“O público jovem, responsável por grande parte do consumo, abraçou o funk”, diz Rodrigo GR6

Como Rodrigo GR6 ajudou a transformar o movimento surgido nas quebradas num negócio milionário

Rodrigo GR6: da quebrada para o mundo (Divulgação)

Talento. Taí uma coisa que sobra nas periferias brasileiras. E engana-se quem pensa que a habilidade dos filhos da “quebrada” se resume à música ou aos esportes. É verdade que dela saíram várias estrelas do entretenimento e atletas de ponta, muitos com carreira internacional, mas há quem foi muito além e juntou tudo isso a um incrível tino para os negócios.

 

Foi na zona norte paulistana que Rodrigo Inácio de Lima Oliveira, o Rodrigo GR6, começou seu império, que em 2023 chega à maioridade e comemora 18 anos de existência fortalecido pós-pandemia. Aos 9 anos, mudou-se com a família do Nordeste para São Paulo com o sonho de ser pagodeiro. Até foi: em 2004, criou o grupo 6ª Arte. Mas era impossível ignorar a potência do funk e a força que o movimento começava a ganhar na maior cidade do país. 

 

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Dos bailes de então, que logo saíram dos bairros e conquistaram a cidade toda, à estrutura atual da GR6 – uma gravadora 360º que contempla praticamente todas as etapas da carreira de seus agenciados –, Rodrigo ampliou sua atuação e, atualmente, atende artistas de outros gêneros. Prova disso é que a entrevista com o empresário precisou ser desmarcada na primeira tentativa para abrir espaço na agenda para uma reunião com Gusttavo Lima, cantor sertanejo que está entre os mais ouvidos do Spotify. “Estamos conversando sobre festivais, músicas, bebidas. Vem muita parceria aí”, adianta, e revela, ainda, um novo braço do negócio – a GR6 Sports, que ficará encarregada da carreira de atletas. 

 

O fato é que, aos 38 anos, Rodrigo não só presenciou como também contribuiu em larga escala – mérito que ele divide com KondZilla, Anitta e Ludmilla – para que o funk se tornasse algo muito maior do que uma arte surgida nas periferias e se equiparasse a gêneros como o sertanejo e o pop nacionais em volume de shows e valor de cachês. Se antes o movimento, que a partir de 2008 se voltou para letras que exaltavam a ostentação, era ignorado pelas marcas sobre as quais cantavam, hoje a realidade é outra. A relação das grifes com os artistas do funk vem se consolidando ao longo dos últimos anos e, segundo Rodrigo, está numa curva ascendente. Para exemplificar, ele lembra que, quando a Lacoste fechou contrato com MC Hariel no ano passado, estava prestes a sair do Brasil. A decisão não apenas foi revertida pela marca como o artista ganhou uma visibilidade que lhe garantiu o fechamento de um contrato com a Nike mundial para ser um dos garotos-propaganda do uniforme da seleção brasileira na Copa do Mundo e para representar a companhia de artigos esportivos.

 

Damon Albarn e MC Bin Laden: feat bateu quase 2 milhões de views no YouTube em quatro dias (Reprodução)

 

Para o empresário, no entanto, ainda há uma barreira a ser conquistada: o mercado internacional. Mas ele vem atuando para mudar isso. Poucos dias depois desta entrevista, o aguardado feat entre MC Bin Laden e a banda virtual Gorillaz foi finalmente anunciado. A música, Controllah, possui versos em português e um curto refrão cantado em inglês por Damon Albarn que faz referência às “ondas do Rio de Janeiro”. 

 

Na conversa a seguir, Rodrigo se mostra tão animado com os rumos do movimento que parece um profissional em início de carreira. Não se furtou nem mesmo a responder sobre dinheiro – algo com o qual a maioria dos empreendedores se sente desconfortável. Veja, a seguir, os melhores trechos da entrevista.

 

Versatille: Em que momento você percebeu que o funk se transformaria num movimento de grandes proporções e, mais do que isso, num negócio lucrativo?

 

Rodrigo Oliveira: Na realidade, quando eu abracei o funk, ninguém acreditou. Todo mundo dizia que era um nicho de maloqueiro, de vagabundo. E era mesmo um negócio difícil, cercado de grande preconceito. Mas eu enxerguei ali uma maneira de me encaixar, já que não tinha muitas opções. Eu fazia os bailes, cantava um pagode, e comecei a ter contato com artistas do Rio. E os representantes do gênero em São Paulo com quem eu convivia – como Daleste [Daniel Pedreira Senna Pellegrine, mais conhecido como MC Daleste, nascido na Penha, Zona Leste da cidade, e morto com dois tiros enquanto fazia um show em Campinas em 2013, aos 21 anos, num episódio cercado de mistério e versões até hoje], Léo da Baixada e Guimê – me cobravam que empresariasse esses artistas, mas eu sempre postergava. 

 

Um dia acordei “virado” e resolvi começar. O primeiro foi Léo da Baixada [funkeiro nascido em São Vicente, litoral sul de São Paulo, autor de Alma e Coração, música escolhida como tema da Olimpíada de 2016]. Falei a Kond [Konrad Dantas, o KondZilla, fundador da produtora que leva seu nome e apontado hoje como um dos principais impulsionadores do funk brasileiro], que também estava começando, que queria que ele gravasse os clipes desses artistas. Dei um dinheiro a ele para comprar uma câmera e até um carro – já que ele não me cobrava pelo serviço – e começamos. Mas só me dei conta da proporção que tudo isso tomaria quando o funk chegou à televisão. Eu jamais imaginei estar nesse patamar, mas acreditei quando todos duvidaram. Hoje moro nos Jardins, um dos bairros mais caros do país, numa casa maravilhosa. Que bom que deu certo. Mas não posso deixar de reconhecer o trabalho de Anitta, que levou o movimento além das fronteiras, e de Ludmilla, nesse processo.

 

V: E qual foi o passo seguinte?

 

RO: Para fazer jus ao funk ostentação que surgia na época [estilo que aborda principalmente o consumo e exalta a ambição de sair da favela], eu aluguei uma casona na zona norte, próximo à comunidade onde muitos dos artistas moravam. Acho que esse foi um passo importante. A coisa toda começou a ganhar um ar mais profissional, principalmente nos shows – nos camarins, na parte técnica. Os artistas passaram a ir de van para os locais das apresentações. Até então, precisavam pegar ônibus. Conversando recentemente com Livinho [funkeiro paulistano que acumula quase 11 milhões de seguidores no Instagram], ele lembrou uma ocasião em que terminou o show e recebeu apenas o valor do transporte. Tudo isso foi elevando o movimento. Hoje tem artista que usa até jato para se deslocar.   

 

V: De onde vinham os recursos financeiros para fazer esses investimentos?

 

RO: Como eu fazia as festas, tinha muito crédito na praça, nas adegas, nas gráficas com as quais trabalhava. E era meio maluco, acreditava naquilo. Quando eu “comprei” meu primeiro artista, o Menor do Chapa [nome artístico de Fabrício de Souza Batista, uma das revelações do funk carioca], dei um carro que eu tinha, financiado ainda, e seis cheques de 50 mil reais. Mas aquilo era importante para eu elevar o meu negócio. Na época, há quase dez anos, ele valia meio milhão, era muito forte no movimento. Todo mundo achou que eu estava louco. Mas sempre fui assim. Fazia e depois corria atrás do dinheiro, mas, claro, tinha credibilidade. Hoje negocio artistas de 15 milhões de reais, 20 milhões de reais.   

 

V: Como ocorreu a parceria com a Ingrooves, distribuidora digital da Universal Music?  

 

RO: A gente já tinha uma forte presença no digital, principalmente no YouTube, mas eu ainda era uma pessoa fechada para as gravadoras e distribuidoras, atuava meio que de forma independente. E a Ingrooves precisava de um selo grande para expandir sua atuação no mercado latino-americano no que diz respeito à distribuição digital [funciona como uma espécie de intermediária entre os selos e artistas e as plataformas de streaming]. Fechamos então uma parceria global, no valor de 40 milhões de dólares, no início de 2020, que foi considerada uma das maiores transações já realizadas no setor musical do país. Eles se assustaram com o valor mas, graças ao acordo, a empresa ganhou relevância para fechar contratos depois com Claudia Leitte, Lulu Santos, Zezé di Camargo & Luciano. Hoje já são mais de 100 – e eles reconhecem que o investimento valeu a pena. Para nós também: foi depois da parceria com a Ingrooves que vieram os contratos com a Warner Music, Som Livre e vários outros.

 

V: Aí veio a pandemia de Covid-19 e a área de entretenimento foi uma das mais afetadas. Como você reagiu?

 

RO: A gente precisou se reinventar. As lives, que muitos artistas de outros gêneros estavam fazendo, não funcionariam para o funk, na minha opinião. Como eu estava com o dinheiro da Ingrooves na mão – e precisava mostrar retorno –, comecei a investir mais fortemente no digital. Um dos trabalhos que fizemos foi Ilusão (Cracolândia), com Alok, por exemplo [que registra quase 240 milhões de views].

 

Além disso, pensando que o isolamento não duraria para sempre, resolvi investir numa nova sede. Derrubamos tudo no meio da pandemia e criamos o maior estúdio da América Latina, com o que tem de mais moderno em tecnologia. São 12 estúdios que funcionam 24 horas, um espaço dedicado mesmo à produção de conteúdo que estava prontinho quando pudemos voltar ao normal. 

 

V: Qual foi o investimento no espaço?

 

RO: Foram quase 50 milhões de reais.

 

MC Dricka no comercial do Itaú

 

V: Você está preparado para atender os artistas de que forma atualmente?

 

RO: De todas as formas. Nosso trabalho com eles vai do apoio psicológico e das aulas de canto e violão até o gerenciamento de toda a parte financeira, passando pela gravação dos áudios e vídeos, edição, lançamento, venda de shows, gestão dos canais digitais, direitos autorais e agenciamento da publicidade. Até suporte à família a gente dá. Precisamos lembrar que muitos desses artistas, que vieram do nada, de repente se veem ganhando 300 mil reais por mês. Por isso a relação familiar é importante. E hoje ampliamos nosso casting – além dos artistas do funk, atendemos representantes de outros gêneros. 

 

V: Um deles é Ronald, filho do Ronaldo “Fenômeno”, que atua como DJ. O ex-atleta está envolvido – financeiramente ou de alguma forma – no negócio?

 

RO: Não. A gente só se encontra nos churrascos [risos].

 

V: No mercado, dizem que você tem uma proposta mais underground, enquanto seu principal concorrente, KondZilla, é mais mainstream. O que acha dessa comparação?

 

RO: KondZilla é um cara muito inteligente, de quem eu gosto demais. A gente se ajudou muito, mutuamente, no começo, lá atrás. Ele eleva o movimento, está muito bem preparado para falar do funk, vai na Globo, vai aonde for preciso. Não existe arranhão nenhum entre nós. Eu acho que nos completamos, e isso vai ficar claro em breve, com o que está por vir nos próximos meses. Para mim, o funk, como movimento, é mais importante do que nossos negócios individuais. Nunca teve e nunca terá nenhum problema entre nós.  

 

V: Você acha que as grandes marcas estão mudando o olhar sobre o funk? A gente não vê, na publicidade, representantes do gênero como vemos do pop e do sertanejo. 

 

RO: Isso está mudando, sim. O público jovem, responsável por grande parte do consumo, abraçou o funk. O MC Hariel assinou, em junho, uma coleção de tênis em colab com a Lacoste. O estoque se esgotou rapidamente. Muitos artistas globais não dão esse retorno. Em agosto, ele foi o protagonista da campanha de Dia dos Pais da marca francesa, que também foi um sucesso. A MC Dricka esteve entre os artistas que participaram da campanha do Itaú para o Rock in Rio. O MC Davi foi eleito embaixador da Chivas. O streaming serve como termômetro. Tudo o que bomba lá é um bom indício de que vai vender bem, seja show, seja produto. Vale lembrar que, em muitos casos, as pessoas não conhecem os artistas, mas seus filhos conhecem. E eles acabam influenciando o consumo. Toda marca que quer conquistar o público jovem deve olhar para o funk. O próximo passo é trazer o mercado financeiro para este movimento. Já tivemos conversas com a XP e BTG.

 

MC Hariel assina coleção de tênis em colab com a Lacoste

 

V: Em termos de negócio, quais são as atividades mais rentáveis?

 

RO: Os shows ainda representam a maior parte da rentabilidade, seguidos pelo digital. Don Juan e Ryan, por exemplo, estão entre os artistas mais ouvidos atualmente no país. Don Juan tem 12 milhões de ouvintes mensais no Spotify, Ryan já passou de 15 milhões. Além disso, o canal da empresa no YouTube, o GR6 Explode, só perde para o da Galinha Pintadinha [segundo pesquisa realizada pela BzGether, especializada em operações de câmbio para monetização digital, foram 24 bilhões de visualizações desde 2014. Desse total, 2,8 bilhões só no ano passado]. Depois vem a publicidade.

 

V: Ainda falando de business, qual será a próxima aposta?

 

RO: Acho que a internacionalização, furar essa bolha, abrir espaços na Europa e nos Estados Unidos, onde o funk é muito forte. As parcerias com as gravadoras vão nos ajudar nisso. 

 

V: Como tem sido o crescimento da empresa?

 

RO: Grande. Os cachês triplicaram depois da pandemia, impulsionados principalmente pela explosão do digital, por meio do streaming. Shows que custavam 20 mil reais hoje não saem por menos de 150 mil reais. 

 

V: Que artista você gostaria de ter em seu casting?

 

RO: Racionais MC’s. 

 

Por Gabriela Garcia | Matéria publicada na edição 130 da Versatille

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