Se pudessem, marionetes pensariam

Se pudessem, marionetes pensariam

"Metade dos americanos jamais leu um jornal. Metade nunca votou para presidente. Espera-se que seja a mesma metade". (Gore Vidal)

O jornal Folha de São Paulo publica pesquisa do Datafolha que revela que, se pudessem, 62% dos jovens brasileiros iriam embora do país. A pesquisa ainda identificou que 56% dos adultos com nível superior também gostariam de deixar o Brasil. Se por um lado esses resultados podem indicar a insatisfação de boa parte da população com as más condições do país, por outro também evidencia fenômenos recentes que complicam ainda mais os problemas.

Em relação ao posicionamento dos jovens em querer ir embora, seria muito frustrante e surpreendente se não fosse esta a intenção. Nesta faixa etária eles também querem sair de casa, acham que sabem mais do que seus mestres e professores e reúnem-se em bandos para brigar por qualquer causa, inclusive para reduzir a tarifa dos ônibus, trens e metrôs em vinte centavos, e comemorar depois comendo fast food por trinta reais. Nesta fase também são recrutados pelas mais variadas correntes ideológicas, políticas e religiosas, entre outras, para constituírem massa de manobra e serem manipulados como se fossem marionetes.

Marionetes, ou fantoches, são bonecos representando pessoas ou animais. Trata-se de objetos animados, movidos por meio de cordéis manipulados por uma ou mais pessoas ocultas atrás de uma tela, em um palco em miniatura. É uma das mais antigas formas de entretenimento, que através dos tempos vem encantando adultos e crianças em todo o mundo. O manipulador de uma marionete é o marioneteiro.

Nosso país parece viver dentro de uma peça de teatro de marionetes. Os bonecos são pessoas, em sua esmagadora maioria muito jovens. A peça parece não ter um enredo muito claro, mas é possível identificar nitidamente a presença de fortes elementos do teatro do absurdo, imortalizado por Ionesco.

A falta de um enredo claro para esta peça parece estar ligada ao fato que as marionetes estavam todos sendo fabricados em uma incrível máquina conectada em rede, em um ambiente virtual. Boa parte dos pais e mestres são Gepetos modernos, que confortavelmente esperam que seus Pinóquios ganhem vida. Antes disto, os trancaram em quartos e entregaram-lhes mecanismos que os levam a lugares imaginários. Alguns são impérios sinistros onde monstros se enfrentam, e em que os personagens possuem múltiplas vidas que podem ser facilmente repostas em mortes por assassinatos. Tudo o que se precisa fazer nestes universos imaginários é procurar algum dos caminhos traçados por algum manipulador, o marioneteiro que concebeu o game.

Em 2014 houve um forte movimento nas ruas deflagrado pelo reajuste de vinte centavos nas tarifas do transporte público. Ao assistir ao vivo as incríveis cenas dos protestos, ficava evidente que se tratava de um enredo de realidade fantástica. Primeiro, a Autoridade Policial pedia candidamente aos supostos líderes do movimento orientação sobre qual deveria ser a rota a ser seguida pela gigantesca procissão. Os líderes, sem saber claramente a resposta, pegavam seus telefones celulares e pediam orientação para um marioneteiro que estava longe da cena. Como nos jogos virtuais, a divisão é naturalmente possível, e foi o que ocorreu. Um grupo iria parar a grande avenida que corta a cidade, e o outro se deslocaria para a área onde se localizam os bancos, o comércio, as luzes e a sede da mídia. Houve confrontos, quebra-quebra, bombas e até um pouco de sangue. Ficam surpresos, pois descobrem que bombas e sangue têm cheiro, ao contrário do que viam nas telas de seus computadores e celulares.

As marionetes deixaram de ser virtuais e tornaram-se reais; ou seria o contrário? A mãe orgulhosa penteava e arrumava seu filho para prepará-lo para o grande espetáculo da “festa das ruas”. Ela mesma havia participado de algumas, quando teve que enfrentar o fantasma assustador da escuridão democrática. Agora não tem mais fantasma; tem corrupção, gastança pública, má distribuição de renda e serviços públicos ruins.

A precariedade da área da saúde e de hospitais deixa sequelas e mata; a falta de boas escolas públicas gera marionetes cada vez menos criativas e cada vez mais dependentes de manipuladores; e o transporte é caro. O jovem sentado no meio da rua, referindo-se ao estopim da revolta, estava feliz porque a passagem baixou dez centavos; pegou seu iphone que custa centenas, senão milhar de reais, e ligou para o seu Gepeto para informar que está vibrando por ter vencido a batalha. Um outro diz que não anda de ônibus, mas sua empregada anda; achou que seria mais fácil o protesto do que pedir ao pai para aumentar em alguns centavos por dia o salário de sua empregada. Outro jovem, vestido com boina e jaqueta verde, lembrava as histórias que lhe contara o bisavô, que bravamente enfrentou no passado as forças do mal; o jovem dedica a ele sua presença na festa das ruas; até tira uma foto e a põe no facebook. A propósito, não existe avô ou bisavô que não tenha lutado bravamente contra alguma força do mal e não a tenha vencido. Em geral são heróis de si mesmos.

O governo, como sempre acuado e indeciso, acaba fazendo o que sempre faz: fica entre fazer nada, fazer o que é correto, ou fazer algo baseado no populismo. Acaba optando pelo terceiro, anunciando orgulhoso que baixou a tarifa. Para tanto vai aumentar impostos. A conta fica para os próximos governos e para as próximas gerações. Está tirando dinheiro da saúde, da educação, da habitação e da segurança, para bancar o transporte. Promete, mais uma vez que, mesmo assim, fará mais escolas, mais hospitais, mais casas; provavelmente, mais circos.

Um pouco antes, perto das eleições anteriores, o governo havia ampliando o número de quem não paga passagem, dando tarifa zero para alguns. Já não cobrava de carteiros e outros tantos, e cobrava metade dos estudantes. Adam Smith já dizia que nenhum almoço é gratuito. Se alguém não paga, pagam os outros, que são todos.

Até Ionesco em seu teatro do absurdo ficaria surpreso com o enredo destas revoltas esboçadas nestas peças de marionetes. A grande crítica é que os políticos são corruptos, incompetentes e safados. Mas quem os colocou lá? Não foram os marcianos, nem os habitantes de Plutão; talvez tenham sido os lunáticos.

Ao perguntar a alguns dos manifestantes em quem votarão nas próximas eleições, a resposta é que não sabem, ou será em algum marioneteiro qualquer que conheçam ou tenham ouvido falar. Perguntados sobre qual a proposta a ser buscada, a resposta foi “acabar com tudo o que está aí”. Se perguntados sobre como resolver os problemas, respondem que quem tem que responder é o governo.

Definitivamente, as palavras de ordem são as mesmas ditas repetidamente nos mantras políticos em todas as eleições.

Os cordéis que movem as marionetes são virtuais. Não existe um comando físico; são através de ondas eletromagnéticas. Os bonecos abandonaram suas telas: alguns parecem ter saído da frente, outros de dentro. Querem novos marioneteiros para manipular suas vidas; talvez apenas novos enredos.

Mas de volta aos resultados da pesquisa do Datafolha, o que realmente surpreende é que substantiva parte dos adultos também iria embora, se pudesse. Parece que o destino preferido dessa turma do êxodo, jovens e adultos, são os Estados Unidos, muito provavelmente a Flórida, e mais provavelmente ainda, a Disneylândia. Quantos falam inglês? O que fariam lá?

Os adultos que podem ir, provavelmente o fazem regularmente. Dos que não podem e gostariam de ir, temo que o destino prioritário seja também a Disneylândia.

Como os problemas do Brasil, que devem ser a causa da vontade de deixar o país, tem como origem a incompetência, ideologias e crenças variadas em diversos tipos de raciocínios atrasados, e seguidos por elevado percentual de nossa população, talvez um êxodo como este pudesse, afinal, acabar tendo efeitos benéficos para o país.

Quando marionetes pensam, a única reação é a busca pela porta de saída mais próxima.

Gregory Rocha Falavigna

Analista de Projetos | Assistente de Projetos | Área de Projetos TI

5 a

Vivemos em um país onde não recebemos educação na sua totalidade, e sim, um "adestramento". Os jovem são induzidos a falsos valores, tais como: Vaidade, consumismo, competitividade, egoísmo e visões de mundo superficiais! As consequências são gigantescas e impactantes, e nos levam a pensar o que a realidade do presente causará no futuro!

Osvaldo Damazio Neto

Especialista em energias renováveis

5 a

As cabeças pensantes e elites deste país, se isolam e se omitem em ilhas de pensamento teórico, sem muito contraditório e com uma ética questionável, não conseguem sensibilizar os jovens por total falta de entendimento do que é ser jovem no século 21 no Brasil urbano de hoje. A saída mais óbvia acaba sendo o aeroporto.

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