14.04.2013 Views

Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita

Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita

Thaumaturgo do Sertão - Biblioteca Virtual José de Mesquita

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO<br />

DE MATTO-GROSSO<br />

<strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />

Do Instituto Histórico e da Aca<strong>de</strong>mia<br />

Mato-grossense <strong>de</strong> Letras<br />

O Taumaturgo<br />

<strong>do</strong> <strong>Sertão</strong><br />

Frei<br />

<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata<br />

Vir Seraphicus. . . celsa humilitate conspicuus aute obitum<br />

mortuus, post obitum vivus. . .<br />

(Do Car<strong>de</strong>l Vives y Tutó, da Província capuchinha <strong>de</strong> N.<br />

S. Montserrat, Catalunha, referin<strong>do</strong>-se a S. Francisco <strong>de</strong><br />

Assis, no Congresso Internacional <strong>do</strong>s Terciários<br />

Fanciscanos, 1900)<br />

Cuiabá<br />

1928<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

<strong>José</strong> Barnabé <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />

(*10/03/1892 †22/06/1961)<br />

Cuiabá - Mato Grosso<br />

<strong>Biblioteca</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />

http://www.jmesquita.brtdata.com.br/bvjmesquita.htm<br />

2


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

ÍNDICE<br />

I - Capuchinhos em Matto Grosso 7<br />

II - O lustro entre os silvícolas 13<br />

III - O Apostola<strong>do</strong> da educação 18<br />

IV - De Missionário a Prela<strong>do</strong> 22<br />

V - No Governo da Prelazia 27<br />

VI - Os Predica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Administra<strong>do</strong>r 32<br />

VII - Fortaleza e mansuetu<strong>de</strong> 38<br />

VIII - Nativismo mal entendi<strong>do</strong> 43<br />

IX - Novo campo <strong>de</strong> acção 47<br />

X - O espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> 52<br />

XI - O thaumaturgo 56<br />

XII - No <strong>do</strong>mínio das tradições e <strong>do</strong> folk-lore 60<br />

XIII - Últimos annos 72<br />

XIV - A morte <strong>do</strong> justo 76<br />

3<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

DÉDICA<br />

Á memória veneranda <strong>de</strong> minha querida Avó<br />

MARIA RITA DE MESQUITA<br />

alumna <strong>de</strong> Frei <strong>José</strong>, no Diamantino, na qual symbolizo a<br />

mulher mattogrossense, em cujo espírito as lições e o exemplo<br />

fecun<strong>do</strong> <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> missionário <strong>de</strong>sabrocharam em flores <strong>de</strong><br />

Bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Virtu<strong>de</strong>.<br />

4<br />

O. D. C.


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

ANTELÓQUIO<br />

Alem da agiographia que <strong>de</strong>nominarei official,<br />

comprehen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> na sua menção os varões virtuosos que<br />

formam, no calendário, os paradigmas <strong>do</strong> Bem, da Verda<strong>de</strong>, <strong>do</strong><br />

Bello moral, existe, corren<strong>do</strong> parêlhas com aquella, a<br />

agiographia que se pô<strong>de</strong> dizer popular, florescen<strong>do</strong> nas<br />

tradições da gente simples e inculta, por isso mesmo sincera, e<br />

apontan<strong>do</strong> figuras notabilíssimas que, posto lhes falte ainda o<br />

processo canonifica<strong>do</strong>r, a honra e o culto <strong>do</strong>s altares, não<br />

menores predica<strong>do</strong>s d' alma ostentaram na sua peregrinação<br />

terrena.<br />

De uma <strong>de</strong>ssas proponho-me a contar aqui a vida,<br />

replena <strong>de</strong> episódios edificantes e illuminada por traços <strong>de</strong><br />

uma gran<strong>de</strong>za espiritual que raro se ha visto manifestada entre<br />

humanos.<br />

São recantos singelos que colhi, com o carinho mais<br />

acendra<strong>do</strong>, á flor das lendas e <strong>do</strong>s pie<strong>do</strong>sos dizeres da gente<br />

antiga <strong>de</strong> minha terra. E são, por outro la<strong>do</strong>, ligan<strong>do</strong> aquelles<br />

elementos <strong>de</strong> tradição oral, argamassan<strong>do</strong>-os no cimento da<br />

verda<strong>de</strong>, sóli<strong>do</strong> e in<strong>de</strong>structivel, os <strong>do</strong>cumentos autobiographicos<br />

e os alfarrábios temporaneos, cuida<strong>do</strong>samente<br />

exhuma<strong>do</strong>s da poeira <strong>de</strong> veterrimos archivos, que ora surgem<br />

pela primeira vez, em letra <strong>de</strong> fôrma, ao gran<strong>de</strong> sol da<br />

publicida<strong>de</strong>.<br />

Revive Frei <strong>José</strong> na tosca, mas affectiva resurreição que<br />

lhe imprimem estas paginas e, com elle, é to<strong>do</strong> um capitulo <strong>de</strong><br />

nossa Historia que, da noite <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, aflora á luz in<strong>de</strong>cisa<br />

<strong>de</strong> um presente ainda cheio <strong>de</strong> indifferença e <strong>de</strong> olvi<strong>do</strong>.<br />

5<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Fosse embora este ensaio para li<strong>do</strong> apenas por duas ou<br />

três <strong>de</strong>ssas creaturas <strong>de</strong> eleição, que reconhecem, com o<br />

estylista d' «A Colina Sagrada» que «sente-se maior aquêle que<br />

mais se prolonga no passa<strong>do</strong>!» — que ainda assim não me<br />

daria por inúteis a fadiga e o esforço que <strong>de</strong>lle me resultaram.<br />

Deletreada, num gesto <strong>de</strong> displicência, senão <strong>de</strong> tédio,<br />

por figurões a que mais interessam a cotação da cambio ou a<br />

sabujice das mofinas políticas, bastar-lhe-á, a esta pobre<br />

memória, a carinhosa acolhida <strong>de</strong> uns olhos que se enterneçam<br />

<strong>de</strong> puro sentimento á leitura <strong>do</strong>s episódios tocantes da vida <strong>do</strong><br />

Santo sertanejo.<br />

Esta o tenho assegura<strong>do</strong>.<br />

Eis porque me não corro <strong>de</strong> apresentar em publico<br />

trabalho que a uns parecerá <strong>de</strong>svalioso, a outros sem utilida<strong>de</strong><br />

pratica e a quasi to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> simples e innocuo dilettantismo.<br />

Da sua intenção e natureza basta o que ahi fica dito.<br />

De resto — a <strong>de</strong>dicatória melhor diz, <strong>do</strong> que a mais<br />

comprida e diffusa explicação po<strong>de</strong>ria fazel-o.<br />

E para finalizar, <strong>de</strong>vo <strong>de</strong>clarar, na conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

Decretos <strong>do</strong> Santo Padre Urbano VIII que, como fiel subdito<br />

da Santa Madre Egreja, reconheço e acato, que não preten<strong>do</strong><br />

prevenir juízo algum a favor <strong>do</strong> assumpto, emprestan<strong>do</strong> aos<br />

episódios narra<strong>do</strong>s mais ao diante uma pura auctorida<strong>de</strong><br />

humana, <strong>de</strong>corrente da tradição que vive e palpita na memória<br />

<strong>do</strong>s meus paisanos — «pagina sempre aberta <strong>de</strong> um poema que<br />

não foi escripto, mas que referve na mente <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />

filhos <strong>de</strong>sta terra.»<br />

6


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

I<br />

Capuchinhos em Matto Grosso<br />

«... e que mais efficaz atractivo para arrastar a huns homens nus<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os bens da natureza como era o gentio <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong> que<br />

huns homens <strong>de</strong>spi<strong>do</strong>s, e <strong>de</strong>sapossa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os interesses <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, como os Filhos <strong>de</strong> Francisco.?»<br />

(Jaboatam — Novo Orbe Seraphico Brasilico, II,11)<br />

Quan<strong>do</strong> se escrever a historia da catechese indígena em<br />

Matto Grosso, á 1uz <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos seguros e imparciaes, certo<br />

mais <strong>de</strong> uma pagina se ha <strong>de</strong> reservar á memória <strong>do</strong>s<br />

beneméritos filhos <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s<br />

Capuchinhos, que foram, no século XIX, os verda<strong>de</strong>iros<br />

pioneiros da civilização entre as tribus silvícolas <strong>de</strong> nossa terra.<br />

Os nomes <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, que faz objecto<br />

<strong>de</strong>sta singela memória; <strong>de</strong> Fr. Mariano <strong>de</strong> Bagnaia; <strong>de</strong> Fr.<br />

Ângelo <strong>de</strong> Caramonica, <strong>de</strong> Fr. Antonio <strong>de</strong> Molinetto, <strong>de</strong> Fr.<br />

Anselmo e <strong>de</strong> outros vários que a História não regista siquer,<br />

representam uma gloriosa pleia<strong>de</strong> <strong>de</strong> estrenuos lucta<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

Bem e da Verda<strong>de</strong> nos sertões inhospitos <strong>de</strong> Matto Grosso.<br />

Posto fallecesse, por vezes, no testemunho <strong>de</strong> alguns<br />

auctores, aos capuchinhos a habilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s jesuítas nos árduos<br />

trabalhos <strong>de</strong> catechese (1), a fama que entre nós<br />

(1) É este o pensar <strong>de</strong> Oliveira Lima no seu "D. João VI no Brasil", II, 7.<br />

7<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

<strong>de</strong>ixaram só lhes redunda em abono e merecimento, consulte-se<br />

para isso a tradição oral ou compulsem-se authenticos<br />

<strong>do</strong>cumentos officiaes, to<strong>do</strong>s accor<strong>de</strong>s no conferir-lhes a láurea<br />

<strong>de</strong> prestimosos e <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res da causa civiliza<strong>do</strong>ra no<br />

seio das brenhas povoadas pelo autochtone brasileiro.<br />

O cyclo franciscano, como acertadamente o caracterizou<br />

D. Aquino, no seu bello discurso <strong>de</strong> recepção, no Instituto<br />

Histórico Brasileiro, abre-se nos princípios <strong>do</strong> século XIX e se<br />

esten<strong>de</strong> por mais <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse centennio, o segun<strong>do</strong> da<br />

nossa vida histórica, vin<strong>do</strong> reiniciar-se já em pleno século XX,<br />

com os fra<strong>de</strong>s da terceira or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Albi, chega<strong>do</strong>s em 1904 a<br />

Matto-Grosso.<br />

O que <strong>de</strong>nominaremos, porém, propriamente o cyclo<br />

capuchinho (2) esse ficou limita<strong>do</strong> ao século fin<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que<br />

se lhe po<strong>de</strong>m estabelecer duas phases distinctas: a primeira a da<br />

turma <strong>de</strong> 1819, composta <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> e os companheiros, cujo<br />

nome a Historia não conserva e a segunda da leva <strong>de</strong> 1847,<br />

vinda, portanto, no anno seguinte á morte <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, e <strong>de</strong> que<br />

fizeram parte Fr. Mariano e os seus confra<strong>de</strong>s acima<br />

menciona<strong>do</strong>s.<br />

Não encontrei referencia alguma, posto muito houvesse<br />

procura<strong>do</strong>, ao <strong>de</strong>creto, acto ou convenção, <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil<br />

— nesse tempo D. João VI — em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> qual vieram os<br />

primeiros capuchinhos para Matto-Grosso, em 1819.<br />

O que é certo é que, durante cerca <strong>de</strong> quasi 30 annos, que<br />

tanto foi o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua permanência em Matto-Grosso, Fr.<br />

<strong>José</strong> personificou, sozinho, o espírito<br />

(2) Os Capuchinhos constituem um ramo da Or<strong>de</strong>m Franciscana que surgiu<br />

em 1525, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reforma introduzida por Matteo di Bassi, fra<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> Convento <strong>de</strong> Monte Falco (Itália), no intuito <strong>de</strong> modificar o habito <strong>do</strong>s<br />

religiosos afim <strong>de</strong> o tornar igual ao que usara o Santo funda<strong>do</strong>r. Conseguiu<br />

Di Bassi faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Clemente VII para essa reforma, bem assim para<br />

pregar por toda a parte o Evangelho, á maneira <strong>do</strong> Seraphico Padre.<br />

(Discrizione storica <strong>de</strong>gli Ordini Religiosi, por Luigi Cibrario, Turim, 1845,<br />

I, 210).<br />

8


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

da sua Or<strong>de</strong>m, e tu<strong>do</strong> fez, com infatigável zelo, no senti<strong>do</strong> ele<br />

beneficiar os aborigenas e até os civiliza<strong>do</strong>s.<br />

Procurou Fr. Macerata organizar a Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> que era<br />

membro, <strong>de</strong> forma que se tornasse mais efficiente o seu<br />

trabalho, ten<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> o estabelecimento <strong>de</strong> conventos <strong>de</strong><br />

fra<strong>de</strong>s capuchinos, no que foi ostensivamente obsta<strong>do</strong> pelo<br />

governo imperial, que, nas instrucções a monsenhor Vidigal,<br />

lhe recommendava não fizesse uso <strong>de</strong> taes pedi<strong>do</strong>s "porque <strong>de</strong><br />

nenhum mo<strong>do</strong> convem semelhante estabelecimento" (3).<br />

Não foi possível assim ao virtuoso varão dar realida<strong>de</strong> ao<br />

seu <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, posto sejam os Capuchinhos <strong>do</strong>s mais antigos e<br />

abona<strong>do</strong>s obreiros da civilização no Brasil (4).<br />

Meava o século, quan<strong>do</strong>, a 20 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1847,<br />

aportaram á Província <strong>de</strong> Matto-Grosso <strong>do</strong>is outros<br />

Capuchinhos, Fr. Antonio <strong>de</strong> Molinetto e Fr. Mariano <strong>de</strong><br />

Bagnaia, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao serviço <strong>de</strong> catechese e civilização <strong>do</strong>s<br />

aborigenes.<br />

Curan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse importante problema administrativo,<br />

<strong>de</strong>signara o governo imperial, por aviso <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong><br />

Império <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1847, aquelles <strong>do</strong>is Missionários<br />

para virem exercer a sua activida<strong>de</strong> em Matto-Grosso.<br />

A vinda <strong>do</strong>s Capuchinhos para o Brasil fôra promovida<br />

pelo governo, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Decreto 285, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong><br />

1843, que o auctorizava a fazer vir da Itália Missionários <strong>de</strong>ssa<br />

or<strong>de</strong>m, distribuin<strong>do</strong>-os pelas Províncias "on<strong>de</strong> as Missões<br />

po<strong>de</strong>rem ser <strong>de</strong> maior proveito", Decreto esse regulamenta<strong>do</strong><br />

pelo <strong>de</strong> nº 373, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Julho <strong>do</strong> anno seguinte, que fixou as<br />

regras a serem observadas na distribuição <strong>do</strong>s Missionários.<br />

(3) C. Men<strong>de</strong>s — Direito Civil Eccl. Brasil, 1866 — I, 716.<br />

(4) Vieram os primeiros Capuchinhos para o Recife em 1585, com Jorge <strong>de</strong><br />

Albuquerque (Memória "A Religião" <strong>do</strong> P. Julio Maria, no Livro <strong>do</strong><br />

Centenário, I, 48).<br />

9<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Estiveram os Capuchinhos primeiramente em Villa Maria<br />

e Poconé, perceben<strong>do</strong> uma diária <strong>de</strong> 750 reis, <strong>do</strong>s quaes 2/3<br />

pagos pelo cofre geral e 1/3 pelo da província, em virtu<strong>de</strong> da lei<br />

orçamentária <strong>de</strong> 1849, art. 1 § 10, gratificação que o próprio<br />

Presi<strong>de</strong>nte da Província Major Dr. Joaquim <strong>José</strong> <strong>de</strong> Oliveira,<br />

em seu Relatório apresenta<strong>do</strong> á Assembléa a 3 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong><br />

1849, reputara insufficiente, "visto a carestia <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong><br />

primeira necessida<strong>de</strong>" alvitran<strong>do</strong> a majoração para 500 reis<br />

diários por parte da Província "logo que o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste cofre o<br />

possa permitir”.(5)<br />

Em 1848 vamos encontrar Fr.Mariano em Diamantino,<br />

on<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> officio <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Agosto, <strong>do</strong> então Chefe <strong>de</strong><br />

Policia Dr. Ayres Augusto d'Araujo, se indispôs com as<br />

autorida<strong>de</strong>s locaes chegan<strong>do</strong> a tornar-se, na phrase daquelle<br />

serventuário "perigosíssimo no lugar".<br />

Transmittiu o Vire-Presi<strong>de</strong>nte em exercício, Antonio<br />

Nunes da Cunha, ao Bispo D. <strong>José</strong> a representação <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong><br />

Policia, em attencioso officio data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 11 daquelle mês e<br />

anno, no qual communicava que ante "o perigo que corre a<br />

tranquillida<strong>de</strong> publica na villa <strong>do</strong> Diamantino com a estada alli<br />

<strong>do</strong> Missionário Capuchinho" expedira or<strong>de</strong>m para o seu<br />

recolhimento sem <strong>de</strong>mora, e pedia ao Prela<strong>do</strong> que o<br />

<strong>de</strong>sonerasse "<strong>de</strong> qualquer commissão, <strong>de</strong> que porventura o<br />

tenha encarrega<strong>do</strong>."<br />

Dentro <strong>de</strong> pouco transportavam-se os missionários, para a<br />

zona <strong>de</strong> Baixo Paraguay, theatro que fôra <strong>do</strong>s esforços<br />

apostólicos <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, como veremos mais ao diante, e ali<br />

erigia Fr. Mariano, na aldêa <strong>do</strong>s Kinikináos, três léguas fóra <strong>de</strong><br />

Albuquerque, uma capella sob a invocação <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

<strong>do</strong> Bom Conselho, installan<strong>do</strong>, <strong>do</strong> mesmo passo, uma escola,<br />

freqüentada por 30 alunmos.<br />

(5) Relatório cit. pág. 10.<br />

10


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Emquanto Fr. Mariano se entregava á continuação da<br />

obra <strong>do</strong> seu benemérito antecessor, Fr. Antonio cuidava em<br />

al<strong>de</strong>ar, perto <strong>de</strong> Miranda, os Terenas, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> inauditos<br />

esforços, mau gra<strong>do</strong> a difficil situação econômica em que se<br />

viam, sen<strong>do</strong> que, no Relatório <strong>de</strong> 1851, Augusto Leverger ainda<br />

fazia sentir essa circumstancia, alludin<strong>do</strong> á consignação que,<br />

aliás, fôra augmentada.<br />

Nesse interessante <strong>do</strong>cumento, mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> linguagem<br />

official, discreta e polida, repleto <strong>de</strong> curiosos informes para o<br />

historiographo, como <strong>de</strong> seguros exemplos para o<br />

administra<strong>do</strong>r, diz Leverger:<br />

«Achan<strong>do</strong>-me com elles em Albuquerque em Janeiro<br />

ultimo na minha vinda da fronteira para tomar posse da<br />

Presidência, manifestarão-me o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que a cada hum<br />

<strong>de</strong>lles se confiasse a direcção <strong>de</strong> huma aldêa, em concurrencia<br />

com outras administradas por Directores civis, afim <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r<br />

apreciar relativamente as vantagens <strong>de</strong> huma e outra<br />

catechese.»<br />

E commenta judiciosamente, com estas palavras, o alvitre<br />

<strong>do</strong>s Missionários:<br />

«Prouvera a Deos que se estabelecessem rivalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta<br />

natureza, cujos resulta<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>rião <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser profícuos<br />

para a prosperida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paiz!»<br />

Fr. Mariano radicou-se em Matto Grosso, residin<strong>do</strong> em<br />

Miranda e Corumbá, on<strong>de</strong> o sorprehen<strong>de</strong>u a invação paraguaya,<br />

ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong>, algum tempo, prisioneiro em Assumpção.<br />

Em 1859 escrevia <strong>de</strong> Miranda ao Bispo D. <strong>José</strong> acerca <strong>do</strong><br />

orago da Igreja Matriz daquella villa, cuja edificação dirigia e,<br />

na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vice-Prefeito da Or<strong>de</strong>m, transmittia a Fr.<br />

Ângelo <strong>de</strong> Caramonica a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Bispo para a administração<br />

<strong>do</strong>s Sacramentos em Albuquerque.<br />

11<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Fr. Ângelo — <strong>de</strong> quem as chronicas pouco falam — foi<br />

director da missão capuchinha da Aldêa <strong>de</strong> N. S. <strong>do</strong> Bom<br />

Conselho, fundada por Fr. Mariano.<br />

Não consta que viesse a Cuyabá, on<strong>de</strong>, entretanto, esteve,<br />

pela segunda vez, o seu companheiro Fr. Antonio, como se vê<br />

<strong>de</strong> uma carta escripta em 1854, nesta cida<strong>de</strong>, a um mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Divino Padre Eterno (Brotas) a respeito <strong>do</strong> sino da Capella<br />

<strong>de</strong>sse lugarejo.<br />

Encontrei ainda na correspondência <strong>de</strong> D. <strong>José</strong> uma carta<br />

<strong>do</strong> Commissario da Or<strong>de</strong>m no Rio, Fr. Fabiano, datada <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong><br />

Outubro <strong>de</strong> 1859, na qual auctorizava o Bispo <strong>de</strong> Cuyabá a<br />

aproveitar os serviços <strong>de</strong> Fr. Antonio como Vigário<br />

encommenda<strong>do</strong> da Parochia da SS. Trinda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso<br />

(Villa Bella).<br />

Qual o <strong>de</strong>stino posterior <strong>de</strong>sses missionários não me foi<br />

possível saber, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> presumir que se houvessem retira<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Matto-Grosso.<br />

Quanto a Fr. Mariano, esse se conservou em Corumbá,<br />

seguin<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois para o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, on<strong>de</strong> veio a morrer,<br />

em avançada eda<strong>de</strong>, e em circumstancias <strong>do</strong>lorosas que<br />

<strong>de</strong>stoam da sua vida <strong>de</strong> beneficência e carida<strong>de</strong>.<br />

O seu nome se perpetuou numa das principaes ruas da<br />

cida<strong>de</strong> sulina, como preito da posterida<strong>de</strong> ao missionário<br />

incansável que tanto fez pelo nosso progresso, em longos annos<br />

<strong>de</strong> extenuantes e porfia<strong>do</strong>s labores.<br />

12


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

II<br />

O lustro entre os silvícolas<br />

«A civilização verda<strong>de</strong>iramente começa quan<strong>do</strong> a cathechese <strong>do</strong><br />

silvícola toma fórma accentuada e progri<strong>de</strong>... Dizer o que foi a<br />

cathechese entre os selvagens é, sem duvida, fazer a historia<br />

nacional nos seus primeiros fundamentos.»<br />

(Theo<strong>do</strong>ro Sampaio, — A colonização a serviço da cathechese<br />

indígena)<br />

Findava o mês <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1819 quan<strong>do</strong> a Cuyabá<br />

chegou por terra, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>is irmãos <strong>de</strong> habito, Fr.<br />

<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata. (6)<br />

Traziam por escopo a catechese <strong>do</strong>s selvagens, assumpto<br />

que <strong>de</strong>spertava o mais vivo interesse <strong>do</strong> governo português, já<br />

haven<strong>do</strong> trabalho anterior no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> commetter aos Padres<br />

Lazaristas essa árdua missão.<br />

Conta-nol-o D. Silvério, na sua encomiada biographia <strong>do</strong><br />

Bispo D. Viçoso, a quem coubera, estan<strong>do</strong> em Portugal, vir em<br />

companhia <strong>do</strong> Padre Leandro Rabello <strong>de</strong> Castro tomar parte em<br />

tal empreza que, a seu ver, não podia ser mais árdua, mais<br />

laboriosa, nem mais cheia <strong>de</strong> perigos <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o gênero. (7)<br />

Na mesma excellente obra se lê, pouco adiante:<br />

"Tinhão se entretanto muda<strong>do</strong> as cousas: a missão <strong>de</strong><br />

Matto Grosso havia si<strong>do</strong> provida por um fra<strong>de</strong> Capuchinho <strong>de</strong><br />

nome <strong>José</strong> <strong>de</strong> Macerata, que <strong>de</strong>pois foi Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa mesma<br />

Igreja com jurisdicção episcopal." (8)<br />

(6) B. <strong>de</strong> Melgaço — Apontamentos Chronologicos, na Rev. M. Grosso,<br />

Maio 1906, pago 126.<br />

(7) Vida <strong>do</strong> Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio Ferreira Viçoso, pag. 27 da ediç.<br />

<strong>de</strong> 1876.<br />

( 8 ) Op. cit. pag. 31.<br />

13<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Melgaço dá 23 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1819 como data da<br />

partida <strong>do</strong>s Capuchinhos para Albuquerque, "afim <strong>de</strong> ali<br />

empregarem-se na catechese <strong>do</strong>s Índios Guanás." (9)<br />

A data da chegada <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> a Cuyabá não soffre<br />

contestação, pois casa com a assertiva <strong>de</strong> Leverger a própria<br />

<strong>de</strong>claração <strong>do</strong> Capuchinho em carta dirigida ao Car<strong>de</strong>al Prefeito<br />

da Sagrada Congregação <strong>de</strong> Propaganda da Fé, a 8 <strong>de</strong> Setembro<br />

<strong>de</strong> 1823, ao ter conhecimento, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, da sua<br />

nomeação para prela<strong>do</strong> <strong>do</strong> Cuyabá e Matto Grosso.<br />

Fôra Fr. <strong>José</strong> ao Rio tratar <strong>de</strong> assumptos que se prendiam<br />

á colonização e catechese <strong>do</strong>s Guanás, como se vê <strong>do</strong> seguinte<br />

tópico da sua sobredita carta:<br />

"stan<strong>do</strong> in questa Corte per trattar gli affari relativi alla<br />

reduzione e migliorarnento <strong>de</strong>gli Indi <strong>de</strong>nominati Guanans,<br />

situati alle rive <strong>de</strong>l Fiume Paraguay, ove il Re fi<strong>de</strong>lissimo<br />

Signor Don Giovanni VI mi <strong>de</strong>stinó sono quasi cinque anni...”<br />

(10)<br />

Elle próprio, confirman<strong>do</strong> esse facto em 1844, ao pedir<br />

dispensa <strong>do</strong> cargo que exercia <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />

Hospitaes da Misericórdia e <strong>de</strong> São João <strong>do</strong>s Lázaros, allu<strong>de</strong><br />

aos serviços presta<strong>do</strong>s "in prosperis, et adversus á Província, ha<br />

mais <strong>de</strong> cinco lustros", que vem a concordar com o anno<br />

indica<strong>do</strong> como da sua chegada, 1819, prefazen<strong>do</strong> até fins <strong>de</strong><br />

1844 mais <strong>de</strong> um quartel <strong>de</strong> século.<br />

Acerca da efficencia <strong>do</strong>s seus trabalhos catecheticos,<br />

melhor e que nos socorramos <strong>do</strong> testigo <strong>de</strong> contemporâneos<br />

seus, cujo <strong>de</strong>poimento vale seguramente mais <strong>do</strong> que qualquer<br />

affirmativa <strong>de</strong> hoje.<br />

É Luis d'Alincourt que, no «Rezulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalhos e<br />

indagações statisticas da Província <strong>de</strong> Matto<br />

(9) Apont. pag. citada.<br />

(10) O grypho é nosso.<br />

14


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Grosso» escripto em 1828 e publica<strong>do</strong> nos «Annaes da<br />

Bibliotheca Nacional» em se referin<strong>do</strong> á al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> N. S. da<br />

Misericórdia <strong>do</strong> Baixo Paraguay assim se exprime:<br />

«Fica seis léguas ao N. N. O. <strong>do</strong> Presídio <strong>de</strong> Coimbra e pouco<br />

mais <strong>de</strong> um quarto arredada da margem Occi<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> Paraguay.»<br />

E, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a situação da aldêa "mui<br />

prazenteira" cuja população <strong>de</strong> guanás calculava em 1.300, diz:<br />

"O Prela<strong>do</strong> actual da Província, D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata,<br />

<strong>do</strong>utrinou este povo, e com o seu disvello assíduo, hia alcançan<strong>do</strong><br />

resulta<strong>do</strong>s felizes; quasi toda esta gente foi reduzida ao grêmio da<br />

Igreja, muitos mancebos, como eu mesmo presenciei, (11) lião e<br />

escrevião com <strong>de</strong>sembaraço; as moças tinhão hua Mestra que lhes<br />

ensinava a costura, e a fazer rendas; os homens hião dan<strong>do</strong>-se<br />

contentes á cultura; finalmente a bôa or<strong>de</strong>m resplan<strong>de</strong>cia nesta<br />

interessante Aldêa.<br />

O mesmo Prela<strong>do</strong> (naquelle tempo Missionário apostólico da<br />

or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Barbadinhos) fez construir gran<strong>de</strong>s cazas para habitação<br />

das famílias, forman<strong>do</strong> ruas largas e também hua capella contiguo a<br />

qual morava; a Sagrada Doutrina hia sen<strong>do</strong> bem conhecida; e as<br />

Indias entravão a gostar <strong>de</strong> trajar á brazileira.<br />

Tu<strong>do</strong> fez o Prela<strong>do</strong> com a sua industria; <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> <strong>de</strong>clarar-se,<br />

em abono da verda<strong>de</strong>, que foi escassamente socorri<strong>do</strong> peja fazenda<br />

Publica, que se esta o auxiliasse competentemente, a que ponto teria<br />

cresci<strong>do</strong> a Aldêa em manifesta utilida<strong>de</strong> da Fronteira?<br />

As mulheres fião algodão <strong>de</strong>licadamente; eu vi cintas e<br />

suspensórios tão bem teci<strong>do</strong>s que ao primeiro olhar me parecerão <strong>de</strong><br />

sêda; tecem gran<strong>de</strong>s panões <strong>de</strong> differentes, e lindas côres forman<strong>do</strong><br />

diversas figuras; fabricão louça com diversas, e elegantes bordaduras.<br />

Os Guannas crião gallinhas, alguns porcos; fazem plantações <strong>de</strong><br />

algodão, milho, feijão, carás, batatas, etc. para seu gasto, e para hirem<br />

ven<strong>de</strong>r a Coimbra, o que hé muito proveitozo á Guarnição." (12)<br />

(11) É nosso o gripho.<br />

(12) Annaes da Bibl. Nac. VIII, 45.<br />

15<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Al se não faz mister <strong>do</strong> que o que ahi fica dito, narra<strong>do</strong><br />

por testemunha que tu<strong>do</strong> viu e registou, em <strong>do</strong>cumento official,<br />

revesti<strong>do</strong> da serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> antanho, discreta e polida, para<br />

consolidar o renome <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> como catechiza<strong>do</strong>r egrégio,<br />

digno <strong>de</strong> figurar na plana <strong>do</strong>s Anchietas e Nóbregas da phase<br />

inicial <strong>de</strong> nossa vida e <strong>do</strong>s Balzolas e Badariottis, para citar<br />

somente os mortos, <strong>de</strong> hoje.<br />

Não é, porém, só d'Alincourt que faz justiça ao<br />

missionário.<br />

Castelnau, que an<strong>do</strong>u itineran<strong>do</strong> em Matto Grosso, por<br />

volta <strong>do</strong> 1840 à 1850. allu<strong>de</strong> aos trabalhos <strong>de</strong> Fr. Jose, e abona<br />

as informações que nos dá da população indígena <strong>de</strong> Matto<br />

Grosso em uma preciosa memória <strong>do</strong> punho <strong>do</strong> virtuoso<br />

Capuchinho, (13) memória esta a que também se refere<br />

Moutinho (14) e, recentemente, Roquete Pinto (15), mas que,<br />

infelizmente, se não sabe em que mãos veio parar.<br />

A obra-prima <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> não foi, porém, a monographia,<br />

<strong>de</strong> valiosos da<strong>do</strong>s informativos, que o <strong>de</strong>scaso criminoso <strong>do</strong>s<br />

nossos <strong>de</strong>ixou extraviar-se: foi, sim, a própria aldêa da<br />

Misericórdia, primorosa e esmerada filha <strong>do</strong>s seus esforços e da<br />

sua carinhosa solicitu<strong>de</strong>, on<strong>de</strong>, a par da moralida<strong>de</strong> mais<br />

apurada, <strong>do</strong> asseio, da or<strong>de</strong>m e <strong>do</strong> trabalho, recebiam os índios,<br />

o bom trato, o affecto, a solicitu<strong>de</strong> véramente paterna da parte<br />

<strong>do</strong> Director, o bon<strong>do</strong>so e preclaro Missionário Apostólico. (16)<br />

Tu<strong>do</strong> se per<strong>de</strong>u, entanto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, o<br />

gran<strong>de</strong>, o eterno mal das nossas administrações, que suppõe sêr<br />

uma diminuição proseguir em trabalhos inicia<strong>do</strong>s, e por isso,<br />

per<strong>de</strong>m o que está feito por buscar<br />

(13) Expedition, vol. III, pags. 116 a 117, 150 a 153.<br />

(14) Noticia, pag. 143.<br />

(15) Ron<strong>do</strong>nia, pag. 22.<br />

(16) João Severiano alludin<strong>do</strong> a Fr. <strong>José</strong>, caracteriza-o assim: «Missionário<br />

da Al<strong>de</strong>ia da Misericórdia na foz <strong>do</strong> Miranda.. (Viagem, II, 97.)<br />

16


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

fazer cousas novas, que, dada a escassez <strong>de</strong> tempo ou <strong>de</strong><br />

experiência, quasi sempre não fazem.<br />

O conceito <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> como catechista ainda subsiste na<br />

tradição oral e foi tamanho que, muito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong><br />

taes encargos, em 1843, o Presi<strong>de</strong>nte Zeferino Pimentel<br />

Moreira Freire, por officio <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Novembro, lhe pedia<br />

subsídios acerca <strong>do</strong> assumpto, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-o assim o melhor<br />

conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tal matéria, verda<strong>de</strong>iro arcano e seguro<br />

informante <strong>de</strong> que se valia a administração publica.<br />

Essa officio, que ora transcrevemos, vale per si como o<br />

mais eloqüente attesta<strong>do</strong> <strong>do</strong> merecimento <strong>do</strong> egrégio<br />

Missionário e basta a encerrar eloqüentemente este capitulo:<br />

«Exmo. e Revmo. Snr.<br />

Queren<strong>do</strong> aproveitar os conhecimentos <strong>de</strong> V. Excia. e a muita<br />

pratica que tem <strong>do</strong>s importantes serviços que ha presta<strong>do</strong> nesta<br />

Província na Cathequese e civilização <strong>do</strong>s Indios; vou rogar a V.<br />

Excia. se digne dar-me to<strong>do</strong>s os esclarecimentos não só <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em<br />

que se achão nossas hordas <strong>de</strong> indigenas, o numero <strong>de</strong> nações que se<br />

conhece, como quantas seguem a nossa religião, e qual a sua<br />

habitação.<br />

Deos Guar<strong>de</strong> a V. Excia. muitos annos.<br />

Palácio <strong>do</strong> Governo em Cuyabá, 18 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1843.<br />

Zeferino Pimentel Moreira freire.»<br />

17<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

III<br />

O Apostola<strong>do</strong> da educação<br />

Educar é habilitar o homem para <strong>de</strong>sempenhar as funcções que seu<br />

fim exige, e caminhar suas faculda<strong>de</strong>s intelectuaes e moraes para<br />

os encargos que nos mostra a razão illuminada pela fé.<br />

(D. Silvério - Cartas Pastoraes. 127)<br />

Bem longe <strong>de</strong> limitar-se ao aborigene, em cuja alma fazia<br />

irradiar a luz divina da fé, a acção catechistica <strong>do</strong> virtuoso<br />

capuchinho se esten<strong>de</strong>u, se ampliou também aos civiliza<strong>do</strong>s, a<br />

que não menos se faziam mister as águas lustraes da educação e<br />

da instrucção religiosa.<br />

Sobejas provas encontram-se nos <strong>do</strong>cumentos coevos, a<br />

attestarem, exuberantemente, o seu zelo <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>r e o vivo,<br />

real empenho, em varias conjuncturas posto <strong>de</strong> manifesto, a<br />

prol <strong>do</strong> melhoramento moral e intellectual <strong>do</strong>s nossos, pela<br />

disseminação da cultura religiosa e scientifica.<br />

Procurou sempre, reiteradamente, praticar o preceito<br />

sublime <strong>do</strong> Evangelho — <strong>do</strong>cete omnes gentes — e engenizar,<br />

pelo caracter e pela intelligencia, forman<strong>do</strong>-os sobre sóli<strong>do</strong>s<br />

alicerces, a nossa raça e a nossa gente.<br />

Ao assumir o governo da Prelazia foi <strong>do</strong>s seus primeiros<br />

cuidares a creação <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> ensino para a formação<br />

intellectual e moral da juventu<strong>de</strong> patrícia, preoccupação que<br />

trouxe sempre comsigo e fez objecto da sua pastoral <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 1829.<br />

18


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Nesse importante e expressivo <strong>do</strong>cumento, no qual <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> precisar a obrigação <strong>do</strong>s Bispos <strong>de</strong> «erigir nas suas Dioceses<br />

Seminários e Collegios, para educarem, e instruírem nas Letras,<br />

e Virtu<strong>de</strong>s os Moços», e fazer ver a impossibilida<strong>de</strong> em que até<br />

ali se vira <strong>de</strong> effectuar tão nobre intento, o infatigável obreiro<br />

<strong>do</strong> Evangelho diz haver resolvi<strong>do</strong> «fundar <strong>do</strong>s primeiros<br />

alicerces em o Porto Geral <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuiabá, como Lugar<br />

reconheci<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s o mais próprio para o fim <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, hum<br />

Paço Episcopal, hum Seminário, e hum Collegio, ou para dizer<br />

melhor, huma gran<strong>de</strong>, e bem or<strong>de</strong>nada Casa <strong>de</strong> Educação,<br />

<strong>de</strong>dicada ao Gloriosissimo Archanjo São Raphael, para<br />

utilida<strong>de</strong> da pobre, e <strong>de</strong>svalida Mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda esta<br />

Província, na intima conviçção <strong>de</strong> que este rico, e vasto Império<br />

nada necessita mais que <strong>de</strong> bons Cidadãos, e que não he a<br />

natureza, que os faz, mas sim a bôa Educação; <strong>de</strong> sorte que<br />

ninguém po<strong>de</strong> fazer ao Esta<strong>do</strong> serviço mais interessante, <strong>do</strong> que<br />

o <strong>de</strong> lhe educar, e instruir os Filhos, mimozos Germens da<br />

posterida<strong>de</strong>».<br />

E terminava solicitan<strong>do</strong>, á falta <strong>de</strong> meios necessários, a<br />

contribuição <strong>do</strong>s diocesanos para a consecução <strong>de</strong>ssa obra<br />

genuinamente patriótica, invocan<strong>do</strong>, num fecho<br />

verda<strong>de</strong>iramente pathetico, o sentimento <strong>do</strong>s mesmos a favor<br />

<strong>do</strong>s meninos que, á mingua <strong>de</strong> alimento espiritual, se<br />

per<strong>de</strong>riam, com grave prejuízo para a collectivida<strong>de</strong>.<br />

Esse notável escripto que hoje, um século após, ainda tem<br />

a mais flagrante actualida<strong>de</strong> e rescen<strong>de</strong> ao perfume saudável da<br />

sincerida<strong>de</strong> e carinho com que o traçou o seu auctor, merece<br />

li<strong>do</strong> e reli<strong>do</strong>, medita<strong>do</strong> e executa<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os que têm<br />

qualquer parcella <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelas cousas publicas<br />

(17).<br />

Não semeou em terreno ári<strong>do</strong> o esforça<strong>do</strong> obreiro da<br />

educação, antes se pó<strong>de</strong> dizer que lavrara a<br />

(17) Archivo Ecclesiastico, Masso nº 1, Correspondência<br />

19<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

fun<strong>do</strong> nos corações.<br />

Donativos accorreram ao encontro <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>sígnio,<br />

<strong>de</strong>monstração inilludivel <strong>do</strong> interesse que áquella gente<br />

<strong>de</strong>spertava tão magno problema e, por outra parte, <strong>do</strong> prestigio<br />

e confiança que a to<strong>do</strong>s inspirava o Prela<strong>do</strong> (18).<br />

Não conseguiu, porém, levar a effeito o seu <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato;<br />

escasseou-lhe um factor pon<strong>de</strong>rabilissimo em iniciativas <strong>de</strong>ssa<br />

or<strong>de</strong>m: a continuida<strong>de</strong> no tempo.<br />

De facto, afasta<strong>do</strong>, logo <strong>de</strong>pois, da gestão da Prelazia,<br />

como veremos adiante, Fr. <strong>José</strong> não achou nos seus<br />

substitui<strong>do</strong>res o mesmo ar<strong>do</strong>r e enthusiasmo que n'alma <strong>do</strong><br />

Capuchinho italiano accendia o innato amor á juventu<strong>de</strong><br />

estudiosa.<br />

No Diamantino, para on<strong>de</strong> se transferira após a sua<br />

exoneração <strong>de</strong> Prela<strong>do</strong>, não <strong>de</strong>scontinuou o seu zelo pelo<br />

problema básico das nações conscientes — a educação <strong>do</strong><br />

cidadãos em flôr, que hão <strong>de</strong> ser os bons ou maus fructos <strong>do</strong><br />

futuro, tal o enxerto ou adubagem que recebam <strong>do</strong>s seus<br />

ascen<strong>de</strong>ntes.<br />

Volven<strong>do</strong> a Cuyabá, em 1841, no governo <strong>do</strong> Cônego<br />

Guimarães, outra não foi a sua preoccupação senão a que, em<br />

longos annos, lhe vinha nortean<strong>do</strong> a vida operosa e infatigável.<br />

A 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>sse anno dirigia-se em offcio ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte, expon<strong>do</strong>-lhe o vivo <strong>de</strong>sejo que nutria em seu<br />

coração <strong>de</strong> educar a mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital "germens fecun<strong>do</strong>s<br />

da gran<strong>de</strong>za nacional." allegan<strong>do</strong>, porém, faltarem-lhe "os<br />

meios necessários, não só para reedificar as cazas juntas á<br />

Igreja <strong>do</strong> Glorioso São Gonçalo, como para dar todas as<br />

provi<strong>de</strong>ncias a<strong>de</strong>quadas, afim <strong>de</strong> obter o seu intento" pedin<strong>do</strong><br />

ao governo subscrevesse um "quantia notável" para aquelle fim,<br />

ao tempo em que se propunha da sua parte a "agi-<br />

(18) I<strong>de</strong>m<br />

20


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

tar hua subscripção voluntária pelos habitantes <strong>de</strong>sta Capital".<br />

Replican<strong>do</strong> a 17 <strong>do</strong> mesmo mês e anno a esse officio,<br />

<strong>de</strong>clarava-se o Presi<strong>de</strong>nte «lizongea<strong>do</strong> sobremaneira pelo seu<br />

zelo, amor, e philantropia em beneficio da mocida<strong>de</strong>» e,<br />

approvan<strong>do</strong>-lhe a <strong>de</strong>liberação, promettia, posto não estivesse a<br />

isso autoriza<strong>do</strong> pelo Legislativo, <strong>do</strong> mez <strong>de</strong> Julho em diante,<br />

atten<strong>de</strong>r a sua exposição. (19)<br />

Numa directriz invariável e segura, a sua constante<br />

orientação no maneio das cousas publicas que lhe eram<br />

confiadas se caracterizou pejo zelo in<strong>de</strong>fesso pela educação,<br />

convertida assim a sua vida em límpi<strong>do</strong> e glorioso exemplo ás<br />

gerações futuras, em um apostola<strong>do</strong> educativo, sem solução <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> — quer no lustro entre os selvagens, quer no<br />

septennio da Prelazia, quer na década Diamantinense, quer<br />

mesmo, nos seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros annos, reparti<strong>do</strong>s, em Cuyabá,<br />

entre os pobres e enfermos <strong>do</strong>s Hospitaes e os cuida<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

educa<strong>do</strong>r, sempre anima<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo <strong>de</strong>svelo e muni<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

mesmo affecto a pró da juventu<strong>de</strong>.<br />

(19) Cfr. Officio em original no Archivo Ecclesiastico, masso nº 1 <strong>de</strong><br />

Correspondência.<br />

21<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

IV<br />

De Missionário a Prela<strong>do</strong><br />

“Sabei que aquelles bárbaros, a cuja voracida<strong>de</strong> ficáveis expostos,<br />

estão civiliza<strong>do</strong>s que aquellas mattas melancólicas, que<br />

tyranisaram vossos olhos, já se transformaram em campanhas<br />

risonhas, em seáras fructiferas, em sementeiras floridas; que <strong>do</strong><br />

seio daquelles ermos emmaranha<strong>do</strong>s, que <strong>de</strong>negriam os vossos<br />

corações, têm nasci<strong>do</strong> villas e cida<strong>de</strong>s florescentes.”<br />

(Fr. Francisco S. Carlos)<br />

O advento da in<strong>de</strong>pendência, que só fui conheci<strong>do</strong> em<br />

Cuiabá a 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1823, veio encontrar a Capitania e<br />

novel Província <strong>de</strong> Matto-Grosso mergulhada em obscuro<br />

cháos político, administrativo e financeiro.<br />

O impopularissimo governo <strong>de</strong> Magessi fôra remata<strong>do</strong><br />

pelo levante <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1821, com que, o innato<br />

sentimento <strong>de</strong> autonomia <strong>do</strong>s cuyabanos ansaiara o self<br />

government antes mesmo que o grito <strong>do</strong> Ypiranga reboasse<br />

pelo país.<br />

Uma Commissão, da qual faziam parte os homens mais<br />

representativos da época, assumira a direcção <strong>do</strong>s negócios<br />

públicos. Della ela membro, presidin<strong>do</strong>-a, o Bispo D. Luis <strong>de</strong><br />

Castro Pereira, quan<strong>do</strong>, inopinadamente, o colheu a morte, a 1<br />

<strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1822, fican<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um só golpe, orphana<strong>do</strong>s o<br />

governo civil e ecclesiastico.<br />

Eram duas acephalias simultâneas numa quadra <strong>de</strong><br />

incertezas, apprehensões e receios. Chofravam-se as paixões<br />

mais tumultuarias. Matto-Grosso, a antiga capi-<br />

22


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

tal, e Cuyabá, para on<strong>de</strong> o ultimo governa<strong>do</strong>r transferira a sé<strong>de</strong><br />

da administração, se <strong>de</strong>gladiavam pela posse da hegemonia<br />

politica. E em Cuyabá, a lucta nativista se abria, insidiosa,<br />

prenhe <strong>de</strong> ódios recíprocos, exploran<strong>do</strong> paixões malsans <strong>do</strong><br />

populacho, para ir <strong>de</strong>sfechar-se nos horrores <strong>de</strong> 1834. Por toda<br />

a província era uma nuvem pesada <strong>de</strong> animosida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong><br />

rancores, prestes a explodir no fragor das procellas irosas.<br />

A isto vinha ajuntar-se, engravecen<strong>do</strong> a situação, a crise<br />

financeira, a miséria <strong>do</strong> erário e a penúria particular, o fermento<br />

<strong>de</strong> revolta na milícia, a <strong>de</strong>magogia crescente, que encontrava<br />

echo no ambiente inflamma<strong>do</strong> pelas verborrhagias <strong>do</strong> mestiço<br />

Patrício Manso e <strong>do</strong> carmelita Nascentes.<br />

Foi nessa quadra, turva e sinistra. que, em meio ás<br />

angustias que toldavam o céu cuyabano, appellaram os nossos<br />

patrícios, como uma aurora <strong>de</strong> salvação, para a pessoa<br />

veneranda e prestigiosa <strong>do</strong> monge capucho, pedin<strong>do</strong> ao<br />

governo imperial, num gesto sem prece<strong>de</strong>ntes e que por si só o<br />

nobilitaria para sempre, a nomeação <strong>de</strong> Frei Macerata para a<br />

Sé<strong>de</strong> Vacante.<br />

E em <strong>de</strong>ferimento ao que lhe requereu a Câmara e Povo<br />

<strong>de</strong> Cuyabá, o impera<strong>do</strong>r Pedro I, em data <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1823, expedia o Decreto cujo teor se segue, cre<strong>de</strong>ncial<br />

honrosissima que vale to<strong>do</strong> um elogio immortalizante <strong>do</strong><br />

egrégio capuchinho e é no dizer auctoriza<strong>do</strong> <strong>de</strong> D. Aquino<br />

Corrêa "como o melhor resumo <strong>de</strong> toda a sua vida apostólica".<br />

(20)<br />

«Atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao honroso testemunho, que a Câmara e Povo da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuyabá, dirigirão á minha Imperial Presença em abono das<br />

virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, pedin<strong>do</strong>-o para seo Pastor,<br />

por ser amante da pobreza, sábio, humil<strong>de</strong> e incançavel na reducção<br />

da<br />

(20) Discurso <strong>de</strong> recepção no I. Histórico, no livro Discursos.<br />

23<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

gentilida<strong>de</strong>, e sen<strong>do</strong>-me a mesma supplica reiterada pelo Deputa<strong>do</strong> á<br />

Assembléa Geral d'aquella Província: Hei-por bem nomear o dicto<br />

Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata Prela<strong>do</strong> e Administra<strong>do</strong>r da Jurisdicção<br />

Ecclesiastica <strong>de</strong> Cuyabá, e Mato Grosso, que vagou pelo fallecimento<br />

<strong>do</strong> Reveren<strong>do</strong> Bispo <strong>do</strong> Ptolomaida. A Meza <strong>de</strong> Consciência e<br />

Or<strong>de</strong>ns o tenha assim entendi<strong>do</strong> e faça executar com os <strong>de</strong>spachos<br />

necessários. Paço em 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1823, segun<strong>do</strong> da<br />

In<strong>de</strong>pendência e <strong>do</strong> Império. Com a rubrica da sua Magesta<strong>de</strong><br />

Imperial. Caetano Pinto <strong>de</strong> Miranda Montenegro.»<br />

A nomeação <strong>de</strong> Prela<strong>do</strong> ficava, entretanto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

confirmação por parte da Santa Sé, da<strong>do</strong> o regime vigorante na<br />

época.<br />

Assim é que nas instrucções expedidas com o aviso <strong>de</strong> 28<br />

<strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1824 ao encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Brasil em<br />

Roma, Monsenhor Francisco Corrêa Vidigal, figura, sob n° 21,<br />

a <strong>de</strong> conseguir as Bullas para erecção das Prelazias <strong>de</strong> Cuyabá e<br />

Matto Grosso e <strong>de</strong> Goyaz, em Bispa<strong>do</strong>s regulares, passan<strong>do</strong><br />

assim a ter a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Bispos os respectivos Prela<strong>do</strong>s já<br />

nomea<strong>do</strong>s Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata e Francisco Ferreira <strong>de</strong><br />

Azeve<strong>do</strong>. (21)<br />

O numero seguinte das sobreditas instrucções assim<br />

dispunha:<br />

"22 — Por esta occazião se entrega a V. Illma. as cartas e mais<br />

papeis <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, nomea<strong>do</strong> por S. M. Imperial<br />

Prela<strong>do</strong> e Administra<strong>do</strong>r das Igrejas <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-Grosso, para<br />

por elle conseguir o que mais é necessário segun<strong>do</strong> as Bullas da<br />

Creação <strong>de</strong>sta Prelazia (22), pela qual tinha o Supremo Pontífice <strong>de</strong> o<br />

nomear Bispo in partibus; mas agora pelo que a-<br />

(21) Era este Prela<strong>do</strong> natural <strong>de</strong> Cuyabá e teve o titulo <strong>de</strong> Bispo <strong>de</strong> Castoria<br />

in partibus sen<strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> por D. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, em 1833, <strong>de</strong><br />

passagem por Goyaz e sómente <strong>de</strong>pois confirmada a sua nomeação para<br />

Bispo <strong>de</strong> Goyaz. Blake <strong>de</strong>lle se occupa no seu Dicc. Bibl. e C. Men<strong>de</strong>s na<br />

excellente obra já citada.<br />

(22) É a BulIa Can<strong>do</strong>r lucis æternæ, <strong>do</strong> Papa Bento XIV <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Dezembro<br />

<strong>de</strong> 1745.<br />

24


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

cima fica dito será a confirmação <strong>de</strong> Bispo <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-<br />

Grosso. Parece portanto que nenhuma duvida po<strong>de</strong> haver pela<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Apresenta<strong>do</strong>; no caso porem que a Côrte <strong>de</strong> Roma<br />

insista por nova apresentação <strong>de</strong> S. M. Imperial e se possa <strong>de</strong> outra<br />

maneira conseguir, V. Illma. fará os necessários e promptos avizos, o<br />

que <strong>de</strong> certo se não po<strong>de</strong> esperar que aconteça attendi<strong>do</strong> o interesse<br />

geral da Curia Romana, e ser o nomea<strong>do</strong> hum italiano.» (23)<br />

A 15 <strong>de</strong> Julho da 1826 expedia o Papa Leão XII a Bulla<br />

Sollicita catholici gregis cura, pela qual se creavam as<br />

Dioceses <strong>de</strong> Goyaz e <strong>de</strong> Cuyabá, em substituição ás Prelazias<br />

<strong>do</strong> mesmo nome, e se constituíam Vigários Apostólicos das<br />

mesmas Dioceses os Prela<strong>do</strong>s Francisco Pereira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e<br />

Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata.<br />

É este o trecho da Bulla referente á <strong>de</strong>signação <strong>do</strong>s<br />

Vigários Apostólicos e po<strong>de</strong>res que lhes foram da<strong>do</strong>s:<br />

«Ad consulendum interea Christifi<strong>de</strong>lium in illis partibus<br />

<strong>de</strong>gentium spirituali regimini ubi primum binarum Cathedralium<br />

erectioni locus factus fuerit, ne iis<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sit Præses <strong>do</strong>nec <strong>de</strong> primo<br />

earum antistite provi<strong>de</strong>antur, Venerabilem Fratrem Franciscum<br />

Ferreira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, Episcopum Castoriensis in partibus Infi<strong>de</strong>lium<br />

Prælaturæ Goyasensi, et dilectum filium Fr. Josephum Mariam e<br />

Macerata, Præ biterum Ordinis Fratrum Minoram, Sancti Francisci<br />

Capuccinorum expresse professit Cuyabænsi Prælaturæ, mo<strong>de</strong>rnos<br />

Præsi<strong>de</strong>ntes in Vicarios Apostolicos earum<strong>de</strong>m Prælaturarum, cum<br />

neeessariis et opportunis in rem facultatibus, durante tantummo<strong>do</strong><br />

illarum sedium Episcopalium vacatione, respective <strong>de</strong>putamus et<br />

constituimus.»<br />

Não logrou Fr. <strong>José</strong> ser confirma<strong>do</strong> como Bispo da<br />

Diocese e, não obstante haver-se conserva<strong>do</strong> no governo da<br />

mesma até 1832, já em 1828 se lhe dava su-<br />

(23) C. Men<strong>de</strong>s, op. cit. II, 712.<br />

25<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

bstituto na pessoa <strong>do</strong> Monsenhor da Capella Imperial Pláci<strong>do</strong><br />

Men<strong>de</strong>s Carneiro (24), que, entretanto, renunciou o cargo a 11<br />

<strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno.<br />

Attribuia Fr. <strong>José</strong> a uma indisposição <strong>de</strong> Monsenhor<br />

Vidigal as difficulda<strong>de</strong>s que contra elle surgiram, conforme diz<br />

o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beaurepaíre Rohan nos seus Annaes da<br />

Província <strong>de</strong> Matto Grosso.(25)<br />

(24) E não Santos, como se lê em alguns auctores.<br />

(25) In Rev. <strong>do</strong> I. H. e G. <strong>de</strong> S. Paulo, XV. pag.1l6<br />

26


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

V<br />

No Governo da Prelazia<br />

Opportet enim episcopum sine crime esse, sicut Dei dispensatorem.<br />

(S. Paulo a Tito, I, 7)<br />

O dia 27 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1824 constitue, posto o não registem<br />

os nossos ephmneristas, uma data memorável na Historia<br />

ecclesiastica <strong>de</strong> Matto Grosso, pois assignala a entrada <strong>do</strong><br />

humil<strong>de</strong> freire Capucho na sé<strong>de</strong> episcopal vacante a que, por<br />

unânime assenso <strong>do</strong>s Cuyabanos, fôra eleva<strong>do</strong>. Vin<strong>do</strong> pelo<br />

caminho <strong>do</strong> sertão, o único então pratica<strong>do</strong>, levou <strong>do</strong> Rio até<br />

Cuyabá seis meses, incluin<strong>do</strong> nesse prazo a parada que fez no<br />

Rio Gran<strong>de</strong> (hoje Registro <strong>do</strong> Araguaya e que elle calculou em<br />

<strong>do</strong>is meses e meio, em officio dirigi<strong>do</strong> ao Impera<strong>do</strong>r, pelo<br />

Tribunal da Meza <strong>de</strong> consciencia e or<strong>de</strong>ns, em data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong><br />

Julho <strong>de</strong> 1824. (26)<br />

No Rio Gran<strong>de</strong> erigiu uma pequena capella e <strong>de</strong>teve-se<br />

algum tempo, conforme o seu próprio dizer, «ven<strong>do</strong> aqui a<br />

extrema necessida<strong>de</strong> Espiritual que pa<strong>de</strong>cião estas queridas<br />

ovelhas» com propósito <strong>de</strong> «amparallas e instruil-as nos<br />

Mistérios da nossa Santa Religião e administrar-lhes os Santos<br />

Sacramentos.»<br />

(26) C. Men<strong>de</strong>s dá erradamente 1825 como o inicio <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong><br />

Fr. <strong>José</strong> na Prelazia (op. cit. II, 750). Em outro officio que dirigiu <strong>do</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> ao Impera<strong>do</strong>r, a 21 <strong>de</strong> Março, refere Fr. <strong>José</strong> ter gasto até aquella<br />

localida<strong>de</strong> 62 dias <strong>de</strong> marcha e 42 <strong>de</strong> falhas. E, ao dar noticia da chegada,<br />

em officio <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho, ao Impera<strong>do</strong>r, diz textualmente: "no dia da<br />

gloriosa Assenção <strong>do</strong> Senhor, que se contarão vinte e sete <strong>de</strong> Maio, tive a<br />

ineffavel consolação <strong>de</strong> ver em fim finaliza<strong>do</strong>s os obstáculos, que até então<br />

me impedirão o gozo <strong>de</strong> me unir a Ella, (a Igreja Cuybaense).<br />

27<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

No officio que dali dirigiu ao Impera<strong>do</strong>r e que como toda<br />

a sua correspondência existe regista<strong>do</strong> em preciosissimo códice<br />

archiva<strong>do</strong> no Cartório Eclesiastico, allu<strong>de</strong> ás intenções e<br />

projectos que trazia, pedin<strong>do</strong> o beneplacito <strong>do</strong> Chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

para os mesmos.<br />

Assim é que refere as necessida<strong>de</strong>s da Prelazia, entre as<br />

quaes "tanta e tanta Gentilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que me vejo já ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong> sem<br />

po<strong>de</strong>r dar o mínimo amparo ..." E accrescenta precisar <strong>de</strong><br />

"fervorosos Ministros <strong>do</strong> Evangelho" fazen<strong>do</strong> ver que <strong>do</strong>s<br />

“padres seculares" raros se encontrão com esta vocação...”<br />

Não se revestiu <strong>de</strong> pompa e alar<strong>de</strong> festivos a chegada <strong>do</strong><br />

Prela<strong>do</strong>, mas sim a ro<strong>de</strong>ou um vivo ambiente <strong>de</strong> carinho e<br />

intima alegria.<br />

É ainda elle quem nol-o diz, no officio referi<strong>do</strong>:<br />

«Se huma ostentação puramente mundana não assignallou o<br />

dia em que esta Igreja <strong>de</strong>spio o manto da sua viduida<strong>de</strong>, as<br />

<strong>de</strong>monstraçoens <strong>de</strong> ternura, e veneração que recebi <strong>de</strong>ste Povo em<br />

todas as classes, que o compoem forão tão <strong>de</strong>cisivas, que exce<strong>de</strong>m a<br />

toda a consi<strong>de</strong>ração com que se po<strong>de</strong> julgar <strong>de</strong> hum verda<strong>de</strong>iro<br />

amor.»<br />

No governo da Prelazia, logo <strong>do</strong>is annos após elevada a<br />

Bispa<strong>do</strong>, ia Fr. <strong>José</strong> revelar novos aspectos da sua curiosa e<br />

empolgante individualida<strong>de</strong>.<br />

As poucas pastoraes que <strong>de</strong>lle existem, e encontradas, em<br />

avulso, no archivo ecclesiastico, dão a medida elo seu zêlo e<br />

<strong>de</strong>dicação assaz <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s no amanho da vinha que lhe<br />

fôra confiada.<br />

São em numero <strong>de</strong> sete, assim especificadas:<br />

I — Acerca <strong>do</strong> Indulto permittin<strong>do</strong> o uso da carne durante<br />

a quaresma (16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1825).<br />

II — Sobre a creação <strong>de</strong> um Collegio e <strong>de</strong> um Seminário<br />

(25 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1829).<br />

III — Despedin<strong>do</strong> se <strong>do</strong>s Diocesanos por ter <strong>de</strong><br />

28


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

seguir em Visita a vários pontos <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> (31 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong><br />

1829).<br />

IV — Instruin<strong>do</strong> sobre o Sacramento da Confirmação<br />

(Em visita pastoral, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso, a 24 <strong>de</strong><br />

Dezembro <strong>de</strong> 1829).<br />

V — A respeito <strong>do</strong> Jubileu <strong>do</strong> Anno Santo (27 <strong>de</strong> Março<br />

<strong>de</strong> 1830, ainda em Matto Grosso).<br />

VI — Aos Diamantinenses, acerca da Egreja local (Em<br />

visita pastoral, a 16 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1831).<br />

VII — Acerca <strong>do</strong> preceito da Santificação <strong>do</strong> Domingo (3<br />

<strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1831).<br />

Transuma <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s esses escriptos, a par <strong>de</strong> um immeso<br />

carinho paternal, em linguagem claríssima e, ao mesmo tempo,<br />

suggestiva, uma profunda noção <strong>do</strong>s seus <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> Chefe<br />

espiritual <strong>de</strong> uma grei numerosa e dispersa, pobre e ignorante,<br />

tão necessitada da esmola da palavra, que sustenta o espírito,<br />

como <strong>do</strong> óbolo <strong>do</strong> dinheiro, que alimenta o corpo.<br />

Imagine-se, hoje, o que fôra a Diocese cuyabana um<br />

século atrás, quan<strong>do</strong> a Fr. <strong>José</strong> coube a árdua missão <strong>de</strong> dirigila.<br />

A não ser a sé<strong>de</strong>, Cuyabá, e as Parochias <strong>de</strong> Matto Grosso e<br />

Diamantino, a primeira já em franco <strong>de</strong>clínio, o mais eram<br />

arraiaes ou lavras <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes, malocas <strong>de</strong> índios, gran<strong>de</strong>s<br />

fazendas a distancia <strong>de</strong> léguas, sertões in<strong>de</strong>vassáveis e<br />

immensos.<br />

Isso pelo que diz o la<strong>do</strong> material, esses os embaraços <strong>de</strong><br />

natureza physica e geographica. Pôn<strong>de</strong> agora em linha <strong>de</strong> conta<br />

o peior, que são os óbices moraes.<br />

Uma socieda<strong>de</strong> em formação, constituída <strong>de</strong> heterogêneos<br />

elementos, fomentada pelos ódios políticos, habilmente<br />

explora<strong>do</strong>s pelos interessa<strong>do</strong>s, aggrava<strong>do</strong>s por uma situação<br />

economico-financeira sombria e <strong>de</strong> imprevisível futuro,<br />

ten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a empeiorar sempre mais.<br />

Juntae a isto a frouxidão <strong>de</strong> costumes, que campeava por<br />

toda a parte, <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um longo estagio <strong>de</strong> vida á solta, sem<br />

freios nem ré<strong>de</strong>as, em promiscu-<br />

29<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

os e fáceis contactos com a população indígena e negra, na<br />

incentiva<strong>do</strong>ra intimida<strong>de</strong> das malocas e das senzalas, <strong>do</strong>s<br />

quartéis da milícia e <strong>do</strong>s engenhos, que tu<strong>do</strong> parecia ten<strong>de</strong>r a<br />

transformar em vasto tremedal <strong>de</strong> lascivia a vida das classes<br />

baixas <strong>do</strong> povo.<br />

Essas licenciosida<strong>de</strong>s eram taes que extrangeiros, por<br />

aqui em transito, como Florence e outros, logo se offereciam<br />

como alvo <strong>de</strong> observação.<br />

Para abrir lucta com este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cousas com que<br />

contava Fr. <strong>José</strong>? Com bem poucos elementos, sobretu<strong>do</strong> si<br />

atten<strong>de</strong>rmos a que o próprio clero da época se contaminara no<br />

ambiente <strong>de</strong>letério a cuja influencia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>, os tempos<br />

coloniaes, ce<strong>de</strong>ra, ao invés <strong>de</strong> contra ella reagir francamente.<br />

Eloqüente <strong>de</strong>poimento nol-o dá o próprio Fr. <strong>José</strong>, em<br />

offticio <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1825, á Secretaria da Justiça quan<strong>do</strong><br />

se referin<strong>do</strong> ao esta<strong>do</strong> da Prelazia, assim o <strong>de</strong>buxa, em largas<br />

pinceladas.<br />

"Por aqui a tu<strong>do</strong> se fás preciso insinuar principios <strong>de</strong> creação, a<br />

que o mizero e <strong>de</strong>ploravel esta<strong>do</strong> em que encontramos esta Prelazia,<br />

tanto pelos multiplica<strong>do</strong>s abusos, que a cobrem, como pela privação e<br />

falta <strong>de</strong> Ministros com alguma sufficiencia”<br />

E em outro officio <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno,<br />

allu<strong>de</strong> ao clero da época, <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> pregação e<br />

<strong>de</strong> instrucção, quasi que se limitan<strong>do</strong> a “acudir com promptidão<br />

quan<strong>do</strong> são chama<strong>do</strong>s para os enfermos".<br />

Fr. <strong>José</strong> passa, na caligem daquelles dias tenebrosos,<br />

como uma visão puríssima <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

renuncia e <strong>de</strong> sacrifício, dan<strong>do</strong> assim, em meio ao lodaçal que<br />

tu<strong>do</strong> avassalava, a impressão <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas nymphéas <strong>do</strong><br />

pantanal, pairan<strong>do</strong>, alvíssimas e leves, á língua d'água, como<br />

esfloran<strong>do</strong> a lama, sem nella se macular.<br />

30


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

"Homem <strong>de</strong> muitas virtu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> costumes austeros, é<br />

como lhe chama Moutinho, bastante severo no adjectivar os<br />

que lhe não cahiam no agra<strong>do</strong>. (27)<br />

E por esse diapasão afinam os que o conheceram ou <strong>de</strong>lle<br />

houveram noticia.<br />

Entre os contemporâneos, os que se lhe referem para<br />

gabar-lhe a "celebrada pieda<strong>de</strong>", como V. Corrêa Filho (28), ou<br />

a philanthropia que o tornara «o pai da pobreza, o amparo <strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>s da sorte», como assevera Estevão <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça,<br />

(29) são unânimes em accentuar o seu espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> e o<br />

seu zêlo pastoral.<br />

(27) Noticia sobre a Província <strong>de</strong> M. Grosso, pag. 50.<br />

(28) Matto Grosso, 96.<br />

(29) Datas, I, 278.<br />

31<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

VI<br />

Os Predica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Administra<strong>do</strong>r<br />

... e o Prela<strong>do</strong> ha <strong>de</strong> ser vigilante e ir diante <strong>do</strong>s súbditos no<br />

exemplo das virtu<strong>de</strong>s.<br />

(P. Manoel Bernar<strong>de</strong>s - Nova Floresta, V, 80)<br />

Rico mana<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> informes acerca da actuação <strong>de</strong> Fr.<br />

<strong>José</strong> na Prelazia e no governo <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, é alem <strong>do</strong> Livro da<br />

correspondência já cita<strong>do</strong>, o "1º Livro <strong>de</strong> Provizoens", <strong>de</strong> 1824<br />

a 1835, precioso manuscripto conserva<strong>do</strong> no Archivo da<br />

Archidiocese, on<strong>de</strong> se encontram, passo a passo, todas as<br />

provi<strong>de</strong>ncias tomadas pelo prela<strong>do</strong> na direcção das causas<br />

ecclesiasticas.<br />

Ali está patente aos olhos <strong>de</strong> quem queira ver o seu zêlo<br />

pelo clero, logo posto <strong>de</strong> manifesto nas innumeras provisões<br />

com que tratou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que assumiu as suas funcções, <strong>de</strong><br />

organizar os serviços da Egreja, expedin<strong>do</strong> nomeações,<br />

preenchen<strong>do</strong> cargos e proven<strong>do</strong> o bom andamento <strong>do</strong>s negócios<br />

sob sua responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Faculta esse curioso códice, cujas paginas venerandas<br />

abrem aos nossos olhares a Cuyabá <strong>de</strong> ha um século atrás, o<br />

exacto e fiel conhecimento <strong>do</strong> clero daquellas eras, trazen<strong>do</strong> a<br />

lume nomes pouco sabi<strong>do</strong>s e figuras interessantes, mas raro<br />

conhecidas.<br />

Empossa<strong>do</strong> em Maio, começou Fr. <strong>José</strong> por nomear a 15<br />

<strong>do</strong> mês seguinte, o P. Miguel Dias <strong>de</strong> Oliveira, Escrivão da<br />

Câmera e Auditorio Ecclesiastico,<br />

32


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

cargo em que lhe foi da<strong>do</strong> substituto, a 23 <strong>de</strong> Novembro <strong>do</strong><br />

anno immediato, na pessôa <strong>do</strong> clerigo in minoribus Jeã<br />

Gonçalves da Cruz.<br />

A 16 <strong>de</strong> Junho nomeava Examina<strong>do</strong>r Synodal, Provisor,<br />

Vigario Geral, Juiz das justificações <strong>de</strong> genere o P. Antonio<br />

Tavares Corrêa da Silva.<br />

E em provisões successivas investia nas funcções <strong>de</strong> 1°<br />

Coadjuctor da Cathedral o P. Joaquim Teixeira Coelho (21 <strong>de</strong><br />

Junho), advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> auditório ecclesiastico o P. Gabriel Nunes<br />

<strong>do</strong> Valle (26 <strong>de</strong> junho), Inquiri<strong>do</strong>r e solicita<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Juízo o P.<br />

João Baptista <strong>de</strong> Faria Villaça (26 <strong>de</strong> .Junho), Examina<strong>do</strong>r<br />

Synodal e Juiz <strong>de</strong> casamentos o P. Manoel Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Siqueira (1 <strong>de</strong> Julho), 2º Coadjutor da Cathedral o P. Manoel<br />

Gomes <strong>de</strong> Faria (27 <strong>de</strong> Agosto), Fabriqueiro e Vice-Sachristão<br />

da Cathedral o Diacono Antonio da Costa Vianna (7 <strong>de</strong><br />

Agosto), 3° Coadjutor da Cathedral o P. Manoel Pinto <strong>de</strong><br />

Siqueira, (28 <strong>de</strong> Agosto) Sacristão-mor o P. Pru<strong>de</strong>nte Duarte da<br />

Costa (26 <strong>de</strong> Agosto), Promotor da Justiça Ecclesiastica o P.<br />

<strong>José</strong> da Silva Guimarães(16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1825), alem <strong>do</strong>s leigos<br />

João Luiz <strong>de</strong> Araújo, Fabriqueiro da Cathedral (11 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 1825), <strong>José</strong> Pereira <strong>de</strong> Guimarães, Inquiri<strong>do</strong>r e Distribui<strong>do</strong>r<br />

(16 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1825) <strong>José</strong> Manoel Pereira <strong>de</strong> Faria, Porteiro e<br />

Pregoeiro <strong>de</strong> Auditórios (13 <strong>de</strong> Maio) e Francisco Bernar<strong>do</strong>,<br />

Meirinho ecclesiastico (13 <strong>de</strong> Maio).<br />

Servia como Secretario <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> Fr. Marcellino <strong>de</strong><br />

Chagas <strong>de</strong> Goyaz, que, vin<strong>do</strong> a fallecer em Outubro <strong>de</strong> 1827,<br />

foi substituí<strong>do</strong> pelo Inician<strong>do</strong> Antonio Pereira Men<strong>de</strong>s.<br />

Cogitava Fr. <strong>José</strong> ao mesmo tempo em trazer providas as<br />

Vigararías e parochias, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>, em 1824, o P. Cláudio<br />

Joaquim Monteiro <strong>de</strong> Faria para Diamantino, o P. João Heitor<br />

para o arraial <strong>de</strong> S. Pedro d'El Rey, como ainda então se<br />

chamava a actual<br />

33<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Poconé, o P. Manoel Ferraz <strong>de</strong> Sampaio Botelho para a<br />

Chapada e, em 1826, o P. Antonio Antunes Maciel Ron<strong>do</strong>n<br />

para Livramento e o P. Bento <strong>de</strong> Souza Vaz Canavarros para<br />

Rosário <strong>do</strong> Rio Cuyabá.acima.<br />

Solicito, mal se vagava um officio, cuidava em provel-o<br />

por pessôa idônea e capaz e assim é que ten<strong>do</strong> o P. Tavares,<br />

Vigário Geral, transferi<strong>do</strong> morada para o seu sitio na Serra-<br />

Acima, nomeou, por provisão <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1830, o P.<br />

Manoel Gomes <strong>de</strong> Faria para o substituir temporariamente.<br />

Em Dezembro <strong>de</strong> 1824, expedia o zeloso Pastor a<br />

provisão pela qual, atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ás circumstancias especiaes da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto Grosso, a antiga e já então <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte Capital,<br />

«com manifesto <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s Habitantes daquella Parte —<br />

não só pela distante situação, que os impossibilita <strong>de</strong> tratar bem<br />

as suas <strong>de</strong>pendências, receber a tempo aquelles socorros <strong>de</strong><br />

necessitão, como por que sen<strong>do</strong> o Nosso Provisor, e Vigário<br />

Geral único, não po<strong>de</strong>, em razão <strong>de</strong> vários objectos, <strong>de</strong> que<br />

quasi sempre se vê sobrecarrega<strong>do</strong>, satisfazer com a <strong>de</strong>vida<br />

exacção e <strong>de</strong>sempenho, os respectivos <strong>de</strong>veres» nomeou ao P.<br />

Manoel Ferraz <strong>de</strong> Sampaio Botelho Examina<strong>do</strong>r Synodal,<br />

Provisor Vigário Geral, e Parochial, Juiz <strong>do</strong>s Casamentos, das<br />

justificações <strong>de</strong> genere, e <strong>do</strong>s Resíduos da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto-<br />

Grosso e mais lugares adjacentes.<br />

O seu zêlo pastoral, <strong>de</strong> resto, transparece a cada pagina<br />

<strong>do</strong> livro das Provisões e <strong>do</strong> da Correspondência da Prelazia,<br />

sen<strong>do</strong> ocioso estar a repontal-as, indican<strong>do</strong> medidas e<br />

provi<strong>de</strong>ncias opportunas e efficazes por elle tomadas a prol <strong>do</strong><br />

bom andamento das cousas no seio da sua grey espiritual.<br />

As suas vistas atiladas e o seu coração amoroso <strong>de</strong> Pae se<br />

estendiam, eqüitativamente, a to<strong>do</strong>s os pontos da Prelazia ou<br />

Bispa<strong>do</strong> cuja direcção lhe fôra dada e comprova esta assertiva<br />

curioso <strong>do</strong>cumento que<br />

34


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

é a carta dirigida por Fr. <strong>José</strong> ao ex-governa<strong>do</strong>r João Carlos, no<br />

Rio, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> vinda para assumir a Prelazia, a 20 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong><br />

1824, parara no "Lugar <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong>", que é hoje a<br />

florescente Registro <strong>do</strong> Araguaya.<br />

Nesse Escripto, to<strong>do</strong> cheio <strong>de</strong> um tom <strong>de</strong> cordial amiza<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer as finezas que Oyenhausen lhe prodigara<br />

na Côrte, communica Fr. <strong>José</strong> a sua "chegada neste aprazível<br />

Lugar <strong>do</strong> Rio gran<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> (por ser moralmente certo que tu<strong>do</strong><br />

concorre para fazel-o com o tempo huma cousa gran<strong>de</strong>) resolvime<br />

suspen<strong>de</strong>r por algum tanto a marcha a fim <strong>de</strong> dar principio a<br />

organização <strong>do</strong> Edifício Espiritual <strong>do</strong>s seus Habitantes» e o seu<br />

propósito <strong>de</strong> em chegan<strong>do</strong> a Cuyabá iniciar logo a visita<br />

pastoral por toda Província «para que possa ser bem inteira<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Prelazia e das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tão numerosa<br />

Familha.»<br />

As suas relações com João Carlos o levaram a constituil-o<br />

seu procura<strong>do</strong>r no Rio, conforme communicou, em officio, ao<br />

Impera<strong>do</strong>r: « A João Carlos Augusto <strong>de</strong> Oeynhausen, como<br />

bem pratico, amoroso e <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> tenho constituí<strong>do</strong> por<br />

meu Procura<strong>do</strong>r perante Vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial, para tratar<br />

<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> não só, como <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mais que eu necessitar.»<br />

A penas nomea<strong>do</strong> pelo Dec. Imperial <strong>de</strong> 1823, dirigiu o<br />

Prela<strong>do</strong> ao Car<strong>de</strong>al Prefeito da Sagrada Congregação <strong>de</strong><br />

Propaganda Fi<strong>de</strong>, em data <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> Setembro daquelle anno, <strong>do</strong><br />

Rio, on<strong>de</strong> se achava, uma carta que é um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong><br />

e ao mesmo tempo <strong>de</strong> confiança nos <strong>de</strong>sígnios <strong>do</strong> Alto.<br />

Nessa carta, que fez acompanhar <strong>de</strong> um exemplar da sua<br />

Pastoral <strong>de</strong> Saudação aos Fieis da Prelazia (30) elle dizia contar<br />

partir em poucos dias para a Prelazia e dar principio ao<br />

Ministério confia<strong>do</strong>. (31)<br />

(30) Infelizmente não consegui encontrar copia <strong>de</strong>sse <strong>do</strong>cumento no qual diz<br />

Fr. <strong>José</strong> que dava ao povo cuyabano um "attesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> gratidão e <strong>de</strong> amor<br />

feito no melhor mo<strong>do</strong> possível".<br />

(31) Archivo eccles. Mass. I corresp.<br />

35<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Na mesma data e em termos quasi análogos escreve o<br />

novo Prela<strong>do</strong> ao Procura<strong>do</strong>r e Commissario geral da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s<br />

Capuchinhos, sen<strong>do</strong> ambas as letras redigidas em italiano.<br />

É ainda para nota<strong>do</strong> no Governo da Prelazia o seu zêlo na<br />

formação <strong>do</strong> clero, ten<strong>do</strong> or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> vários sacer<strong>do</strong>tes, entre<br />

outros o poconéano P. Domingos Carlos da Cunha; “indígena<br />

<strong>do</strong> arraial <strong>de</strong> S. Pedro d'El Rey" a quem <strong>de</strong>u po<strong>de</strong>r para celebrar<br />

a sua 1º Missa, em 1824. (32)<br />

Não menor o seu zêlo pelos Hospitaes ou Casas Pias,<br />

como se chamaram, e aos quaes se refere na carta a João<br />

Carlos, inesquecível funda<strong>do</strong>r das mesmas.<br />

Sem duvida, porém, concentrou os seus cuida<strong>do</strong>s na<br />

educação, já trazen<strong>do</strong> intuito, ao vir para a Prelazia, <strong>de</strong> fundar<br />

um Collegio e um Seminário, que, a começo, cui<strong>do</strong>u<br />

estabelecer junto á Misericórdia (33) e, ao <strong>de</strong>pois, no Porto<br />

Geral, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> S. Gonçalo, on<strong>de</strong> teve o seu paço episcopal.<br />

A conservação e construcção <strong>do</strong>s templos merecem-lhe,<br />

outrosim, mimosos <strong>de</strong>svelos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se a este respeito citar,<br />

como paradigma, a sua pastoral <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1831 aos<br />

Diamantinenses, que é, talvez, o melhor <strong>do</strong>cumento vivo que<br />

<strong>do</strong> seu espírito nos foi lega<strong>do</strong>.<br />

Varias vezes se ausentou o Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cuyabá, figuran<strong>do</strong><br />

então, como signatários das Provisões, ora o Vigário Geral P.<br />

Tavares, ora o Juiz <strong>de</strong> Casamentos P. Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Siqueira.<br />

Assim entre 3 <strong>de</strong> Junho e 11 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1827, 21 <strong>de</strong> Janeiro<br />

e 8 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1829, 16 e 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong>sse mesmo anno,<br />

e, em diversos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1830, em que, como vimos, esteve<br />

em visita pastoral pelo Bispa<strong>do</strong>.<br />

(32) Prov, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong>zº <strong>de</strong> 1824, 1º Lº <strong>de</strong> Provizoens.<br />

(33) Carta a João Carlos, referida.<br />

36


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

A ultima provisão que trazia assignatura <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> é<br />

datada <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1831: segue-se dahi por diante uma<br />

serie firmada pelo P. Tavares, primeiro como Vigário Geral e,<br />

após, a partir <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1832, como Vigário Capitular<br />

<strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> com toda a jurisdicção o Delega<strong>do</strong> da Sé<strong>de</strong><br />

Episcopal vacante, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> provisão <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> Novembro<br />

<strong>de</strong> 1831 <strong>de</strong> D. Romual<strong>do</strong> Antonio <strong>de</strong> Seixas (34).<br />

Infelizmente não foi possível a Fr. Macerata, em sete<br />

annos que durou sua jurisdicção ecclesiastica, com o tempo<br />

toma<strong>do</strong> por longas e exhaustivas jornadas nas suas visitas<br />

pastoraes, <strong>de</strong>senvolver to<strong>do</strong> o seu bello plano <strong>de</strong> trabalho e<br />

quan<strong>do</strong> ainda se dispunha a empregar os seus esforços a prol <strong>do</strong><br />

progresso material e moral da Província «tão pobre mais <strong>do</strong> que<br />

<strong>de</strong> Fjnanças, <strong>de</strong> Letras, e Moral.» (35) eis que o sorprehen<strong>de</strong> a<br />

sua <strong>de</strong>stituição summarissima <strong>do</strong> cargo, no mais injusto e<br />

flagrante gesto <strong>de</strong> menosprezo pelos seus serviços<br />

irremuneráveis.<br />

Nem as Bullas <strong>de</strong> Bispo in Partibus lhe foram expedidas,<br />

não obstante ter direito a essas honras <strong>de</strong> accor<strong>do</strong> com o Bulla<br />

Can<strong>do</strong>r Lucis aeternae.<br />

Assim paga o Mun<strong>do</strong> os benefícios que lhe são feitos!<br />

(34) Essa provisão que o P. Tavares teve o cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> fazer transcrever no<br />

livro foi publicada a 1 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1832, á estação da Missa Parochial. Nesse<br />

mesmo dia tomou posse.<br />

(35) Carta a Estevão Ribeiro <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong>, em 1840.<br />

37<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

VII<br />

Fortaleza e mansuetu<strong>de</strong><br />

Discite a me, quia mitis sum, et humilis cor<strong>de</strong>.<br />

(Matth. XI, 29)<br />

Qui cum causa non irascitur, peccat: patientia enim is rationabilis<br />

vitia seminat, negligentiam nutrit, et non solum malos, sed etiam<br />

bonos invitat ad malum.<br />

(João Jeresolimitano — Matth, Hom. 11)<br />

Realizan<strong>do</strong>, á perfeição, o “suaviter et fortiter” da Bíblia,<br />

Fr. <strong>José</strong> casava á humilda<strong>de</strong> e mansidão <strong>de</strong> animo que<br />

caracterizam a alma <strong>do</strong> franciscano essa energia in<strong>do</strong>mável, <strong>de</strong><br />

que <strong>de</strong>u sobejas provas no exercício <strong>do</strong>s vários munus que lhe<br />

foram incumbi<strong>do</strong>s.<br />

Foi, porém, sobretu<strong>do</strong>, na gestão da Prelazia que,<br />

revelan<strong>do</strong> os seus raros predicamentos <strong>de</strong> administra<strong>do</strong>r, se lhe<br />

ensejou pôr <strong>de</strong> manifesto essas duas faces <strong>do</strong> seu espírito, as<br />

quaes, posto apparentemente se antagonizem, são arestas <strong>de</strong> um<br />

mesmo crystal, reverberan<strong>do</strong> luz diversa a quem as observa,<br />

mas no intimo iguaes refracções da virtu<strong>de</strong> veramente christan.<br />

Jesus que ensina a a apresentar a outra face ao injuriante,<br />

não se <strong>de</strong>dignou elle mesmo, quan<strong>do</strong> preciso, <strong>de</strong> empunhar o<br />

azorrague com que vergastou os traficantes <strong>do</strong> Santuário.<br />

Mais <strong>de</strong> uma vez Fr. <strong>José</strong> <strong>de</strong>monstrou a sua mansuetu<strong>de</strong>.<br />

A sua vida toda é um claro e luminoso exemplo <strong>de</strong> cordura e <strong>de</strong><br />

paz.<br />

38


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Quan<strong>do</strong>, porém, se fez mister, não lhe escasseou a<br />

fortaleza <strong>de</strong> animo para reprimir abusos, coarctar erronias,<br />

enfrentar malevolências e <strong>de</strong>srespeitos, viessem <strong>do</strong>n<strong>de</strong> viessem.<br />

Logo em chegan<strong>do</strong> á Prelazia, ao cuidar <strong>de</strong> "repartir os<br />

poucos Ministros que havião para Provimento <strong>de</strong> alguns<br />

Lugares" <strong>de</strong>parou-se-lhe uma irregularida<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>u mossa<br />

em levar ao conhecimento <strong>do</strong> Governo Imperial, no facto <strong>de</strong> se<br />

recusar o Padre <strong>José</strong> da Silva Guimarães "não obstante ser<br />

moço e não ter ainda da<strong>do</strong> serviços á Igreja" a nomeação para<br />

um cargo, sob o pretexto <strong>de</strong> gozar privilégios na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Commissario da Bulla. E em officio <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1824, ao<br />

Impera<strong>do</strong>r, fazen<strong>do</strong> sentir a necessida<strong>de</strong> que havia <strong>de</strong><br />

Ministros, suggeria a conveniência <strong>de</strong> isentar o mesmo<br />

sacer<strong>do</strong>te <strong>de</strong> tal attribuição, tornan<strong>do</strong>-a annexa ao Vicariato<br />

Geral.<br />

Nesse mesmo officio <strong>de</strong>nuncia o zeloso Prela<strong>do</strong> uma<br />

anomalia <strong>do</strong> Foro secular, para a qual solicita provi<strong>de</strong>ncia,<br />

anomalia consistente no facto <strong>de</strong> abrirem e tomarem conta <strong>do</strong>s<br />

testamentos nos mezes que competiam ao Juízo Ecclesiastico.<br />

E <strong>de</strong>clara ter expedi<strong>do</strong> um Edital acerca <strong>do</strong> assumpto haven<strong>do</strong> o<br />

Prove<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Ausentes «instiga<strong>do</strong> por seus Escrivães» hesita<strong>do</strong><br />

em dar cumprimento ao Edital e affecta<strong>do</strong>, por ultimo, o caso<br />

ao Governo Imperial.<br />

Na mesma data, offician<strong>do</strong> ao Governo, pelo Tribunal da<br />

Mesa <strong>de</strong> Consciencia e Or<strong>de</strong>ns, profligava outras<br />

irregularida<strong>de</strong>s que encontrara, tal a <strong>de</strong> conferir o Compromisso<br />

da Irmanda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Senhor Bom Jesus faculda<strong>de</strong>s que se<br />

sobrepunham á jurisdicção prelaticia.<br />

Outro abuso que estava a reclamar enérgicas provi<strong>de</strong>ncias<br />

e que não tardaram a ser tomadas pelo diligente Pastor, era o<br />

que dizia respeito á cobrança <strong>do</strong>s direitos Parochiaes,<br />

conhecença e benésses, exorbitan-<br />

39<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

temente calcula<strong>do</strong>s e duramente extorqui<strong>do</strong>s ao povo.<br />

Tão gran<strong>de</strong> era o clamor <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong> por esses vexatórios<br />

tributos que o Sena<strong>do</strong> da Câmara <strong>de</strong> Cuyabá, nas Instrucções<br />

que <strong>de</strong>u ao Deputa<strong>do</strong> Navarro <strong>de</strong> Abreu afim <strong>de</strong> tratar disso na<br />

Assembléa Geral Constituinte <strong>de</strong> Império, incluía, sob n° 8, a<br />

seguinte:<br />

«Augmentão consi<strong>de</strong>ravelmente os males <strong>de</strong>sta Província os<br />

excessivos Direitos Parochiaes, e até contribuem para froxidão das<br />

<strong>de</strong>voçoens Religiosas. As conhecenças a trezentos reis para aquelles<br />

Freguezes, que concorrem á Matris, e seis centos reis para os que são<br />

<strong>de</strong>sobriga<strong>do</strong>s em suas fazendas, hé uma taixa insupportavel.<br />

Morre hum escravo, e o Senhor que o per<strong>de</strong>, alem <strong>do</strong> prejuízo<br />

que soffre no valor <strong>de</strong>lle e na <strong>de</strong>spesa <strong>do</strong> seu curativo hé con<strong>de</strong>mna<strong>do</strong><br />

a pagar 6$450 reis para o seu enterramento o que (em lugar <strong>de</strong><br />

suffragios) parece mais hum tributo á morte á favor <strong>do</strong>s<br />

Ecc1esiasticos."<br />

Para obviar abusos e escândalos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa grave<br />

situação, <strong>de</strong>u-se pressa Fr. <strong>José</strong> em baixar o Edicto <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong><br />

Novembro <strong>de</strong> 1824, em o qual estabelecia o Novo<br />

Regulamento, <strong>do</strong>s Direitos Parochiaes, que vem transcripto no<br />

Livro <strong>de</strong> Correspondência, (fs 33 e 8egs.) e precedi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

opportunas consi<strong>de</strong>rações, vasadas em linguagem vehemente,<br />

com que vergastava os abusos da época.<br />

O caso, porém, em que culminou a firmeza <strong>de</strong> animo <strong>do</strong><br />

Prela<strong>do</strong>, no <strong>de</strong>frontar os absur<strong>do</strong>s e imposições <strong>do</strong>s magnatas<br />

da época, foi o inci<strong>de</strong>nte provoca<strong>do</strong> pelo Cirurgião-Mór<br />

Antonio Luis Patrício da Silva Manso, o famigera<strong>do</strong> mestiço<br />

paulistano que se celebrizou em nossa Historia menos pelo seus<br />

conhecimentos botânicos ou therapeuticos <strong>do</strong> que pelo seu<br />

gênio irequieto e turbulento, hábil no explorar as paixões<br />

malsans <strong>do</strong> populacho ignaro.<br />

Esse facto, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> repercussão na época e que põe <strong>de</strong><br />

manifesto a serena coragem <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> <strong>de</strong> frente á arrogância<br />

balota <strong>do</strong> <strong>de</strong>magogo, vem fiel-<br />

40


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

mente relata<strong>do</strong>, em to<strong>do</strong>s os seus pormenores, no officio por Fr.<br />

<strong>José</strong> envia<strong>do</strong> ao Impera<strong>do</strong>r em data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1826,<br />

segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> cinco <strong>do</strong>cumentos pertinentes ao caso.<br />

Parecerá, prima facie, uma questão <strong>de</strong> nonada, a quem,<br />

<strong>de</strong>sconhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> ambiente e da extranha psychologia da época<br />

e <strong>do</strong> meio Cuyabano <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> quartel <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>,<br />

attentar ao episodio em si, <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> das circumstancias que o<br />

ro<strong>de</strong>avam. Por outro la<strong>do</strong>, lobrigará algum espírito malévolo,<br />

sinão <strong>de</strong>spreveni<strong>do</strong>, algo <strong>de</strong> orgulho ou vaida<strong>de</strong> na attitu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Capuchinho que, sem <strong>de</strong>stemor, leva a conhecimento <strong>do</strong><br />

Governo Imperial o facto <strong>de</strong> se lhe haver nega<strong>do</strong> o tratamento a<br />

que tinha direito pelas leis e costumes.<br />

O evento em si é o seguinte: Patrício Manso promovia<br />

perante o Juizo Ecclesiastico uma justificação <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> livre a<br />

fim <strong>de</strong> casar-se com D. Blandina Eu<strong>do</strong>xia Julia. Antes tentara,<br />

junto ao Provisor e Vigário Geral, omittir essa formalida<strong>de</strong><br />

imprescindível, com o que não concor<strong>do</strong>u o Prela<strong>do</strong>.<br />

Feita a justificação, dirigiu se Manso ao Juiz <strong>de</strong><br />

Casamentos para requerer a Provisão necessária para o<br />

matrimonio.<br />

Man<strong>do</strong>u aquelle que fosse, como <strong>de</strong> direito, requerida a<br />

Provisão ao Administra<strong>do</strong>r da Diocese.<br />

Aqui é que começa o inci<strong>de</strong>nte.<br />

Patrício Manso, que Fr. <strong>José</strong> em seu alludi<strong>do</strong> officio<br />

apoda <strong>de</strong> "sujeito na verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pouco caracter e bem<br />

conheci<strong>do</strong> pelas suas acçoens nesta província" e que, conforme<br />

diz o Prela<strong>do</strong>, já por mais <strong>de</strong> uma vez havia ataca<strong>do</strong> a sua<br />

Pessoa e Auctorida<strong>de</strong>, dirigiu-lhe um requerimento por Fr. <strong>José</strong><br />

adjectiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> “afftrontoso," no qual lhe negan<strong>do</strong> o tratamento<br />

<strong>de</strong> Excellencia que lhe era <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, o tratou por Illustrissimo,<br />

como <strong>de</strong> costume se empregava para o Vigário Geral.<br />

Determinou Fr. <strong>José</strong>, sem mais consi<strong>de</strong>ração, que<br />

41<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

o peticionário “requeresse em forma". Petulantemente,<br />

acintosamente, volveu Patrício Manso á presença <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong><br />

com segun<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> em que solicitava a graça impetrada ou<br />

que se lhe apontasse a Lei violada.<br />

Segunda vez retorquio o Prela<strong>do</strong> e, ante uma terceira<br />

tentativa, <strong>de</strong>spachou na forma seguinte: Resta que reformem o<br />

Tratamento, e Nos dêm o que Nos compete pelas Leis <strong>do</strong><br />

Império, e praxe ordinária."<br />

Veio, afinal, o Cirurgião-mór com uma quarta petição,<br />

em termos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s, a qual foi por Fr. <strong>José</strong> <strong>de</strong>ferida. Após varias<br />

idas e venidas, ten<strong>do</strong> sobrevin<strong>do</strong> a interferência <strong>de</strong> Joaquim da<br />

Silva Tavares, parente da noiva <strong>de</strong> Manso, entrou este com um<br />

requerimento <strong>de</strong> recurso á Corôa, o qual foi recebi<strong>do</strong> pela<br />

Imperial Junta, mandan<strong>do</strong>, em accordam, que se conce<strong>de</strong>sse a<br />

licença ao requerente para effectuar o seu casamento,<br />

ventilan<strong>do</strong>-se á parte a questão <strong>do</strong> tratamento.<br />

O inci<strong>de</strong>nte, leva<strong>do</strong> ao conhecimento imperial, teve<br />

solução condigna e justa pelo aviso <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1826,<br />

em que o Impera<strong>do</strong>r man<strong>do</strong>u, reprehen<strong>de</strong>r o Cirurgião-mór<br />

Antonio Luis Patrício da Silva Manso pela falta <strong>de</strong> attenção<br />

com a pessôa <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong>.<br />

Não se supponha que outro fosse o intuito <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> ao<br />

resalvar na dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> tratamento que lhe competia a própria<br />

autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu cargo e ministério.<br />

É elle quem o affirma quan<strong>do</strong> no predito officio, diz:<br />

"Eu sou uma authorida<strong>de</strong> Ecclesiastica legitimamente<br />

constituída por vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial á testa <strong>de</strong> huma<br />

gran<strong>de</strong> Província" e, mais adiante ao pedir para "o gênio máo, e<br />

perverso, suscita<strong>do</strong>r <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s, e perturba<strong>do</strong>r da pás<br />

publica" a merecida punição, revela ainda nesse ponto o seu<br />

espírito eleva<strong>do</strong> e cheio <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> ao inculcar que a pena<br />

seja "imposta porem com carida<strong>de</strong>, e com aquella modificação,<br />

brandura, e suavida<strong>de</strong>, que parecer a Vossa Magesta<strong>de</strong><br />

Imperial".<br />

42


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

VIII<br />

Nativismo mal entendi<strong>do</strong><br />

Por minha parte, eu, que <strong>de</strong>sejo, que solicito, que <strong>de</strong> braços<br />

abertos recebo toda coadjuvação <strong>do</strong> estrangeiro para a<br />

prosperida<strong>de</strong> material e moral da minha pátria, não posso repellir<br />

o <strong>do</strong> religioso, cuja serena esphera <strong>de</strong> acção está acima <strong>do</strong>s tiros<br />

<strong>do</strong> nativismo.<br />

(Carlos <strong>de</strong> Laet — O Fra<strong>de</strong> estrangeiro)<br />

O ru<strong>de</strong> vendaval que sacudiu a novel Província e to<strong>do</strong> o<br />

país, na sua crise <strong>de</strong> crescimento, e por pouco, abalou até as<br />

instituições e quiçá a nossa autonomia nuperconquistada,<br />

esten<strong>de</strong>u os seus effeitos até a Prelazia <strong>de</strong> Matto Grosso que o<br />

nativismo exagera<strong>do</strong> não podia ver com bons olhos entregue ás<br />

mãos <strong>do</strong> varão virtuosíssimo e bemquisto mas que viera á luz<br />

em outras plagas que não as <strong>do</strong> Brasil.<br />

Tão longe levavam os campeões <strong>do</strong> nativismo os seus<br />

ciosos amores pelo Brasil que o simples facto <strong>de</strong> ser<br />

extrangeiro se tornava feio <strong>de</strong>licto e grave <strong>de</strong>mérito á gente <strong>de</strong><br />

1830.<br />

Accresce que Fr. <strong>José</strong>, com ser italiano, ainda que mais<br />

<strong>de</strong> uma década <strong>de</strong> labores apostólicos o <strong>de</strong>vesse ter<br />

amattogrossensa<strong>do</strong>, era também, dada a feição <strong>do</strong> seu espírito,<br />

cheio <strong>de</strong>sse amor universal <strong>de</strong> todas as creaturas que<br />

caracterizou o seu gran<strong>de</strong> Pae e mestre S. Francisco <strong>de</strong> Assis,<br />

contrario a to<strong>do</strong>s os excessos e <strong>de</strong>sman<strong>do</strong>s que, sob color <strong>de</strong><br />

nacionalismo, as<br />

43<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

paixões partidárias <strong>de</strong>flagraram contra os portugueses e os que<br />

lhes eram sympathicos.<br />

Dá exemplo <strong>de</strong>ssa forte tendência <strong>de</strong> seu espírito curioso<br />

episodio occorri<strong>do</strong> no Diamantino, por occasião da Rusga, e no<br />

qual a opinião publica lobrigou uma das muitas manifestações<br />

<strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r divinatório, <strong>de</strong>vassa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s arcanos <strong>do</strong> porvir.<br />

Iniciara-se a perseguição tenaz e implacável aos<br />

“bicu<strong>do</strong>s" e "caramurus", — nomes pelos quaes a gíria fazia<br />

conhecer os portugueses e os que os protegiam. A sanha feroz<br />

<strong>do</strong>s nativistas não podia tolerar o espírito <strong>de</strong> christan<br />

mansuetu<strong>de</strong> <strong>do</strong> capuchinho, ao qual, por sua vez, se figuravam<br />

excessos con<strong>de</strong>mnaveis os <strong>de</strong>svarios <strong>do</strong>s pseu<strong>do</strong>s <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong><br />

nacionalismo.<br />

Quan<strong>do</strong> irrompeu a lucta estava Frei <strong>José</strong> no Diamantino,<br />

e ven<strong>do</strong> a sanha com que eram procura<strong>do</strong>s os portugueses<br />

dissera:<br />

— "Isto não acabará emquanto não fôr <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong> sangue<br />

brasileiro.”<br />

E effectivamente, tal aconteceu, como previra o santo<br />

varão.<br />

Dan<strong>do</strong> caça, que outra expressão não se ajusta ao caso, ao<br />

medico português João <strong>José</strong> Monteiro, morto iníqua e<br />

barbaramente <strong>de</strong>ntro da própria moradia, fizeram os jacobinos<br />

alvo <strong>de</strong> suas iras a um filho <strong>do</strong> mesmo, brasileiro nato,<br />

inconscientemente victima<strong>do</strong> pela sanguinária cólera <strong>do</strong>s seus<br />

próprios patrícios.<br />

Foi este facto <strong>do</strong>loroso e revoltante o epílogo da "Rusga"<br />

na villa <strong>do</strong> Diamantino.<br />

O tufão que se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ava sobre a Província e o país<br />

exigia, porém, novas immolações ao Molóch <strong>do</strong> patriotismo<br />

vesgo e daltoniza<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas phases <strong>de</strong> transição e <strong>de</strong> revolta.<br />

O infatigável Missionário foi uma das victimas. Os<br />

nativistas <strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>-lhe feia macula na circumstancia <strong>de</strong> não<br />

ter nasci<strong>do</strong> sob o céu <strong>do</strong> Cruzeiro<br />

44


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

e sim nas plagas que o Adriático e o Tyrreno osculam <strong>de</strong> seus<br />

lângui<strong>do</strong>s beijos, conseguiram <strong>do</strong> governo regencial, encarna<strong>do</strong><br />

na pessoa <strong>do</strong> P. Feijó, a dispensa <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> <strong>do</strong> múnus da<br />

Prelazia que vinha com tanto acerto e <strong>de</strong>dicação exercitan<strong>do</strong>. E<br />

assim é que, por Decr. <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1831, Fr. <strong>José</strong> era<br />

<strong>de</strong>sonera<strong>do</strong> "da Prelazia e administração ecclesiastica <strong>de</strong><br />

Cuiabá e Matto-Grosso, porque sen<strong>do</strong> extrangeiro não po<strong>de</strong><br />

exercer emprego algum publico neste Império". Completan<strong>do</strong> o<br />

propósito naquelle <strong>de</strong>creto conti<strong>do</strong>, o a viso <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Dezembro<br />

<strong>do</strong> mesmo anno, expedi<strong>do</strong> pela Secretaria d'Esta<strong>do</strong> da Justiça<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da Província, <strong>de</strong>terminava que Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong><br />

Macerata se empregasse “como dantes na Cathequese <strong>do</strong>s<br />

Indios" se o Presi<strong>de</strong>nte e o Vigário Capitular <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong> assim<br />

o enten<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong> vantagem.<br />

Isso mesmo communicou o Presi<strong>de</strong>nte Corrêa da Costa,<br />

em officio <strong>do</strong> 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1832, ao P. Antonio Tavares<br />

Corrêa da Silva, a quem entregara a Regência, com a provisão<br />

<strong>de</strong> Vigário Capitular, as ré<strong>de</strong>as <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

governa<strong>do</strong>r interino, consultan<strong>do</strong>-o acerca <strong>do</strong> assumpto,<br />

trazen<strong>do</strong> o mesmo officio governamental, á guiza <strong>de</strong><br />

esclarecimento, a informação <strong>de</strong> que, na lei orçamentária, se<br />

consignava para o serviço da Catechese a verba <strong>de</strong> 2:300$000.<br />

Deu-se pressa em respon<strong>de</strong>r o Vigário Capitular á<br />

consulta <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte, e, a 28 <strong>do</strong> mesmo Abril <strong>de</strong> 1832, este<br />

accusava nos seguintes termos o recebimento <strong>do</strong> officio<br />

daquelle, data<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse dia:<br />

Illmo. Revmo. Snr.<br />

"Tenho presente o officio <strong>de</strong> V. S. data<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje, em resposta<br />

ao que eu lhe dirigi em data <strong>de</strong> 25; e sen<strong>do</strong> os meus sentimentos em<br />

tu<strong>do</strong> idênticos aos <strong>de</strong> V. S. para o encargo a que reverte o Rev<strong>do</strong>. Fr.<br />

<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, Missionário Apostólico, convenço-me ao<br />

mesmo tempo que a V. S. compete fazer-lhe a necessa-<br />

45<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

ria participação, em conformida<strong>de</strong> das Imperiaes Or<strong>de</strong>ns, e <strong>de</strong>pois<br />

transmittir-me o resulta<strong>do</strong>, no caso <strong>de</strong> acceitação, para q’eu expessa<br />

ulteriores Or<strong>de</strong>ns ás Estações competentes. Deos guar<strong>de</strong> a V. Excia.<br />

Cuiabá, 28 <strong>de</strong> Abril 1832 (36).<br />

(a) Antonio Corrêa da Costa."<br />

Volvia, <strong>de</strong>st'arte, ao campo das suas labutas apostólicas o<br />

egrégio sacer<strong>do</strong>te, cujos serviços no governo da Prelazia,<br />

durante cerca <strong>de</strong> sete annos, não mereceram siquer uma palavra<br />

<strong>de</strong> louvor ou <strong>de</strong> justiça da parte <strong>do</strong> governo regencial ou<br />

provincial.<br />

Recusavam-se, como <strong>de</strong>snecessários, suas luzes e seu tino<br />

na direcção <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, pelo simples facto <strong>de</strong> ser alinegena.<br />

Exigiam-se, entretanto, essas mesmas qualida<strong>de</strong>s, já postas á<br />

mostra, no serviço penoso e duro da christianização <strong>do</strong>s<br />

silvícolas. De sorte que, na vesga comprehensão <strong>do</strong>s<br />

nacionalistas reaccionarios <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da post-abdicação, não<br />

era licito a um fra<strong>de</strong> extrangeiro, mal que falassem a seu favor<br />

12 annos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>fessos labores, manter-se á testa <strong>de</strong> uma<br />

Prelazia sertaneja, mas permittia-se lhe, no contacto directo<br />

com as populações indígenas e rústicas <strong>do</strong> interior da Província,<br />

inocular-lhes o seu nocivo vírus anti-nacionalista: <strong>de</strong>corrente da<br />

só condição <strong>de</strong> filho <strong>de</strong> outras terras!<br />

Ao cabo, a verda<strong>de</strong> é esta: as honras da Prelazia lhe eram<br />

<strong>de</strong>fesas, por ser extrangeiro, mas os ru<strong>de</strong>s e árduos labores da<br />

colonização, esses os nacionalistas lh'os commettiam, com toda<br />

confiança, mesmo porque <strong>do</strong> clero brasileiro poucos, tal vez<br />

nenhum, no tempo, os preferissem.<br />

Lógica admirável, lógica illogica, que, <strong>de</strong> resto, não <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> ser, ainda hoje, a outros respeitos, a que orienta muitas<br />

vezes, a moral politica <strong>de</strong> nossos dias!<br />

(36) Este officio, bem como o anteriormente referi<strong>do</strong>, existe, em original no<br />

Archivo Ecclesiastico, masso Avulsos, n° 1.<br />

46


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

IX<br />

Novo campo <strong>de</strong> acção<br />

Procurai quanto for possível <strong>de</strong> vos fazer<strong>de</strong>s amar d'esta gente,<br />

porque muyto maior fruyto fareis com elles se vos amarem, que se<br />

vos temerem.<br />

(Historia da vida <strong>do</strong> Padre S, Francisco <strong>de</strong> Xavier - Joam <strong>de</strong><br />

Lucena, ediç. 1788, II, 281)<br />

Toda uma década — a que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1833 a 1843 —<br />

Frei <strong>José</strong> exercitou sua benéfica activida<strong>de</strong> no campo da<br />

educação, e da instrucção, radican<strong>do</strong>-se algum tempo na Villa<br />

<strong>do</strong> Diamantino — theatro obscuro e glorioso <strong>do</strong>s seus labores<br />

evangélicos.<br />

Dispensa<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo da Prelazia, emprehen<strong>de</strong>u uma<br />

viagem á Côrte, conforme testifica o officio <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

Antonio Correa da Costa ao Vigário Capitular, em data <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1833, respondi<strong>do</strong> no dia seguinte, no qual a<br />

autorida<strong>de</strong> civil solicitava á ecclesiastica informação acerca da<br />

circumstancia <strong>de</strong> achar-se ou não o mesmo fra<strong>de</strong> no caso <strong>de</strong><br />

obter o passaporte que áquelle fim solicitara. (37)<br />

Que objectivos teria Frei <strong>José</strong>, nessa viagem, não é<br />

possível precisar, mas, ante certos elementos, é licito<br />

conjecturar, ao menos, que o houvesse induzi<strong>do</strong> o propósito <strong>de</strong><br />

conseguir uma reparação á injustiça que soffrera e que, por<br />

certo, funda magua lhe <strong>de</strong>ixára na alma.<br />

(37) Officio, em original, no Archivo <strong>do</strong> Arcebispa<strong>do</strong>.<br />

47<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

O Bispo eleito para substituil-o, (38) Pláci<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s<br />

Carneiro, nomea<strong>do</strong> por Dec. <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1829,<br />

renunciara, a 11 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1830, a dignida<strong>de</strong> episcopal,<br />

(39) ten<strong>do</strong>, em seguida, si<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong>, a 6 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1831,<br />

o Bispo P. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, proposto ao Summo<br />

Pontífice Gregório XVI, no consistório <strong>de</strong> 2 Julho <strong>de</strong> 1832.<br />

Frei <strong>José</strong> que, após a sua <strong>de</strong>stituição da Prelazia e<br />

Governo <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, se retirara para o Diamantino, <strong>de</strong> lá<br />

escreveu a Monsenhor Fabbrini (Scipião Domingos) em data <strong>de</strong><br />

25 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1832, acerca <strong>do</strong> Bispa<strong>do</strong>, por elle consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />

ainda vacante.<br />

A resposta <strong>de</strong> Monsenhor Fabbrini, datada <strong>do</strong> Rio, a 30<br />

<strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1832, e cujo original, em latim, existe no<br />

Archivo Ecclesiastico, o punha a par <strong>do</strong> que até ahi occorrera,<br />

mas tu<strong>do</strong> leva a crer que essa resposta se cruzasse em caminho<br />

com o seu <strong>de</strong>stinatário, em rumo á Corte logo em começos <strong>de</strong><br />

1833.<br />

Baldar-se-ia qualquer esforço ou empenho <strong>do</strong><br />

capuchinho, ante as provi<strong>de</strong>ncias já tomadas pelo governo da<br />

Regência no tocante á sua substituição.<br />

Effectivamente, a 8 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1832, recebia o lº<br />

Bispo <strong>de</strong> Cuyabá, D. <strong>José</strong>, os óleos da sagração na Cathedral<br />

Paulistana e, a 2 <strong>de</strong> Julho <strong>do</strong> anno seguinte, pelo seu procura<strong>do</strong>r<br />

Padre <strong>José</strong> da Silva Guimarães se empossava no Bispa<strong>do</strong>, em<br />

cuja sé<strong>de</strong> somente a 27 <strong>de</strong> Novembro daria entrada.<br />

Frei <strong>José</strong>, por certo, não lhe amargaria por muito a<br />

injustiça que soffrêra. Ao seu caracter altaneiro<br />

(38) Elevada a Bispa<strong>do</strong> a Prelazia <strong>de</strong> Cuyabá e Matto-Grosso, pela Bulla<br />

Sollicita Catholicae Gregis Cura, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1828, foi nomea<strong>do</strong> o<br />

Cônego da Imperial Capella Placida Men<strong>de</strong>s Carneiro para substituir o<br />

Capuchinho Fr. <strong>José</strong>.<br />

(39) Candi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s no seu precioso Direito Civil Ecclesiastico Brasileiro<br />

edic. 1866, vol. I, 1337 dá-lhe o nome <strong>de</strong> Pláci<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s Carneiro que <strong>de</strong>ve<br />

sêr o exacto, pois combina com o que vem na carta <strong>de</strong> Fabbrini a Fr. <strong>José</strong>.<br />

48


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

e, ao mesmo tempo, humil<strong>do</strong>so, <strong>de</strong> filho <strong>do</strong> seraphico Padre S.<br />

Francisco, fácil fôra resignar-se ao facto consumma<strong>do</strong>,<br />

volven<strong>do</strong>, feliz e anima<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo espírito <strong>de</strong> <strong>de</strong>dição e<br />

carinho, á nova seara que Deus lhe indicava. Fez sua residência<br />

e centro <strong>de</strong> acção na villa <strong>do</strong> Alto Paraguay Diamantino, on<strong>de</strong> o<br />

encontramos até 1840, só voltan<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivamente em 1841 á<br />

Capital da Província.<br />

Da sua activida<strong>de</strong> em prol da educação da mocida<strong>de</strong> e<br />

infância e <strong>do</strong> seu zelo pela Religião talam, no referi<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>,<br />

a fundação <strong>de</strong> um Collegio sob vocação <strong>de</strong> "Jesus Maria e<br />

<strong>José</strong>", e <strong>de</strong> um recolhimento para freiras, por elle manti<strong>do</strong><br />

durante os annos que lá residiu. (40)<br />

A sua pieda<strong>de</strong>, o seu extrema<strong>do</strong> <strong>de</strong>votamento á pobreza, a<br />

sua solicitu<strong>de</strong> pelo bem da grei que lhe fôra confiada <strong>de</strong>ixaram,<br />

na antiga e tradiccional villa nortense, uma fama que ainda hoje<br />

perdura florescen<strong>do</strong> em lendas e narrares encanta<strong>do</strong>res, que as<br />

velhinhas repetem, em êxtase, si porventura alguém lhes evoca<br />

o nome abençoa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />

A mais <strong>de</strong> uma ouvi, em se referin<strong>do</strong> ao santo varão,<br />

expressões como estas:<br />

(40) Acerca <strong>do</strong> velho Diamantino po<strong>de</strong>-se lêr o que escrevi no ensaio<br />

"Um homem e uma época", Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. <strong>de</strong> Matto-Grosso, tomo XIII,<br />

71. Já ao vir para a Prelazia, trazia Fr. <strong>José</strong> o <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> fundar um<br />

recolhimento, como se evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>ste tópico <strong>do</strong> officio dirigi<strong>do</strong> ao<br />

Impera<strong>do</strong>r Pedro I, em 22-7-1824: “Outro (objecto) <strong>de</strong> igual pezo, e não <strong>de</strong><br />

inferior vantagem publica, he um Conservatório <strong>de</strong> recolhidas que espero<br />

tão bem estabelecer se Vossa Magesta<strong>de</strong> Imperial for servi<strong>do</strong> conce<strong>de</strong>r-me a<br />

Fabrica que aqui temos principiada pelo Tenente General Magessi com o<br />

<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> servir para um Quartel, o que to<strong>do</strong>s reputão inútil e na realida<strong>de</strong><br />

não ha precisão alguma.”<br />

E, prosseguin<strong>do</strong>, traçava o plano <strong>do</strong> seu Recolhimento: "Este<br />

Conservatório formar-se ha á imitação das Recolhidas da Luz da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

São Paulo, providas pela Provi<strong>de</strong>ncia, e secundariamente por seus trabalhos:<br />

pelo que alem <strong>de</strong> estarem <strong>de</strong>dicadas a servir a Deos e a viver em seu santo<br />

Temor, suas obrigaçoens serão sobretu<strong>do</strong> fiar, tecer, alimpar, engomar,<br />

costurar, e arranjar to<strong>do</strong> o fato <strong>do</strong> Hospital, Collegio e Seminário não só<br />

como paramentos <strong>de</strong> Igrejas, toalhas, sobrepellizes, etcetera etcetera<br />

etcetera".<br />

49<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

— Fr. <strong>José</strong>? Esse era um santo! Homem <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> como<br />

não houve! Padre <strong>de</strong> bôa vida era esse! Pois si elle fazia<br />

milagres, adivinhava os pensamentos e cousas mais <strong>de</strong> admirar!<br />

Em 1840 — o ultimo anno que passou no Diamantino,<br />

pois em 1841 já o encontramos em Cuyabá — Fr. <strong>José</strong><br />

carteava-se <strong>de</strong> lá com o Presi<strong>de</strong>nte Estevão Ribeiro <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>,<br />

fazen<strong>do</strong>-lhe, por intermédio <strong>do</strong> Cap. <strong>José</strong> Pedro da Silva Pra<strong>do</strong>,<br />

uma visita, que o Governa<strong>do</strong>r retribua em affectuosa letra,<br />

cheia <strong>de</strong> carinho exuberante, cujo original, bem como copia da<br />

resposta, se encontram no Archivo Ecclesiastico. (41)<br />

A Carta <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong>, datada <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Junho, fazia<br />

referencia a anteriores entre elles trocadas, e bem assim a uma<br />

pretenção <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> encaminhada ao governo Imperial, pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da Província, que affirmava prezal-o e reverencial-o<br />

"como hum <strong>do</strong>s mais Dignos ornamentos da Santa Madre Igreja<br />

Cattholica Apostolica Romana" e relembrava, como jus ao que<br />

pretendia, "tantos e tão bons serviços presta<strong>do</strong>s ao Império por<br />

V. Excia Rvma. nestes confins <strong>do</strong> Brasil."<br />

Accusan<strong>do</strong>, a 16 <strong>de</strong> Julho seguinte, o recebimento da<br />

carta, Fr. <strong>José</strong>, numa longa epistola, que é um mimo <strong>de</strong><br />

singeleza e sincerida<strong>de</strong>, extravasava a sua gratitu<strong>de</strong> ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte amigo "por tal e tanta dilecção, e benevolência a<br />

favor <strong>de</strong>ste o mais pequeno <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Filhos da gran<strong>de</strong> e<br />

numerosa família <strong>do</strong> Patriarcha <strong>do</strong>s pobres, Francisco."<br />

Terminou ainda Fr. <strong>José</strong> o anno <strong>de</strong> 1840 no Diamantino.<br />

Conclue-se esta circumstancia da carta que, a 15 <strong>de</strong><br />

Dezembro <strong>de</strong>sse anno, lhe dirigiu o Cônego <strong>José</strong> da Silva<br />

Guimarães agra<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> as felicitações que, a 16 <strong>de</strong> Novembro,<br />

lhe enviara, pela sua nomeação para a Presidência da Província.<br />

(41) Correspondência, nº l.<br />

50


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Nessa carta em que o Cônego Guimarães começa por<br />

beijar-lhe as mãos "por suas obrigantes expressões", lamenta<br />

que Fr. <strong>José</strong> "se não resolva a vir á esta Capital não só para ter<br />

o gosto <strong>de</strong> abraçar, como para ajudar-me a carregar o peza<strong>do</strong><br />

far<strong>do</strong> que tenho hoje sobre meos hombros, pois aproveitan<strong>do</strong><br />

das suas luzes, e longa experiência <strong>do</strong>s negócios públicos mui<br />

feliz eu seria".<br />

E terminava dizen<strong>do</strong> que esperava que Fr. <strong>José</strong> ainda se<br />

resolvesse a fazer esse sacrifício, "mesmo para ajudar-me na<br />

testa da Santa Páscoa, da qual sou Prove<strong>do</strong>r este anno".<br />

O convite, instante e affectuoso, <strong>de</strong>ve ter encontra<strong>do</strong><br />

guarida no coração <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>, pois, logo nos começos <strong>de</strong><br />

1841, o vêmos em Cuyabá, cuidan<strong>do</strong> ainda então da educação<br />

da mocida<strong>de</strong> — preoccupação constante <strong>de</strong> seu espírito<br />

illumina<strong>do</strong> e vi<strong>de</strong>nte.<br />

51<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

X<br />

O espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong><br />

"La charité u’excepte rieux Elle veut s’emparer <strong>de</strong> tous nos<br />

instants, diriger toutes nos démarches, or<strong>do</strong>nner toutes nos<br />

affetions.”<br />

(Commentaire sur la Régie <strong>de</strong> Saint Benoit — D. Paul Delatte —<br />

6me. ed. 74)<br />

Si a religião christan — esse conjuncto perfeito e<br />

maravilhoso <strong>de</strong> <strong>do</strong>gmas, princípios e preceitos sublimes que<br />

vem, ha quasi <strong>do</strong>is millenios, nortean<strong>do</strong> a marcha <strong>do</strong> homem<br />

sobre a terra — se houvesse <strong>de</strong> resumir em uma palavra,<br />

con<strong>de</strong>nsar em um vocábulo somente, que lhe contivesse a<br />

summula e quintessenciasse o systema e programma <strong>de</strong> acção,<br />

esse termo polymorphico outro não seria, por certo, senão este<br />

— carida<strong>de</strong>.<br />

E o nosso heróe conheceu e praticou á perfeição essa<br />

virtu<strong>de</strong> insigne, virtus virtutis, a flor por excellencia da moral<br />

religiosa, cujo aroma tão puro e <strong>de</strong>licioso inebria até aos que,<br />

fora da crença, no vórtice <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, assola<strong>do</strong>s pelas paixões<br />

mais ignaras e conturba<strong>do</strong>ras, nem por isso <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r o<br />

preito <strong>de</strong> admiração aos cultores <strong>de</strong> tão excelso predicamento.<br />

Frei <strong>José</strong> personificou o verda<strong>de</strong>iro espírito <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>.<br />

E si, nas árduas funcções <strong>de</strong> seu apostola<strong>do</strong>, não raro se<br />

lhe apontam rasgos <strong>de</strong> philanthropia insuperável, traços<br />

sobrehumanos <strong>de</strong> uma bonda<strong>de</strong> sublime, a fama que <strong>de</strong>ixou, os<br />

factos extraordinários que lhe cer-<br />

52


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

cam a memória <strong>de</strong> uma lauréola <strong>de</strong> santida<strong>de</strong>, por si bastam a<br />

inculcar o missionário capuchinho como verda<strong>de</strong>iro prototypo<br />

da carida<strong>de</strong> christan, <strong>de</strong>sinteressada e pura.<br />

Illustra a asserção que ahi fica a circumstancia <strong>de</strong>, já<br />

velho e cansa<strong>do</strong>, assoberba<strong>do</strong> pelos annos e pelas<br />

enfermida<strong>de</strong>s, acceitar, <strong>de</strong> bom gra<strong>do</strong>, as exhaustivas funcções<br />

<strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s Estabelecimentos Pios <strong>de</strong> Cuyabá.<br />

Por portaria <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1843, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

Província Manoel Alves Ribeiro <strong>de</strong>terminara ao Inspector <strong>do</strong>s<br />

Estabelecimentos Pios Joaquim Alves Ferreira que fizesse abrir<br />

os assentamentos <strong>de</strong> vencimentos ao Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />

mesmos D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, a contar <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong>sse<br />

mês, em que prestara o respectivo juramento. (42)<br />

Prece<strong>de</strong>ra a investidura nessas funcções a Lei Provincial<br />

N° 7, sancionada em 30 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1843, que auctorizava o<br />

Presi<strong>de</strong>nte a "nomear hum sacer<strong>do</strong>te nacional ou extrangeiro"<br />

para o cargo que creava <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes <strong>de</strong><br />

Carida<strong>de</strong>, com o or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> <strong>de</strong> 400$000 e com as obrigações <strong>de</strong><br />

residir no Hospital <strong>de</strong> Nossa Senhora da Misericórdia, e mais<br />

dizeres menciona<strong>do</strong>s nos arts. 2, 3 e 4 da mesma Lei (43).<br />

Uma copia <strong>de</strong>ssa Resolução, foi remettida ao Bispo D.<br />

<strong>José</strong> pelo Presi<strong>de</strong>nte, capean<strong>do</strong>-a o officio <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1843, no qual rogava Manoel Alves Ribeiro ao Diocesano que<br />

houvesse por bem, ante a alta confiança que lhe merecia,<br />

"<strong>de</strong>signar o Sacer<strong>do</strong>te, em que com proveito <strong>do</strong>s enfermos <strong>do</strong>s<br />

Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital <strong>de</strong>verá recahir a nomeação<br />

<strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s mesmos."<br />

(42) Livro <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>ns existente na S. Casa. fls.226.<br />

(43) Vêr collecção <strong>de</strong> Leis Provinciaes <strong>de</strong> 1843.<br />

53<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

A indicação <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> naturalmente foi incidir no<br />

philanthropico filho <strong>de</strong> S. Francisco a quem, pouco antes, em<br />

honrosissimo <strong>do</strong>cumento, que é a Portaria <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1842, dava publica testificação <strong>de</strong> respeito e consi<strong>de</strong>ração,<br />

dizen<strong>do</strong> "esperar <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s e especialmente <strong>de</strong> sua<br />

carida<strong>de</strong>" que o auxiliasse no carregar o gran<strong>de</strong> peso que o<br />

opprimia (44).<br />

Á 2 <strong>de</strong> Setembro, três dias após a promulgação da Lei, o<br />

Presi<strong>de</strong>nte se dirigia a Frei <strong>José</strong> neste expressivo officio:<br />

Exmo e Revmo Snr.<br />

Convenci<strong>do</strong>, assim como o Exmo. Snr. Bispo Diocesano acaba<br />

<strong>de</strong> manifestar pelo officio constante da copia inclusa, <strong>de</strong> que na<br />

respeitável pessoa <strong>de</strong> V. Excia. concorrem as qualida<strong>de</strong>s necessárias<br />

para o bom <strong>de</strong>sempenho das funcções <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />

Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Capital novissimamente crea<strong>do</strong> pela Lei<br />

Provincial Nº 7 <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Agosto ultimo. Tenho a honra <strong>de</strong> convidar a<br />

V. Excia. para acceitar o seu exercício que é o da Carida<strong>de</strong> em acção<br />

para com os miseráveis e <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s, que procuram achar nos<br />

hospitaes um linitivo a seos males. Permitta V. Excia. que eu exija a<br />

sua <strong>de</strong>cisão pela affirmativa com aquella mesma brevida<strong>de</strong> com que<br />

V. Excia. costuma prestar-se ao consolo <strong>do</strong>s que chorão afflictos pela<br />

pesada mão <strong>do</strong> infortúnio. Deos Guar<strong>de</strong> a V. Excia. Palácio <strong>do</strong><br />

Governo em Cuiabá 2 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1843 (45).<br />

Manoel Alves Ribeiro.<br />

O seu ar<strong>do</strong>r pelo exercício da carida<strong>de</strong> transparece em<br />

to<strong>do</strong>s os escriptos que nos legou e evi<strong>de</strong>ncia-se nos menores<br />

episódios <strong>de</strong> sua vida.<br />

Na pastoral <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1825 — a mais antiga<br />

que se lhe conhece — discorren<strong>do</strong> acerca <strong>de</strong>ssa principal<br />

virtu<strong>de</strong>, que é <strong>de</strong> todas as outras madre e origem, assim se<br />

exprime:<br />

(44) Livro <strong>de</strong> Registro <strong>do</strong>s Privilégios e Faculda<strong>de</strong>s concedidas in forma<br />

brevis a favor <strong>de</strong> diversas pessôas da Diocese, pg. 17 v.<br />

54


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

"Ultimamente, Queri<strong>do</strong>s filhos, vos Recommendamos a pas, a<br />

concórdia, a união, e sobretu<strong>do</strong> a carida<strong>de</strong>. Esta he aquella virtu<strong>de</strong>,<br />

que segun<strong>do</strong> a expressão <strong>do</strong> Príncipe <strong>do</strong>s Apóstolos escon<strong>de</strong> a<br />

multidão <strong>do</strong>s pecca<strong>do</strong>s e nella já se encerra o fim <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o preceito.<br />

Os pobres são Vossos Irmaons, escutai as suas indigências. São elles<br />

huma Imagem, e reprezentação viva <strong>de</strong> Jesus Christo, socorrei-os<br />

então por amor <strong>de</strong>lle, correi a visitá-los enfermos, a consolá-los<br />

afflictos, a ampará-los aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s. A este, e outros Officios <strong>de</strong><br />

Pieda<strong>de</strong> vos chama a religião, a fé, e não ha quem se possa<br />

legitimamente escuzar, porque a to<strong>do</strong>s he isto possível, ainda quan<strong>do</strong><br />

se trate <strong>de</strong> <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r alguma couza pois segun<strong>do</strong> S. Leão — Tem<br />

patrimônio abasta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> aquelle que tem hum coração benéfico, e<br />

dilata<strong>do</strong>. Nulli parvus est census, cui magnus est animus. Sirvão<br />

portanto para allivio <strong>do</strong>s pobres os modifica<strong>do</strong>s jejuns, e sejão mais<br />

distinctos por huma generosa pieda<strong>de</strong>, <strong>do</strong> que por huma estéril, e<br />

inoperoza abstinência. Procedão com o seu exemplo os ricos, e to<strong>do</strong>s<br />

aquelles principalmente, cuja virtu<strong>de</strong> por obrigação <strong>do</strong> seu Esta<strong>do</strong>, e<br />

por expresso comman<strong>do</strong> <strong>do</strong> Re<strong>de</strong>mptor <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>rramar entre os<br />

homens raios <strong>de</strong> Luz mais luminozos. Nós nos lisongeamos <strong>de</strong> ser<br />

percebi<strong>do</strong>s bastante. Permitta Deos, que em seguimento <strong>de</strong>stas<br />

amorozas, e paternaes admoestaçoens passeis to<strong>do</strong> este Sagra<strong>do</strong><br />

Tempo da Quaresma na Santida<strong>de</strong>, e na Justiça.”<br />

Não se po<strong>de</strong> ser, a uma, tão eloqüente e tão simples,<br />

empregar linguagem tão bella e ao mesmo passo tão accessivel<br />

a to<strong>do</strong>s os intellectos! Ahi está feito o elogio da Carida<strong>de</strong> — da<br />

gran<strong>de</strong>, da sublime virtu<strong>de</strong> em que o discípulo ama<strong>do</strong> viu a<br />

própria encarnação divina:<br />

Qui non diligit, non novit Deum, quoniam Deus caritas<br />

est. (Epist. I, IV, 8).<br />

(45) Original no archivo ecclesiastico, masso N° 1, Avulsos.<br />

55<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

XI<br />

O thaumaturgo<br />

La <strong>do</strong>ctrine discerne les miracles, et les miracles discernent la<br />

<strong>do</strong>ctrine.<br />

(Pascal — Penseés sur les miraacles)<br />

Entremos agora a encarar o aspecto mais empolgante da<br />

personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso queri<strong>do</strong> biographa<strong>do</strong>, aquelle que o<br />

apresenta á imaginação popular como um sêr sobrenatural pelas<br />

suas virtu<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>ns extraordinários, taes como o <strong>de</strong><br />

obrar milagres, fazer prophecias, <strong>do</strong>minar as forças da natureza.<br />

Fr. <strong>José</strong> foi um santo, um <strong>de</strong>sses gênios moraes <strong>de</strong> que nos fala<br />

<strong>José</strong> Agostinho na sua curiosa classificação, ao estudar a<br />

psychologia <strong>do</strong> inditoso Camillo (46).<br />

A crença disseminada por to<strong>do</strong> o norte <strong>de</strong> Matto Grosso,<br />

Cuyabá, Diamantino e suas cercanias, é a <strong>de</strong> que o preclaro<br />

servo <strong>de</strong> Deus morrera, como se diz em linguagem da Egreja,<br />

"em o<strong>do</strong>r <strong>de</strong> santida<strong>de</strong>."<br />

Essa crença, nós já o vimos, tem por abono o testemunho<br />

<strong>de</strong> seus contemporâneos, a narrativa fiel da sua vida <strong>de</strong><br />

trabalhos e virtu<strong>de</strong>s e da sua morte <strong>de</strong> justo.<br />

Apontaremos, agora, os factos conserva<strong>do</strong>s na tradição<br />

ingênua e firme da nossa gente, factos curiosos que indicam o<br />

credito que gozava entre os seus coevos o insigne missionário<br />

<strong>do</strong>s Guanás. Des<strong>de</strong> logo diremos que, entre uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

episódios colhi<strong>do</strong>s, aqui<br />

(46) Camillo e a sua psychologia.<br />

56


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

e ali, á flor <strong>de</strong> lendas e recontos singelos, escolhemos apenas,<br />

para inserir neste ensaio, os que tenham a seu favor,<br />

primeiramente, a possível segurança das fontes e, ao <strong>de</strong>pois, a<br />

confirmação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um narra<strong>do</strong>r, igualda<strong>de</strong> ou, pelo<br />

menos, semelhança <strong>de</strong> versão, nas suas linhas geraes e<br />

características.<br />

Devemos — e vai nisto uma questão <strong>de</strong> disciplina que<br />

gostosamente cumprimos, como filho amantíssimo da Egreja<br />

Catholica <strong>de</strong> Roma — <strong>de</strong>clarar que nos conformamos<br />

plenamente com os Decretos pontifícios <strong>de</strong> S. S. Urbano VIII,<br />

emprestan<strong>do</strong> aos factos narra<strong>do</strong>s pura auctorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradição<br />

humana, que não implica <strong>de</strong> nossa parte prejulgamento ou<br />

prevenção acerca <strong>do</strong>s Juízos da S. Sé, a que soberanamente<br />

reconhecemos o direito <strong>de</strong> se pronunciar, na forma costumada,<br />

sobre o valor e o alcance <strong>de</strong> taes testemunhos.<br />

Forra<strong>do</strong>s assim ao <strong>de</strong>ver que o nosso cre<strong>do</strong> nos impõem,<br />

resta-nos, com respeito aos nossos leitores, dizer que o que se<br />

vai ler neste e no subseqüente capitulo não é, nem po<strong>de</strong> sêr<br />

historia, no rigoroso concepto da palavra e sim colligenda, com<br />

to<strong>do</strong> o escrúpulo feita, <strong>de</strong> lendas e tradições, cheias <strong>de</strong><br />

encanta<strong>do</strong>ra poesia, ouvidas á gente antiga que as conserva e<br />

repete convictamente.<br />

Não ha fontes escriptas, mananciaes objectivos em que se<br />

possa ir buscar o nasce<strong>do</strong>uro <strong>de</strong> taes episódios. Seria insensatez<br />

o só preten<strong>de</strong>l-o. Por isso, si em pontos rigorosos <strong>de</strong><br />

chronologia e historia, preferimos — no clássico dizer <strong>do</strong> Bispo<br />

<strong>de</strong> Marianna — "<strong>de</strong>ixar em silencio, a ven<strong>de</strong>r aos leitores<br />

sonhos por verda<strong>de</strong>", em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> registar estas formosas<br />

historias, que, quan<strong>do</strong> outro valor lhes faltasse, seriam, no<br />

mínimo, paginas mimosas <strong>do</strong> nosso <strong>de</strong>sleixa<strong>do</strong> folk-lore, não<br />

po<strong>de</strong> haver essa msma preoccupação analytica e quasi mórbida<br />

<strong>do</strong>s pseu<strong>do</strong>-scientistas que dissecam a lagrima e tentam reduzir<br />

a alma a fibronus nervosas<br />

57<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

ou flui<strong>do</strong>s psychicos, conforme se <strong>de</strong>claram mais ou menos<br />

perto <strong>do</strong>s brutos ou <strong>do</strong>s periplasmas...<br />

Os casos attribui<strong>do</strong>s a Fr. <strong>José</strong> são to<strong>do</strong>s, pensamos ao<br />

menos, originaes e cheios <strong>de</strong> um sopro <strong>de</strong> sincerida<strong>de</strong> — ha<br />

nelles essa viva nota regional que os enforma e caracteriza,<br />

afastada assim a hypothese <strong>do</strong> serem mera reproducção <strong>de</strong><br />

casos outros redivivos na imaginativa popular.<br />

E, além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um outro valor se lhes adjudica, qual o<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar — verda<strong>de</strong>iros ou não — o gran<strong>de</strong> prestigio <strong>de</strong><br />

que gozava no seio <strong>do</strong>s seus temporaneos o virtuoso<br />

capuchinho, a ponto <strong>de</strong> permittir que em torno <strong>do</strong> seu nome<br />

florissem taes episódios, repeti<strong>do</strong>s e transmitti<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> évo em<br />

évo, não só pela gente rústica <strong>do</strong>s "engenhos" e <strong>do</strong>s "sítios"<br />

distantes, mas até pelos citadinos, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> certa cultura e<br />

emancipa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> primitivas credulida<strong>de</strong>s por <strong>de</strong>mais simples e<br />

ingênuas.<br />

Para que se lhe attribuissem taes virtu<strong>de</strong>s era preciso que<br />

elle tivesse merecimento para ser o sujeito <strong>de</strong> tão altos objectos,<br />

sob pena <strong>de</strong> discordância que, ao primeiro ver, a lógica repelle.<br />

A um Poupino, autoritário e sensual, a um Patrício<br />

Manso, violento e ru<strong>de</strong>, a um Fr. Nascentes, <strong>de</strong>magogo e<br />

atrabiliario — é que jamais se emprestariam <strong>do</strong>ns semelhantes.<br />

Natural é que as rosas não brotem <strong>de</strong> charcos nem <strong>de</strong> lezirias:<br />

ellas presumem bom terreno, canteiro bem trata<strong>do</strong>, mimos <strong>de</strong><br />

jardineiro, que, dia por dia, acompanhem o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

roseira.<br />

E assim como a belleza da flor credita o terreno e a mão<br />

<strong>do</strong> que a tratou — estes singelos episódios, <strong>de</strong> uma tocante<br />

naturalida<strong>de</strong>, orvalhada <strong>de</strong> sincera crença, luminosos <strong>de</strong> <strong>do</strong>ce<br />

belleza, valem, per si, mais <strong>do</strong> que massu<strong>do</strong>s infolios e códices<br />

veneran<strong>do</strong>s, como elogio das preclaras virtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Santo<br />

homem que passou pelas nossas villas e arraiaes, pelos campos<br />

silenciosos e pe-<br />

58


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

los pantanaes immensos, galgan<strong>do</strong> serras híspidas e boqueirões<br />

gigantescos, paran<strong>do</strong> aqui á beira <strong>de</strong> um rancho humil<strong>de</strong>, com o<br />

mesmo sorriso com que entrava o solar <strong>do</strong>s opulentos,<br />

<strong>de</strong>rraman<strong>do</strong> a esmola da bôa palavra, <strong>do</strong> conselho amigo, <strong>do</strong><br />

socorro opportuno, <strong>de</strong> ambas as mãos, a to<strong>do</strong>s os necessita<strong>do</strong>s...<br />

E reabrin<strong>do</strong>, em pleno sertão <strong>do</strong> Brasil central, o cyclo<br />

heróico <strong>do</strong>s primeiros filhos <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis, reproduz<br />

Fr . <strong>José</strong>, por outro la<strong>do</strong>, a epopéa gloriosa <strong>do</strong>s Anchietas,<br />

<strong>do</strong>ma<strong>do</strong>res da fera e <strong>do</strong> índio, que <strong>de</strong> homem só possuía a<br />

apparencia, pois, na sua barbárie, <strong>do</strong>rmiam to<strong>do</strong>s os instinctos<br />

carniceiros <strong>do</strong>s seus irmãos das selvas...<br />

59<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

XII<br />

No <strong>do</strong>mínio das tradições e <strong>do</strong> folk-lore<br />

Em psichologia collectiva ou ethnica, a alma <strong>do</strong> grupo, a alma da<br />

raça, é o fun<strong>do</strong> comum e a camada primigenia que explica e <strong>de</strong>fine<br />

o caracter especial <strong>de</strong> cada povo, no seu tríplice aspecto psichico,<br />

antropológico e historico...<br />

(J. Ribeiro — O Folk-Lore)<br />

Os factos extra-communs attribui<strong>do</strong>s a Fr. <strong>José</strong> po<strong>de</strong>m<br />

grupar-se em quatro categorias:<br />

1) revela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio sobre o espírito <strong>do</strong>s<br />

homens,<br />

2) índices <strong>do</strong> seu império sobre os brutos,<br />

3) <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>res da sua acção sobre seres inanima<strong>do</strong>s e,<br />

4) francamente sobre-naturaes, manifesta<strong>do</strong>res da<br />

santida<strong>de</strong>.<br />

Entre os primeiros citaremos quatro curiosos episódios,<br />

três entre os segun<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>is entre os terceiros e, por fim, três<br />

<strong>do</strong>s pertencentes á quarta espécie — a mais transcen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

todas.<br />

* * *<br />

Manifestações <strong>de</strong> telepathia. Passava certa vez o santo<br />

homem <strong>de</strong> Deus pelo bequinho que veio a sêr mais tar<strong>de</strong><br />

conheci<strong>do</strong> por bêcco <strong>do</strong> Xixo, quan<strong>do</strong> o viram, a gran<strong>de</strong><br />

distancia, <strong>do</strong>is solda<strong>do</strong>s que se achavam dan<strong>do</strong> guarda na<br />

Cadêa, a esse tempo ainda no<br />

60


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Largo da Matriz, hoje Praça da Republica. Um <strong>de</strong>lles, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> maus instinctos, murmurou, entre <strong>de</strong>ntes:<br />

— Quem me <strong>de</strong>ra ter aqui aquelle fra<strong>de</strong> para passar-lhe<br />

algumas palmatoriadas... Ao que redargiu o outro, creatura<br />

simples e <strong>de</strong> bom natural:<br />

— Pois eu quizera que elle viesse cá, mas para beijar-lhe<br />

a mão. Com pouco, sorprehendi<strong>do</strong>s, viram os <strong>do</strong>is milicianos,<br />

junto á gra<strong>de</strong>, a figura <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> que lhes dizia:<br />

— Aqui me ten<strong>de</strong>s, filhos, para cumprir os vossos<br />

<strong>de</strong>sejos. Esten<strong>de</strong>ra a mão esquerda ao primeiro, emquanto dava<br />

ao segun<strong>do</strong> a direita para que lh'a beijasse. É <strong>de</strong> imaginar-se a<br />

extranha confusão que, naquelle instante, salteou o espírito <strong>do</strong>s<br />

solda<strong>do</strong>s, estupefactos.<br />

* * *<br />

Pela mesma praça ia, <strong>de</strong> outra feita, o capuchinho,<br />

quan<strong>do</strong> num grupo, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> opposto, um <strong>de</strong>safecto seu, alias<br />

gratuito, segre<strong>do</strong>u aos <strong>de</strong>mais uma torpitu<strong>de</strong> qualquer que ao<br />

virtuoso varão se attribuia. Qual o seu pasmo ao ver que Fr.<br />

<strong>José</strong>, volven<strong>do</strong> sobre os seus passos, se encaminhava para a<br />

roda e, dirigin<strong>do</strong>-se ao maldizente, com uma calma serenida<strong>de</strong>:<br />

— O que você disse ha pouco está longe <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>. Posso<br />

affirmar que não é exacto...<br />

* * *<br />

Numa das suas viagens apostólicas, aconteceu-lhe, certa<br />

vez, passar pelo famoso engenho <strong>de</strong> «S. Romão» na Serra-<br />

Acima, a esse tempo pertencente a D. Escolastica Martins da<br />

Cruz. No <strong>de</strong>curso da conversa, queixou-se-lhe a <strong>do</strong>na <strong>do</strong> sitio<br />

que os índios não lhe <strong>de</strong>ixavam tréguas para o trabalho,<br />

infestan<strong>do</strong>, constantemente, a sua proprieda<strong>de</strong>. E accrescentou<br />

que a audácia <strong>do</strong>s selva-<br />

61<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

gens tocava ás raias <strong>do</strong> maior <strong>de</strong>splante, vin<strong>do</strong> por vezes até o<br />

terreiro da casa, nas suas freqüentes incursões.<br />

Animou-a o sacer<strong>do</strong>te, fazen<strong>do</strong>-lhe ver que dali por<br />

diante tal facto se não reproduziria. E, dalí <strong>do</strong>n<strong>de</strong> estava,<br />

indicou com a mão, no rumo <strong>do</strong>s quatro pontos car<strong>de</strong>aes, certos<br />

limites e pontos referenciaes que jamais — affirmou — seriam<br />

ultrapassa<strong>do</strong>s pelos indígenas. E, <strong>de</strong> facto, — contou-me um<br />

neto da velha <strong>do</strong>na <strong>do</strong> «engenho» — não mais voltaram os<br />

«bugres» a incommodal-os: vinham, é certo até ás<br />

immediações, mas nem um passo aquém <strong>do</strong>s limites traça<strong>do</strong>s<br />

por Fr. <strong>José</strong>.<br />

***<br />

Em visita a um padre secular que se achava <strong>do</strong>ente e<br />

prestes a acabar a dilação que Deus lhe conce<strong>de</strong>ra para estar<br />

neste mun<strong>do</strong>, succe<strong>de</strong>u passar por elle uma mulher moça ainda,<br />

e não <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> certos encantos próprios que são <strong>do</strong> sexo e<br />

da ida<strong>de</strong>. Fr. <strong>José</strong> benzeu-se em silencio, e como o collega <strong>de</strong><br />

votos lhe perguntasse por que fazia aquillo, respon<strong>de</strong>u-lhe: —<br />

É que você tem o <strong>de</strong>mônio em casa, e eu não o sabia.<br />

Confundiu-se-lhe ao outro o animo, ao ver-se<br />

<strong>de</strong>smascara<strong>do</strong> em seus embustes, pois, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> conseguir<br />

illudir a toda a gente, passan<strong>do</strong> por virtuoso, não o conseguira<br />

fazer ao santo, que, num relance, à só vista da sua cúmplice <strong>de</strong><br />

pecca<strong>do</strong>, o incriminara <strong>de</strong>licada e indirectamente, fazen<strong>do</strong>-lhe<br />

sentir o mau caminho que trilhava. E arrependi<strong>do</strong>, confessou o<br />

seu <strong>de</strong>licto, a tempo ainda que se lhe extinguisse, com a vida, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvar-se <strong>do</strong> abysmo em que se chafurdara.<br />

***<br />

Em pleno sertão, longe <strong>de</strong> qualquer povoa<strong>do</strong> ou mora<strong>do</strong>r,<br />

recebeu Fr. <strong>José</strong> a nova trazida pelo seu cama-<br />

62


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

rada <strong>de</strong> que o "cargueiro" único que levavam fôra <strong>de</strong>vora<strong>do</strong><br />

essa noite por uma onça. Sem se abalar com a perspectiva<br />

<strong>de</strong>sola<strong>do</strong>ra em que aquelle facto os vinha collocar, disse o<br />

justo:<br />

— Vamos ver on<strong>de</strong> está.<br />

E sahiu, em direcção ao matto, on<strong>de</strong>, com espanto <strong>do</strong><br />

companheiro, <strong>de</strong>ram com a onça ainda sobre a carniça,<br />

repastan<strong>do</strong>-se nos sobejos da alimária.<br />

Ao dar com tal scena, longe <strong>de</strong> impressionar-se, como era<br />

natural, Fr. <strong>José</strong> limitou-se a dizer:<br />

— Pois bem. Quem comeu o cargueiro, ha <strong>de</strong> fazer-lhe as<br />

vezes...<br />

Apavora<strong>do</strong> e sem bem comprehen<strong>de</strong>r o que se passava, o<br />

peão viu Fr. <strong>José</strong> acrescentar, dirigin<strong>do</strong>-se á fera:<br />

— Pelo <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> obediência que te é imposto,<br />

acompanha-me.<br />

De cabeça baixa, a passo lento, a onça, largan<strong>do</strong> o seu<br />

orgíaco banquete, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> andar empós <strong>do</strong> capuchinho. E, junto<br />

ao pouso, on<strong>de</strong>, ao primeiro alvor da madrugada, morriam os<br />

ultimos tições da fogueira, man<strong>do</strong>u Fr. <strong>José</strong> ao camarada que<br />

collocasse a cangalha e a carga sobre o lombo da fera.<br />

Fel-o, com immenso me<strong>do</strong>, o camarada, e, com pouco,<br />

eil-os se vão, pela estrada, reduzida ali a simples trilho, rumo<br />

ao primeiro mora<strong>do</strong>r, alonga<strong>do</strong> dali mais <strong>de</strong> seis léguas.<br />

An<strong>do</strong>u to<strong>do</strong> o dia aquelle extranho grupo — <strong>do</strong>is homens<br />

segui<strong>do</strong>s por uma fera, que lhes servia <strong>de</strong> besta <strong>de</strong> carga. Á<br />

tar<strong>de</strong>zinha, já o sol ia longe, por alem da serra e os curiangos<br />

revôejavam no ar frio <strong>do</strong> anoitecer, chegaram a um mora<strong>do</strong>r,<br />

misera palhoça, á beira <strong>do</strong> caminho, on<strong>de</strong>, entre pedras,<br />

rumorejava, escachoante, a água pobre <strong>de</strong> um ribeirão. Toma<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> assombro, viu o homem chegarem-lhe á casa os viandantes.<br />

E mais admira<strong>do</strong> ficou ao ou vir <strong>do</strong> religioso a or<strong>de</strong>m<br />

63<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

para que lhe <strong>de</strong>sse a besta, que tinha, para continuar a viagem.<br />

Tentaria negar-lhe, si lhe houvesse pergunta<strong>do</strong> antes, mas Fr.<br />

<strong>José</strong> não inquirira, sim affirmara e mandara.<br />

Assim <strong>de</strong>terminou elle, assim foi feito. E ao tirar <strong>de</strong> sobre<br />

a onça a carga, o negro que lhe servia <strong>de</strong> camarada disse:<br />

— Matemos agora esta "bicha", que não vá fazer mal a<br />

alguém por ahi...<br />

— Não, replicou Fr. <strong>José</strong>, isso não. Deixemol-a que se vá,<br />

na paz <strong>do</strong> Senhor. Não é ella, como nós, meu filho, uma<br />

creatura <strong>de</strong> Deus? E, a um aceno <strong>do</strong> bom homem, filho<br />

daquelle que, no Gubbio, se irmanou com o lobo, lá se foi,<br />

submissa e feliz, rumo á selva pátria, a onça que o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

obediência houvera, por to<strong>do</strong> um longo dia, feito cargueira —<br />

convertida assim, da violência natural que a caracteriza na,<br />

maior humilda<strong>de</strong> que para os irracionaes se reduz ao papel <strong>de</strong><br />

animal <strong>de</strong> carga.<br />

***<br />

De outra feita, foi ainda em viagem pelos sertões <strong>do</strong><br />

Norte, que o santo homem teve occasião <strong>de</strong> exercer o seu<br />

po<strong>de</strong>rio sobre o mais damninho e perigoso <strong>do</strong>s animaes — a<br />

serpe. Picara-lhe o cavallo <strong>de</strong> sella, for te animal que <strong>de</strong> longa<br />

data o conduzia nas missões e <strong>de</strong>sobrigas, uma cobra venenosa.<br />

Como prosseguir, pois, a jornada, si estavam a gran<strong>de</strong><br />

distancia <strong>de</strong> qualquer recurso e a hora já adiantada <strong>do</strong> dia lhes<br />

não permittia retroce<strong>de</strong>r ao pouso <strong>do</strong>n<strong>de</strong> tinham essa manhã<br />

sabi<strong>do</strong>? Não se embaraçou em nada o francisco. Chegan<strong>do</strong>-se<br />

para ao pé <strong>do</strong> animal, que encontraram estira<strong>do</strong> sobre uma relva<br />

terna, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fron<strong>de</strong>jante quineira, o fra<strong>de</strong> assobiou<br />

longamente como chaman<strong>do</strong> por alguém.<br />

64


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Eis que <strong>de</strong> um "cupim" ao fim da várzea, toda batida <strong>de</strong><br />

sol, áquella cálida hora pósmeridiana, aco<strong>de</strong>, numa corrida, o<br />

perigoso animal rastejante pelo qual se per<strong>de</strong>u Eva e a<br />

humanida<strong>de</strong>.<br />

Ante o espanto in<strong>de</strong>scriptivel <strong>de</strong> quem o acompanhava,<br />

Fr. <strong>José</strong> intimou o pérfi<strong>do</strong> ophidio, pelo <strong>de</strong>ver da obediência, a<br />

reparar o mal que lhe causara.<br />

E — sorprehen<strong>de</strong>ntes effeitos da sua força extra-humana<br />

— vai, submissa e humil<strong>de</strong>, a serpe se achegan<strong>do</strong> ao animal e,<br />

<strong>de</strong>vagar, habilmente, busca a ferida que ella mesma fizera,<br />

junta-lhe, com geito, a língua bífida e tóxica, mas, ao invés <strong>de</strong>,<br />

como lhe é natural e vezeiro, inocular aquelle veneno que se<br />

distilla <strong>do</strong> seu organismo, haure, com força, to<strong>do</strong> o maléfico<br />

filtro que antes lhe contaminara e, á medida que se lhe vai<br />

retiran<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo a causa <strong>do</strong> seu mal, cessa o effeito perverso<br />

que o trazia já escravo da lei da morte e o cavallo, recuperan<strong>do</strong><br />

a vida e as forças, se ergue, outro qual antes, emquanto a cobra,<br />

cumpri<strong>do</strong> o que lhe fora or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, volta para o seu torpe<br />

escon<strong>de</strong>rijo. E Fr. <strong>José</strong> continuou a sua viagem, logo-logo, no<br />

cavallo resuscita<strong>do</strong>.<br />

***<br />

Ainda um episodio <strong>de</strong> viagem, este occorri<strong>do</strong> num "sitio"<br />

perto das Grotas, na estrada que <strong>de</strong> Cuyabá levava ao Rosário.<br />

Vinha Fr. <strong>José</strong> sozinho, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas jornadas <strong>de</strong><br />

apostolar.<br />

Eis se não quan<strong>do</strong> lhe dá a Provi<strong>de</strong>ncia um companheiro<br />

na pessoa <strong>de</strong> outro padre, secular, que voltava também <strong>de</strong><br />

acudir a um <strong>do</strong>ente, no sitio menciona<strong>do</strong>. Mas vinha a pé o<br />

santo homem, emquanto o outro cavalgava um soberbo eqüino.<br />

Acudiu ao seu companheiro <strong>de</strong> jornada a idéa <strong>de</strong> pedir ao <strong>do</strong>no<br />

<strong>do</strong> sitio<br />

65<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

um animal, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que pu<strong>de</strong>ssem chegar ce<strong>do</strong> e juntos á<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

Concor<strong>do</strong>u Fr. <strong>José</strong> e assim se fez. Chegan<strong>do</strong> ao pateo da<br />

fazenda — era por um dia <strong>de</strong> agosto, escaldante — viram os<br />

<strong>do</strong>is religiosos o <strong>do</strong>no <strong>do</strong> sitio, que, ao la<strong>do</strong> da mulher, se<br />

<strong>de</strong>leitava a assistir ao trabalho <strong>de</strong> amansar os burros.<br />

Dois peões, fortes e nutri<strong>do</strong>s, ágeis como nenhum outro,<br />

exercitavam-se no ru<strong>de</strong> serviço. No terreiro, limpo, bem<br />

varri<strong>do</strong>, circula<strong>do</strong> pelo "correr d'água" on<strong>de</strong> se abeberava a<br />

criação, estacou Fr. <strong>José</strong> que ia á frente e expôs ao moço o seu<br />

<strong>de</strong>sígnio. — Pois não, padre, é já. Vou mandar pegar um<br />

animal manso e bom para sua montada.<br />

Si assim, <strong>de</strong> palavra, revelara tão boa vonta<strong>de</strong>, no interno<br />

<strong>do</strong> coração perverso, alentava propósito muito outro, o<br />

fazen<strong>de</strong>iro.<br />

E, apesar <strong>do</strong>s protestos da boa mulher, em quem se<br />

encarnava a benignida<strong>de</strong> natural <strong>do</strong> sexo, o ruim homem se<br />

dispôs a pregar ao pobre missionário uma partida que os iria<br />

divertir a gran<strong>de</strong>.<br />

Man<strong>do</strong>u pegar um burro re<strong>do</strong>mão, que nunca levara<br />

arreio e trazer para Fr. <strong>José</strong> nelle continuar o seu caminho.<br />

E gozava já a sua hilarida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> o sacer<strong>do</strong>te <strong>de</strong>itasse<br />

a gritar e pular, aos pinoteios da besta, acaban<strong>do</strong> fatalmente por<br />

ir ao chão.<br />

Ao contrario, porém, <strong>do</strong> que esperava e suppunha, a<br />

besta, qual si fosse o melhor animal <strong>de</strong> sua estrebaria, recebeu<br />

como suave far<strong>do</strong> o seu cavalleiro e <strong>de</strong>u <strong>de</strong> andar, na mais leve<br />

marcha que nenhum cavallo ensina<strong>do</strong> e traqueja<strong>do</strong> teria.<br />

E maior ainda foi o seu espanto e <strong>de</strong>sapontamento<br />

quan<strong>do</strong>, dahi ha pouco — já <strong>de</strong>veriam ir bem longe os <strong>do</strong>is<br />

religiosos — ao mandar ensilhar o "Brioso", seu cavallo <strong>de</strong><br />

estimação, lin<strong>do</strong> russo <strong>de</strong> cinco annos,<br />

66


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

<strong>de</strong> sangue apura<strong>do</strong> e linhagem nobre, o escravo lhe veio,<br />

<strong>de</strong>sola<strong>do</strong>, communicar que o encontrara morto, na estrebaria.<br />

***<br />

Em Coimbra, á pequena distancia <strong>do</strong> forte lendário<br />

<strong>de</strong>para-se a gruta conhecida vulgarmente por "Buraco soturno",<br />

a que Ricar<strong>do</strong> Franco, o primeiro que lhe faz referencia, <strong>de</strong>u o<br />

expressivo nome <strong>de</strong> "Gruta <strong>do</strong> Inferno". Muitos são os que a<br />

têm, <strong>de</strong> 1786 para cá, visita<strong>do</strong> e consigna<strong>do</strong>, em letra <strong>de</strong> fôrma,<br />

as suas impressões, bastan<strong>do</strong> citar, entre os mais notáveis, o dr.<br />

Alexandre Rodrigues Ferreira (1791), o Te. Cl. Joaquim <strong>José</strong><br />

Ferreira (1792), o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelnau (1845), o dr. João<br />

Severiano da Fonseca (1875) (47) e, recentemente o P.<br />

Helvécio, hoje Arcebispo <strong>de</strong> Marianna, que na "Revista Matto<br />

Grosso" nos <strong>de</strong>u curiosa <strong>de</strong>scripção <strong>de</strong>ssa furna. (48)<br />

Lá esteve Fr. <strong>José</strong> quan<strong>do</strong> missionava no Baixo Paraguay.<br />

Lá penetrou, só, attingin<strong>do</strong> o mais profun<strong>do</strong> da gruta, pois<br />

os outros que o acompanhavam, receiosos, preferiram ficar da<br />

parte <strong>de</strong> fora, aspiran<strong>do</strong> ar e luz que, no interior, escasseava. E<br />

— conta a lenda — ao volver <strong>do</strong> mais recôndito da furna<br />

immensa, trouxe, com espanto <strong>do</strong>s presentes, três rosas frescas<br />

e lindas, como nenhures iguaes se viram e <strong>de</strong> uma espécie que<br />

se não cultivava por aquellas bandas...<br />

***<br />

No próprio Forte <strong>de</strong> Coimbra, on<strong>de</strong> estacionara algum<br />

tempo, appeteceu a Fr. <strong>José</strong> uma peixada e ten<strong>do</strong> o guaná que o<br />

acompanhava prepara<strong>do</strong> com arte e muito carinho um prato<br />

<strong>de</strong>ssa natureza, aconteceu que lhe faltasse o necessário<br />

condimento.<br />

(47) Viagem, I, 271<br />

(48) In Rev. M. Grosso, I, V (Maio 1904)<br />

67<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

— Prepare um molho, recommen<strong>do</strong>u o fra<strong>de</strong> ao índio que<br />

tão solicito o servia.<br />

— Com que preparar o molho, si não temos vinagre, nem<br />

pimenta, nem tempero <strong>de</strong> espécie alguma?<br />

— Vi atrás <strong>do</strong> forte — indicou Fr. <strong>José</strong> — e me traga três<br />

limões e três pimentas malaguetas que com isso prepararemos o<br />

molho. Hesitou o bárbaro, quasi rin<strong>do</strong> <strong>do</strong> extranho preceito,<br />

pois bem sabia não haver por ali tu<strong>do</strong> limoeiro nem pimenteira;<br />

mas tão arraiga<strong>do</strong> estava nelle o <strong>de</strong>ver da obediência, que se foi<br />

a fazer o que lhe <strong>de</strong>terminavam.<br />

E, perturba<strong>do</strong>, confuso, ao tomar o trilho que circumdava<br />

a colossal molle <strong>de</strong> pedra que é a fortaleza, <strong>de</strong>u, logo ao virar<br />

para a retaguarda <strong>do</strong> forte, com um limoeiro ver<strong>de</strong>jante,<br />

fron<strong>do</strong>so, em que entretanto, por mais que procura-se, só<br />

encontrou, logo ao alcance das mãos, três fructas gran<strong>de</strong>s e<br />

bonitas e, ao la<strong>do</strong> da arvore, quasi junto ao muro <strong>de</strong> granito,<br />

uma pimenteira, copada e linda, que ostentava, entre o ver<strong>de</strong><br />

gaio das folhas, como coraes rubros, três pimentinhas bem<br />

maduras — só três, o bastante o molho <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />

***<br />

A fama <strong>de</strong> seus feitos já em vida se espalhava, cercan<strong>do</strong>o,<br />

no próprio senso <strong>do</strong>s que o conheceram, da láurea <strong>de</strong><br />

santida<strong>de</strong>. Mas, si a to<strong>do</strong>s convenciam os seus actos e palavras,<br />

não assim a uma inditosa mulher que, pela vida que levava, não<br />

conseguia a alumiasse a graça <strong>de</strong> perceber as cousas <strong>do</strong> alto.<br />

E um dia que, perto <strong>de</strong>lla, se faziam justas referencias ao<br />

homem <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s, casquinou aquella prava creatura uma<br />

risada <strong>de</strong> mófa, que escandalizou a roda:<br />

— Pois si é Santo, disse ainda em ar escarninho, tem que<br />

cheirar...<br />

68


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Mal proferiu tão levianas palavras, assoma, na curva da<br />

esquina, ao la<strong>do</strong> da casa daquella pecca<strong>do</strong>ra, o vulto respeitável<br />

<strong>do</strong> missionário. Passa pelo grupo, sem dizer palavra, mas os<br />

seus olhos se cravam fun<strong>do</strong> nos da zomba<strong>do</strong>ra, com aquella<br />

expressão, talvez, que a cortezan <strong>de</strong> Magdala vira, um dia, nos<br />

<strong>de</strong> Jesus. E to<strong>do</strong>s que ali se achavam notaram, <strong>de</strong> par com a<br />

confusão e vexame da moça, um aroma incomparável, uma<br />

fragrância <strong>de</strong> rosas <strong>do</strong> paraíso que ficara pairan<strong>do</strong> no ar<br />

luminoso, á passagem <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>.<br />

E — remata a tradição — á rapariga surgiu naquella<br />

mesma hora um tumor ou ulcera no nariz, <strong>de</strong> que nunca mais<br />

logrou curar-se, mas que lhe valeu o arrependimento e<br />

conversão <strong>de</strong> sua má vida. Don<strong>de</strong> vem que bem se diga que o<br />

soffrer é que nos salva e que nunca é licito <strong>de</strong>sesperar da<br />

conversão <strong>do</strong>s peiores. Aquella, por exemplo, se fez dali por<br />

diante Magdalena arrependida, <strong>de</strong> Magdalena pecca<strong>do</strong>ra que<br />

até aquella hora tinha si<strong>do</strong>.<br />

***<br />

De to<strong>do</strong>s os casos, porém, com que, segun<strong>do</strong> a lenda, quis<br />

Deus creditar o seu servo ao respeito e admiração <strong>do</strong>s homens,<br />

nenhum tão sorprehen<strong>de</strong>nte como os <strong>do</strong>is occorri<strong>do</strong>s já após o<br />

seu <strong>de</strong>sapparecimento <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>.<br />

Morto Fr. <strong>José</strong>, <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> ao seio maternal da terra<br />

aquillo que fôra a sua apparencia exterior, floriu, perto <strong>do</strong> seu<br />

tumulo, na Cathedral, um gran<strong>de</strong> lírio, que na cor violácea,<br />

imitava o tom <strong>do</strong> seu habito <strong>de</strong> capuchinho.<br />

Esse lírio foi envia<strong>do</strong> para o Diamantino, on<strong>de</strong>, muito<br />

<strong>de</strong>pois da data <strong>do</strong> fallecimento <strong>do</strong> nosso Santo Prela<strong>do</strong>, ainda se<br />

ostentava qual preciosa, relíquia, na Egreja Matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição. Acrescenta<br />

69<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

a tradição que, no soalho <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong> on<strong>de</strong> expirou Fr. <strong>José</strong>,<br />

nasceram umas extranhas "orelhas <strong>de</strong> pau", ou cogumelos, em<br />

forma lilial, escuros, porém curiosos na sua conformação<br />

petalar.<br />

***<br />

Culmina sobre to<strong>do</strong>s os factos narra<strong>do</strong>s a interessante<br />

lenda da "camisa <strong>do</strong> Santo".<br />

Após o seu pie<strong>do</strong>so traspasse, trocaram-lhe as vestes para<br />

o enterrar, ten<strong>do</strong> a camisa com que falleceu — preciosa peça <strong>de</strong><br />

linho borda<strong>do</strong>, como soiam usar os antigos — fica<strong>do</strong> em po<strong>de</strong>r<br />

da família <strong>de</strong> Agostinho <strong>de</strong> tal, mais conheci<strong>do</strong> por Vai-Bolo,<br />

cuja mulher, <strong>de</strong> nome Teresa, conservava religiosamente esse<br />

objecto.<br />

Quan<strong>do</strong> morria alguém, em meio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> soffrimento,<br />

com prolongada agonia, costumavam appor-lhe sobre o corpo a<br />

"camisa <strong>do</strong> Santo" e logo entravam <strong>de</strong> espaçar e suavisar as<br />

<strong>do</strong>res e o transito se operava <strong>do</strong>cemente.<br />

Tal virtu<strong>de</strong> se emprestava, na crença popular, á roupa <strong>do</strong><br />

humil<strong>de</strong> capuchinho, que ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> "padre <strong>de</strong> boa vida"<br />

também o foi <strong>de</strong> "boa morte", conseguin<strong>do</strong> assim, pela graça<br />

divina, tornar aos <strong>de</strong>mais feliz e tranquilla a gran<strong>de</strong> e terrível<br />

passagem.<br />

Achan<strong>do</strong>-se ás portas da morte o P. Luis Ignácio Coelho,<br />

familiar <strong>do</strong> Bispo D. <strong>José</strong> e <strong>de</strong>moran<strong>do</strong>-se muito a sua agonia,<br />

aggravada pelo muito pa<strong>de</strong>cer, fizeram pie<strong>do</strong>sas pessoas que o<br />

assistiam vir a "camisa <strong>do</strong> Santo" para, como <strong>de</strong> costume,<br />

operar a acção thaumaturgica que lhe attribuiam.<br />

De facto, com pouco exhalava-se, sem as <strong>do</strong>res <strong>de</strong> antes,<br />

a alma <strong>do</strong> Sacer<strong>do</strong>te. Mas nisso não é que está o extraordinário<br />

<strong>do</strong> caso.<br />

No tumulto que se seguiu á morte <strong>do</strong> P. Luis, succe<strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />

entornar-se sobre a toalha que envolvia<br />

70


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

a camisa, já prompta a ser recambiada á procedência, uma<br />

lamparina <strong>de</strong> azeite. Em um instante communicou-se o fogo á<br />

fazenda o lavrou, rápi<strong>do</strong> e voraz, a flamma consumi<strong>do</strong>ra.<br />

Imagine-se o <strong>de</strong>sapontamento, mais ainda a consternação que<br />

se originou daquelle <strong>de</strong>sastre.<br />

Perdida aquella veste milagrosa, e ainda mais a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong> naturalmente levada á conta <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scui<strong>do</strong> — to<strong>do</strong>s se lamentavam e, em altas vozes, aian<strong>do</strong>, já<br />

menos lhes <strong>do</strong>ía da morte <strong>do</strong> Padre que <strong>do</strong> <strong>de</strong>sastre<br />

sobreveniente. Eis senão quan<strong>do</strong> uma das mulheres presentes se<br />

adianta para on<strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> tosco oratório, se havia <strong>de</strong>posto a<br />

camisa <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong>. E, com que extranha sorpreza, num grito <strong>de</strong><br />

jubilo e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> pavor, viu intacta a camisa <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>do</strong> invólucro <strong>de</strong> cinzas da toalha completamente queimada!<br />

71<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

XIII<br />

Últimos annos<br />

E contu<strong>do</strong> nem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velho e quebranta<strong>do</strong> <strong>de</strong> varias<br />

indisposições podiam com ele acabar os seus que pusesse termo a<br />

tanta má vida, e a tão trabalhosas e arriscadas jornadas.<br />

(Fr. Luis <strong>de</strong> Sousa, Vida <strong>de</strong> D. Fr. Bertolameu <strong>do</strong>s Mártires, II,<br />

286)<br />

Data <strong>de</strong> 1844 o <strong>de</strong>clínio das forças e activida<strong>de</strong> <strong>do</strong> inclito<br />

Missionário. A 20 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong>sse anno o Presi<strong>de</strong>nte<br />

Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim <strong>de</strong>spachava uma petição <strong>de</strong> Fr.<br />

<strong>José</strong> na qual o mesmo “ven<strong>do</strong>-se já carrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> annos, e <strong>de</strong><br />

incômmo<strong>do</strong>s inseparáveis da sua i<strong>do</strong>sa, e cançada vida, e<br />

melhor parte expen<strong>de</strong>o, servin<strong>do</strong> in prosperis et adversis, esta<br />

mui querida Província, que a Provi<strong>de</strong>ncia ha mais <strong>de</strong> cinco<br />

lustros, <strong>de</strong>o-lhe em sorte", dizia achar-se "resolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ultimar<br />

o seu breve perío<strong>do</strong>, que o Céo benigno lhe conce<strong>de</strong>r, na<br />

Capital <strong>do</strong> Império, ou na Bahia <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Santos",<br />

solicitan<strong>do</strong> por isso a sua dispensa <strong>do</strong> cargo <strong>do</strong> Director<br />

Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes da Misericórdia e <strong>de</strong> S. João <strong>do</strong>s<br />

Lázaros.<br />

Esse requerimento, cujo original se encontra no Archivo<br />

Ecclesiastico <strong>de</strong>sta Archidiosese, concluía por pedir "a puro<br />

titulo <strong>de</strong> esmola" algum auxilio para promover a sua viagem,<br />

allegan<strong>do</strong>, em abono <strong>de</strong>ssa sua pretenção, não receber elle<br />

"nem hum só real da Nação, <strong>de</strong> que é fiel e amante Súbdito".<br />

Ao <strong>de</strong>ferir-lh'o, assim se exprimiu o Presi<strong>de</strong>nte:<br />

72


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

"Sentin<strong>do</strong> muito este Governo que convenha ao Revmo. Supp.<br />

<strong>de</strong>ixar a Província, e o cargo que tão dignamente tem occupa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes da Misericórdia, conce<strong>de</strong>-lhe a<br />

dispensa requerida <strong>do</strong> mesmo cargo a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> Janro. futuro,<br />

permittin<strong>do</strong>-lhe porem, que se retire <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já da Capital se assim<br />

<strong>de</strong>sejar".<br />

Acerca <strong>do</strong> socorro pedi<strong>do</strong> nem palavra no <strong>de</strong>spacho<br />

governaticio, parecen<strong>do</strong> que implicitamente se lh'o <strong>de</strong>negara, si<br />

é que não consistiu na liberalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gozar da licença <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo, com um mês e dias <strong>de</strong> antecedência. (49)<br />

Já em Junho <strong>de</strong>sse mesmo anno solicitara Frei Macerata<br />

ao então Presi<strong>de</strong>nte, Zeferino Pimentel Moreira Freire,<br />

<strong>de</strong>missão <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> Inspector <strong>do</strong>s Estabelecimento Pios, para<br />

o qual fôra nomea<strong>do</strong> em substituição a Joaquim Alves Ferreira<br />

e por portaria <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>sse anno. (50)<br />

Deu-se-lhe por successor nessas funcções a Francisco<br />

Bueno <strong>de</strong> Sampaio, constan<strong>do</strong> da communicação datada <strong>de</strong> 11<br />

<strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1844 as seguintes encomiásticas palavras <strong>do</strong><br />

Presi<strong>de</strong>nte da Província:<br />

"Aproveito a occazião para fazer ver a Vossa Excellencia que<br />

no pouco tempo que exerceu estas funções as <strong>de</strong>sempenhou com zelo<br />

e activida<strong>de</strong>".<br />

Obtida a dispensa, emprehen<strong>de</strong>u Frei <strong>José</strong> a jornada<br />

pretendida, contra a qual protestavam os seus annos e mais a<br />

enfermida<strong>de</strong> que já vinha aos poucos lhe consumin<strong>do</strong> as<br />

forças?<br />

Sem duvida que sim. Frei <strong>José</strong>, em fins <strong>de</strong> 1844, ausentou<br />

se <strong>de</strong> Cuyabá, on<strong>de</strong>, entretanto, já se encontrava em fins <strong>do</strong><br />

anno seguinte, como faz crer o officio <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong><br />

1845 em que a Meza<br />

(49) Arch. Eccl. Masso Avulsos off. Nº 287.<br />

(50) Livro <strong>de</strong> Registo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> Governo existente no Archivo da S.<br />

Casa <strong>de</strong> Misericórdia, fs. 237 — Firmo Rodrigues: Apontamentos históricos<br />

<strong>do</strong>s Hospitaes <strong>de</strong> S. João <strong>do</strong>s Lázaros e S. Casa, na Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. <strong>de</strong> M.<br />

Grosso, IX - X pag. 122.<br />

73<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

d'Administração das Obras Pias participava ao emérito<br />

Sacer<strong>do</strong>te haver resolvi<strong>do</strong>, em sessão <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Outubro<br />

antece<strong>de</strong>nte, sob proposta <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da Província,<br />

restabelecer a disposição da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Governo <strong>de</strong> 2 Maio <strong>de</strong><br />

1817, nomean<strong>do</strong> um Capellão para os Estabelecimentos Pios,<br />

visto haver si<strong>do</strong> supprimi<strong>do</strong> o lugar <strong>de</strong> Director Espiritual <strong>do</strong>s<br />

mesmos. (5l)<br />

E <strong>de</strong>st'arte concluía o menciona<strong>do</strong> officio:<br />

"e recahin<strong>do</strong> unanimemente na Pessôa <strong>de</strong> Vossa Excellencia<br />

Reverendíssima, cazo queira continuar a Prestar-se a este cari<strong>do</strong>so<br />

encargo, fui por isso autoriza<strong>do</strong> para, por parte d'Administração das<br />

Obras Pias, convidar neste senti<strong>do</strong> a Vossa Excellencia a quem rogo,<br />

e espero pela resposta d'acceitação a fim <strong>de</strong> fazel-a presente a Mesa,<br />

que tomará então <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>liberação sobre a gratificação com que<br />

<strong>de</strong>ve d'algum mo<strong>do</strong> gratificar o trabalho <strong>de</strong> Vossa Excellencia alem<br />

da casa que preten<strong>de</strong> proporcionar-lhe para a sua morada nas<br />

visinhanças <strong>do</strong> Hospital da Misericordia".<br />

Claro se <strong>de</strong>prehen<strong>de</strong> que a tentativa <strong>de</strong> fixar-se em outras<br />

paragens, on<strong>de</strong> visse correr os seus últimos dias, se baldara,<br />

regressan<strong>do</strong> o virtuoso ex-prela<strong>do</strong>, com pouco tempo, á terra a<br />

que o prendia toda uma vida <strong>de</strong> labores incessantes e vivas<br />

affeições.<br />

Tempo não era <strong>de</strong> mudar-se a velha planta arraigada<br />

afun<strong>do</strong> nestes rincões sertanejos e eis porque, não obstante a<br />

experiência feita, volveu, natturalmente sau<strong>do</strong>so, á capital<br />

mattogrossense.<br />

De sua viagem, dá testemunho ainda este tópico <strong>do</strong><br />

relatório <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte Gomes Jardim, em 1846, referente a<br />

"Obras Pias e Carida<strong>de</strong> Publica":<br />

"Os Hospitaes <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> teem esta<strong>do</strong> priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Capellão,<br />

que antigamente sempre ali houve, para administrar promptamente o<br />

Sacramento da Penitencia aos enfermos, e assistil-os na agonia com<br />

to<strong>do</strong>s os soccorros espirituaes, ten<strong>do</strong> o Governo <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> prover<br />

este lu-<br />

51) Livro cit. pag. 245<br />

74


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

gar, porque, julgan<strong>do</strong> que a sua eleição <strong>de</strong>ve recahir, no Revmo. Fr.<br />

<strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, ex-Director Espiritual <strong>do</strong>s mesmos<br />

Hospitaes, que acha-se novamente nesta Cida<strong>de</strong>, (o gripho é nosso) e<br />

não duvidaria continuar a servir, não po<strong>de</strong> admittil-o com aquelle<br />

mesmo titulo em vista <strong>do</strong> art. 10 da Lei Provincial N. 2 <strong>de</strong> 1845, ao<br />

passo que elle enten<strong>de</strong> não convir-lhe a simples nomeação <strong>de</strong><br />

Capellão, ten<strong>do</strong> já exerci<strong>do</strong> na Província os mais altos cargos da<br />

Igreja." (52)<br />

Não voltou, pois, Frei <strong>José</strong> a exercer as funcções em que<br />

magnífico e nobilitante ensejo tivera <strong>de</strong> praticar a carida<strong>de</strong><br />

christan, <strong>de</strong> que extremadas provas <strong>de</strong>u no curso da sua vida.<br />

Do facto <strong>de</strong> recusar a simples nomeação <strong>de</strong> Capellão<br />

por<strong>de</strong>r-se-lhe-ia increpar algum assomo <strong>de</strong> orgulho, ou, pelo<br />

menos, vaida<strong>de</strong> con<strong>de</strong>mnavel, si outros e muitos testemunhos<br />

não houvesse, na sua biographia, da gran<strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> que<br />

caracterizava o santo religioso.<br />

Circunstancias da época, preconceitos, talvez, que obram<br />

muitas vezes por nós, sobrepon<strong>do</strong>-se-nos á própria faculda<strong>de</strong><br />

volutiva, quiçá <strong>de</strong>licada evasiva com que tentou encobrir outro<br />

moveis <strong>de</strong>ssa renuncia — muito ha com que explicar se possa a<br />

recusa <strong>do</strong> Missionário, aliás já no fim da existência.<br />

Orgulho, fatuida<strong>de</strong>, preoccupaçao <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za balofa,<br />

isso é que nunca. A sua attitu<strong>de</strong> anterior, os seus prece<strong>de</strong>ntes,<br />

toda a sua historia protestam, insurgem-se vehementemente,<br />

contra essa supposição vexatória.<br />

(52) Discurso recita<strong>do</strong> pelo Exmo. Presi<strong>de</strong>nte da Província <strong>de</strong> Matto Grosso<br />

Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim na abertura da sessão ordinária da Assembléa<br />

Legislativa Provincial em 10 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1846, pag. 20.<br />

75<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

XIV<br />

A morte <strong>do</strong> justo<br />

“O tempo <strong>de</strong> prova e tribulação não está longe: felizes os que<br />

perseverarem. Eu volto a Deus e vos encommen<strong>do</strong> á sua graça.”<br />

(Ultimas palavras <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis)<br />

Não <strong>de</strong>veria ultimar o anno <strong>de</strong> 1846 o nosso veneran<strong>do</strong><br />

thaumaturgo. Posto não haja consegui<strong>do</strong> precisar-lhe o dia e o<br />

mês <strong>do</strong> transpasse, o anno, esse consta <strong>de</strong> clara referenda feita<br />

por pessoa que por aqui andara contemporaneamente ao facto<br />

— o <strong>de</strong>pois Marechal Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beaurepaire Rohan, nos<br />

seus curiosos Annaes <strong>de</strong> Matto Grosso edita<strong>do</strong>s por Affonso<br />

Taunay, em 1913, na Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico e<br />

Geographico <strong>de</strong> S. Paulo.<br />

Beaurepaire Rohan esteve em Matto Grosso, em<br />

commissão, como engenheiro militar cerca <strong>de</strong> um triennio, <strong>de</strong><br />

1843 a 1846, escreven<strong>do</strong> em Cuyabá uma Chorographia <strong>de</strong><br />

Matto Grosso e toman<strong>do</strong> notas para os projecta<strong>do</strong>s Annaes.<br />

Referin<strong>do</strong>-se neste ultimo trabalho a Frei <strong>José</strong>, assim se<br />

exprime o erudito pesquiza<strong>do</strong>r:<br />

"Morreu no anno <strong>de</strong> 1846 e foi sepulta<strong>do</strong> na igreja matriz <strong>do</strong><br />

Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Cuyabá. Ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitti<strong>do</strong> continuou<br />

Frei <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata a gozar <strong>de</strong> todas as honras <strong>de</strong> bispo in<br />

partibus, bem que nunca lhe tivessem expedi<strong>do</strong> as respectivas bullas,<br />

por intrigas (dizia) <strong>de</strong> Monsenhor Vidigal". (53)<br />

(53) Rev. <strong>do</strong> Inst. H. G. <strong>de</strong> S. Paulo, XV, 116.<br />

76


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

Essa assertiva leva a crer que Rohan houvesse conheci<strong>do</strong><br />

e conversa<strong>do</strong> o insigne Missionário, cuja morte provavelmente<br />

occorrera na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1846.<br />

Duas versões distinctas e oppostas encontrei no tocante<br />

ao local <strong>de</strong> seu fallecimento, que uma quer que fosse o velho<br />

sobradinho da Misericórdia, que existia ao Norte <strong>do</strong> Hospital,<br />

no combro on<strong>de</strong> hoje se ergue o pavilhão da Directoria e outra,<br />

o sobra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Bispo D. <strong>José</strong>, na rua Antonio Maria, hoje sé<strong>de</strong> da<br />

Telephonica.<br />

Parece esta a mais verossímil versão, atten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se ao<br />

facto <strong>de</strong> não haver Fr. <strong>José</strong> volta<strong>do</strong> a occupar o cargo <strong>de</strong><br />

Director Espiritual <strong>do</strong>s Hospitaes, que lhe implicaria o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

residência junto á Santa Casa e, por outro la<strong>do</strong>, á provável<br />

hypothese <strong>de</strong> o ter trazi<strong>do</strong> para junto <strong>de</strong> si o Bispo Diocesano<br />

D. <strong>José</strong> Antonio <strong>do</strong>s Reis, afim <strong>de</strong> o assistir e confortar na<br />

<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira enfermida<strong>de</strong>. (54)<br />

Permanece também na obscurida<strong>de</strong> a eda<strong>de</strong> com que<br />

falleceu Fr. <strong>José</strong>.<br />

Presumidamente teria elle quan<strong>do</strong> veio para a Missão <strong>de</strong><br />

Matto Grosso quarenta annos, ao menos.<br />

Isso porque ten<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> 27 annos entre nós, — tanto<br />

quanto me<strong>de</strong>ia entre 1819 e 1846 — e attingi<strong>do</strong> eda<strong>de</strong><br />

avançada, como elle próprio o affirma em mais <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cu-<br />

(54) Acerca da residência <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> po<strong>de</strong>-se affirmar ter si<strong>do</strong> no<br />

Porto Geral, junto a S. Gonçalo, nos primeiros tempos, como se verifica das<br />

suas pastoraes que no final allu<strong>de</strong>m á moradia no Porto Geral e também no<br />

seguinte passo <strong>de</strong> Luis d’Alincourt, no seu "Resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalhos e<br />

indagações estatísticas" (Annaes da Bibliot . Nac III, 41): " e assima <strong>do</strong><br />

Porto Geral a <strong>de</strong> S. Gonçallo (egreja) <strong>do</strong> Amarante, ultimamente reedificada<br />

pelos <strong>de</strong>svelos <strong>do</strong> Prela<strong>do</strong> D. Fr. <strong>José</strong> Maria <strong>de</strong> Macerata, que vai tornan<strong>do</strong><br />

muito aprazível aquelle lugar, e junto <strong>de</strong>lla mora em huma medíocre casa".<br />

Em 1828, porém, quan<strong>do</strong> an<strong>do</strong>u por aqui a Commissão Langs<strong>do</strong>rff,<br />

já o Prela<strong>do</strong> se passara para a Misericórdia, como se evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>sta<br />

referencia <strong>de</strong> Hercules Florence, no Esboço da viagem, (Rev. <strong>do</strong> Inst. Hist. e<br />

Geogr. XXXVIII, I, 443) "outra capella fica no Hospital da Misericórdia,<br />

edifício não concluí<strong>do</strong> e on<strong>de</strong> mora o bispo"<br />

Na sua carta official <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1824 ao Impera<strong>do</strong>r diz Fr.<br />

<strong>José</strong> ter fixa<strong>do</strong> a sua residência no Edifício da Misericórdia.<br />

77<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

mento e a tradição oral o corrobora, claro que já <strong>de</strong>veria ter<br />

vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu paiz em plena maturida<strong>de</strong>.<br />

Tu<strong>do</strong> o que se refere, entretanto, á vida <strong>do</strong> virtuoso<br />

capuchinho antes da sua chegada a Cuyabá se envolve em<br />

<strong>de</strong>nso véu <strong>de</strong> impenetrável mysterio.<br />

O próprio local <strong>do</strong> seu nascimento é <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. Julgo,<br />

todavia, ter si<strong>do</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Macerata, <strong>de</strong> que tirou o nome e<br />

isso pela circumstancia <strong>de</strong> pertencer essa cida<strong>de</strong> aos Esta<strong>do</strong>s<br />

Romanos ou Pontifícios, <strong>do</strong>n<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> o testemunho <strong>de</strong><br />

Candi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s, era originário Fr. <strong>José</strong> (55)<br />

Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sappareceu Fr. <strong>José</strong> governava a Província o<br />

Presi<strong>de</strong>nte Ricar<strong>do</strong> <strong>José</strong> Gomes Jardim, 8º Governa<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

Matto Grosso no regime imperial, que esteve em exercício <strong>de</strong><br />

27 Setembro <strong>de</strong> 1844 a 5 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1847.<br />

Não encontrei, entretanto, em <strong>do</strong>cumento algum, <strong>de</strong><br />

cunho official, a mais mínima referencia á morte <strong>do</strong><br />

insignissimo sacer<strong>do</strong>te missionário que consagrou a vida ao<br />

bem espiritual e material <strong>de</strong>sta terra, para on<strong>de</strong> veio ainda na<br />

phase colonial, assistin<strong>do</strong>-lhe a maiorida<strong>de</strong> politica,<br />

acompanhan<strong>do</strong>, dia a dia, nas duas fortunas, a sua vida agitada,<br />

em um <strong>do</strong>s passos mais tormentosos <strong>do</strong> seu evolver.<br />

O seu nome, que a gratidão popular em apotheose<br />

consecratoria, traz, até hoje, envolto em uma lauréola <strong>de</strong><br />

carinho, não mereceu ao menos a trivial homenagem <strong>de</strong> uma<br />

placa <strong>de</strong> rua, que se baratêa para preito aos políticos <strong>de</strong><br />

occasional prestigio, sen<strong>do</strong> que já algum tempo teve a<br />

<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Fr. <strong>José</strong> a rua da Bôa Morte, que, <strong>de</strong>pois, foi,<br />

successivamente, Antonio Paes (até 1906) e Candi<strong>do</strong> Mariano.<br />

Assim transcorreu-lhe a vida <strong>de</strong> multifários trabalhos, que<br />

não tiveram compensação outra que não<br />

(55) D'Eccl. II, 55.<br />

78


O THAUMATURGO DO SERTÃO<br />

fosse o prazer que as consciências illibadas encontram na<br />

simples pratica da carida<strong>de</strong>.<br />

Benesses e honrarias não nas teve esse que mais que<br />

qualquer as merecia e que já em vida tinha ganha<strong>do</strong> fama que a<br />

outros raramente vem após o fallecimento.<br />

O seu nome intemerato ficou, entre o clero <strong>do</strong> seu tempo,<br />

como insupera<strong>do</strong> paradigma, fora <strong>de</strong> tiro <strong>de</strong> qualquer<br />

increpação ou suspeita <strong>de</strong> malédicos. Nelle encontra o indigente<br />

carinhoso amparo, o ignorante fanal <strong>de</strong> instrução, o persegui<strong>do</strong><br />

tutissimo refugio, o enfermo conforta<strong>do</strong>ra assistência, o<br />

affligi<strong>do</strong> esmola e conselho, o perverso paterna acolhida que<br />

lhe confundia os maus <strong>de</strong>sígnios, o bom novos incentivos <strong>de</strong><br />

aperfeiçoamento.<br />

A sua saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> começo se resentira <strong>do</strong>s incommo<strong>do</strong>s<br />

próprios <strong>do</strong> clima a que se não afizera <strong>de</strong> to<strong>do</strong>. A 26 <strong>de</strong> Julho<br />

<strong>de</strong> 1825 escrevia ao Secretario da Justiça Clemente Ferreira<br />

França:<br />

"A triste situação <strong>de</strong> moléstia em que <strong>de</strong> presente Nos<br />

achamos, <strong>de</strong> humas fortes sezoens tomadas no Rio Cuyabá abaixo<br />

on<strong>de</strong> estivemos por occazião <strong>de</strong> trabalhos <strong>do</strong> nosso Pastoral officio<br />

não nos permitte a consolação <strong>de</strong> ora participar a Vossa Excellencia o<br />

quanto temos obra<strong>do</strong> e promovi<strong>do</strong> em beneficio Geral <strong>do</strong> Nosso<br />

Rebanho".<br />

Em carta <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Outubro <strong>do</strong> mesmo anno, ao referi<strong>do</strong><br />

Secretario, <strong>de</strong>clarava-se restabeleci<strong>do</strong> das febres que o haviam<br />

saltea<strong>do</strong>. E a 22 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1826, em officio ao mesmo,<br />

assim se exprimia acerca <strong>do</strong> ônus da Prelazia:<br />

"Ha três annos que vivo sacrifica<strong>do</strong> a este pesa<strong>do</strong> Cargo,<br />

<strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> meios, trabalhan<strong>do</strong> <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong> noite, sem poupar-me a<br />

nada, alvo sempre da impieda<strong>de</strong> por zelar o comprimento das minhas<br />

obrigações". (56)<br />

(56) A 5 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1827, em officio á Secretaria da Justiça, reclamava<br />

contra o atrazo <strong>de</strong> sua côngrua, alem da lesão que vinha soffren<strong>do</strong> na<br />

mesma, pratican<strong>do</strong>-se com elle diversamente <strong>do</strong> que se fizera com os seus<br />

antecessores "sem se atten<strong>de</strong>r nem a pequenes da côngrua, nem as Nossas<br />

necessida<strong>de</strong>s", juntan<strong>do</strong>, para prova <strong>de</strong> suas asserções, três <strong>do</strong>cumentos.<br />

79<br />

JOSÉ DE MESQUITA<br />

Tu<strong>do</strong> arrostou como filho <strong>de</strong> Christo e <strong>do</strong> seu mais fiel<br />

imita<strong>do</strong>r, o Santo <strong>de</strong> Assis: — a hostilida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sprezo, as<br />

intempéries e a mendinguez, o ódio e a chacota, a injustiça e a<br />

ingratidão, sempre com o mesmo sorriso nos lábios e a mesma<br />

inapagável sê<strong>de</strong> <strong>de</strong> amor no coração.<br />

E quan<strong>do</strong> Deus o chamou, a receber o premio <strong>do</strong>s seus<br />

porfia<strong>do</strong>s labores <strong>de</strong> apostolo, foi ainda entre agonias e<br />

rudissimas provações que aquella alma sublime se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u<br />

da misera argilla terrena.<br />

Reza a tradição oral que Fr, <strong>José</strong> morreu <strong>de</strong> cálculos<br />

renaes, pa<strong>de</strong>cen<strong>do</strong>, nos últimos tempos, <strong>do</strong>res atrocíssimas, que<br />

tu<strong>do</strong> supportara com <strong>de</strong>noda<strong>do</strong> heroísmo e christan resignação<br />

(57).<br />

É que em seu espírito vivia, superior ás caducas e frágeis<br />

cogitações mundanas, essa força perenne da Fé e da Carida<strong>de</strong>,<br />

que <strong>de</strong>sanimaliza o homem, <strong>de</strong>spin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os vis<br />

interesses, para o fazer amar na Dôr, na Doença, na Miséria, —<br />

alheia ou própria — Aquelle que con<strong>de</strong>nsou, em synthese<br />

luminosa, a Moral <strong>do</strong> seu Evangelho nestas palavras que<br />

<strong>de</strong>sse<strong>de</strong>ntam todas as angustias e confortam to<strong>do</strong>s os<br />

infortúnios: — Quandiu fecistis uni ex his fratribus méis<br />

minimus, mihi fecistis.<br />

(Matheus. XXV, 40)<br />

(1 <strong>de</strong> Maio a 2 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1928)<br />

(57) No necrológio <strong>do</strong> Capuchinhos da Provincia Picena se encontra<br />

annota<strong>do</strong> a 23 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 18? o seguinte: "America <strong>de</strong>l Sud. Fte.<br />

Giuseppe Maria di Macerata, sacer<strong>do</strong>te di provato zelo e pru<strong>de</strong>nza, e<br />

vescovo <strong>de</strong>signato <strong>de</strong>l Goyaz. (sic) Un'immatura morte privó lui <strong>de</strong>lla vita e<br />

la provincia d'una gloria!"<br />

80

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!