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GEOMORFOLOGIA DA SERRA DE SINTRA d ... - Ciência Viva

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<strong>GEOMORFOLOGIA</strong> <strong>DA</strong> <strong>SERRA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SINTRA</strong><br />

PARQUE <strong>DA</strong> PENA <br />

BIOLOGIA NO VERÃO 2006


GEOLOGIA NO VERÃO – PROGRAMA CIÊNCIA VIVA<br />

A Geologia no Verão é uma iniciativa do programa Ciência <strong>Viva</strong> do Ministério da Ciência<br />

e da Tecnologia, na qual participam várias instituições portuguesas, que durante alguns<br />

dias abrem as portas para ensinar o que é a Geologia a todos os que tiverem curiosidade.<br />

Neste âmbito, a Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A. convida-vos a fazerem uma<br />

viagem ao mundo da Geologia através da realização de um percurso no Castelo dos<br />

Mouros. Durante o percurso será descrita a evolução da Serra de Sintra e o processo de<br />

intrusão magmática que deu origem aos enormes blocos graníticos que hoje aqui se podem<br />

encontrar e o impacto que esse fenómeno provocou e provoca no clima bem como na fauna<br />

na flora desta serra. Será ainda observada a forma como a geodiversidade condicionou a<br />

localização do Castelo dos Mouros e a Vila de Sintra tendo em conta a importância dos seus<br />

valores estéticos, culturais, estratégicos, económicos, históricos, religiosos e naturais.<br />

3


A <strong>SERRA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SINTRA</strong><br />

1. A ORIGEM GEOLÓGICA <strong>DA</strong> <strong>SERRA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SINTRA</strong><br />

Ao contemplarmos a magnífica serra de Sintra tudo nos leva a crer que este imponente e<br />

luxuriante monumento natural sempre existiu na forma que hoje conhecemos. Mas de facto<br />

não é essa a realidade. A Serra de Sintra formou-se há cerca de 60-70 milhões de anos, e<br />

deve a sua origem a um fenómeno denominado intrusão magmática. A intrusão magmática<br />

consiste no aprisionamento de uma bolha de magma no interior da crosta terrestre. O<br />

magma solidifica lentamente, o que permite a formação dos cristais que constituem o<br />

granito. Devido às movimentações da crosta terrestre, esta massa de granito eventualmente<br />

emerge à superfície, formando, como no caso de Sintra, uma serra.<br />

2. UM CLIMA MUITO ESPECIAL<br />

A orientação (EW) e a destacada altitude da Serra de Sintra na plataforma litoral dão-lhe<br />

condições climáticas muito peculiares que, conjugadas com as características edáficas<br />

(características do solo), facultam à vegetação, um ambiente muito próprio, que contrasta<br />

com o da área, bem mais seca, que rodeia a serra a norte e a sul. A temperatura é, em<br />

geral, uns três a quatro graus inferior à das regiões limítrofes, mantendo as características<br />

da Região Mediterrânica. Mas a Serra mantém sempre, no decorrer do ano, humidade em<br />

alto grau, resultante dos ventos dominantes do nor-noroeste, ventos da costa portadores de<br />

humidade que ao ficar retida na cumeada condensa dando origem a densos nevoeiros. A<br />

precipitação oculta resultante da captação dos nevoeiros pela serra e nas copas das árvores<br />

pode fazer duplicar a quantidade da água disponível para as plantas, mesmo durante o<br />

período estival (Verão).<br />

3. A VEGETAÇÃO EXUBERANTE<br />

A vegetação exuberante da Serra de Sintra está longe de ser um vestígio da floresta<br />

primitiva que cobria uma vasta área do que viria a ser Portugal antes das modificações de<br />

paisagens impostas pela acção do Homem. De facto, devido às suas intervenções ao longo<br />

dos tempos, a serra encontrava-se, em pleno século XIX, praticamente despida de<br />

vegetação. Foi com a chegada do Rei D. Fernando II e Sir Francis Cook a Sintra (entre<br />

outros), que a situação se inverteu.<br />

4. O ROMANTISMO<br />

O romantismo foi um movimento cultural europeu, que surgiu nos finais do século XVIII e<br />

cuja influência se consolidou até meados do século XIX. A estética romântica aliou a busca<br />

pelo exotismo a uma importância crescida dos sentimentos, o gosto pela natureza, o culto<br />

do misticismo e o regresso ao passado. Foi neste contexto que se deu início à plantação do<br />

Parque da Pena, exemplo único de parques e jardins que influenciou diversas paisagens na<br />

Europa.<br />

O CASTELO DOS MOUROS<br />

O Castelo dos Mouros é um importante testemunho da presença islâmica na região e de<br />

edificação provável entre os séculos VIII e IX. Das suas muralhas é possível admirar uma<br />

paisagem única que nos apresenta a vila de Sintra em primeiro plano, estendendo-se até ao<br />

Cabo da Roca, a Praia das Maçãs, Mafra, Ericeira e o oceano Atlântico. Em 1839, D.<br />

Fernando II aforou a velha fortaleza já bastante arruinada e procedeu ao seu restauro<br />

integral de acordo com os ideais românticos em voga no século XIX, incorporando-o no<br />

4


jardim romântico da Pena como elemento estético extremamente importante na criação do<br />

cenário envolvente ao Palácio da Pena. Actualmente o Castelo apresenta uma planta<br />

irregular sendo constituído por uma dupla cintura de muralhas. A muralha interior apresenta<br />

um adarve, ameias e o reforço proporcionado por cinco torreões. Destacam-se, no seu<br />

interior, a cisterna abastecida por águas pluviais, a porta de traça árabe em arco de<br />

ferradura e a Torre Real, a torre mais alta do castelo cujo alcance de vista nos permite<br />

compreender a relevante função de sentinela ao longo dos tempos.<br />

GEOLOGIA E <strong>GEOMORFOLOGIA</strong><br />

A Geologia é a ciência que estuda a estrutura e os materiais que compõem o planeta Terra,<br />

bem como a sua evolução. A geologia foi uma das ciências que nos demonstrou que a Terra<br />

tem cerca de 4500 milhões de anos e que é composta por várias camadas sobrepostas: a<br />

crosta, o manto e o núcleo.<br />

A Geomorfologia é o estudo das características das diferentes formações geológicas que<br />

observamos na Terra: os rios, as montanhas, as planícies, as praias, os desertos, entre<br />

muitas outras.<br />

Figura 1 – Estrutura interna da Terra (adaptado de Justice, 1980-<br />

1983)<br />

É na superfície da crosta terrestre que todos os seres vivos habitam. A vida na Terra<br />

depende directamente dos minerais que a compõem, pois são estes que permitem a<br />

existência das plantas, juntamente com a água e a energia solar. As plantas, por sua vez,<br />

são a base da cadeia alimentar.<br />

5


É também através da geologia que se sabe onde procurar<br />

jazidas de minerais e outros materiais necessários à nossa<br />

tecnologia, como o ferro, o cobre, o ouro e até mesmo o<br />

petróleo, o carvão e o gás natural. Esta ciência explicou-nos,<br />

igualmente, o fenómeno dos terramotos, do vulcanismo, o<br />

porquê dos diferentes tipos de rochas e solos, entre outras<br />

coisas.<br />

Figura 2 – Erupção vulcânica<br />

(adaptado de Coelho, 1998)<br />

AS ROCHAS<br />

Existem basicamente três tipos de rochas, relativamente ao seu processo de formação: as<br />

magmáticas, as sedimentares e as metamórficas. Uma rocha é uma mistura de diferentes<br />

minerais. Um mineral, por sua vez, é um cristal formado por uma mistura de vários<br />

elementos químicos (no caso do quartzo, resultado da união de um átomo de silicone e de<br />

dois átomos de Oxigénio – dióxido de silicone) ou por um só elemento (no caso do ouro e do<br />

cobre, por exemplo). Apesar dos minerais poderem existir em estado puro, é muito mais<br />

comum estarem combinados uns com os outros formando rochas. Quase todos os<br />

processos geológicos decorrem ao longo de milhões de anos, por isso não os podemos<br />

observar em acção mas apenas observar os seus resultados. Algumas excepções são os<br />

sismos e as erupções vulcânicas.<br />

1. AS ROCHAS MAGMÁTICAS<br />

Como o nome indica, as rochas magmáticas formam-se a partir do magma. Exemplos de<br />

rochas magmáticas são o granito e o basalto. O granito é designado por rocha plutónica ou<br />

intrusiva (por se formar no interior da Terra), enquanto que o basalto é designado de rocha<br />

vulcânica ou extrusiva (por formar-se ao ser expelida do interior da Terra através dos<br />

vulcões). Um modo de identificar o granito é através da sua resistência comparativamente a<br />

outros tipos de rochas e pelo facto dos seus cristais constituintes se notarem a olho nú<br />

(textura fanerítica). Sintra é precisamente um local onde se encontra muito granito. Porquê?<br />

Figura 3 – Intrusão magmática vs extrusão<br />

(vulcão) (adaptado de Press & Siever, 1994)<br />

A Serra de Sintra deve a sua origem a um<br />

fenómeno geológico denominado intrusão<br />

magmática. E o que é uma “intrusão<br />

magmática”? O manto terrestre é constituído<br />

por magma que se encontra a grandes<br />

temperaturas e, consequentemente, fundido.<br />

Por ser menos denso, este material tende a<br />

subir em direcção à crosta e até mesmo a<br />

atravessá-la, dando origem aos vulcões. O<br />

processo é análogo ao das bolhas na água a<br />

ferver. Por vezes, o magma fica retido e não<br />

alcança a superfície. Quando a profundidade<br />

a que está retido relativamente à superfície da<br />

Terra é de cerca de 3 a 15 km, o magma<br />

acaba por arrefecer dando origem a rochas<br />

plutónicas. No caso de Sintra formou-se,<br />

principalmente, granito e sienito. É pelo facto<br />

de esta massa de rochas plutónicas se ter<br />

“encaixado” noutros tipos de rochas (no caso<br />

de Sintra, formações jurássico-calcárias) que<br />

se utiliza a designação intrusão. As<br />

6


movimentações tectónicas empurraram, muito lentamente (alguns milímetros por século!),<br />

essa massa de granito em direcção à superfície e, ao mesmo tempo, as camadas de crosta<br />

que se encontravam por cima foram sendo erodidas. Finalmente, alguns milhões de anos<br />

depois, o granito começou a surgir à superfície, dando origem à serra. Foi assim que a Serra<br />

de Sintra (ou Maciço Eruptivo de Sintra) se formou, no interior da crosta, há cerca de 80<br />

milhões de anos, tendo o aspecto actual (granito/sieníto à superfície, rodeados pelos<br />

terrenos mais antigos através dos quais abriu caminho) desde há cerca de 30 milhões de<br />

anos! São seus contemporâneos os maciços intrusivos de Sines e de Monchique. A<br />

formação destes três maciços encontra-se associada ao processo de abertura do Oceano<br />

Atlântico Norte. Foi por esta altura que se deu a extinção dos dinossauros e de outros seres<br />

vivos. Há cientistas que pensam que foi o aumento da actividade vulcânica mundial que se<br />

estava a verificar que provocou essa extinção maciça. Outros há que pensam que tal se<br />

deveu a um gigantesco meteorito, que embateu na Terra, alterando o ambiente e o clima a<br />

ponto de provocar a extinção de inúmeras espécies. Por fim, existe outro grupo de cientistas<br />

que pensam que este acontecimento se deveu a uma combinação de ambos os factores.<br />

Figura 4 – Granito (in http://www.geo.umn.edu)<br />

O granito, como já foi referido, é geralmente<br />

uma rocha plutónica constituída por diversos<br />

minerais facilmente visíveis, sendo os<br />

principais o quartzo e o feldspato. Outros<br />

minerais constituintes do granito são a<br />

moscovite e a biotite (micas), por exemplo.<br />

Esta rocha apresenta, geralmente, uma cor<br />

acinzentada mas, conforme as proporções<br />

dos minerais que a constituem, pode ter<br />

também um tom rosado.<br />

2. AS ROCHAS SEDIMENTARES<br />

As rochas sedimentares resultam da acumulação e da<br />

consolidação de sedimentos (resultantes da erosão de<br />

outros tipos de rochas, incluindo rochas sedimentares) ou<br />

de precipitação química.<br />

O calcário é um exemplo de uma rocha sedimentar,<br />

formado pela precipitação nos oceanos de carbonato de<br />

cálcio (CaCO 3 ) proveniente de restos de seres marinhos<br />

microscópicos. Chegam-se a formar depósitos de centenas<br />

de metros de espessura de calcário nos fundos marinhos<br />

e, por vezes, devido a processos tectónicos que duram<br />

milhões de anos, acabam por surgir à superfície. A Serra<br />

da Arrábida é um exemplo de uma dessas formações<br />

calcárias. Muitas vezes, a precipitação do calcário preserva<br />

vestígios de animais ou plantas, sendo este um dos<br />

processos de formação de fósseis.<br />

Uma área significativa da península de Lisboa é constituída<br />

por depósitos sedimentares formados no Jurássico e<br />

Cretácico, emersos há cerca de 70 milhões de anos por<br />

movimentações tectónicas, como a Serra de Monsanto, por<br />

exemplo. Ao mesmo tempo que as movimentações<br />

tectónicas elevavam esses sedimentos calcários, criaram<br />

episódios de vulcanismo que “temperaram” Monsanto com<br />

materiais basálticos.<br />

Figura 5 – Ciclo das rochas<br />

(adaptado de Coelho, 1998)<br />

7


A areia é um conjunto de partículas que têm origem na erosão de outras rochas, inclusive<br />

outras rochas sedimentares. No caso da areia diz-se que é uma rocha sedimentar detrítica<br />

móvel. Um exemplo de rocha sedimentar detrítica consolidada é, por exemplo, o arenito,<br />

que é areia agregada por um cimento natural.<br />

O solo é, em parte, o resultado de processos erosivos. Este tem origem na erosão de outras<br />

rochas e na humificação (decomposição) de restos orgânicos. O solo formado a partir de<br />

rochas basálticas tem excelentes qualidades agrícolas, devido à sua riqueza de minerais. A<br />

zona de Lisboa tem solos deste tipo, daí a sua aptidão para as actividades agrícolas.<br />

Apesar de a erosão ser necessária para criar o solo, também o pode destruir. Como vimos,<br />

sem solo as plantas não sobrevivem e as plantas são a base da cadeia alimentar, logo o<br />

suporte de quase toda a vida na Terra. Um modo de evitar a erosão dos solos é<br />

precisamente através da protecção providenciada pelas plantas, que evitam que as terras<br />

sejam arrastadas pelo vento e pela água da chuva e dos rios.<br />

3. AS ROCHAS METAMÓRFICAS<br />

As rochas metamórficas têm origem em rochas magmáticas e sedimentares que, sob<br />

condições particulares de pressão e de temperatura, sofrem um metamorfismo, i.e., uma<br />

mudança das suas propriedades, com recristalização e consequente alteração de textura e<br />

de estrutura, originando novas rochas. Como exemplos temos a ardósia, o xisto e o<br />

mármore. O próprio granito pode ter origem metamórfica mas esse não é o caso do granito<br />

que encontramos em Sintra. Por fim, as rochas magmáticas podem dar origem a rochas<br />

sedimentares e metamórficas e todas estas podem reverter ao magma, através dos<br />

processos tectónicos.<br />

INFLUÊNCIA <strong>DA</strong> GEOLOGIA <strong>DE</strong> <strong>SINTRA</strong> NO MEIO ENVOLVENTE<br />

O maciço montanhoso de Sintra sobressai acima das plataformas calcárias que a intrusão<br />

perfurou na sua ascensão através dessas camadas sedimentares. De facto, anteriormente à<br />

formação da Serra, este local era uma zona litoral de terras baixas e planas, ocupada por<br />

braços de mar e lagunas. As lamas destes fundos pantanosos formaram camadas<br />

sedimentares que, por sua vez, num processo de petrificação que dura milhões de anos,<br />

formaram as plataformas calcárias. Ao irromper, a Serra deformou essas plataformas. Foi<br />

assim que rastos de dinossauros, previamente formados nessas lamas e preservados na<br />

horizontal, durante a formação do calcário, aparecem hoje expostos em posições quase<br />

verticais ou de grande inclinação, como é o caso na Praia Grande.<br />

De certo modo, a Serra parece uma ilha verde no meio de uma paisagem mais plana,<br />

menos arborizada e urbanizada (principalmente a Sul). E, provavelmente, já o foi. Existem<br />

algumas evidências de tal ter acontecido entre 6 e 15 milhões de anos atrás, e de novo há<br />

cerca de 2 milhões de anos. Para tal acontecer, o nível do mar nessas ocasiões tinha de ser<br />

mais elevado que o actual (mudança eustática do nível do<br />

mar) e/ou a elevação do próprio terreno teria que ser<br />

menor. Na zona da Azóia e de Almoçageme existem<br />

vestígios de praias situadas a mais de 170 m de altitude,<br />

em relação ao nível actual do mar.<br />

A exuberância da vegetação pode ser explicada pelo<br />

clima típico da Serra, que por sua vez se deve ao seu<br />

relevo, que intercepta a humidade proveniente do<br />

Atlântico. Cria-se assim um microclima mediterrânico mas<br />

de feição oceânica, com humidade quase subtropical. A<br />

evapotranspiração gerada pela floresta ajuda a manter um<br />

Figura 6 – Feteira da Rainha no<br />

Parque da Pena (Foto: Joel<br />

Canavilhas<br />

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elevado nível de humidade. A protecção constante do solo providenciada pelas copas e pela<br />

manta morta também contribui para uma temperatura e níveis de humidade no solo<br />

adequados à diversidade de espécies encontradas. Criou-se, desta forma, uma espécie de<br />

ciclo, em que a humidade vinda do oceano permite a existência de muita vegetação que, por<br />

sua vez, mantêm as condições para a permanência de um nível quase constante de<br />

humidade na Serra, o que vai beneficiar a manutenção do coberto vegetal.<br />

Uma influência visível do relevo geológico na flora pode ser constatada nos locais mais altos<br />

da Serra, como no Castelo dos Mouros. Pode-se ver que, conforme a altitude e o grau de<br />

exposição aos elementos, as árvores crescem mais ou menos. Um efeito curioso é o das<br />

copas das árvores que nasceram nos vales estarem ao quase ao mesmo nível das que<br />

nascem nos locais mais elevados. O que se passa é que as árvores dos vales, para terem<br />

acesso à luz, crescem muito rapidamente em altura, até atingirem um nível de exposição à<br />

luz mais favorável. Por sua vez, as árvores que nasceram em locais mais elevados não só<br />

não necessitam de crescer muito em altura porque já se encontram em locais de muita<br />

luminosidade, como a própria exposição ao vento o torna mais difícil. Além disso, nos locais<br />

mais altos e mais íngremes, a erosão sobrepõe-se à sedimentação, levando a que haja<br />

menos solo disponível para uma árvore poder crescer com mais vigor.<br />

Os microhabitats providenciados pelo relevo e pela variedade litológica explicam também a<br />

elevada biodiversidade que a Serra apresenta, apesar da sua relativa pequena dimensão.<br />

Uma característica das paisagens graníticas que contribui muito para a criação de<br />

microhabitats é o caos de blocos. Os caos de blocos são o resultado da erosão do granito<br />

durante milhões de anos. As variações de temperatura a que as rochas e a água nelas<br />

infiltrada estão sujeitas com o passar do tempo e das estações vão provocando alterações<br />

de volume que acabam por provocar fracturas e fendas. A essas fracturas chamam-se<br />

diáclases. Com o tempo, as diáclases transformam um bloco de granito num aglomerado<br />

de blocos menores, o caos de blocos. A vertente que se desenvolve do Castelo dos Mouros<br />

até à Vila Velha de Sintra é um bom exemplo de caos de blocos.<br />

Figura 7 – Caos de blocos (adaptado de Coelho, 1998)<br />

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A bioerosão amplifica esse mecanismo. Trata-se da erosão provocada pelos seres vivos<br />

durante a sua vida. Um bom exemplo são os líquenes que vão lentamente “corroendo” a<br />

superfície das rochas onde crescem, abrindo caminho para as plantas se poderem fixar.<br />

Com o tempo, cria-se uma camada de solo à superfície da rocha que permite a fixação de<br />

plantas maiores e mais exigentes. Eventualmente, uma árvore poderá aí estabelecer-se e as<br />

suas raízes irão forçar as fendas das rochas que lhe servem de suporte, até as fracturarem<br />

completamente. De um modo resumido, é este um dos processos de formação de solo,<br />

desde grandes rochas até uma camada de solo mais ou menos uniforme. São muitos os<br />

locais no Castelo dos Mouros onde se podem encontrar vestígios de bioerosão. Um aspecto<br />

muito importante a considerar é o de que a bioerosão não deve ser confundida com a<br />

erosão provocada pelas actividades humanas. Regra geral, a bioerosão tende a criar solo. A<br />

erosão de origem humana tende a fazer o oposto.<br />

GEODIVERSI<strong>DA</strong><strong>DE</strong><br />

A abordagem tradicional à temática da Conservação da Natureza contempla<br />

essencialmente, aspectos e preocupações relativos à Biodiversidade. Sem dúvida que esta<br />

é uma vertente importante e crucial na óptica da Conservação da Natureza. Contudo esta<br />

abordagem omite normalmente as questões relativas à Geodiversidade, esquecendo que<br />

esta constitui o suporte para a Biodiversidade. A Geodiversidade consiste na variedade de<br />

ambientes geológicos, fenómenos e processos activos que dão origem a paisagens, rochas,<br />

minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na<br />

terra. Neste contexto surgem associados outros conceitos tais como Geo-património, e os<br />

valores que estão inerentes à Geodiversidade.<br />

1. GEOPATRIMÓNIO<br />

O conceito de Geopatrimónio abarca as vertentes geológicas e geomorfológicas do<br />

património natural. Nele estão contidos formas e processos de evolução das rochas e do<br />

relevo que testemunham a evolução da paisagem.<br />

2. OS VALORES <strong>DA</strong> GEODIVERSI<strong>DA</strong><strong>DE</strong><br />

Valor Cultural e Estético<br />

O valor cultural é atribuído pelo homem quando é reconhecida uma interdependência entre<br />

o meio e o seu desenvolvimento cultural e/ou religioso e social. O valor estético é mais<br />

subjectivo e a sua quantificação não é passível de ser atribuída. O valor estético associado<br />

à Serra de Sintra serviu de inspiração a vários poetas, retratistas e pintores nacionais e<br />

estrangeiros que referem a beleza da paisagem natural sintrense como se pode verificar no<br />

excerto das Memórias Paroquiais de 1758, segundo as quais a Serra de Sintra se define<br />

como um marco na Paisagem, “(...) compõe-se esta montanha de calhaus de imensa<br />

grandeza, (...) sem ligadura, sustentados só no equilíbrio, principalmente os que estão na<br />

eminência da Serra, onde se vêm vestígios da antiga fortificação dos Mouros” (Azevedo,<br />

1982).<br />

A Serra de Sintra tem também um valor cultural riquíssimo. São inúmeros os vestígios<br />

arqueológicos em toda a Serra que evidenciam uma ocupação humana que vem desde a<br />

proto-história até ao século XIX. A localização do Castelo dos Mouros e da própria vila de<br />

Sintra foi condicionada pela morfologia da Serra, e desde tempos remotos que a Serra é<br />

conotada como um local sagrado e religioso pelas várias culturas que por lá passaram até<br />

aos dias de hoje. A simbiose entre o património natural, onde se inclui o geopatrimónio, e a<br />

cultura humana é perfeita. Exemplo disso foi o desenvolvimento da cultura romântica no<br />

século XIX na Serra de Sintra que teve como imaginário as paisagens criadas pelas formas<br />

graníticas da Serra e culminou com a construção de uma “Paisagem Cultural” que foi<br />

classificada em 1995 como Património Mundial pela UNESCO.<br />

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Valor Económico<br />

A Serra de Sintra pode ser abordada de duas perspectivas económicas diferentes. A<br />

primeira virada para a exploração dos recursos geológicos através da industria<br />

transformadora vocacionada para construção civil (exploração de rochas ornamentais e<br />

extracção de saibro), e a segunda do ponto de vista da atractividade e potencialidade<br />

turística no âmbito da qual encontramos a Parques de Sintra Monte da Lua S.A,. empresa<br />

responsável pela gestão dos Parques Históricos de Sintra e outras empresas de eventos de<br />

outdoor, restauração e hotelaria. Obviamente que quando falamos em exploração dos<br />

recursos, quer seja do ponto de vista industrial, quer do ponto de vista turístico, podemos<br />

estar a falar de uma possível ameaça, caso essa exploração não seja controlada, fiscalizada<br />

e as capacidades de carga do meio não sejam previamente estabelecidas e cumpridas.<br />

Valor Funcional<br />

O valor funcional da geodiversidade pode ser encarado sob duas perspectivas:<br />

- o valor da geodiversidade in situ, de carácter utilitário para o Homem, no suporte da<br />

realização das mais variadas actividades humanas (por exemplo todas as<br />

actividades turísticas implementadas na Serra de Sintra;<br />

- o valor da geodiversidade enquanto substrato para a sustentação dos sistemas<br />

físicos e ecológicos na superfície terrestre. Temos como exemplo na serra de Sintra<br />

os “caos de blocos” que reúnem as condições ideais para a fixação dos vários casais<br />

de aves de rapina existentes na Serra.<br />

Valor Científico e Educativo<br />

Não existem duvidas em relação ao valor cientifico e educativo associado à Serra de Sintra.<br />

Neste âmbito podem mencionar-se as várias saídas de campo realizadas pelo ensino<br />

Secundário e Superior, os vários artigos, trabalhos científicos e guias de campo produzidos<br />

relacionados com a Serra, e todas as actividades de educação e sensibilização ambiental<br />

levadas a cabo pelas várias entidades com responsabilidades neste território.<br />

Valor Intrínseco<br />

O valor intrínseco, de todos os valores já referidos, é o mais subjectivo de atribuir, uma vez<br />

que engloba preceptivas filosóficas e religiosas. Contudo não é por acaso que a Serra de<br />

Sintra é Património da Humanidade. O facto de ser um local de muita especificidade não<br />

deixa ninguém indiferente. A nosso ver este valor, apesar de ser extremamente difícil de<br />

quantificar, existe sempre. Quando andar a passear no campo, observe os diferentes tipos<br />

de rochas que encontra, o tipo de solo que pisa, e pense nos processos de formação<br />

envolvidos e no tempo que levou a criar estas diferentes paisagens de elementos. Leve um<br />

guia de geologia consigo para mais facilmente identificar as diferentes rochas e minerais.<br />

11


GLOSSÁRIO<br />

Basalto: A mais vulgar das rochas<br />

magmáticas. Os seus minerais<br />

constituintes são a piroxena, a<br />

plagiocláse e a olivina. Varia entre a<br />

cor preta e o cinzento-escuro.<br />

Cretácico: Nome dado ao período<br />

geológico entre 144 e 66,4 milhões de<br />

anos atrás.<br />

Erosão: Desgaste contínuo das rochas<br />

por acção do vento, da água, de<br />

mudanças de temperatura ou da acção<br />

de seres vivos (bioerosão) e respectivo<br />

transporte dos materiais daí<br />

resultantes.<br />

Eustática: Termo que se refere a<br />

mudanças reais do nível do mar, a<br />

nível global, por contraste a mudanças<br />

locais devidas a movimentações<br />

verticais de uma massa de terra.<br />

Fanerítica: Textura de rochas<br />

eruptivas, holocristalina, em que todos<br />

ou quase todos os cristais, pelas<br />

dimensões, são visíveis a olho nu.<br />

Feldspatos: Um grupo de minerais<br />

característicos das rochas magmáticas<br />

ácidas.<br />

Fósseis: vestígios de seres vivos há<br />

muito mortos e conservados,<br />

principalmente, em rochas<br />

sedimentares. Através destes é<br />

possível investigar a evolução dos<br />

seres vivos ao longo do tempo e as<br />

suas condições de vida na altura da<br />

fossilização. Também tornam possível<br />

ficar a saber as condições ambientais<br />

dominantes durante a formação<br />

desses sedimentos. Se no alto de uma<br />

montanha aparecer um fóssil de um<br />

animal marinho, isso implica que os<br />

sedimentos e rochas que constituem a<br />

montanha formaram-se debaixo do<br />

mar.<br />

Figura 8 – Movimentação dos continentes nos últimos 200<br />

milhões de anos (adaptado de Lambert, 1980-1982)<br />

Geomorfologia: Ciência que estuda a<br />

morfologia da superfície terrestre e a<br />

sua origem, evolução e os processos<br />

envolvidos.<br />

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Figura 9 – Escala Geológica (adaptado de Ferreira & Vieira,<br />

1999)<br />

Humificação: formação de compostos<br />

orgânicos no solo a partir dos restos<br />

orgânicos dos seres vivos.<br />

Jurássico: Nome dado ao período<br />

geológico entre 208 e 144 milhões de<br />

anos atrás.<br />

Magma: ver Manto.<br />

Manto: Camada do interior da Terra<br />

que se segue à Crosta. O material<br />

que o constitui está fundido, devido<br />

às altas pressões e temperaturas.<br />

Esse material fundido por vezes<br />

atravessa a crosta, dando origem ao<br />

magma que é expelido pelos vulcões<br />

e às intrusões magmáticas.<br />

Micas: Minerais em forma de lâmina,<br />

brilhantes, que facilmente se<br />

separam umas das outras.<br />

Microclima: Características climáticas<br />

relativamente constantes numa área<br />

relativamente pequena e que<br />

contrasta com os padrões climáticos<br />

da região circundante.<br />

Período: No contexto geológico,<br />

corresponde à unidade básica de<br />

tempo, em que sistemas específicos<br />

de rochas se formaram.<br />

Quartzo: mineral constituído por silica<br />

(SiO 2 ).<br />

Tectónica: ramo da Geologia que<br />

estuda a deformação da crosta<br />

terrestre e das forças que a<br />

provocam<br />

Textura: a textura fanerítica diz-se<br />

das rochas em que os minerais são<br />

facilmente identificáveis a olho nú. O<br />

oposto é textura afanítica, como no<br />

caso do basalto. A textura pode ser<br />

ainda vítrea, onde o arrefecimento e a solidificação é tão rápida que os minerais não se<br />

chegam a individualizar, como no caso da obsidiana.<br />

Recristalização: neste contexto, é a reorganização da estrutura espacial das ligações entre<br />

os átomos constituintes dos cristais ou a formação de novos cristais, devido a processos<br />

metamórficos. Um bom exemplo é a grafite, um mineral resultante do metamorfismo de<br />

sedimentos ricos em Carbono (a grafite também pode ter origem magmática).<br />

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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Brilha, J. (2005). Património Geológico e Geoconservação - A Conservação da Natureza Na<br />

sua Vertente Geológica. Palimage, 190 p. Braga.<br />

Coelho, A.Q. - Direcção (1998). Ciências Naturais – Ambientes, 7º Ano. Constância<br />

Editores, S.A., 272 p. Carnaxide.<br />

Ferreira, N. & Vieira, G. (1999). Guia Geológico e Geomorfológico da Serra da Estrela,<br />

Locais de interesse Geológico e Geomorfológico - Parque Natural da Serra da Estrela.<br />

S.G.F. – Criação e Comunicação Gráfica, L.da., 112 p. Lisboa.<br />

Hugget, R.J. (2003). Fundamentals of Geomorphology. Routledge Taylor & Francis Group.<br />

386 p. London.<br />

Justice; J.L. (1980-1983). A Geografia – Enciclopédia Juvenil Ilustrada, Grisewood and<br />

Dempsey Ltd, Londres & Círculo de Leitores, L.da., Lisboa.<br />

Lambert, M. (1980 – 1982). A Pré-História Enciclopédia Juvenil Ilustrada, Grisewood and<br />

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Press, F. & Siever, R. (1994). Understanding Earth. W. H. Freeman and Company, 593 p.<br />

New York<br />

Ribeiro, M.L. (1997). A Geologia da Peninha. Sintra. IGM-ICN, 20 p. Lisboa<br />

CONSULTAS ON- LINE<br />

Em português:<br />

http://www.igm.pt<br />

www.igm.ineti.pt/<br />

http://www.igm.pt/departam/geologia/inicial.htm<br />

http://www.geopor.pt/<br />

http://www.geopor.pt/imagens/HTerra.JPG<br />

http://geologia.fc.ul.pt<br />

http://geologia.fc.ul.pt/geoFCUL/<br />

http://www.fc.up.pt/geo/<br />

http://www.ceg.ul.pt<br />

http://domingos.home.sapo.pt<br />

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Em inglês:<br />

http://www.geo.umn.edu/<br />

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http://geology.usgs.gov/index.shtml<br />

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15


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