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Madrasta que Carlos Bolsonaro empregou prometeu contar “coisas picantes” de Jair se ele não a ajudasse

Ana Cristina concorreu a um cargo na Assembléia Legislativa do Rio com o nome de “Cristina Bolsonaro” mas não se elegeu (Imagem: reprodução)

Jair Bolsonaro e filhos nomearam 17 parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente, em seus gabinetes nos últimos 20 anos, numa prática considerada ilegal.

Nove são investigados desde que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quebrou o sigilo fiscal e bancário de 86 pessoas ligadas a Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no período em que o atual Senador ocupava uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O outro filho do presidente, Carlos Bolsonaro, empregou a madrasta e sete de seus familiares na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Alguns deles jamais moraram no Rio ou pisaram no prédio histórico onde trabalham os vereadores, localizado na Cinelândia. Pelo contrário, até moravam em outro estado. Em Juiz de Fora, no Sul de Minas Gerais, a 185 quilômetros do Rio, por exemplo, vive e trabalha numa escola infantil Marta Valle, cunhada de Ana Cristina.

Em setembro do ano passado, Ana Cristina Valle prometeu contar “coisas picantes” se Bolsonaro não a ajudasse financeiramente na campanha, como conta essa reportagem de Bruno Abbud na revista Época.

Ana Cristina Siqueira Valle estava na Quadra 103, na Asa Norte, em Brasília, quando viu o deputado Jair Messias Bolsonaro pela primeira vez. Ele discursava com um microfone na mão, equilibrado sobre um caminhão de som, durante um movimento de mulheres de militares que pediam aumento nos salários da caserna. Era o fim dos anos 90. Estudante do curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, Ana trabalhava como assessora no gabinete do então deputado federal Jonival Lucas, do Partido Progressista Brasileiro (PPB) da Bahia, o mesmo partido ao qual Bolsonaro era filiado à época. Convidada pelo capitão da reserva para integrar sua equipe, migrou de gabinete. Ambos ainda eram casados — ela com um coronel da reserva do Exército, ele com a mãe de seus três filhos mais velhos, Rogéria Nantes Nunes Braga — quando se apaixonaram. “Foi um pouquinho antes de ele se separar e eu me separar de meu marido”, contou Ana.

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Ana nunca foi casada com Bolsonaro. Do namoro ao término de uma união estável, contudo, foram 16 anos juntos. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo trouxe à tona uma rusga do passado do casal. Em 2009, já separada de Bolsonaro, a advogada mudou-se para a Noruega, levando a tiracolo o filho Jair Renan, então com 10 anos, sem a autorização do pai. Bolsonaro pediu ajuda ao Itamaraty para localizar o menino. Relatado em um telegrama do Ministério das Relações Exteriores, um diálogo telefônico entre a advogada e o vice-cônsul do Brasil em Oslo, ocorrido em julho de 2011 e publicado agora pelo jornal, incluiu uma acusação grave: Ana disse “ter deixado o Brasil por ter sido ameaçada de morte pelo pai do menor”, segundo o documento.

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Em 2008, veio a separação. Ana preferiu não se alongar no tema. “É uma coisa doída para mim”, disse. “Por mim, estaria casada com ele até hoje. Dos meus três casamentos, ele foi algo que mexeu realmente comigo.” Com o fim do relacionamento, Ana quis levar o filho para a Noruega, onde passou cinco anos como dagamama, como chamam no país quem trabalha cuidando de bebês. “O Jair não permitiu”, disse ela.

Em entrevista a ÉPOCA nove anos depois de transferir-se para o país europeu, Ana alegou motivo diferente da ameaça de morte relatada ao vice-cônsul para mudar de ares. Disse ter sido convidada por um amigo norueguês para passar um tempo sabático no país, uma maneira de aplacar a dor da separação. “Fui com a intenção de férias, de passar um tempo, porque a separação foi muito difícil. Eu era dagamama, tipo uma babysitter. Ficava em minha casa, e levavam a criança para eu cuidar. Não gosto de criança muito grande, não. Gosto de bebê. Aí depois conheci meu marido, nos casamos e fomos morar em Halden. Só casei com meu marido norueguês por causa do visto e da cidadania. Também era obrigada a ir para a escola porque não conseguiria minha cidadania sem falar o idioma. Eu a consegui neste ano”, disse.

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Antes do encontro na Assembleia Legislativa do Rio, Ana costumava ver Bolsonaro eventualmente e conversar com ele à distância, mas não se falavam presencialmente havia dez anos. “A mulher dele não deixa”, afirmou, em referência à atual mulher do candidato, Michele Firmino. “A gente se fala com frequência pelo WhatsApp, pelo telefone, mas pessoalmente é mais raro. Tem o famoso ciúme, não é? Ciúme por parte da atual mulher dele.” Sobre Michele, Ana acrescentou: “Ela é muito nova, e o fato de ter casado com um parlamentar, que agora é candidato a presidente, acho que sobe muito para a cabeça, entendeu? Se for basear no que eu era como mulher dele, sou mais liberal. Não tinha ciúmes, me garantia. Chegavam as mulheres, beijavam, falavam que ele era lindo, maravilhoso. Eu dizia: ‘Realmente, ele é lindo, maravilhoso’. Mas você tem de ter o pé no chão e se garantir, não é verdade?”.

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Ana recebeu ÉPOCA no dia seguinte ao encontro com Bolsonaro na Alerj, em 5 de junho, no gabinete do vereador Marassi. Aos 52 minutos da conversa, o vereador, que acompanhava a entrevista, pediu ao repórter: “Pode desligar o gravador rapidinho?”. O pedido foi atendido. Ana então prosseguiu: “Tenho algumas coisas picantes para falar sobre o Jair”, disse. “Mas vamos ver antes se ele vai me dar apoio na minha campanha, se não, te chamo aqui e te conto. Não posso falar o que é, mas é picante, é da época em que eu ainda estava com ele.”

Na última terça-feira, depois da revelação do telegrama do Itamaraty, Ana desligou o celular. Gravou um vídeo creditando o episódio à “mídia suja”. O vereador Marassi confirmou que a pimenta que viria caso o presidenciável não colaborasse — conforme dito em Resende no início de junho — nada tinha a ver com o telegrama. “Não, não era isso, não”, disse ele por telefone, ao responder se a referência feita em Resende era sobre a conversa com o vice-cônsul.