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Crítica | O Conde (2023)

Pior que vampiro, só fascista.

por Fernando Campos
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Pablo Larraín se notorizou pela produção de cinebiografias fora do comum após Jackie e Spencer. No filme sobre a princesa Diana, por exemplo, o cineasta nos apresentou uma espécie de terror fantasioso sobre uma protagonista que precisava lidar com os fantasmas da família real inglesa. Uma vez que o longa foi amplamente elogiado e premiado, faz sentido que o cineasta mantenha o padrão em El Conde, sendo uma espécie de linha de autor talvez. Dessa vez com uma produção chilena sobre o ex-ditador Augusto Pinochet.

Se Spencer era sobre uma princesa aprisionada, em El Conde o monstro é o próprio Augusto Pinochet. No filme, o ex-ditador sanguinário é um vampiro que nunca morreu e já vive há 250 anos. Porém, pelo país ter virado as costas para ele, a criatura entra e melancolia e começa a preparar a própria morte. No entanto, as pessoas que o rodeiam ainda esperam um último favorecimento e o surgimento de uma mulher o faz repensar se é a hora de partir.

Ao contrário do longa anterior de Larraín, El Conde abraça menos a fantasia representativa sobre os sentimentos da protagonista e abraça mais uma alegoria que expresse suas ideias políticas. Aliás, a obra é menos sobre Pinochet em si e mais sobre o fascismo representado por ele, explorando o lado perverso dessa ideologia criminosa.

Certamente, pior do que ser um vampiro, é ser um fascista, visto que essas criaturas da política contemporânea não matam por necessidade como os vampiros. Pelo contrário, como diz Pyoter em determinada cena, eles aprendem o prazer em matar. Se satisfazem saqueando a população e o país por vaidade. Se o vampiro busca suas vítimas pela noite para permanecer vivo, o fascista destrói nações por pura ganância.

Inclusive, ao vermos as nuances da personalidade de Pinochet que o roteiro apresenta, testemunhamos como não há nacionalismo algum no pensamento fascista. Trata-se apenas de pessoas doentiamente narcisistas buscando sanar seus desejos obscuros e manias de grandeza. Augusto sempre se sentiu parte de uma nobreza imaginária, sentimento transmitido também para sua família, fazendo de um país inteiro material de seu fetiche narcisista.

Inclusive, todo esse cenário destruidor causado pelo fascismo é eficientemente exemplificado pela direção de arte e fotografia. Os cenários são sujos, antigos, mal cuidados e deteriorados, mostrando como os que vivem lá sequer se preocupam em manter o local; enquanto a paleta de cores é um acinzentado sem contraste e baixo uso de brancos, criando uma atmosfera pálida, antiquada e infrutífera. Aliado a isso, está a trilha sonora com enorme uso de violinos e sopranos, transmitindo uma aura mórbida. Ademais, na parte técnica destaca-se principalmente os figurinos, que ressaltam como por trás de figuras tão narcisistas há uma falta de senso estético gritante, com roupa exageradas ou simplesmente bregas demais. Ou seja, o fascista não tem noção da própria limitação e ridicularidade.

Vale ressaltar, no entanto, que El Conde não é perfeito na construção de sua narrativa, ainda que passe por temas importantes de forma criativa. A alegoria funciona, mas a construção dramática não devido a uma exposição narrativa exagerada em alguns momentos, algo que a edição não consegue resolver estendendo demais alguns diálogos. Ao contrário de Spencer, que era lúdico ao mesmo tempo que dramático, El Conde não consegue criar um envolvimento dramático com a trama de forma cativante. O filme se preocupa tanto em ressaltar o quanto aqueles personagens são detestáveis, que esquece de criar engajamento com o público. Mesmo filmes sobre pessoas cruéis podem ser engajantes, como acontece em A Queda. Onde não é possível ver empatia e admiração, precisa pelo menos de curiosidade ou tensão.

Ao menos, o segundo ato gelado é suplantado por um desfecho deliciosamente fora da caixa, com uma reviravolta que nem mesmo o espectador mais criativo verá chegando. Com isso, o debate sobre o fascismo chileno é ampliado para o cenário internacional. Vemos que os vampiros e os facistas estão por aí se renovando. Às vezes, permanecem em suas tocas sujas e úmidas. Às vezes, saem para caçar corações e pescoços de jovens. São seres sem alma e sem escrúpulos, aguardando a hora para reaparecer. Cabe a sociedade parar de deixá-los em paz em suas cavernas e começar a inverter a lógica da caçada.

O Conde (El Conde) — Chile, 2023
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Guillermo Calderón, Pablo Larraín
Elenco: Marcelo Alonso, Alfredo Castro, Daniel Contesse, Josefina Dagorret, Stella Gonet, Catalina Guerra, Alessandra Guerzoni, Mateo Iribarren, Paula Luchsinger, Jaime McManus, Eyal Meyer, Diego Muñoz, Gloria Münchmeyer, Amparo Noguera, Norma Norma Ortiz, Aldo Parodi, Patricia Rivadeneira, Clemente Rodríguez, Marcial Tagle, Jaime Vadell, Rosario Zamora, Antonia Zegers
Duração: 110 min.

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