Page 490 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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aos  poucos, só que, em  vez da cor  desbotada do  sumo  de limão  (a  tinta
                  invisível mais fácil de empregar), estas eram douradas, azuis e escarlates.

                         As  gravuras  eram  estranhas,  com  numerosas  figuras  de  que  Lúcia
                  não  gostou  muito.  E  pensou:  “Parece  que  tornei  tudo  visível,  não  só  os
                  barulhentos. Num lugar como este, deve haver uma quantidade imensa de
                  seres invisíveis por toda parte. Não sei se tenho vontade de ver todos eles.”

                         Nesse  instante  ouviu  atrás  de  si  passos  suaves,  mas  firmes,
                  caminhando ao longo do corredor, e logo se lembrou do que ouvira acerca
                  do mágico e do seu costume de andar descalço, silencioso como um gato.

                         É preferível a gente se virar quando sente alguma coisa caminhando
                  atrás: foi o que Lúcia fez. E ficou com o rosto iluminado, quase tão bonita
                  quanto a Lúcia da gravura. Correu com um gritinho de alegria e os braços
                  abertos.
                         À porta estava o próprio Aslam, o Leão, o Supremo Rei de todos os
                  Grandes  Reis.  Concreto,  real  e  quente,  deixando  que  ela  o  beijasse  e  se
                  escondesse  na  sua  juba  fulgurante.  Pelo  som  cavo  e  trovejante  que  ele
                  emitia, Lúcia ousou pensar que ronronava.

                         – Que bom ter vindo, Aslam!

                         – Estive sempre aqui. Mas você acabou me tornando visível.

                         – Aslam! – exclamou Lúcia, quase com reprovação. – Não brinque
                  comigo! Como se eu fosse capaz de fazê-lo visível!

                         –  Pois  fez.  Acha  que  eu  não  obedeço  às  minhas  próprias  leis?  –
                  Depois de pequena pausa falou de novo: — Minha criança, acho que você
                  anda escutando atrás das portas.
                         – Escutando atrás das portas?

                         – Ouviu o que as suas colegas disseram de você.

                         – Ah, isso? Não pensei que fosse a mesma coisa que escutar atrás das
                  portas. Não era magia?

                         –  Espiar  as  outras  pessoas  por  meio  de  magia  é  o  mesmo  que
                  espreitá-las pelo buraco da fechadura. Você julgou mal a sua amiga. Ela é
                  fraca,  mas  gosta  de  você.  Tinha  medo  da  outra  mais  velha  e  a  acatou
                  dizendo o que não queria.
                         – Acho que não esqueço mais o que ouvi.

                         – Pois é.

                         – Oh, não! – exclamou Lúcia. – Acabei com tudo? Quer dizer que
                  poderíamos ter continuado amigas, e talvez pela vida toda! E agora acabou!
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