Excerto do texto-Uma esplanada sobre o mar - Vergílio Ferreira

Page 1

Excerto do texto: “Uma Esplanada sobre o Mar”

“A rapariga estava sentada a uma mesa numa esplanada sobre o mar. Vestia de branco e era loura, mas muito queimada do sol. Ao lado da mesa estava montado um guardasol giratório de pano azul que o criado veio regular, para acertar bem a sombra. O criado não perguntou nada e inclinou-se apenas e a rapariga pediu um refresco. Era a meio da tarde e o sol batia em cheio no mar, que se espelhava aqui e além em placas rebrilhantes. O céu estava muito azul e o ar era muito límpido, mas no limite do mar havia uma leve neblina e os barcos que aí passavam tinham os traços imprecisos, como se fossem feitos também de névoa. Na praia que ficava em baixo não havia quase ninguém e o mar batia em pequenas ondas na areia. A espuma era mais branca, iluminada do sol, e o ruído do mar era quase contínuo e espalhado por toda a extensão das águas. (...) A rapariga de vez em quando olhava ao lado a porta que dava para a esplanada e depois olhava o relógio. Voltava então a olhar o mar e ficava assim sem se mover. Tinha os olhos azuis muito brilhantes, contra a pele morena e o traço negro que os contornava. Foi num desses momentos de alheamento que o rapaz entrou. À porta da esplanada deteve-se um momento a orientar-se por entre as mesas ocupadas, mas logo localizou a rapariga sob o guarda-sol azul. Vestia calça branca e uma camisola amarela de manga curta. E era louro como a rapariga. Quando ela o reconheceu, fez-lhe sinal, mas ele já a tinha visto. Sentou-selhe ao pé e olhou em volta como se procurasse alguém. As mesas estavam quase todas ocupadas sob guarda-sóis coloridos e uma ou outra ao sol. Era quase tudo gente jovem, vestida de cores claras de praia. – Desculpa, fiz-te esperar – disse ele. – Cheguei há pouco, o criado nem trouxe ainda o que lhe pedi. E que é que me querias dizer? O criado, com efeito, trazia o refresco para a rapariga, voltou-se para o rapaz a perguntar se tomava alguma coisa. – Pode ser o mesmo – disse o rapaz. O sol caía em cheio sobre a praia, iluminava o mar até ao limite do horizonte. – Que é que me querias dizer? – perguntou de novo a rapariga. Ele sorriu-lhe e tomou-lhe uma das mãos que tinha sobre a mesa. – Gosto de te ver – disse depois. – Gosto de te ver como nunca. Fica-te bem o vestido branco. – Já mo viste tanta vez. – Nunca to vi como hoje. Deve ser do sol e do mar. – Que é que querias? – Deve ser dos olhos limpos com que to vejo hoje.(…).” Virgílio Ferreira, “Uma Esplanada sobre o Mar”, in Contos, 8ª. ed., Lisboa, Bertrand, 1999


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.