Caminhos (i)móveis do Rio de Janeiro

Cidades costumam ter seu espaço distribuído em vias de circulação, equipamentos públicos e quarteirões edificados para usos particulares. Ao contrário dos quarteirões que podem reproduzir-se em densidade, funções e moradores, vias encontram limites para criar chão. Assim como praças não aceitam ficar fora do nível do terreno, vias têm poucas chances de crescer em altura. E ainda assim queremos demolir elevados horrendos que nos impuseram sem debate público.

Contra essa lógica se impôs um rodoviarismo perverso, que entupiu de veículos as vias enquanto entupiam de edifícios os quarteirões. Desapareceram do Rio de Janeiro transportes que, mesmo adequados à sua geografia, não circulavam sobre pneus. Bonde ficou restrito a Santa Teresa, mas reaparecerá na versão moderna do VLT. Teleférico ficou restrito a cartão postal, mas foi festejado quando reapareceu no Alemão. Plano inclinado foi sendo desativado, mas retornou como essencial aos moradores do Morro Santa Marta.

A matriz de mobilidade do País veio sendo decidida na esfera econômica (e política). Hoje é induzida tanto pela redução do IPI para os automóveis quanto pelo financiamento para o transporte de massa. E o excedente de gasolina produzido na destilação do petróleo precisa ser vendido. Prefeitos, urbanistas e cidadãos reagem ao custo das deseconomias geradas para alguns nos congestionamentos.

O Rio é ainda desafiado pela topografia, que cria referências excepcionais, mas bloqueia a circulação urbana em pontos que exigem conexão. Túneis, ponte Rio-Niterói e linhas coloridas inspiradas no Plano Doxiadis consolidaram o rodoviarismo, sem previsão para o transporte de massa. E demorou a passar ônibus pelos túneis, naquele longo percurso sem o pinga-pinga fácil das paradas que tornou os centros de bairros tão disputados para a liquidez do busão. O metrô foi se expandindo em linha, escapando dos morros e buscando retorno financeiro rápido em bairros mais geradores de viagens. Nisso contrapôs-se aos metrôs em malha, reorientadores da ocupação urbana, que dão certo no resto do mundo. Então, para ir de Ipanema à Tijuca a massa cruza o centro da cidade. E o metrô sequer ultrapassou os limites do município do Rio, na direção de vizinhos que crescem mais do que a capital.

Metrô, barcas, VLTs e BRTs devem formar um sistema estrutural, sem esquecer-se do solo tão mal aproveitado nas faixas suburbanas dos nossos trens. Meios complementares devem ser multiplicados, seguindo exemplos dos teleféricos do Alemão e da Providência e do plano inclinado do Santa Marta. Vans precisam se inclinar diante de um projeto de eficiência e gentileza para o transporte carioca. Bicicletas não darão ao Rio tudo o que dão a Amsterdã ou Copenhague, onde o clima convida ao trajeto cicloviário para o trabalho.

De resto, vale mesmo é melhorar as calçadas como caminhos e lugares de celebração da vida pública e de onde o carioca possa ver a sua cidade como um espelho de si mesmo.


Publicado no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 31/10/2012 – Opinião, página A15. www.jornaldocommercio.com.br