Defesa

"Não pode ficar para as calendas gregas" gastar 2% do PIB em Defesa, diz ex-ministro Severiano Teixeira

Nuno Severiano Teixeira foi Ministro da Administração Interna entre 2000 e 2002
Nuno Severiano Teixeira foi Ministro da Administração Interna entre 2000 e 2002
Alberto Frias

O ex-ministro da Defesa Nuno Severiano Teixeira, participou num colóquio no Parlamento que abriu a discussão sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, cuja elaboração ele próprio coordenou. Ouviu críticas de ex-chefes militares da Marinha e do Exército

"Não pode ficar para as calendas gregas" gastar 2% do PIB em Defesa, diz ex-ministro Severiano Teixeira

Vítor Matos

Jornalista

Quase todos os lugares disponíveis da Sala do Senado, na Assembleia da República, estavam ocupados por oficiais dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, membros das associações socio-profissionais dos militares, estudantes e empresários interessados em ouvir o arranque do debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A comissão parlamentar de Defesa Nacional, presidida pelo socialista Marcos Perestrello, organizou um colóquio, esta terça-feira, onde o Governo foi alvo de críticas por parte de antigos chefes militares - com reparos ao próprio documento em discussão -, e ficou o apelo de um ex-governante do PS para se investir mais em Defesa. Quanto antes.

O professor universitário e antigo ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, que coordenou o grupo de ‘sábios’ e redigiu o documento das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) já aprovado pelo Governo, deixou uma mensagem clara a António Costa e à ministra Helena Carreiras: “Quanto ao investimento de 2% do PIB em Defesa [definido como objetivo no quadro da NATO], temos de fugir da ideia de que só se atinge nas calendas gregas”, argumentou, para insistir que este é o momento certo para o fazer, até por causa do contexto internacional que se vive. “Se não for em tempo de guerra, em que há mais aceitação da opinião pública, quando será?”, questionou o ex-ministro, recordando haver países onde já se fala de um aumento para os 3%.

Num painel onde ouviu opiniões nos antípodas das suas por parte do ex-deputado comunista António Filipe, Severiano Teixeira expôs as linhas da sua proposta para o CSDN, cujas Grandes Opções serão debatidas e aprovadas pelo Parlamento para servirem depois de base ao texto final, que será uma resolução do Conselho de Ministros. É a partir do Conceito Estratégico que decorrem os outros documentos estruturantes da Defesa Nacional, como o Conceito Estratégico Militar, o Sistema de Forças e o Dispositivo.

Nuno Severiano Teixeira explicou no CEDN estão subjacentes “valores e interesses” para além da Defesa no sentido militar, como “a sustentabilidade e o modo de vida de sociedades como a nossa”, cada vez mais sujeitas a um “espectro múltiplo de ameaças e riscos híbridos, transversais, cada vez mais sofisticados e complexos e que interagem entre si”. Segundo o académico, tratam-se de “riscos e ameaças de natureza não militar”, que vão das ameaças tradicionais “como vimos na Ucrânia” - uma invasão territorial típica - “às mais sofisticadas e abstratas como a ciberguerra”.

Apesar de já ser uma tendência que vinha desde os ataques do 11 de setembro, que influenciou o último texto do CEDN, de 2013, Severiano Teixeira sublinhou o facto de haver uma “fronteira cada vez mais fluída e difícil de traçar” para separar as ameaças externas das internas.

As novas ameaças exigiriam, assim, uma “nova formulação”, assim como a necessidade de haver um Conceito de Estratégico de Segurança Interna que poderia ser articulado num “Conceito Estratégico de Segurança e Defesa”. Para o ex-ministro da Defesa e ex-ministro da Administração Interna, neste “conceito de segurança alargado, a referência não é apenas o Estado, são também as pessoas. Os instrumentos são militares, mas tem de ter em consideração os meios não militares, que estão para além do uso da força”.

Nesse sentido, o CEDN deve considerar um conjunto de instrumentos que esteja para além do uso da força militar, como “o reforço da resiliência nacional”, o que ficou evidente “depois da pandemia”, mas também das próprias “instituições e qualidade da democracia”, assim como a “resiliência da soberania financeira do país” - um país sob resgate não é soberano, como se viu nos anos da troika - e a “sustentabilidade ambiental”.

Seria imperioso “reconhecer a vulnerabilidades”, critica almirante

As críticas ao documento surgiram nos painéis seguintes, através do almirante Melo Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) e do general Pinto Ramalho, ex-chefe do Estado Maior do Exército (CEME) - que disse ser um “escândalo um Exército com menos de quatro mil praças” e que tem metade dos efetivos da polícia.

O almirante começou por apontar o facto de, apesar de Portugal ter um imenso território marítimo sob a sua jurisdição, “gente de Marinha e da Força Aérea foram dispensados” do chamado grupo de ‘sábios’ coordenados por Severiano Teixeira no processo de elaboração das Grandes Opções do CEDN: “Não nos apresenta um elenco de objetivos nacionais e, menos ainda, uma ideia concreta de conceito de ação estratégica a desenvolver”, começou por apontar Melo Gomes.

O antigo chefe da Armada considerou que seria “imperioso reconhecer” no CEDN “as dificuldades e os principais problemas (alguns, autênticas vulnerabilidades) com que se debatem as Forças Armadas e que não são novos”. E anotou que nas Grandes Opções em debate “nada se refere quanto ao nível de ambição estratégica que o País quereria assumir em matéria de Defesa, nem tão pouco uma palavra sobre a sua compatibilidade com os recursos a alocar, cientes da situação gravíssima em que se encontram as Forças Armadas versus as suas responsabilidades e compromissos internacionais assumidos”.

Outra crítica direta do almirante reformado para Nuno Severiano Teixeira: “Mesmo as ameaças que nos são apresentadas não o são da forma mais clara. São mencionadas, é certo, mas a sua compreensão só ganha clareza depois de se ler uma entrevista dada pelo Coordenador do Conselho” ao jornal “Público”.

Segundo Melo Gomes, o documento estabelece “sete prioridades e em nenhuma se releva a necessidade evidente de considerar a especial situação geográfica de Portugal e a sua dimensão arquipelágica que impõe a proteção de interesses como sejam a segurança económica, energética e alimentar que não podem dispensar o transporte marítimo”.

Na mesma sessão, a professora universitário Ana Isabel Xavier (UAL e ISCTE), ex-subdiretora-geral de Política de Defesa Nacional, contestou a meta do investimento dos 2% do PIB em Defesa, antes defendida por Severiano Teixeira: “É obsoleto o debate dos 2% do PIB. Em vez de gastar mais, é preciso gastar melhor”, afirmou para depois defender, em termos estratégicos, uma política em relação à presença cada vez mais agressiva da Rússia e da China nos países africanos de língua portuguesa, onde Portugal tem “interesses permanentes”.

Ana Santos Pinto, professora da Universidade Nova e ex-secretária de Estado da Defesa de um Governo de António Costa, entende que o CEDN devia ser “aprovado como uma lei da Assembleia de República”, e não apenas como uma resolução do Conselho de Ministros. E tal como Ana Isabel Xavier contesta o santo graal das despesas militares: “Tenho enormes duvidas sobre os 2%. Porque é que não é 1,8% ou 3%? Depende da realidade de cada país. E mais de 75% do orçamento da Defesa é direcionado para recursos humanos. Posso ter mais pessoas e bem pagas, mas se não tiver equipamentos, não preciso de pessoas mais bem pagas”. Fundamental para isto tudo? “Vontade política”. Haverá?

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