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Por que algumas pessoas se recusam a experimentar alimentos saudáveis

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Imagem: Getty Images

Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

27/01/2022 04h00

Não é difícil encontrar quem se recuse a experimentar novos alimentos, sobretudo aqueles mais saudáveis, como os legumes, que podem não ser, à primeira vista, tão atrativos. Mas há algumas razões que explicam essa dificuldade.

Uma delas são os aspectos individuais como gênero, idade e genética. Outra está relacionada ao ambiente, como a região onde a pessoa mora e a sua cultura local. As características do alimento como aroma, cor, textura e sabor também são determinantes para a decisão final: a escolha de comer ou não.

Ana Luísa Kremer Faller, nutricionista especialista em comportamento alimentar e estilo de vida e professora do Departamento de Nutrição da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que as escolhas alimentares envolvem, além da rotina e da própria cultura, a memória afetiva. Quando não aceitamos experimentar, mas há uma lembrança de que já comemos aquele alimento, melhora o processo de aceitação.

Portanto, a alimentação é intimamente ligada à emoção, às experiências e também aos relacionamentos. Não tem a ver só com o alimento em si, mas com aquilo que ele representa. "Às vezes você senta com um grupo de pessoas que costuma comer coisas diferentes e você tem vontade de experimentar", exemplifica a psicóloga e coordenadora do Programa de Transtorno Alimentar na Holiste Psiquiatria (BA), Bárbara Santos.

Alimentação saudável não precisa ser sem graça

Bebês costumam resistir a certos alimentos - iStock - iStock
Bebês costumam resistir a certos alimentos
Imagem: iStock

Normalmente, crianças na primeira infância têm resistência para consumir alimentos com gosto muito intenso ou amargo. Essa percepção, porém, vai amadurecendo, aos poucos, desde que os pais ou cuidadores não desistam de oferecê-los.

O mesmo acontece com os adultos. Inicialmente, quando se experimenta determinado alimento que, até então, não entrava no cardápio, seja pela sua aparência, textura ou aroma, perde-se a oportunidade de ampliar o paladar.

Os alimentos chamados mais saudáveis, isto é, os in natura e minimamente processados, não perdem a essência, mas podem ter seu sabor e, principalmente, a textura alterada, de acordo com a forma de preparo: cru, cozido, assado ou grelhado.

Entretanto, apesar dessa variedade, ainda é difícil conciliar prazer com comida saudável. "Nós fomos ensinados que o comer bem é viver de salada e sempre aquele prato sem graça. Ou então que para perder peso tem que restringir tudo, sofrer e passar fome. E isso foi uma construção social feita em cima de um "falso comer bem", alerta Faller. "É como se fosse uma dualidade: ou você se alimenta bem e é saudável, ou tem prazer ao comer".

Segundo a nutricionista da UFRJ, essa ideia ainda é reproduzida, inclusive, pelos próprios nutricionistas. "Eles também foram impactados ao longo da formação, em casa e com a família. E, sem querer, nós podemos até reproduzir um pouco disso", diz.

Nesse contexto, Thais Silva de Paula Ribeiro, nutricionista do Instituto Ruy Palhano (MA), especialista em comportamento alimentar, acrescenta que o principal problema é o excesso de informações equivocadas às quais as pessoas têm acesso. "Às vezes, até alimentos que são favoráveis para a nossa saúde sofrem com o terrorismo nutricional, que prega que não pode consumir, por exemplo, sucos naturais, determinadas frutas, batata. Esse terrorismo desenvolve o preconceito e a resistência para que alguns alimentos sejam aceitos também", alerta.

Experimente mais de uma vez

Criar um hábito é importante para conhecer novos alimentos, e não vale comer apenas uma vez: é preciso que haja um esforço para que o paladar se acostume com o diferente/novo.

"É importante que, de tempos em tempos, nós tenhamos a preocupação de re-experimentar certos alimentos, mudando a preparação e investindo em contextos diferentes em relação à primeira tentativa, quando pode ter ocorrido eventuais experiências negativas", destaca o nutricionista Rafael Moreira Claro.

Em outras palavras: se você comeu um legume ralado em uma salada e não gostou, tente fazer cozido, acrescentar no preparo de uma proteína ou até mesmo no feijão. O quiabo, por exemplo, pode ser cozido junto com o frango; a abóbora vai muito bem com o cozimento do feijão. São ideias simples que mudam a percepção dos alimentos considerados menos atrativos.

A repórter que escreve esse texto até um mês atrás não comia couve-flor apenas cozida. Tinha que cozinhar, empanar e fritar. Porém, aceitou experimentar uma receita diferente, com pequenos cubos de cenoura, tomate e cebola. Pronto. Agora, a couve-flor cozida e preparada como salada já é um dos seus legumes preferidos.

De acordo com Claro, que também é professor do Departamento de Nutrição da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a prática de dar uma segunda chance aos alimentos costuma ser muito funcional para os alimentos in natura e minimamente processados. "É comum as pessoas estarem há muitos anos sem comer determinado alimento, mas, apenas ao prepará-lo de forma diferente, eles voltam a ser inseridos em seu dia a dia sem nenhum problema", diz.

Um grupo de alimento que costuma causar bastante aversão são as vísceras. Isso porque esses cortes têm um sabor muito diferente em relação aos que a maioria da população está habituada. Mas, de novo: por que não investir em novos sabores?

Isso não significa, claro, que todas as opções devem ser aceitas, mas é importante não desistir na primeira tentativa. Outro ponto importante: vá aos poucos. Quando não estamos acostumados com algum alimento, é normal que o paladar estranhe o novo. Uma boa estratégia para começar a diversificar é apostar em pequenas porções. Se você não conhece, não encha o prato.

Mito: alimentos saudáveis deixam a pessoa com fome

Culturalmente, uma alimentação mais leve, que envolve frutas para os lanches intermediários, diminuir os carboidratos e aumentar o consumo de salada e legumes traz a ideia —errônea— de que eles não dão saciedade.

"Algumas culturas têm o hábito de consumir alimentos em períodos mais prolongados e desenvolvem uma percepção de saciedade que é diferente de muitos países ocidentais, onde o mais importante é a sensação de plenitude do estômago", explica o professor da UFMG. "O que, na prática, indica que você já comeu mais do que deveria comer", diz.

A fome volta rápido apenas quando não são ingeridas as fontes necessárias para manter a energia do corpo até a próxima refeição. Os carboidratos, por exemplo, costumam ser excluídos de muitas refeições (às vezes, até de todas), mas segundo os especialistas ouvidos por VivaBem, essa não é a melhor opção para quem deseja manter uma alimentação equilibrada e saudável.

Uma boa pedida é montar um prato completo com arroz, feijão, uma proteína, legume e salada. O mesmo vale para o café da manhã e para lanches da tarde.

"Se você come um pão com manteiga, ovos mexidos, uma fruta e um café com leite no café da manhã, você não deveria ficar com fome logo em seguida. Essa necessidade constante de ficar comendo é sinal que há um aporte mal feito e que o dimensionamento das refeições principais está muito baixo", conclui Claro.