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Saiba quem foi Antônio Houaiss, dicionarista que morreu há 25 anos

Ministro da Cultura durante governo Itamar Franco, filólogo também foi presidente da Academia Brasileira de Letras

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Edison Veiga
DW

Linguistas brasileiros comentam à boca-pequena que "aurélio" só se tornou sinônimo de dicionário no Brasil porque a obra do lexicógrafo Antônio Houaiss (1915-1999) é posterior à de Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989). Para especialistas, o "Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa" é o mais abrangente e completo já feito.

"Foi concebido com projeto mais moderno, inclusive digital. É brilhante, da fonte especialmente desenhada, do objeto-livro preciosíssimo, à concepção do dicionário como um todo, com critério para inclusão de palavras", elogia o linguista Caetano Galindo, professor na Universidade Federal do Paraná e autor, de entre outros, "Latim em Pó".

Antônio Houaiss, filólogo, lexicólogo e tradutor - Roberto Jayme/Folhapress

"Ele [o dicionário] é muito mais pé no chão num certo sentido e muito mais cabeça nas estrelas, porque ele mira mais alto. É um dicionário do qual uma cultura inteira só pode se orgulhar", acrescenta Galindo.

Houaiss morreu em 7 de março de 1999, há 25 anos. O dicionário que leva seu nome, projeto ousado iniciado por ele em 1985, ainda não estava pronto — só seria lançado em 2001, pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa, que até hoje zela pelo seu legado.

A produção envolveu 150 colaboradores, dentre especialistas brasileiros, portugueses, angolanos e timorenses.

Galindo destaca que a obra "descentrou" a língua portuguesa. "Ele desiste daquela marcação de palavras específicas como ‘brasileirismos' e criou etiquetas também para ‘lusitanismos', ‘africanismos'", comenta. "Colocou a língua em seu lugar como língua da comunidade lusófona."

Para o linguista, se trata do "melhor dicionário que a língua portuguesa já teve até hoje". "Falo como usuário de dicionário, como dicionariófilo", diz. "O 'Dicionário Houaiss' é uma dádiva para a cultura lusófona. Lamento muito que não esteja tão acessível hoje quanto devia ser."

Coautor do dicionário e diretor do Instituto Antônio Houaiss, o filólogo e lexicógrafo Mauro de Salles Villar relata que o projeto "levou em conta praticamente tudo que se tinha feito na língua portuguesa no gênero desde o século 16".

"Além dos avanços lexicológicos contemporâneos pelo mundo ocidental", destaca. "Ficou claro que desenvolver as etimologias e datar a mais antiga entrada das palavras encontrada na língua, e, tanto quanto o possível, as suas acepções também, possibilitar-nos-ia organizar as microestruturas dos verbetes com mais segurança, acompanhando historicamente o desenvolvimento dos sentidos das palavras, embora não se tratasse de um dicionário histórico."

"Hoje o dicionário é consultado por outros dicionários, grupos de estudo e universidades não só de Portugal, mas de alguns outros países", frisa Villar.

Com as atualizações do dicionário, o instituto mantém viva a obra de Houaiss. "A primeira edição […] foi publicada no Brasil em 2001 e a partir de então jamais deixou de ser acrescentado de neologismos e novas acepções, assim como aprimorado nas informações que presta, seguindo os preceitos acordados por nós no seu início", garante o filólogo.

"Tal processo é posto em prática todos os dias do ano. Como muitos grandes dicionários e enciclopédias pelo mundo, ele hoje só existe em suporte internético, mas isso possibilita que seja constantemente atualizado."

Não se trata da única realização de Antônio Houaiss. Intelectual de destaque, ele foi foi filólogo, crítico literário, tradutor, diplomata, enciclopedista e ministro da Cultura — durante o governo Itamar Franco (1930-2011), no início dos anos 1990.

Houaiss começou a lecionar português aos 16 anos, no Rio. Mais tarde trabalhou como enciclopedista, tendo sido o organizador de duas das mais importantes enciclopédias feitas no país, a "Delta-Larousse" e a "Mirador Internacional". Como tradutor, sua grande obra foi trazer o clássico "Ulisses", do irlandês James Joyce (1882-1941), para a língua portuguesa.

"O legado dele começa pela tradução do 'Ulisses', que se trata de um feito para a cultura lusófona, algo gigantesco, naquele momento uma coisa de dificílima execução, uma coisa rara. Havia poucas traduções do 'Ulisses' e ele encarou aquilo e chegou a um resultado brilhante", elogia Galindo — ele próprio autor de outra tradução da obra de Joyce para o idioma português.

Em 1971, Houaiss foi eleito para a Academia Brasileira de Letras — ocupou a cadeira 17 e presidiu a casa em 1996.

Como diplomata, seu grande feito foi ter sido um hábil articulador do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990 mas ainda sem adoção completa pelos países da comunidade lusófona. Ao lado da escritora Nélida Piñon (1937-2022), ele foi interveniente brasileiro na reunião que sacramentou o acordo, ocorrido na Academia das Ciências de Lisboa em outubro de 1990.

"Sem sombra de dúvidas, a grande sensibilidade política e diplomática de Houaiss permitiu realizar uma espécie de utopia concreta do seu olhar geopolítico sobre a língua portuguesa, sobre as diversas línguas portuguesas compondo esse grande acervo e tesouro.

Isso permitiu articular a construção do espaço da língua portuguesa na geopolítica, no conceito das nações, o que marca também no seu legado um diálogo permanente e possível entre os diversos protagonistas dessa língua, que são muitas, que é a portuguesa", comenta o poeta Marco Lucchesi, presidente da Fundação Biblioteca Nacional e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras.

"Houaiss foi um construtor de pontes, filólogo e diplomata", pontua Lucchesi. Os 25 anos da morte de Houaiss serão recordados. Mas não celebrados — de forma a preservar os desejos do próprio intelectual. "O instituto que leva o seu nome não comemora datas, infelizmente. Antônio dizia não ser uma pessoa ‘efemerídica'", diz Villar. "Continuamos não o sendo."

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