O Club Athletico Paulistano, um dos mais tradicionais de São Paulo, usou uma regra machista da década de 1980 para negar a duas associadas o direito de se tornarem sócias remidas.
Sócia ou sócio remidos são aqueles que, depois de 35 anos de contribuição, passam a ter o direito de isenção à mensalidade —de 50% nos primeiros 60 meses e integral após esse período.
M.B. é sócia desde 1984, e A.S., desde 1985. Pelo tempo, já teriam, portanto, direito ao benefício no Paulistano, clube fundado em 1900 e que ocupa uma área de 41 mil metros quadrados no Jardim América, bairro nobre de São Paulo.
Na década de 1980, no entanto, o estatuto do clube exigia que, ao se casar, as mulheres deveriam transferir a titularidade dos seus títulos para os maridos, passando a ser dependentes deles. Ambas se divorciaram e voltaram a ser titulares, mas, de acordo com o Paulistano, o tempo em que permaneceram casadas não pode ser utilizado para a contagem da remissão.
Inconformadas, as sócias recorreram à Justiça argumentando que o clube está atentando contra o direito à igualdade previsto na Constituição. “Lamentavelmente, nos anos 1980, tínhamos uma situação de machismo arraigada na sociedade”, disse a defesa das sócias à Justiça. “Vamos perpetuar o machismo até o fim dos nossos dias?”
Na defesa apresentada à Justiça, o Paulistano argumentou que, “embora seja inegável o transtorno”, as transferências dos títulos para os ex-maridos ocorreram de acordo com a legislação da época. “O que hoje aparenta ser uma tremenda discriminação era absolutamente corriqueiro, nem chamava a atenção. Em 1985 era uma conduta normal”, afirmou.
Na visão do clube, o Paulistano estaria cometendo um ato ilegal se utilizasse, no caso dessas duas sócias, o estatuto atual, que não prevê mais a transferência da titularidade dos títulos para os maridos. “Retroagir uma lei atual à essa situação praticada há 35 anos, isto sim gerará uma conduta antijurídica, a ilegal retroatividade da lei”, afirmou.
A juíza Ana Lúcia Xavier Goldman, que analisou o processo aberto por A.S., não aceitou a argumentação do clube. “A posição adotada pela associação em seu estatuto violou o princípio da igualdade, trazendo inequívoca discriminação à mulher, quando a carta federal então vigente já vedava a distinção entre os sexos”, afirmou, na sentença que condenou o clube a conceder o benefício.
“Não se trata da criação de privilégio à sócia por meio da retroatividade da norma, mas de reconhecer a ilegalidade da medida imposta à autora [do processo].”
O clube não pode mais recorrer da decisão, que transitou em julgado. O processo movido por M.B. ainda não foi julgado.
Em nota encaminhada à coluna, O Paulistano afirma que “não compactua com qualquer prática discriminatória”. Segundo o clube, a qualificação indicada, de transferência de titularidade de esposas para maridos, existiu, há décadas, mas não condiz com o momento e com a atual administração do clube.
Quanto aos casos específicos citados, o Paulistano diz que A.S. teve o direito reconhecido em primeira instância e o clube, além de não recorrer da decisão, respeitou-a para todas as questões semelhantes que surgiram posteriormente.
Já a associada M. B., diz a nota, “requisitou a pré-remição em 15/7/2021 e teve o pedido deferido no dia seguinte. Após a venda do título, em 20/7, M. B. tornou-se pré-remida, em 22/7”.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.