A FOICE E O MARTELO: HISTÓRIA E SIGNIFICADO DO SÍMBOLO ...
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Anais<br />
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR<br />
A <strong>FOICE</strong> E O <strong>MARTELO</strong>: <strong>HISTÓRIA</strong> E <strong>SIGNIFICA<strong>DO</strong></strong> <strong>DO</strong> <strong>SÍMBOLO</strong> COMUNISTA<br />
Rodrigo Rodrigues Tavares 1<br />
espagnuolo@uol.com.br<br />
A foice e o martelo é o símbolo comunista mais conhecido, utilizados em<br />
diversas publicações, edifícios, clubes de futebol, esculturas entre tantos outros. No<br />
Brasil, provavelmente, o primeiro desenho impresso pelos<br />
comunistas no país foi esse logotipo, reproduzido nos<br />
jornais do partido e também em seus documentos<br />
burocráticos. A tradicional união entre a foice e o martelo<br />
está à frente de um sol radiante e circundado por ramos de<br />
trigo.<br />
Essa imagem seminal, originária da URSS, remete a um período do<br />
desenvolvimento do capitalismo em que o trabalhador ainda não estava apartado dos<br />
seus instrumentos de trabalho, a foice e o martelo, muitos deles construídos pelos<br />
próprios operários. Como destacou o crítico de arte e militante comunista Mario<br />
Pedrosa,<br />
antigamente as relações entre o homem e os objetos de seu uso<br />
eram pessoais, afetivas, duravam uma vida inteira ou mais. As de<br />
hoje são impessoais, neutras, puramente funcionais, não havendo<br />
tempo para quem os usa de lhes tomar afeição... [atualmente] não<br />
1 Doutorando em História Social – FFLCH (USP).Bolsista CNPq 1313
Anais<br />
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR<br />
se trata propriamente de um objeto criado pela mão do homemprodutor-artista,<br />
com as características fundamentais de uma obra<br />
com a marca nele [objeto] indelevelmente impregnada do trabalho<br />
humano direto” (grifo nosso). (PEDROSA, 1995:121)<br />
Embora Mario Pedrosa não esteja comentando especificamente os<br />
instrumentos de trabalho, e sim os objetos em geral, ainda assim suas observações<br />
são pertinentes pois também estão relacionadas com a tradicional crítica marxista da<br />
alienação. Esta aumenta na medida em que os instrumentos de produção, como a<br />
foice e o martelo, não são mais propriedades do trabalhador e sim do capitalista,<br />
como ocorre no modelo fabril. As imagens dessas ferramentas mostradas nesses<br />
desenhos comunistas são, portanto, pessoais e marcadas pelo trabalho humano: é<br />
como se víssemos o próprio homem utilizando esses objetos.<br />
Também Baudrillard, com outro eixo teórico, aborda o gesto tradicional, o<br />
esforço, ressaltando que “enquanto a energia investida permanece muscular, isto é,<br />
imediata e contingente, a ferramenta mantém-se atolada na relação humana”. E<br />
destaca que “admiramos estas foices, estes cestos, estes cântaros, estes arados que<br />
esposavam as formas do corpo, o esforço e a matéria que transformavam”.<br />
(BAUDRILLARD, 1973:54)<br />
Dessa maneira, a análise da foice e do martelo pode avançar além de uma<br />
primeira associação simbólica na qual representava a aliança da cidade com o<br />
campo, do operário com o camponês: desenho difundido aqui no Brasil fazendo<br />
referência, então, aos sujeitos da Revolução Russa, propagando os seus feitos e<br />
esperando que o mesmo ocorresse por aqui. Pierre Bourdie, discutindo as formas de<br />
dominação masculina, defende que há “uma distribuição bastante estrita das<br />
atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus<br />
instrumentos (grifo nosso)”. (BOURDIE, 1975:18) Assim, valeria a pena questionar o<br />
pretenso caráter assexual desses instrumentos de trabalho: a foice e o martelo.<br />
No caso do martelo, como demonstrou Vitória Bonnel (BONNEL, 1997:23)<br />
analisando os cartazes soviéticos, a figura masculina era continuamente representada<br />
comandando o martelo que batia na bigorna, sempre tendo a mulher na posição<br />
subalterna de segurar a matéria-prima, numa atitude mais passiva do que a figura<br />
masculina, além de ficar atrás do homem. Essa característica liga o martelo à<br />
simbologia masculina.<br />
No que diz respeito à foice, na verdade um tipo específico, a foicinha 2 , vale<br />
destacar que seu cabo curto faz com que ela seja utilizada com a pessoa<br />
2 Embora geralmente o símbolo seja nomeado como “foice”, utilizaremos “foicinha” para diferenciar do<br />
gadanho, também um tipo de foice, mas que contem um significado diferente, como veremos. 1314
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praticamente de quatro. Embora a foicinha possa ser utilizada teoricamente por<br />
homens e mulheres, o fato da pessoa ficar agachada para utilizá-la, o que,<br />
inconsciente, demonstra uma atitude de submissão, nos faz pensar que este<br />
instrumento, em um plano mais profundo, representa a mulher. Nos pôsteres<br />
soviéticos, por exemplo, quando o homem segura uma foice, é um outro tipo<br />
específico, com um cabo longo, o gadanho, que possibilita ao homem trabalhar de<br />
pé. Essa foice de cabo longo, o gadanho, também aparece na mão de homens em<br />
algumas caricaturas da grande imprensa do período pré-golpe de 1964 (PATTO SÁ,<br />
2006:50). Já a mulher segura a foicinha, a foice de cabo curto. Ademais, as<br />
associações terra/natureza/fartura com a figura feminina são tradicionais, pois<br />
ambas geram a vida e o alimento. Um rótulo de uma fábrica de massa no período<br />
imperial brasileiro trazia na capa uma mulher com a foicinha e um feixe de trigo<br />
(REZENDE, 2005:47), por exemplo. Também é esperado que a mulher seja<br />
responsável pelos trabalhos que envolvem “lidar com a água, a erva, o verde (como<br />
arrancar as ervas daninhas ou fazer a jardinagem)” (BOURDIE, 2007:41), funções<br />
realizadas com a foicinha.<br />
A expectativa, então, é que o martelo seja utilizado pelo homem e a foicinha<br />
pela mulher, conseqüentemente, representando-os. Hobsbawn chama a atenção para<br />
o fato de que quando os gêneros estão identificados<br />
com alguma atividade, é o homem que representa o trabalho<br />
industrial (...) o homem tem a seu lado uma picareta e uma pá,<br />
enquanto a mulher, carregando uma cesta de cereais e com um<br />
ancinho ao seu lado, representando a natureza ou quando muito a<br />
agricultura. (...) a mesma divisão ocorre na escultura famosa de<br />
Mukhina do trabalhador (homem) e da (mulher) kolkhoz camponesa<br />
no Pavilhão Soviético da Exposição Internacional de Paris em 1937:<br />
ele o martelo, ela a foice. (HOBSBAWN, 1998:130).<br />
Nesse sentido, o entrecruzamento entre o martelo/homem e a<br />
foicinha/mulher poderia representar um ato sexual 3 , a concepção de uma nova vida,<br />
uma Vida Nova, título do jornal supra citado. Já que o próprio martelo é o objeto<br />
que transforma a matéria-prima, daí sua utilização como metáfora da transformação<br />
do mundo (BONNEL, 1997: 84), assim como no ato sexual o homem “transforma” o<br />
corpo da mulher com a gravidez, enquanto o corpo masculino permanece inalterado.<br />
Assim, seguindo a teia de significados, poderíamos afirmar que o homem,<br />
3 Interessante ressaltar que analisando o símbolo nazista, Wilhelm Reich, também aproxima a suástica<br />
do ato sexual e da relação com o trabalho. Reich mostra desenhos de outras suásticas, e vê nelas “a<br />
representação esquemática, mas claramente reconhecível, de duas figuras humanas enlaçadas”,<br />
concluindo que “a suástica é, portanto, originalmente um símbolo sexual.” Acrescenta ainda que<br />
“trabalho e sexualidade eram, originalmente, a mesma coisa.”. REICH, W. Psicologia de Massas do<br />
Fascismo. São Paulo, Martins Fontes, 1988, 2ªed, p. 97. 1315
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representado pelo martelo, permanece em pé e é ativo pois transforma a matériaprima<br />
ferro, o mundo e o corpo da mulher. O movimento repetitivo do martelo<br />
também pode ser comparado à repetição dos movimentos do ato sexual.<br />
Já a mulher, representada pela foicinha, deve estar de quatro e sob a<br />
liderança do homem, além de ser transformada passivamente por ele, com a<br />
gravidez, gerando a vida, assim como a natureza. A posição sexual (homem/em pé e<br />
a mulher/de quatro) seria justamente a que ambos estariam ao utilizar a foicinha e o<br />
martelo. Como afirma Bourdie, a dualidade entre os sexos é pensada em séries de<br />
oposições “ativo/passivo, móvel/imóvel” sendo o ato sexual pensado como a “mó do<br />
moinho, com sua parte superior, móvel, e sua parte inferior, imóvel, fixada a terra”<br />
(BOURDIE, 2007:27).<br />
Essa análise de caráter libidinoso desse símbolo comunista pode ser reforçada<br />
pela idéia de que a energia investida no gestual tradicional de trabalho possui um<br />
componente fálico. Como aponta Baudrillard: “toda uma simbólica fálica se desdobra<br />
no gesto e no esforço através dos esquemas de penetração, de resistência, de<br />
modelagem, de atrito etc”. O mesmo autor destaca que os “objetos e utensílios<br />
tradicionais, por mobilizarem o corpo inteiro no esforço e na realização, retém<br />
alguma coisa do investimento libidinal profundo da troca sexual”.(BAUDRILLARD,<br />
1973:61).<br />
Nesse sentido, o da junção da foicinha e do martelo como ato sexual, o sol ao<br />
fundo do logotipo adquire o sentido do novo, do renascer de um novo dia, da fonte<br />
de energia para uma nova vida pois ele está “dando a luz”– justamente a expressão<br />
utilizada para descrever o nascimento de uma criança. Assim, esse desenho divulgado<br />
pela imprensa comunista tem um caráter simbólico profundo: poderíamos dizer que o<br />
“bebê” era o novo mundo/homem que se originaria da Revolução Russa.<br />
O círculo que margeia a tradicional imagem da foicinha e o martelo pode ser<br />
pensado como uma representação do globo, ou ainda como um túnel por onde vemos<br />
o futuro radiante no horizonte com o advento da Revolução Russa. A idéia do círculo<br />
como representação do globo pode ganhar força pois efetivamente o círculo<br />
“desapareceu” em algumas representações posteriores publicadas na URSS, dando<br />
lugar a um globo centrado na representação da URSS e com a mesma foicinha e o<br />
martelo no meio, como aparece em vários edifícios e em documentos.<br />
Já no jornal A Nação de 31 de maio de 1927 aparece uma representação do<br />
globo plana, com a URSS no centro e no alto do campo visual, local usualmente<br />
ocupado pela Europa, afirmando a mensagem de potência em ascensão que desaloja<br />
os impérios decadentes do lugar privilegiado que ocupavam. Muito poderia ser<br />
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analisado sobre esse desenho e essa representação cartográfica, mas vamos nos<br />
centrar nos personagens.<br />
Por um lado, os representantes dos imperialistas em geral estão em<br />
movimento, são agressivos, mas são menores, enquanto aqueles que estão sob o solo<br />
da URSS são maiores, mostrando a superioridade da URSS, mas estão em uma posição<br />
de guarda, mais estáticos, a espera de proteger o território de um ataque. As<br />
próprias armas utilizadas estão em braços abaixados e, enquanto uma é uma<br />
espingarda, a outra é a foicinha e o martelo, portanto um símbolo da ideologia<br />
comunista e não propriamente uma arma de batalha ou instrumento de trabalho,<br />
adquirindo um significado diverso do entrelaçamento da foicinha e do martelo com o<br />
sol sob o fundo, como havíamos analisado.<br />
A Nação. Rio de Janeiro, 31 de maio de 1927<br />
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A foicinha e o martelo também aparecem em uma cena só com homens<br />
publicada no Solidário de 31 de janeiro de 1928.<br />
“Operários das cidades e dos campos, uni-vos para a vitória do candidato da Colligação Operária”<br />
Solidário. Santos, 31 de janeiro de 1928.<br />
Essa imagem, que faz menção à diversidade étnica da população brasileira,<br />
mostra um negro com a caracterização de um escravo: descalço, sem camisa e com a<br />
musculatura abdominal definida, fazendo referência ao esforço físico desumano que<br />
marcou o seu corpo. Já do lado esquerdo aparece um homem com feições e<br />
indumentária própria de um oriental. A inclusão de pessoas de feição oriental<br />
também poderia ser uma maneira de fazer referência indireta a China, cujo processo<br />
revolucionário na época era visto como modelo para o brasileiro.<br />
Essa imagem é interessante pois foge da característica que destacamos<br />
anteriormente: a foicinha aparece na mão de um homem, mas se aproxima do<br />
desenho em que a foicinha e o martelo surgem como arma ideológica. Nessa imagem<br />
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do Solidário o jornal dos empregados de alimentação de Santos, um padeiro oferece<br />
a foicinha para o negro, o homem do campo, e o martelo para o oriental, o homem<br />
da cidade.<br />
O primeiro aspecto que os separa da imagem seminal da foice e do martelo é<br />
o fato de os instrumentos não estarem cruzados, entrelaçados, e sim cada um numa<br />
direção oposta. O horizonte também não é preenchido pelo sol e sim por uma<br />
paisagem industrial e portuária, uma referência clara a cidade do jornal. Dessa<br />
maneira o desenho não representa o nascimento de um novo homem pois a foicinha e<br />
o martelo dadas pelo padeiro, símbolo do Solidário, estavam representando<br />
estritamente o símbolo do comunismo, dessa arma ideológica que o jornal tentava<br />
imbuir nesses trabalhadores. Nesse sentido, essas ferramentas não seriam<br />
“utilizadas”, por assim dizer, como instrumentos de trabalho dos operários. Pelo<br />
contrário, o desenho faz questão de mostrar a pá e a enxada, ambas ferramentas<br />
com cabos longos, como os instrumentos utilizados por esses trabalhadores.<br />
O tratamento dado pela imprensa comunista aos dois grupos de trabalhadores<br />
que empunham esses instrumentos é diferente no Brasil em relação a URSS. Embora<br />
na retórica do PCB (Partido Comunista Brasileiro) os camponeses fossem um dos<br />
sujeitos principais da revolução, um elemento fundamental na união com o<br />
trabalhador da cidade, repetindo aqui o sucesso da Revolução Russa, ele era tratado<br />
visualmente como o elemento mais atrasado, aquele que ficaria a reboque do<br />
trabalhador urbano.<br />
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No Jornal do Povo de 12 de outubro de 1934 há uma imagem simbólica sobre a<br />
visão do trabalhador do campo<br />
na ótica do PCB. Conclamando a<br />
uma frente única de luta,<br />
convêm lembrar que em<br />
1934/1935 foram muitas as<br />
manifestações operárias,<br />
culminando na insurreição<br />
comunista de 1935, o PCB<br />
publica um desenho mostrando<br />
aqueles que deveriam participar<br />
da Revolução Brasileira: um<br />
trabalhador de boina e martelo,<br />
um militar, um marinheiro e<br />
atrás, quase sem ser visto, um<br />
trabalhador agrícola, com sua<br />
enxada. Também é significativa<br />
a construção da imagem do<br />
trabalhador agrícola com a<br />
enxada, que, ao mesmo tempo<br />
que dá um toque maior de<br />
realidade, a enxada com<br />
Jornal do Povo. Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1934. certeza era o instrumento de<br />
trabalho no campo mais<br />
utilizado no país, ainda mais pelas culturas típicas, que não inclui o trigo,<br />
permanentemente associado a foicinha; mas também numa leitura mais simbólica, o<br />
próprio fato do trabalhador agrícola não utilizar a foicinha dá, ao leitor familiarizado<br />
com os signos comunistas, a impressão de que ele não é peça chave na revolução,<br />
que não está preparado pra ela, não pode ser associado ao martelo para recriar aqui<br />
o símbolo máximo da revolução. Vale destacar que o próprio cenário é citadino.<br />
O mesmo grupo de marinheiros, soldados e operários, relegando o camponês,<br />
aparece na capa do jornal Soldado Vermelho, de julho de 1932. Embora poderíamos<br />
argumentar que o foco eram as forças armadas, daí seu destaque, o próprio texto ao<br />
lado conclama “soldados e marinheiros, operários e camponeses”, sendo estes<br />
omitidos. Os camponeses aparecem então na página interna, caminhando ao lado de<br />
marinheiros, operários e soldados, segurando suas enxadas.<br />
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Assim, aqui no Brasil, visualmente, a foicinha não tem destaque pois o<br />
camponês tem um papel secundário na Revolução Brasileira imaginada pelos<br />
comunistas, ao mesmo tempo que os desenhos aproximam mais os camponeses da<br />
enxada do que da foicinha.<br />
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Soldado Vermelho. Julho de 1932.<br />
Já com relação ao trabalhador urbano, ele é considerado a base da aliança<br />
que faria a Revolução Brasileira, na visão do partido, a tentativa de libertar o Brasil<br />
do jugo estrangeiro. O desenho publicado no O Jovem Proletário de 1 de novembro<br />
de 1932 possui significados interessantes. O desenho mostra um trabalhador<br />
musculoso, sem camisa e com um chapéu que lembra a boina de Lênin utilizando um<br />
martelo para romper as correntes que amarram o Brasil, representado pelo seu<br />
mapa. Idéia de raiz muito antiga, como símbolo do fim da escravidão, assunto<br />
importante no país, também está presente no imaginário comunista pois Karl Marx<br />
termina assim o Manifesto Comunista, apelando para os trabalhadores romperem os<br />
grilhões. A ferramenta, o martelo, faz referência óbvia ao símbolo do comunismo, é<br />
essa ideologia que permite libertar o país, e menos a utilização efetiva do martelo<br />
pelos trabalhadores brasileiros. Vale ressaltar que, usualmente, a corrente aprisiona<br />
uma pessoa, mas aqui o faz em relação ao país, pois é uma luta nacionalista contra o<br />
imperialismo.<br />
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O Jovem Proletário, 1 de novembro de 1932.<br />
O torso nu, poucos operários trabalhavam assim, além de ressaltar e valorizar<br />
o corpo e a saúde do trabalhador, em oposição ao gordo ou decadente burguês,<br />
coloca o corpo em ação, enfrentando os problemas de peito aberto. A própria mão<br />
que fica para trás tem o punho fechado, mostrando a força e o empenho empregado<br />
na tarefa. O trabalhador rompendo as correntes do país também traça um diálogo<br />
com a famosa imagem da revista Internacional Comunista (L’Internationale<br />
Communiste) que mostrava um russo rompendo as correntes envolta do mundo, as<br />
primeiras destruídas são justamente aquelas que estão em cima da URSS, como aqui<br />
a palavra Brasil está libertada.<br />
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Moscou/Petrogrado, 1 de julho de 1925<br />
Todavia, ao longo do tempo, a foicinha e o martelo vão sendo cada vez menos<br />
utilizados na mão dos trabalhadores do campo e da cidade nos desenhos da imprensa<br />
comunista. O significado e a utilização desses símbolos na imprensa do PCB mudam e<br />
a foicinha e o martelo aparecem mais como um emblema. Um logotipo que perdeu<br />
seu significado original, não mostrando mais a possibilidade de transformação do<br />
mundo por duas classes sociais unidas, cuja junção daria origem a um novo homem.<br />
Emblema que na verdade identifica agora o pertencimento a um agrupamento de<br />
homens, a um agrupamento partidário, remetendo remotamente à Revolução Russa<br />
ou a ideologia comunista.<br />
No Classe Operária de 29 de junho de 1946 o símbolo aparece atrás de um<br />
punho masculino, que está na mesma posição do martelo, no entrecruzamento entre<br />
os dois instrumentos em um desenho para convocar os membros para a 3ª<br />
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Conferência Nacional do PCB. No mesmo jornal aparece, em 29 de março de 1947,<br />
um desenho da carteira do partido, num anúncio em que o Classe Operária pede para<br />
que cada militante mantenha em dia suas<br />
contribuições, para ficarmos em dois<br />
exemplos.<br />
A evolução da industrialização, da<br />
urbanização, mas também o fim do<br />
encanto da possibilidade real de<br />
trabalhadores urbanos e camponeses<br />
fazerem a revolução talvez tenha<br />
A Classe Operária. Rio de Janeiro, 29 de junho<br />
contribuído para o recuo da utilização dos<br />
dois. Poucas vezes aparecem na mão de<br />
trabalhadores, e quando aparecem são<br />
em eventos comemorativos aparecendo<br />
mais como lembrança daquela revolução.<br />
Na comemoração dos 45 anos da<br />
Revolução Russa o Voz Operária publica<br />
um desenho singelo, mas importante: a<br />
de 1946.<br />
letra “A” que começa uma frase foi<br />
desenhada entrelaçada com a foice e o martelo e na<br />
foicinha pousa uma pomba. Uma releitura do símbolo<br />
que se enquadrava no contexto do momento, em que<br />
os partidos comunistas do mundo faziam a campanha<br />
da paz para defender a URSS de um possível ataque.<br />
Mas também o símbolo contrasta fortemente com o<br />
emblema original. Vale analisar mais um desenho que<br />
segue essa linha para explicitar esse ponto.<br />
Voz Operária. Rio de Janeiro, 7 de<br />
novembro de 1952.<br />
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O jornal Hoje de 1 de<br />
maio de 1951, data simbólica<br />
tradicional, publica um grande<br />
desenho, de página inteira,<br />
com três trabalhadores a<br />
frente, um deles com o<br />
gadanho, e o trabalhador em<br />
destaque está sem camisa e<br />
com o martelo e a bigorna.<br />
A Classe Operária. Rio de Janeiro, 29 de março de 1947 Aqui mostra claramente a<br />
mudança de paradigma do<br />
símbolo: originalmente metáfora da transformação do mundo na batida que mudava<br />
a matéria prima ferro e o mundo, enquanto aqui o movimento é suspenso, o martelo<br />
não é utilizado, o trabalhador segura a ferramenta numa posição de quem não vai<br />
utilizá-la e a bigorna ganha um nome, paz: não ficaria bem bater na “paz”. A<br />
mudança mostra bem o predomínio da visão stalinista, pois da revolução que buscava<br />
transformar o mundo e criar um novo homem passasse a suspensão do choque do<br />
martelo com a bigorna: o que a URSS apontava para os partidos do mundo era<br />
justamente a defesa da pátria dos trabalhadores, o socialismo num só país. A imagem<br />
ignora a mulher e a foicinha, só há homens, eliminando a possibilidade do surgimento<br />
do novo homem. O símbolo revolucionário que transformaria o mundo a ponto de<br />
criar um novo homem, agora, fica restrito a defesa da União Soviética.<br />
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II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR<br />
Hoje. São Paulo, 1 de maio de 1951.<br />
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BONNEL, Vitória . Iconography of Power: Soviet political posters under Lenin and<br />
Stálin. University of California Press, 1997.<br />
BOURDIE, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007,<br />
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HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho. São Paulo, Paz e Terra, 1998. 2ªed.<br />
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II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR<br />
PATTO SÁ, Rodrigo. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro, Jorge<br />
Zahar, 2006.<br />
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31.07.1966. in ARANTES, Otília. (Org.) PEDROSA, Mario. Política das Artes. São Pulo,<br />
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Paulo, Cosasc Naify, 2005.<br />
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