80 anos de Zé Carioca: conheça história do papagaio brasileiro da Disney

Zé Carioca, primeiro personagem brasileiro da Disney, completa 80 anos de criação em 2022. Fruto da Política da Boa Vizinhança dos Estados Unidos, papagaio mostrava a visão dos estrangeiros sobre o Brasil

O papagaio brasileiro Zé Carioca não gosta de trabalhar. Ele mora em uma casa simples na Vila Xurupita, um bairro fictício do Rio de Janeiro que apresenta várias características de uma favela (apesar de não ser definida dessa forma). Com o seu “jeitinho brasileiro”, é um personagem carismático e está sempre em dívida com seus credores. Apesar das adversidades cotidianas, passa seus finais de semana jogando futebol com o time da região. Também enfrenta várias situações após começar a namorar Rosinha, a filha de um magnata que mora em uma parte nobre da cidade.

Na história de Zé Carioca, uma situação é evidente: o popular personagem criado pela Disney é repleto de estereótipos em relação ao Brasil. Apesar disso, ele conquistou os brasileiros e os estrangeiros. “No Brasil, ele foi recebido com encanto, talvez mais pela 'homenagem' prestada por Walt Disney (1901 - 1966) do que por um sentimento de que os Estados Unidos estavam alterando sua postura”, afirma Mário Sérgio Ignácio Brum, professor de Teoria e Ensino de História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor do artigo “Malandragem e ‘outra cidade’: representações do Rio de Janeiro nas histórias em quadrinhos do Zé Carioca”.

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Oficialmente lançado há 80 anos, com o filme “Alô, Amigos”, os detalhes citados sobre o papagaio apenas foram criados algum tempo depois porque, na época de estreia do longa-metragem, o objetivo era estreitar os laços dos Estados Unidos com países da América do Sul. No enredo da produção audiovisual, Zé Carioca passeia com Pato Donald pelo continente e lhe apresenta as culturas dos locais.

Zé Carioca com Pato Donald no filme 'Alô, Amigos', de 1942
Zé Carioca com Pato Donald no filme 'Alô, Amigos', de 1942 (Foto: Divulgação)

Foi uma tentativa bem-sucedida de tornar o Brasil um aliado do país norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Ao invés de uma aproximação intervencionista, um grupo de empresários e políticos estadunidenses decidiu elaborar estratégias para se aproximar da América do Sul. Entre os planos, havia a utilização de produtos culturais.

“O Zé Carioca é fruto da Política da Boa Vizinhança de diversas maneiras. Primeiro, pelo aprofundamento dos laços políticos e econômicos dos EUA com o Brasil, na disputa de influência dos Aliados com o Eixo. A fim de promover essa parceria, o governo contou com a ajuda do Walt Disney, cujos filmes faziam muito sucesso no Brasil, numa época que o cinema era a principal diversão familiar”, avalia Mário Brum.

De acordo com o professor, um dos principais estereótipos do personagem durante sua fase de produção nos Estados Unidos é a construção de uma imagem generalizada, principalmente, dos cariocas. “As histórias têm o morador do Rio como uma generalização, como o sujeito malandro que vive de pequenos golpes, desafeito ao trabalho... mas que é, de certa forma, feliz. Ele está tentando se inserir naquele mundo de riqueza que havia no Rio de Janeiro turístico”, complementa.

Walt Disney conversa com Getúlio Vargas durante sua visita ao Brasil
Walt Disney conversa com Getúlio Vargas durante sua visita ao Brasil (Foto: Iconographia)

Criação de Zé Carioca

Em uma viagem de Walt Disney para o Rio de Janeiro, em plena Segunda Guerra Mundial, ele e uma equipe montaram uma espécie de estúdio de animação no Brasil para mostrar à população como funcionava a criação de personagens e manter relações com profissionais da área.

“A viagem de Walt Disney tinha duplo objetivo: estratégico e econômico. Criar personagens latino-americanos foi uma maneira de aprofundar o mercado e a parceria, fazendo os latinos se reconhecerem num filme estadunidense e apresentando ao público dos Estados Unidos o que era a América Latina”, indica o professor Mário Sérgio Brum.

Walt Disney veio ao Brasil para produzir um personagem que representasse o país
Walt Disney veio ao Brasil para produzir um personagem que representasse o país (Foto: Life/ Reprodução)

Em um desses encontros, o empresário conheceu o cartunista J. Carlos (1884 - 1950), que trabalhava na revista “O Tico-Tico”, voltada para o público infantil. A publicação semanal em que colaborava foi a primeira a divulgar histórias em quadrinhos em território nacional. Ele auxiliou Walt Disney nos primeiros rascunhos de Zé Carioca, que seria finalizado por pessoas da equipe do estúdio internacional.

A principal inspiração para o personagem foi o músico paulista José do Patrocínio Oliveira (1904 - 1987), que contribuía para a trilha sonora de filmes internacionais. No período, conheceu Walt Disney e se tornou uma das referências para o pássaro. O brasileiro, inclusive, deu voz ao papagaio no primeiro longa-metragem.

Zé Carioca nos quadrinhos brasileiros

Para além dos filmes, Zé Carioca também ganhou uma versão em quadrinhos pela Editora Abril, que obteve grande popularidade no Brasil. No início, entretanto, o personagem aparecia como coadjuvante das histórias do Pato Donald. Às vezes, ele estampava as capas, mas não tinha participação no enredo.

Foi somente duas décadas depois, nos anos 1960, que Zé Carioca virou o protagonista. A partir desse momento, ele obteve uma maior profundidade: vive na Vila Xurupita, é apaixonado por uma jovem rica do bairro vizinho e adota características mais relacionadas com a população.

“No final da década de 1960, uma leva de autores, como Waldyr Igayara e Izomar Camargo, dá feições mais populares, cariocas ou até mesmo brasileiras, ao personagem, no sentido de gostar de futebol e feijoada… Mostra as dificuldades das pessoas pobres de todo o Brasil, de levar a vida com sacrifício e com um pouco de malandragem, mas com alegria”, ressalta Mário Brum.

“Foi nesse ponto que o Zé Carioca se tornou um grande sucesso no Brasil, criando uma identidade nacional que ia além do Rio”, expressa o pesquisador. Isso ocorreu porque personagens de várias regiões e personalidades foram elaborados. Pedrão, por exemplo, era conhecido por sua feijoada e costumava ter cuidado com sua plantação de jacas.

Surgiram ‘primos’ do Zé Carioca que eram versões arquetípicas de outros estados. Havia o cearense do sertão com chapéu de cangaceiro Zé Jandaia, o executivo engravatado Zé Paulista, o mineiro com chapéu de palha Zé Queijinho.... uma espécie de generalização bem humorada que acabava produzindo imagens do Brasil”, reflete o professor.

Homenagem aos 80 anos

Em homenagem aos 80 anos do personagem, a Culturama, editora que detém os direitos Zé Carioca, publicou uma edição especial das histórias que marcaram a trajetória do papagaio. Com 14 narrativas diferentes, obra mostra desde seu início até a fase mais recente. Além disso, há textos com curiosidades e informações.

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Filmes com Zé Carioca

Alô, Amigos (1942)

Filme introduz aspectos das culturas da América do Sul para os espectadores estadunidenses. Na animação, Pato Donald e Pateta conhecem outras tradições em viagens. Também é a primeira vez que Zé Carioca aparece nas histórias de animação da Disney.
Onde: Disney+

Você Já Foi à Bahia? (1944)

Em sete segmentos diferentes, Pato Donald viaja com os amigos para países latino-americanos. Em uma das partes, Zé Carioca apresenta lugares turísticos e a dança da região. Pato Donald, inclusive, se apaixona pela cantora Aurora Miranda.
Onde: Disney+

Tempo de Melodia (1948)

Em meio a vários curtas-metragens dentro de “Tempo de Melodia”, há “A culpa é do samba”. Pato Donald e Zé Carioca se unem mais uma vez para uma aventura. Na história, a ave Aracuã introduz os dois ao samba.
Onde: Disney+

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