesquisadores que passam a compor as equipes em investimentos de pesquisa que incluem a participação em projetos binacionais. Experiência e convivência que será potencializada em favor de uma atuação mais sistemática orientada para o fortalecimento e internacionalização das instituições associadas. _____ 220


A base da convivência é o diálogo e “[...] só existe quando aceitamos que o outro é diferente e pode nos dizer algo que não conhecemos” (FREIRE & FAUNDEZ, 1985, p.36). E o diálogo é a condição fundamental na humanização dos seres humanos, é o “encontro dos homens para a ‘pronúncia’ do mundo” (FREIRE, 1972, p.156). Objetivos No âmbito geral da proposta, objetiva-se promover a cooperação e o intercâmbio intercultural - acadêmico - na grande área de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), Educação, Linguística e Cultura por meio da associação entre a Universidade Jean Piaget e a Universidade Estadual de Campinas, em rede com os programas a que se acham vinculados os pesquisadores, professores e estudantes que compõem as equipes brasileiras e caboverdianas. O projeto focaliza difundir e expandir a questão da Tecnologia da Informação voltada à Educação e aspectos interculturais. Os objetivos que orientam a proposta permitem tomar a temática de TIC e Multilinguismo em uma dupla dimensão, que diz respeito, por um lado, aos intentos de desenvolver pesquisas sobre os modos de como se articulam os processos de Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, bibliotecas digitais e educação aberta, bem como os intercruzamentos das realidades, sociedades, possibilidades e limites pesquisáveis dos países em questão e, por outro, aos propósitos de promover o intercâmbio de pesquisadores, docentes e discentes brasileiros e caboverdianos, visando à formação de recursos humanos bem qualificados e à internacionalização dos programas de pós-graduação e graduação. Desta feita, o projeto privilegia os seguintes eixos temáticos: ● Inclusão e multilinguismo no mundo digital ● As Tecnologias de Informação Comunicação em contextos educacional e intercultural ● Construção e utilização de Bibliotecas Digitais ● Info-exclusão ● Sociedade da Informação ● Learning

Metodologia O investimento a que nos propomos e que se traduz no desafio de pesquisar para tentar estabelecer possibilidades de compreensão e intervenção nos processos do Multilinguismo no Mundo Digital: web indígena, _____ 221


bibliotecas digitais e educação aberta, dos sujeitos e dos objetos culturais entre Brasil e Cabo Verde. A abordagem metodológica se aporta nos pressupostos da pesquisa qualitativa e quantitativa, seguindo uma lógica relativamente indutiva de pesquisa. Para tal, esse fazer científico supõe uma abordagem que não se limite às fronteiras nacionais, porém possibilita pensar as questões e as problemáticas numa dimensão que permita perscrutar os processos culturais e societários, as conexões de sentido, intercâmbios e realidades a se construir, os percursos dos pesquisadores e suas pesquisas, os modos e mundos de como os sujeitos se apropriam do processo fazer-aprender, E a partir dele dão origem a outros processos num continuum interrelacional na cadeia do conhecimento (gnosis) e do fazer científico (episteme). Nos anos sessenta, McLuhan (1979) propôs que a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas, tratando-se, pois, do resultado da implementação de características formais específicas dum meio para outro. A interpretação dos meios teria de envolver a percepção das diferenças e das semelhanças que existem entre eles, de maneira consciente ou não. Segundo essa hipótese, a comunicação ocorreria em camadas independentes, mas sustentadas umas sobre as outras. Segundo ele “O conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa e a palavra impressa é o conteúdo do telégrafo (p. 22).” A análise de aspectos formais específicos de um meio desvendaria os mecanismos de implementação utilizados para manter conteúdos primários precedentes. Do ponto de vista dessa sucessão de implementos formais, a descrição do meio assume a característica de proximidade maior com as etapas predecessoras. Nesse caso, será necessário desvendar as idiossincrasias formais (mensagens) que se acrescentaram a seu conteúdo de maneira que seja possível buscar as camadas sucessivas de sustentação dos aspectos doutras mídias, informação, educação, cultura e linguagem. Na medida em que a implementação dessas características não permite a substituição completa de sua camada de sustentação, pode-se postular que, além da informação comum a todos os meios que se acumularam, haverá supressões e acréscimos na passagem de uma camada à outra. Tais supressões e acréscimos tanto podem ser considerados ruídos como aprimoramentos no processo comunicativo. A transmissão dos elementos verbais da cultura por meio oral pode ser visualizada como uma longa cadeia de conversações conectadas entre membros dum grupo ou tipo. Dessa maneira, todas as crenças e valores, todas as formas de conhecimento são comunicadas entre indivíduos no contato face-a-face; diferentemente do conteúdo material da tradição cultural, como pintura em cavernas ou machadinha de mão, eles são armazenados apenas na memória humana. _____ 222


Buscamos o intercâmbio intercultural a fim de dispormos duma rede de conhecimentos amplo e acessível à comunidade em geral. Não apenas isso, mas disponibilizarmos modos e maneiras de crescer num processo bidirecional onde não haja sobreposição dum grupo sobre o outro e vice-versa. Entendemos que o critério de criação conjunta e identificação étnica, mesmo que não autóctone, pode ser mais produtivo que outros fazeres já experimentados e fracassados. A definição de grupos etnicamente diferenciados, como a de minorias, conta com uma ampla bibliografia, entretanto, há que se ressaltar que a noção de minorias tem sido vinculada a de preconceito. Tal vinculação, por sua vez, acarreta a indistinção quantitativa entre os grupos conflitantes. Facilmente se pode constatar que, no Brasil, há preconceito em relação a negros. Possivelmente em Cabo Verde haja da mesma forma algum tipo de preconceito. Ainda que a população de negros no Brasil seja numericamente menor do que a população de brancos, trata-se de uma população muito numerosa e distribuída em várias regiões do território nacional. O mesmo se pode pensar em relação ao preconceito contra as mulheres que também se nota no Brasil. Ainda que haja preconceito contra populações bem definidas, não há como se interpretar que tais populações sejam minoritárias. Não é esse o caso de populações regionalmente localizadas e que se comportam como grupos etnicamente diferenciados. Grupos negros descendentes de quilombolas, que se caracterizam pela sua própria endogenia, são grupos minoritários justamente porque se conservaram segregados não só da população brasileira em geral, mas também da população regional de seu entorno. Trata-se de populações diminutas que atuam pela sua própria auto sustentação. As populações minoritárias no Brasil podem ter origem semelhante, como é caso das populações ribeirinhas do São Francisco, que derivaram da expansão da pecuária naquela região durante o período colonial brasileiro. É de se crer que tais populações tenham características culturais semelhantes, mas não se pode tomar tal fato aprioristicamente. Apesar de alguns grupos indígenas manterem-se coesos culturalmente apesar de sua dispersão geográfica, esse não parece ser o comportamento mais comum entre os grupos. A divisão e o isolamento terminam por provocar uma cisão cultural, gerando dois grupos étnicos, bem que muito semelhantes. A proximidade entre grupos minoritários, por sua vez, pode ter como consequência a mescla de identidade, ou a própria assunção da identidade de um por outro.

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Resultados esperados: Resultado I: Conceitualização e planificação do projeto: nesta fase faz-se a delimitação conceitual entre os termos “conhecimento”, "língua", “acesso”, “práticas culturais”, “valor”, “autoria”, "território". Resultado II: Identificação dos modos comuns de investir em democratização do acesso à informação, de forma a permitir o intercâmbio de informações entre diferentes culturas e nossas instituições. Construção e disponibilização de uma coleção digital com obras de interesses comum e com os trabalhos dos colegas ligados ao tema. Transferência tecnológica do resultado alcançado através de minicursos e manuais disponibilizados gratuitamente online. Resultado III: Apresentação de resultados preliminares em seminários locais e regionais, em jornadas científicas, nas aulas e outros espaços locais e provinciais; relatório parcial e artigos publicados em livro organizado por ambas universidades. Resultado IV: Participação de pesquisadores na organização e execução de um Congresso sobre “Acesso à Cultura e ao Conhecimento ”. Relatório final e publicação de artigos. Resultado V: Formação de quatro (4) candidatos com o nível de doutoramento em temáticas relacionadas com a Ciência da Computação e Multilinguismo no Mundo Digital de ambas universidades. Referências AMIEL, T.; REEVES, T. C. Design-Based Research and Educational Technology: Rethinking Technology and the Research Agenda. Journal of Educational Technology and Society, v. 11, n. 4, p. 29-40, 2008. Disponível em: <http://www.ifets.info/journals/11_4/3.pdf >. Acesso em: 15 dez. 2012. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas: introdução, organização e seleção Sergio Micelli. São Paulo: Perspectiva, 2007. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CUNHA, Á. F. R. da. Teoria de cruzamento em oralidade e escrituralidade. São Paulo: Miami, 2012. FUNAI. O índio hoje, quantos são, onde estão? Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em: 27 dez. 2012. _____ 224


FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Porto: Afrontamento, 1972. LABJOR/IEL/UNICAMP. Disponível em: <http://www.iel.unicamp.br/ revista/index.php/edicc/article/view/2280/2397>. Acesso em: 27 dez. 2012. LATOUR, B. Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005 MCLUHAN, M. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1979. SIMONDON, G. Du mode d'existence des objects techniques. Paris: Aubier cop., 1989. ISBN 2- 7007-1851-8 SPIGOLON, N. I. Fases do exílio, sob as faces do tempo. Processos da pesquisa sobre Elza Freire. In: Revista do EDICC, Campinas, v. 1, n. 1, 2012. WANDERLEY, C. M. Bibliotecas digitais multilingues: uma proposta inclusiva. In: CYRANEK, G. N. (Ed.). Greenstone: Un software libre de código abierto para la construccíon de bibliotecas digitales: Experiências en América Latina y el Caribe. Montevideo: UNESCO, 2010. p. 45-74. WEXLER, P. Jewish Interlinguistics: facts and conceptual framework. Language, v. 57, n. 1, 1981. Plano de ações gerais Na perspectiva que orienta o projeto, insere-se um plano de ações gerais a ser desenvolvido no horizonte onde surgem possibilidades de apresentar elementos para pensar os processos de elaboração e execução; a refletir em ações de regresso como forma de reverter as experiências e os conhecimentos provenientes de intervenções junto à realidade que vai descrita. Importa, assim, no investimento de cooperação proposto que inclui a pesquisa conjunta e o intercâmbio de pesquisadores, perspectivar as _____ 225


questões educacionais numa dimensão que, excedendo as fronteiras nacionais, o viabilize. Parece fértil, nesse sentido, considerar e trazer à cena as relações entre as dimensões locais e os processos mais amplos, o que nos impõe destacar de forma sucinta, dentro de um plano geral, as seguintes ações: a) Atuação dos docentes que compõem a rede como professores visitantes e associados nos programas de pós-graduação das instituições estrangeiras envolvidas no projeto, com vistas a estreitar os laços de colaboração, consolidar as linhas de pesquisa e ampliar a internacionalização dos programas; b) Participação dos pesquisadores estrangeiros (docentes e discentes) na dinâmica de trabalho dos Grupos de Pesquisa nacionais, ampliando o contato com a produção internacional e contribuindo com a formação de estudantes de graduação e pós-graduação, concomitantemente para a criação e/ou fortalecimento de linhas de pesquisa nos grupos de pesquisa e Programas de Pós-graduação aos quais os pesquisadores estão vinculados; c) Intercâmbio entre pós-graduação, de pesquisadores, discentes e docentes das instituições brasileiras e caboverdianas, como estratégia de formação e aperfeiçoamento, com vistas ao fortalecimento e internacionalização dos programas de pós-graduação a que estão vinculados os pesquisadores; d) Oportunizar ambiente propício à co-orientação dos estudantes de pósgraduação, por meio da sua participação nos grupos de pesquisa das instituições que compõem a rede, como também pela atuação dos docentespesquisadores na discussão dos projetos de tese, na supervisão das atividades de pesquisa durante as missões de estudos e da participação nas bancas de exames de qualificação e defesa; e) Organização de sessões coordenadas nos eventos nacionais e internacionais da área, com vistas à divulgação e discussão dos resultados parciais e finais das investigações desenvolvidas no âmbito do projeto de cooperação; f) Oferecimento de disciplina e realização de seminários, com relação à temática nos cursos de graduação e/ou de pós-graduação das instituições parceiras; bem como a participação em disciplinas e seminários; g) Realização de pesquisa de campo com o levantamento e catalogação de documentação primária, incluindo a revisão bibliográfica e a discussão de categorias de análise e outros procedimentos investigativos, contribuindo para os processos de produção científica; h) Ampliação da interlocução entre pesquisadores ao compartilhar os relatos de experiência e a disponibilização conjunta de referências para a pesquisa sobre a temática no Brasil e em Cabo Verde;

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i) Publicação conjunta de artigos e livros no Brasil e em Cabo Verde, contemplando os resultados da pesquisa e outras discussões desenvolvidas no âmbito da proposta. A proposta prevê ações de regresso, orientadas a partir das seguintes linhas de atuação: a) Criação e/ou fortalecimento de linhas de pesquisa nos grupos de pesquisa e Programas de Pós-graduação aos quais os pesquisadores, docentes e estudantes estão vinculados; b) Oferecimento de disciplinas relacionada à temática nos cursos de graduação e/ou de pós-graduação das instituições parceiras; c) Disponibilização conjunta de referências para a pesquisa sobre a temática no Brasil e em Cabo Verde; d) Divulgação dos resultados da investigação, no sentido de publicar conjuntamente artigos, livros e material, tanto na versão impressa como na versão (virtual) online. Ademais, deve-se considerar a possibilidade de surgimento de outras ações a partir das realidades pesquisadas e das experiências vivenciadas, uma vez que as instituições parceiras são universidades públicas reconhecidas, dotadas de todas as condições estruturais e de pessoal para oferecer o apoio necessário ao desenvolvimento do projeto, reunindo ampla experiência em sediar projetos de cooperação internacional com financiamento da CAPES e de outras agências. b) Procedimentos adotados para o reconhecimento de créditos Os créditos a adquirir durante a estadia poderão estar no âmbito da componente do estágio dos programas de Pós-Graduação da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde e devem ser obrigatoriamente adquiridos numa universidade estrangeira (neste caso na UNICAMP) e perfazem um total de créditos para um semestre, ou metade dos créditos durante três meses de estadia na UNICAMP e vice-versa. Cabe ressaltar que tendo em vista o reconhecimento de créditos, os procedimentos adotados contemplarão ainda, o planejamento, acompanhamento e avaliação do cronograma das missões em consonância com os objetivos da proposta de modo a assegurar os procedimentos institucionais, notadamente os que dizem respeito ao reconhecimento mútuo dos créditos. Há ainda que se ressaltar a possibilidade de outros procedimentos a serem adotados pelas instituições para reconhecimento das atividades realizadas pelos pesquisadores, docentes e estudantes, tendo em vista a exe_____ 227


cução de modalidades de pesquisa, que dispensem o cumprimento de créditos, como por exemplo: pesquisa de campo e missão de estudo e trabalho. c) Descrição das atividades a serem realizadas entre equipe de coordenação da instituição brasileira e da universidade estrangeira (cronograma provisório); 2013 . Levantamento de bibliografia comum, criação de coleção digital com trabalhos locais, infraestrutura de intercâmbio de dados entre UNICAMP e Universidade Jean Piaget; . Leitura e debate em grupos de estudos acerca de fundamentação teórica e temática de pesquisa; . Elaboração do relatório da pesquisa individual e apresentação dos percursos investigativos realizados. . Realização e participação em eventos da área, bem como em reuniões de trabalho, envolvendo as instituições participantes do intercâmbio dos pesquisadores, docentes e estudantes. 2014 . Elaboração do relatório final da pesquisa, individual e de cada grupo e apresentação dos percursos investigativos realizados; . Publicação de livro, no Brasil e em Cabo Verde, sobre a temática, organizado a partir das produções acadêmicas dos pesquisadores envolvidos na execução da proposta; . Socialização de resultados e experiências, na forma de artigos, na versão impressa e/ou digital.

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Esperamos que esse livro contribua para o debate político e filosófico sobre a educação. Afirmamos que caso seja infringido qualquer direito autoral, imediatamente, retiraremos a obra da internet. Reafirmamos que é vedada a comercialização deste produto.

Formato

A5

1a Edição

Junho de 2019 Navegando Publicações

www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com Uberlândia – MG Brasil




A presente obra sistematiza e sintetiza através dos textos apresentados a conjugação dos esforços colaborativos entre professores, pesquisadores e estudantes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), do Brasil, e da Universidade Jean Piaget (UniPiaget-CV), de Cabo Verde, como parte dos projetos multidisciplinares de intercâmbio entre os dois países, nos quais se deu especial atenção aos modos como se articulam os processos de multilinguismo, os projetos educacionais e dinâmicas socioculturais. Por um lado, os relatos das experiências vividas no processo da realização do intercâmbio científico BrasilCabo Verde, e a apresentação dos resultados alcançados, propicia ao leitor desta obra um momento privilegiado para o conhecimento mais circunstanciado dos contextos cultural, linguístico e educacional das pesquisas, encetadas com o apoio institucional e financeiro do CAPES, no âmbito do Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino por meio da Mobilidade Docente e Discente Internacional (Pró-Mobilidade Internacional) destinado à estruturação, fortalecimento e internacionalização dos Programas de Graduação, Pesquisa e Pós-Graduação das universidades integrantes da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP). E por outro, as experiências examinadas neste livro, elaborado com a colaboração de docentes do Brasil e de Cabo Verde, constituem uma excelente fonte de conhecimento sobre a educação internacional assim como de inspiração para novas atividades relacionadas ao diálogo acadêmico entre esses dois países que possuem uma história entrelaçada e que compartilham fundamentos essenciais de suas culturas. Professores Drs. Newton A. P. Bryan e Wilson Gomes de Almeida


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