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deificação do homem

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Prévia do material em texto

Rosana Araujo Viveiros 
 
 
 
 
 
 
 
A DEIFICAÇÃO DO SER HUMANO À LUZ DO 
PENSAMENTO DE PAUL EVDOKIMOV: 
APORTE PARA UMA ANTROPOLOGIA CRISTÃ 
 
Dissertação de Mestrado em Teologia 
 
Orientador: Prof. Dr. Geraldo Luiz De Mori 
 
 
 
 
 
Apoio CAPES 
 
BELO HORIZONTE 
FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia 
2013
Rosana Araujo Viveiros 
 
 
 
 
 
 
A DEIFICAÇÃO DO SER HUMANO À LUZ DO 
PENSAMENTO DE PAUL EVDOKIMOV: 
APORTE PARA UMA ANTROPOLOGIA CRISTÃ 
 
 
Dissertação apresentada ao Departamento de 
Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e 
Teologia, como requisição parcial à obtenção do 
título de Mestre em Teologia. 
 
Área de concentração: Teologia sistemática 
Orientador: Prof. Dr. Geraldo Luiz De Mori 
 
 
 
 
Apoio CAPES 
 
BELO HORIZONTE 
FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia 
 2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
Elaborada pela Biblioteca da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia 
 
 
V857d 
 
 
 
Viveiros, Rosana Araujo 
 A deificação do ser humano à luz do pensamento de Paul 
Evdokimov: aporte para uma antropologia cristã / Rosana 
Araujo Viveiros. - Belo Horizonte, 2013. 
 149 f. 
 
 Orientador: Prof. Dr. Geraldo Luiz de Mori 
 Dissertação (Mestrado) – Faculdade Jesuíta de Filosofia e 
Teologia, Departamento de Teologia. 
 
 1. Ser humano (Teologia). 2. Humanização. 3. Trindade. 4. 
Theōsis. 4. Evdokimov, Paul. I. De Mori, Geraldo Luiz. II. 
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Departamento de 
Teologia. III. Título 
 
CDU 233 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos que creem em Jesus Cristo, sobretudo os pobres, 
que se deixam guiar pelo Espírito para viver e acolher 
o amor do Pai. E, aos que ainda não creem em Jesus Cristo, 
mas que também são destinatários da filantropia divina, 
a fim de que acolham a moção do Espírito em suas vidas.
 
 Ao Deus uno e trino que nos cria, recria e deifica. 
 
 Aos meus pais: Antônio e Luíza pelo testemunho de amor e de fé. Aos meus 
irmãos, cunhados e sobrinhos pelo exemplo de fraternidade e determinação. 
 
 À madre Neuza Cota da Silva, Superiora Geral da Congregação das Irmãs 
Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade e a todas as Irmãs pela confiança, apoio e incentivo 
para que este trabalho pudesse ser realizado e, sobretudo, pelo exemplo de cada irmã no viver 
o auxílio e a piedade a serviço dos mortos-vivos, os crucificados de nossa história, à espera da 
ressurreição. 
 
 A meu orientador, o professor Dr. Geraldo Luiz De Mori, pelo incentivo e 
confiança. 
 
 Aos professores que muito me ajudaram na busca do material bibliográfico: Dr. 
Nédio Pertille, o padre ortodoxo Alexis Peña-Alfaro e o Dr. Manuel Hurtado. Esta 
colaboração foi imprescindível para o bom andamento da pesquisa. 
 
 Ao professor Paulo!Augusto da Silva pelas aulas de francês e apoio incondicional 
durante a realização da pesquisa. Foi de fato uma experiência do “sacramento do irmão”. Ao 
professor Délio Raslan pela colaboração generosa. E, ao professor Luís Henrique Eloy e Silva 
pelos diálogos elucidativos. 
 
 A todos os professores, funcionários e colegas da FAJE pela boa convivência e 
partilha de conhecimentos. De modo especial, os funcionários da biblioteca e as bibliotecárias 
Zita Mendes Rocha e Vanda Lúcia Abreu Bettio. 
 
 Às pessoas que partilham comigo sua relação com Deus. 
 
 A todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram com a realização 
desse trabalho. 
 
 À CAPES pelo financiamento de meus estudos. 
 
 
No princípio era o Verbo 
e o Verbo estava com Deus 
e o Verbo era Deus. [...] 
E o Verbo se fez carne 
e habitou entre nós (Jo 1,1.14a). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“A humanização de Deus e a deificação do ser humano 
são eventos correlativos. [...] Decifra-se a verdade do 
ser humano, falando não apenas de Deus ou 
apenas do homem, mas do Deus-Homem”. 
(Paul Evdokimov, Le Christ dans la pensée russe).
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
Este trabalho tem como escopo explicitar a doutrina da theōsis como aporte para a 
humanização do ser humano. No intuito de perscrutar tal temática, escolhemos a tradição 
oriental, em sua versão russa, o teólogo e filósofo, Paul Evdokimov, um dos maiores 
representantes da ortodoxia no século XX. A theōsis está presente na Sagrada Escritura sob a 
noção de santidade, adoção filial, imagem de Deus, participação na vida divina, imitação, 
seguimento e conformação com Jesus Cristo. Por seu desenvolvimento doutrinal está também 
presente na patrística, pelo fato de sua compreensão ser essencial à fé cristã. O ser humano, 
colocado por último na narrativa da criação, aparece como seu coroamento e com a vocação à 
comunhão da vida de Deus. Segue-se daí que a vocação do ser humano, encontrada no seu ser 
criado à imagem e semelhança de Deus, é o chamado à deificação. Nossa metodologia 
consiste numa pesquisa bibliográfica das principais obras de Paul Evdokimov, seguida por 
uma hermenêutica e uma organização sistemática a partir do objeto da pesquisa. Revisitando a 
teologia dos Padres, perpassando a teologia russa dos séculos XIX e XX, descobrimos que, 
para Evdokimov, o ser humano inicia seu processo de deificação por meio da incorporação ao 
Corpo de Cristo, pelos sacramentos da iniciação cristã. Uma vez que se toma consciência de 
que se tornou nova criatura, ele segue seu caminho de conformação a Cristo, que o faz viver 
como filho, no Filho, pelo Espírito, conforme desejo salvífico do Pai. Esta vida nova, na 
verdade, é seu processo de humanização, cujo ponto culminante é a theōsis, união íntima com 
a Trindade, por meio das energias divinas. 
 
Palavras-chave: Theōsis, Ser Humano, Humanização, Trindade, Paul Evdokimov.
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
 
The scope of this study is to clarify the doctrine of theōsis as a contribution to the 
humanization of the human being. In order to examine this theme, we chose the Eastern 
tradition, in its Russian version, the theologian and philosopher, Paul Evdokimov, one of the 
greatest representatives of orthodoxy in the twentieth century. The theōsis is present in Holy 
Scripture under the notion of holiness, filial adoption, image of God, participation in the 
divine life, imitation, following and configuration with Jesus Christ. Through its doctrinal 
development it is also present in the patristic tradition, because its understanding is essential 
to the Christian faith. The human being, placed last in the creation narrative, appears as its 
crowning achievement and with the vocation of communion in the life of God. It follows then 
that the vocation of the human being, found in his being created in the image and likeness of 
God, is the call to deification. Our methodology consists of a bibliographical research of the 
main works of Paul Evdokimov, followed by a hermeneutic and a systematic organization 
from the object of our investigation. Revisiting the theology of the Fathers, passing through 
the Russian theology of the 19th and 20th centuries, we find that, for Evdokimov, the human 
being begins its process of deification through the incorporation into the body of Christ, 
through the sacraments of Christian initiation. Once it becomes aware that it has turned into a 
new creature, it follows its path of configuration to Christ, which makes him live as a child, in 
the Son, through the Spirit, in accordance with the salvific desire of the Father. This new life, 
in truth, is his process of humanization, whose culminationis a theōsis, the intimate union 
with the Trinity, through divine power. 
 
Keywords: Theōsis, Human being, Humanization, Trinity, Paul Evdokimov.
 
!
 
ABREVIAÇÕES 
 
 
Ort L’Orthodoxie 
 
MSM A mulher e a salvação do mundo 
 
ESTO O Espírito Santo na tradição ortodoxa 
 
CPR Le Christ dans la pensée russe 
 
CDTO La connaissance de Dieu selon la tradition orientale. l'enseignement patristique 
liturgique et iconographique 
 
EVE Las edades de la vida espiritual: de los padres del desierto a nuestros dias 
 
SAD O silêncio amoroso de Deus 
 
 SA O sacramento do amor 
 
AI El arte del icono: teologia de la belleza 
 
NE La nouveauté de l’Esprit: études de spiritualité 
 
VS La vie spirituelle dans la ville 
 
VOTM Une vision orthodoxe de la théologie morale: Dieu dans vie des hommes 
ETBD Paul Evdokimov: testemunho da Beleza de Deus 
PG Patrologia Grega 
PL Patrologia Latina 
DCrT Dicionário crítico de teologia 
DPAC Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs 
SC Sources Chrétiennes 
DH Denzinger-Hünermann
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 
 
CAPÍTULO 1 
A DOUTRINA DA THEŌSIS: APORTE PARA UMA ANTROPOLOGIA CRISTÃ .... 17 
 
1 Fundamento e dimensões da teologia oriental ....................................................................... 20 
1.1 Dimensão apofática ............................................................................................................ 22 
1.2 Dimensão catafática ............................................................................................................ 24 
2 Theōsis : a doutrina da deificação nas tradições cristãs ......................................................... 25 
2.1 Percurso histórico da doutrina da theōsis ........................................................................... 26 
2.1.1 A theōsis do ser humano na Sagrada Escritura ................................................................ 26 
2.1.2 Raízes da theōsis na filosofia grega ................................................................................. 28 
2.1.3 As raízes teológicas da theōsis na patrística .................................................................... 29 
2.1.4 O influxo da doutrina da theōsis na teologia ortodoxa contemporânea .......................... 37 
3 A doutrina da theōsis no pensamento de Paul Evdokimov ................................................... 38 
3.1 A vida de Paul Evdokimov ................................................................................................. 38 
3.2 A obra de Paul Evdokimov ................................................................................................. 42 
3.3 A theōsis no pensamento de Paul Evdokimov .................................................................... 44 
4 À guisa de conclusão ............................................................................................................. 46 
4.1 Pertinência da doutrina da theōsis para os dias atuais ........................................................ 46 
 
CAPÍTULO 2 
JESUS CRISTO: LUGAR DA HUMANIZAÇÃO DE DEUS 
E DA DEIFICAÇÃO DO SER HUMANO ........................................................................... 49 
 
1 A perspectiva cristológica na patrística grega ....................................................................... 50 
1.1 Os quatro primeiros Concílios ecumênicos ........................................................................ 54 
1.1.1 Concílio de Niceia, 325: Jesus é o Filho de Deus e é Deus ............................................. 54 
1.1.2 Concílio de Constantinopla I, 381: a humanidade de Jesus ............................................ 55 
1.1.3 Concílio de Éfeso, 431: União hipostática ...................................................................... 56 
1.1.4 Concílio de Calcedônia, 451. Jesus Cristo: Uma Pessoa com duas naturezas ................ 58 
2 A perspectiva cristológica na teologia russa dos séculos XIX e XX ..................................... 59 
2.1 Influência da filosofia religiosa russa no pensamento de Paul Evdokimov ....................... 62 
2.2 A cristologia no pensamento russo ..................................................................................... 66 
3 A perspectiva cristológica em Paul Evdokimov .................................................................... 68 
3.1 O Verbo encarnado: lugar da comunhão do divino com o humano ................................... 69 
3.2 A doutrina do Deus-Homem: arquétipo da nova criatura ................................................... 71 
3.2.1 O mistério do ser pessoa .................................................................................................. 73 
3.3 A deificação do ser humano na perspectiva de Paul Evdokimov ....................................... 74 
 
!
10 
3.3.1 O ser humano criado deiforme: Imagem e Semelhança de Deus .................................... 76 
3.3.2 O mistério da liberdade humana ...................................................................................... 81 
4 À guisa de conclusão ............................................................................................................. 83 
 
CAPÍTULO 3 
A VIDA NOVA: PROCESSO DE DEIFICAÇÃO DO SER HUMANO, 
NO ESPÍRITO SANTO ......................................................................................................... 87 
 
1 A vida nova, nova criatura em Cristo, no Espírito Santo ...................................................... 87 
1.1 A vida eclesial: lugar da transformação do ser humano ..................................................... 88 
1.1.1 Dimensão trinitária .......................................................................................................... 89 
1.1.1.1 Dimensão cristológica .................................................................................................. 90 
1.1.1.2 Dimensão pneumatológica ........................................................................................... 91 
1.1.2 Dimensão mariológica ..................................................................................................... 93 
1.1.3 Dimensão cósmica ........................................................................................................... 94 
1.2 A vida da Igreja: presença de transfiguração no mundo .................................................... 95 
1.3 A liturgia e o dinamismo da vida cristã .............................................................................. 99 
2 A vida sacramental: nossa participação na vida do Cristo, no Espírito Santo ..................... 101 
2.1 Os sacramentos da iniciação cristã ................................................................................... 103 
2.1.1 O Batismo: vida nova, em Cristo, no Espírito Santo ..................................................... 103 
2.1.2 A Unção crismal: sacramento do sacerdócio universal ................................................. 106 
2.1.3 A Eucaristia: constituição do Corpo de Cristo .............................................................. 109 
2.2 Os sacramentos de cura: Penitência e Unção dos Enfermos ............................................ 111 
2.3 Matrimônio: o sacramento do amor .................................................................................. 113 
2.4 O sacramento da ordem .................................................................................................... 113 
3 A vida espiritual: comunhão com Cristo, no “sacramento do irmão” ................................. 114 
3.1 A vida mística: a união íntima com Deus ......................................................................... 117 
3.1.1 A oração e ascese ...........................................................................................................119 
3.1.2 O processo da kathársis ................................................................................................. 122 
3.1.3 A busca do único necessário .......................................................................................... 123 
3.2 O ser humano: um ser litúrgico desde a criação ............................................................... 126 
3.3 A vocação universal ao monacato interiorizado ............................................................... 127 
4 À guisa de conclusão ........................................................................................................... 129 
 
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 132 
 
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 137 
 
BIBLIOGRAFIA GERAL ................................................................................................... 144 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 O escopo desta pesquisa consiste em explicitar o processo da deificação do ser 
humano à luz do pensamento de Paul Evdokimov, processo que, na verdade, coincide com o 
de sua humanização. Não se trata de exaurir a temática sobre a theōsis, que tem uma 
fulgurante trajetória histórica. Nem tampouco se trata de fazer uma exposição completa da 
história do humanismo ou de explicitar suas concepções antropológicas. Trata-se de 
aproximarmo-nos do pensamento de um autor ortodoxo, Paul Evdokimov, no que concerne à 
temática da theōsis, pois ele nos oferece uma reflexão teológica enraizada na vida concreta. 
 Muito já se falou sobre o ser humano. Intriga-nos o fato de ele ser dotado de 
muitas possibilidades: criativas e destrutivas; sonhador da paz, mas também construtor da 
guerra. O desenvolvimento tecnológico e científico tem possibilitado grandes avanços na 
conquista de dias melhores. Porém, percebe-se que a pessoa, em meio a tanto 
desenvolvimento, sente-se vazia, embora locupletada de coisas. Outras buscam na técnica a 
solução para tudo, e enveredam-se no ceticismo. Cresce também, na relação interpessoal, a 
desconfiança de uns para com os outros. A experiência religiosa, muitas vezes da forma como 
é vivida, não mais interage com a vida do crente na sociedade, aparecendo antes como um a 
mais, e por vezes descartável, entre os itens de consumo. 
 É bem este nosso ponto de interrogação. Seria o homem um item a mais no 
contexto do cosmo ou é possível ainda considerá-lo como co-criador, guardião da criação (Gn 
2,15)? Em que sentido é possível viver o que em nós foi insuflado no ato da criação (Gn 2,7)? 
Como fazer teologia frente aos desafios nos quais estamos imergidos? Em que consiste o fato 
de termos sido criados à imagem e semelhança do Criador (Gn 1,26-27)? 
 A escolha de Paul Evdokimov para esta pesquisa deve-se ao fato de que, em sua 
obra, teologia e espiritualidade são inseparáveis. Seu pensamento é herdeiro da filosofia 
religiosa russa e da síntese neo-patrística, e aborda múltiplas áreas da teologia cristã, numa 
tentativa de diálogo com a sociedade moderna. Em sua reflexão, nem o cristomonismo nem o 
pneumatocentrismo predominam, mas há um equilíbrio teológico que apresenta a imersão das 
Três Pessoas Divinas na história da humanidade. Com este aporte, tentaremos ver que o 
 
!
12 
caminho para responder às questões que acabamos de colocar passa pela noção de deificação 
do ser humano que, como dissemos, coincide com sua humanização. Ou seja, a “marca 
original” do ser humano, seu fundo ontológico derradeiro, é ser imago Dei, que é condição de 
possibilidade da theōsis. Com isso, não se pretende esquivar do “drama da queda”, mas 
compreendê-lo como interrupção do que estava no projeto inicial da criação: a comunhão do 
ser humano com Deus, sua participação na vida divina (2Pd 1,4). 
 A perspectiva do pecado original, que marcou a tradição ocidental, deu origem a 
uma experiência jurídica da redenção, a uma teologia da culpa, do medo e da paralisia 
moralizante na experiência religiosa. É como se, “em lugar do Reino, que dirige a marcha da 
história, falássemos do paraíso perdido” (MSM, p. 65). Há outra perspectiva espiritual e 
teológica que aborda esta questão: a do Oriente cristão, na qual a criação e a encarnação estão 
implicadas uma na outra. Parte-se da experiência da união com Deus, plantada no coração 
humano pelo próprio Criador. Evdokimov mostra-nos que, nos escritos dos Padres, a 
destinação primeira é que conduz o ser humano a viver sua vocação, entrar no processo de sua 
deificação. Portanto, a regra áurea da patrística: “Deus torna-se homem para que o homem 
torne-se deus”, é determinante na antropologia de Evdokimov, que apresenta a deificação do 
ser humano como objetivo da economia salvífica. Para ele, a deificação consiste em adquirir, 
não a natureza divina, pois isto é impossível, mas a maneira divina de ser homem, isto é, de 
ser pessoa em comunhão com Deus o que, segundo os Padres, é a “participação na natureza 
divina” (2Pd 1,4). 
 O trabalho pretende contribuir com uma reflexão teológica mais aberta, sensível 
ao Mistério revelado e acolhido na vida dos cristãos, sem com isso deixar de ser interpelado 
pela racionalidade da tradição ocidental. Propõe-se a ser uma ponte, na qual o ser humano seja 
re-colocado no plano original de sua existência: criado à imagem de Deus, ele tende à 
semelhança divina, que é a deificação, conforme afirma nosso autor. 
 Ultimamente temos percebido a necessidade de uma orientação sobre a vida cristã 
que nos conduza a viver nosso batismo de forma livre, madura e adulta. Se por um lado 
vemos cristãos “perdidos”, sem saber em qual Igreja professar e viver sua fé, por outro lado, 
assistimos ao crescimento de movimentos que se deliram em longas celebrações, cheias de 
adereços e canções, mas desconectadas do mistério do Senhor e da vida do povo. Isso tem 
provocado a proliferação de movimentos, de ramificações de algumas Igrejas e seitas, 
provocando a inércia no viver a fé. Há também aqueles que simplesmente não creem mais. 
 
!
13 
 A necessidade de abertura ao diálogo, do conhecimento das fontes de nossa fé 
cristã e, sobretudo, de não fazer uma teologia especulativa, mas uma teologia que diz respeito 
a um conhecimento-vida reforçou a escolha do autor. Trata-se de conjugar simultaneamente 
teologia e espiritualidade, pois intriga-nos ver essa realidade única, dividida. 
 Paul Evdokimov é alguém que não aceita proselitismo, mas tenta viver sua fé de 
forma coerente, aberto aos outros que creem diferente, porém, sem abrir mão do cerne de sua 
fé. Ele consegue dialogar. O teólogo russo dá testemunho da presença transformadora do 
Espírito Santo no mundo e na vida das pessoas. À luz da transfiguração do Senhor, ele 
conclama à transfiguração humana e do cosmo. A transfiguração humana refere-se à 
deificação do ser humano e, a do cosmo, à sua transformação em Reino de Deus. Tudo é 
possibilitado pelas energias divinas e realizado com o concurso da liberdade humana. 
 Num dos discursos proferidos nas exéquias de Evdokimov, o professor Nikos 
Nissiotis, secretário geral do Conselho Ecumênico das Igrejas e diretor do Instituto 
Ecumênico de Bossey, ressaltou que nosso autor “foi um diácono carismático”, cuja vida “foi 
uma oferenda espiritual”. E ainda, ele ressalta que Evdokimov encarna o adágio patrístico que 
se refere ao ser do teólogo, afirmando que “ele rezava teologizando e teologizava rezando”1. 
Eis, portanto, a razão de nossa escolha deste autor. Alguém que uniu sua vida ao que 
pronunciava. 
 Diante da atual carência de uma mística que conjugue fé e vida, a reflexão 
evdokimoviana nos ofereceuma abordagem que merece ser considerada. Ela apresenta a 
complementaridade da missão do Filho e do Espírito, que nos permite um equilíbrio não só no 
âmbito eclesial, mas também em nossa relação pessoal com Deus e com os irmãos. Nesse 
sentido, a definição calcedoniana é sempre evocada ao longo da apresentação do pensamento 
de nosso autor. De fato, o relacionar-se dos homens com Deus, depende para ser e para se 
compreender, da realidade própria Daquele que a fé nos diz ser verdadeiro Deus e verdadeiro 
Homem, sem confusão, nem separação, sem mudança, nem divisão. 
 Utilizaremos como método a pesquisa bibliográfica das principais obras do autor 
escolhido. Além desta pesquisa faremos uma interpretação hermenêutica, numa organização 
sistemática a partir do objeto de nosso estudo. Ressaltamos que não se trata de uma pesquisa 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1 CLÉMENT, Olivier. Paul Evdokimov, témoin de la beauté de Dieu. Contacts, Paris, t. 23, n. 73-74, 
1971. p. 219. O número desta revista foi publicado em homenagem a nosso autor por ocasião 
de seu falecimento. 
 
!
14 
sobre a antropologia oriental, nem sobre a mística oriental, pois a theōsis, além de ser o 
coração da antropologia oriental é também o cerne de sua espiritualidade. Trata-se de uma 
aproximação e reflexão sobre a theōsis do ser humano à luz do pensamento de Paul 
Evdokimov, como aporte para o processo de humanização do ser humano. 
 Descobrimos que esta temática, a theōsis do ser humano, é verdadeiramente 
decisiva para este momento cultural (poderíamos dizer multicultural), caracterizado pela 
secularização. O escopo da reflexão ganhou então o estatuto e o ânimo de dar passos em 
direção ao estudo da theōsis como aporte para a uma antropologia cristã que permita ao 
cristão assumir sua fé de forma livre e adulta, para acolher e testemunhar a presença do Reino 
de Deus nesta sociedade em que vivemos. Nossa sociedade é profundamente marcada por 
grandes descobertas e avanços, mas igualmente carente do único necessário, muitas vezes 
ausente de suas reflexões e opções. 
 Visamos, pois, mergulhar não tanto num discurso especulativo, mas numa 
contemplação ativa do mistério divino e humano, sem confusão e sem separação. Há uma 
correlação entre a humanização de Deus e a deificação do ser humano. Segundo Evdokimov, 
“Deus encarna-se no homem e o homem espiritualiza-se em Deus. À encarnação, 
humanização de Deus, responde a pneumatização, a deificação do homem” (Ort, p. 251). O 
conhecimento da pessoa de Jesus Cristo é que nos permite entrar nesta dinâmica da 
encarnação. Pois Ele, pela ação do Espírito, revela-nos o rosto humano do Pai e, ao mesmo 
tempo, revela-nos o rosto humano do próprio ser humano. O processo de deificação supõe, 
pois, a incorporação à vida de Jesus Cristo. A vida eclesial torna-se então, o lugar da 
transformação humana que acolhe a vida nova, tornando-se nova criatura. É um cristianismo 
vivido à luz da ressurreição, inserido na história, mas sabedor de sua realidade para além da 
história, ou seja, do seu destino último. Assim pensado, o cristianismo requer a união da graça 
e da liberdade. Elas são as duas asas nas quais o ser humano alça voo rumo à theōsis. O ser 
humano não está pronto. Ele é tarefa. Evento. E aqui recordamos as palavras de Guimarães 
Rosa: “O Senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas 
não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. 
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, 
montão”2. O processo da deificação é justamente essa dinâmica da vida, ora caminhamos na 
graça, ora não damos conta de acolhê-la na liberdade, mas a oferta gratuita de Deus se 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 9. 
 
!
15 
mantém. A ação do Espírito é que nos ajuda a viver cada dia mais nossa conformação à vida 
de Jesus e assim, progredir em direção à nossa vocação de ser filhos, no Filho, isto é, ir sendo 
deificados. 
 Somos conscientes de que o desenvolvimento desse nosso trabalho poderá suscitar 
encantos e desencantos. Encantos, porque o ser humano traz em si o desejo do alto. “Tu nos 
fizeste para ti e os nossos corações inquietos só descansarão quando Te encontrarem” 
(Agostinho, Confissões I, 1). Desencantos, porque, movidos pela efervescência do novo, 
estamos imersos num universo em que a linguagem tem que ser agradável aos ouvidos. 
Sabemos que o antigo necessita de interpretação e reinterpretação para atualizar sua 
mensagem libertadora. Mas muito mais que discutir termos aqui empregados, o anseio é 
instigar, descobrir, pela via da contemplação, o coração da antropologia oriental, a theōsis. 
Acreditamos que esta descoberta pode nos ajudar a compreender nossa própria fé e a vivê-la 
de tal forma que sejamos capazes de acolher o diferente e dialogar com os que pensam e 
creem diferentemente de nós. 
 No primeiro capítulo apresentamos, brevemente, a doutrina da theōsis: aporte 
para uma antropologia cristã. Verificaremos que o termo theōsis está presente desde a 
Sagrada Escritura, mas ganha desenvolvimento doutrinal ao longo do transcorrer histórico da 
teologia. Não nos deteremos no período medieval, mas ressaltamos que nele também a theōsis 
se faz presente. O salto se justifica pelo fato de que Evdokimov, ao elaborar seu pensamento, 
remonta à Escritura, à síntese neo-patrística e à contribuição da filosofia russa moderna, bem 
como à teologia desenvolvida nos séculos XIX e XX, na Rússia. Feito o percurso histórico, 
apontamos a pertinência do tema para a atualidade e contextualizamos nosso autor: sua vida e 
obra. Nesta última parte, ressaltamos, de forma sucinta, o que concerne à deificação do ser 
humano no pensamento de Paul Evdokimov. 
 Todo o pensamento de Evdokimov, no que concerne à deificação, conflui na 
doutrina do Deus-Homem. Por isso, no segundo capítulo, demonstraremos que Jesus Cristo é 
o lugar da humanização de Deus e da deificação do ser humano. No rosto humano de 
Jesus, Deus se manifesta a nós e, ao mesmo tempo, nos mostra o que somos para Ele: filhos 
no Filho, co-herdeiros da promessa (Ez 36,26).!Olhando para a vida de Jesus, o cristão pode 
verificar a finalidade da vida humana relacionada à vida de Deus. Explicitaremos a cristologia 
de Evdokimov, que nos conduz a compreender os dois pilares sobre os quais ela se centrou. 
Um foi o desenvolvimento cristológico dos primeiros séculos, que culminou nas definições 
 
!
16 
dogmáticos dos quatro primeiros concílios ecumênicos. O outro pilar refere-se à síntese neo-
patrística, entrelaçada com a filosofia religiosa russa do século XIX e XX. 
 E, finalmente, no terceiro capítulo, apresentaremos a vida nova, que é o processo 
da deificação do ser humano, o qual acontece pela ação do Espírito Santo e pela livre 
adesão à esta nova vida oferecida por Cristo e em Cristo. Nesta perspectiva, a Igreja aparece 
como o lugar da transformação do cristão que, sacramentalmente, participa da vida de Jesus 
Cristo. O entrelaçamento da vida eclesial e sacramental ajudar-nos-á a perceber que a vida 
nova é dom de Deus, mas também tarefa humana. Evdokimov identifica a vida mística com a 
vida cristã. Isto nos reporta a um dos maiores teólogos católicos do séc. XX, Karl Rahner, que 
afirmou que “o cristão do futuro seria místico, ou não seria cristão”. A mística é uma questão 
de vida. 
 “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí 
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”3. É com o impulso 
desta frase de GuimarãesRosa, que a empreitada da escrita deste trabalho se arrisca a 
desenvolver-se, bem como, somos convidados a adentra-nos nela por meio de uma leitura 
contemplativa para acolher as intuições que fluem deste texto. 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3 Ibid., p. 318. 
 
CAPÍTULO 1 
A DOUTRINA DA THEŌSIS: 
APORTE PARA UMA ANTROPOLOGIA CRISTÃ 
 
 
 Theōsis, divinização e deificação são vocábulos sinônimos e dizem respeito à 
pneumatização do ser humano, sua santificação, pela ação do Espírito Santo. Este processo 
constitui, segundo os Padres orientais, entre eles Irineu e Atanásio, o fim último da 
encarnação. Ao longo da tradição cristã os termos foram usados de forma diversa, mas sua 
significação permanece a mesma: participação do ser humano na vida divina (2Pd 1,4). 
Quando apresentarmos nossa reflexão sobre essa doutrina à luz do pensamento de Paul 
Evdokimov, autor de nossa pesquisa, daremos preferência ao termo deificação, pelo fato de 
que, em suas obras, seja o termo empregado por ele. 
 Na teologia cristã oriental, o fim último do ser humano é a união com Deus, a 
“theōsis”, deificação. Este fim, conforme explicitam os Padres da Igreja, é a transformação da 
criatura humana em Cristo, no Espírito Santo, em nova criatura. Este tema perpassou, 
conforme veremos logo a seguir, toda a história do desenvolvimento teológico cristão, seja no 
Oriente, locus de nossa reflexão, seja no Ocidente, no qual não nos deteremos devido ao 
recorte feito para efeitos de nossa pesquisa. 
 Por que perscrutar uma tradição na qual não vivemos? Em que sentido o Oriente 
cristão contribui para uma vivência de fé adulta e madura? Para embrenharmos nesta busca 
somos convidados a fazer uma leitura hermenêutica das obras do autor escolhido, com 
disposições para encontrarmo-nos num horizonte diferente do nosso, a teologia oriental. E, a 
partir desta aproximação, auferir algumas contribuições desta tradição que nos enriqueçam em 
nossa própria tradição e, que ao mesmo tempo, nos estimulem e orientem a viver a fé cristã, 
em seu dinamismo transformador da realidade em Reino de Deus, correspondendo ao 
processo de nossa deificação/humanização. 
 Segundo Volodemer Koubetch1, o interesse pela reflexão teológica das Igrejas 
orientais, tanto a das unidas a Roma como a das ortodoxas, aumentou consideravelmente nas 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1 Dom Volodemer Koubetch, osbm, é bispo coadjutor da Eparquia de São João Batista dos Ucranianos 
Católicos no Brasil, com sede em Curitiba. Membro da Província de São José, da Ordem de São 
 
!
18 
últimas décadas. Para ele, este interesse se dá, seja por causa do Vaticano II e do esforço 
ecumênico feito no diálogo com os ortodoxos, seja em virtude das condições históricas, que 
libertaram as Igrejas orientais da opressão política e possibilitaram uma aproximação efetiva 
entre o Oriente e o Ocidente. 
 Na América Latina e no Brasil, o interesse pela teologia oriental é de ordem vital 
para a Igreja e para o povo cristão, e não somente de ordem intelectual, para os acadêmicos. 
Há um grande número de fiéis ortodoxos que vivem no Brasil. Se, por um lado, percebe-se 
que a teologia oriental, sua liturgia, espiritualidade, arte iconográfica ainda são desconhecidas 
pelos fiéis ocidentais, por outro, percebe-se a busca de conhecimento da fonte do cristianismo, 
o Oriente cristão. Teólogos latino-americanos como Víctor Codina2 e José Comblin3, entre 
outros, mostram a riqueza teológica desta tradição e a necessidade de conhecê-la para que 
haja um enriquecimento mútuo. 
 O Concílio Vaticano II dedicou à tradição oriental um Decreto sobre as Igrejas 
orientais em comunhão com Roma intitulado Orientalium Ecclesiarum (OE), além de ter 
elogiado esta tradição no Decreto sobre o ecumenismo Unitatis Redintegratio (UR 14-18). 
Este último documento refere-se ao Oriente ortodoxo numa perspectiva ecumênica. Trata-se 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Basílio, o Grande, é mestre em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção 
(São Paulo) e doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica (Rio de Janeiro). 
Destacamos o título de sua tese doutoral por se referir ao autor que pesquisamos: “Espírito e salvação 
em Paul Evdokimov”. Sobre o interesse pela teologia oriental que mencionamos acima, foi extraído 
de sua obra: Da criação à parusia: Linhas mestras da teologia cristã oriental. São Paulo: Paulinas, 
2004. Este livro é uma adaptação de sua tese de doutorado. 
2 Codina é sacerdote jesuíta e teólogo, nascido na Catalunha. Trabalha desde 1982 na Bolívia. 
Despertou seu interesse pela teologia oriental ao sentir falta de integração entre teologia e 
espiritualidade. Durante o ano sabático aproximou, por meio de estudo em Paris, da riqueza da 
tradição oriental e a partir daí escreveu sobre suas impressões acerca da teologia oriental. Ele percebeu 
que há uma relação profunda entre a teologia oriental e a teologia da América Latina. A partir daí 
escreveu um artigo sobre esta relação, afirmando que ambas partem da vida e contêm as dimensões 
litúrgica e do Espírito. Depois escreveu outro artigo no qual se interroga sobre o que teria acontecido 
se a América Latina tivesse sido evangelizada pelos autores, pelos teólogos e pastores da Igreja 
oriental. Para ele, teria tido mais respeito pela cultura, pelas religiões, pela terra e pela religiosidade 
popular. Disponível em: <http://www.san-pablo.com.ar/vidapastoral/?seccion=articulos&id=85>. 
Acesso em: 08 jul. 2013. Encontramos também em suas obras uma reflexão de cunho oriental. Aqui 
ressaltamos as obras que nortearam nossa proposição sobre o interesse pela teologia oriental na 
América Latina e no Brasil: Los caminos del oriente cristiano. Santander: Sal Terrae, 1997 e “Não 
extingais o Espírito” (1Ts 5,19): iniciação à pneumatologia. São Paulo: Paulinas, 2010. 
3 José Comblin, teólogo e sacerdote belga de vasta experiência, lecionou no Equador, Chile e Brasil. 
Sua obra é vasta e polêmica, com um forte caráter profético. Comblin estava convencido de que a fé 
deveria ser refletida criticamente a partir da realidade dos pobres. Foi considerado um dos maiores 
expoentes da Teologia da Libertação vivendo no Brasil. Juntamente com outros teólogos latino-
americanos, Comblin dirigiu a coleção “A oração dos pobres” que se refere à teologia oriental. 
 
!
19 
de respirar ou ativar em nossa inspiração, um dos pulmões esquecido da Igreja, o Oriente 
cristão4, visto que, nós ocidentais, diante da crise que nos assolapa, às vezes buscamos, fora, 
riquezas que se encontram dentro da tradição cristã. 
 Segundo Víctor Codina, 
 
... muitas aspirações da modernidade e da pós-modernidade podem encontrar 
na tradição cristã oriental resposta plena às suas ânsias de experiência 
espiritual, de integração holística e de perspectiva ecológica. O Oriente nos 
oferece um caminho espiritual de excepcional riqueza” [...] “Olhar os 
caminhos da Igreja do Oriente é voltar à tradição genuína da Igreja católica” 
ou seja, “sair ao encontro de uma tradição viva da Igreja de ontem e de 
hoje”5. 
 
 Não entraremos nas discussões que concernem às divergências dogmáticas das 
duas tradições: oriental e ocidental. O intuito é escutar, ecumenicamente, a voz do Oriente no 
que concerne ao processo de deificação do ser humano, sobretudo à luz do pensamento de 
Paul Evdokimov, objeto de nossa pesquisa. Sobre o autor, falaremos mais adiante. Portanto, 
mais que explicitar um pensamento, somos convidados a contemplar, neste trabalho, a relação 
do Deus Uno e Trino que se revela e se autodoaao ser humano, sua imagem e semelhança, 
chamado a participar da vida divina (2Pd 1,4). É necessário retirar os possíveis empecilhos 
que nos impedem de ver e acolher a novidade (antiga) da teologia oriental, a fim de 
experimentar a beleza da fé cristã que daí emerge. 
 No livro do Gênesis encontramos a afirmação de que o ser humano foi criado à 
imagem e semelhança de Deus (1,26-27). Em que consiste este mistério da criação? Qual é a 
constituição do ser humano? Qual o caminho para o ser humano viver o que nele foi insuflado 
no ato da criação (Gn 2,7)? Na concepção oriental, a antropologia e o destino histórico são 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4 Aqui fazemos alusão à expressão empregada por João Paulo II em sua encíclica Slavorum Apostoli 
(1985), ao convidar os cristãos a que respirassem com os dois pulmões da Igreja: o ocidental e o 
oriental. Dom Volodemer, em sua homilia de encerramento da XXXIII Semana Teológica do Studium 
Theologicum, que tratou sobre Teologia Litúrgica Oriental e Ocidental nas raízes de uma só fé nas 
duas tradições: a tradição oriental bizantino-ucraniana e a tradição ocidental dita latina, afirmou que 
“essa expressão foi utilizada pela primeira vez pelo poeta e filósofo russo ortodoxo Vjacieslav Ivanov 
(1866-1949), o qual, desejando pertencer à plenitude da Igreja, aderiu à Igreja Católica, em 1926, sem 
abandonar, todavia, as riquezas do Cristianismo Oriental (D. HUGO DA SILVA CAVALCANTE, 
OSB: Introdução ao estudo do Código de Cânones das Igrejas Orientais. Loyola, São Paulo, 2009, p. 
26)”. Homilia proferida na catedral São João Batista, em Curitiba, 15 de setembro de 2011. Disponível 
em: <http://www.eparquiaucraniana.com.br >. Na sessão homilias. Acesso em: 19 mar. 2013. 
5 CODINA, Víctor. Los caminos del oriente cristiano: iniciación a la teología oriental. Santander: Sal 
Terrae, 1997, p. 8-9. 
 
!
20 
esclarecidos pelo estado paradisíaco, porque o alfa já inclui o ômega e o define 
profeticamente: sou o princípio e o fim (Ap 21,6)6. Procuraremos compreender que, na 
encarnação, Deus não é mais somente Deus. Ele é Deus-Homem. O homem também não é 
mais somente homem, mas homem-deus, ser deificado (cf. Ort, p. 77; SA, p. 64). Portanto, no 
Oriente, a antropologia é ontológica. “Ela é ontologia da deificação” (MSM, p. 86). É theōsis, 
processo de humanização do ser humano, sua pneumatização pelas energias divinas. 
 Faz-se necessário, antes de adentrarmos no desenvolvimento do percurso histórico 
da doutrina da theōsis, elucidar em que consiste a teologia oriental. Será feita uma breve 
exposição acerca do fundamento teológico desta tradição. 
 
1 Fundamento e dimensões da teologia oriental 
 
 A teologia oriental não se preocupa em elaborar sínteses, mas utiliza, com 
liberdade, os elementos culturais de seu tempo para expressar os dados da fé. É um 
pensamento amplo, fluido e muito livre, portanto, difícil de ser sintetizado. A teologia oriental 
é essencialmente mística. Ela coloca como objetivo da vida cristã a participação do ser 
humano na vida de Deus (2Pd 1,4), isto é, a theōsis. Supõe contemplação dos mistérios 
divinos. Deus se revela e aguarda a resposta humana. Há uma sinergia entre a ação de Deus e 
a ação do ser humano, que salvaguarda a liberdade e a diferença entre ambos, Criador e 
criatura. 
 Percebe-se que há um modo de fazer teológico próprio a cada tradição que incide 
diretamente na concepção espiritual de cada uma. Codina explicita claramente o modo de se 
fazer teologia no Oriente e sua incidência na concepção espiritual, de forma que, ao mesmo 
tempo, ele oferece-nos a diferença do fazer teológico do Ocidente e, consequentemente, a 
espiritualidade que emerge desta concepção teológica. Tanto uma tradição, como a outra, num 
contato mútuo podem enriquecer-se. 
 
[...] A teologia no Ocidente separou-se da espiritualidade. A síntese bíblica e 
patrística centrada na Escritura se rompe. Por um lado, cresce uma teologia 
racional e especulativa e, por outro lado, surge uma espiritualidade 
individualista, moralizante, pouco teológica, sem raízes eclesiais e sem 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
6 MCPARTLAN, Paul. Santidade. In: LACOSTE, Jean-Yves (Dir.). Dicionário crítico de teologia. 
São Paulo: Loyola; Paulinas, 2004. p. 1613. 
 
!
21 
fundamento dogmático. No Oriente, ao contrário, manteve-se a união entre 
teologia e espiritualidade, entre teologia e vida, entre teologia e mística. No 
Oriente, a teologia é doxologia (louvor), contemplação, liturgia, mística, 
adoração, eucaristia, experiência espiritual...7 
 
 Este modo oriental de fazer teologia não significa que o ser humano não reflita e 
não dê razões de sua fé, mas que ele o faz mediante a metanoia da inteligência, que opera uma 
conversão pela fé, no batismo, isto é, uma nova integração de todo o ser. Evdokimov vê neste 
itinerário o viés para a iniciação do processo de deificação do ser humano, sua humanização. 
Pois, uma vez nascida pela graça do batismo, a razão pode servir-se de filosofia, ciência, pois 
ela torna-se iluminada, transfigurada pela fé8. Não será um mero humanismo, mas um 
humanismo conjugado com a cristologia e a pneumatologia cristãs: um humanismo cristo-
pneumatológico. 
 A teologia oriental é mística e existencial. Mística por ser uma experiência 
pneumática e espiritual que o ser humano faz do mistério cristão. Existencial por se tratar de 
uma teologia experimental, viva e vivificante. O ser humano é inserido no evento Cristo. 
Participa deste evento. Sendo mística, ela é também mistagógica, enquanto é conhecimento 
que inicia e conduz o ser humano ao mistério trinitário. 
 Assim como na Bíblia, o cristão oriental pensa com o coração9 e não 
simplesmente com seus recursos cerebrais. O sentido bíblico de pensar com o coração revela 
o mais secreto do ser humano, onde se encontram a fidelidade, a abertura a Deus ou o 
endurecimento diante do amor divino. É o homo cordis absconditus (1Pd 3,4), pois é no 
coração que se encontra a profundeza do ser humano, sua incognoscibilidade. “Ao Deus 
absconditus responde o homo absconditus, à teologia apofática corresponde a antropologia 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7 CODINA, Víctor. Los caminos del oriente cristiano: iniciación a la teología oriental. Santander: Sal 
Terrae, 1997, p. 31. 
8 Ibid., p. 33. 
9 Evdokimov, ao falar da constituição do ser humano, reporta-se à noção bíblica do coração (leb 
(hebraico) e kardia (grego). O coração é concebido como “o centro que irradia e penetra o todo do ser 
humano”, embora permaneça escondido em sua misteriosa profundidade. Nesse sentido, Jeremias 
interroga: “Quem pode conhecer o coração?” e ele mesmo responde: “Deus sonda os corações e os 
rins” (Jr 17,9-10). Ao citar Agostinho: “É para ti que tu nos criaste, Senhor, e é só em ti que nosso 
coração encontra a paz” (Confissões I, 1), nosso autor afirma que “o coração tem uma intencionalidade 
original imantada como uma bússola de compasso” (cf. Ort, p. 66-68; MSM, p. 49s; SA, p. 58; CDTO, 
30). O dicionário bíblico fala do coração como o centro principal da atividade emocional. O ser 
humano é o que é o seu coração. Para o NT, o coração “é a sede das operações divinas que 
transformam os cristãos” (Gl 4,6; Rm 5,5; 2Cor 1,22; Ef 3,17) (DB, p. 183s). 
 
!
22 
apofática” (Ort, p. 67). A teologia oriental suscita em nós mais inteligência e menos 
intelectualidade. Uma inteligência que passa pela metanoia evangélica, conforme já dissemos 
anteriormente. 
 Evdokimov, ao reportar-se aos teólogos e padres do Concílio Vaticano II, afirma 
que a teologia, ultimamente, perdeu o sentido do mistério e, tornou-se, de certa forma, uma 
“especulação abstrata sobre Deus, deixando de serpensamento vivo em Deus” (SAD, p. 18).!
Por isso, observa-se uma conduta cristã confortável, assentada de maneira tranquila sobre a 
cruz, com pouca ressonância sobre a sociedade contemporânea. É necessário o 
ultrapassamento da razão para atingir, pela inteligência do coração, a união com Deus, onde 
dogma e vida estejam coimplicados. 
 Todo pensamento ortodoxo culmina e ultrapassa-se na antinomia apofática, 
aquela do Inacessível e do Crucificado. E, todo pensamento cristão é convidado a entrar nesta 
dinâmica das duas dimensões da teologia oriental: apofática e catafática. Elas possibilitam a 
reflexão-contemplação de Deus para não cair numa mera especulação abstrata sobre Deus e, 
consequentemente, sobre o ser humano. 
 
1.1 Dimensão apofática 
 
 O método teológico dos Padres parte do axioma “de Deus sabemos somente que 
ele é - o/(ti e)sti/n e não aquilo que ele é - ti/ e)stin” (Ort, p. 53). 
 
Voltada para Deus, a teologia oriental apresenta-se em primeiro lugar como 
uma teognose apofática, negação de toda definição humana. [...] Pois a 
essência de Deus está acima de todo nome, de toda palavra. [...] E mesmo 
quando dizemos infinito e não gerado, por essa forma negativa mesmo, nós 
confessamos e tocamos na apófase. [...] A teologia catafática só se aplica a 
seus atributos revelados, às manifestações de Deus no mundo (Ort, p. 53-54; 
SAD, p. 43). 
 
 A teologia apofática ou negativa consiste na negação de toda definição sobre 
Deus. Ela considera inadequada toda tentativa de descrever o mistério absoluto de Deus, que 
supera todas as categorias. Em sentido absoluto, Deus é incomparável. Ele é totalmente 
incognoscível em sua essência. Segundo Evdokimov, 
 
 
!
23 
a “super-essência” divina é radicalmente transcendente ao homem e obriga a 
uma afirmação antinômica, mas jamais contraditória, da completa 
inacessibilidade de Deus em si e de suas manifestações imanentes no mundo. 
Deus “sai na frente” em suas energias e está totalmente presente nelas. [...] A 
energia nunca é uma parte de Deus, ela é Deus em sua revelação sem que ele 
perca nada da “não-saída” radical de sua essência (Ort, p. 26). 
 
 Os conceitos, afirma Gregório de Nissa, criam ídolos, a Deus só se capta pelo 
silêncio e admiração (PG 44, 1028d)10. Por isso, a Ortodoxia não tem necessidade de formular 
conceitos a respeito de Deus, ao contrário, segundo Evdokimov, ela tem necessidade de não 
formular (cf. CPR, p. 35). “Em sua dimensão apofática, a teologia é a negação de toda 
definição humana. Definir é limitar” (ESTO, p. 22). Gregório Nazianzeno nos ajuda a 
compreender a dinâmica desta dimensão teológica, que se expressa em forma de oração e 
dirige-se ao Indizível: 
 
Tu, o mais além de tudo. Que outra coisa pode ser dita de ti? Que hino 
poderia dirigir-te a palavra? Não tem palavra que possa expressar-te. Onde te 
fixar a inteligência? Tu estás além de toda inteligência. Só tu és inefável, 
porque tudo o que se diz saiu de ti. Todos os seres, os que falam e os mudos, 
te proclamam. Só tu és incognoscível, porque tudo o que pensa saiu de ti. O 
desejo universal, o gemido de todo o universo, tende para ti. Tudo o que 
existe te adora e todo ser que pensa teu universo faz subir até ti um hino de 
silêncio. Tudo o que permanece, permanece em ti. Por ti subsiste o 
movimento de tudo. Tu és o fim de todos os seres. Tu és todo ser e não és 
nenhum. Tu não és um dos seres, nem és seu conjunto. Tu tens todos os 
membros. Como te nomearia eu a Ti, o único que não tem nome, o mais 
além de tudo? Não é isso tudo o que pode ser dito de ti? (PG 37, 507). 
 
 Para Codina, o que faz com que a teologia seja apofática não é a onipotência de 
Deus, nem sua imensidade, mas seu amor que, segundo Nicolas Cabasilas (1320-1371)11, é o 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10 Evdokimov é quem nos oferece a referência à Patrologia Grega cf. Ort, p. 54. 
11 Segundo Evdokimov, Nicolas Cabasilas foi um dos maiores liturgistas do séc XIV (SA, p. 132). 
Teólogo leigo, humanista e homem de alta cultura escreveu um tratado sobre os sacramentos intitulado 
La vie en Christ (A vida em Cristo). Discípulo de Gregório Palamas, recebe dele o princípio de uma 
participação real na vida divina utilizando-a para construir uma vigorosa espiritualidade para os leigos 
(CDTO, p. 72). O realismo litúrgico da participação do divino acessível a todos conduz os fieis à 
cristificação (CPR, p. 28). “A vida de todo homem em Jesus se identifica com a vida de Jesus no 
homem, com ‘a morada trina’ e a pneumatização do ser humano pelas energias divinas. O misticismo 
litúrgico, acessível a todos, encerra-se assim, com a vida de cada um no nível da fé histórica e 
pneumatófora da existência e conduz à incorporação muito concreta dos fieis em Cristo, à sua 
cristificação: ‘a fim de que o Cristo seja formado em vós’ (Gl 4,19)” (Ort, p. 28). Segue-se daí que o 
escopo escatológico da eucaristia “é o Reino de Deus dentro de nós” (CDTO, p. 72). 
 
!
24 
“louco amor de Deus” manifestado no escândalo da cruz12. Por isso, a via que nos conduz a 
Deus é a via do amor, da contemplação. A transcendência divina ensina-nos que não podemos 
jamais ir a Deus a não ser a partir dele mesmo, estando nele (cf. Ort, p. 50). “Deus é o 
eternamente procurado. Ele permanece escondido em sua própria epifania” (SAD, p. 44). 
 
1.2 Dimensão catafática 
 
 A dimensão catafática, também conhecida como positiva ou “simbólica”, refere-se 
aos atributos e manifestações reveladas de Deus no mundo (cf. ESTO, p. 22). Esta dimensão 
nos possibilita um conhecimento imperfeito de Deus. É um modo de ascender a Deus por 
meio de sua teofania na criação, na história e, sobretudo, em Cristo13. 
 Vale ressaltar com Evdokimov a importância das duas dimensões: 
 
Pela via negativa, os Pais da Igreja ensinam que Deus é incomparável em 
sentido absoluto; nenhum nome o exprime adequadamente [...] A teologia 
positiva clássica não é depreciada, mas colocada diante de seus próprios 
limites. Ela se aplica apenas aos atributos revelados, manifestações de Deus 
no mundo. Ela os traduz de modo inteligível, mas essas traduções 
permanecem expressões cifradas, simbólicas, pois a realidade de Deus é 
absolutamente original, transcendente e irredutível a qualquer sistema de 
pensamento. Em torno do abismo abissal de Deus, a espada flamejante dos 
querubins havia traçado um círculo instransponível de silêncio (SAD, p. 25). 
 
 Por isso, afirma Paul Evdokimov, a teologia apofática “realiza um ultrapassar, 
mas que nunca se desliga da sua base, a teologia positiva da Revelação bíblica. Quanto mais 
alta é construída a vertical celeste, tanto mais ela se encontra enraizada na horizontal terrestre, 
da história” (ESTO, p. 23). Pois não se trata de conhecer qualquer coisa sobre Deus, mas de 
ter Deus em si (cf. Ort, p. 50). Daí podemos dizer, com Evágrio Pôntico (345-399), no que 
consiste o fazer teológico: “Se tu és teólogo, tu oras verdadeiramente e se tu oras, tu és 
teólogo” (Traité de l’oraison, 60)14. 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12 CODINA, Los caminos del oriente cristiano, 1997, p. 35. 
13 Ibid., p. 37. 
14 Encontramos uma afirmação de Evdokimov sobre quem teria formulado a partir desta frase de 
Evágrio um adágio dos Padres. Ele diz que foi Santo Tikhon de Zadonsk que formulou o adágio: 
“Teólogo é aquele que sabe rezar”. Pois Zadonsk aspirava a uma teologia viva, conhecida como um 
conhecimento experimental de Deus. Este santo foi, conforme ainda afirma Evdokimov, o primeiro a 
 
!
25 
 Segundo nosso autor, “ninguém é verdadeiro teólogo se sua fé não tem o caráter 
vivido da união pessoal com Deus” (CPR, p. 36). Assim, ele conjuga as duas dimensões, 
apofática e catafática, que geram a unidade do possívelconhecimento de Deus. Esse 
conhecimento inicia o teólogo na ardente aproximação de Deus e de seus mistérios. Supõe a 
vida de intimidade e comunhão que gera a união com o Senhor. 
 
2 Theōsis: a doutrina da deificação nas tradições cristãs 
 
 A tradição oriental conservou ao longo dos séculos a coerência e a firmeza de suas 
bases doutrinais. Ela bebe nas fontes da Revelação cristã e na tradição dos Padres, 
conservando o sabor dos grandes místicos da Igreja primitiva, mantendo assim, o exercício 
teológico com a experiência espiritual vinculados estreitamente. No que concerne à theōsis, 
encontramos um fundamento persistente que corrobora na reflexão sobre o ser humano e seu 
papel no mundo como “imagem e semelhança” do Criador (Gn 1,26-27). 
 O tema da deificação não é uma novidade teológica. Ele perpassa todo o percurso 
teológico, desde os primórdios da vida cristã. Embora seu vocábulo não seja bíblico, sua 
sistematização recorre à Sagrada Escritura e à linguagem do tempo em que sua reflexão foi-se 
construindo. Não nos deteremos no desenvolvimento histórico concernente a este tema, mas 
faremos um breve esboço de como ele se fez e se faz presente na teologia tanto oriental como 
ocidental. Desta última, apenas elucidaremos alguns autores que desenvolveram uma reflexão 
acerca da deificação. 
 Segundo o teólogo espanhol Pedro Urbano López de Meneses15, com a palavra 
“theōsis” encontramo-nos situados no coração da antropologia oriental. O ser humano, 
conforme nos ensinam os Padres, adquire seu pleno sentido na vocação a ser filho de Deus, 
em Cristo. Ele foi criado com este fim e só o alcançará pela graça que é o Espírito de Deus. É 
o processo da configuração a Cristo que, pela vida no Espírito, nos remete ao Pai. Trata-se de 
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pregar a dignidade do laicato como “monaquismo interiorizado” (cf. CPR, p. 49). O tema do 
monaquismo interiorizado será desenvolvido no capítulo 3, item 3.3. 
15 Pedro Urbano López de Meneses, no intuito de corroborar a perspectiva ecumênica, publicou uma 
obra sobre a doutrina da graça: Theosis, la doctrina de la divinización en las tradiciones cristianas: 
fundamentos para una teología ecuménica de la gracia. Este trabalho foi fruto de sua tese doutoral, na 
Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra. Pamplona: EUNSA, 2001. 
 
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26 
uma vida divinizada segundo a ordem interna das pessoas divinas, porque o ser humano não 
vive para si, senão só em Deus e para Deus16. 
 O que queremos dizer quando falamos de deificação do cristão pela graça de 
Deus? Na resposta a esta questão encontramos a parte mais importante da doutrina da theōsis, 
bem como o ponto de partida para desenvolver qualquer reflexão teológica sobre o ser 
humano. A partir do Evangelho encontramos diversas formas de matizar a vida em Cristo. O 
sentido das palavras é matizado de forma diversa em cada tradição: oriental, ocidental, 
protestante etc., porém, o sentido de deificação permanece o mesmo. Vejamos, brevemente, 
como se iniciou esta doutrina, como ela se desenvolveu ao longo da história, bem como sua 
pertinência para os nossos dias17. 
 
2.1 Percurso histórico da doutrina da theōsis 
 
 Faremos uma breve apresentação do percurso histórico da doutrina da theōsis para 
averiguar que não se trata de uma novidade, mas que esta doutrina se fez presente desde a 
concepção bíblica do ser humano (2.1.1). As raízes da doutrina da theōsis perpassam a 
filosofia grega (2.1.2), bem como o desenvolvimento teológico da patrística (2.1.3). A partir 
deste arrazoado, verificaremos o influxo da doutrina da theōsis na teologia ortodoxa 
contemporânea (2.1.4). 
 
2.1.1 A theōsis do ser humano na Sagrada Escritura 
 
 Não encontramos o termo theōsis na linguagem da Sagrada Escritura, pois esta se 
preocupa em preservar o absoluto da transcendência divina. Porém, encontramos temas que 
conotam este termo. No início da Bíblia, segundo seu cânone definido, deparamos com a 
afirmação de que tudo foi criado conforme sua espécie, plantações, répteis, seres vivos, 
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16 LÓPEZ DE MENESES, Pedro Urbano. Theosis, la doctrina de la divinización en las tradiciones 
cristianas: fundamentos para una teología ecuménica de la gracia. Pamplona: EUNSA, 2001, p. 16. 
17 Seguiremos como base principal para o desenvolvimento desta parte histórica: DALMAIS, Irénée-
H. Divinisation. In: VILLER, Marcel (Ed.). Dictionnaire de spiritualité: ascétique et mystique, 
doctrine et histoire. v. 3. Paris: Beauchesne, 1957. p. 1370-1460; LARCHET, Jean-Claude. La 
divinisation de l’homme selon Saint Maxime Le Confesseur. Paris: Cerf, 1996. E, além da parte 
histórica recorreremos à obra de LÓPEZ DE MENESES, mencionada na nota 18 deste capítulo. 
 
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27 
contudo, do ser humano se diz que ele foi criado à imagem e semelhança do Criador (cf. Gn 
1,11.21.24.26-27). Em sua criação, o ser humano, permanecendo criatura, é colocado numa 
relação diferente com o Criador. Conforme afirma o Apóstolo Paulo, somos da raça de Deus, 
pois é nele que vivemos, nos movemos e existimos (At 17,28-29). E o salmista afirma: “vós 
sois deuses” (Sl 81,6), então somos chamados a participar de sua natureza divina (2Pd 1,4). 
 Outros temas expressam ainda a realidade da theōsis tais como a adoção filial (Dt 
14,1; Sl 81,6; Rm 8,14-17; Gl 3,26; 4,4-7) e a imitação de Deus e do Filho, Jesus Cristo (Mt 
5,44-48). Nós nascemos de Deus, afirma João em sua primeira carta, para sermos filhos de 
Deus e de fato o somos (cf. 1Jo 3,1). Percebemos, nestes termos, o começo de um novo modo 
de existência já na vida presente, mas que encontrará sua perfeita manifestação na visão de 
Deus (1Cor 13,12; 1Jo 3,2) e na participação em sua incorruptível imortalidade (cf. 1Cor 
15,52-53). Ser salvo é ser santificado para participar na vida de Deus (cf. 2 Pd 1,4). A 
santidade pertence somente a Deus, mas Ele chama seu povo a ser santo como Ele o é (Lv 
19,1). Jesus, que é o “santo de Deus” (Mc 1,24), o “santo servo” de Deus (At 4,27), dirige sua 
oração ao Pai que é santo (Jo 17,11)18. E isto implica em sermos transformados (2Cor 3,18) 
pela renovação de nossa mente, o nous (cf. Rm 12,2; Ef 4,23;), para nos conformarmos a 
Cristo (cf. Rm 8,29; 1Cor 2,16; Fl 2,15; Sl 139,17) em seu seguimento, pelo Espírito. 
 O ser humano é então admitido numa íntima comunhão com Deus, através de 
Cristo e pelo poder do Espírito Santo. O ponto máximo desta união é a identificação com o 
Cristo (cf. Gl 2,20). Cada um desses temas terá, no pensamento cristão, seu desenvolvimento 
próprio e eles serão o fundamento da doutrina que mais tarde se chamará theōsis19. Este termo 
traduz o caráter único da promessa e da oferta divinas feitas ao ser humano. 
 Embora o termo theōsis não apareça como linguagem bíblica, ele encontra, 
conforme vimos, um sólido fundamento na Sagrada Escritura20. 
 
 
 
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18 MCPARTLAN, Paul. Santidade. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Loyola; Paulinas, 
2004. p. 1609. 
19 DALMAIS, Irénée-H. Divinisation. In: VILLER, Marcel (Ed.). Dictionnaire de spiritualité: 
ascétique et mystique, doctrine et histoire. v. 3. Paris: Beauchesne, 1957. p. 1376. 
20 LARCHET, Jean-Claude. La divinisation de l’homme selon Saint Maxime Le Confesseur. Paris: 
Cerf, 1996. p. 21. 
 
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28 
2.1.2 Raízes da theōsis na filosofia grega 
 
 No pensamento religioso dos gregos percebe-se que a poesia, a filosofia, a religião 
dos mistérios exprimem, cada uma a sua maneira, uma crença profunda de que “oser humano 
é da raça dos deuses, filho dos deuses”. 
 Segundo López de Meneses, 
 
“O ser humano é um ser que tem que se completar progressivamente. A 
filosofia helenística não contempla o homem nessa evolução, como um ser 
autônomo, portador em si mesmo da meta a que aspira. O fim do ser 
humano, para a tradição grega, é necessariamente divino porque nele 
encerra-se certo elemento celeste que chama a uma definitiva integração 
com o divino. A meta última está fora do ser humano, está em Deus”21. 
 
 Segue-se daí que a antropologia, em seu núcleo, na filosofia grega, é teocêntrica. 
Portanto, entender o telos do ser humano como uma progressiva assimilação em Deus, como 
deificação, já é a marca das tradições filosóficas helenísticas, que entram em relação com o 
pensamento dos Padres: platonismo médio, estoicismo, neoplatonismo. 
 Platão considera que o filósofo alcança, pela contemplação, a semelhança divina, 
que consiste em participar, ontologicamente, das propriedades divinas. Enquanto que, para os 
estoicos, a semelhança com Deus tem valor ético e significa alcançar a tranquilidade de 
ânimo, a ausência de paixão. Para os neoplatônicos, a semelhança com Deus tem valor 
ontológico até o extremo de que assimilar-se ao divino quer dizer divinizar-se realmente, ou 
seja, retornar à divindade de onde brota o ser e alcançar a união com ela22. 
 A deificação, na concepção filosófica, é um ideal de vida. Ela é vista como um 
esforço natural do próprio ser humano, sem nenhuma mediação à ação divina no ser humano, 
que o capacite a isso. Ao passo que, como veremos, na doutrina cristã a deificação é graça 
concedida por Deus, pela mediação do Verbo e do Espírito. Não suprime a liberdade humana, 
ao contrário, é pelas energias divinas e na resposta humana que se dá o processo de deificação 
do ser humano. Vejamos a seguir as raízes teológicas da theōsis do ser humano. 
 
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21 LÓPEZ DE MENESES, Theosis, 2001, p. 34. 
22 Ibid., p. 35. 
 
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29 
2.1.3 As raízes teológicas da theōsis na patrística 
 
 A herança filosófica da theōsis é reformulada pelos Padres, graças ao novo 
horizonte da experiência neotestamentária. O tema da divinização do ser humano ocupa um 
lugar essencial na teologia dos Padres gregos e, ao mesmo tempo, esclarece a concepção da 
humanidade própria ao Oriente cristão. 
 Nos Padres Apostólicos (séc. I-II) não aparece o termo theōsis, mas sua noção se 
faz presente. Para eles, a doutrina da graça caracteriza-se pela centralidade do Espírito. A 
theōsis do ser humano não forma parte fundamental de sua doutrina da graça. Eles insistem, 
sobretudo, na incorruptibilidade e na imortalidade como efeitos da salvação23. Na patrística 
oriental posterior, o tema da theōsis do ser humano consolida-se como centro da doutrina da 
graça. Ela desempenha um papel importante na antropologia e na cristologia, assim como 
também na doutrina trinitária, e servirá de eixo ao redor do qual se justificará a divindade do 
Filho e do Espírito. 
 Inácio de Antioquia (35-110) utiliza expressões mais características à theōsis ao 
escrever a seus correspondentes dizendo-lhes que eles são “portadores de Deus”, “portadores 
do Cristo”, “participantes de Deus” (SC 10, p. 66). Encontra-se em Inácio a mística da união 
imediata com o Cristo, e por Ele, com Deus, o Pai e o Espírito Santo. Portanto, não se trata de 
uma simples união moral, por imitação. Em muitos textos do bispo de Antioquia, 
encontramos o eco da palavra de Paulo quando ele afirma que “já não sou eu que vivo, é 
Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20)24. 
 Em Justino (100-165), a theōsis é expressa em diversos temas tais como: a 
imitação de Deus, a participação nas qualidades divinas e a filiação (PG 6, 341a). Ao 
comentar o Sl 81, Justino ressalta que o ser humano, tornado semelhante a Deus, é por isso 
impassível e imortal com Ele, portanto julgado digno de ser chamado filho de Deus (PG 6, 
765b)25. 
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23 LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 24. 
24 Ibid., p. 24. 
25 Larchet é quem nos ofereceu estas duas referências à PG que se encontram neste parágrafo. In: 
LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 25. 
 
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30 
 Inácio de Antioquia insistirá mais sobre a criação do ser humano à imagem de 
Deus. Segue a linha de Justino e não hesita em usar o vocábulo theōsis e, para isso, ele retoma 
a palavra do Apóstolo Paulo para dizer que somos da raça de Deus (At 17, 28-29). 
 Para Irineu de Lyon (130-202), a theōsis é a progressiva participação na 
incorruptibilidade divina, fruto da recapitulação aberta pelo Verbo encarnado, pois “quem é 
Filho de Deus se faz filho do homem para que o homem receba a adoção e torne-se filho de 
Deus” (Adv. Haer. V, 8,1). Ele não cessa de repetir que o ser humano foi criado à imagem e 
semelhança de Deus, ou melhor, do Verbo encarnado, por isso, chama a atenção ao 
crescimento espiritual a que o ser humano é impelido a adquirir. Neste sentido, citando o Sl 
81,6 Irineu explica que “nós não fomos feitos deuses desde o começo, mas primeiro homens e 
somente em seguida deuses” (SC 100, p. 960-961). 
 Segundo Irineu, a razão da encarnação é para que o ser humano, misturando-se ao 
Verbo recebesse assim a adoção filial, tornando-se filho de Deus (SC 211, p. 374-375). Desta 
forma, o Verbo recapitula em si a humanidade inteira unindo-a à divindade e restituindo-lhe a 
semelhança com Deus. Ele sublinha o papel do Espírito Santo na realização da divinização do 
ser humano, embora esta esteja centralizada no mistério da encarnação. É pelo Espírito que o 
ser humano recebe a semelhança com Deus. A visão de Irineu constitui já uma doutrina da 
theōsis e marcará profundamente o pensamento de muitos Padres dos séculos seguintes26. 
 Clemente de Alexandria (150-215) segue nesta linha dando um sentido da 
autêntica gnose cristã: “O Verbo de Deus se fez homem, a fim de que tu, ainda que sejas um 
homem, entendas como um homem pode tornar-se Deus” (SC 2, 104). É destas concepções 
que Atanásio (293-373) tirará a pedra angular de sua defesa em favor da divindade do Filho e 
do Espírito, bem como se formulará o adágio que ficará consagrado nos Padres a respeito da 
theōsis do ser humano: “O Verbo se fez homem para que o homem se tornasse deus” (PG 
25,192 b)27. 
 Em Clemente de Alexandria, a theōsis encontra-se concebida como o termo de 
uma pedagogia exercida por meio dos sacramentos: “Batizados nós somos iluminados, 
iluminados nós somos adotados como filhos; adotados nós somos feitos perfeitos; tornados 
perfeitos, nós recebemos a imortalidade. ‘Eu disse: vós todos sois deuses e filhos do 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
26 LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 28. 
27 Mcpartlan é quem nos ofereceu esta referência, cf. DCrT, 2004, p. 1611. A mesma referência 
encontra-se na obra de Evdokimov: Ort, p. 78. 
 
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31 
Altíssimo’” (SC 70, p. 158). É uma gnose, não como no platonismo, pois não é o resultado do 
esforço humano; mas cristã, pois é a graça que vem de Deus, pelo seu Filho que realiza este 
conhecimento pela união com Deus. Ela é fonte de vida, pois “não conhecer o Pai é a morte, 
ao passo que conhecê-lo é a vida eterna”28. 
 Para Orígenes (185-254), a theōsis do ser humano funda-se na encarnação, pois 
ela é operada pelo Verbo, não somente a título de iluminador das inteligências, mas porque 
em sua Encarnação 
 
“a natureza divina e a natureza humana começaram a se unir estreitamente, a 
fim de que, por sua comunhão com aquele que é mais divino, a natureza 
humana torne-se divina, não somente em Jesus, mas também em todos 
aqueles que, com a fé, abraçaram avida que Jesus ensinou e que conduz à 
amizade e à comunhão com Deus” (Contra Celsum 3,28; SC 136, p. 68). 
 
 Vê-se aí a importância do cumprimento dos mandamentos e da vida virtuosa 
como etapa da theōsis humana que se cumpre no mais alto grau da vida espiritual, a 
contemplação. Portanto, a deificação do ser humano resulta de uma participação (metokhē) na 
divindade de Deus, que é um dom do Verbo (PG 13, 217a). Deus permanece Deus e o ser 
humano, partícipe de sua natureza, sem fusão, nem confusão, pois este não se identifica com 
Deus, mas, por Cristo, se une a Ele29. Orígenes escreve que “o nous é deificado 
(qeopoiei=tai) na medida em que contempla” (PG 14, 817c), culminando assim, na visão de 
Deus. 
 Neste sentido, tanto para Orígenes como para Clemente, a contemplação 
deificante da gnose cristã consiste na união do ser humano com Deus. Por isso, esta gnose não 
é pura especulação, conforme já lembramos, pois para estes Padres conhecer é se misturar e se 
unir. Esta leitura dos Padres da Igreja vê a doutrina da theōsis como uma renovação da 
imagem de Deus no ser humano e, ao mesmo tempo, uma restauração do conhecimento de 
Deus na humanidade do Verbo, perfeita imagem do Pai, pelo qual o ser humano foi criado (cf. 
Cl 1,15-16). 
 Atanásio integra o aporte de Irineu, Clemente e Orígenes para desenvolver a 
doutrina da theōsis: “O Verbo se encarnou, sarx egeneto, para que o homem se faça receptor 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
28 DALMAIS, Divinisation, 1957, p. 1378. 
29 LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 31. Ressaltamos que as duas referências à PG que 
se encontram neste parágrafo foram extraídas desta obra, p. 30. 
 
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32 
idôneo da divindade, dektikon theou” (PG 26, 273)30. Para ele, o Verbo, imagem perfeita do 
Pai, pelo qual Deus criara o ser humano, agora recria a humanidade restaurando nela a 
imagem autêntica. Só a verdadeira Imagem pode refazer a imagem que se aniquilou em nós31. 
Atanásio afirmará que, de fato, o Verbo era verdadeiro Deus e, ao assumir a carne, ele é 
também verdadeiro Homem, por isso, desta perfeita união, é possível a deificação do ser 
humano, pois o Verbo assumiu a humanidade em sua totalidade. Daí se segue que suas 
formulações evoquem a pericorese, que até então não havia aparecido. Atanásio estabelece 
um paralelo entre a consubstancialidade dos homens e aquela das pessoas da Trindade32. 
 O papel do Espírito Santo é também evocado na deificação do ser humano na 
concepção de Atanásio. Ele deduz do princípio trinitário que a nossa participação em Deus é 
participação no Verbo, pelo Espírito. Por esta razão, o Espírito Santo deve ser também Deus. 
Portanto, em Atanásio a theōsis do ser humano é apresentada como um argumento em favor 
da divindade do Filho e do Espírito Santo33. 
 Basílio de Cesareia (329-379) segue a esteira do pensamento de Atanásio e realça 
o papel deificante do Espírito Santo, reforçando o aspecto intelectualista da theōsis. Concebe 
o ser humano, reportando a Gregório Nazianzeno (330-390), como criatura de Deus chamada 
a ser um deus34. Basílio se mostra reservado no uso do vocábulo, não escriturístico, da 
theōsis, enquanto que, Gregório Nazianzeno o usa com predileção. Para ambos, o papel do 
Espírito Santo na divinização do ser humano é determinante. 
 Para Gregório Nazianzeno, considerado pelos Padres, o Teólogo, a theōsis, 
assegurada pela encarnação redentora do Verbo, estabelece “uma segunda comunhão mais 
magnífica que a primeira” (PG 38, 322a)35, pois nós nascemos para a theōsis (SC 309, p. 
292). Porém, para cumpri-la, o ser humano deve primeiro praticar as virtudes. A 
correspondência entre a encarnação e a divinização é expressa pelo Nazianzeno de forma 
radical, pois ele diz: “é então homem por causa de ti, que tu te tornas deus por causa d’Ele” 
(SC 358, p. 306). Como Basílio e Atanásio, Gregório toma a theōsis do ser humano como 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
30 López de Meneses é quem nos ofereceu esta referência em sua obra Theosis, 2001, p. 46. 
31 SANTO ATANÁSIO. Contra os pagãos; A encarnação do Verbo; Apologia ao imperador 
Constâncio; Apologia de sua fuga; Vida e conduta de S. Antão. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2010, p. 143. 
32 LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 33. 
33 Ibid., p. 3. 
34 Ibid., p. 39. 
35 Dalmais é quem nos ofereceu esta referência, cf. DAMAIS, Divinisation, 1957, p. 1382. 
 
!
33 
argumento em favor da divindade do Espírito Santo, visto que a deificação é realizada pela 
ação do Espírito Santo36. 
 Gregório de Nissa (330-394) prefere o termo “imagem”, para falar da vocação do 
ser humano, ao termo “theōsis”, para não cair no panteísmo inerente ao neoplatonismo. Nós 
não somos emanação de Deus. Por isso, Gregório de Nissa marca bem a diferença entre 
Criador e criatura. Deus, o Criador, é imutável (atreptos) e o ser humano, criatura, está em 
contínua mudança (treptos). Somos distintos d’Ele (en tō hypokeiménō), “na origem e no 
modo de ser”, embora, participemos, pela graça, da vida divina, pois somos imagem de 
Deus37. 
 Segundo Gregório de Nissa, é pela prática progressiva das virtudes que a união do 
batizado cresce até atingir o cume da contemplação, onde no êxtase, ele alcança, pelo 
Espírito, um conhecimento inefável de Deus (SC 1, p. 202-214). E, é na visão de Deus que o 
ser humano se torna participante da natureza divina. Para ele, é a carne deificada do Cristo, 
sua humanidade, que deifica cada hypóstasis humana. Por isso, o niceno ressaltará o papel dos 
sacramentos no processo de deificação do ser humano, sobretudo o da Eucaristia. 
 O sacramento da Eucaristia é central em João Crisóstomo (347-407), que o 
desenvolve segundo o tema da filiação adotiva. Cirilo de Alexandria (378-444) assimila a 
contribuição dos Capadócios e a integra em uma teologia mais ampla da theōsis no 
desenvolvimento da teologia sacramentária assinalada em Gregório de Nissa e em João 
Crisóstomo. Cirilo acentua o valor da eucaristia no processo da theōsis progressiva do cristão. 
Neste sentido, a carne do Cristo, deificada pela sua união com o Verbo, torna-se, por sua vez, 
instrumento da theōsis para a nossa carne. Cirilo apresenta a divinização como finalidade da 
encarnação: o Verbo “se fez o que nós somos a fim de nos tornar participantes do que Ele 
é” (SC 97, p. 328). 
 Em Cirilo, conforme ressalta o teólogo e filósofo Jean-Claude Larchet38, o tema 
da filiação é largamente desenvolvido: unindo-se à natureza humana, o Verbo a introduz no 
parentesco divino. Irmãos do Cristo, nós somos associados a seus privilégios. Esta associação 
supõe uma união ao Cristo pela fé e pelos sacramentos. Pelo batismo, no qual recebemos o 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
36 Ibid., p. 42. 
37 GRÉGOIRE DE NYSSA. La création de l´homme. Trad. Jean Laplace. Paris: Cerf, 1943. (Sources 
Chrétiennes, 6) p. 44. 
38 LARCHET, La divinisation de l’homme, 1996, p. 47s. 
 
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34 
dom do Espírito Santo e nos tornamos templos de Deus, inicia-se nosso processo de 
deificação. 
 Cirilo desenvolve ainda o tema da inhabitação do Verbo, pelo Espírito em nós, 
associado ao tema da adoção filial. Para ele, nossa divinização pode realizar-se já nesta vida, 
mas ela atingirá sua perfeição após a ressurreição. Portanto, pode-se dizer que com Cirilo de 
Alexandria, a teologia da theōsis atinge seu pleno desenvolvimento. 
 No início do séc. VI percebe-se que Pseudo Dionísio substitui a palavra theōsis 
por theopoiēsis. Sua doutrina segue o essencial das linhas tradicionais, mas num estilo que 
entrelaça os aspectos especificamente cristãos. A theōsis integra-se no esquema neoplatônico 
do retorno a Deus. Ela identifica-se com a assimilação

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