Em cartaz em São Paulo, musical “Wicked” tem participação de uspianos

Ex-alunos da USP respondem pela tradução de música e texto na adaptação de um dos maiores sucessos da Broadway

 30/03/2023 - Publicado há 1 ano
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Arte Jornal da USP sobre o pôster original de Wicked e cenário da peça do musical em turnê/Wikipédia

 

O musical Wicked – A História Não Contada das Bruxas de Oz estreou no dia 9 passado a sua segunda temporada no Brasil (a primeira foi em 2016). O quinto musical mais longevo da Broadway completa 20 anos em cartaz, desde sua estreia em 10 de junho de 2003. O roteiro é baseado no romance de Gregory Maguire, Wicked: a Bruxa Malvada do Oeste (1995), sendo uma reimaginação do filme O Mágico de Oz (1939). Com elenco renomado, a produção inova com diversidade, porém mantém Myra Ruiz e Fabi Bang nos papéis principais, como na primeira vez. A temporada se encerra no dia 23 de julho e os ingressos podem ser adquiridos pelo Sympla.

Mariana Elisabetsky – Foto: Arquivo pessoal

Para a produção brasileira foi necessário traduzir e adaptar as músicas e o texto, função de versionista feita por Mariana Elisabetsky e Victor Muhlethaler, ambos ex-alunos da USP. Ela é formada pela Faculdade de Odontologia e ele é graduado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA). Apesar da Universidade em comum, a parceria não começou no ambiente universitário, mas sim por atuarem na mesma área profissional – Mariana atuava como dentista e como versionista, atriz e roteirista. Acabaram disputando vagas até Wicked surgir e unir os dois. 

Por se tratar de uma produção original da Broadway, o processo de criação é complexo, como explica Mariana. “Temos que traduzir e ver o que realmente encaixa na língua portuguesa, porque o inglês é mais enxuto. Não podemos fazer apenas uma tradução literal e perder a poética, ainda mais se tratando de Wicked.” Ela conta que o roteiro demorou cerca de dois meses para ser feito. Depois, a produção estadunidense analisou milimetricamente o trabalho. “Tínhamos recebido a aprovação do texto, apresentamos uma última vez para a Broadway e recebemos várias anotações de melhorias. Trabalhamos para adaptar novamente essas partes até termos o espetáculo que temos hoje.”

Victor Muhlethaler – Foto: Arquivo pessoal

“Não estávamos lidando apenas com a pressão da Broadway. Tínhamos que receber o aval dos fãs fanáticos, que sabem o roteiro de cor”, relembra Mariana. Sendo um dos musicais de maior sucesso do mundo, Wicked bateu a marca de US$ 1 bilhão de bilheteria, em 2016, somente em Nova York. Os fãs assistiram à peça tantas vezes ao vivo e na plataforma Youtube que sussurram as frases junto com os atores. Muhlethaler era assim: “Antes de estrear na Broadway, esses musicais têm uma fase de teste em outras cidades. Eu tive acesso às músicas, passava o tempo livre entre uma aula e outra da ECA escutando, decorei antes mesmo de serem lançadas oficialmente”.

O roteiro feito em 2016 foi reaproveitado para esta segunda temporada. “Na primeira vez, foi produzido pela Ticket 4 Fun (T4F) no Teatro Renault, comprando todos os selos originais (roteiro, músicas, coreografia, cenário e figurinos). Agora é no teatro Santander, pela Atelier de Cultura, com apenas o roteiro e músicas da Broadway. Essa é a maior diferença”, ressalta Mariana. Com liberdade criativa para cenário, figurino e coreografia, os fãs relatam emoção acima das expectativas na cena mais aguardada de todo o espetáculo, o voo da Elphaba (Myra Ruiz), último ato antes do intervalo. Com a adaptação atual, o voo conta com uma movimentação inédita.

Cena do musical Wicked, que está em cartaz até 23 de julho no Teatro Santander, em São Paulo – Foto: Divulgação

 

Diversidade

O ator Dante Paccola – Foto: Arquivo pessoal

A conotação política de Wicked tem vários espelhos com a realidade brasileira. A questão do racismo, por exemplo, é enfatizada na obra. Elphaba sofre bullying por ser uma fada de pele verde num contexto majoritariamente branco. “Elphaba é uma personagem admirável, uma figura muito rara dentro da nossa sociedade. Ela é uma dessas figuras que são revolucionárias e que não fazem concessão em nome daquilo que elas desejam. Para mim, isso é extremamente político e inclusive analítico”, diz Dante Paccola, ator que interpreta o personagem Boq na peça – e também uspiano. Paccola faz mestrado em Teoria e Prática do Teatro na ECA. “Eu gostaria de ser mais como Elphaba, tento ser, mas sou mais como a Glinda, assim como muitas pessoas.”

O intérprete de Boq conta que tinha pouco contato com a obra antes de ser escalado para o papel. “Eu sabia da importância do musical, mas só me apeguei a ele quando começamos os trabalhos com o texto e lemos o livro do Gregory Maguire. Nele, Boq tem um espaço de atuação maior, e entendi como realmente é a essência do meu personagem.” Ele concilia a rotina de ensaios e apresentações com o estudo na USP. “A vontade de ter uma carreira acadêmica vem de muito tempo, mas precisei da pandemia, que abalou as estruturas de todos, para decidir de fato começar.”

A diversidade do elenco também é fator importante para comunicar atos políticos. Vários dos artistas são assumidamente LGBTQIA+. Além disso, nessa nova temporada o personagem Fiyero – o galã do musical por quem as melhores amigas Elphaba e Glinda se apaixonam – é interpretado por Thiago Barbosa, homem negro que atuou como Simba em O Rei Leão, no Brasil e na Espanha. A atriz Diva Menner está no papel de Madame Morrible, uma vilã nunca antes vivida por uma atriz transgênero. “Quando assisti à pré-estreia com minha família, perguntei ao meu pai se ele tinha notado que Morrible era uma mulher trans. Ele disse que não percebeu, mas que a pauta era importante. Eu sempre pontuo esses momentos para ressaltar o rompimento com as estratificações preconceituosas da sociedade”, relata Mariana.

Elenco do musical Wicked – Foto: Divulgação

 

A Universidade na vida dos bruxos

Se Elphaba e Glinda foram estudar magia em Shiz, Mariana Elisabetsky, com 17 anos em 1996, escolhia cursar Odontologia na USP. Ela amava teatro, já havia atuado em algumas peças e programas de televisão, mas sentia medo da instabilidade financeira. “Eu procurava alguma carreira que me desse segurança em relação ao dinheiro, flexibilidade para conciliar com a minha atuação na arte e que eu gostasse. Odontologia preencheu esses requisitos, principalmente porque tem um quê artístico na profissão”, explica.

Depois, já na graduação, que é integral, ela foi chamada para apresentar o programa Turma da Cultura (1997-2000). Precisou adaptar a rotina para encaixar as demandas do programa e da faculdade. “Muitas vezes eu saía mais cedo da última aula para chegar a tempo no estúdio, mas nunca permiti que isso me prejudicasse academicamente, tanto é que me formei e atuei até recentemente como dentista”, disse. “Teve uma época em que eu estive com uma peça em cartaz no Rio de Janeiro, saía para a aula na sexta-feira com mala, ia direto para o aeroporto, chegava ao Rio, apresentava. Na volta, eu precisava voar na segunda-feira de manhã, pousava em São Paulo, ia para a aula, depois para o estúdio apresentar o programa e só então ia para casa me livrar da mala.”

Victor Muhlethaler sempre sonhou em trabalhar com musicais. O sonho inicial envolvia dirigir. Ficou em dúvida entre cursar Audiovisual ou Artes Cênicas, principalmente porque Artes Cênicas exige uma prova prática de atuação. “Eu não sou ator, tive medo. No fim fiz a prova, fui aplaudido e passei”, relembra. Ele diz que, na época, musical não era visto de forma séria pelos profissionais do teatro. Ele precisou superar esse preconceito apresentando, no teatro do Departamento de Artes Cênicas da ECA, a própria versão de Sweeney Todd: the Demon Barber of Fleet Street (“Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco de Fleet Street”), um musical baseado em livro homônimo publicado na Inglaterra no século 19. “O melhor que a USP oferece é o espaço e material para que você faça todos os seus projetos autorais, dando a chance de aprender na prática. Foi o que eu fiz, construí meu musical com tudo que tinha direito, convidei várias pessoas do meio para assistir e aquilo abriu portas na minha carreira como versionista”, destaca Muhlethaler.

Adaptação de Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street feita por Victor Muhlethaler no Teatro Laboratório da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – Foto: Juliana Elias

 

O musical Wicked – A História Não Contada das Bruxas de Oz está em cartaz até 23 de julho, de quinta-feira a domingo, às 19h30, com sessões extras aos sábados e domingos, às 15 horas, no Teatro Santander do Shopping JK Iguatemi (Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 2.041, em São Paulo). Ingressos podem ser adquiridos na plataforma Sympla.


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