Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO<br />
DE MATTO-GROSSO<br />
<strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
Do Instituto Histórico e da Aca<strong>de</strong>mia<br />
Mato-grossense <strong>de</strong> Letras<br />
O Taumaturgo<br />
<strong>do</strong> <strong>Sertão</strong><br />
Frei<br />
<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata<br />
Vir Seraphicus. . . celsa humilitate conspicuus aute obitum<br />
mortuus, post obitum vivus. . .<br />
(Do Car<strong>de</strong>l Vives y Tutó, da Província capuchinha <strong>de</strong> N.<br />
S. Montserrat, Catalunha, referin<strong>do</strong>-se a S. Francisco <strong>de</strong><br />
Assis, no Congresso Internacional <strong>do</strong>s Terciários<br />
Fanciscanos, 1900)<br />
Cuiabá<br />
1928<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
<strong>José</strong> Barnabé <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
(*10/03/1892 †22/06/1961)<br />
Cuiabá - Mato Grosso<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
http://www.jmesquita.brtdata.com.br/bvjmesquita.htm<br />
2
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
ÍNDICE<br />
I - Capuchinhos em Matto Grosso 7<br />
II - O lustro entre os silvícolas 13<br />
III - O Apostola<strong>do</strong> da educação 18<br />
IV - De Missionário a Prela<strong>do</strong> 22<br />
V - No Governo da Prelazia 27<br />
VI - Os Predica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Administra<strong>do</strong>r 32<br />
VII - Fortaleza e mansuetu<strong>de</strong> 38<br />
VIII - Nativismo mal entendi<strong>do</strong> 43<br />
IX - Novo campo <strong>de</strong> acção 47<br />
X - O espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> 52<br />
XI - O thaumaturgo 56<br />
XII - No <strong>do</strong>mínio das tradições e <strong>do</strong> folk-lore 60<br />
XIII - Últimos annos 72<br />
XIV - A morte <strong>do</strong> justo 76<br />
3<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
DÉDICA<br />
Á memória veneranda <strong>de</strong> minha querida Avó<br />
MARIA RITA DE MESQUITA<br />
alumna <strong>de</strong> Frei <strong>José</strong>, no Diamantino, na qual symbolizo a<br />
mulher mattogrossense, em cujo espírito as lições e o exemplo<br />
fecun<strong>do</strong> <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> missionário <strong>de</strong>sabrocharam em flores <strong>de</strong><br />
Bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Virtu<strong>de</strong>.<br />
4<br />
O. D. C.
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
ANTELÓQUIO<br />
Alem da agiographia que <strong>de</strong>nominarei official,<br />
comprehen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> na sua menção os varões virtuosos que<br />
formam, no calendário, os paradigmas <strong>do</strong> Bem, da Verda<strong>de</strong>, <strong>do</strong><br />
Bello moral, existe, corren<strong>do</strong> parêlhas com aquella, a<br />
agiographia que se pô<strong>de</strong> dizer popular, florescen<strong>do</strong> nas<br />
tradições da gente simples e inculta, por isso mesmo sincera, e<br />
apontan<strong>do</strong> figuras notabilíssimas que, posto lhes falte ainda o<br />
processo canonifica<strong>do</strong>r, a honra e o culto <strong>do</strong>s altares, não<br />
menores predica<strong>do</strong>s d' alma ostentaram na sua peregrinação<br />
terrena.<br />
De uma <strong>de</strong>ssas proponho-me a contar aqui a vida,<br />
replena <strong>de</strong> episódios edificantes e illuminada por traços <strong>de</strong><br />
uma gran<strong>de</strong>za espiritual que raro se ha visto manifestada entre<br />
humanos.<br />
São recantos singelos que colhi, com o carinho mais<br />
acendra<strong>do</strong>, á flor das lendas e <strong>do</strong>s pie<strong>do</strong>sos dizeres da gente<br />
antiga <strong>de</strong> minha terra. E são, por outro la<strong>do</strong>, ligan<strong>do</strong> aquelles<br />
elementos <strong>de</strong> tradição oral, argamassan<strong>do</strong>-os no cimento da<br />
verda<strong>de</strong>, sóli<strong>do</strong> e in<strong>de</strong>structivel, os <strong>do</strong>cumentos autobiographicos<br />
e os alfarrábios temporaneos, cuida<strong>do</strong>samente<br />
exhuma<strong>do</strong>s da poeira <strong>de</strong> veterrimos archivos, que ora surgem<br />
pela primeira vez, em letra <strong>de</strong> fôrma, ao gran<strong>de</strong> sol da<br />
publicida<strong>de</strong>.<br />
Revive Frei <strong>José</strong> na tosca, mas affectiva resurreição que<br />
lhe imprimem estas paginas e, com elle, é to<strong>do</strong> um capitulo <strong>de</strong><br />
nossa Historia que, da noite <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, aflora á luz in<strong>de</strong>cisa<br />
<strong>de</strong> um presente ainda cheio <strong>de</strong> indifferença e <strong>de</strong> olvi<strong>do</strong>.<br />
5<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Fosse embora este ensaio para li<strong>do</strong> apenas por duas ou<br />
três <strong>de</strong>ssas creaturas <strong>de</strong> eleição, que reconhecem, com o<br />
estylista d' «A Colina Sagrada» que «sente-se maior aquêle que<br />
mais se prolonga no passa<strong>do</strong>!» — que ainda assim não me<br />
daria por inúteis a fadiga e o esforço que <strong>de</strong>lle me resultaram.<br />
Deletreada, num gesto <strong>de</strong> displicência, senão <strong>de</strong> tédio,<br />
por figurões a que mais interessam a cotação da cambio ou a<br />
sabujice das mofinas políticas, bastar-lhe-á, a esta pobre<br />
memória, a carinhosa acolhida <strong>de</strong> uns olhos que se enterneçam<br />
<strong>de</strong> puro sentimento á leitura <strong>do</strong>s episódios tocantes da vida <strong>do</strong><br />
Santo sertanejo.<br />
Esta o tenho assegura<strong>do</strong>.<br />
Eis porque me não corro <strong>de</strong> apresentar em publico<br />
trabalho que a uns parecerá <strong>de</strong>svalioso, a outros sem utilida<strong>de</strong><br />
pratica e a quasi to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> simples e innocuo dilettantismo.<br />
Da sua intenção e natureza basta o que ahi fica dito.<br />
De resto — a <strong>de</strong>dicatória melhor diz, <strong>do</strong> que a mais<br />
comprida e diffusa explicação po<strong>de</strong>ria fazel-o.<br />
E para finalizar, <strong>de</strong>vo <strong>de</strong>clarar, na conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
Decretos <strong>do</strong> Santo Padre Urbano VIII que, como fiel subdito<br />
da Santa Madre Egreja, reconheço e acato, que não preten<strong>do</strong><br />
prevenir juízo algum a favor <strong>do</strong> assumpto, emprestan<strong>do</strong> aos<br />
episódios narra<strong>do</strong>s mais ao diante uma pura auctorida<strong>de</strong><br />
humana, <strong>de</strong>corrente da tradição que vive e palpita na memória<br />
<strong>do</strong>s meus paisanos — «pagina sempre aberta <strong>de</strong> um poema que<br />
não foi escripto, mas que referve na mente <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />
filhos <strong>de</strong>sta terra.»<br />
6
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
I<br />
Capuchinhos em Matto Grosso<br />
«... e que mais efficaz atractivo para arrastar a huns homens nus<br />
<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os bens da natureza como era o gentio <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong> que<br />
huns homens <strong>de</strong>spi<strong>do</strong>s, e <strong>de</strong>sapossa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os interesses <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>, como os Filhos <strong>de</strong> Francisco.?»<br />
(Jaboatam — Novo Orbe Seraphico Brasilico, II,11)<br />
Quan<strong>do</strong> se escrever a historia da catechese indígena em<br />
Matto Grosso, á 1uz <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos seguros e imparciaes, certo<br />
mais <strong>de</strong> uma pagina se ha <strong>de</strong> reservar á memória <strong>do</strong>s<br />
beneméritos filhos <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s<br />
Capuchinhos, que foram, no século XIX, os verda<strong>de</strong>iros<br />
pioneiros da civilização entre as tribus silvícolas <strong>de</strong> nossa terra.<br />
Os nomes <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, que faz objecto<br />
<strong>de</strong>sta singela memória; <strong>de</strong> Fr. Mariano <strong>de</strong> Bagnaia; <strong>de</strong> Fr.<br />
Ângelo <strong>de</strong> Caramonica, <strong>de</strong> Fr. Antonio <strong>de</strong> Molinetto, <strong>de</strong> Fr.<br />
Anselmo e <strong>de</strong> outros vários que a História não regista siquer,<br />
representam uma gloriosa pleia<strong>de</strong> <strong>de</strong> estrenuos lucta<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
Bem e da Verda<strong>de</strong> nos sertões inhospitos <strong>de</strong> Matto Grosso.<br />
Posto fallecesse, por vezes, no testemunho <strong>de</strong> alguns<br />
auctores, aos capuchinhos a habilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s jesuítas nos árduos<br />
trabalhos <strong>de</strong> catechese (1), a fama que entre nós<br />
(1) É este o pensar <strong>de</strong> Oliveira Lima no seu "D. João VI no Brasil", II, 7.<br />
7<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
<strong>de</strong>ixaram só lhes redunda em abono e merecimento, consulte-se<br />
para isso a tradição oral ou compulsem-se authenticos<br />
<strong>do</strong>cumentos officiaes, to<strong>do</strong>s accor<strong>de</strong>s no conferir-lhes a láurea<br />
<strong>de</strong> prestimosos e <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res da causa civiliza<strong>do</strong>ra no<br />
seio das brenhas povoadas pelo autochtone brasileiro.<br />
O cyclo franciscano, como acertadamente o caracterizou<br />
D. Aquino, no seu bello discurso <strong>de</strong> recepção, no Instituto<br />
Histórico Brasileiro, abre-se nos princípios <strong>do</strong> século XIX e se<br />
esten<strong>de</strong> por mais <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse centennio, o segun<strong>do</strong> da<br />
nossa vida histórica, vin<strong>do</strong> reiniciar-se já em pleno século XX,<br />
com os fra<strong>de</strong>s da terceira or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Albi, chega<strong>do</strong>s em 1904 a<br />
Matto-Grosso.<br />
O que <strong>de</strong>nominaremos, porém, propriamente o cyclo<br />
capuchinho (2) esse ficou limita<strong>do</strong> ao século fin<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que<br />
se lhe po<strong>de</strong>m estabelecer duas phases distinctas: a primeira a da<br />
turma <strong>de</strong> 1819, composta <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> e os companheiros, cujo<br />
nome a Historia não conserva e a segunda da leva <strong>de</strong> 1847,<br />
vinda, portanto, no anno seguinte á morte <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, e <strong>de</strong> que<br />
fizeram parte Fr. Mariano e os seus confra<strong>de</strong>s acima<br />
menciona<strong>do</strong>s.<br />
Não encontrei referencia alguma, posto muito houvesse<br />
procura<strong>do</strong>, ao <strong>de</strong>creto, acto ou convenção, <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil<br />
— nesse tempo D. João VI — em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> qual vieram os<br />
primeiros capuchinhos para Matto-Grosso, em 1819.<br />
O que é certo é que, durante cerca <strong>de</strong> quasi 30 annos, que<br />
tanto foi o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua permanência em Matto-Grosso, Fr.<br />
<strong>José</strong> personificou, sozinho, o espírito<br />
(2) Os Capuchinhos constituem um ramo da Or<strong>de</strong>m Franciscana que surgiu<br />
em 1525, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reforma introduzida por Matteo di Bassi, fra<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> Convento <strong>de</strong> Monte Falco (Itália), no intuito <strong>de</strong> modificar o habito <strong>do</strong>s<br />
religiosos afim <strong>de</strong> o tornar igual ao que usara o Santo funda<strong>do</strong>r. Conseguiu<br />
Di Bassi faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Clemente VII para essa reforma, bem assim para<br />
pregar por toda a parte o Evangelho, á maneira <strong>do</strong> Seraphico Padre.<br />
(Discrizione storica <strong>de</strong>gli Ordini Religiosi, por Luigi Cibrario, Turim, 1845,<br />
I, 210).<br />
8
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
da sua Or<strong>de</strong>m, e tu<strong>do</strong> fez, com infatigável zelo, no senti<strong>do</strong> ele<br />
beneficiar os aborigenas e até os civiliza<strong>do</strong>s.<br />
Procurou Fr. Macerata organizar a Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> que era<br />
membro, <strong>de</strong> forma que se tornasse mais efficiente o seu<br />
trabalho, ten<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> o estabelecimento <strong>de</strong> conventos <strong>de</strong><br />
fra<strong>de</strong>s capuchinos, no que foi ostensivamente obsta<strong>do</strong> pelo<br />
governo imperial, que, nas instrucções a monsenhor Vidigal,<br />
lhe recommendava não fizesse uso <strong>de</strong> taes pedi<strong>do</strong>s "porque <strong>de</strong><br />
nenhum mo<strong>do</strong> convem semelhante estabelecimento" (3).<br />
Não foi possível assim ao virtuoso varão dar realida<strong>de</strong> ao<br />
seu <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, posto sejam os Capuchinhos <strong>do</strong>s mais antigos e<br />
abona<strong>do</strong>s obreiros da civilização no Brasil (4).<br />
Meava o século, quan<strong>do</strong>, a 20 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1847,<br />
aportaram á Província <strong>de</strong> Matto-Grosso <strong>do</strong>is outros<br />
Capuchinhos, Fr. Antonio <strong>de</strong> Molinetto e Fr. Mariano <strong>de</strong><br />
Bagnaia, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao serviço <strong>de</strong> catechese e civilização <strong>do</strong>s<br />
aborigenes.<br />
Curan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse importante problema administrativo,<br />
<strong>de</strong>signara o governo imperial, por aviso <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong><br />
Império <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1847, aquelles <strong>do</strong>is Missionários<br />
para virem exercer a sua activida<strong>de</strong> em Matto-Grosso.<br />
A vinda <strong>do</strong>s Capuchinhos para o Brasil fôra promovida<br />
pelo governo, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Decreto 285, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong><br />
1843, que o auctorizava a fazer vir da Itália Missionários <strong>de</strong>ssa<br />
or<strong>de</strong>m, distribuin<strong>do</strong>-os pelas Províncias "on<strong>de</strong> as Missões<br />
po<strong>de</strong>rem ser <strong>de</strong> maior proveito", Decreto esse regulamenta<strong>do</strong><br />
pelo <strong>de</strong> nº 373, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Julho <strong>do</strong> anno seguinte, que fixou as<br />
regras a serem observadas na distribuição <strong>do</strong>s Missionários.<br />
(3) C. Men<strong>de</strong>s — Direito Civil Eccl. Brasil, 1866 — I, 716.<br />
(4) Vieram os primeiros Capuchinhos para o Recife em 1585, com Jorge <strong>de</strong><br />
Albuquerque (Memória "A Religião" <strong>do</strong> P. Julio Maria, no Livro <strong>do</strong><br />
Centenário, I, 48).<br />
9<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Estiveram os Capuchinhos primeiramente em Villa Maria<br />
e Poconé, perceben<strong>do</strong> uma diária <strong>de</strong> 750 reis, <strong>do</strong>s quaes 2/3<br />
pagos pelo cofre geral e 1/3 pelo da província, em virtu<strong>de</strong> da lei<br />
orçamentária <strong>de</strong> 1849, art. 1 § 10, gratificação que o próprio<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Província Major Dr. Joaquim <strong>José</strong> <strong>de</strong> Oliveira,<br />
em seu Relatório apresenta<strong>do</strong> á Assembléa a 3 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong><br />
1849, reputara insufficiente, "visto a carestia <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong><br />
primeira necessida<strong>de</strong>" alvitran<strong>do</strong> a majoração para 500 reis<br />
diários por parte da Província "logo que o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste cofre o<br />
possa permitir”.(5)<br />
Em 1848 vamos encontrar Fr.Mariano em Diamantino,<br />
on<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> officio <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Agosto, <strong>do</strong> então Chefe <strong>de</strong><br />
Policia Dr. Ayres Augusto d'Araujo, se indispôs com as<br />
autorida<strong>de</strong>s locaes chegan<strong>do</strong> a tornar-se, na phrase daquelle<br />
serventuário "perigosíssimo no lugar".<br />
Transmittiu o Vire-Presi<strong>de</strong>nte em exercício, Antonio<br />
Nunes da Cunha, ao Bispo D. <strong>José</strong> a representação <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong><br />
Policia, em attencioso officio data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 11 daquelle mês e<br />
anno, no qual communicava que ante "o perigo que corre a<br />
tranquillida<strong>de</strong> publica na villa <strong>do</strong> Diamantino com a estada alli<br />
<strong>do</strong> Missionário Capuchinho" expedira or<strong>de</strong>m para o seu<br />
recolhimento sem <strong>de</strong>mora, e pedia ao Prela<strong>do</strong> que o<br />
<strong>de</strong>sonerasse "<strong>de</strong> qualquer commissão, <strong>de</strong> que porventura o<br />
tenha encarrega<strong>do</strong>."<br />
Dentro <strong>de</strong> pouco transportavam-se os missionários, para a<br />
zona <strong>de</strong> Baixo Paraguay, theatro que fôra <strong>do</strong>s esforços<br />
apostólicos <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, como veremos mais ao diante, e ali<br />
erigia Fr. Mariano, na aldêa <strong>do</strong>s Kinikináos, três léguas fóra <strong>de</strong><br />
Albuquerque, uma capella sob a invocação <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />
<strong>do</strong> Bom Conselho, installan<strong>do</strong>, <strong>do</strong> mesmo passo, uma escola,<br />
freqüentada por 30 alunmos.<br />
(5) Relatório cit. pág. 10.<br />
10
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Emquanto Fr. Mariano se entregava á continuação da<br />
obra <strong>do</strong> seu benemérito antecessor, Fr. Antonio cuidava em<br />
al<strong>de</strong>ar, perto <strong>de</strong> Miranda, os Terenas, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> inauditos<br />
esforços, mau gra<strong>do</strong> a difficil situação econômica em que se<br />
viam, sen<strong>do</strong> que, no Relatório <strong>de</strong> 1851, Augusto Leverger ainda<br />
fazia sentir essa circumstancia, alludin<strong>do</strong> á consignação que,<br />
aliás, fôra augmentada.<br />
Nesse interessante <strong>do</strong>cumento, mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> linguagem<br />
official, discreta e polida, repleto <strong>de</strong> curiosos informes para o<br />
historiographo, como <strong>de</strong> seguros exemplos para o<br />
administra<strong>do</strong>r, diz Leverger:<br />
«Achan<strong>do</strong>-me com elles em Albuquerque em Janeiro<br />
ultimo na minha vinda da fronteira para tomar posse da<br />
Presidência, manifestarão-me o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que a cada hum<br />
<strong>de</strong>lles se confiasse a direcção <strong>de</strong> huma aldêa, em concurrencia<br />
com outras administradas por Directores civis, afim <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r<br />
apreciar relativamente as vantagens <strong>de</strong> huma e outra<br />
catechese.»<br />
E commenta judiciosamente, com estas palavras, o alvitre<br />
<strong>do</strong>s Missionários:<br />
«Prouvera a Deos que se estabelecessem rivalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta<br />
natureza, cujos resulta<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>rião <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser profícuos<br />
para a prosperida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paiz!»<br />
Fr. Mariano radicou-se em Matto Grosso, residin<strong>do</strong> em<br />
Miranda e Corumbá, on<strong>de</strong> o sorprehen<strong>de</strong>u a invação paraguaya,<br />
ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong>, algum tempo, prisioneiro em Assumpção.<br />
Em 1859 escrevia <strong>de</strong> Miranda ao Bispo D. <strong>José</strong> acerca <strong>do</strong><br />
orago da Igreja Matriz daquella villa, cuja edificação dirigia e,<br />
na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vice-Prefeito da Or<strong>de</strong>m, transmittia a Fr.<br />
Ângelo <strong>de</strong> Caramonica a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Bispo para a administração<br />
<strong>do</strong>s Sacramentos em Albuquerque.<br />
11<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Fr. Ângelo — <strong>de</strong> quem as chronicas pouco falam — foi<br />
director da missão capuchinha da Aldêa <strong>de</strong> N. S. <strong>do</strong> Bom<br />
Conselho, fundada por Fr. Mariano.<br />
Não consta que viesse a Cuyabá, on<strong>de</strong>, entretanto, esteve,<br />
pela segunda vez, o seu companheiro Fr. Antonio, como se vê<br />
<strong>de</strong> uma carta escripta em 1854, nesta cida<strong>de</strong>, a um mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Divino Padre Eterno (Brotas) a respeito <strong>do</strong> sino da Capella<br />
<strong>de</strong>sse lugarejo.<br />
Encontrei ainda na correspondência <strong>de</strong> D. <strong>José</strong> uma carta<br />
<strong>do</strong> Commissario da Or<strong>de</strong>m no Rio, Fr. Fabiano, datada <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong><br />
Outubro <strong>de</strong> 1859, na qual auctorizava o Bispo <strong>de</strong> Cuyabá a<br />
aproveitar os serviços <strong>de</strong> Fr. Antonio como Vigário<br />
encommenda<strong>do</strong> da Parochia da SS. Trinda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso<br />
(Villa Bella).<br />
Qual o <strong>de</strong>stino posterior <strong>de</strong>sses missionários não me foi<br />
possível saber, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> presumir que se houvessem retira<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Matto-Grosso.<br />
Quanto a Fr. Mariano, esse se conservou em Corumbá,<br />
seguin<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois para o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, on<strong>de</strong> veio a morrer,<br />
em avançada eda<strong>de</strong>, e em circumstancias <strong>do</strong>lorosas que<br />
<strong>de</strong>stoam da sua vida <strong>de</strong> beneficência e carida<strong>de</strong>.<br />
O seu nome se perpetuou numa das principaes ruas da<br />
cida<strong>de</strong> sulina, como preito da posterida<strong>de</strong> ao missionário<br />
incansável que tanto fez pelo nosso progresso, em longos annos<br />
<strong>de</strong> extenuantes e porfia<strong>do</strong>s labores.<br />
12
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
II<br />
O lustro entre os silvícolas<br />
«A civilização verda<strong>de</strong>iramente começa quan<strong>do</strong> a cathechese <strong>do</strong><br />
silvícola toma fórma accentuada e progri<strong>de</strong>... Dizer o que foi a<br />
cathechese entre os selvagens é, sem duvida, fazer a historia<br />
nacional nos seus primeiros fundamentos.»<br />
(Theo<strong>do</strong>ro Sampaio, — A colonização a serviço da cathechese<br />
indígena)<br />
Findava o mês <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1819 quan<strong>do</strong> a Cuyabá<br />
chegou por terra, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>is irmãos <strong>de</strong> habito, Fr.<br />
<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata. (6)<br />
Traziam por escopo a catechese <strong>do</strong>s selvagens, assumpto<br />
que <strong>de</strong>spertava o mais vivo interesse <strong>do</strong> governo português, já<br />
haven<strong>do</strong> trabalho anterior no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> commetter aos Padres<br />
Lazaristas essa árdua missão.<br />
Conta-nol-o D. Silvério, na sua encomiada biographia <strong>do</strong><br />
Bispo D. Viçoso, a quem coubera, estan<strong>do</strong> em Portugal, vir em<br />
companhia <strong>do</strong> Padre Leandro Rabello <strong>de</strong> Castro tomar parte em<br />
tal empreza que, a seu ver, não podia ser mais árdua, mais<br />
laboriosa, nem mais cheia <strong>de</strong> perigos <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o gênero. (7)<br />
Na mesma excellente obra se lê, pouco adiante:<br />
"Tinhão se entretanto muda<strong>do</strong> as cousas: a missão <strong>de</strong><br />
Matto Grosso havia si<strong>do</strong> provida por um fra<strong>de</strong> Capuchinho <strong>de</strong><br />
nome <strong>José</strong> <strong>de</strong> Macerata, que <strong>de</strong>pois foi Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa mesma<br />
Igreja com jurisdicção episcopal." (8)<br />
(6) B. <strong>de</strong> Melgaço — Apontamentos Chronologicos, na Rev. M. Grosso,<br />
Maio 1906, pago 126.<br />
(7) Vida <strong>do</strong> Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio Ferreira Viçoso, pag. 27 da ediç.<br />
<strong>de</strong> 1876.<br />
( 8 ) Op. cit. pag. 31.<br />
13<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Melgaço dá 23 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1819 como data da<br />
partida <strong>do</strong>s Capuchinhos para Albuquerque, "afim <strong>de</strong> ali<br />
empregarem-se na catechese <strong>do</strong>s Índios Guanás." (9)<br />
A data da chegada <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> a Cuyabá não soffre<br />
contestação, pois casa com a assertiva <strong>de</strong> Leverger a própria<br />
<strong>de</strong>claração <strong>do</strong> Capuchinho em carta dirigida ao Car<strong>de</strong>al Prefeito<br />
da Sagrada Congregação <strong>de</strong> Propaganda da Fé, a 8 <strong>de</strong> Setembro<br />
<strong>de</strong> 1823, ao ter conhecimento, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, da sua<br />
nomeação para prela<strong>do</strong> <strong>do</strong> Cuyabá e Matto Grosso.<br />
Fôra Fr. <strong>José</strong> ao Rio tratar <strong>de</strong> assumptos que se prendiam<br />
á colonização e catechese <strong>do</strong>s Guanás, como se vê <strong>do</strong> seguinte<br />
tópico da sua sobredita carta:<br />
"stan<strong>do</strong> in questa Corte per trattar gli affari relativi alla<br />
reduzione e migliorarnento <strong>de</strong>gli Indi <strong>de</strong>nominati Guanans,<br />
situati alle rive <strong>de</strong>l Fiume Paraguay, ove il Re fi<strong>de</strong>lissimo<br />
Signor Don Giovanni VI mi <strong>de</strong>stinó sono quasi cinque anni...”<br />
(10)<br />
Elle próprio, confirman<strong>do</strong> esse facto em 1844, ao pedir<br />
dispensa <strong>do</strong> cargo que exercia <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />
Hospitaes da Misericórdia e <strong>de</strong> São João <strong>do</strong>s Lázaros, allu<strong>de</strong><br />
aos serviços presta<strong>do</strong>s "in prosperis, et adversus á Província, ha<br />
mais <strong>de</strong> cinco lustros", que vem a concordar com o anno<br />
indica<strong>do</strong> como da sua chegada, 1819, prefazen<strong>do</strong> até fins <strong>de</strong><br />
1844 mais <strong>de</strong> um quartel <strong>de</strong> século.<br />
Acerca da efficencia <strong>do</strong>s seus trabalhos catecheticos,<br />
melhor e que nos socorramos <strong>do</strong> testigo <strong>de</strong> contemporâneos<br />
seus, cujo <strong>de</strong>poimento vale seguramente mais <strong>do</strong> que qualquer<br />
affirmativa <strong>de</strong> hoje.<br />
É Luis d'Alincourt que, no «Rezulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalhos e<br />
indagações statisticas da Província <strong>de</strong> Matto<br />
(9) Apont. pag. citada.<br />
(10) O grypho é nosso.<br />
14
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Grosso» escripto em 1828 e publica<strong>do</strong> nos «Annaes da<br />
Bibliotheca Nacional» em se referin<strong>do</strong> á al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> N. S. da<br />
Misericórdia <strong>do</strong> Baixo Paraguay assim se exprime:<br />
«Fica seis léguas ao N. N. O. <strong>do</strong> Presídio <strong>de</strong> Coimbra e pouco<br />
mais <strong>de</strong> um quarto arredada da margem Occi<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> Paraguay.»<br />
E, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a situação da aldêa "mui<br />
prazenteira" cuja população <strong>de</strong> guanás calculava em 1.300, diz:<br />
"O Prela<strong>do</strong> actual da Província, D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata,<br />
<strong>do</strong>utrinou este povo, e com o seu disvello assíduo, hia alcançan<strong>do</strong><br />
resulta<strong>do</strong>s felizes; quasi toda esta gente foi reduzida ao grêmio da<br />
Igreja, muitos mancebos, como eu mesmo presenciei, (11) lião e<br />
escrevião com <strong>de</strong>sembaraço; as moças tinhão hua Mestra que lhes<br />
ensinava a costura, e a fazer rendas; os homens hião dan<strong>do</strong>-se<br />
contentes á cultura; finalmente a bôa or<strong>de</strong>m resplan<strong>de</strong>cia nesta<br />
interessante Aldêa.<br />
O mesmo Prela<strong>do</strong> (naquelle tempo Missionário apostólico da<br />
or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Barbadinhos) fez construir gran<strong>de</strong>s cazas para habitação<br />
das famílias, forman<strong>do</strong> ruas largas e também hua capella contiguo a<br />
qual morava; a Sagrada Doutrina hia sen<strong>do</strong> bem conhecida; e as<br />
Indias entravão a gostar <strong>de</strong> trajar á brazileira.<br />
Tu<strong>do</strong> fez o Prela<strong>do</strong> com a sua industria; <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> <strong>de</strong>clarar-se,<br />
em abono da verda<strong>de</strong>, que foi escassamente socorri<strong>do</strong> peja fazenda<br />
Publica, que se esta o auxiliasse competentemente, a que ponto teria<br />
cresci<strong>do</strong> a Aldêa em manifesta utilida<strong>de</strong> da Fronteira?<br />
As mulheres fião algodão <strong>de</strong>licadamente; eu vi cintas e<br />
suspensórios tão bem teci<strong>do</strong>s que ao primeiro olhar me parecerão <strong>de</strong><br />
sêda; tecem gran<strong>de</strong>s panões <strong>de</strong> differentes, e lindas côres forman<strong>do</strong><br />
diversas figuras; fabricão louça com diversas, e elegantes bordaduras.<br />
Os Guannas crião gallinhas, alguns porcos; fazem plantações <strong>de</strong><br />
algodão, milho, feijão, carás, batatas, etc. para seu gasto, e para hirem<br />
ven<strong>de</strong>r a Coimbra, o que hé muito proveitozo á Guarnição." (12)<br />
(11) É nosso o gripho.<br />
(12) Annaes da Bibl. Nac. VIII, 45.<br />
15<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Al se não faz mister <strong>do</strong> que o que ahi fica dito, narra<strong>do</strong><br />
por testemunha que tu<strong>do</strong> viu e registou, em <strong>do</strong>cumento official,<br />
revesti<strong>do</strong> da serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> antanho, discreta e polida, para<br />
consolidar o renome <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> como catechiza<strong>do</strong>r egrégio,<br />
digno <strong>de</strong> figurar na plana <strong>do</strong>s Anchietas e Nóbregas da phase<br />
inicial <strong>de</strong> nossa vida e <strong>do</strong>s Balzolas e Badariottis, para citar<br />
somente os mortos, <strong>de</strong> hoje.<br />
Não é, porém, só d'Alincourt que faz justiça ao<br />
missionário.<br />
Castelnau, que an<strong>do</strong>u itineran<strong>do</strong> em Matto Grosso, por<br />
volta <strong>do</strong> 1840 à 1850. allu<strong>de</strong> aos trabalhos <strong>de</strong> Fr. Jose, e abona<br />
as informações que nos dá da população indígena <strong>de</strong> Matto<br />
Grosso em uma preciosa memória <strong>do</strong> punho <strong>do</strong> virtuoso<br />
Capuchinho, (13) memória esta a que também se refere<br />
Moutinho (14) e, recentemente, Roquete Pinto (15), mas que,<br />
infelizmente, se não sabe em que mãos veio parar.<br />
A obra-prima <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> não foi, porém, a monographia,<br />
<strong>de</strong> valiosos da<strong>do</strong>s informativos, que o <strong>de</strong>scaso criminoso <strong>do</strong>s<br />
nossos <strong>de</strong>ixou extraviar-se: foi, sim, a própria aldêa da<br />
Misericórdia, primorosa e esmerada filha <strong>do</strong>s seus esforços e da<br />
sua carinhosa solicitu<strong>de</strong>, on<strong>de</strong>, a par da moralida<strong>de</strong> mais<br />
apurada, <strong>do</strong> asseio, da or<strong>de</strong>m e <strong>do</strong> trabalho, recebiam os índios,<br />
o bom trato, o affecto, a solicitu<strong>de</strong> véramente paterna da parte<br />
<strong>do</strong> Director, o bon<strong>do</strong>so e preclaro Missionário Apostólico. (16)<br />
Tu<strong>do</strong> se per<strong>de</strong>u, entanto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, o<br />
gran<strong>de</strong>, o eterno mal das nossas administrações, que suppõe sêr<br />
uma diminuição proseguir em trabalhos inicia<strong>do</strong>s, e por isso,<br />
per<strong>de</strong>m o que está feito por buscar<br />
(13) Expedition, vol. III, pags. 116 a 117, 150 a 153.<br />
(14) Noticia, pag. 143.<br />
(15) Ron<strong>do</strong>nia, pag. 22.<br />
(16) João Severiano alludin<strong>do</strong> a Fr. <strong>José</strong>, caracteriza-o assim: «Missionário<br />
da Al<strong>de</strong>ia da Misericórdia na foz <strong>do</strong> Miranda.. (Viagem, II, 97.)<br />
16
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
fazer cousas novas, que, dada a escassez <strong>de</strong> tempo ou <strong>de</strong><br />
experiência, quasi sempre não fazem.<br />
O conceito <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> como catechista ainda subsiste na<br />
tradição oral e foi tamanho que, muito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong><br />
taes encargos, em 1843, o Presi<strong>de</strong>nte Zeferino Pimentel<br />
Moreira Freire, por officio <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Novembro, lhe pedia<br />
subsídios acerca <strong>do</strong> assumpto, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-o assim o melhor<br />
conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tal matéria, verda<strong>de</strong>iro arcano e seguro<br />
informante <strong>de</strong> que se valia a administração publica.<br />
Essa officio, que ora transcrevemos, vale per si como o<br />
mais eloqüente attesta<strong>do</strong> <strong>do</strong> merecimento <strong>do</strong> egrégio<br />
Missionário e basta a encerrar eloqüentemente este capitulo:<br />
«Exmo. e Revmo. Snr.<br />
Queren<strong>do</strong> aproveitar os conhecimentos <strong>de</strong> V. Excia. e a muita<br />
pratica que tem <strong>do</strong>s importantes serviços que ha presta<strong>do</strong> nesta<br />
Província na Cathequese e civilização <strong>do</strong>s Indios; vou rogar a V.<br />
Excia. se digne dar-me to<strong>do</strong>s os esclarecimentos não só <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em<br />
que se achão nossas hordas <strong>de</strong> indigenas, o numero <strong>de</strong> nações que se<br />
conhece, como quantas seguem a nossa religião, e qual a sua<br />
habitação.<br />
Deos Guar<strong>de</strong> a V. Excia. muitos annos.<br />
Palácio <strong>do</strong> Governo em Cuyabá, 18 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1843.<br />
Zeferino Pimentel Moreira freire.»<br />
17<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
III<br />
O Apostola<strong>do</strong> da educação<br />
Educar é habilitar o homem para <strong>de</strong>sempenhar as funcções que seu<br />
fim exige, e caminhar suas faculda<strong>de</strong>s intelectuaes e moraes para<br />
os encargos que nos mostra a razão illuminada pela fé.<br />
(D. Silvério - Cartas Pastoraes. 127)<br />
Bem longe <strong>de</strong> limitar-se ao aborigene, em cuja alma fazia<br />
irradiar a luz divina da fé, a acção catechistica <strong>do</strong> virtuoso<br />
capuchinho se esten<strong>de</strong>u, se ampliou também aos civiliza<strong>do</strong>s, a<br />
que não menos se faziam mister as águas lustraes da educação e<br />
da instrucção religiosa.<br />
Sobejas provas encontram-se nos <strong>do</strong>cumentos coevos, a<br />
attestarem, exuberantemente, o seu zelo <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>r e o vivo,<br />
real empenho, em varias conjuncturas posto <strong>de</strong> manifesto, a<br />
prol <strong>do</strong> melhoramento moral e intellectual <strong>do</strong>s nossos, pela<br />
disseminação da cultura religiosa e scientifica.<br />
Procurou sempre, reiteradamente, praticar o preceito<br />
sublime <strong>do</strong> Evangelho — <strong>do</strong>cete omnes gentes — e engenizar,<br />
pelo caracter e pela intelligencia, forman<strong>do</strong>-os sobre sóli<strong>do</strong>s<br />
alicerces, a nossa raça e a nossa gente.<br />
Ao assumir o governo da Prelazia foi <strong>do</strong>s seus primeiros<br />
cuidares a creação <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> ensino para a formação<br />
intellectual e moral da juventu<strong>de</strong> patrícia, preoccupação que<br />
trouxe sempre comsigo e fez objecto da sua pastoral <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong><br />
Setembro <strong>de</strong> 1829.<br />
18
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Nesse importante e expressivo <strong>do</strong>cumento, no qual <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> precisar a obrigação <strong>do</strong>s Bispos <strong>de</strong> «erigir nas suas Dioceses<br />
Seminários e Collegios, para educarem, e instruírem nas Letras,<br />
e Virtu<strong>de</strong>s os Moços», e fazer ver a impossibilida<strong>de</strong> em que até<br />
ali se vira <strong>de</strong> effectuar tão nobre intento, o infatigável obreiro<br />
<strong>do</strong> Evangelho diz haver resolvi<strong>do</strong> «fundar <strong>do</strong>s primeiros<br />
alicerces em o Porto Geral <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuiabá, como Lugar<br />
reconheci<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s o mais próprio para o fim <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, hum<br />
Paço Episcopal, hum Seminário, e hum Collegio, ou para dizer<br />
melhor, huma gran<strong>de</strong>, e bem or<strong>de</strong>nada Casa <strong>de</strong> Educação,<br />
<strong>de</strong>dicada ao Gloriosissimo Archanjo São Raphael, para<br />
utilida<strong>de</strong> da pobre, e <strong>de</strong>svalida Mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda esta<br />
Província, na intima conviçção <strong>de</strong> que este rico, e vasto Império<br />
nada necessita mais que <strong>de</strong> bons Cidadãos, e que não he a<br />
natureza, que os faz, mas sim a bôa Educação; <strong>de</strong> sorte que<br />
ninguém po<strong>de</strong> fazer ao Esta<strong>do</strong> serviço mais interessante, <strong>do</strong> que<br />
o <strong>de</strong> lhe educar, e instruir os Filhos, mimozos Germens da<br />
posterida<strong>de</strong>».<br />
E terminava solicitan<strong>do</strong>, á falta <strong>de</strong> meios necessários, a<br />
contribuição <strong>do</strong>s diocesanos para a consecução <strong>de</strong>ssa obra<br />
genuinamente patriótica, invocan<strong>do</strong>, num fecho<br />
verda<strong>de</strong>iramente pathetico, o sentimento <strong>do</strong>s mesmos a favor<br />
<strong>do</strong>s meninos que, á mingua <strong>de</strong> alimento espiritual, se<br />
per<strong>de</strong>riam, com grave prejuízo para a collectivida<strong>de</strong>.<br />
Esse notável escripto que hoje, um século após, ainda tem<br />
a mais flagrante actualida<strong>de</strong> e rescen<strong>de</strong> ao perfume saudável da<br />
sincerida<strong>de</strong> e carinho com que o traçou o seu auctor, merece<br />
li<strong>do</strong> e reli<strong>do</strong>, medita<strong>do</strong> e executa<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os que têm<br />
qualquer parcella <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelas cousas publicas<br />
(17).<br />
Não semeou em terreno ári<strong>do</strong> o esforça<strong>do</strong> obreiro da<br />
educação, antes se pó<strong>de</strong> dizer que lavrara a<br />
(17) Archivo Ecclesiastico, Masso nº 1, Correspondência<br />
19<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
fun<strong>do</strong> nos corações.<br />
Donativos accorreram ao encontro <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>sígnio,<br />
<strong>de</strong>monstração inilludivel <strong>do</strong> interesse que áquella gente<br />
<strong>de</strong>spertava tão magno problema e, por outra parte, <strong>do</strong> prestigio<br />
e confiança que a to<strong>do</strong>s inspirava o Prela<strong>do</strong> (18).<br />
Não conseguiu, porém, levar a effeito o seu <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato;<br />
escasseou-lhe um factor pon<strong>de</strong>rabilissimo em iniciativas <strong>de</strong>ssa<br />
or<strong>de</strong>m: a continuida<strong>de</strong> no tempo.<br />
De facto, afasta<strong>do</strong>, logo <strong>de</strong>pois, da gestão da Prelazia,<br />
como veremos adiante, Fr. <strong>José</strong> não achou nos seus<br />
substitui<strong>do</strong>res o mesmo ar<strong>do</strong>r e enthusiasmo que n'alma <strong>do</strong><br />
Capuchinho italiano accendia o innato amor á juventu<strong>de</strong><br />
estudiosa.<br />
No Diamantino, para on<strong>de</strong> se transferira após a sua<br />
exoneração <strong>de</strong> Prela<strong>do</strong>, não <strong>de</strong>scontinuou o seu zelo pelo<br />
problema básico das nações conscientes — a educação <strong>do</strong><br />
cidadãos em flôr, que hão <strong>de</strong> ser os bons ou maus fructos <strong>do</strong><br />
futuro, tal o enxerto ou adubagem que recebam <strong>do</strong>s seus<br />
ascen<strong>de</strong>ntes.<br />
Volven<strong>do</strong> a Cuyabá, em 1841, no governo <strong>do</strong> Cônego<br />
Guimarães, outra não foi a sua preoccupação senão a que, em<br />
longos annos, lhe vinha nortean<strong>do</strong> a vida operosa e infatigável.<br />
A 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>sse anno dirigia-se em offcio ao<br />
Presi<strong>de</strong>nte, expon<strong>do</strong>-lhe o vivo <strong>de</strong>sejo que nutria em seu<br />
coração <strong>de</strong> educar a mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital "germens fecun<strong>do</strong>s<br />
da gran<strong>de</strong>za nacional." allegan<strong>do</strong>, porém, faltarem-lhe "os<br />
meios necessários, não só para reedificar as cazas juntas á<br />
Igreja <strong>do</strong> Glorioso São Gonçalo, como para dar todas as<br />
provi<strong>de</strong>ncias a<strong>de</strong>quadas, afim <strong>de</strong> obter o seu intento" pedin<strong>do</strong><br />
ao governo subscrevesse um "quantia notável" para aquelle fim,<br />
ao tempo em que se propunha da sua parte a "agi-<br />
(18) I<strong>de</strong>m<br />
20
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
tar hua subscripção voluntária pelos habitantes <strong>de</strong>sta Capital".<br />
Replican<strong>do</strong> a 17 <strong>do</strong> mesmo mês e anno a esse officio,<br />
<strong>de</strong>clarava-se o Presi<strong>de</strong>nte «lizongea<strong>do</strong> sobremaneira pelo seu<br />
zelo, amor, e philantropia em beneficio da mocida<strong>de</strong>» e,<br />
approvan<strong>do</strong>-lhe a <strong>de</strong>liberação, promettia, posto não estivesse a<br />
isso autoriza<strong>do</strong> pelo Legislativo, <strong>do</strong> mez <strong>de</strong> Julho em diante,<br />
atten<strong>de</strong>r a sua exposição. (19)<br />
Numa directriz invariável e segura, a sua constante<br />
orientação no maneio das cousas publicas que lhe eram<br />
confiadas se caracterizou pejo zelo in<strong>de</strong>fesso pela educação,<br />
convertida assim a sua vida em límpi<strong>do</strong> e glorioso exemplo ás<br />
gerações futuras, em um apostola<strong>do</strong> educativo, sem solução <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> — quer no lustro entre os selvagens, quer no<br />
septennio da Prelazia, quer na década Diamantinense, quer<br />
mesmo, nos seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros annos, reparti<strong>do</strong>s, em Cuyabá,<br />
entre os pobres e enfermos <strong>do</strong>s Hospitaes e os cuida<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
educa<strong>do</strong>r, sempre anima<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo <strong>de</strong>svelo e muni<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
mesmo affecto a pró da juventu<strong>de</strong>.<br />
(19) Cfr. Officio em original no Archivo Ecclesiastico, masso nº 1 <strong>de</strong><br />
Correspondência.<br />
21<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
IV<br />
De Missionário a Prela<strong>do</strong><br />
“Sabei que aquelles bárbaros, a cuja voracida<strong>de</strong> ficáveis expostos,<br />
estão civiliza<strong>do</strong>s que aquellas mattas melancólicas, que<br />
tyranisaram vossos olhos, já se transformaram em campanhas<br />
risonhas, em seáras fructiferas, em sementeiras floridas; que <strong>do</strong><br />
seio daquelles ermos emmaranha<strong>do</strong>s, que <strong>de</strong>negriam os vossos<br />
corações, têm nasci<strong>do</strong> villas e cida<strong>de</strong>s florescentes.”<br />
(Fr. Francisco S. Carlos)<br />
O advento da in<strong>de</strong>pendência, que só fui conheci<strong>do</strong> em<br />
Cuiabá a 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1823, veio encontrar a Capitania e<br />
novel Província <strong>de</strong> Matto-Grosso mergulhada em obscuro<br />
cháos político, administrativo e financeiro.<br />
O impopularissimo governo <strong>de</strong> Magessi fôra remata<strong>do</strong><br />
pelo levante <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1821, com que, o innato<br />
sentimento <strong>de</strong> autonomia <strong>do</strong>s cuyabanos ansaiara o self<br />
government antes mesmo que o grito <strong>do</strong> Ypiranga reboasse<br />
pelo país.<br />
Uma Commissão, da qual faziam parte os homens mais<br />
representativos da época, assumira a direcção <strong>do</strong>s negócios<br />
públicos. Della ela membro, presidin<strong>do</strong>-a, o Bispo D. Luis <strong>de</strong><br />
Castro Pereira, quan<strong>do</strong>, inopinadamente, o colheu a morte, a 1<br />
<strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1822, fican<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um só golpe, orphana<strong>do</strong>s o<br />
governo civil e ecclesiastico.<br />
Eram duas acephalias simultâneas numa quadra <strong>de</strong><br />
incertezas, apprehensões e receios. Chofravam-se as paixões<br />
mais tumultuarias. Matto-Grosso, a antiga capi-<br />
22
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
tal, e Cuyabá, para on<strong>de</strong> o ultimo governa<strong>do</strong>r transferira a sé<strong>de</strong><br />
da administração, se <strong>de</strong>gladiavam pela posse da hegemonia<br />
politica. E em Cuyabá, a lucta nativista se abria, insidiosa,<br />
prenhe <strong>de</strong> ódios recíprocos, exploran<strong>do</strong> paixões malsans <strong>do</strong><br />
populacho, para ir <strong>de</strong>sfechar-se nos horrores <strong>de</strong> 1834. Por toda<br />
a província era uma nuvem pesada <strong>de</strong> animosida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong><br />
rancores, prestes a explodir no fragor das procellas irosas.<br />
A isto vinha ajuntar-se, engravecen<strong>do</strong> a situação, a crise<br />
financeira, a miséria <strong>do</strong> erário e a penúria particular, o fermento<br />
<strong>de</strong> revolta na milícia, a <strong>de</strong>magogia crescente, que encontrava<br />
echo no ambiente inflamma<strong>do</strong> pelas verborrhagias <strong>do</strong> mestiço<br />
Patrício Manso e <strong>do</strong> carmelita Nascentes.<br />
Foi nessa quadra, turva e sinistra. que, em meio ás<br />
angustias que toldavam o céu cuyabano, appellaram os nossos<br />
patrícios, como uma aurora <strong>de</strong> salvação, para a pessoa<br />
veneranda e prestigiosa <strong>do</strong> monge capucho, pedin<strong>do</strong> ao<br />
governo imperial, num gesto sem prece<strong>de</strong>ntes e que por si só o<br />
nobilitaria para sempre, a nomeação <strong>de</strong> Frei Macerata para a<br />
Sé<strong>de</strong> Vacante.<br />
E em <strong>de</strong>ferimento ao que lhe requereu a Câmara e Povo<br />
<strong>de</strong> Cuyabá, o impera<strong>do</strong>r Pedro I, em data <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />
1823, expedia o Decreto cujo teor se segue, cre<strong>de</strong>ncial<br />
honrosissima que vale to<strong>do</strong> um elogio immortalizante <strong>do</strong><br />
egrégio capuchinho e é no dizer auctoriza<strong>do</strong> <strong>de</strong> D. Aquino<br />
Corrêa "como o melhor resumo <strong>de</strong> toda a sua vida apostólica".<br />
(20)<br />
«Atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao honroso testemunho, que a Câmara e Povo da<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuyabá, dirigirão á minha Imperial Presença em abono das<br />
virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, pedin<strong>do</strong>-o para seo Pastor,<br />
por ser amante da pobreza, sábio, humil<strong>de</strong> e incançavel na reducção<br />
da<br />
(20) Discurso <strong>de</strong> recepção no I. Histórico, no livro Discursos.<br />
23<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
gentilida<strong>de</strong>, e sen<strong>do</strong>-me a mesma supplica reiterada pelo Deputa<strong>do</strong> á<br />
Assembléa Geral d'aquella Província: Hei-por bem nomear o dicto<br />
Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata Prela<strong>do</strong> e Administra<strong>do</strong>r da Jurisdicção<br />
Ecclesiastica <strong>de</strong> Cuyabá, e Mato Grosso, que vagou pelo fallecimento<br />
<strong>do</strong> Reveren<strong>do</strong> Bispo <strong>do</strong> Ptolomaida. A Meza <strong>de</strong> Consciência e<br />
Or<strong>de</strong>ns o tenha assim entendi<strong>do</strong> e faça executar com os <strong>de</strong>spachos<br />
necessários. Paço em 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1823, segun<strong>do</strong> da<br />
In<strong>de</strong>pendência e <strong>do</strong> Império. Com a rubrica da sua Magesta<strong>de</strong><br />
Imperial. Caetano Pinto <strong>de</strong> Miranda Montenegro.»<br />
A nomeação <strong>de</strong> Prela<strong>do</strong> ficava, entretanto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
confirmação por parte da Santa Sé, da<strong>do</strong> o regime vigorante na<br />
época.<br />
Assim é que nas instrucções expedidas com o aviso <strong>de</strong> 28<br />
<strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1824 ao encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Brasil em<br />
Roma, Monsenhor Francisco Corrêa Vidigal, figura, sob n° 21,<br />
a <strong>de</strong> conseguir as Bullas para erecção das Prelazias <strong>de</strong> Cuyabá e<br />
Matto Grosso e <strong>de</strong> Goyaz, em Bispa<strong>do</strong>s regulares, passan<strong>do</strong><br />
assim a ter a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Bispos os respectivos Prela<strong>do</strong>s já<br />
nomea<strong>do</strong>s Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata e Francisco Ferreira <strong>de</strong><br />
Azeve<strong>do</strong>. (21)<br />
O numero seguinte das sobreditas instrucções assim<br />
dispunha:<br />
"22 — Por esta occazião se entrega a V. Illma. as cartas e mais<br />
papeis <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, nomea<strong>do</strong> por S. M. Imperial<br />
Prela<strong>do</strong> e Administra<strong>do</strong>r das Igrejas <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-Grosso, para<br />
por elle conseguir o que mais é necessário segun<strong>do</strong> as Bullas da<br />
Creação <strong>de</strong>sta Prelazia (22), pela qual tinha o Supremo Pontífice <strong>de</strong> o<br />
nomear Bispo in partibus; mas agora pelo que a-<br />
(21) Era este Prela<strong>do</strong> natural <strong>de</strong> Cuyabá e teve o titulo <strong>de</strong> Bispo <strong>de</strong> Castoria<br />
in partibus sen<strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> por D. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, em 1833, <strong>de</strong><br />
passagem por Goyaz e sómente <strong>de</strong>pois confirmada a sua nomeação para<br />
Bispo <strong>de</strong> Goyaz. Blake <strong>de</strong>lle se occupa no seu Dicc. Bibl. e C. Men<strong>de</strong>s na<br />
excellente obra já citada.<br />
(22) É a BulIa Can<strong>do</strong>r lucis æternæ, <strong>do</strong> Papa Bento XIV <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Dezembro<br />
<strong>de</strong> 1745.<br />
24
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
cima fica dito será a confirmação <strong>de</strong> Bispo <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-<br />
Grosso. Parece portanto que nenhuma duvida po<strong>de</strong> haver pela<br />
legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Apresenta<strong>do</strong>; no caso porem que a Côrte <strong>de</strong> Roma<br />
insista por nova apresentação <strong>de</strong> S. M. Imperial e se possa <strong>de</strong> outra<br />
maneira conseguir, V. Illma. fará os necessários e promptos avizos, o<br />
que <strong>de</strong> certo se não po<strong>de</strong> esperar que aconteça attendi<strong>do</strong> o interesse<br />
geral da Curia Romana, e ser o nomea<strong>do</strong> hum italiano.» (23)<br />
A 15 <strong>de</strong> Julho da 1826 expedia o Papa Leão XII a Bulla<br />
Sollicita catholici gregis cura, pela qual se creavam as<br />
Dioceses <strong>de</strong> Goyaz e <strong>de</strong> Cuyabá, em substituição ás Prelazias<br />
<strong>do</strong> mesmo nome, e se constituíam Vigários Apostólicos das<br />
mesmas Dioceses os Prela<strong>do</strong>s Francisco Pereira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e<br />
Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata.<br />
É este o trecho da Bulla referente á <strong>de</strong>signação <strong>do</strong>s<br />
Vigários Apostólicos e po<strong>de</strong>res que lhes foram da<strong>do</strong>s:<br />
«Ad consulendum interea Christifi<strong>de</strong>lium in illis partibus<br />
<strong>de</strong>gentium spirituali regimini ubi primum binarum Cathedralium<br />
erectioni locus factus fuerit, ne iis<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sit Præses <strong>do</strong>nec <strong>de</strong> primo<br />
earum antistite provi<strong>de</strong>antur, Venerabilem Fratrem Franciscum<br />
Ferreira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, Episcopum Castoriensis in partibus Infi<strong>de</strong>lium<br />
Prælaturæ Goyasensi, et dilectum filium Fr. Josephum Mariam e<br />
Macerata, Præ biterum Ordinis Fratrum Minoram, Sancti Francisci<br />
Capuccinorum expresse professit Cuyabænsi Prælaturæ, mo<strong>de</strong>rnos<br />
Præsi<strong>de</strong>ntes in Vicarios Apostolicos earum<strong>de</strong>m Prælaturarum, cum<br />
neeessariis et opportunis in rem facultatibus, durante tantummo<strong>do</strong><br />
illarum sedium Episcopalium vacatione, respective <strong>de</strong>putamus et<br />
constituimus.»<br />
Não logrou Fr. <strong>José</strong> ser confirma<strong>do</strong> como Bispo da<br />
Diocese e, não obstante haver-se conserva<strong>do</strong> no governo da<br />
mesma até 1832, já em 1828 se lhe dava su-<br />
(23) C. Men<strong>de</strong>s, op. cit. II, 712.<br />
25<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
bstituto na pessoa <strong>do</strong> Monsenhor da Capella Imperial Pláci<strong>do</strong><br />
Men<strong>de</strong>s Carneiro (24), que, entretanto, renunciou o cargo a 11<br />
<strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno.<br />
Attribuia Fr. <strong>José</strong> a uma indisposição <strong>de</strong> Monsenhor<br />
Vidigal as difficulda<strong>de</strong>s que contra elle surgiram, conforme diz<br />
o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beaurepaíre Rohan nos seus Annaes da<br />
Província <strong>de</strong> Matto Grosso.(25)<br />
(24) E não Santos, como se lê em alguns auctores.<br />
(25) In Rev. <strong>do</strong> I. H. e G. <strong>de</strong> S. Paulo, XV. pag.1l6<br />
26
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
V<br />
No Governo da Prelazia<br />
Opportet enim episcopum sine crime esse, sicut Dei dispensatorem.<br />
(S. Paulo a Tito, I, 7)<br />
O dia 27 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1824 constitue, posto o não registem<br />
os nossos ephmneristas, uma data memorável na Historia<br />
ecclesiastica <strong>de</strong> Matto Grosso, pois assignala a entrada <strong>do</strong><br />
humil<strong>de</strong> freire Capucho na sé<strong>de</strong> episcopal vacante a que, por<br />
unânime assenso <strong>do</strong>s Cuyabanos, fôra eleva<strong>do</strong>. Vin<strong>do</strong> pelo<br />
caminho <strong>do</strong> sertão, o único então pratica<strong>do</strong>, levou <strong>do</strong> Rio até<br />
Cuyabá seis meses, incluin<strong>do</strong> nesse prazo a parada que fez no<br />
Rio Gran<strong>de</strong> (hoje Registro <strong>do</strong> Araguaya e que elle calculou em<br />
<strong>do</strong>is meses e meio, em officio dirigi<strong>do</strong> ao Impera<strong>do</strong>r, pelo<br />
Tribunal da Meza <strong>de</strong> consciencia e or<strong>de</strong>ns, em data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong><br />
Julho <strong>de</strong> 1824. (26)<br />
No Rio Gran<strong>de</strong> erigiu uma pequena capella e <strong>de</strong>teve-se<br />
algum tempo, conforme o seu próprio dizer, «ven<strong>do</strong> aqui a<br />
extrema necessida<strong>de</strong> Espiritual que pa<strong>de</strong>cião estas queridas<br />
ovelhas» com propósito <strong>de</strong> «amparallas e instruil-as nos<br />
Mistérios da nossa Santa Religião e administrar-lhes os Santos<br />
Sacramentos.»<br />
(26) C. Men<strong>de</strong>s dá erradamente 1825 como o inicio <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong><br />
Fr. <strong>José</strong> na Prelazia (op. cit. II, 750). Em outro officio que dirigiu <strong>do</strong> Rio<br />
Gran<strong>de</strong> ao Impera<strong>do</strong>r, a 21 <strong>de</strong> Março, refere Fr. <strong>José</strong> ter gasto até aquella<br />
localida<strong>de</strong> 62 dias <strong>de</strong> marcha e 42 <strong>de</strong> falhas. E, ao dar noticia da chegada,<br />
em officio <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho, ao Impera<strong>do</strong>r, diz textualmente: "no dia da<br />
gloriosa Assenção <strong>do</strong> Senhor, que se contarão vinte e sete <strong>de</strong> Maio, tive a<br />
ineffavel consolação <strong>de</strong> ver em fim finaliza<strong>do</strong>s os obstáculos, que até então<br />
me impedirão o gozo <strong>de</strong> me unir a Ella, (a Igreja Cuybaense).<br />
27<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
No officio que dali dirigiu ao Impera<strong>do</strong>r e que como toda<br />
a sua correspondência existe regista<strong>do</strong> em preciosissimo códice<br />
archiva<strong>do</strong> no Cartório Eclesiastico, allu<strong>de</strong> ás intenções e<br />
projectos que trazia, pedin<strong>do</strong> o beneplacito <strong>do</strong> Chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
para os mesmos.<br />
Assim é que refere as necessida<strong>de</strong>s da Prelazia, entre as<br />
quaes "tanta e tanta Gentilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que me vejo já ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong> sem<br />
po<strong>de</strong>r dar o mínimo amparo ..." E accrescenta precisar <strong>de</strong><br />
"fervorosos Ministros <strong>do</strong> Evangelho" fazen<strong>do</strong> ver que <strong>do</strong>s<br />
“padres seculares" raros se encontrão com esta vocação...”<br />
Não se revestiu <strong>de</strong> pompa e alar<strong>de</strong> festivos a chegada <strong>do</strong><br />
Prela<strong>do</strong>, mas sim a ro<strong>de</strong>ou um vivo ambiente <strong>de</strong> carinho e<br />
intima alegria.<br />
É ainda elle quem nol-o diz, no officio referi<strong>do</strong>:<br />
«Se huma ostentação puramente mundana não assignallou o<br />
dia em que esta Igreja <strong>de</strong>spio o manto da sua viduida<strong>de</strong>, as<br />
<strong>de</strong>monstraçoens <strong>de</strong> ternura, e veneração que recebi <strong>de</strong>ste Povo em<br />
todas as classes, que o compoem forão tão <strong>de</strong>cisivas, que exce<strong>de</strong>m a<br />
toda a consi<strong>de</strong>ração com que se po<strong>de</strong> julgar <strong>de</strong> hum verda<strong>de</strong>iro<br />
amor.»<br />
No governo da Prelazia, logo <strong>do</strong>is annos após elevada a<br />
Bispa<strong>do</strong>, ia Fr. <strong>José</strong> revelar novos aspectos da sua curiosa e<br />
empolgante individualida<strong>de</strong>.<br />
As poucas pastoraes que <strong>de</strong>lle existem, e encontradas, em<br />
avulso, no archivo ecclesiastico, dão a medida elo seu zêlo e<br />
<strong>de</strong>dicação assaz <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s no amanho da vinha que lhe<br />
fôra confiada.<br />
São em numero <strong>de</strong> sete, assim especificadas:<br />
I — Acerca <strong>do</strong> Indulto permittin<strong>do</strong> o uso da carne durante<br />
a quaresma (16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1825).<br />
II — Sobre a creação <strong>de</strong> um Collegio e <strong>de</strong> um Seminário<br />
(25 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1829).<br />
III — Despedin<strong>do</strong> se <strong>do</strong>s Diocesanos por ter <strong>de</strong><br />
28
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
seguir em Visita a vários pontos <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> (31 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong><br />
1829).<br />
IV — Instruin<strong>do</strong> sobre o Sacramento da Confirmação<br />
(Em visita pastoral, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso, a 24 <strong>de</strong><br />
Dezembro <strong>de</strong> 1829).<br />
V — A respeito <strong>do</strong> Jubileu <strong>do</strong> Anno Santo (27 <strong>de</strong> Março<br />
<strong>de</strong> 1830, ainda em Matto Grosso).<br />
VI — Aos Diamantinenses, acerca da Egreja local (Em<br />
visita pastoral, a 16 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1831).<br />
VII — Acerca <strong>do</strong> preceito da Santificação <strong>do</strong> Domingo (3<br />
<strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1831).<br />
Transuma <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s esses escriptos, a par <strong>de</strong> um immeso<br />
carinho paternal, em linguagem claríssima e, ao mesmo tempo,<br />
suggestiva, uma profunda noção <strong>do</strong>s seus <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> Chefe<br />
espiritual <strong>de</strong> uma grei numerosa e dispersa, pobre e ignorante,<br />
tão necessitada da esmola da palavra, que sustenta o espírito,<br />
como <strong>do</strong> óbolo <strong>do</strong> dinheiro, que alimenta o corpo.<br />
Imagine-se, hoje, o que fôra a Diocese cuyabana um<br />
século atrás, quan<strong>do</strong> a Fr. <strong>José</strong> coube a árdua missão <strong>de</strong> dirigila.<br />
A não ser a sé<strong>de</strong>, Cuyabá, e as Parochias <strong>de</strong> Matto Grosso e<br />
Diamantino, a primeira já em franco <strong>de</strong>clínio, o mais eram<br />
arraiaes ou lavras <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes, malocas <strong>de</strong> índios, gran<strong>de</strong>s<br />
fazendas a distancia <strong>de</strong> léguas, sertões in<strong>de</strong>vassáveis e<br />
immensos.<br />
Isso pelo que diz o la<strong>do</strong> material, esses os embaraços <strong>de</strong><br />
natureza physica e geographica. Pôn<strong>de</strong> agora em linha <strong>de</strong> conta<br />
o peior, que são os óbices moraes.<br />
Uma socieda<strong>de</strong> em formação, constituída <strong>de</strong> heterogêneos<br />
elementos, fomentada pelos ódios políticos, habilmente<br />
explora<strong>do</strong>s pelos interessa<strong>do</strong>s, aggrava<strong>do</strong>s por uma situação<br />
economico-financeira sombria e <strong>de</strong> imprevisível futuro,<br />
ten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a empeiorar sempre mais.<br />
Juntae a isto a frouxidão <strong>de</strong> costumes, que campeava por<br />
toda a parte, <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um longo estagio <strong>de</strong> vida á solta, sem<br />
freios nem ré<strong>de</strong>as, em promiscu-<br />
29<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
os e fáceis contactos com a população indígena e negra, na<br />
incentiva<strong>do</strong>ra intimida<strong>de</strong> das malocas e das senzalas, <strong>do</strong>s<br />
quartéis da milícia e <strong>do</strong>s engenhos, que tu<strong>do</strong> parecia ten<strong>de</strong>r a<br />
transformar em vasto tremedal <strong>de</strong> lascivia a vida das classes<br />
baixas <strong>do</strong> povo.<br />
Essas licenciosida<strong>de</strong>s eram taes que extrangeiros, por<br />
aqui em transito, como Florence e outros, logo se offereciam<br />
como alvo <strong>de</strong> observação.<br />
Para abrir lucta com este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cousas com que<br />
contava Fr. <strong>José</strong>? Com bem poucos elementos, sobretu<strong>do</strong> si<br />
atten<strong>de</strong>rmos a que o próprio clero da época se contaminara no<br />
ambiente <strong>de</strong>letério a cuja influencia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>, os tempos<br />
coloniaes, ce<strong>de</strong>ra, ao invés <strong>de</strong> contra ella reagir francamente.<br />
Eloqüente <strong>de</strong>poimento nol-o dá o próprio Fr. <strong>José</strong>, em<br />
offticio <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1825, á Secretaria da Justiça quan<strong>do</strong><br />
se referin<strong>do</strong> ao esta<strong>do</strong> da Prelazia, assim o <strong>de</strong>buxa, em largas<br />
pinceladas.<br />
"Por aqui a tu<strong>do</strong> se fás preciso insinuar principios <strong>de</strong> creação, a<br />
que o mizero e <strong>de</strong>ploravel esta<strong>do</strong> em que encontramos esta Prelazia,<br />
tanto pelos multiplica<strong>do</strong>s abusos, que a cobrem, como pela privação e<br />
falta <strong>de</strong> Ministros com alguma sufficiencia”<br />
E em outro officio <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno,<br />
allu<strong>de</strong> ao clero da época, <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> pregação e<br />
<strong>de</strong> instrucção, quasi que se limitan<strong>do</strong> a “acudir com promptidão<br />
quan<strong>do</strong> são chama<strong>do</strong>s para os enfermos".<br />
Fr. <strong>José</strong> passa, na caligem daquelles dias tenebrosos,<br />
como uma visão puríssima <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
renuncia e <strong>de</strong> sacrifício, dan<strong>do</strong> assim, em meio ao lodaçal que<br />
tu<strong>do</strong> avassalava, a impressão <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas nymphéas <strong>do</strong><br />
pantanal, pairan<strong>do</strong>, alvíssimas e leves, á língua d'água, como<br />
esfloran<strong>do</strong> a lama, sem nella se macular.<br />
30
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
"Homem <strong>de</strong> muitas virtu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> costumes austeros, é<br />
como lhe chama Moutinho, bastante severo no adjectivar os<br />
que lhe não cahiam no agra<strong>do</strong>. (27)<br />
E por esse diapasão afinam os que o conheceram ou <strong>de</strong>lle<br />
houveram noticia.<br />
Entre os contemporâneos, os que se lhe referem para<br />
gabar-lhe a "celebrada pieda<strong>de</strong>", como V. Corrêa Filho (28), ou<br />
a philanthropia que o tornara «o pai da pobreza, o amparo <strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>s da sorte», como assevera Estevão <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça,<br />
(29) são unânimes em accentuar o seu espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> e o<br />
seu zêlo pastoral.<br />
(27) Noticia sobre a Província <strong>de</strong> M. Grosso, pag. 50.<br />
(28) Matto Grosso, 96.<br />
(29) Datas, I, 278.<br />
31<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
VI<br />
Os Predica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Administra<strong>do</strong>r<br />
... e o Prela<strong>do</strong> ha <strong>de</strong> ser vigilante e ir diante <strong>do</strong>s súbditos no<br />
exemplo das virtu<strong>de</strong>s.<br />
(P. Manoel Bernar<strong>de</strong>s - Nova Floresta, V, 80)<br />
Rico mana<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> informes acerca da actuação <strong>de</strong> Fr.<br />
<strong>José</strong> na Prelazia e no governo <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, é alem <strong>do</strong> Livro da<br />
correspondência já cita<strong>do</strong>, o "1º Livro <strong>de</strong> Provizoens", <strong>de</strong> 1824<br />
a 1835, precioso manuscripto conserva<strong>do</strong> no Archivo da<br />
Archidiocese, on<strong>de</strong> se encontram, passo a passo, todas as<br />
provi<strong>de</strong>ncias tomadas pelo prela<strong>do</strong> na direcção das causas<br />
ecclesiasticas.<br />
Ali está patente aos olhos <strong>de</strong> quem queira ver o seu zêlo<br />
pelo clero, logo posto <strong>de</strong> manifesto nas innumeras provisões<br />
com que tratou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que assumiu as suas funcções, <strong>de</strong><br />
organizar os serviços da Egreja, expedin<strong>do</strong> nomeações,<br />
preenchen<strong>do</strong> cargos e proven<strong>do</strong> o bom andamento <strong>do</strong>s negócios<br />
sob sua responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Faculta esse curioso códice, cujas paginas venerandas<br />
abrem aos nossos olhares a Cuyabá <strong>de</strong> ha um século atrás, o<br />
exacto e fiel conhecimento <strong>do</strong> clero daquellas eras, trazen<strong>do</strong> a<br />
lume nomes pouco sabi<strong>do</strong>s e figuras interessantes, mas raro<br />
conhecidas.<br />
Empossa<strong>do</strong> em Maio, começou Fr. <strong>José</strong> por nomear a 15<br />
<strong>do</strong> mês seguinte, o P. Miguel Dias <strong>de</strong> Oliveira, Escrivão da<br />
Câmera e Auditorio Ecclesiastico,<br />
32
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
cargo em que lhe foi da<strong>do</strong> substituto, a 23 <strong>de</strong> Novembro <strong>do</strong><br />
anno immediato, na pessôa <strong>do</strong> clerigo in minoribus Jeã<br />
Gonçalves da Cruz.<br />
A 16 <strong>de</strong> Junho nomeava Examina<strong>do</strong>r Synodal, Provisor,<br />
Vigario Geral, Juiz das justificações <strong>de</strong> genere o P. Antonio<br />
Tavares Corrêa da Silva.<br />
E em provisões successivas investia nas funcções <strong>de</strong> 1°<br />
Coadjuctor da Cathedral o P. Joaquim Teixeira Coelho (21 <strong>de</strong><br />
Junho), advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> auditório ecclesiastico o P. Gabriel Nunes<br />
<strong>do</strong> Valle (26 <strong>de</strong> junho), Inquiri<strong>do</strong>r e solicita<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Juízo o P.<br />
João Baptista <strong>de</strong> Faria Villaça (26 <strong>de</strong> .Junho), Examina<strong>do</strong>r<br />
Synodal e Juiz <strong>de</strong> casamentos o P. Manoel Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Siqueira (1 <strong>de</strong> Julho), 2º Coadjutor da Cathedral o P. Manoel<br />
Gomes <strong>de</strong> Faria (27 <strong>de</strong> Agosto), Fabriqueiro e Vice-Sachristão<br />
da Cathedral o Diacono Antonio da Costa Vianna (7 <strong>de</strong><br />
Agosto), 3° Coadjutor da Cathedral o P. Manoel Pinto <strong>de</strong><br />
Siqueira, (28 <strong>de</strong> Agosto) Sacristão-mor o P. Pru<strong>de</strong>nte Duarte da<br />
Costa (26 <strong>de</strong> Agosto), Promotor da Justiça Ecclesiastica o P.<br />
<strong>José</strong> da Silva Guimarães(16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1825), alem <strong>do</strong>s leigos<br />
João Luiz <strong>de</strong> Araújo, Fabriqueiro da Cathedral (11 <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>de</strong> 1825), <strong>José</strong> Pereira <strong>de</strong> Guimarães, Inquiri<strong>do</strong>r e Distribui<strong>do</strong>r<br />
(16 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1825) <strong>José</strong> Manoel Pereira <strong>de</strong> Faria, Porteiro e<br />
Pregoeiro <strong>de</strong> Auditórios (13 <strong>de</strong> Maio) e Francisco Bernar<strong>do</strong>,<br />
Meirinho ecclesiastico (13 <strong>de</strong> Maio).<br />
Servia como Secretario <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> Fr. Marcellino <strong>de</strong><br />
Chagas <strong>de</strong> Goyaz, que, vin<strong>do</strong> a fallecer em Outubro <strong>de</strong> 1827,<br />
foi substituí<strong>do</strong> pelo Inician<strong>do</strong> Antonio Pereira Men<strong>de</strong>s.<br />
Cogitava Fr. <strong>José</strong> ao mesmo tempo em trazer providas as<br />
Vigararías e parochias, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>, em 1824, o P. Cláudio<br />
Joaquim Monteiro <strong>de</strong> Faria para Diamantino, o P. João Heitor<br />
para o arraial <strong>de</strong> S. Pedro d'El Rey, como ainda então se<br />
chamava a actual<br />
33<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Poconé, o P. Manoel Ferraz <strong>de</strong> Sampaio Botelho para a<br />
Chapada e, em 1826, o P. Antonio Antunes Maciel Ron<strong>do</strong>n<br />
para Livramento e o P. Bento <strong>de</strong> Souza Vaz Canavarros para<br />
Rosário <strong>do</strong> Rio Cuyabá.acima.<br />
Solicito, mal se vagava um officio, cuidava em provel-o<br />
por pessôa idônea e capaz e assim é que ten<strong>do</strong> o P. Tavares,<br />
Vigário Geral, transferi<strong>do</strong> morada para o seu sitio na Serra-<br />
Acima, nomeou, por provisão <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1830, o P.<br />
Manoel Gomes <strong>de</strong> Faria para o substituir temporariamente.<br />
Em Dezembro <strong>de</strong> 1824, expedia o zeloso Pastor a<br />
provisão pela qual, atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ás circumstancias especiaes da<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso, a antiga e já então <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte Capital,<br />
«com manifesto <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s Habitantes daquella Parte —<br />
não só pela distante situação, que os impossibilita <strong>de</strong> tratar bem<br />
as suas <strong>de</strong>pendências, receber a tempo aquelles socorros <strong>de</strong><br />
necessitão, como por que sen<strong>do</strong> o Nosso Provisor, e Vigário<br />
Geral único, não po<strong>de</strong>, em razão <strong>de</strong> vários objectos, <strong>de</strong> que<br />
quasi sempre se vê sobrecarrega<strong>do</strong>, satisfazer com a <strong>de</strong>vida<br />
exacção e <strong>de</strong>sempenho, os respectivos <strong>de</strong>veres» nomeou ao P.<br />
Manoel Ferraz <strong>de</strong> Sampaio Botelho Examina<strong>do</strong>r Synodal,<br />
Provisor Vigário Geral, e Parochial, Juiz <strong>do</strong>s Casamentos, das<br />
justificações <strong>de</strong> genere, e <strong>do</strong>s Resíduos da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto-<br />
Grosso e mais lugares adjacentes.<br />
O seu zêlo pastoral, <strong>de</strong> resto, transparece a cada pagina<br />
<strong>do</strong> livro das Provisões e <strong>do</strong> da Correspondência da Prelazia,<br />
sen<strong>do</strong> ocioso estar a repontal-as, indican<strong>do</strong> medidas e<br />
provi<strong>de</strong>ncias opportunas e efficazes por elle tomadas a prol <strong>do</strong><br />
bom andamento das cousas no seio da sua grey espiritual.<br />
As suas vistas atiladas e o seu coração amoroso <strong>de</strong> Pae se<br />
estendiam, eqüitativamente, a to<strong>do</strong>s os pontos da Prelazia ou<br />
Bispa<strong>do</strong> cuja direcção lhe fôra dada e comprova esta assertiva<br />
curioso <strong>do</strong>cumento que<br />
34
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
é a carta dirigida por Fr. <strong>José</strong> ao ex-governa<strong>do</strong>r João Carlos, no<br />
Rio, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> vinda para assumir a Prelazia, a 20 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong><br />
1824, parara no "Lugar <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong>", que é hoje a<br />
florescente Registro <strong>do</strong> Araguaya.<br />
Nesse Escripto, to<strong>do</strong> cheio <strong>de</strong> um tom <strong>de</strong> cordial amiza<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer as finezas que Oyenhausen lhe prodigara<br />
na Côrte, communica Fr. <strong>José</strong> a sua "chegada neste aprazível<br />
Lugar <strong>do</strong> Rio gran<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> (por ser moralmente certo que tu<strong>do</strong><br />
concorre para fazel-o com o tempo huma cousa gran<strong>de</strong>) resolvime<br />
suspen<strong>de</strong>r por algum tanto a marcha a fim <strong>de</strong> dar principio a<br />
organização <strong>do</strong> Edifício Espiritual <strong>do</strong>s seus Habitantes» e o seu<br />
propósito <strong>de</strong> em chegan<strong>do</strong> a Cuyabá iniciar logo a visita<br />
pastoral por toda Província «para que possa ser bem inteira<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Prelazia e das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tão numerosa<br />
Familha.»<br />
As suas relações com João Carlos o levaram a constituil-o<br />
seu procura<strong>do</strong>r no Rio, conforme communicou, em officio, ao<br />
Impera<strong>do</strong>r: « A João Carlos Augusto <strong>de</strong> Oeynhausen, como<br />
bem pratico, amoroso e <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> tenho constituí<strong>do</strong> por<br />
meu Procura<strong>do</strong>r perante Vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial, para tratar<br />
<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> não só, como <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mais que eu necessitar.»<br />
A penas nomea<strong>do</strong> pelo Dec. Imperial <strong>de</strong> 1823, dirigiu o<br />
Prela<strong>do</strong> ao Car<strong>de</strong>al Prefeito da Sagrada Congregação <strong>de</strong><br />
Propaganda Fi<strong>de</strong>, em data <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> Setembro daquelle anno, <strong>do</strong><br />
Rio, on<strong>de</strong> se achava, uma carta que é um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong><br />
e ao mesmo tempo <strong>de</strong> confiança nos <strong>de</strong>sígnios <strong>do</strong> Alto.<br />
Nessa carta, que fez acompanhar <strong>de</strong> um exemplar da sua<br />
Pastoral <strong>de</strong> Saudação aos Fieis da Prelazia (30) elle dizia contar<br />
partir em poucos dias para a Prelazia e dar principio ao<br />
Ministério confia<strong>do</strong>. (31)<br />
(30) Infelizmente não consegui encontrar copia <strong>de</strong>sse <strong>do</strong>cumento no qual diz<br />
Fr. <strong>José</strong> que dava ao povo cuyabano um "attesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> gratidão e <strong>de</strong> amor<br />
feito no melhor mo<strong>do</strong> possível".<br />
(31) Archivo eccles. Mass. I corresp.<br />
35<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Na mesma data e em termos quasi análogos escreve o<br />
novo Prela<strong>do</strong> ao Procura<strong>do</strong>r e Commissario geral da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s<br />
Capuchinhos, sen<strong>do</strong> ambas as letras redigidas em italiano.<br />
É ainda para nota<strong>do</strong> no Governo da Prelazia o seu zêlo na<br />
formação <strong>do</strong> clero, ten<strong>do</strong> or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> vários sacer<strong>do</strong>tes, entre<br />
outros o poconéano P. Domingos Carlos da Cunha; “indígena<br />
<strong>do</strong> arraial <strong>de</strong> S. Pedro d'El Rey" a quem <strong>de</strong>u po<strong>de</strong>r para celebrar<br />
a sua 1º Missa, em 1824. (32)<br />
Não menor o seu zêlo pelos Hospitaes ou Casas Pias,<br />
como se chamaram, e aos quaes se refere na carta a João<br />
Carlos, inesquecível funda<strong>do</strong>r das mesmas.<br />
Sem duvida, porém, concentrou os seus cuida<strong>do</strong>s na<br />
educação, já trazen<strong>do</strong> intuito, ao vir para a Prelazia, <strong>de</strong> fundar<br />
um Collegio e um Seminário, que, a começo, cui<strong>do</strong>u<br />
estabelecer junto á Misericórdia (33) e, ao <strong>de</strong>pois, no Porto<br />
Geral, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> S. Gonçalo, on<strong>de</strong> teve o seu paço episcopal.<br />
A conservação e construcção <strong>do</strong>s templos merecem-lhe,<br />
outrosim, mimosos <strong>de</strong>svelos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se a este respeito citar,<br />
como paradigma, a sua pastoral <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1831 aos<br />
Diamantinenses, que é, talvez, o melhor <strong>do</strong>cumento vivo que<br />
<strong>do</strong> seu espírito nos foi lega<strong>do</strong>.<br />
Varias vezes se ausentou o Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cuyabá, figuran<strong>do</strong><br />
então, como signatários das Provisões, ora o Vigário Geral P.<br />
Tavares, ora o Juiz <strong>de</strong> Casamentos P. Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Siqueira.<br />
Assim entre 3 <strong>de</strong> Junho e 11 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1827, 21 <strong>de</strong> Janeiro<br />
e 8 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1829, 16 e 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong>sse mesmo anno,<br />
e, em diversos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1830, em que, como vimos, esteve<br />
em visita pastoral pelo Bispa<strong>do</strong>.<br />
(32) Prov, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong>zº <strong>de</strong> 1824, 1º Lº <strong>de</strong> Provizoens.<br />
(33) Carta a João Carlos, referida.<br />
36
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
A ultima provisão que trazia assignatura <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> é<br />
datada <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1831: segue-se dahi por diante uma<br />
serie firmada pelo P. Tavares, primeiro como Vigário Geral e,<br />
após, a partir <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1832, como Vigário Capitular<br />
<strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> com toda a jurisdicção o Delega<strong>do</strong> da Sé<strong>de</strong><br />
Episcopal vacante, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> provisão <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> Novembro<br />
<strong>de</strong> 1831 <strong>de</strong> D. Romual<strong>do</strong> Antonio <strong>de</strong> Seixas (34).<br />
Infelizmente não foi possível a Fr. Macerata, em sete<br />
annos que durou sua jurisdicção ecclesiastica, com o tempo<br />
toma<strong>do</strong> por longas e exhaustivas jornadas nas suas visitas<br />
pastoraes, <strong>de</strong>senvolver to<strong>do</strong> o seu bello plano <strong>de</strong> trabalho e<br />
quan<strong>do</strong> ainda se dispunha a empregar os seus esforços a prol <strong>do</strong><br />
progresso material e moral da Província «tão pobre mais <strong>do</strong> que<br />
<strong>de</strong> Fjnanças, <strong>de</strong> Letras, e Moral.» (35) eis que o sorprehen<strong>de</strong> a<br />
sua <strong>de</strong>stituição summarissima <strong>do</strong> cargo, no mais injusto e<br />
flagrante gesto <strong>de</strong> menosprezo pelos seus serviços<br />
irremuneráveis.<br />
Nem as Bullas <strong>de</strong> Bispo in Partibus lhe foram expedidas,<br />
não obstante ter direito a essas honras <strong>de</strong> accor<strong>do</strong> com o Bulla<br />
Can<strong>do</strong>r Lucis aeternae.<br />
Assim paga o Mun<strong>do</strong> os benefícios que lhe são feitos!<br />
(34) Essa provisão que o P. Tavares teve o cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> fazer transcrever no<br />
livro foi publicada a 1 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1832, á estação da Missa Parochial. Nesse<br />
mesmo dia tomou posse.<br />
(35) Carta a Estevão Ribeiro <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong>, em 1840.<br />
37<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
VII<br />
Fortaleza e mansuetu<strong>de</strong><br />
Discite a me, quia mitis sum, et humilis cor<strong>de</strong>.<br />
(Matth. XI, 29)<br />
Qui cum causa non irascitur, peccat: patientia enim is rationabilis<br />
vitia seminat, negligentiam nutrit, et non solum malos, sed etiam<br />
bonos invitat ad malum.<br />
(João Jeresolimitano — Matth, Hom. 11)<br />
Realizan<strong>do</strong>, á perfeição, o “suaviter et fortiter” da Bíblia,<br />
Fr. <strong>José</strong> casava á humilda<strong>de</strong> e mansidão <strong>de</strong> animo que<br />
caracterizam a alma <strong>do</strong> franciscano essa energia in<strong>do</strong>mável, <strong>de</strong><br />
que <strong>de</strong>u sobejas provas no exercício <strong>do</strong>s vários munus que lhe<br />
foram incumbi<strong>do</strong>s.<br />
Foi, porém, sobretu<strong>do</strong>, na gestão da Prelazia que,<br />
revelan<strong>do</strong> os seus raros predicamentos <strong>de</strong> administra<strong>do</strong>r, se lhe<br />
ensejou pôr <strong>de</strong> manifesto essas duas faces <strong>do</strong> seu espírito, as<br />
quaes, posto apparentemente se antagonizem, são arestas <strong>de</strong> um<br />
mesmo crystal, reverberan<strong>do</strong> luz diversa a quem as observa,<br />
mas no intimo iguaes refracções da virtu<strong>de</strong> veramente christan.<br />
Jesus que ensina a a apresentar a outra face ao injuriante,<br />
não se <strong>de</strong>dignou elle mesmo, quan<strong>do</strong> preciso, <strong>de</strong> empunhar o<br />
azorrague com que vergastou os traficantes <strong>do</strong> Santuário.<br />
Mais <strong>de</strong> uma vez Fr. <strong>José</strong> <strong>de</strong>monstrou a sua mansuetu<strong>de</strong>.<br />
A sua vida toda é um claro e luminoso exemplo <strong>de</strong> cordura e <strong>de</strong><br />
paz.<br />
38
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Quan<strong>do</strong>, porém, se fez mister, não lhe escasseou a<br />
fortaleza <strong>de</strong> animo para reprimir abusos, coarctar erronias,<br />
enfrentar malevolências e <strong>de</strong>srespeitos, viessem <strong>do</strong>n<strong>de</strong> viessem.<br />
Logo em chegan<strong>do</strong> á Prelazia, ao cuidar <strong>de</strong> "repartir os<br />
poucos Ministros que havião para Provimento <strong>de</strong> alguns<br />
Lugares" <strong>de</strong>parou-se-lhe uma irregularida<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>u mossa<br />
em levar ao conhecimento <strong>do</strong> Governo Imperial, no facto <strong>de</strong> se<br />
recusar o Padre <strong>José</strong> da Silva Guimarães "não obstante ser<br />
moço e não ter ainda da<strong>do</strong> serviços á Igreja" a nomeação para<br />
um cargo, sob o pretexto <strong>de</strong> gozar privilégios na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Commissario da Bulla. E em officio <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1824, ao<br />
Impera<strong>do</strong>r, fazen<strong>do</strong> sentir a necessida<strong>de</strong> que havia <strong>de</strong><br />
Ministros, suggeria a conveniência <strong>de</strong> isentar o mesmo<br />
sacer<strong>do</strong>te <strong>de</strong> tal attribuição, tornan<strong>do</strong>-a annexa ao Vicariato<br />
Geral.<br />
Nesse mesmo officio <strong>de</strong>nuncia o zeloso Prela<strong>do</strong> uma<br />
anomalia <strong>do</strong> Foro secular, para a qual solicita provi<strong>de</strong>ncia,<br />
anomalia consistente no facto <strong>de</strong> abrirem e tomarem conta <strong>do</strong>s<br />
testamentos nos mezes que competiam ao Juízo Ecclesiastico.<br />
E <strong>de</strong>clara ter expedi<strong>do</strong> um Edital acerca <strong>do</strong> assumpto haven<strong>do</strong> o<br />
Prove<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Ausentes «instiga<strong>do</strong> por seus Escrivães» hesita<strong>do</strong><br />
em dar cumprimento ao Edital e affecta<strong>do</strong>, por ultimo, o caso<br />
ao Governo Imperial.<br />
Na mesma data, offician<strong>do</strong> ao Governo, pelo Tribunal da<br />
Mesa <strong>de</strong> Consciencia e Or<strong>de</strong>ns, profligava outras<br />
irregularida<strong>de</strong>s que encontrara, tal a <strong>de</strong> conferir o Compromisso<br />
da Irmanda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Senhor Bom Jesus faculda<strong>de</strong>s que se<br />
sobrepunham á jurisdicção prelaticia.<br />
Outro abuso que estava a reclamar enérgicas provi<strong>de</strong>ncias<br />
e que não tardaram a ser tomadas pelo diligente Pastor, era o<br />
que dizia respeito á cobrança <strong>do</strong>s direitos Parochiaes,<br />
conhecença e benésses, exorbitan-<br />
39<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
temente calcula<strong>do</strong>s e duramente extorqui<strong>do</strong>s ao povo.<br />
Tão gran<strong>de</strong> era o clamor <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong> por esses vexatórios<br />
tributos que o Sena<strong>do</strong> da Câmara <strong>de</strong> Cuyabá, nas Instrucções<br />
que <strong>de</strong>u ao Deputa<strong>do</strong> Navarro <strong>de</strong> Abreu afim <strong>de</strong> tratar disso na<br />
Assembléa Geral Constituinte <strong>de</strong> Império, incluía, sob n° 8, a<br />
seguinte:<br />
«Augmentão consi<strong>de</strong>ravelmente os males <strong>de</strong>sta Província os<br />
excessivos Direitos Parochiaes, e até contribuem para froxidão das<br />
<strong>de</strong>voçoens Religiosas. As conhecenças a trezentos reis para aquelles<br />
Freguezes, que concorrem á Matris, e seis centos reis para os que são<br />
<strong>de</strong>sobriga<strong>do</strong>s em suas fazendas, hé uma taixa insupportavel.<br />
Morre hum escravo, e o Senhor que o per<strong>de</strong>, alem <strong>do</strong> prejuízo<br />
que soffre no valor <strong>de</strong>lle e na <strong>de</strong>spesa <strong>do</strong> seu curativo hé con<strong>de</strong>mna<strong>do</strong><br />
a pagar 6$450 reis para o seu enterramento o que (em lugar <strong>de</strong><br />
suffragios) parece mais hum tributo á morte á favor <strong>do</strong>s<br />
Ecc1esiasticos."<br />
Para obviar abusos e escândalos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa grave<br />
situação, <strong>de</strong>u-se pressa Fr. <strong>José</strong> em baixar o Edicto <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong><br />
Novembro <strong>de</strong> 1824, em o qual estabelecia o Novo<br />
Regulamento, <strong>do</strong>s Direitos Parochiaes, que vem transcripto no<br />
Livro <strong>de</strong> Correspondência, (fs 33 e 8egs.) e precedi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
opportunas consi<strong>de</strong>rações, vasadas em linguagem vehemente,<br />
com que vergastava os abusos da época.<br />
O caso, porém, em que culminou a firmeza <strong>de</strong> animo <strong>do</strong><br />
Prela<strong>do</strong>, no <strong>de</strong>frontar os absur<strong>do</strong>s e imposições <strong>do</strong>s magnatas<br />
da época, foi o inci<strong>de</strong>nte provoca<strong>do</strong> pelo Cirurgião-Mór<br />
Antonio Luis Patrício da Silva Manso, o famigera<strong>do</strong> mestiço<br />
paulistano que se celebrizou em nossa Historia menos pelo seus<br />
conhecimentos botânicos ou therapeuticos <strong>do</strong> que pelo seu<br />
gênio irequieto e turbulento, hábil no explorar as paixões<br />
malsans <strong>do</strong> populacho ignaro.<br />
Esse facto, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> repercussão na época e que põe <strong>de</strong><br />
manifesto a serena coragem <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong> frente á arrogância<br />
balota <strong>do</strong> <strong>de</strong>magogo, vem fiel-<br />
40
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
mente relata<strong>do</strong>, em to<strong>do</strong>s os seus pormenores, no officio por Fr.<br />
<strong>José</strong> envia<strong>do</strong> ao Impera<strong>do</strong>r em data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1826,<br />
segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> cinco <strong>do</strong>cumentos pertinentes ao caso.<br />
Parecerá, prima facie, uma questão <strong>de</strong> nonada, a quem,<br />
<strong>de</strong>sconhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> ambiente e da extranha psychologia da época<br />
e <strong>do</strong> meio Cuyabano <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> quartel <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>,<br />
attentar ao episodio em si, <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> das circumstancias que o<br />
ro<strong>de</strong>avam. Por outro la<strong>do</strong>, lobrigará algum espírito malévolo,<br />
sinão <strong>de</strong>spreveni<strong>do</strong>, algo <strong>de</strong> orgulho ou vaida<strong>de</strong> na attitu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
Capuchinho que, sem <strong>de</strong>stemor, leva a conhecimento <strong>do</strong><br />
Governo Imperial o facto <strong>de</strong> se lhe haver nega<strong>do</strong> o tratamento a<br />
que tinha direito pelas leis e costumes.<br />
O evento em si é o seguinte: Patrício Manso promovia<br />
perante o Juizo Ecclesiastico uma justificação <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> livre a<br />
fim <strong>de</strong> casar-se com D. Blandina Eu<strong>do</strong>xia Julia. Antes tentara,<br />
junto ao Provisor e Vigário Geral, omittir essa formalida<strong>de</strong><br />
imprescindível, com o que não concor<strong>do</strong>u o Prela<strong>do</strong>.<br />
Feita a justificação, dirigiu se Manso ao Juiz <strong>de</strong><br />
Casamentos para requerer a Provisão necessária para o<br />
matrimonio.<br />
Man<strong>do</strong>u aquelle que fosse, como <strong>de</strong> direito, requerida a<br />
Provisão ao Administra<strong>do</strong>r da Diocese.<br />
Aqui é que começa o inci<strong>de</strong>nte.<br />
Patrício Manso, que Fr. <strong>José</strong> em seu alludi<strong>do</strong> officio<br />
apoda <strong>de</strong> "sujeito na verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pouco caracter e bem<br />
conheci<strong>do</strong> pelas suas acçoens nesta província" e que, conforme<br />
diz o Prela<strong>do</strong>, já por mais <strong>de</strong> uma vez havia ataca<strong>do</strong> a sua<br />
Pessoa e Auctorida<strong>de</strong>, dirigiu-lhe um requerimento por Fr. <strong>José</strong><br />
adjectiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> “afftrontoso," no qual lhe negan<strong>do</strong> o tratamento<br />
<strong>de</strong> Excellencia que lhe era <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, o tratou por Illustrissimo,<br />
como <strong>de</strong> costume se empregava para o Vigário Geral.<br />
Determinou Fr. <strong>José</strong>, sem mais consi<strong>de</strong>ração, que<br />
41<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
o peticionário “requeresse em forma". Petulantemente,<br />
acintosamente, volveu Patrício Manso á presença <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong><br />
com segun<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> em que solicitava a graça impetrada ou<br />
que se lhe apontasse a Lei violada.<br />
Segunda vez retorquio o Prela<strong>do</strong> e, ante uma terceira<br />
tentativa, <strong>de</strong>spachou na forma seguinte: Resta que reformem o<br />
Tratamento, e Nos dêm o que Nos compete pelas Leis <strong>do</strong><br />
Império, e praxe ordinária."<br />
Veio, afinal, o Cirurgião-mór com uma quarta petição,<br />
em termos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s, a qual foi por Fr. <strong>José</strong> <strong>de</strong>ferida. Após varias<br />
idas e venidas, ten<strong>do</strong> sobrevin<strong>do</strong> a interferência <strong>de</strong> Joaquim da<br />
Silva Tavares, parente da noiva <strong>de</strong> Manso, entrou este com um<br />
requerimento <strong>de</strong> recurso á Corôa, o qual foi recebi<strong>do</strong> pela<br />
Imperial Junta, mandan<strong>do</strong>, em accordam, que se conce<strong>de</strong>sse a<br />
licença ao requerente para effectuar o seu casamento,<br />
ventilan<strong>do</strong>-se á parte a questão <strong>do</strong> tratamento.<br />
O inci<strong>de</strong>nte, leva<strong>do</strong> ao conhecimento imperial, teve<br />
solução condigna e justa pelo aviso <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1826,<br />
em que o Impera<strong>do</strong>r man<strong>do</strong>u, reprehen<strong>de</strong>r o Cirurgião-mór<br />
Antonio Luis Patrício da Silva Manso pela falta <strong>de</strong> attenção<br />
com a pessôa <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong>.<br />
Não se supponha que outro fosse o intuito <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> ao<br />
resalvar na dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> tratamento que lhe competia a própria<br />
autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu cargo e ministério.<br />
É elle quem o affirma quan<strong>do</strong> no predito officio, diz:<br />
"Eu sou uma authorida<strong>de</strong> Ecclesiastica legitimamente<br />
constituída por vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial á testa <strong>de</strong> huma<br />
gran<strong>de</strong> Província" e, mais adiante ao pedir para "o gênio máo, e<br />
perverso, suscita<strong>do</strong>r <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s, e perturba<strong>do</strong>r da pás<br />
publica" a merecida punição, revela ainda nesse ponto o seu<br />
espírito eleva<strong>do</strong> e cheio <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> ao inculcar que a pena<br />
seja "imposta porem com carida<strong>de</strong>, e com aquella modificação,<br />
brandura, e suavida<strong>de</strong>, que parecer a Vossa Magesta<strong>de</strong><br />
Imperial".<br />
42
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
VIII<br />
Nativismo mal entendi<strong>do</strong><br />
Por minha parte, eu, que <strong>de</strong>sejo, que solicito, que <strong>de</strong> braços<br />
abertos recebo toda coadjuvação <strong>do</strong> estrangeiro para a<br />
prosperida<strong>de</strong> material e moral da minha pátria, não posso repellir<br />
o <strong>do</strong> religioso, cuja serena esphera <strong>de</strong> acção está acima <strong>do</strong>s tiros<br />
<strong>do</strong> nativismo.<br />
(Carlos <strong>de</strong> Laet — O Fra<strong>de</strong> estrangeiro)<br />
O ru<strong>de</strong> vendaval que sacudiu a novel Província e to<strong>do</strong> o<br />
país, na sua crise <strong>de</strong> crescimento, e por pouco, abalou até as<br />
instituições e quiçá a nossa autonomia nuperconquistada,<br />
esten<strong>de</strong>u os seus effeitos até a Prelazia <strong>de</strong> Matto Grosso que o<br />
nativismo exagera<strong>do</strong> não podia ver com bons olhos entregue ás<br />
mãos <strong>do</strong> varão virtuosíssimo e bemquisto mas que viera á luz<br />
em outras plagas que não as <strong>do</strong> Brasil.<br />
Tão longe levavam os campeões <strong>do</strong> nativismo os seus<br />
ciosos amores pelo Brasil que o simples facto <strong>de</strong> ser<br />
extrangeiro se tornava feio <strong>de</strong>licto e grave <strong>de</strong>mérito á gente <strong>de</strong><br />
1830.<br />
Accresce que Fr. <strong>José</strong>, com ser italiano, ainda que mais<br />
<strong>de</strong> uma década <strong>de</strong> labores apostólicos o <strong>de</strong>vesse ter<br />
amattogrossensa<strong>do</strong>, era também, dada a feição <strong>do</strong> seu espírito,<br />
cheio <strong>de</strong>sse amor universal <strong>de</strong> todas as creaturas que<br />
caracterizou o seu gran<strong>de</strong> Pae e mestre S. Francisco <strong>de</strong> Assis,<br />
contrario a to<strong>do</strong>s os excessos e <strong>de</strong>sman<strong>do</strong>s que, sob color <strong>de</strong><br />
nacionalismo, as<br />
43<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
paixões partidárias <strong>de</strong>flagraram contra os portugueses e os que<br />
lhes eram sympathicos.<br />
Dá exemplo <strong>de</strong>ssa forte tendência <strong>de</strong> seu espírito curioso<br />
episodio occorri<strong>do</strong> no Diamantino, por occasião da Rusga, e no<br />
qual a opinião publica lobrigou uma das muitas manifestações<br />
<strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r divinatório, <strong>de</strong>vassa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s arcanos <strong>do</strong> porvir.<br />
Iniciara-se a perseguição tenaz e implacável aos<br />
“bicu<strong>do</strong>s" e "caramurus", — nomes pelos quaes a gíria fazia<br />
conhecer os portugueses e os que os protegiam. A sanha feroz<br />
<strong>do</strong>s nativistas não podia tolerar o espírito <strong>de</strong> christan<br />
mansuetu<strong>de</strong> <strong>do</strong> capuchinho, ao qual, por sua vez, se figuravam<br />
excessos con<strong>de</strong>mnaveis os <strong>de</strong>svarios <strong>do</strong>s pseu<strong>do</strong>s <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong><br />
nacionalismo.<br />
Quan<strong>do</strong> irrompeu a lucta estava Frei <strong>José</strong> no Diamantino,<br />
e ven<strong>do</strong> a sanha com que eram procura<strong>do</strong>s os portugueses<br />
dissera:<br />
— "Isto não acabará emquanto não fôr <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong> sangue<br />
brasileiro.”<br />
E effectivamente, tal aconteceu, como previra o santo<br />
varão.<br />
Dan<strong>do</strong> caça, que outra expressão não se ajusta ao caso, ao<br />
medico português João <strong>José</strong> Monteiro, morto iníqua e<br />
barbaramente <strong>de</strong>ntro da própria moradia, fizeram os jacobinos<br />
alvo <strong>de</strong> suas iras a um filho <strong>do</strong> mesmo, brasileiro nato,<br />
inconscientemente victima<strong>do</strong> pela sanguinária cólera <strong>do</strong>s seus<br />
próprios patrícios.<br />
Foi este facto <strong>do</strong>loroso e revoltante o epílogo da "Rusga"<br />
na villa <strong>do</strong> Diamantino.<br />
O tufão que se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ava sobre a Província e o país<br />
exigia, porém, novas immolações ao Molóch <strong>do</strong> patriotismo<br />
vesgo e daltoniza<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas phases <strong>de</strong> transição e <strong>de</strong> revolta.<br />
O infatigável Missionário foi uma das victimas. Os<br />
nativistas <strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>-lhe feia macula na circumstancia <strong>de</strong> não<br />
ter nasci<strong>do</strong> sob o céu <strong>do</strong> Cruzeiro<br />
44
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
e sim nas plagas que o Adriático e o Tyrreno osculam <strong>de</strong> seus<br />
lângui<strong>do</strong>s beijos, conseguiram <strong>do</strong> governo regencial, encarna<strong>do</strong><br />
na pessoa <strong>do</strong> P. Feijó, a dispensa <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> <strong>do</strong> múnus da<br />
Prelazia que vinha com tanto acerto e <strong>de</strong>dicação exercitan<strong>do</strong>. E<br />
assim é que, por Decr. <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1831, Fr. <strong>José</strong> era<br />
<strong>de</strong>sonera<strong>do</strong> "da Prelazia e administração ecclesiastica <strong>de</strong><br />
Cuiabá e Matto-Grosso, porque sen<strong>do</strong> extrangeiro não po<strong>de</strong><br />
exercer emprego algum publico neste Império". Completan<strong>do</strong> o<br />
propósito naquelle <strong>de</strong>creto conti<strong>do</strong>, o a viso <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Dezembro<br />
<strong>do</strong> mesmo anno, expedi<strong>do</strong> pela Secretaria d'Esta<strong>do</strong> da Justiça<br />
ao Presi<strong>de</strong>nte da Província, <strong>de</strong>terminava que Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong><br />
Macerata se empregasse “como dantes na Cathequese <strong>do</strong>s<br />
Indios" se o Presi<strong>de</strong>nte e o Vigário Capitular <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> assim<br />
o enten<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong> vantagem.<br />
Isso mesmo communicou o Presi<strong>de</strong>nte Corrêa da Costa,<br />
em officio <strong>do</strong> 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1832, ao P. Antonio Tavares<br />
Corrêa da Silva, a quem entregara a Regência, com a provisão<br />
<strong>de</strong> Vigário Capitular, as ré<strong>de</strong>as <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
governa<strong>do</strong>r interino, consultan<strong>do</strong>-o acerca <strong>do</strong> assumpto,<br />
trazen<strong>do</strong> o mesmo officio governamental, á guiza <strong>de</strong><br />
esclarecimento, a informação <strong>de</strong> que, na lei orçamentária, se<br />
consignava para o serviço da Catechese a verba <strong>de</strong> 2:300$000.<br />
Deu-se pressa em respon<strong>de</strong>r o Vigário Capitular á<br />
consulta <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte, e, a 28 <strong>do</strong> mesmo Abril <strong>de</strong> 1832, este<br />
accusava nos seguintes termos o recebimento <strong>do</strong> officio<br />
daquelle, data<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse dia:<br />
Illmo. Revmo. Snr.<br />
"Tenho presente o officio <strong>de</strong> V. S. data<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje, em resposta<br />
ao que eu lhe dirigi em data <strong>de</strong> 25; e sen<strong>do</strong> os meus sentimentos em<br />
tu<strong>do</strong> idênticos aos <strong>de</strong> V. S. para o encargo a que reverte o Rev<strong>do</strong>. Fr.<br />
<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, Missionário Apostólico, convenço-me ao<br />
mesmo tempo que a V. S. compete fazer-lhe a necessa-<br />
45<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
ria participação, em conformida<strong>de</strong> das Imperiaes Or<strong>de</strong>ns, e <strong>de</strong>pois<br />
transmittir-me o resulta<strong>do</strong>, no caso <strong>de</strong> acceitação, para q’eu expessa<br />
ulteriores Or<strong>de</strong>ns ás Estações competentes. Deos guar<strong>de</strong> a V. Excia.<br />
Cuiabá, 28 <strong>de</strong> Abril 1832 (36).<br />
(a) Antonio Corrêa da Costa."<br />
Volvia, <strong>de</strong>st'arte, ao campo das suas labutas apostólicas o<br />
egrégio sacer<strong>do</strong>te, cujos serviços no governo da Prelazia,<br />
durante cerca <strong>de</strong> sete annos, não mereceram siquer uma palavra<br />
<strong>de</strong> louvor ou <strong>de</strong> justiça da parte <strong>do</strong> governo regencial ou<br />
provincial.<br />
Recusavam-se, como <strong>de</strong>snecessários, suas luzes e seu tino<br />
na direcção <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, pelo simples facto <strong>de</strong> ser alinegena.<br />
Exigiam-se, entretanto, essas mesmas qualida<strong>de</strong>s, já postas á<br />
mostra, no serviço penoso e duro da christianização <strong>do</strong>s<br />
silvícolas. De sorte que, na vesga comprehensão <strong>do</strong>s<br />
nacionalistas reaccionarios <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da post-abdicação, não<br />
era licito a um fra<strong>de</strong> extrangeiro, mal que falassem a seu favor<br />
12 annos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>fessos labores, manter-se á testa <strong>de</strong> uma<br />
Prelazia sertaneja, mas permittia-se lhe, no contacto directo<br />
com as populações indígenas e rústicas <strong>do</strong> interior da Província,<br />
inocular-lhes o seu nocivo vírus anti-nacionalista: <strong>de</strong>corrente da<br />
só condição <strong>de</strong> filho <strong>de</strong> outras terras!<br />
Ao cabo, a verda<strong>de</strong> é esta: as honras da Prelazia lhe eram<br />
<strong>de</strong>fesas, por ser extrangeiro, mas os ru<strong>de</strong>s e árduos labores da<br />
colonização, esses os nacionalistas lh'os commettiam, com toda<br />
confiança, mesmo porque <strong>do</strong> clero brasileiro poucos, tal vez<br />
nenhum, no tempo, os preferissem.<br />
Lógica admirável, lógica illogica, que, <strong>de</strong> resto, não <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser, ainda hoje, a outros respeitos, a que orienta muitas<br />
vezes, a moral politica <strong>de</strong> nossos dias!<br />
(36) Este officio, bem como o anteriormente referi<strong>do</strong>, existe, em original no<br />
Archivo Ecclesiastico, masso Avulsos, n° 1.<br />
46
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
IX<br />
Novo campo <strong>de</strong> acção<br />
Procurai quanto for possível <strong>de</strong> vos fazer<strong>de</strong>s amar d'esta gente,<br />
porque muyto maior fruyto fareis com elles se vos amarem, que se<br />
vos temerem.<br />
(Historia da vida <strong>do</strong> Padre S, Francisco <strong>de</strong> Xavier - Joam <strong>de</strong><br />
Lucena, ediç. 1788, II, 281)<br />
Toda uma década — a que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1833 a 1843 —<br />
Frei <strong>José</strong> exercitou sua benéfica activida<strong>de</strong> no campo da<br />
educação, e da instrucção, radican<strong>do</strong>-se algum tempo na Villa<br />
<strong>do</strong> Diamantino — theatro obscuro e glorioso <strong>do</strong>s seus labores<br />
evangélicos.<br />
Dispensa<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo da Prelazia, emprehen<strong>de</strong>u uma<br />
viagem á Côrte, conforme testifica o officio <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
Antonio Correa da Costa ao Vigário Capitular, em data <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><br />
Janeiro <strong>de</strong> 1833, respondi<strong>do</strong> no dia seguinte, no qual a<br />
autorida<strong>de</strong> civil solicitava á ecclesiastica informação acerca da<br />
circumstancia <strong>de</strong> achar-se ou não o mesmo fra<strong>de</strong> no caso <strong>de</strong><br />
obter o passaporte que áquelle fim solicitara. (37)<br />
Que objectivos teria Frei <strong>José</strong>, nessa viagem, não é<br />
possível precisar, mas, ante certos elementos, é licito<br />
conjecturar, ao menos, que o houvesse induzi<strong>do</strong> o propósito <strong>de</strong><br />
conseguir uma reparação á injustiça que soffrera e que, por<br />
certo, funda magua lhe <strong>de</strong>ixára na alma.<br />
(37) Officio, em original, no Archivo <strong>do</strong> Arcebispa<strong>do</strong>.<br />
47<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
O Bispo eleito para substituil-o, (38) Pláci<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s<br />
Carneiro, nomea<strong>do</strong> por Dec. <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1829,<br />
renunciara, a 11 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1830, a dignida<strong>de</strong> episcopal,<br />
(39) ten<strong>do</strong>, em seguida, si<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong>, a 6 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1831,<br />
o Bispo P. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, proposto ao Summo<br />
Pontífice Gregório XVI, no consistório <strong>de</strong> 2 Julho <strong>de</strong> 1832.<br />
Frei <strong>José</strong> que, após a sua <strong>de</strong>stituição da Prelazia e<br />
Governo <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, se retirara para o Diamantino, <strong>de</strong> lá<br />
escreveu a Monsenhor Fabbrini (Scipião Domingos) em data <strong>de</strong><br />
25 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1832, acerca <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, por elle consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />
ainda vacante.<br />
A resposta <strong>de</strong> Monsenhor Fabbrini, datada <strong>do</strong> Rio, a 30<br />
<strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1832, e cujo original, em latim, existe no<br />
Archivo Ecclesiastico, o punha a par <strong>do</strong> que até ahi occorrera,<br />
mas tu<strong>do</strong> leva a crer que essa resposta se cruzasse em caminho<br />
com o seu <strong>de</strong>stinatário, em rumo á Corte logo em começos <strong>de</strong><br />
1833.<br />
Baldar-se-ia qualquer esforço ou empenho <strong>do</strong><br />
capuchinho, ante as provi<strong>de</strong>ncias já tomadas pelo governo da<br />
Regência no tocante á sua substituição.<br />
Effectivamente, a 8 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1832, recebia o lº<br />
Bispo <strong>de</strong> Cuyabá, D. <strong>José</strong>, os óleos da sagração na Cathedral<br />
Paulistana e, a 2 <strong>de</strong> Julho <strong>do</strong> anno seguinte, pelo seu procura<strong>do</strong>r<br />
Padre <strong>José</strong> da Silva Guimarães se empossava no Bispa<strong>do</strong>, em<br />
cuja sé<strong>de</strong> somente a 27 <strong>de</strong> Novembro daria entrada.<br />
Frei <strong>José</strong>, por certo, não lhe amargaria por muito a<br />
injustiça que soffrêra. Ao seu caracter altaneiro<br />
(38) Elevada a Bispa<strong>do</strong> a Prelazia <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-Grosso, pela Bulla<br />
Sollicita Catholicae Gregis Cura, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1828, foi nomea<strong>do</strong> o<br />
Cônego da Imperial Capella Placida Men<strong>de</strong>s Carneiro para substituir o<br />
Capuchinho Fr. <strong>José</strong>.<br />
(39) Candi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s no seu precioso Direito Civil Ecclesiastico Brasileiro<br />
edic. 1866, vol. I, 1337 dá-lhe o nome <strong>de</strong> Pláci<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s Carneiro que <strong>de</strong>ve<br />
sêr o exacto, pois combina com o que vem na carta <strong>de</strong> Fabbrini a Fr. <strong>José</strong>.<br />
48
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
e, ao mesmo tempo, humil<strong>do</strong>so, <strong>de</strong> filho <strong>do</strong> seraphico Padre S.<br />
Francisco, fácil fôra resignar-se ao facto consumma<strong>do</strong>,<br />
volven<strong>do</strong>, feliz e anima<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo espírito <strong>de</strong> <strong>de</strong>dição e<br />
carinho, á nova seara que Deus lhe indicava. Fez sua residência<br />
e centro <strong>de</strong> acção na villa <strong>do</strong> Alto Paraguay Diamantino, on<strong>de</strong> o<br />
encontramos até 1840, só voltan<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivamente em 1841 á<br />
Capital da Província.<br />
Da sua activida<strong>de</strong> em prol da educação da mocida<strong>de</strong> e<br />
infância e <strong>do</strong> seu zelo pela Religião talam, no referi<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>,<br />
a fundação <strong>de</strong> um Collegio sob vocação <strong>de</strong> "Jesus Maria e<br />
<strong>José</strong>", e <strong>de</strong> um recolhimento para freiras, por elle manti<strong>do</strong><br />
durante os annos que lá residiu. (40)<br />
A sua pieda<strong>de</strong>, o seu extrema<strong>do</strong> <strong>de</strong>votamento á pobreza, a<br />
sua solicitu<strong>de</strong> pelo bem da grei que lhe fôra confiada <strong>de</strong>ixaram,<br />
na antiga e tradiccional villa nortense, uma fama que ainda hoje<br />
perdura florescen<strong>do</strong> em lendas e narrares encanta<strong>do</strong>res, que as<br />
velhinhas repetem, em êxtase, si porventura alguém lhes evoca<br />
o nome abençoa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />
A mais <strong>de</strong> uma ouvi, em se referin<strong>do</strong> ao santo varão,<br />
expressões como estas:<br />
(40) Acerca <strong>do</strong> velho Diamantino po<strong>de</strong>-se lêr o que escrevi no ensaio<br />
"Um homem e uma época", Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. <strong>de</strong> Matto-Grosso, tomo XIII,<br />
71. Já ao vir para a Prelazia, trazia Fr. <strong>José</strong> o <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> fundar um<br />
recolhimento, como se evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>ste tópico <strong>do</strong> officio dirigi<strong>do</strong> ao<br />
Impera<strong>do</strong>r Pedro I, em 22-7-1824: “Outro (objecto) <strong>de</strong> igual pezo, e não <strong>de</strong><br />
inferior vantagem publica, he um Conservatório <strong>de</strong> recolhidas que espero<br />
tão bem estabelecer se Vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial for servi<strong>do</strong> conce<strong>de</strong>r-me a<br />
Fabrica que aqui temos principiada pelo Tenente General Magessi com o<br />
<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> servir para um Quartel, o que to<strong>do</strong>s reputão inútil e na realida<strong>de</strong><br />
não ha precisão alguma.”<br />
E, prosseguin<strong>do</strong>, traçava o plano <strong>do</strong> seu Recolhimento: "Este<br />
Conservatório formar-se ha á imitação das Recolhidas da Luz da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
São Paulo, providas pela Provi<strong>de</strong>ncia, e secundariamente por seus trabalhos:<br />
pelo que alem <strong>de</strong> estarem <strong>de</strong>dicadas a servir a Deos e a viver em seu santo<br />
Temor, suas obrigaçoens serão sobretu<strong>do</strong> fiar, tecer, alimpar, engomar,<br />
costurar, e arranjar to<strong>do</strong> o fato <strong>do</strong> Hospital, Collegio e Seminário não só<br />
como paramentos <strong>de</strong> Igrejas, toalhas, sobrepellizes, etcetera etcetera<br />
etcetera".<br />
49<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
— Fr. <strong>José</strong>? Esse era um santo! Homem <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> como<br />
não houve! Padre <strong>de</strong> bôa vida era esse! Pois si elle fazia<br />
milagres, adivinhava os pensamentos e cousas mais <strong>de</strong> admirar!<br />
Em 1840 — o ultimo anno que passou no Diamantino,<br />
pois em 1841 já o encontramos em Cuyabá — Fr. <strong>José</strong><br />
carteava-se <strong>de</strong> lá com o Presi<strong>de</strong>nte Estevão Ribeiro <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>,<br />
fazen<strong>do</strong>-lhe, por intermédio <strong>do</strong> Cap. <strong>José</strong> Pedro da Silva Pra<strong>do</strong>,<br />
uma visita, que o Governa<strong>do</strong>r retribua em affectuosa letra,<br />
cheia <strong>de</strong> carinho exuberante, cujo original, bem como copia da<br />
resposta, se encontram no Archivo Ecclesiastico. (41)<br />
A Carta <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong>, datada <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Junho, fazia<br />
referencia a anteriores entre elles trocadas, e bem assim a uma<br />
pretenção <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> encaminhada ao governo Imperial, pelo<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Província, que affirmava prezal-o e reverencial-o<br />
"como hum <strong>do</strong>s mais Dignos ornamentos da Santa Madre Igreja<br />
Cattholica Apostolica Romana" e relembrava, como jus ao que<br />
pretendia, "tantos e tão bons serviços presta<strong>do</strong>s ao Império por<br />
V. Excia Rvma. nestes confins <strong>do</strong> Brasil."<br />
Accusan<strong>do</strong>, a 16 <strong>de</strong> Julho seguinte, o recebimento da<br />
carta, Fr. <strong>José</strong>, numa longa epistola, que é um mimo <strong>de</strong><br />
singeleza e sincerida<strong>de</strong>, extravasava a sua gratitu<strong>de</strong> ao<br />
Presi<strong>de</strong>nte amigo "por tal e tanta dilecção, e benevolência a<br />
favor <strong>de</strong>ste o mais pequeno <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Filhos da gran<strong>de</strong> e<br />
numerosa família <strong>do</strong> Patriarcha <strong>do</strong>s pobres, Francisco."<br />
Terminou ainda Fr. <strong>José</strong> o anno <strong>de</strong> 1840 no Diamantino.<br />
Conclue-se esta circumstancia da carta que, a 15 <strong>de</strong><br />
Dezembro <strong>de</strong>sse anno, lhe dirigiu o Cônego <strong>José</strong> da Silva<br />
Guimarães agra<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> as felicitações que, a 16 <strong>de</strong> Novembro,<br />
lhe enviara, pela sua nomeação para a Presidência da Província.<br />
(41) Correspondência, nº l.<br />
50
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Nessa carta em que o Cônego Guimarães começa por<br />
beijar-lhe as mãos "por suas obrigantes expressões", lamenta<br />
que Fr. <strong>José</strong> "se não resolva a vir á esta Capital não só para ter<br />
o gosto <strong>de</strong> abraçar, como para ajudar-me a carregar o peza<strong>do</strong><br />
far<strong>do</strong> que tenho hoje sobre meos hombros, pois aproveitan<strong>do</strong><br />
das suas luzes, e longa experiência <strong>do</strong>s negócios públicos mui<br />
feliz eu seria".<br />
E terminava dizen<strong>do</strong> que esperava que Fr. <strong>José</strong> ainda se<br />
resolvesse a fazer esse sacrifício, "mesmo para ajudar-me na<br />
testa da Santa Páscoa, da qual sou Prove<strong>do</strong>r este anno".<br />
O convite, instante e affectuoso, <strong>de</strong>ve ter encontra<strong>do</strong><br />
guarida no coração <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, pois, logo nos começos <strong>de</strong><br />
1841, o vêmos em Cuyabá, cuidan<strong>do</strong> ainda então da educação<br />
da mocida<strong>de</strong> — preoccupação constante <strong>de</strong> seu espírito<br />
illumina<strong>do</strong> e vi<strong>de</strong>nte.<br />
51<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
X<br />
O espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong><br />
"La charité u’excepte rieux Elle veut s’emparer <strong>de</strong> tous nos<br />
instants, diriger toutes nos démarches, or<strong>do</strong>nner toutes nos<br />
affetions.”<br />
(Commentaire sur la Régie <strong>de</strong> Saint Benoit — D. Paul Delatte —<br />
6me. ed. 74)<br />
Si a religião christan — esse conjuncto perfeito e<br />
maravilhoso <strong>de</strong> <strong>do</strong>gmas, princípios e preceitos sublimes que<br />
vem, ha quasi <strong>do</strong>is millenios, nortean<strong>do</strong> a marcha <strong>do</strong> homem<br />
sobre a terra — se houvesse <strong>de</strong> resumir em uma palavra,<br />
con<strong>de</strong>nsar em um vocábulo somente, que lhe contivesse a<br />
summula e quintessenciasse o systema e programma <strong>de</strong> acção,<br />
esse termo polymorphico outro não seria, por certo, senão este<br />
— carida<strong>de</strong>.<br />
E o nosso heróe conheceu e praticou á perfeição essa<br />
virtu<strong>de</strong> insigne, virtus virtutis, a flor por excellencia da moral<br />
religiosa, cujo aroma tão puro e <strong>de</strong>licioso inebria até aos que,<br />
fora da crença, no vórtice <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, assola<strong>do</strong>s pelas paixões<br />
mais ignaras e conturba<strong>do</strong>ras, nem por isso <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r o<br />
preito <strong>de</strong> admiração aos cultores <strong>de</strong> tão excelso predicamento.<br />
Frei <strong>José</strong> personificou o verda<strong>de</strong>iro espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>.<br />
E si, nas árduas funcções <strong>de</strong> seu apostola<strong>do</strong>, não raro se<br />
lhe apontam rasgos <strong>de</strong> philanthropia insuperável, traços<br />
sobrehumanos <strong>de</strong> uma bonda<strong>de</strong> sublime, a fama que <strong>de</strong>ixou, os<br />
factos extraordinários que lhe cer-<br />
52
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
cam a memória <strong>de</strong> uma lauréola <strong>de</strong> santida<strong>de</strong>, por si bastam a<br />
inculcar o missionário capuchinho como verda<strong>de</strong>iro prototypo<br />
da carida<strong>de</strong> christan, <strong>de</strong>sinteressada e pura.<br />
Illustra a asserção que ahi fica a circumstancia <strong>de</strong>, já<br />
velho e cansa<strong>do</strong>, assoberba<strong>do</strong> pelos annos e pelas<br />
enfermida<strong>de</strong>s, acceitar, <strong>de</strong> bom gra<strong>do</strong>, as exhaustivas funcções<br />
<strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s Estabelecimentos Pios <strong>de</strong> Cuyabá.<br />
Por portaria <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1843, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />
Província Manoel Alves Ribeiro <strong>de</strong>terminara ao Inspector <strong>do</strong>s<br />
Estabelecimentos Pios Joaquim Alves Ferreira que fizesse abrir<br />
os assentamentos <strong>de</strong> vencimentos ao Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />
mesmos D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, a contar <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong>sse<br />
mês, em que prestara o respectivo juramento. (42)<br />
Prece<strong>de</strong>ra a investidura nessas funcções a Lei Provincial<br />
N° 7, sancionada em 30 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1843, que auctorizava o<br />
Presi<strong>de</strong>nte a "nomear hum sacer<strong>do</strong>te nacional ou extrangeiro"<br />
para o cargo que creava <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes <strong>de</strong><br />
Carida<strong>de</strong>, com o or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> <strong>de</strong> 400$000 e com as obrigações <strong>de</strong><br />
residir no Hospital <strong>de</strong> Nossa Senhora da Misericórdia, e mais<br />
dizeres menciona<strong>do</strong>s nos arts. 2, 3 e 4 da mesma Lei (43).<br />
Uma copia <strong>de</strong>ssa Resolução, foi remettida ao Bispo D.<br />
<strong>José</strong> pelo Presi<strong>de</strong>nte, capean<strong>do</strong>-a o officio <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />
1843, no qual rogava Manoel Alves Ribeiro ao Diocesano que<br />
houvesse por bem, ante a alta confiança que lhe merecia,<br />
"<strong>de</strong>signar o Sacer<strong>do</strong>te, em que com proveito <strong>do</strong>s enfermos <strong>do</strong>s<br />
Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital <strong>de</strong>verá recahir a nomeação<br />
<strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s mesmos."<br />
(42) Livro <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>ns existente na S. Casa. fls.226.<br />
(43) Vêr collecção <strong>de</strong> Leis Provinciaes <strong>de</strong> 1843.<br />
53<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A indicação <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> naturalmente foi incidir no<br />
philanthropico filho <strong>de</strong> S. Francisco a quem, pouco antes, em<br />
honrosissimo <strong>do</strong>cumento, que é a Portaria <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />
1842, dava publica testificação <strong>de</strong> respeito e consi<strong>de</strong>ração,<br />
dizen<strong>do</strong> "esperar <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s e especialmente <strong>de</strong> sua<br />
carida<strong>de</strong>" que o auxiliasse no carregar o gran<strong>de</strong> peso que o<br />
opprimia (44).<br />
Á 2 <strong>de</strong> Setembro, três dias após a promulgação da Lei, o<br />
Presi<strong>de</strong>nte se dirigia a Frei <strong>José</strong> neste expressivo officio:<br />
Exmo e Revmo Snr.<br />
Convenci<strong>do</strong>, assim como o Exmo. Snr. Bispo Diocesano acaba<br />
<strong>de</strong> manifestar pelo officio constante da copia inclusa, <strong>de</strong> que na<br />
respeitável pessoa <strong>de</strong> V. Excia. concorrem as qualida<strong>de</strong>s necessárias<br />
para o bom <strong>de</strong>sempenho das funcções <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />
Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital novissimamente crea<strong>do</strong> pela Lei<br />
Provincial Nº 7 <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Agosto ultimo. Tenho a honra <strong>de</strong> convidar a<br />
V. Excia. para acceitar o seu exercício que é o da Carida<strong>de</strong> em acção<br />
para com os miseráveis e <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s, que procuram achar nos<br />
hospitaes um linitivo a seos males. Permitta V. Excia. que eu exija a<br />
sua <strong>de</strong>cisão pela affirmativa com aquella mesma brevida<strong>de</strong> com que<br />
V. Excia. costuma prestar-se ao consolo <strong>do</strong>s que chorão afflictos pela<br />
pesada mão <strong>do</strong> infortúnio. Deos Guar<strong>de</strong> a V. Excia. Palácio <strong>do</strong><br />
Governo em Cuiabá 2 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1843 (45).<br />
Manoel Alves Ribeiro.<br />
O seu ar<strong>do</strong>r pelo exercício da carida<strong>de</strong> transparece em<br />
to<strong>do</strong>s os escriptos que nos legou e evi<strong>de</strong>ncia-se nos menores<br />
episódios <strong>de</strong> sua vida.<br />
Na pastoral <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1825 — a mais antiga<br />
que se lhe conhece — discorren<strong>do</strong> acerca <strong>de</strong>ssa principal<br />
virtu<strong>de</strong>, que é <strong>de</strong> todas as outras madre e origem, assim se<br />
exprime:<br />
(44) Livro <strong>de</strong> Registro <strong>do</strong>s Privilégios e Faculda<strong>de</strong>s concedidas in forma<br />
brevis a favor <strong>de</strong> diversas pessôas da Diocese, pg. 17 v.<br />
54
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
"Ultimamente, Queri<strong>do</strong>s filhos, vos Recommendamos a pas, a<br />
concórdia, a união, e sobretu<strong>do</strong> a carida<strong>de</strong>. Esta he aquella virtu<strong>de</strong>,<br />
que segun<strong>do</strong> a expressão <strong>do</strong> Príncipe <strong>do</strong>s Apóstolos escon<strong>de</strong> a<br />
multidão <strong>do</strong>s pecca<strong>do</strong>s e nella já se encerra o fim <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o preceito.<br />
Os pobres são Vossos Irmaons, escutai as suas indigências. São elles<br />
huma Imagem, e reprezentação viva <strong>de</strong> Jesus Christo, socorrei-os<br />
então por amor <strong>de</strong>lle, correi a visitá-los enfermos, a consolá-los<br />
afflictos, a ampará-los aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s. A este, e outros Officios <strong>de</strong><br />
Pieda<strong>de</strong> vos chama a religião, a fé, e não ha quem se possa<br />
legitimamente escuzar, porque a to<strong>do</strong>s he isto possível, ainda quan<strong>do</strong><br />
se trate <strong>de</strong> <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r alguma couza pois segun<strong>do</strong> S. Leão — Tem<br />
patrimônio abasta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> aquelle que tem hum coração benéfico, e<br />
dilata<strong>do</strong>. Nulli parvus est census, cui magnus est animus. Sirvão<br />
portanto para allivio <strong>do</strong>s pobres os modifica<strong>do</strong>s jejuns, e sejão mais<br />
distinctos por huma generosa pieda<strong>de</strong>, <strong>do</strong> que por huma estéril, e<br />
inoperoza abstinência. Procedão com o seu exemplo os ricos, e to<strong>do</strong>s<br />
aquelles principalmente, cuja virtu<strong>de</strong> por obrigação <strong>do</strong> seu Esta<strong>do</strong>, e<br />
por expresso comman<strong>do</strong> <strong>do</strong> Re<strong>de</strong>mptor <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>rramar entre os<br />
homens raios <strong>de</strong> Luz mais luminozos. Nós nos lisongeamos <strong>de</strong> ser<br />
percebi<strong>do</strong>s bastante. Permitta Deos, que em seguimento <strong>de</strong>stas<br />
amorozas, e paternaes admoestaçoens passeis to<strong>do</strong> este Sagra<strong>do</strong><br />
Tempo da Quaresma na Santida<strong>de</strong>, e na Justiça.”<br />
Não se po<strong>de</strong> ser, a uma, tão eloqüente e tão simples,<br />
empregar linguagem tão bella e ao mesmo passo tão accessivel<br />
a to<strong>do</strong>s os intellectos! Ahi está feito o elogio da Carida<strong>de</strong> — da<br />
gran<strong>de</strong>, da sublime virtu<strong>de</strong> em que o discípulo ama<strong>do</strong> viu a<br />
própria encarnação divina:<br />
Qui non diligit, non novit Deum, quoniam Deus caritas<br />
est. (Epist. I, IV, 8).<br />
(45) Original no archivo ecclesiastico, masso N° 1, Avulsos.<br />
55<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
XI<br />
O thaumaturgo<br />
La <strong>do</strong>ctrine discerne les miracles, et les miracles discernent la<br />
<strong>do</strong>ctrine.<br />
(Pascal — Penseés sur les miraacles)<br />
Entremos agora a encarar o aspecto mais empolgante da<br />
personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso queri<strong>do</strong> biographa<strong>do</strong>, aquelle que o<br />
apresenta á imaginação popular como um sêr sobrenatural pelas<br />
suas virtu<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>ns extraordinários, taes como o <strong>de</strong><br />
obrar milagres, fazer prophecias, <strong>do</strong>minar as forças da natureza.<br />
Fr. <strong>José</strong> foi um santo, um <strong>de</strong>sses gênios moraes <strong>de</strong> que nos fala<br />
<strong>José</strong> Agostinho na sua curiosa classificação, ao estudar a<br />
psychologia <strong>do</strong> inditoso Camillo (46).<br />
A crença disseminada por to<strong>do</strong> o norte <strong>de</strong> Matto Grosso,<br />
Cuyabá, Diamantino e suas cercanias, é a <strong>de</strong> que o preclaro<br />
servo <strong>de</strong> Deus morrera, como se diz em linguagem da Egreja,<br />
"em o<strong>do</strong>r <strong>de</strong> santida<strong>de</strong>."<br />
Essa crença, nós já o vimos, tem por abono o testemunho<br />
<strong>de</strong> seus contemporâneos, a narrativa fiel da sua vida <strong>de</strong><br />
trabalhos e virtu<strong>de</strong>s e da sua morte <strong>de</strong> justo.<br />
Apontaremos, agora, os factos conserva<strong>do</strong>s na tradição<br />
ingênua e firme da nossa gente, factos curiosos que indicam o<br />
credito que gozava entre os seus coevos o insigne missionário<br />
<strong>do</strong>s Guanás. Des<strong>de</strong> logo diremos que, entre uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
episódios colhi<strong>do</strong>s, aqui<br />
(46) Camillo e a sua psychologia.<br />
56
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
e ali, á flor <strong>de</strong> lendas e recontos singelos, escolhemos apenas,<br />
para inserir neste ensaio, os que tenham a seu favor,<br />
primeiramente, a possível segurança das fontes e, ao <strong>de</strong>pois, a<br />
confirmação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um narra<strong>do</strong>r, igualda<strong>de</strong> ou, pelo<br />
menos, semelhança <strong>de</strong> versão, nas suas linhas geraes e<br />
características.<br />
Devemos — e vai nisto uma questão <strong>de</strong> disciplina que<br />
gostosamente cumprimos, como filho amantíssimo da Egreja<br />
Catholica <strong>de</strong> Roma — <strong>de</strong>clarar que nos conformamos<br />
plenamente com os Decretos pontifícios <strong>de</strong> S. S. Urbano VIII,<br />
emprestan<strong>do</strong> aos factos narra<strong>do</strong>s pura auctorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradição<br />
humana, que não implica <strong>de</strong> nossa parte prejulgamento ou<br />
prevenção acerca <strong>do</strong>s Juízos da S. Sé, a que soberanamente<br />
reconhecemos o direito <strong>de</strong> se pronunciar, na forma costumada,<br />
sobre o valor e o alcance <strong>de</strong> taes testemunhos.<br />
Forra<strong>do</strong>s assim ao <strong>de</strong>ver que o nosso cre<strong>do</strong> nos impõem,<br />
resta-nos, com respeito aos nossos leitores, dizer que o que se<br />
vai ler neste e no subseqüente capitulo não é, nem po<strong>de</strong> sêr<br />
historia, no rigoroso concepto da palavra e sim colligenda, com<br />
to<strong>do</strong> o escrúpulo feita, <strong>de</strong> lendas e tradições, cheias <strong>de</strong><br />
encanta<strong>do</strong>ra poesia, ouvidas á gente antiga que as conserva e<br />
repete convictamente.<br />
Não ha fontes escriptas, mananciaes objectivos em que se<br />
possa ir buscar o nasce<strong>do</strong>uro <strong>de</strong> taes episódios. Seria insensatez<br />
o só preten<strong>de</strong>l-o. Por isso, si em pontos rigorosos <strong>de</strong><br />
chronologia e historia, preferimos — no clássico dizer <strong>do</strong> Bispo<br />
<strong>de</strong> Marianna — "<strong>de</strong>ixar em silencio, a ven<strong>de</strong>r aos leitores<br />
sonhos por verda<strong>de</strong>", em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> registar estas formosas<br />
historias, que, quan<strong>do</strong> outro valor lhes faltasse, seriam, no<br />
mínimo, paginas mimosas <strong>do</strong> nosso <strong>de</strong>sleixa<strong>do</strong> folk-lore, não<br />
po<strong>de</strong> haver essa msma preoccupação analytica e quasi mórbida<br />
<strong>do</strong>s pseu<strong>do</strong>-scientistas que dissecam a lagrima e tentam reduzir<br />
a alma a fibronus nervosas<br />
57<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
ou flui<strong>do</strong>s psychicos, conforme se <strong>de</strong>claram mais ou menos<br />
perto <strong>do</strong>s brutos ou <strong>do</strong>s periplasmas...<br />
Os casos attribui<strong>do</strong>s a Fr. <strong>José</strong> são to<strong>do</strong>s, pensamos ao<br />
menos, originaes e cheios <strong>de</strong> um sopro <strong>de</strong> sincerida<strong>de</strong> — ha<br />
nelles essa viva nota regional que os enforma e caracteriza,<br />
afastada assim a hypothese <strong>do</strong> serem mera reproducção <strong>de</strong><br />
casos outros redivivos na imaginativa popular.<br />
E, além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um outro valor se lhes adjudica, qual o<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar — verda<strong>de</strong>iros ou não — o gran<strong>de</strong> prestigio <strong>de</strong><br />
que gozava no seio <strong>do</strong>s seus temporaneos o virtuoso<br />
capuchinho, a ponto <strong>de</strong> permittir que em torno <strong>do</strong> seu nome<br />
florissem taes episódios, repeti<strong>do</strong>s e transmitti<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> évo em<br />
évo, não só pela gente rústica <strong>do</strong>s "engenhos" e <strong>do</strong>s "sítios"<br />
distantes, mas até pelos citadinos, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> certa cultura e<br />
emancipa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> primitivas credulida<strong>de</strong>s por <strong>de</strong>mais simples e<br />
ingênuas.<br />
Para que se lhe attribuissem taes virtu<strong>de</strong>s era preciso que<br />
elle tivesse merecimento para ser o sujeito <strong>de</strong> tão altos objectos,<br />
sob pena <strong>de</strong> discordância que, ao primeiro ver, a lógica repelle.<br />
A um Poupino, autoritário e sensual, a um Patrício<br />
Manso, violento e ru<strong>de</strong>, a um Fr. Nascentes, <strong>de</strong>magogo e<br />
atrabiliario — é que jamais se emprestariam <strong>do</strong>ns semelhantes.<br />
Natural é que as rosas não brotem <strong>de</strong> charcos nem <strong>de</strong> lezirias:<br />
ellas presumem bom terreno, canteiro bem trata<strong>do</strong>, mimos <strong>de</strong><br />
jardineiro, que, dia por dia, acompanhem o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
roseira.<br />
E assim como a belleza da flor credita o terreno e a mão<br />
<strong>do</strong> que a tratou — estes singelos episódios, <strong>de</strong> uma tocante<br />
naturalida<strong>de</strong>, orvalhada <strong>de</strong> sincera crença, luminosos <strong>de</strong> <strong>do</strong>ce<br />
belleza, valem, per si, mais <strong>do</strong> que massu<strong>do</strong>s infolios e códices<br />
veneran<strong>do</strong>s, como elogio das preclaras virtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Santo<br />
homem que passou pelas nossas villas e arraiaes, pelos campos<br />
silenciosos e pe-<br />
58
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
los pantanaes immensos, galgan<strong>do</strong> serras híspidas e boqueirões<br />
gigantescos, paran<strong>do</strong> aqui á beira <strong>de</strong> um rancho humil<strong>de</strong>, com o<br />
mesmo sorriso com que entrava o solar <strong>do</strong>s opulentos,<br />
<strong>de</strong>rraman<strong>do</strong> a esmola da bôa palavra, <strong>do</strong> conselho amigo, <strong>do</strong><br />
socorro opportuno, <strong>de</strong> ambas as mãos, a to<strong>do</strong>s os necessita<strong>do</strong>s...<br />
E reabrin<strong>do</strong>, em pleno sertão <strong>do</strong> Brasil central, o cyclo<br />
heróico <strong>do</strong>s primeiros filhos <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis, reproduz<br />
Fr . <strong>José</strong>, por outro la<strong>do</strong>, a epopéa gloriosa <strong>do</strong>s Anchietas,<br />
<strong>do</strong>ma<strong>do</strong>res da fera e <strong>do</strong> índio, que <strong>de</strong> homem só possuía a<br />
apparencia, pois, na sua barbárie, <strong>do</strong>rmiam to<strong>do</strong>s os instinctos<br />
carniceiros <strong>do</strong>s seus irmãos das selvas...<br />
59<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
XII<br />
No <strong>do</strong>mínio das tradições e <strong>do</strong> folk-lore<br />
Em psichologia collectiva ou ethnica, a alma <strong>do</strong> grupo, a alma da<br />
raça, é o fun<strong>do</strong> comum e a camada primigenia que explica e <strong>de</strong>fine<br />
o caracter especial <strong>de</strong> cada povo, no seu tríplice aspecto psichico,<br />
antropológico e historico...<br />
(J. Ribeiro — O Folk-Lore)<br />
Os factos extra-communs attribui<strong>do</strong>s a Fr. <strong>José</strong> po<strong>de</strong>m<br />
grupar-se em quatro categorias:<br />
1) revela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio sobre o espírito <strong>do</strong>s<br />
homens,<br />
2) índices <strong>do</strong> seu império sobre os brutos,<br />
3) <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>res da sua acção sobre seres inanima<strong>do</strong>s e,<br />
4) francamente sobre-naturaes, manifesta<strong>do</strong>res da<br />
santida<strong>de</strong>.<br />
Entre os primeiros citaremos quatro curiosos episódios,<br />
três entre os segun<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>is entre os terceiros e, por fim, três<br />
<strong>do</strong>s pertencentes á quarta espécie — a mais transcen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
todas.<br />
* * *<br />
Manifestações <strong>de</strong> telepathia. Passava certa vez o santo<br />
homem <strong>de</strong> Deus pelo bequinho que veio a sêr mais tar<strong>de</strong><br />
conheci<strong>do</strong> por bêcco <strong>do</strong> Xixo, quan<strong>do</strong> o viram, a gran<strong>de</strong><br />
distancia, <strong>do</strong>is solda<strong>do</strong>s que se achavam dan<strong>do</strong> guarda na<br />
Cadêa, a esse tempo ainda no<br />
60
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Largo da Matriz, hoje Praça da Republica. Um <strong>de</strong>lles, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> maus instinctos, murmurou, entre <strong>de</strong>ntes:<br />
— Quem me <strong>de</strong>ra ter aqui aquelle fra<strong>de</strong> para passar-lhe<br />
algumas palmatoriadas... Ao que redargiu o outro, creatura<br />
simples e <strong>de</strong> bom natural:<br />
— Pois eu quizera que elle viesse cá, mas para beijar-lhe<br />
a mão. Com pouco, sorprehendi<strong>do</strong>s, viram os <strong>do</strong>is milicianos,<br />
junto á gra<strong>de</strong>, a figura <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> que lhes dizia:<br />
— Aqui me ten<strong>de</strong>s, filhos, para cumprir os vossos<br />
<strong>de</strong>sejos. Esten<strong>de</strong>ra a mão esquerda ao primeiro, emquanto dava<br />
ao segun<strong>do</strong> a direita para que lh'a beijasse. É <strong>de</strong> imaginar-se a<br />
extranha confusão que, naquelle instante, salteou o espírito <strong>do</strong>s<br />
solda<strong>do</strong>s, estupefactos.<br />
* * *<br />
Pela mesma praça ia, <strong>de</strong> outra feita, o capuchinho,<br />
quan<strong>do</strong> num grupo, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> opposto, um <strong>de</strong>safecto seu, alias<br />
gratuito, segre<strong>do</strong>u aos <strong>de</strong>mais uma torpitu<strong>de</strong> qualquer que ao<br />
virtuoso varão se attribuia. Qual o seu pasmo ao ver que Fr.<br />
<strong>José</strong>, volven<strong>do</strong> sobre os seus passos, se encaminhava para a<br />
roda e, dirigin<strong>do</strong>-se ao maldizente, com uma calma serenida<strong>de</strong>:<br />
— O que você disse ha pouco está longe <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>. Posso<br />
affirmar que não é exacto...<br />
* * *<br />
Numa das suas viagens apostólicas, aconteceu-lhe, certa<br />
vez, passar pelo famoso engenho <strong>de</strong> «S. Romão» na Serra-<br />
Acima, a esse tempo pertencente a D. Escolastica Martins da<br />
Cruz. No <strong>de</strong>curso da conversa, queixou-se-lhe a <strong>do</strong>na <strong>do</strong> sitio<br />
que os índios não lhe <strong>de</strong>ixavam tréguas para o trabalho,<br />
infestan<strong>do</strong>, constantemente, a sua proprieda<strong>de</strong>. E accrescentou<br />
que a audácia <strong>do</strong>s selva-<br />
61<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
gens tocava ás raias <strong>do</strong> maior <strong>de</strong>splante, vin<strong>do</strong> por vezes até o<br />
terreiro da casa, nas suas freqüentes incursões.<br />
Animou-a o sacer<strong>do</strong>te, fazen<strong>do</strong>-lhe ver que dali por<br />
diante tal facto se não reproduziria. E, dalí <strong>do</strong>n<strong>de</strong> estava,<br />
indicou com a mão, no rumo <strong>do</strong>s quatro pontos car<strong>de</strong>aes, certos<br />
limites e pontos referenciaes que jamais — affirmou — seriam<br />
ultrapassa<strong>do</strong>s pelos indígenas. E, <strong>de</strong> facto, — contou-me um<br />
neto da velha <strong>do</strong>na <strong>do</strong> «engenho» — não mais voltaram os<br />
«bugres» a incommodal-os: vinham, é certo até ás<br />
immediações, mas nem um passo aquém <strong>do</strong>s limites traça<strong>do</strong>s<br />
por Fr. <strong>José</strong>.<br />
***<br />
Em visita a um padre secular que se achava <strong>do</strong>ente e<br />
prestes a acabar a dilação que Deus lhe conce<strong>de</strong>ra para estar<br />
neste mun<strong>do</strong>, succe<strong>de</strong>u passar por elle uma mulher moça ainda,<br />
e não <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> certos encantos próprios que são <strong>do</strong> sexo e<br />
da ida<strong>de</strong>. Fr. <strong>José</strong> benzeu-se em silencio, e como o collega <strong>de</strong><br />
votos lhe perguntasse por que fazia aquillo, respon<strong>de</strong>u-lhe: —<br />
É que você tem o <strong>de</strong>mônio em casa, e eu não o sabia.<br />
Confundiu-se-lhe ao outro o animo, ao ver-se<br />
<strong>de</strong>smascara<strong>do</strong> em seus embustes, pois, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> conseguir<br />
illudir a toda a gente, passan<strong>do</strong> por virtuoso, não o conseguira<br />
fazer ao santo, que, num relance, à só vista da sua cúmplice <strong>de</strong><br />
pecca<strong>do</strong>, o incriminara <strong>de</strong>licada e indirectamente, fazen<strong>do</strong>-lhe<br />
sentir o mau caminho que trilhava. E arrependi<strong>do</strong>, confessou o<br />
seu <strong>de</strong>licto, a tempo ainda que se lhe extinguisse, com a vida, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvar-se <strong>do</strong> abysmo em que se chafurdara.<br />
***<br />
Em pleno sertão, longe <strong>de</strong> qualquer povoa<strong>do</strong> ou mora<strong>do</strong>r,<br />
recebeu Fr. <strong>José</strong> a nova trazida pelo seu cama-<br />
62
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
rada <strong>de</strong> que o "cargueiro" único que levavam fôra <strong>de</strong>vora<strong>do</strong><br />
essa noite por uma onça. Sem se abalar com a perspectiva<br />
<strong>de</strong>sola<strong>do</strong>ra em que aquelle facto os vinha collocar, disse o<br />
justo:<br />
— Vamos ver on<strong>de</strong> está.<br />
E sahiu, em direcção ao matto, on<strong>de</strong>, com espanto <strong>do</strong><br />
companheiro, <strong>de</strong>ram com a onça ainda sobre a carniça,<br />
repastan<strong>do</strong>-se nos sobejos da alimária.<br />
Ao dar com tal scena, longe <strong>de</strong> impressionar-se, como era<br />
natural, Fr. <strong>José</strong> limitou-se a dizer:<br />
— Pois bem. Quem comeu o cargueiro, ha <strong>de</strong> fazer-lhe as<br />
vezes...<br />
Apavora<strong>do</strong> e sem bem comprehen<strong>de</strong>r o que se passava, o<br />
peão viu Fr. <strong>José</strong> acrescentar, dirigin<strong>do</strong>-se á fera:<br />
— Pelo <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> obediência que te é imposto,<br />
acompanha-me.<br />
De cabeça baixa, a passo lento, a onça, largan<strong>do</strong> o seu<br />
orgíaco banquete, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> andar empós <strong>do</strong> capuchinho. E, junto<br />
ao pouso, on<strong>de</strong>, ao primeiro alvor da madrugada, morriam os<br />
ultimos tições da fogueira, man<strong>do</strong>u Fr. <strong>José</strong> ao camarada que<br />
collocasse a cangalha e a carga sobre o lombo da fera.<br />
Fel-o, com immenso me<strong>do</strong>, o camarada, e, com pouco,<br />
eil-os se vão, pela estrada, reduzida ali a simples trilho, rumo<br />
ao primeiro mora<strong>do</strong>r, alonga<strong>do</strong> dali mais <strong>de</strong> seis léguas.<br />
An<strong>do</strong>u to<strong>do</strong> o dia aquelle extranho grupo — <strong>do</strong>is homens<br />
segui<strong>do</strong>s por uma fera, que lhes servia <strong>de</strong> besta <strong>de</strong> carga. Á<br />
tar<strong>de</strong>zinha, já o sol ia longe, por alem da serra e os curiangos<br />
revôejavam no ar frio <strong>do</strong> anoitecer, chegaram a um mora<strong>do</strong>r,<br />
misera palhoça, á beira <strong>do</strong> caminho, on<strong>de</strong>, entre pedras,<br />
rumorejava, escachoante, a água pobre <strong>de</strong> um ribeirão. Toma<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> assombro, viu o homem chegarem-lhe á casa os viandantes.<br />
E mais admira<strong>do</strong> ficou ao ou vir <strong>do</strong> religioso a or<strong>de</strong>m<br />
63<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
para que lhe <strong>de</strong>sse a besta, que tinha, para continuar a viagem.<br />
Tentaria negar-lhe, si lhe houvesse pergunta<strong>do</strong> antes, mas Fr.<br />
<strong>José</strong> não inquirira, sim affirmara e mandara.<br />
Assim <strong>de</strong>terminou elle, assim foi feito. E ao tirar <strong>de</strong> sobre<br />
a onça a carga, o negro que lhe servia <strong>de</strong> camarada disse:<br />
— Matemos agora esta "bicha", que não vá fazer mal a<br />
alguém por ahi...<br />
— Não, replicou Fr. <strong>José</strong>, isso não. Deixemol-a que se vá,<br />
na paz <strong>do</strong> Senhor. Não é ella, como nós, meu filho, uma<br />
creatura <strong>de</strong> Deus? E, a um aceno <strong>do</strong> bom homem, filho<br />
daquelle que, no Gubbio, se irmanou com o lobo, lá se foi,<br />
submissa e feliz, rumo á selva pátria, a onça que o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
obediência houvera, por to<strong>do</strong> um longo dia, feito cargueira —<br />
convertida assim, da violência natural que a caracteriza na,<br />
maior humilda<strong>de</strong> que para os irracionaes se reduz ao papel <strong>de</strong><br />
animal <strong>de</strong> carga.<br />
***<br />
De outra feita, foi ainda em viagem pelos sertões <strong>do</strong><br />
Norte, que o santo homem teve occasião <strong>de</strong> exercer o seu<br />
po<strong>de</strong>rio sobre o mais damninho e perigoso <strong>do</strong>s animaes — a<br />
serpe. Picara-lhe o cavallo <strong>de</strong> sella, for te animal que <strong>de</strong> longa<br />
data o conduzia nas missões e <strong>de</strong>sobrigas, uma cobra venenosa.<br />
Como prosseguir, pois, a jornada, si estavam a gran<strong>de</strong><br />
distancia <strong>de</strong> qualquer recurso e a hora já adiantada <strong>do</strong> dia lhes<br />
não permittia retroce<strong>de</strong>r ao pouso <strong>do</strong>n<strong>de</strong> tinham essa manhã<br />
sabi<strong>do</strong>? Não se embaraçou em nada o francisco. Chegan<strong>do</strong>-se<br />
para ao pé <strong>do</strong> animal, que encontraram estira<strong>do</strong> sobre uma relva<br />
terna, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fron<strong>de</strong>jante quineira, o fra<strong>de</strong> assobiou<br />
longamente como chaman<strong>do</strong> por alguém.<br />
64
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Eis que <strong>de</strong> um "cupim" ao fim da várzea, toda batida <strong>de</strong><br />
sol, áquella cálida hora pósmeridiana, aco<strong>de</strong>, numa corrida, o<br />
perigoso animal rastejante pelo qual se per<strong>de</strong>u Eva e a<br />
humanida<strong>de</strong>.<br />
Ante o espanto in<strong>de</strong>scriptivel <strong>de</strong> quem o acompanhava,<br />
Fr. <strong>José</strong> intimou o pérfi<strong>do</strong> ophidio, pelo <strong>de</strong>ver da obediência, a<br />
reparar o mal que lhe causara.<br />
E — sorprehen<strong>de</strong>ntes effeitos da sua força extra-humana<br />
— vai, submissa e humil<strong>de</strong>, a serpe se achegan<strong>do</strong> ao animal e,<br />
<strong>de</strong>vagar, habilmente, busca a ferida que ella mesma fizera,<br />
junta-lhe, com geito, a língua bífida e tóxica, mas, ao invés <strong>de</strong>,<br />
como lhe é natural e vezeiro, inocular aquelle veneno que se<br />
distilla <strong>do</strong> seu organismo, haure, com força, to<strong>do</strong> o maléfico<br />
filtro que antes lhe contaminara e, á medida que se lhe vai<br />
retiran<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo a causa <strong>do</strong> seu mal, cessa o effeito perverso<br />
que o trazia já escravo da lei da morte e o cavallo, recuperan<strong>do</strong><br />
a vida e as forças, se ergue, outro qual antes, emquanto a cobra,<br />
cumpri<strong>do</strong> o que lhe fora or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, volta para o seu torpe<br />
escon<strong>de</strong>rijo. E Fr. <strong>José</strong> continuou a sua viagem, logo-logo, no<br />
cavallo resuscita<strong>do</strong>.<br />
***<br />
Ainda um episodio <strong>de</strong> viagem, este occorri<strong>do</strong> num "sitio"<br />
perto das Grotas, na estrada que <strong>de</strong> Cuyabá levava ao Rosário.<br />
Vinha Fr. <strong>José</strong> sozinho, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas jornadas <strong>de</strong><br />
apostolar.<br />
Eis se não quan<strong>do</strong> lhe dá a Provi<strong>de</strong>ncia um companheiro<br />
na pessoa <strong>de</strong> outro padre, secular, que voltava também <strong>de</strong><br />
acudir a um <strong>do</strong>ente, no sitio menciona<strong>do</strong>. Mas vinha a pé o<br />
santo homem, emquanto o outro cavalgava um soberbo eqüino.<br />
Acudiu ao seu companheiro <strong>de</strong> jornada a idéa <strong>de</strong> pedir ao <strong>do</strong>no<br />
<strong>do</strong> sitio<br />
65<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
um animal, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que pu<strong>de</strong>ssem chegar ce<strong>do</strong> e juntos á<br />
cida<strong>de</strong>.<br />
Concor<strong>do</strong>u Fr. <strong>José</strong> e assim se fez. Chegan<strong>do</strong> ao pateo da<br />
fazenda — era por um dia <strong>de</strong> agosto, escaldante — viram os<br />
<strong>do</strong>is religiosos o <strong>do</strong>no <strong>do</strong> sitio, que, ao la<strong>do</strong> da mulher, se<br />
<strong>de</strong>leitava a assistir ao trabalho <strong>de</strong> amansar os burros.<br />
Dois peões, fortes e nutri<strong>do</strong>s, ágeis como nenhum outro,<br />
exercitavam-se no ru<strong>de</strong> serviço. No terreiro, limpo, bem<br />
varri<strong>do</strong>, circula<strong>do</strong> pelo "correr d'água" on<strong>de</strong> se abeberava a<br />
criação, estacou Fr. <strong>José</strong> que ia á frente e expôs ao moço o seu<br />
<strong>de</strong>sígnio. — Pois não, padre, é já. Vou mandar pegar um<br />
animal manso e bom para sua montada.<br />
Si assim, <strong>de</strong> palavra, revelara tão boa vonta<strong>de</strong>, no interno<br />
<strong>do</strong> coração perverso, alentava propósito muito outro, o<br />
fazen<strong>de</strong>iro.<br />
E, apesar <strong>do</strong>s protestos da boa mulher, em quem se<br />
encarnava a benignida<strong>de</strong> natural <strong>do</strong> sexo, o ruim homem se<br />
dispôs a pregar ao pobre missionário uma partida que os iria<br />
divertir a gran<strong>de</strong>.<br />
Man<strong>do</strong>u pegar um burro re<strong>do</strong>mão, que nunca levara<br />
arreio e trazer para Fr. <strong>José</strong> nelle continuar o seu caminho.<br />
E gozava já a sua hilarida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> o sacer<strong>do</strong>te <strong>de</strong>itasse<br />
a gritar e pular, aos pinoteios da besta, acaban<strong>do</strong> fatalmente por<br />
ir ao chão.<br />
Ao contrario, porém, <strong>do</strong> que esperava e suppunha, a<br />
besta, qual si fosse o melhor animal <strong>de</strong> sua estrebaria, recebeu<br />
como suave far<strong>do</strong> o seu cavalleiro e <strong>de</strong>u <strong>de</strong> andar, na mais leve<br />
marcha que nenhum cavallo ensina<strong>do</strong> e traqueja<strong>do</strong> teria.<br />
E maior ainda foi o seu espanto e <strong>de</strong>sapontamento<br />
quan<strong>do</strong>, dahi ha pouco — já <strong>de</strong>veriam ir bem longe os <strong>do</strong>is<br />
religiosos — ao mandar ensilhar o "Brioso", seu cavallo <strong>de</strong><br />
estimação, lin<strong>do</strong> russo <strong>de</strong> cinco annos,<br />
66
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
<strong>de</strong> sangue apura<strong>do</strong> e linhagem nobre, o escravo lhe veio,<br />
<strong>de</strong>sola<strong>do</strong>, communicar que o encontrara morto, na estrebaria.<br />
***<br />
Em Coimbra, á pequena distancia <strong>do</strong> forte lendário<br />
<strong>de</strong>para-se a gruta conhecida vulgarmente por "Buraco soturno",<br />
a que Ricar<strong>do</strong> Franco, o primeiro que lhe faz referencia, <strong>de</strong>u o<br />
expressivo nome <strong>de</strong> "Gruta <strong>do</strong> Inferno". Muitos são os que a<br />
têm, <strong>de</strong> 1786 para cá, visita<strong>do</strong> e consigna<strong>do</strong>, em letra <strong>de</strong> fôrma,<br />
as suas impressões, bastan<strong>do</strong> citar, entre os mais notáveis, o dr.<br />
Alexandre Rodrigues Ferreira (1791), o Te. Cl. Joaquim <strong>José</strong><br />
Ferreira (1792), o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelnau (1845), o dr. João<br />
Severiano da Fonseca (1875) (47) e, recentemente o P.<br />
Helvécio, hoje Arcebispo <strong>de</strong> Marianna, que na "Revista Matto<br />
Grosso" nos <strong>de</strong>u curiosa <strong>de</strong>scripção <strong>de</strong>ssa furna. (48)<br />
Lá esteve Fr. <strong>José</strong> quan<strong>do</strong> missionava no Baixo Paraguay.<br />
Lá penetrou, só, attingin<strong>do</strong> o mais profun<strong>do</strong> da gruta, pois<br />
os outros que o acompanhavam, receiosos, preferiram ficar da<br />
parte <strong>de</strong> fora, aspiran<strong>do</strong> ar e luz que, no interior, escasseava. E<br />
— conta a lenda — ao volver <strong>do</strong> mais recôndito da furna<br />
immensa, trouxe, com espanto <strong>do</strong>s presentes, três rosas frescas<br />
e lindas, como nenhures iguaes se viram e <strong>de</strong> uma espécie que<br />
se não cultivava por aquellas bandas...<br />
***<br />
No próprio Forte <strong>de</strong> Coimbra, on<strong>de</strong> estacionara algum<br />
tempo, appeteceu a Fr. <strong>José</strong> uma peixada e ten<strong>do</strong> o guaná que o<br />
acompanhava prepara<strong>do</strong> com arte e muito carinho um prato<br />
<strong>de</strong>ssa natureza, aconteceu que lhe faltasse o necessário<br />
condimento.<br />
(47) Viagem, I, 271<br />
(48) In Rev. M. Grosso, I, V (Maio 1904)<br />
67<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
— Prepare um molho, recommen<strong>do</strong>u o fra<strong>de</strong> ao índio que<br />
tão solicito o servia.<br />
— Com que preparar o molho, si não temos vinagre, nem<br />
pimenta, nem tempero <strong>de</strong> espécie alguma?<br />
— Vi atrás <strong>do</strong> forte — indicou Fr. <strong>José</strong> — e me traga três<br />
limões e três pimentas malaguetas que com isso prepararemos o<br />
molho. Hesitou o bárbaro, quasi rin<strong>do</strong> <strong>do</strong> extranho preceito,<br />
pois bem sabia não haver por ali tu<strong>do</strong> limoeiro nem pimenteira;<br />
mas tão arraiga<strong>do</strong> estava nelle o <strong>de</strong>ver da obediência, que se foi<br />
a fazer o que lhe <strong>de</strong>terminavam.<br />
E, perturba<strong>do</strong>, confuso, ao tomar o trilho que circumdava<br />
a colossal molle <strong>de</strong> pedra que é a fortaleza, <strong>de</strong>u, logo ao virar<br />
para a retaguarda <strong>do</strong> forte, com um limoeiro ver<strong>de</strong>jante,<br />
fron<strong>do</strong>so, em que entretanto, por mais que procura-se, só<br />
encontrou, logo ao alcance das mãos, três fructas gran<strong>de</strong>s e<br />
bonitas e, ao la<strong>do</strong> da arvore, quasi junto ao muro <strong>de</strong> granito,<br />
uma pimenteira, copada e linda, que ostentava, entre o ver<strong>de</strong><br />
gaio das folhas, como coraes rubros, três pimentinhas bem<br />
maduras — só três, o bastante o molho <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />
***<br />
A fama <strong>de</strong> seus feitos já em vida se espalhava, cercan<strong>do</strong>o,<br />
no próprio senso <strong>do</strong>s que o conheceram, da láurea <strong>de</strong><br />
santida<strong>de</strong>. Mas, si a to<strong>do</strong>s convenciam os seus actos e palavras,<br />
não assim a uma inditosa mulher que, pela vida que levava, não<br />
conseguia a alumiasse a graça <strong>de</strong> perceber as cousas <strong>do</strong> alto.<br />
E um dia que, perto <strong>de</strong>lla, se faziam justas referencias ao<br />
homem <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s, casquinou aquella prava creatura uma<br />
risada <strong>de</strong> mófa, que escandalizou a roda:<br />
— Pois si é Santo, disse ainda em ar escarninho, tem que<br />
cheirar...<br />
68
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Mal proferiu tão levianas palavras, assoma, na curva da<br />
esquina, ao la<strong>do</strong> da casa daquella pecca<strong>do</strong>ra, o vulto respeitável<br />
<strong>do</strong> missionário. Passa pelo grupo, sem dizer palavra, mas os<br />
seus olhos se cravam fun<strong>do</strong> nos da zomba<strong>do</strong>ra, com aquella<br />
expressão, talvez, que a cortezan <strong>de</strong> Magdala vira, um dia, nos<br />
<strong>de</strong> Jesus. E to<strong>do</strong>s que ali se achavam notaram, <strong>de</strong> par com a<br />
confusão e vexame da moça, um aroma incomparável, uma<br />
fragrância <strong>de</strong> rosas <strong>do</strong> paraíso que ficara pairan<strong>do</strong> no ar<br />
luminoso, á passagem <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />
E — remata a tradição — á rapariga surgiu naquella<br />
mesma hora um tumor ou ulcera no nariz, <strong>de</strong> que nunca mais<br />
logrou curar-se, mas que lhe valeu o arrependimento e<br />
conversão <strong>de</strong> sua má vida. Don<strong>de</strong> vem que bem se diga que o<br />
soffrer é que nos salva e que nunca é licito <strong>de</strong>sesperar da<br />
conversão <strong>do</strong>s peiores. Aquella, por exemplo, se fez dali por<br />
diante Magdalena arrependida, <strong>de</strong> Magdalena pecca<strong>do</strong>ra que<br />
até aquella hora tinha si<strong>do</strong>.<br />
***<br />
De to<strong>do</strong>s os casos, porém, com que, segun<strong>do</strong> a lenda, quis<br />
Deus creditar o seu servo ao respeito e admiração <strong>do</strong>s homens,<br />
nenhum tão sorprehen<strong>de</strong>nte como os <strong>do</strong>is occorri<strong>do</strong>s já após o<br />
seu <strong>de</strong>sapparecimento <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>.<br />
Morto Fr. <strong>José</strong>, <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> ao seio maternal da terra<br />
aquillo que fôra a sua apparencia exterior, floriu, perto <strong>do</strong> seu<br />
tumulo, na Cathedral, um gran<strong>de</strong> lírio, que na cor violácea,<br />
imitava o tom <strong>do</strong> seu habito <strong>de</strong> capuchinho.<br />
Esse lírio foi envia<strong>do</strong> para o Diamantino, on<strong>de</strong>, muito<br />
<strong>de</strong>pois da data <strong>do</strong> fallecimento <strong>do</strong> nosso Santo Prela<strong>do</strong>, ainda se<br />
ostentava qual preciosa, relíquia, na Egreja Matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição. Acrescenta<br />
69<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
a tradição que, no soalho <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong> on<strong>de</strong> expirou Fr. <strong>José</strong>,<br />
nasceram umas extranhas "orelhas <strong>de</strong> pau", ou cogumelos, em<br />
forma lilial, escuros, porém curiosos na sua conformação<br />
petalar.<br />
***<br />
Culmina sobre to<strong>do</strong>s os factos narra<strong>do</strong>s a interessante<br />
lenda da "camisa <strong>do</strong> Santo".<br />
Após o seu pie<strong>do</strong>so traspasse, trocaram-lhe as vestes para<br />
o enterrar, ten<strong>do</strong> a camisa com que falleceu — preciosa peça <strong>de</strong><br />
linho borda<strong>do</strong>, como soiam usar os antigos — fica<strong>do</strong> em po<strong>de</strong>r<br />
da família <strong>de</strong> Agostinho <strong>de</strong> tal, mais conheci<strong>do</strong> por Vai-Bolo,<br />
cuja mulher, <strong>de</strong> nome Teresa, conservava religiosamente esse<br />
objecto.<br />
Quan<strong>do</strong> morria alguém, em meio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> soffrimento,<br />
com prolongada agonia, costumavam appor-lhe sobre o corpo a<br />
"camisa <strong>do</strong> Santo" e logo entravam <strong>de</strong> espaçar e suavisar as<br />
<strong>do</strong>res e o transito se operava <strong>do</strong>cemente.<br />
Tal virtu<strong>de</strong> se emprestava, na crença popular, á roupa <strong>do</strong><br />
humil<strong>de</strong> capuchinho, que ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> "padre <strong>de</strong> boa vida"<br />
também o foi <strong>de</strong> "boa morte", conseguin<strong>do</strong> assim, pela graça<br />
divina, tornar aos <strong>de</strong>mais feliz e tranquilla a gran<strong>de</strong> e terrível<br />
passagem.<br />
Achan<strong>do</strong>-se ás portas da morte o P. Luis Ignácio Coelho,<br />
familiar <strong>do</strong> Bispo D. <strong>José</strong> e <strong>de</strong>moran<strong>do</strong>-se muito a sua agonia,<br />
aggravada pelo muito pa<strong>de</strong>cer, fizeram pie<strong>do</strong>sas pessoas que o<br />
assistiam vir a "camisa <strong>do</strong> Santo" para, como <strong>de</strong> costume,<br />
operar a acção thaumaturgica que lhe attribuiam.<br />
De facto, com pouco exhalava-se, sem as <strong>do</strong>res <strong>de</strong> antes,<br />
a alma <strong>do</strong> Sacer<strong>do</strong>te. Mas nisso não é que está o extraordinário<br />
<strong>do</strong> caso.<br />
No tumulto que se seguiu á morte <strong>do</strong> P. Luis, succe<strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
entornar-se sobre a toalha que envolvia<br />
70
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
a camisa, já prompta a ser recambiada á procedência, uma<br />
lamparina <strong>de</strong> azeite. Em um instante communicou-se o fogo á<br />
fazenda o lavrou, rápi<strong>do</strong> e voraz, a flamma consumi<strong>do</strong>ra.<br />
Imagine-se o <strong>de</strong>sapontamento, mais ainda a consternação que<br />
se originou daquelle <strong>de</strong>sastre.<br />
Perdida aquella veste milagrosa, e ainda mais a<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong> naturalmente levada á conta <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scui<strong>do</strong> — to<strong>do</strong>s se lamentavam e, em altas vozes, aian<strong>do</strong>, já<br />
menos lhes <strong>do</strong>ía da morte <strong>do</strong> Padre que <strong>do</strong> <strong>de</strong>sastre<br />
sobreveniente. Eis senão quan<strong>do</strong> uma das mulheres presentes se<br />
adianta para on<strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> tosco oratório, se havia <strong>de</strong>posto a<br />
camisa <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>. E, com que extranha sorpreza, num grito <strong>de</strong><br />
jubilo e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> pavor, viu intacta a camisa <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong> invólucro <strong>de</strong> cinzas da toalha completamente queimada!<br />
71<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
XIII<br />
Últimos annos<br />
E contu<strong>do</strong> nem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velho e quebranta<strong>do</strong> <strong>de</strong> varias<br />
indisposições podiam com ele acabar os seus que pusesse termo a<br />
tanta má vida, e a tão trabalhosas e arriscadas jornadas.<br />
(Fr. Luis <strong>de</strong> Sousa, Vida <strong>de</strong> D. Fr. Bertolameu <strong>do</strong>s Mártires, II,<br />
286)<br />
Data <strong>de</strong> 1844 o <strong>de</strong>clínio das forças e activida<strong>de</strong> <strong>do</strong> inclito<br />
Missionário. A 20 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong>sse anno o Presi<strong>de</strong>nte<br />
Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim <strong>de</strong>spachava uma petição <strong>de</strong> Fr.<br />
<strong>José</strong> na qual o mesmo “ven<strong>do</strong>-se já carrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> annos, e <strong>de</strong><br />
incômmo<strong>do</strong>s inseparáveis da sua i<strong>do</strong>sa, e cançada vida, e<br />
melhor parte expen<strong>de</strong>o, servin<strong>do</strong> in prosperis et adversis, esta<br />
mui querida Província, que a Provi<strong>de</strong>ncia ha mais <strong>de</strong> cinco<br />
lustros, <strong>de</strong>o-lhe em sorte", dizia achar-se "resolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ultimar<br />
o seu breve perío<strong>do</strong>, que o Céo benigno lhe conce<strong>de</strong>r, na<br />
Capital <strong>do</strong> Império, ou na Bahia <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Santos",<br />
solicitan<strong>do</strong> por isso a sua dispensa <strong>do</strong> cargo <strong>do</strong> Director<br />
Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes da Misericórdia e <strong>de</strong> S. João <strong>do</strong>s<br />
Lázaros.<br />
Esse requerimento, cujo original se encontra no Archivo<br />
Ecclesiastico <strong>de</strong>sta Archidiosese, concluía por pedir "a puro<br />
titulo <strong>de</strong> esmola" algum auxilio para promover a sua viagem,<br />
allegan<strong>do</strong>, em abono <strong>de</strong>ssa sua pretenção, não receber elle<br />
"nem hum só real da Nação, <strong>de</strong> que é fiel e amante Súbdito".<br />
Ao <strong>de</strong>ferir-lh'o, assim se exprimiu o Presi<strong>de</strong>nte:<br />
72
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
"Sentin<strong>do</strong> muito este Governo que convenha ao Revmo. Supp.<br />
<strong>de</strong>ixar a Província, e o cargo que tão dignamente tem occupa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes da Misericórdia, conce<strong>de</strong>-lhe a<br />
dispensa requerida <strong>do</strong> mesmo cargo a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> Janro. futuro,<br />
permittin<strong>do</strong>-lhe porem, que se retire <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já da Capital se assim<br />
<strong>de</strong>sejar".<br />
Acerca <strong>do</strong> socorro pedi<strong>do</strong> nem palavra no <strong>de</strong>spacho<br />
governaticio, parecen<strong>do</strong> que implicitamente se lh'o <strong>de</strong>negara, si<br />
é que não consistiu na liberalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gozar da licença <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo, com um mês e dias <strong>de</strong> antecedência. (49)<br />
Já em Junho <strong>de</strong>sse mesmo anno solicitara Frei Macerata<br />
ao então Presi<strong>de</strong>nte, Zeferino Pimentel Moreira Freire,<br />
<strong>de</strong>missão <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> Inspector <strong>do</strong>s Estabelecimento Pios, para<br />
o qual fôra nomea<strong>do</strong> em substituição a Joaquim Alves Ferreira<br />
e por portaria <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>sse anno. (50)<br />
Deu-se-lhe por successor nessas funcções a Francisco<br />
Bueno <strong>de</strong> Sampaio, constan<strong>do</strong> da communicação datada <strong>de</strong> 11<br />
<strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1844 as seguintes encomiásticas palavras <strong>do</strong><br />
Presi<strong>de</strong>nte da Província:<br />
"Aproveito a occazião para fazer ver a Vossa Excellencia que<br />
no pouco tempo que exerceu estas funções as <strong>de</strong>sempenhou com zelo<br />
e activida<strong>de</strong>".<br />
Obtida a dispensa, emprehen<strong>de</strong>u Frei <strong>José</strong> a jornada<br />
pretendida, contra a qual protestavam os seus annos e mais a<br />
enfermida<strong>de</strong> que já vinha aos poucos lhe consumin<strong>do</strong> as<br />
forças?<br />
Sem duvida que sim. Frei <strong>José</strong>, em fins <strong>de</strong> 1844, ausentou<br />
se <strong>de</strong> Cuyabá, on<strong>de</strong>, entretanto, já se encontrava em fins <strong>do</strong><br />
anno seguinte, como faz crer o officio <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong><br />
1845 em que a Meza<br />
(49) Arch. Eccl. Masso Avulsos off. Nº 287.<br />
(50) Livro <strong>de</strong> Registo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> Governo existente no Archivo da S.<br />
Casa <strong>de</strong> Misericórdia, fs. 237 — Firmo Rodrigues: Apontamentos históricos<br />
<strong>do</strong>s Hospitaes <strong>de</strong> S. João <strong>do</strong>s Lázaros e S. Casa, na Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. <strong>de</strong> M.<br />
Grosso, IX - X pag. 122.<br />
73<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
d'Administração das Obras Pias participava ao emérito<br />
Sacer<strong>do</strong>te haver resolvi<strong>do</strong>, em sessão <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Outubro<br />
antece<strong>de</strong>nte, sob proposta <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da Província,<br />
restabelecer a disposição da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Governo <strong>de</strong> 2 Maio <strong>de</strong><br />
1817, nomean<strong>do</strong> um Capellão para os Estabelecimentos Pios,<br />
visto haver si<strong>do</strong> supprimi<strong>do</strong> o lugar <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />
mesmos. (5l)<br />
E <strong>de</strong>st'arte concluía o menciona<strong>do</strong> officio:<br />
"e recahin<strong>do</strong> unanimemente na Pessôa <strong>de</strong> Vossa Excellencia<br />
Reverendíssima, cazo queira continuar a Prestar-se a este cari<strong>do</strong>so<br />
encargo, fui por isso autoriza<strong>do</strong> para, por parte d'Administração das<br />
Obras Pias, convidar neste senti<strong>do</strong> a Vossa Excellencia a quem rogo,<br />
e espero pela resposta d'acceitação a fim <strong>de</strong> fazel-a presente a Mesa,<br />
que tomará então <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>liberação sobre a gratificação com que<br />
<strong>de</strong>ve d'algum mo<strong>do</strong> gratificar o trabalho <strong>de</strong> Vossa Excellencia alem<br />
da casa que preten<strong>de</strong> proporcionar-lhe para a sua morada nas<br />
visinhanças <strong>do</strong> Hospital da Misericordia".<br />
Claro se <strong>de</strong>prehen<strong>de</strong> que a tentativa <strong>de</strong> fixar-se em outras<br />
paragens, on<strong>de</strong> visse correr os seus últimos dias, se baldara,<br />
regressan<strong>do</strong> o virtuoso ex-prela<strong>do</strong>, com pouco tempo, á terra a<br />
que o prendia toda uma vida <strong>de</strong> labores incessantes e vivas<br />
affeições.<br />
Tempo não era <strong>de</strong> mudar-se a velha planta arraigada<br />
afun<strong>do</strong> nestes rincões sertanejos e eis porque, não obstante a<br />
experiência feita, volveu, natturalmente sau<strong>do</strong>so, á capital<br />
mattogrossense.<br />
De sua viagem, dá testemunho ainda este tópico <strong>do</strong><br />
relatório <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte Gomes Jardim, em 1846, referente a<br />
"Obras Pias e Carida<strong>de</strong> Publica":<br />
"Os Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> teem esta<strong>do</strong> priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Capellão,<br />
que antigamente sempre ali houve, para administrar promptamente o<br />
Sacramento da Penitencia aos enfermos, e assistil-os na agonia com<br />
to<strong>do</strong>s os soccorros espirituaes, ten<strong>do</strong> o Governo <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> prover<br />
este lu-<br />
51) Livro cit. pag. 245<br />
74
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
gar, porque, julgan<strong>do</strong> que a sua eleição <strong>de</strong>ve recahir, no Revmo. Fr.<br />
<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, ex-Director Espiritual <strong>do</strong>s mesmos<br />
Hospitaes, que acha-se novamente nesta Cida<strong>de</strong>, (o gripho é nosso) e<br />
não duvidaria continuar a servir, não po<strong>de</strong> admittil-o com aquelle<br />
mesmo titulo em vista <strong>do</strong> art. 10 da Lei Provincial N. 2 <strong>de</strong> 1845, ao<br />
passo que elle enten<strong>de</strong> não convir-lhe a simples nomeação <strong>de</strong><br />
Capellão, ten<strong>do</strong> já exerci<strong>do</strong> na Província os mais altos cargos da<br />
Igreja." (52)<br />
Não voltou, pois, Frei <strong>José</strong> a exercer as funcções em que<br />
magnífico e nobilitante ensejo tivera <strong>de</strong> praticar a carida<strong>de</strong><br />
christan, <strong>de</strong> que extremadas provas <strong>de</strong>u no curso da sua vida.<br />
Do facto <strong>de</strong> recusar a simples nomeação <strong>de</strong> Capellão<br />
por<strong>de</strong>r-se-lhe-ia increpar algum assomo <strong>de</strong> orgulho, ou, pelo<br />
menos, vaida<strong>de</strong> con<strong>de</strong>mnavel, si outros e muitos testemunhos<br />
não houvesse, na sua biographia, da gran<strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> que<br />
caracterizava o santo religioso.<br />
Circunstancias da época, preconceitos, talvez, que obram<br />
muitas vezes por nós, sobrepon<strong>do</strong>-se-nos á própria faculda<strong>de</strong><br />
volutiva, quiçá <strong>de</strong>licada evasiva com que tentou encobrir outro<br />
moveis <strong>de</strong>ssa renuncia — muito ha com que explicar se possa a<br />
recusa <strong>do</strong> Missionário, aliás já no fim da existência.<br />
Orgulho, fatuida<strong>de</strong>, preoccupaçao <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za balofa,<br />
isso é que nunca. A sua attitu<strong>de</strong> anterior, os seus prece<strong>de</strong>ntes,<br />
toda a sua historia protestam, insurgem-se vehementemente,<br />
contra essa supposição vexatória.<br />
(52) Discurso recita<strong>do</strong> pelo Exmo. Presi<strong>de</strong>nte da Província <strong>de</strong> Matto Grosso<br />
Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim na abertura da sessão ordinária da Assembléa<br />
Legislativa Provincial em 10 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1846, pag. 20.<br />
75<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
XIV<br />
A morte <strong>do</strong> justo<br />
“O tempo <strong>de</strong> prova e tribulação não está longe: felizes os que<br />
perseverarem. Eu volto a Deus e vos encommen<strong>do</strong> á sua graça.”<br />
(Ultimas palavras <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis)<br />
Não <strong>de</strong>veria ultimar o anno <strong>de</strong> 1846 o nosso veneran<strong>do</strong><br />
thaumaturgo. Posto não haja consegui<strong>do</strong> precisar-lhe o dia e o<br />
mês <strong>do</strong> transpasse, o anno, esse consta <strong>de</strong> clara referenda feita<br />
por pessoa que por aqui andara contemporaneamente ao facto<br />
— o <strong>de</strong>pois Marechal Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beaurepaire Rohan, nos<br />
seus curiosos Annaes <strong>de</strong> Matto Grosso edita<strong>do</strong>s por Affonso<br />
Taunay, em 1913, na Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico e<br />
Geographico <strong>de</strong> S. Paulo.<br />
Beaurepaire Rohan esteve em Matto Grosso, em<br />
commissão, como engenheiro militar cerca <strong>de</strong> um triennio, <strong>de</strong><br />
1843 a 1846, escreven<strong>do</strong> em Cuyabá uma Chorographia <strong>de</strong><br />
Matto Grosso e toman<strong>do</strong> notas para os projecta<strong>do</strong>s Annaes.<br />
Referin<strong>do</strong>-se neste ultimo trabalho a Frei <strong>José</strong>, assim se<br />
exprime o erudito pesquiza<strong>do</strong>r:<br />
"Morreu no anno <strong>de</strong> 1846 e foi sepulta<strong>do</strong> na igreja matriz <strong>do</strong><br />
Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Cuyabá. Ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitti<strong>do</strong> continuou<br />
Frei <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata a gozar <strong>de</strong> todas as honras <strong>de</strong> bispo in<br />
partibus, bem que nunca lhe tivessem expedi<strong>do</strong> as respectivas bullas,<br />
por intrigas (dizia) <strong>de</strong> Monsenhor Vidigal". (53)<br />
(53) Rev. <strong>do</strong> Inst. H. G. <strong>de</strong> S. Paulo, XV, 116.<br />
76
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
Essa assertiva leva a crer que Rohan houvesse conheci<strong>do</strong><br />
e conversa<strong>do</strong> o insigne Missionário, cuja morte provavelmente<br />
occorrera na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1846.<br />
Duas versões distinctas e oppostas encontrei no tocante<br />
ao local <strong>de</strong> seu fallecimento, que uma quer que fosse o velho<br />
sobradinho da Misericórdia, que existia ao Norte <strong>do</strong> Hospital,<br />
no combro on<strong>de</strong> hoje se ergue o pavilhão da Directoria e outra,<br />
o sobra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Bispo D. <strong>José</strong>, na rua Antonio Maria, hoje sé<strong>de</strong> da<br />
Telephonica.<br />
Parece esta a mais verossímil versão, atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se ao<br />
facto <strong>de</strong> não haver Fr. <strong>José</strong> volta<strong>do</strong> a occupar o cargo <strong>de</strong><br />
Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes, que lhe implicaria o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
residência junto á Santa Casa e, por outro la<strong>do</strong>, á provável<br />
hypothese <strong>de</strong> o ter trazi<strong>do</strong> para junto <strong>de</strong> si o Bispo Diocesano<br />
D. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, afim <strong>de</strong> o assistir e confortar na<br />
<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira enfermida<strong>de</strong>. (54)<br />
Permanece também na obscurida<strong>de</strong> a eda<strong>de</strong> com que<br />
falleceu Fr. <strong>José</strong>.<br />
Presumidamente teria elle quan<strong>do</strong> veio para a Missão <strong>de</strong><br />
Matto Grosso quarenta annos, ao menos.<br />
Isso porque ten<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> 27 annos entre nós, — tanto<br />
quanto me<strong>de</strong>ia entre 1819 e 1846 — e attingi<strong>do</strong> eda<strong>de</strong><br />
avançada, como elle próprio o affirma em mais <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cu-<br />
(54) Acerca da residência <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> po<strong>de</strong>-se affirmar ter si<strong>do</strong> no<br />
Porto Geral, junto a S. Gonçalo, nos primeiros tempos, como se verifica das<br />
suas pastoraes que no final allu<strong>de</strong>m á moradia no Porto Geral e também no<br />
seguinte passo <strong>de</strong> Luis d’Alincourt, no seu "Resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalhos e<br />
indagações estatísticas" (Annaes da Bibliot . Nac III, 41): " e assima <strong>do</strong><br />
Porto Geral a <strong>de</strong> S. Gonçallo (egreja) <strong>do</strong> Amarante, ultimamente reedificada<br />
pelos <strong>de</strong>svelos <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, que vai tornan<strong>do</strong><br />
muito aprazível aquelle lugar, e junto <strong>de</strong>lla mora em huma medíocre casa".<br />
Em 1828, porém, quan<strong>do</strong> an<strong>do</strong>u por aqui a Commissão Langs<strong>do</strong>rff,<br />
já o Prela<strong>do</strong> se passara para a Misericórdia, como se evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>sta<br />
referencia <strong>de</strong> Hercules Florence, no Esboço da viagem, (Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. e<br />
Geogr. XXXVIII, I, 443) "outra capella fica no Hospital da Misericórdia,<br />
edifício não concluí<strong>do</strong> e on<strong>de</strong> mora o bispo"<br />
Na sua carta official <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1824 ao Impera<strong>do</strong>r diz Fr.<br />
<strong>José</strong> ter fixa<strong>do</strong> a sua residência no Edifício da Misericórdia.<br />
77<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
mento e a tradição oral o corrobora, claro que já <strong>de</strong>veria ter<br />
vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu paiz em plena maturida<strong>de</strong>.<br />
Tu<strong>do</strong> o que se refere, entretanto, á vida <strong>do</strong> virtuoso<br />
capuchinho antes da sua chegada a Cuyabá se envolve em<br />
<strong>de</strong>nso véu <strong>de</strong> impenetrável mysterio.<br />
O próprio local <strong>do</strong> seu nascimento é <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. Julgo,<br />
todavia, ter si<strong>do</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Macerata, <strong>de</strong> que tirou o nome e<br />
isso pela circumstancia <strong>de</strong> pertencer essa cida<strong>de</strong> aos Esta<strong>do</strong>s<br />
Romanos ou Pontifícios, <strong>do</strong>n<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> o testemunho <strong>de</strong><br />
Candi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s, era originário Fr. <strong>José</strong> (55)<br />
Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sappareceu Fr. <strong>José</strong> governava a Província o<br />
Presi<strong>de</strong>nte Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim, 8º Governa<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />
Matto Grosso no regime imperial, que esteve em exercício <strong>de</strong><br />
27 Setembro <strong>de</strong> 1844 a 5 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1847.<br />
Não encontrei, entretanto, em <strong>do</strong>cumento algum, <strong>de</strong><br />
cunho official, a mais mínima referencia á morte <strong>do</strong><br />
insignissimo sacer<strong>do</strong>te missionário que consagrou a vida ao<br />
bem espiritual e material <strong>de</strong>sta terra, para on<strong>de</strong> veio ainda na<br />
phase colonial, assistin<strong>do</strong>-lhe a maiorida<strong>de</strong> politica,<br />
acompanhan<strong>do</strong>, dia a dia, nas duas fortunas, a sua vida agitada,<br />
em um <strong>do</strong>s passos mais tormentosos <strong>do</strong> seu evolver.<br />
O seu nome, que a gratidão popular em apotheose<br />
consecratoria, traz, até hoje, envolto em uma lauréola <strong>de</strong><br />
carinho, não mereceu ao menos a trivial homenagem <strong>de</strong> uma<br />
placa <strong>de</strong> rua, que se baratêa para preito aos políticos <strong>de</strong><br />
occasional prestigio, sen<strong>do</strong> que já algum tempo teve a<br />
<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> a rua da Bôa Morte, que, <strong>de</strong>pois, foi,<br />
successivamente, Antonio Paes (até 1906) e Candi<strong>do</strong> Mariano.<br />
Assim transcorreu-lhe a vida <strong>de</strong> multifários trabalhos, que<br />
não tiveram compensação outra que não<br />
(55) D'Eccl. II, 55.<br />
78
O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />
fosse o prazer que as consciências illibadas encontram na<br />
simples pratica da carida<strong>de</strong>.<br />
Benesses e honrarias não nas teve esse que mais que<br />
qualquer as merecia e que já em vida tinha ganha<strong>do</strong> fama que a<br />
outros raramente vem após o fallecimento.<br />
O seu nome intemerato ficou, entre o clero <strong>do</strong> seu tempo,<br />
como insupera<strong>do</strong> paradigma, fora <strong>de</strong> tiro <strong>de</strong> qualquer<br />
increpação ou suspeita <strong>de</strong> malédicos. Nelle encontra o indigente<br />
carinhoso amparo, o ignorante fanal <strong>de</strong> instrução, o persegui<strong>do</strong><br />
tutissimo refugio, o enfermo conforta<strong>do</strong>ra assistência, o<br />
affligi<strong>do</strong> esmola e conselho, o perverso paterna acolhida que<br />
lhe confundia os maus <strong>de</strong>sígnios, o bom novos incentivos <strong>de</strong><br />
aperfeiçoamento.<br />
A sua saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> começo se resentira <strong>do</strong>s incommo<strong>do</strong>s<br />
próprios <strong>do</strong> clima a que se não afizera <strong>de</strong> to<strong>do</strong>. A 26 <strong>de</strong> Julho<br />
<strong>de</strong> 1825 escrevia ao Secretario da Justiça Clemente Ferreira<br />
França:<br />
"A triste situação <strong>de</strong> moléstia em que <strong>de</strong> presente Nos<br />
achamos, <strong>de</strong> humas fortes sezoens tomadas no Rio Cuyabá abaixo<br />
on<strong>de</strong> estivemos por occazião <strong>de</strong> trabalhos <strong>do</strong> nosso Pastoral officio<br />
não nos permitte a consolação <strong>de</strong> ora participar a Vossa Excellencia o<br />
quanto temos obra<strong>do</strong> e promovi<strong>do</strong> em beneficio Geral <strong>do</strong> Nosso<br />
Rebanho".<br />
Em carta <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno, ao referi<strong>do</strong><br />
Secretario, <strong>de</strong>clarava-se restabeleci<strong>do</strong> das febres que o haviam<br />
saltea<strong>do</strong>. E a 22 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1826, em officio ao mesmo,<br />
assim se exprimia acerca <strong>do</strong> ônus da Prelazia:<br />
"Ha três annos que vivo sacrifica<strong>do</strong> a este pesa<strong>do</strong> Cargo,<br />
<strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> meios, trabalhan<strong>do</strong> <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong> noite, sem poupar-me a<br />
nada, alvo sempre da impieda<strong>de</strong> por zelar o comprimento das minhas<br />
obrigações". (56)<br />
(56) A 5 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1827, em officio á Secretaria da Justiça, reclamava<br />
contra o atrazo <strong>de</strong> sua côngrua, alem da lesão que vinha soffren<strong>do</strong> na<br />
mesma, pratican<strong>do</strong>-se com elle diversamente <strong>do</strong> que se fizera com os seus<br />
antecessores "sem se atten<strong>de</strong>r nem a pequenes da côngrua, nem as Nossas<br />
necessida<strong>de</strong>s", juntan<strong>do</strong>, para prova <strong>de</strong> suas asserções, três <strong>do</strong>cumentos.<br />
79<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Tu<strong>do</strong> arrostou como filho <strong>de</strong> Christo e <strong>do</strong> seu mais fiel<br />
imita<strong>do</strong>r, o Santo <strong>de</strong> Assis: — a hostilida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sprezo, as<br />
intempéries e a mendinguez, o ódio e a chacota, a injustiça e a<br />
ingratidão, sempre com o mesmo sorriso nos lábios e a mesma<br />
inapagável sê<strong>de</strong> <strong>de</strong> amor no coração.<br />
E quan<strong>do</strong> Deus o chamou, a receber o premio <strong>do</strong>s seus<br />
porfia<strong>do</strong>s labores <strong>de</strong> apostolo, foi ainda entre agonias e<br />
rudissimas provações que aquella alma sublime se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u<br />
da misera argilla terrena.<br />
Reza a tradição oral que Fr, <strong>José</strong> morreu <strong>de</strong> cálculos<br />
renaes, pa<strong>de</strong>cen<strong>do</strong>, nos últimos tempos, <strong>do</strong>res atrocíssimas, que<br />
tu<strong>do</strong> supportara com <strong>de</strong>noda<strong>do</strong> heroísmo e christan resignação<br />
(57).<br />
É que em seu espírito vivia, superior ás caducas e frágeis<br />
cogitações mundanas, essa força perenne da Fé e da Carida<strong>de</strong>,<br />
que <strong>de</strong>sanimaliza o homem, <strong>de</strong>spin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os vis<br />
interesses, para o fazer amar na Dôr, na Doença, na Miséria, —<br />
alheia ou própria — Aquelle que con<strong>de</strong>nsou, em synthese<br />
luminosa, a Moral <strong>do</strong> seu Evangelho nestas palavras que<br />
<strong>de</strong>sse<strong>de</strong>ntam todas as angustias e confortam to<strong>do</strong>s os<br />
infortúnios: — Quandiu fecistis uni ex his fratribus méis<br />
minimus, mihi fecistis.<br />
(Matheus. XXV, 40)<br />
(1 <strong>de</strong> Maio a 2 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1928)<br />
(57) No necrológio <strong>do</strong> Capuchinhos da Provincia Picena se encontra<br />
annota<strong>do</strong> a 23 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 18? o seguinte: "America <strong>de</strong>l Sud. Fte.<br />
Giuseppe Maria di Macerata, sacer<strong>do</strong>te di provato zelo e pru<strong>de</strong>nza, e<br />
vescovo <strong>de</strong>signato <strong>de</strong>l Goyaz. (sic) Un'immatura morte privó lui <strong>de</strong>lla vita e<br />
la provincia d'una gloria!"<br />
80