Cultura

Sinônimo de quadrinhos, revista 'Gibi' surgiu há 80 anos

Publicação consolidou mercado de HQ no Brasil e formou gerações de fãs
Em maio de 1944, envio da revista Gibi na antiga sede do jornal O Globo Foto: Arquivo O Globo / Agência O Globo
Em maio de 1944, envio da revista Gibi na antiga sede do jornal O Globo Foto: Arquivo O Globo / Agência O Globo

Se hoje a palavra gibi é um sinônimo para revista em quadrinhos, a razão se encontra no passado, em uma publicação lançada alguns meses antes do início da Segunda Guerra Mundial. No dia 12 de abril de 1939, as pessoas que foram às bancas depararam-se com um novo título, no formato meio tabloide e com 32 páginas ao preço de 300 réis.

Chamada de “Gibi” em referência a uma gíria do período para menino, moleque, a edição trazia em sua capa o personagem Charlie Chan e, no alto, por trás do logotipo, um garoto convidando o leitor a mergulhar nas aventuras daquele lançamento que era em preto e branco mas continha algumas páginas impressas em vermelho e amarelo. Numa época sem internet, jogos eletrônicos ou ao menos TV em cores, as HQs funcionavam como uma saudável fuga da realidade para o público infanto-juvenil.

Capa da revista "Gibi" nº 1, de 12 de abril de 1939 Foto: Reprodução
Capa da revista "Gibi" nº 1, de 12 de abril de 1939 Foto: Reprodução

Além do astuto detetive chinês que virou filme e até desenho animado, o primeiro número do “Gibi” continha também o clássico personagem Ferdinando, de Al Capp; o faroeste “Bronco Piler”; “Cesar e Tubinho”, de Roy Crane; e outras histórias, num mix que, em outras edições, apresentaria ainda Tarzan, Flash Gordon, Príncipe Valente, Dick Tracy e Spirit.

— O fato de ter se tornado sinônimo de revista em quadrinhos no Brasil demonstra o quanto o “Gibi” foi importante para os leitores e, portanto, para a formação e consolidação de um mercado de quadrinhos no país — explica o pesquisador de HQs Nobu Chinen, autor de um dos artigos do livro “Gibi — A revista sinônimo de quadrinhos” (VL). — O “Gibi” ajudou a formar gerações de fãs de personagens como Fantasma e Mandrake, entre outros, que posteriormente ganharam revistas próprias de enorme sucesso.

Um ótimo negócio

O “Gibi” não era a única publicação do gênero disponível nas bancas naquela época. Fazia companhia ao “Globo Juvenil”, também de Roberto Marinho, e ambos concorriam, respectivamente, com a “Mirim” e o “Suplemento Juvenil”, de Adolfo Aizen. A disputa do mercado de quadrinhos era acirrada, e quem ganhava com a profusão de títulos era o leitor.

Mas foi no segundo semestre daquele ano de 1939 que o “Gibi” ganhou força. Marinho assinou um contrato de exclusividade com a King Features Syndicate e os quadrinhos que antes saíam no suplemento da concorrência migraram para as publicações do GLOBO. O maior número de obras disponíveis fez com que o “Gibi” passasse a circular três vezes por semana — em vez de duas, como no início — e ganhasse edições especiais, com histórias completas, e álbuns dedicados a um só personagem.

Grande parte da disputa pelo público leitor de quadrinhos no Brasil desse período é contada pelo jornalista Gonçalo Júnior no livro “A Guerra dos Gibis — a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-64” (Companhia das Letras).

Jornalista e professor do Departamento de Letras da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Paulo Ramos fala dos quadrinhos como motor propulsor de vendas dos jornais. Ao menos naqueles anos:

— Na época, e isso poucos comentam, publicar quadrinhos era um bom negócio e significava aumento das vendas dos jornais — observa Ramos. — Quem detinha os direitos de publicação das melhores séries, por consequência, tinha a chance de conquistar mais leitores.

Revista "Gibi" número 2 Foto: Reprodução
Revista "Gibi" número 2 Foto: Reprodução

Ao ser indagado sobre a razão de não existir mais nas bancas “revistas mix”, compilando histórias de vários personagens e promovendo uma maior diversidade para o leitor em um mesmo título, Ramos conclui:

— Na minha percepção, as tiras começaram um processo de ocupação das mídias digitais. Tanto que elas estão gradativamente perdendo espaço nos jornais. Diante desse cenário, uma publicação impressa, vendida em bancas, com reuniões de tiras, como era o “Gibi”, tende a não ser tão atraente para os leitores contemporâneos.