Continuidade e descontinuidade em três dicionários do século XIX
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<strong>Continuidade</strong> e <strong>descontinuidade</strong><br />
<strong>em</strong> <strong>três</strong> <strong>dicionários</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XIX</strong><br />
Maria Mercedes Saraiva Hackerott 1<br />
1 Universidade Paulista (UNIP)<br />
ceda.hackerott@uol.com.br<br />
Resumo: O presente trabalho analisa as continuidades e <strong>descontinuidade</strong>s<br />
apresentadas <strong>em</strong> <strong>três</strong> trabalhos lexicográficos: Diccionario da Lingua Portuguesa<br />
(1789/1813) de Antonio de Morais e Silva, Diccionario da Lingua Brasileira<br />
(1832) de Luiz Maria da Silva Pinto e Novo Vocabulario Universal da Lingua<br />
Portugueza (1889) de Levin<strong>do</strong> Castro de Lafayette (séc.1889). Tal análise<br />
pretende mostrar que mesmo quan<strong>do</strong> as mudanças não romp<strong>em</strong> com uma dada<br />
tradição, elas dão dinamismo à tradição ao interferir de alguma forma ou na<br />
dimensão teórica (técnicas de análise e méto<strong>do</strong>s de apresentação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s) ou<br />
na dimensão <strong>do</strong>cumental (delimitação <strong>do</strong> corpus de análise) ou na dimensão<br />
contextual (justificativa de escolhas).<br />
Palavras-chave: historiografia linguística; língua portuguesa; <strong>dicionários</strong>;<br />
<strong>século</strong> <strong>XIX</strong>.<br />
Introdução<br />
A Historiografia Linguística t<strong>em</strong> busca<strong>do</strong> explicar como a reflexão sobre a<br />
linguag<strong>em</strong> foi obtida, formulada e comunicada através <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po. Nessa busca,<br />
t<strong>em</strong>-se observa<strong>do</strong> um dinamismo histórico que, apesar de n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre romper com<br />
uma dada tradição, flagra significativas transformações. Swiggers (2005) aponta<br />
<strong>três</strong> dimensões nas quais se observam as mudanças sobre o conhecimento<br />
linguístico: na dimensão teórica as mudanças compreend<strong>em</strong> as tarefas, o status, as<br />
técnicas e os méto<strong>do</strong>s de apresentação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s; na dimensão <strong>do</strong>cumental as<br />
mudanças refer<strong>em</strong>-se à escolha <strong>do</strong> corpus explora<strong>do</strong>; e na dimensão contextual as<br />
mudanças resultam de certos fatores biográficos, socioculturais e institucionais que<br />
justificam a a<strong>do</strong>ção de uma linguag<strong>em</strong> mais revolucionária ou mais conserva<strong>do</strong>ra. A<br />
maior ou menor ruptura com uma dada tradição deve-se à abrangência da<br />
mudança <strong>em</strong> uma ou mais dessas dimensões.<br />
Seguin<strong>do</strong> essa orientação, o presente trabalho visa flagrar o dinamismo<br />
histórico percebi<strong>do</strong> pelas relações de continuidade e <strong>descontinuidade</strong> <strong>em</strong> <strong>dicionários</strong><br />
de <strong>três</strong> brasileiros: Antonio de Morais e Silva (1755-1824), Luiz Maria da Silva Pinto<br />
(1773-1869) e Levin<strong>do</strong> Castro de Lafayette (séc.<strong>XIX</strong>).<br />
Ao compilar as unidades léxicas de uma língua, apresentan<strong>do</strong>-as <strong>em</strong> ord<strong>em</strong><br />
alfabética, os <strong>dicionários</strong> são obras cumulativas, apesar de apresentar<strong>em</strong> relações<br />
de <strong>descontinuidade</strong> com as antecessoras, decorrentes de certas escolhas feitas pelo<br />
dicionarista. Essas escolhas pod<strong>em</strong> ser de natureza macroestrutural como o número<br />
de línguas e as partes que compõ<strong>em</strong> o dicionário ou de natureza microestrutural<br />
como o tipo de entradas e as informações que constam <strong>em</strong> cada verbete.<br />
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Quanto ao número de línguas, os <strong>três</strong> <strong>dicionários</strong> analisa<strong>do</strong>s neste trabalho<br />
são monolíngues. Segun<strong>do</strong> Auroux (1992, p.73), os <strong>dicionários</strong> surgiram com a<br />
dupla finalidade de ser um meio de aprendizag<strong>em</strong> das línguas e um meio de<br />
descrição e normatização das mesmas. A história da lexicografia portuguesa mostra<br />
a alternância da finalidade <strong>do</strong> dicionário conforme a natureza plurilíngue, bilíngue<br />
ou monolíngue. Nessas <strong>três</strong> práticas lexicográficas, verifica-se o tratamento<br />
metalinguístico que torna a língua um objeto de análise. Enquanto os <strong>dicionários</strong><br />
plurilingues e bilíngues impõ<strong>em</strong> uma prática comparativa, estabelecen<strong>do</strong><br />
equivalência lexical entre duas ou mais línguas e apresentan<strong>do</strong> o léxico de uma<br />
língua como suporte para o conhecimento de seu correlato <strong>em</strong> outra língua, os<br />
<strong>dicionários</strong> monolíngues resultam da prática descritiva de uma língua autônoma que<br />
t<strong>em</strong> literatura, gramática e léxico reconheci<strong>do</strong>s pela comunidade erudita. Assim, o<br />
dicionário monolíngue, recolhe o termo lexical da literatura, classifica-o<br />
gramaticalmente, explica seu significa<strong>do</strong> e indica a referência <strong>do</strong> uso.<br />
Quanto à microestrutura, dadas as dimensões <strong>do</strong> presente trabalho, optou-se<br />
por limitar a análise ao exame <strong>do</strong>s verbetes inicia<strong>do</strong>s pela letra U. Restringir a<br />
análise a um conjunto de verbetes inicia<strong>do</strong>s por uma letra t<strong>em</strong> a vantag<strong>em</strong> de<br />
recobrir qualquer <strong>do</strong>mínio t<strong>em</strong>ático (GARCIA, 2007; NUNES, 2003). A escolha da<br />
letra U deve-se a <strong>do</strong>is motivos: o primeiro é por flagrar o momento <strong>em</strong> que essa<br />
letra passa a ser descrita separadamente da consoante V; o segun<strong>do</strong> motivo é<br />
poder acrescentar os verbetes de Silva Pinto e La Fayette à colossal compilação<br />
feita por Messner (2002). A comparação <strong>do</strong>s verbetes inicia<strong>do</strong>s pela letra U objetiva<br />
responder as seguintes perguntas: Que critérios norteiam a escolha <strong>do</strong> termo de<br />
entrada <strong>do</strong> verbete? Que informações compõ<strong>em</strong> cada verbete? Que informações<br />
são mantidas ou alteradas e omitidas ou acrescentadas <strong>em</strong> relação aos <strong>dicionários</strong><br />
antecessores? Como são trata<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s r<strong>em</strong>issivos?<br />
1 Moraes Silva<br />
Em 1789, a oficina de Simão Tadeu Ferreira (Lisboa) publicou <strong>em</strong> <strong>do</strong>is tomos<br />
o Diccionario da Lingua Portuguesa de autoria <strong>do</strong> brasileiro Antônio de Moraes Silva<br />
(1755-1824). Para Verdelho (2002, p.26), essa primeira edição apresenta-se como<br />
uma reedição atualizada e reduzida <strong>do</strong> Vocabulario Portuguez e Latino de Rafael<br />
Bluteau (1638-1734) sen<strong>do</strong> apenas a segunda edição de plena autoria de Moraes<br />
Silva, apesar de ser, desde a primeira edição, uma obra bastante diferente da<br />
antecessora. A segunda edição, também publicada <strong>em</strong> <strong>do</strong>is tomos, data de 1813 e<br />
veio a lume pela Typographia Lacerdina (Lisboa). Silva (1859, p. 209-210, t.1)<br />
referenda outras edições desse dicionário, mas alerta que, a partir da terceira<br />
edição, o texto já não é mais de Moraes Silva, pois sofreu profundas alterações<br />
pelos colabora<strong>do</strong>res que dirigiram as outras edições desse dicionário.<br />
1.1 A referência a Bluteau no título da edição de 1789<br />
A referência ao nome de Bluteau no subtítulo da primeira edição <strong>do</strong> dicionário<br />
de Moraes Silva mostra a importância da dimensão contextual, impon<strong>do</strong> certa<br />
continuidade com uma tradição que, na época, tinha o reconhecimento da<br />
comunidade científica.<br />
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Fig.1. Página de rosto <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is tomos da 1ª edição <strong>do</strong> dicionário de Moraes Silva<br />
A obra de Bluteau a que Moraes Silva se refere veio a público <strong>em</strong> oito<br />
volumes entre 1712 e 1721, sen<strong>do</strong> os quatro primeiros volumes publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
Coimbra pelo Colégio das Artes da Companhia de Jesus (1712: v.1 [A], v.2 [B-C] /<br />
1713: [D-E], v.4 [F-IJ]) e os quatro seguintes <strong>em</strong> Lisboa por Paschoal da Silva<br />
(1716: v.5 [K-N] / 1720: v.6 [O-P], v.7 [Q-S] / 1721: v.8 [T-Z]). Toda coleção<br />
apresenta o título: Vocabulario Portuguez e Latino, Aulico, Anatomico,<br />
Architectonico, Bellico, Botanico, Brasilico, Comico, Critico, Chimico, Dogmatico,<br />
Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Economica, Florifero, Forense, Fructifero,<br />
Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymio, Hierologico,<br />
Icthyologico, Indico, Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico,<br />
Meterologico, Nautico, Numerico, Orthographico, Optico, Ornithologico, Poetico,<br />
Philologico, Pharmaceutico, Quiddidativo, Quantitativo, Rhetorico, Rustico, Romano,<br />
Symboloco, Synonimico, Syllabico, Theologico, Terapeutico, Technologico,<br />
Uranologico, Xenophonico, Zoologico, auctorisa<strong>do</strong> com ex<strong>em</strong>plos <strong>do</strong>s melhores<br />
escriptores portuguezes e latinos, e offereci<strong>do</strong> a el-rey de Portugal D. João V. Em<br />
1727 e 1728, foram publica<strong>do</strong>s mais <strong>do</strong>is supl<strong>em</strong>entos desse dicionário, o primeiro<br />
pela oficina de José Antonio da Sylva (Lisboa) o segun<strong>do</strong> pela Officina de Musica de<br />
Lisboa.<br />
O Vocabulario de Bluteau, mesmo sen<strong>do</strong> de valor incontestável, foi duramente<br />
critica<strong>do</strong> por Luís Antonio Verney (1713-1792), no Verdadeiro Meto<strong>do</strong> de Estudar,<br />
para Ser Util à Republica, e à Igreja: Proporciona<strong>do</strong> ao Estilo, e Necessidade de<br />
Portugal (1746, p. 55-58, t.1), o méto<strong>do</strong> vereneiano teve grande influência na<br />
Reforma <strong>do</strong>s Estu<strong>do</strong>s realizada <strong>em</strong> Portugal no <strong>século</strong> XVIII. As críticas de Verney<br />
ao dicionário de Bluteau incid<strong>em</strong> sobre o tamanho e sobre a falta de méto<strong>do</strong>.<br />
Quanto ao tamanho, Verney sugere a utilização de caractéres menores, a redução<br />
das explicações, a restrição a um único ex<strong>em</strong>plo e a eliminação das citações latinas.<br />
Quanto ao méto<strong>do</strong>, Verney condenou principalmente a falta de critério para<br />
selecionar os vocábulos de entrada <strong>do</strong>s verbetes, misturan<strong>do</strong> palavras plebeias,<br />
antigas e latinas.<br />
Contu<strong>do</strong>, deveria o P. Bluteau, nam abrasar senam os autores, que faláram melhor.<br />
v.g. desde o fim <strong>do</strong>-seculo pasa<strong>do</strong> para cá: ou encurtar mais o t<strong>em</strong>po. E ainda neses,<br />
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que talvez nam seram iguais <strong>em</strong> tu<strong>do</strong>, escolher o que é mais racionavel: e nam tu<strong>do</strong> o<br />
que aportuguezáram alguns destes, preza<strong>do</strong>s de eruditos; que por forsa, quer<strong>em</strong><br />
introduzir, uma mixtura de Portuguez, com Latim. (VERNEY, 1746, p.57, t.1)<br />
A publicação <strong>do</strong> dicionário de Moraes Silva, no final <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII, v<strong>em</strong><br />
preencher essa lacuna denunciada por Verney.<br />
Do que recolhi das minhas leituras fui suprin<strong>do</strong> as faltas, e diminuições que nelle<br />
achava; e qu<strong>em</strong> tiver li<strong>do</strong> o Bluteau, e conferir com o seu este meu trabalho, achará<br />
que não foi pouco o que ajuntei; e mais podéra accrescentar, se as minhas<br />
circumstâncias me não levass<strong>em</strong> força<strong>do</strong> a outras applicações mais fructuosas.<br />
Todavia não venderei ao público por grande o serviço que lhe fiz, basta que conheça<br />
que lhe poupei a despeza de 10 volumes raros; que lhe <strong>do</strong>u o bom que nelles há,<br />
muito melhoran<strong>do</strong>, e por huma decima parte, ou pouco mais <strong>do</strong> seu custo, com a<br />
commodidade de não andar revolven<strong>do</strong> tantos tomos; e isto he alguma coisa, <strong>em</strong><br />
quanto não apparece outra melhor. (MORAES SILVA, 1789, p. viii, t.1)<br />
Ao examinar os verbetes inicia<strong>do</strong>s pela letra U, observa-se que Bluteau ainda<br />
a<strong>do</strong>ta a tradição latina de manter juntos os verbetes inicia<strong>do</strong>s por U e V.<br />
No idioma Latino às vezes o U vogal passa a ser consoante, como Nauta, Navita, de<br />
Gaudeo, Gauvisus; outras vezes perde a sua força, quan<strong>do</strong> se segue a Q ou G como<br />
Aliquis, Sanguis.[...] V, Em quanto letra Portugueza. No Portuguez, como no Latim<br />
differençamos o u, quan<strong>do</strong> he consoante, de quan<strong>do</strong> he vogal desta maneira V, ao<br />
menos no principio das diçoens; porque no meyo dellas usão <strong>do</strong> u indistintamente,<br />
quer seja vogal, quer consoante. (BLUTEAU, 1721, p.341. t.8)<br />
Diferent<strong>em</strong>ente <strong>do</strong> antecessor, Moraes Silva considera U e V duas letras<br />
diferentes e separa os verbetes inicia<strong>do</strong>s por uma letra <strong>do</strong>s da outra. Ao comparar<br />
as entradas começadas por U, percebe-se que Moraes Silva omitiu 44 verbetes de<br />
Bluteau. Os verbetes omiti<strong>do</strong>s são: nomes de localidades geográficas (Ucrania,<br />
Ulma, Ulme, Ulterior, Ultonia, Ultzen, Ulyssea, Umbriâtico, Umegiunaíba, Ungria,<br />
Unguio, Uplandia, Upsal, Ur, Urbîno, Urenha, Urgel, Uri, Utica, Utrecht, Uzarca,<br />
Uzês); nomes de povos (Umbros, Ungaro, Usbêques, Uticense); palavras<br />
estrangeiras (undecimviros, universaes, urim & thummim, utero); nomes de<br />
hereges (ubiquitârios) e religiosas (Urbanas, Ursulinas); nomes da anatomia<br />
humana (Ulna, Vasos Ureteres, Via Urinârea); nomes da botânica (Ulmaria,<br />
Urchilia); nome de vinho (Urâca); título de obra (Utopia); e palavras diversas como<br />
(ufalalâ, unhão, unta<strong>do</strong>r, ultimadamente). Por outro la<strong>do</strong>, observa-se o acréscimo<br />
de 29 verbetes que não constam no antecessor: os substantivos (uberdade,<br />
ultraja<strong>do</strong>r, urco, urdi<strong>do</strong>r, urdume, urga, uropigio, usag<strong>em</strong>, ussia); os adjetivos<br />
(u<strong>do</strong>, ultriz, undante, undisono, undivago, ungula<strong>do</strong>, univavel, urdimalas), os<br />
verbos (ugar, ulular, universalizar, urbanizar, urgir, usurar), os advérbios (unde,<br />
usurariamente); os particípios (ultraja<strong>do</strong>, urdi<strong>do</strong>); o superlativo (urgentissimo) e a<br />
contração <strong>do</strong> advérbio com o artigo (ulo, ula, ulos, ulas). Quantitativamente, os<br />
<strong>dicionários</strong> de Bluteau e de Moraes Silva não apresentam diferenças significativas<br />
no conjunto de vocábulos inicia<strong>do</strong>s por U, enquanto o primeiro t<strong>em</strong> 180 verbetes o<br />
segun<strong>do</strong> t<strong>em</strong> 165, sen<strong>do</strong> que 136 entradas são comuns aos <strong>do</strong>is <strong>dicionários</strong>.<br />
Apesar da coincidência numérica, os <strong>do</strong>is <strong>dicionários</strong> são muito diferentes,<br />
pois Moraes Silva muda a estrutura interna <strong>do</strong>s verbetes <strong>em</strong> função da mudança da<br />
finalidade da obra: se para Bluteau as explicações <strong>do</strong>s verbetes têm por fim chegar<br />
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ao termo correlato latino, para dicionarista brasileiro elas analisam o próprio termo<br />
<strong>em</strong> Português. A natureza das informações de Moraes Silva (189) são: gramatical<br />
ao indicar a classe de palavra a que o termo pertence, s<strong>em</strong>ântica ao esclarecer o<br />
significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo e abona<strong>do</strong>ra ao referenciar o uso <strong>do</strong> termo por autores<br />
reconheci<strong>do</strong>s na própria língua portuguesa. Segun<strong>do</strong> Morel Pinto (1988, p.74), o<br />
dicionário de Moraes Silva “foi o melhor dicionário até então publica<strong>do</strong>, pela<br />
segurança e rigor da elaboração <strong>do</strong>s verbetes e atualização <strong>do</strong>utrinária”.<br />
transcrição<br />
descrição <strong>do</strong> verbete<br />
Quadro 1: comparação <strong>do</strong> verbete ultramar entre Bluteau (1712) e Moraes Silva (1789)<br />
Bluteau (1721) Moraes Silva (1789)<br />
ULTRAMAR. Cousa de àl<strong>em</strong> <strong>do</strong> mar.<br />
Transmarinus, a, um. Caesar.<br />
Conselho d'Ultramar, ou Ultramarino. He<br />
hum Tribunal, <strong>em</strong> que està incluida toda a<br />
jurisdição das Conquistas da Coroa de<br />
Portugal, & assim provè to<strong>do</strong>s os postos,<br />
Bispa<strong>do</strong>s, & governos Ultramarinos, excepto o<br />
Vice-Rey da India. T<strong>em</strong> hum Presidente, seis<br />
Conselheyros, hum Secretario, <strong>do</strong>us Porteyros,<br />
&c. Foi institui<strong>do</strong> por el-Rey Dom João IV.<br />
Consilium Transmarinum, i Neut.<br />
ENTRADA <strong>do</strong> verbete <strong>em</strong> Português.<br />
Explicação s<strong>em</strong>ântica <strong>do</strong> termo português.<br />
Termo correlato <strong>em</strong> Latim com as marcas de<br />
declinação.<br />
Referência <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> termo latino.Segunda<br />
acepção <strong>do</strong> termo de entrada.<br />
Explicação s<strong>em</strong>ântica dessa acepção <strong>do</strong> termo<br />
de entrada<br />
Termo correlato <strong>em</strong> Latim com as marcas de<br />
declinação.<br />
ULTRAMAR, s. m. o ultramar, i. e. as Regiões<br />
d'al<strong>em</strong> mar, como as Ilhas, e mais Conquistas.<br />
§. Concelho <strong>do</strong> Ultramar, junta de Ministros com<br />
direcção de certos negocios <strong>do</strong>s Dominios<br />
d'Al<strong>em</strong>-mar desta Coroa, foi institui<strong>do</strong> por elRei<br />
D. J. 4. consta de Presidente, 6 Conselheiros,<br />
hum Secretario. §. Antigamente o Ultramar<br />
significava a terra santa, e assim a guerra <strong>do</strong><br />
ultramar, quer dizer a das Cruzadas. Barros<br />
Elogio 1. f. 321.<br />
ENTRADA<br />
Categoria e subcategoria gramaticais <strong>do</strong> termo<br />
de entrada<br />
Explicação s<strong>em</strong>ântica.<br />
Explicação s<strong>em</strong>ântica da segunda acepção <strong>do</strong><br />
termo de entrada<br />
Explicação s<strong>em</strong>ântica da terceira acepção <strong>do</strong><br />
termo de entrada.<br />
Referências <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> termo na terceira<br />
acepção.<br />
A grande diferença <strong>do</strong> dicionário de Moraes Silva com o de Bluteau é a<br />
autonomia dada à língua portuguesa. Essa é uma <strong>descontinuidade</strong> que afeta a<br />
dimensão teórica. A língua é formada por palavras que são sons articula<strong>do</strong>s que<br />
significam algum conceito e constitu<strong>em</strong> as unidades da sentença. A classe de<br />
palavra é a primeira informação <strong>do</strong> verbete, a segunda é o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo. e a<br />
terceira é a abonação <strong>do</strong> termo. As informações gramatical e s<strong>em</strong>ântica estão<br />
relacionadas e são usadas como critério para unir acepções diferentes <strong>em</strong> um<br />
mesmo termo para separá-las <strong>em</strong> mais de um verbete.<br />
Quadro 2: comparação <strong>do</strong> verbete uniforme entre Bluteau (1712) e Moraes Silva (1789)<br />
Bluteau (1721) Moraes Silva (1789)<br />
UNIFORME. O que t<strong>em</strong> todas as partes unidas na mesma fórma.<br />
Cousa por to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s, & por todas as maneiras igual, &<br />
s<strong>em</strong>elhante a si mesma. Quod est unius modi; às vezes poderàs usar<br />
<strong>do</strong>s adjectivos Similis, ou consimilis, le. A vida de toda esta gente he<br />
uniforme. Uno ex<strong>em</strong>plo omnes vivunt. Plaut. Constituição de ar<br />
uniforme. Aequalis aeris t<strong>em</strong>pories. Plin. Discurso com estylo<br />
corrente, & uniforme. Genus orationis cum lenitate quadam aequabili<br />
profluens. Cic. Compor huma obra com estylo corrente, & uniforme.<br />
Tractu orationis levi, & aequabili opus aliquod perpolire. Cic. Com<br />
movimento certo, & uniforme. Motu quodam certo, & aequabili. Cic. -<br />
Homens amigos, & uniformes. Pares in amore, & aequales. Cic.<br />
Uniformes na opinião, na resolução, no parecer. Homines id<strong>em</strong><br />
sentientes, ou iisd<strong>em</strong> utentes consiliis. (Os irmãos uniformes cedèrão<br />
a Saturno. Fabula <strong>do</strong>s Planetas, pag. 3. vers.) (Tão uniforme seja <strong>em</strong><br />
V. A. esta s<strong>em</strong>elhança. Varella, Num. Vocal, 469.) As primeiras<br />
rasoens se persuadirão Uniformes contra elle se conspirão. Malaca<br />
Conquist. liv. 1. oyt. 61.<br />
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UNIFORME, s. m. o uniforme<br />
<strong>do</strong> regimento he a libré, ou<br />
vesti<strong>do</strong>s, e insignias peculiares<br />
delle.<br />
UNIFORME, adj. de huma só<br />
fórma; não vario, cujas partes<br />
t<strong>em</strong> a mesma feição, còr, &c.<br />
§. Não varia<strong>do</strong> v. g. "estilo - §.<br />
Conforme v. g. "uniforme na<br />
opinão, resolução, vontade. M.<br />
Conq. 1. 61. §. O movimento<br />
uniforme de <strong>do</strong>is corpos, que<br />
<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos iguaes corr<strong>em</strong><br />
espaços iguaes, <strong>do</strong> corpo que<br />
<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos iguaes corre<br />
s<strong>em</strong>pre outros tantos espaços<br />
iguaes.<br />
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No que se refere à r<strong>em</strong>issividade, Moraes Silva (1789) manteve a forma<br />
tradicional de r<strong>em</strong>eter a outro verbete: “UMBREIRA, v. ombreira.” Formas<br />
concorrentes foram recriminadas como <strong>em</strong> “UCHÃO, s. m. (e não eixão)<br />
despenseiro, caixeiro. Leão, e Chron. J. 2. de Resende c. 185.” ou aceitas como <strong>em</strong><br />
“Umbigo, por Embigo” ou “Unde, por Onde.”<br />
1.2 A edição de 1813<br />
A partir da edição de 1813, o dicionário de Moraes Silva não referenda mais o<br />
Vocabulario de Bluteau.<br />
Fig.2. Página de rosto <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is tomos da 2ª edição <strong>do</strong> dicionário de Moraes Silva<br />
Quanto à macroestrutura, Moraes Silva acrescentou no início da segunda<br />
edição o Epitome da Grammatica Portugueza. Tal inserção, ao invés de assinalar<br />
uma <strong>descontinuidade</strong> com a edição de 1789, reforça a autonomia da língua <strong>em</strong><br />
duas práticas linguísticas compl<strong>em</strong>entares: gramática e léxico. É preciso l<strong>em</strong>brar<br />
que desde a primeira edição o critério gramatical serve de parâmetro na<br />
constituição <strong>do</strong>s verbetes. A exposição da gramática na parte introdutória <strong>do</strong><br />
dicionário reforça a autonomia da língua portuguesa e explica, por ex<strong>em</strong>plo, a razão<br />
<strong>do</strong>s particípios ser<strong>em</strong> entradas de verbetes.<br />
T<strong>em</strong>os mais palavras derivadas <strong>do</strong>s verbos, terminadas <strong>em</strong> a<strong>do</strong>, i<strong>do</strong>, que se tomão<br />
adjectivamente, e significão o attributo <strong>do</strong> verbo passivamente, completo, e acaba<strong>do</strong>:<br />
v.g. o livro está li<strong>do</strong>, a casa caîda, paramentada. Então se diz<strong>em</strong> participios <strong>do</strong><br />
preterito ou passa<strong>do</strong>. (MORAES SILVA, 1813, xvii, t.1)<br />
Moraes Silva apresenta explicitamente a relação de continuidade entre as<br />
edições de 1789 e 1813.<br />
Segunda vez te offereço o Diccionario da Lingua Portuguza, e porque não vá s<strong>em</strong><br />
alguma conhecença <strong>do</strong> indulgente acolhimento, que da primeira lhe fizeste, trabalhei<br />
quanto me foi possivel por alimpá-lo <strong>do</strong>s erros, com que saiu naquella Edição, e por<br />
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ampliá-lo <strong>em</strong> Artigos, e novos entendimentos <strong>do</strong>s vocabulos e frases. (MORAES SILVA,<br />
1813, vii, t.1)<br />
As poucas alterações da segunda edição resultam de uma cuida<strong>do</strong>sa revisão<br />
da obra. Na segunda edição, Moraes Silva acrescentou os seguintes verbetes<br />
inicia<strong>do</strong>s por U: <strong>três</strong> substantivos (undação, upos e urupèma); quatro adjetivos<br />
(ulteriòr, unànime, usável e utiles); quatro particípios (unhá<strong>do</strong>, urbanizá<strong>do</strong>, usante<br />
e utilizá<strong>do</strong>); um verbo (usucapir); e duas formas antigas (uum e uxi).<br />
Além <strong>do</strong>s acréscimos, foram feitas duas correções: uma na ord<strong>em</strong> sequencial<br />
<strong>do</strong>s verbetes (unànime antes de unanimidáde e usufructo antes de usufructuária e<br />
usufructuário) e outra na grafia da entrada univalve que fora escrita com letra <strong>em</strong><br />
posição trocada na primeira edição.<br />
Na comparação das duas edições, não foi observada nenhuma omissão quer<br />
de verbete inicia<strong>do</strong> por U quer de informação no interior <strong>do</strong> verbete. As alterações<br />
são pequenos acréscimos nos ex<strong>em</strong>plos (quadro 3), nas notas de referência<br />
(quadro 4) e nas informações explicativas (quadro 5).<br />
Quadro 3: acréscimo de ex<strong>em</strong>plo feito <strong>em</strong> verbete<br />
Moraes Silva (1789) Moraes Silva (1813)<br />
Ultima<strong>do</strong>, part. pass. de ultimar. §. fim. -, He<br />
o que ultimamente se propõe aos nossos<br />
dezejos. §. Absolutamente termina<strong>do</strong>, e<br />
conclui<strong>do</strong>. v. g. "negocio.<br />
Ultima<strong>do</strong>, p. pass. de Ultimar. §. Fim ultima<strong>do</strong>, he o<br />
que ultimamente se propõe aos nossos dezejos. §.<br />
Absolutamente termina<strong>do</strong>, e conclui<strong>do</strong>; v. g. negocio<br />
ultima<strong>do</strong>; negociação, paz ultimada.<br />
Quadro 4: acréscimo de informação de referência feita <strong>em</strong> verbete<br />
Moraes Silva (1789) Moraes Silva (1813)<br />
Ultimar, v. at. acabar, concluir de to<strong>do</strong>, findar,<br />
r<strong>em</strong>atar. D. Fr. Manuel.<br />
Ultimar, v. at. Acabar, concluir de to<strong>do</strong>, findar,<br />
r<strong>em</strong>atar. D. Fr. Manuel, Cart. fam. 67.<br />
Quadro 5: acréscimo de informação explicativa feita <strong>em</strong> verbete<br />
Moraes Silva (1789) Moraes Silva (1813)<br />
UM, adj. artic. masc. (uma, f<strong>em</strong>.) que limita o<br />
nome a que se ajunta indican<strong>do</strong> individuo<br />
unico da especie, mas incerto v. g. "um<br />
hom<strong>em</strong>, um boi, um João Pereira. §. Ajuntarse<br />
<strong>em</strong> um, i. e. <strong>em</strong> hum lugar. Flos Sant. p.<br />
XCII. v. §. Identico v. g. "a minha vida era<br />
uma com a sua" Arraes 1. 4. "sen<strong>do</strong> os<br />
homens de leis, e linguagens quasi todas<br />
umas" Galvão Descobr. §. O mesmo v. g. "de<br />
um louvor quereis pagar o bom, e o máo<br />
escrito" Ferreira L. 1. Carta 8. §. Algu<strong>em</strong> v. g.<br />
"por mais que resplandeça um <strong>em</strong> virtudes"<br />
Arraes 3.2.<br />
UM, adj. artic. masc. (uma, ou úa, f<strong>em</strong>.) que limita o<br />
nome a que se ajunta indican<strong>do</strong> individuo unico da<br />
especie, mas incerto; v. g. um hom<strong>em</strong>; um boi; um<br />
João Pereira: quan<strong>do</strong> diz<strong>em</strong>os assim um João Pereira<br />
denotamos pessoa ignobil, pouco conhecida, e<br />
distincta. V. Leitão, Miscellan. Dial. 18. p. 549.<br />
"parece descortezia escrever um Fulano... porque<br />
aquelle um he fazer o outro muito baixo, e vil." §.<br />
Ajuntar-se <strong>em</strong> um; i. é, <strong>em</strong> hum lugar. Flos Sanct. p.<br />
XCII. v. §. Identico; v. g. a minha vida era uma com<br />
a sua. Arraes, 1. 4. "sen<strong>do</strong> os homens de leis, e<br />
linguagens quasi todas umas." Galvão, Descobr. §. O<br />
mesmo; v. g. "de um louvor quereis pagar o bom, e o<br />
máo escrito." Ferr. L. 1. Carta, 8. "hum te deixa<br />
Dez<strong>em</strong>bro, hum te acha Agosto." (o mesmo,<br />
invariavel no caracter.) id<strong>em</strong> Cart. 9. L. 2. §. Algu<strong>em</strong>;<br />
v. g. por mais que resplandeça um <strong>em</strong> virtudes.<br />
Arraes, 3. 2. Commumente escrev<strong>em</strong> este adj. com h,<br />
hum, huma, s<strong>em</strong> que o peça a Etimologia pois se<br />
deriva <strong>do</strong> Latim unus, e menos a pronuncia, porque<br />
sen<strong>do</strong> o h sinal de aspiração, nós não aspiramos<br />
nenhuma vogal senão é ah, interjeição, que devèra<br />
escrever-se ha! porque a aspiração precede a vogal.<br />
De um se derivão unidade, unanime, unico, unissimo,<br />
união, uniforme, e muitos outros que se escrev<strong>em</strong><br />
com h, e mostran<strong>do</strong> a orig<strong>em</strong> de um, dão mais facil<br />
ideya <strong>do</strong> seu senti<strong>do</strong>. / Uum. V. Um. Elucidar. Art.<br />
Cerome.<br />
3080<br />
Curitiba 2011<br />
Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
Outra diferença relevante é a marcação da vogal tônica com acento gráfico no<br />
termo de entrada na segunda edição.<br />
Quadro 6: verbete capitania <strong>em</strong> Moraes Silva (1789 e 1813) e no Novo Diccionario (1806)<br />
Moraes Silva (1789) Moraes Silva (1813)<br />
CAPITANIA, s.f. officio, e dignidade, posto de<br />
Capitão. § Destricto <strong>do</strong>s <strong>em</strong> que se dividirão<br />
a principio as terras das Ilhas, e Conquistas<br />
v.g. “a Capitania de São Vicente, etc.<br />
CAPITANIA, s.f. a náo, <strong>em</strong> que vai o general<br />
da armada, ou o Xefe de maior patente,<br />
que commanda a frota. Goes<br />
CAPITANÍA, s.f. Officio, e dignidade, posto de<br />
Capitão. § Destricto <strong>do</strong>s <strong>em</strong> que se dividírão a<br />
principio as terras das Ilhas, e Conquistas: v.g. a<br />
Capitania de São Vicente, etc. § fig. O comman<strong>do</strong><br />
de alguma facção. A capitanía da qual sabida deu<br />
ao alcaide mór da fortaleza. B.2.I.5.<br />
CAPITÀNIA, s.f. A nao, <strong>em</strong> que vai o General da<br />
armada, ou o Chefe de mayor patente, que<br />
commanda a frota. Goes<br />
O critério ortográfico, desde a primeira edição, foi a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para separar<br />
termos homófonos <strong>em</strong> verbetes diferentes. Assim, há um verbete para umbrál e<br />
outro para umbráo. Murakawa (2006, p.64) comenta a riqueza de informações<br />
linguísticas fornecidas por Moraes Silva nas explicações sobre a ortografia,<br />
pronúncia, etimologia e <strong>em</strong>prego gramatical da palavra-entrada. Também comenta<br />
a inserção de homônimos <strong>em</strong> entradas diferentes, ten<strong>do</strong> por critério a classificação<br />
gramatical, a homofonia e a homografia.<br />
Embora a Crítica Textual tenha estabeleci<strong>do</strong> o texto da edição de 1813 como<br />
o mais autoriza<strong>do</strong>, por ser a última edição revista pelo autor, para Historiografia<br />
Linguística a edição de 1789 é mais relevante que a segunda, pois flagra o<br />
momento de ruptura com a tradição de Bluteau, deven<strong>do</strong> ser essa primeira edição<br />
o marco inaugural da dicionarística moderna.<br />
2 Silva Pinto<br />
Fig.3. Página de rosto <strong>do</strong> dicionário de Silva Pinto<br />
O Diccionario da Lingua Brasileira foi impresso no Brasil <strong>em</strong> 1832 por Silva<br />
Pinto a qu<strong>em</strong> também se atribui a autoria. A Tipografia Silva, além desse dicionário,<br />
3081<br />
Curitiba 2011<br />
Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
publicou uma coleção das Leis <strong>do</strong> Imperio <strong>do</strong> Brasil (1833). Essas publicações, que<br />
eram bastante onerosas, indicam o aumento de interesse pela modalidade escrita<br />
na Província de Minas Gerais que, devi<strong>do</strong> à riqueza, passa a ser centro cultural.<br />
Ainda que muitas dessas tipografias só se ocupass<strong>em</strong> da impressão de jornais, uma<br />
quantidade moderada de livros foi, s<strong>em</strong> qualquer dúvida, publicada na província de<br />
Minas, então a mais populosa <strong>do</strong> Brasil. (HALLEWELL, 2005, p.129)<br />
A denominação “língua brasileira” referin<strong>do</strong>-se ao português <strong>do</strong> Brasil revela<br />
uma <strong>descontinuidade</strong> com o costume da época de associar este epíteto às línguas<br />
indígenas. A alteração <strong>do</strong> nome da língua interfere na dimensão contextual e<br />
registra a formação da identidade brasileira que entende a língua como símbolo<br />
nacional.<br />
Como atribuir ao dicionário o título de língua portuguesa se o português era o maroto,<br />
pé de chumbo, absolutista, inimigo com qu<strong>em</strong> se disputavam cargos públicos e<br />
decisões sobre o rumo da política? A nacionalidade, forjada de forma bastante<br />
particular, era entendida como inseparável da cidadania e das lutas políticas. Mais <strong>do</strong><br />
que um movimento antilusitano, a cultura política da época esteve marcada por um<br />
jogo entre identidades construídas, que deu lugar a um anima<strong>do</strong> debate sobre as<br />
identidades raciais e de cor. (LIMA, 2006, p. 36)<br />
Porém, o ufanismo expresso no título t<strong>em</strong> pouco alcance na obra. No prólogo,<br />
o autor justifica essa publicação pela escassez de <strong>dicionários</strong> <strong>do</strong> “nosso idioma”,<br />
apesar de reconhecer a existência de edições <strong>do</strong> Moraes Silva e publicações de<br />
outros lexicógrafos.<br />
Com tu<strong>do</strong> a reserva de quase to<strong>do</strong>s para se prestar<strong>em</strong> quan<strong>do</strong> recebess<strong>em</strong> os<br />
ex<strong>em</strong>plares, me servio de desperta<strong>do</strong>r sobre as fallibilidades que occorrerião ate<br />
compl<strong>em</strong>ento da Obra; e de que por esta maneira seria mui tenue o pr<strong>em</strong>io pecuniario<br />
d’um trabalho, tanto mais arduo, e longo quan<strong>do</strong> cumpria consultar to<strong>do</strong>s os<br />
Vocabularios áo alcance, para com effeito dar o da Lingua Brasileira; isto é,<br />
comprehensivo das palavras, e frazes entre nós geralmente a<strong>do</strong>ptadas, e não somente<br />
d’aquellas que profer<strong>em</strong> os Indios, como se presumira.<br />
Nestas circunstancias restringi o meu Plano, levan<strong>do</strong> ao prelo o presente Diccionario<br />
portátil, que modificará a penúria occurrente, e servirá de base a outra edição mais<br />
ampla, e regular, se este esforço patriótico merecer acolhimento, e os Srs amantes da<br />
Litteratura Nacional se dignar<strong>em</strong> enviar quaesquer Notas sobre os vocabulos omissos,<br />
e definições inexactas, ao Editor no Ouro Preto.<br />
Ao analisar os verbetes inicia<strong>do</strong>s por U <strong>em</strong> Silva Pinto (1832), nota-se que<br />
são os mesmos que estão no Novo Diccionario da Lingua Portugueza publica<strong>do</strong><br />
anonimamente <strong>em</strong> 1806 (Lisboa: Rollandiana). Inclusive, foi copiada a marcação<br />
com asterisco antes de termo antigo e foi mantida a mesma tipologia com a<br />
respectiva abreviatura e explicação para indicar a procedência <strong>do</strong> termo<br />
(Anatomico, de Archictetura, Geometrico, Medico, Militar, de Artilheria, de<br />
Fortificação, Forense, Familiar, Juridico, Methaphisico, Mythologico, Nautico, de<br />
Pintura, Plebeo, Vulgar e Baixo), sen<strong>do</strong> mínimas as diferenças quer de impressão,<br />
quer de redação.<br />
No que concerne à diagramação, Silva Pinto manteve o mesmo recuo interno<br />
nos verbetes e o uso de minúsculas no termo de entrada. O tipo gráfico foi<br />
3082<br />
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Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
moderniza<strong>do</strong>, acarretan<strong>do</strong> a substituição <strong>do</strong> “s-longo” pelo “s” e <strong>do</strong> “c-longo” antes<br />
de “t” pelo “c”.<br />
Quadro 7: atualização gráfica <strong>do</strong> Novo Diccionario (1806) para Silva Pinto (1832)<br />
Novo Diccionario (1806) Diccionario da Lingua Brasileira (1832)<br />
Quanto à grafia <strong>do</strong>s verbetes, foram mantidas as mesmas letras, porém<br />
variaram os acentos gráficos e o uso de hífen.<br />
Quadro 8: diferenças ortográficas <strong>do</strong> Novo Diccionario (1806) para Silva Pinto (1832)<br />
Novo Diccionario (1806) Diccionario da Lingua Brasileira (1832)<br />
Quanto ao texto <strong>do</strong>s verbetes inicia<strong>do</strong>s por U, a comparação <strong>do</strong> Novo<br />
Diccionario (1806) com o Diccionario da Lingua Brasileira (1832) flagra apenas um<br />
acréscimo na redação <strong>do</strong> verbete Ucharia.<br />
Quadro 9: verbete ucharia no Novo Diccionario (1806) e <strong>em</strong> Silva Pinto (1832)<br />
Novo Diccionario (1806) Diccionario da Lingua Brasileira (1832)<br />
Ucharia, s.f. Casa, onde se guardaõ as viandas. Hoje<br />
quan<strong>do</strong> diz<strong>em</strong>os Ucharia, entende-se a d’El Rei.<br />
Ucharia, s.f. Casa, onde se guardão as viandas. Hoje<br />
quan<strong>do</strong> diz<strong>em</strong>os Ucharia, entende-se a da Casa<br />
Imperial.<br />
A fim de encontrar mais diferenças entre esses <strong>do</strong>is <strong>dicionários</strong>, foi feita uma<br />
breve colação e registraram-se nos vocábulos de entrada inicia<strong>do</strong>s por A um<br />
aumento no número de verbetes, porém nas d<strong>em</strong>ais letras não se apresentou esse<br />
acréscimo, notan<strong>do</strong>-se apenas alterações no interior <strong>do</strong> verbete decorrentes de<br />
mudanças contextuais.<br />
Quadro 10: diferenças entre o Novo Diccionario (1806) e Silva Pinto (1832)<br />
Novo Diccionario (1806) Diccionario da Lingua Brasileira (1832)<br />
Aba, s.f. A extr<strong>em</strong>idade <strong>do</strong> vesti<strong>do</strong>. A<br />
extr<strong>em</strong>idade <strong>em</strong> torno <strong>do</strong> chapeo. Fasquia de<br />
madeira, que garnece o tecto da casa <strong>em</strong><br />
re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>. Fig. Beira, praia. No plural (T.<br />
naut.) os la<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s machos, e f<strong>em</strong>eas, <strong>em</strong><br />
que gira o l<strong>em</strong>e, e que estaõ prega<strong>do</strong>s no<br />
navio, e no l<strong>em</strong>e.<br />
Aba, s.f. A extr<strong>em</strong>idade <strong>do</strong> vesti<strong>do</strong> que lhe serve<br />
como fralda. Abas de chapeo são as extr<strong>em</strong>idades<br />
horisontaes que cercão a copa, - de Meza são as<br />
peças, que andão presas por machaf<strong>em</strong>eas à<br />
taboa <strong>do</strong> meio e que conservão jà pendentes, já<br />
horisontaes quan<strong>do</strong> se quer dar maior capacidade<br />
ao plano da meza. Os arre<strong>do</strong>res, pertos. Fasquia<br />
de madeira, que garnece o tecto da casa <strong>em</strong><br />
re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>. Fig. Beira, praia, fralda. No plural (T.<br />
naut. ) os la<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s machos, e f<strong>em</strong>eas, <strong>em</strong> que<br />
gira o l<strong>em</strong>e, e que estão prega<strong>do</strong>s no navio, e no<br />
l<strong>em</strong>e.<br />
[não há o verbete] Abafa<strong>do</strong>r, s.m. Huma peça que se usa nos cravos, e<br />
pianos fortes, para abafar as vozes ou impedir a<br />
vibração por muito t<strong>em</strong>po, e ser<strong>em</strong> os sons mais<br />
distinctos.<br />
Impera<strong>do</strong>r, s.m. Entre os Romanos, General <strong>do</strong><br />
exercito. Present<strong>em</strong>ente Soberano.<br />
Impera<strong>do</strong>r, s.m. Entre os Romanos, General <strong>do</strong><br />
Exercito. Na Europa Soberano. No Brasil Chefe<br />
Supr<strong>em</strong>o da Nação, e seu Primeiro Representante.<br />
3083<br />
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Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
Vale ainda comentar que o verbete abafa<strong>do</strong>r, não se encontra n<strong>em</strong> no Novo<br />
Diccionario (1806) n<strong>em</strong> na primeira edição de Moraes Silva, mas foi acrescenta<strong>do</strong><br />
na segunda edição de 1813 e aparece tal qual <strong>em</strong> Silva Pinto (1832). Essa<br />
reprodução é um indica<strong>do</strong>r de que, além <strong>do</strong> Novo Diccionario (1806), o tipógrafo<br />
mineiro consultou também a segunda edição de Moraes Silva, que certamente foi<br />
influenciada, nos verbetes inicia<strong>do</strong>s por A, pelo Diccionario da Lingoa Partugueza<br />
(1793) da Acad<strong>em</strong>ia das Ciências de Lisboa.<br />
Nos verbetes inicia<strong>do</strong>s por U, a reprodução <strong>do</strong> Novo Diccionario (1806) <strong>em</strong><br />
Silva Pinto (1832) é tão fiel que manteve a mesma indicação equivocada <strong>do</strong> gênero<br />
masculino para o substantivo união: “União, s. m. Ajuntamento de partes n'hum<br />
to<strong>do</strong>. Ajuntamento <strong>em</strong> corpo, <strong>em</strong> ban<strong>do</strong>s. Uniformidade.”<br />
Quanto à estrutura interna <strong>do</strong>s verbetes, o Novo Diccionario (1806) e Silva<br />
Pinto (1832), apresentam <strong>três</strong> inclusões nos apontamentos gramaticais que não se<br />
encontram <strong>em</strong> Moraes Silva (1789 e 1813):<br />
(1) indicação da forma plural de palavras terminadas <strong>em</strong> –ão: “Ubicação, s. f.<br />
-ões no pl. Acção de reoccupar algum lugar. Usa<strong>do</strong> nas escolas.”<br />
(2) indicação da conjugação verbal: “Urtigar, v. a. -guei. Açoutar com<br />
urtigas.”<br />
(3) indicação prosódica da vogal (longa/breve) na sílaba (última/penúltima):<br />
“Umbu, s. m. ult. l. Planta <strong>do</strong> Brasil, que dà fructo.” , “Undecagono, adj. m.<br />
pen. br. Na Geometria, de onze la<strong>do</strong>s.”.<br />
É possível que as indicações prosódicas anotadas no Novo Diccionario (1806)<br />
tenham influencia<strong>do</strong> Moraes Silva (1813) a incluir acentos gráficos nas entradas<br />
<strong>do</strong>s verbetes, que não constavam na edição de 1789.<br />
3 La Fayette<br />
Fig.4. Página de rosto <strong>do</strong> dicionário de La Fayette<br />
O Novo Vocabulario Universal da Lingua Portugueza de Castro de La Fayette,<br />
publica<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1889 pela Garnier (Rio de Janeiro/Paris), ao invés de retomar a<br />
tradição enciclopédica de Bluteau, como o título sugere, dá continuidade aos<br />
3084<br />
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Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
trabalhos de Moraes Silva e Silva Pinto, s<strong>em</strong> apresentar muitas divergências na<br />
dimensão teórica. No prólogo, o autor explica que a qualificação “universal” <strong>do</strong><br />
vocabulário refere-se aos acréscimos de muitos termos de história, biografia,<br />
geografia e mitologia introduzi<strong>do</strong>s na língua e não ao tratamento enciclopédico<br />
requeri<strong>do</strong> por essas matérias.<br />
Não é pois encyclopedica, um cérebro só não pode englobar a universalidade <strong>do</strong>s<br />
conhecimentos humanos, a sentença: Non omnes possumos omnia assim o diz; para<br />
to<strong>do</strong> aquele por<strong>em</strong>, que deseja conservar na m<strong>em</strong>ória um summario superficial <strong>do</strong> que<br />
se t<strong>em</strong> escripto, inventa<strong>do</strong> ou manipula<strong>do</strong> no vasto laboratorio <strong>do</strong> progresso humano,<br />
esse vocabulário é um bom auxiliar. (LA FAYETTE, 1889, p.iii)<br />
Ao comparar o número de entradas iniciadas por U, observa-se um<br />
significativo aumento: Moraes Silva (1813) apresenta 193 verbetes, Silva Pinto 175<br />
e La Fatette 355. Com esses números o terceiro dicionarista quase <strong>do</strong>bra a<br />
quantidade de verbetes. Tal acréscimo deve-se à mudança <strong>do</strong> corpus explora<strong>do</strong> e<br />
indica uma <strong>descontinuidade</strong> na dimensão <strong>do</strong>cumental.<br />
Como, por<strong>em</strong>, o fim immediato d’um diccionario é a interpretação das palavras<br />
actualmente e realmente usadas, tive o cuida<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> se me apresentava um termo<br />
archaico, de indicar que não era mais usa<strong>do</strong>. O progresso das sciencias e das artes, as<br />
mutações, as accepções introduzidas, por esse progresso mesmo, nas classificações<br />
scientificas, o impulso das ideias politicas e sociaes , e as causas mais diversas,<br />
produz<strong>em</strong> na linguag<strong>em</strong> transformações tã naturaes como as de to<strong>do</strong>organismo vivo.<br />
Por isso foi que recolhi muitas centenas de palavras e locuções novas cujo <strong>em</strong>prego<br />
pareceu-me sufficient<strong>em</strong>ente auctoriza<strong>do</strong>. (LA FAYETTE, 1889, p.i-ii)<br />
Quanto ao tamanho físico, o Vocabulario de La Fayette é um verdadeiro<br />
dicionário portátil com 14cm de altura e 1172 páginas reunidas <strong>em</strong> um tomo. Essas<br />
dimensões físicas são b<strong>em</strong> menores <strong>do</strong> que Silva Pinto (1832) com 21cm e cerca de<br />
1130 páginas e que Moraes Silva (1813) com 26cm de altura <strong>em</strong> <strong>do</strong>is tomos [t.1<br />
com 808 páginas, t.2 com 872 páginas]. A redução <strong>do</strong> tamanho condiz com as<br />
novas necessidades <strong>do</strong> público-alvo que precisa carregar o ex<strong>em</strong>plar para suas<br />
atividades acadêmicas ou profissionais.<br />
É um livro verdadeiramente portatil, impresso <strong>em</strong> typo mui pequeno e lisivel,<br />
encerran<strong>do</strong> matéria de 6 volumes. Conten<strong>do</strong> assumptos tão varia<strong>do</strong>s a sua utilidade é<br />
por isso mesmo incontestável e o seu uso torna-se indispensavel a to<strong>do</strong>s os que se<br />
dedicam às lettras, ao commercio, á industria, etc. É mui util ao professor, ao alumno,<br />
ao lavra<strong>do</strong>r e aos que desejam adquirir uma noção geral <strong>do</strong> movimento social<br />
intellectual, político, artístico e industrial. (LA FAYETTE, 1889, p.ii)<br />
Quanto à estrutura <strong>do</strong>s verbetes, La Fayette (1889)pouco difere de Silva Pinto<br />
(1832). O termo de entrada t<strong>em</strong> apenas a primeira letra <strong>em</strong> maiúscula e é segui<strong>do</strong><br />
pela informação gramatical e pela reduzida explicação s<strong>em</strong>ântica.<br />
La Fayette não considerou os particípios como classe de palavra e excluiu<br />
esses verbetes. Assim, não há o verbete Uni<strong>do</strong>, que <strong>em</strong> Moraes Silva (1789/1813)<br />
é particípio passa<strong>do</strong> de unir e <strong>em</strong> Silva Pinto (1813) é adjetivo particípio de unir.<br />
Outras inovações gramaticais de La Fayette foram: a indicação da flexão de gênero<br />
nos adjetivos, como <strong>em</strong> “Unguifero, a, adj. Que t<strong>em</strong> unhas.” e a classificação <strong>do</strong>s<br />
verbos <strong>em</strong> “transitivo” ou “intransitivo”, ao invés de “ativo”.<br />
3085<br />
Curitiba 2011<br />
Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
Uivar, v. intr. Dar uivos, ulular. (LA FAYETTE, 1889, p.1142)<br />
Ultimar, v.tr. Por fim ou termo; acabar, r<strong>em</strong>atar. (LA FAYETTE, 1889, p.1143)<br />
Termos homófonos com classes de palavras diferentes formam entradas<br />
diferentes de verbetes <strong>em</strong> La Fayette (1889, p.1145): “Uniforme, adj. Que t<strong>em</strong><br />
uma só forma, côr; não varia<strong>do</strong>; conforme, unanime.” e “Uniforme, s.m. Vesti<strong>do</strong>,<br />
farda.”<br />
Outra diferença <strong>do</strong> vocabulário de La Fayette é a minimização das r<strong>em</strong>issões,<br />
através da inserção de sinônimos.<br />
Untadela, ou Untadura, s.f. Acção ou effeito de untar; untura. (LA FAYETTE, 1889,<br />
p.1142)<br />
Untar, v.tr. Applicar unto. Fomentar com oleo, ungir; besuntar, peitar, subornar; dar<br />
gorgeta. (LA FAYETTE, 1889, p.1145)<br />
Unto, s.m. Banha, gordura de porco. (LA FAYETTE, 1889, p.1146)<br />
Untura, s.f. Acção ou effeito de untar; unguento; leve noção. (LA FAYETTE, 1889,<br />
p.1146)<br />
Considerações Finais<br />
Por fim, cabe dizer que esses <strong>três</strong> <strong>dicionários</strong> apresentaram um dinamismo<br />
histórico decorrente <strong>do</strong> jogo entre as relações de continuidade e <strong>descontinuidade</strong>. O<br />
grau de <strong>descontinuidade</strong> com a tradição variou conforme a abrangência da<br />
mudança. Dessa forma, Moraes Silva (1789) inaugurou uma nova tradição ao<br />
registrar <strong>descontinuidade</strong>s com Bluteau nas <strong>três</strong> dimensões: teórica, <strong>do</strong>cumental e<br />
contextual. Por outro la<strong>do</strong>, Silva Pinto (1832), que seguiu o dicionário anônimo de<br />
1806, reduziu a estrutura <strong>do</strong>s verbetes de Moraes Silva, omitin<strong>do</strong> as abonações.<br />
Apesar dessa <strong>descontinuidade</strong> ocorrer no âmbito teórico, não se pode dizer que<br />
houve uma ruptura com a tradição inaugurada por Moraes Silva. Quanto a La<br />
Fayette (1889), observa-se uma <strong>descontinuidade</strong> na dimensão <strong>do</strong>cumental e,<br />
mesmo sen<strong>do</strong> significativa, essa mudança que amplia o uso geral da língua às<br />
diferentes áreas <strong>do</strong> saber, não foi suficiente para romper com a tradição de Moraes<br />
Silva.<br />
A percepção que o dicionarista t<strong>em</strong> da repercussão de sua obra na<br />
comunidade é outro fator que deve ser considera<strong>do</strong> no relato <strong>do</strong> dinamismo<br />
histórico de uma tradição. T<strong>em</strong>erário da repercussão de seu dicionário, Moraes<br />
Silva referen<strong>do</strong>u Bluteau como autoridade para legitimar o seu trabalho e, uma vez<br />
reconheci<strong>do</strong> o valor de seu dicionário pela comunidade científica, Moraes Silva<br />
omitiu a referência ao antecessor. Numa época de crescente nacionalismo, Silva<br />
Pinto arriscou mudar o nome da língua de portuguesa para brasileira, talvez essa<br />
mudança tenha dificulta<strong>do</strong> a divulgação <strong>do</strong> dicionário, que se limitou a uma edição<br />
e só recent<strong>em</strong>ente foi inseri<strong>do</strong> na história <strong>do</strong>s <strong>dicionários</strong>. A consciência da<br />
repercussão <strong>do</strong> trabalho de La Fayette extrapolou o âmbito linguístico e aspectos<br />
físicos como o número de tomos e o tamanho da página passaram a valorar a obra.<br />
A editora Garnier, ciente <strong>do</strong>s novos usos da modalidade escrita, investiu <strong>em</strong> um<br />
dicionário portátil destina<strong>do</strong> a um novo público forma<strong>do</strong> por alunos e funcionários<br />
3086<br />
Curitiba 2011<br />
Anais <strong>do</strong> VII Congresso Internacional da Abralin
da indústria e <strong>do</strong> comércio. O avanço da indústria livresca e a formação de um<br />
merca<strong>do</strong> de consumo tornou o vocabulário de La Fayette <strong>em</strong> livro de consulta<br />
corriqueira.<br />
Referências Bibliográficas<br />
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez e Latino, Aulico, Anatomico,<br />
Architectonico, Bellico, Botanico, Brasilico, Comico, Critico, Chimico, Dogmatico,<br />
Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Economica, Florifero, Forense, Fructifero,<br />
Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymio, Hierologico,<br />
Icthyologico, Indico, Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico,<br />
Meterologico, Nautico, Numerico, Orthographico, Optico, Ornithologico, Poetico,<br />
Philologico, Pharmaceutico, Quiddidativo, Quantitativo, Rhetorico, Rustico, Romano,<br />
Symboloco, Synonimico, Syllabico, Theologico, Terapeutico, Technologico,<br />
Uranologico, Xenophonico, Zoologico, auctorisa<strong>do</strong> com ex<strong>em</strong>plos <strong>do</strong>s melhores<br />
escriptores portuguezes e latinos, e offereci<strong>do</strong> a el-rey de Portugal D. João V.<br />
Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1713 [v.1-4]; Lisboa:<br />
Pascoal da Silva, 1716-1721 [v.5-8]. Disponível <strong>em</strong>: <br />
Acesso <strong>em</strong>: 4 out. 2010.<br />
GARCIA, Dantielli Assumpção. Discurso lexicográfico: os <strong>dicionários</strong> no<br />
<strong>século</strong> <strong>XIX</strong>. Anais <strong>do</strong> Seta, n.1, 2007. Disponível <strong>em</strong>:<br />
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