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A descriminalização do aborto no México é uma resposta importante a recentes reveses

A decisão histórica é uma grande vitória para as mulheres, embora sua implementação ainda ofereça desafios

democracia Abierta
15 Setembro 2021, 12.01
A Corte Suprema do México descriminalizou o aborto em 7 de setembro
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Oscar Martinez/REUTERS / Alamy Stock Photo

A descriminalização do aborto no México é uma vitória para todas as mulheres mexicanas que há décadas lutam pela legalização desse direito. Mas a decisão da Suprema Corte de Justiça de 7 de setembro também traz esperança para toda a região, onde a interrupção da gravidez é legal apenas na Argentina, Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa e Porto Rico, os dois últimos como territórios da França e dos Estados Unidos, respectivamente.

A vitória torna-se ainda mais importante diante dos ataques judiciais que estão sendo implementados nos Estados Unidos, demonstrando que a América Latina pode emergir como uma resposta à onda retrógrada da potência do continente.

Os juízes da Corte Suprema mexicana declararam que o aborto não é crime ao invalidar uma parte do Código Penal do estado de Coahuila, decisão que torna inconstitucional a prisão de qualquer mulher por obter o procedimento. Dessa forma, o tribunal abriu um precedente favorável para a legalização do aborto em um país onde, com ou sem leis a favor, são realizados entre 750 mil e 1 milhão de abortos por ano.

Os obstáculos para o acesso ao aborto

A importância da descriminalização do aborto é, sem dúvida, enorme, mas o caminho para implementar mudanças a nível local ainda é longo. No México, o aborto é regulamentado pelos estados. Embora a decisão unânime dos juízes proteja as mulheres de serem processadas criminalmente por juízes em nível nacional, ela não remove o aborto dos Códigos Penais de cada estado.

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Atualmente, o aborto é ilegal em 28 dos 32 estados mexicanos. Em apenas quatro deles – Cidade do México, Oaxaca, Veracruz e Hidalgo – as mulheres têm liberdade para interromper a gravidez com segurança nas primeiras 12 semanas de gestação, o que mostra a árdua distância que se apresenta na luta pela legalização desse direito sexual e reprodutivo.

A decisão da Suprema Corte do México é uma resposta importante em um momento de crescente radicalização conservadora da política mundial

Além da burocracia e da oposição às mudanças legislativas a nível local, existem outros obstáculos práticos que dificultam o acesso ao aborto seguro no México. Em 2018, legisladores declararam que médicos têm o direito de se recusar a realizar abortos se o procedimento for contra suas crenças, exceto em casos de emergência – um direito que a Corte Suprema manteve nesta segunda-feira, 13 de setembro, ao declarar que a objeção não infringe o direito à saúde.

Assim, em uma semana, a corte promoveu uma vitória e edificou um obstáculo ao acesso ao aborto no México.

México indica possível consolidação de tendência na América Latina

Em dezembro de 2020, a Argentina se tornou o país mais populoso da América Latina a legalizar o aborto. A descriminalização do aborto no México nove meses após a aprovação da lei no Senado argentino mostra que a tendência de descriminalização do aborto na América Latina está em ascensão.

Os lenços verdes argentinos da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito viraram um símbolo regional da luta por esse direito. Segundo a antropóloga brasileira Debora Diniz, não é um fenômeno comum na região.

“Tradicionalmente, a América Latina não opera assim. Era uma região colonizada, que olhava muito mais para o Norte Global. E agora olhamos uns para os outros. Até um país que se entende como continente, como o Brasil, está usando o lenço verde para representar as causas das mulheres”, disse em entrevista à BBC.

México e Argentina mostram que é possível separar leis e crenças

Os mexicanos, em sua maioria, são socialmente conservadores. Uma pesquisa de 2019 mostra que 63% dos cidadãos são contra a legalização do aborto, com apenas 32% dos entrevistados se declarando a favor. A maioria da população é a favor do aborto legal em apenas 2 das 32 entidades federativas mexicanas, como mostra a mesma pesquisa – na Cidade do México, com 53%, e Baja California, com 51%.

A resistência de entidades religiosas ainda impõem desafios em toda a região. Em 2018, a influência da Igreja na rejeição do projeto de lei de legalização da interrupção da gravidez no Senado foi evidente. Na ocasião, o arcebispo de Buenos Aires, Mario Aurelio Poli, celebrou uma “Missa pela Vida” enquanto a lei era debatida pelos senadores. Anteriormente, o arcebispo de Tucumán, Carlos Sánchez, havia instado deputados – por nome e sobrenome – a votarem contra a medida.

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Mas, dois anos depois, o aborto legal virou lei. E menos de um ano depois, o México descriminalizou o aborto. Com suas decisões históricas, a Argentina e México provaram que, mesmo em países com forte influência da Igreja Católica, é possível separar o Judiciário das crenças pessoais de cada um.

A resposta mexicana durante a onda anti-aborto dos EUA

A decisão da Suprema Corte do México é uma resposta importante em um momento de crescente radicalização conservadora da política mundial, incluindo na América Latina. Embora algumas ativistas mexicanas considerem a decisão judicial no México uma “semi-descriminalização” devido à descentralização da regulamentação do aborto no país e aos obstáculos sociais e institucionais, a decisão é uma resposta contundente aos retrocessos significativos vistos nos últimos tempos.

Mais notadamente, o rico e politicamente influente estado americano do Texas, que divide uma longa fronteira com o México, aprovou uma lei que proíbe quase totalmente o aborto. Além de proibir o aborto após a sexta semana de gravidez, a lei também delega ao cidadão comum a obrigação de denunciar casos de aborto ilegal em lugar do Estado. A lei estabelece um precedente perigoso nos Estados Unidos, onde o direito ao aborto – legal a nível nacional desde 1973 – vem sofrendo uma série de reveses por parte de estados conservadores.

A descriminalização do aborto no México não resolve todos os problemas na luta por este direito fundamental. Mas é um passo importante que mostra que a América Latina está no caminho certo, apesar do contexto retrógrado que se espalha pela potência do Novo Mundo.

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