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    'Fakebooks' disseminaram de separatismo a bastardos nos EUA

    ESTELITA HASS CARAZZAI
    DE WASHINGTON

    12/11/2017 02h00

    Andrew Harnik - 31.out.2017/Associated Press
    A senadora democrata Amy Klobuchar, em audiência no Congresso dos EUA que avaliou a interferência de empresas de tecnologia e atividade russa durante a eleição presidencial
    A senadora democrata Amy Klobuchar, em audiência no Congresso dos EUA que discutiu a interferência de empresas de tecnologia e a atividade russa durante a eleição presidencial

    Um protesto anti-Trump que exorta contra "o racismo e a ignorância". Texanos que pedem a secessão e afirmam não serem "ovelhas estúpidas". A notícia de um imigrante deportado e condenado por estupro. Um suposto filho de Bill Clinton com uma prostituta negra.

    Parece verdade, mas não é: todas as chamadas são exemplos de "fake news", feitas por "trolls" —usuários anônimos mal-intencionados- russos e veiculadas com destaque em redes sociais a fim de "tumultuar" a eleição presidencial dos EUA, no ano passado.

    "Isso vai muito além das eleições. O objetivo era semear discórdia e divisão", afirmou o senador republicano James Risch.

    As peças foram divulgadas na semana retrasada, por uma comissão do Congresso que investiga a influência de notícias falsas durante as eleições. Foi a primeira vez que exemplos da publicidade russa vieram à tona.

    O conteúdo era postado em redes sociais, mas pago para que ganhasse destaque e atingisse um público específico. A investigação estima que pelo menos 146 milhões de pessoas nos Estados Unidos foram expostas às postagens durante as eleições.

    Algumas alcançaram sozinhas até 100 mil usuários —caso de uma imagem no Instagram com o título "Crianças com Armas", que mostrava uma criança empunhando um revólver e afirmava que "não era promoção de violência, mas de confiança e autodefesa". Um grande alcance a baixo custo: US$ 290, ou cerca de R$ 900.

    "São assuntos muito próximos das pessoas, que tocam em vulnerabilidades da vida americana", diz Nicol Turner-Lee, doutora em sociologia e especialista em tecnologia do Brookings Institute. Para ela, ficou claro que o material tinha o objetivo de forçar uma polarização no eleitorado e criar um clima de "caos".

    Um dos anúncios, por exemplo, direcionado a moradores do Texas, criticava a profusão de "estupradores e traficantes" entre imigrantes, e elogiava a patrulha da fronteira com o México, "guiada por Deus".

    Outra postagem, atribuída a um grupo chamado União LGBT, fazia propaganda do pré-candidato Bernie Sanders, que disputou as primárias do Partido Democrata contra Hillary Clinton. Ela divulgava um livro de colorir com desenhos que representavam um "Bernie Sarado".

    Mesmo Donald Trump, cujas conexões com os russos durante a campanha estão sob investigação, não escapou da mira dos "trolls".

    Um deles convocou um protesto contra Trump, via Facebook, para um sábado à tarde em Nova York -quatro dias depois de sua eleição. No final, cerca de 5.000 pessoas foram à Union Square, miolo de Manhattan, carregando cartazes com frases como "Não vamos aceitar uma América fascista".

    A propaganda custou míseros 113 rublos, ou pouco menos de US$ 2 (R$ 6,56).

    "Esse é o poder da internet: não existe uma linha visível entre o que é real e o que é ficção", comenta Turner-Lee. "É fascinante; eu provavelmente vi algum desses posts!"

    Boa parte da publicidade era direcionada a grupos específicos: o anúncio sobre o suposto filho de Bill Clinton com uma prostituta negra aparecia a quem tinha, entre seus interesses, Martin Luther King e Malcolm X, dois ícones da luta pelos direitos civis de negros nos EUA.

    Já a imagem de Hillary em queda de braço com Jesus apareceu para aqueles que curtiam "Deus", "Jesus", "Conservadorismo" e as páginas de âncoras da rede Fox News, que apoia Trump.

    Para analistas, chama a atenção o fato de as mensagens terem conseguido tamanho alcance a tão baixo custo —a maioria menos de US$ 20.

    "Nas redes sociais, os próprios usuários disseminam a informação. Você reage a ela. E isso é o que torna a ferramenta tão poderosa, e também tão difícil de controlar", afirma Turner-Lee.

    CONTROLE

    No mês passado, senadores democratas apresentaram uma proposta de lei pela "publicidade honesta", que dê transparência ao financiamento de anúncios e postagens em redes sociais, em especial aos políticos.

    "Mesmo nos Estados Unidos, as proteções da Primeira Emenda [que estabelece a liberdade de expressão] não são absolutas", diz o economista Dalibor Rohac, pesquisador no American Enterprise Institute, organização com inclinação liberal.

    "A ideia não deve ser censurar ninguém, mas criar ferramentas que permitam ao usuário identificar desonestidade e falsidade."

    As três gigantes da internet, Google, Facebook e Twitter, já se comprometeram a ser mais proativas.

    Neste ano, o Google alterou seu algoritmo de busca para privilegiar conteúdo de fontes fidedignas, e coibiu o financiamento de páginas que propaguem informações falsas.

    O Twitter prometeu, a partir do ano que vem, divulgar em cada anúncio quem pagou por ele, quanto pagou e para quem ele está sendo direcionado. Já o Facebook afirmou que tem 10 mil pessoas envolvidas com segurança e checagem de conteúdo.

    Segundo o advogado do Facebook, Colin Stretch, coibir as notícias falsas é uma "preocupação global", e todas as eleições vindouras estão em vista. Embora haja dúvidas sobre o alcance e a efetividade dessas ferramentas, dada a velocidade e o gigantismo das redes, analistas e políticos afirmam que esse já é "um começo".

    BRASIL

    No Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) prepara uma resolução para limitar e punir "fake news" nas eleições de 2018 e, desde o mês passado, vem realizando reuniões com Facebook e Google para uma ação conjunta.

    A ideia é usar ferramentas tecnológicas para identificar -e punir- a ação de robôs que dão origem a essas informações falsas.

    "Ninguém está pensando em estabelecer censura; não é nada diferente daquilo que a gente já faz hoje [com a propaganda tradicional]. Só que fazemos quase manualmente", disse nesta semana o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE.

    Para o órgão, o Brasil "não pode ficar parado", em função das nocivas consequências que isso pode causar ao processo eleitoral.

    Nos Estados Unidos, ainda não está claro qual foi o objetivo dos russos ao pagarem pelos anúncios, nem o impacto que tiveram no resultado final das eleições.

    Mas não se ignora mais o efeito das "fake news" no processo democrático.

    *

    SEMEANDO A DISCÓRDIA
    Separatismo, porte de armas e imigração também foram alvo de 'trolls' russos nas eleições americanas

    Tema: Crianças com armas
    "É assim que nossas crianças devem ser educadas", diz o post veiculado no Instagram
    Alvo: Usuários que curtiram "Donald Trump" e "Tea Party"
    Custo: US$ 290
    Alcance: 108 mil visualizações

    Editoria de Arte/Folhapress
    SEMEANDO A DISCÓRDIA

    Tema: Prepare-se para a secessão!
    Evento no Facebook conclama para a separação do Sul
    Alvo: Usuários do Texas
    Custo: US$ 54
    Alcance: 16 mil visualizações

    Editoria de Arte/Folhapress
    SEMEANDO A DISCÓRDIA

    Tema: Patrulha da fronteira, guiada por Deus
    Afirma que a fronteira com o México está lotada de "estupradores e traficantes"
    Alvo: Usuários do Texas que têm "patriotismo" entre seus interesses
    Custo: US$ 8
    Alcance: 3 mil visualizações

    Editoria de Arte/Folhapress
    SEMEANDO A DISCÓRDIA

    Tema: Exército de Jesus
    "Se eu ganhar, Hillary vence", diz Satanás a Jesus
    Alvo: Usuários que curtem "Deus", "conservadorismo" e âncoras da Fox News
    Custo: US$ 1
    Alcance: 71 visualizações

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