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EUA "perderam" Médio Oriente e Portugal afastou-se de Washington

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz critica os Estados Unidos por abandonarem o Médio Oriente, 20 anos após a invasão do Iraque, e também Portugal por se afastar das suas relações com Washington.

EUA "perderam" Médio Oriente e Portugal afastou-se de Washington
Notícias ao Minuto

11:00 - 07/04/23 por Lusa

Mundo Martins da Cruz

Em 20 de março de 2003, uma coligação liderada pelos Estados Unidos e Reino Unido, apoiada por Portugal, invadiu o Iraque e depôs o regime de Saddam Hussein, em 09 de abril, que era um dos argumentos para a intervenção militar, bem como a alegada existência de armas de destruição em massa nunca encontradas.

Apesar de o então Presidente norte-americano, George w. Bush, ter dado a missão como cumprida em 01 de maio, as forças norte-americanas mantiveram-se no país até 2011, enfrentando uma forte insurreição armada, entre lutas políticas, religiosas e sectárias.

Em entrevista à agência Lusa, o antigo chefe da diplomacia portuguesa à data da invasão sustentou que, "se recuarmos 20 anos, os Estados Unidos tinham uma presença forte, ou até mesmo dominante" no Médio Oriente.

"Infelizmente, o Presidente [Barack] Obama acabou com ela com os erros de política externa que fez a seguir, sobretudo com a ideia mirabolante da Primavera Árabe, que deu no que deu, obviamente", sustentou, adicionando: "E não contentes com isso, os presidentes [Donald] Trump e agora [Joe] Biden ainda forçaram a saída apressada do Afeganistão, o que levou à retirada quase total das forças americanas do Médio Oriente".

Isto significou, disse António Martins da Cruz, que, aos olhos dos decisores políticos e da opinião pública e dos países árabes, "os Estados Unidos perderam seguramente a capacidade de intervenção política e perderam a indicação de serem a potência mais importante do planeta".

A Primavera Árabe, prosseguiu, conduziu às guerras civis na Síria e no Iémen, e o espaço deixado pelos Estados Unidos foi ocupado pela Federação Russa e pela China, como se viu no recente acordo entre o Irão e a Arábia Saudita assinado em Pequim.

Por causa da crescente retirada norte-americana, segundo o antigo diplomata, que foi embaixador na NATO, "pela primeira vez, a Rússia dispõe na atual Síria de um porto no Mediterrâneo para a sua frota, que era um mar totalmente dominado pela Sexta Esquadra dos Estados Unidos, baseada em Nápoles".

Martins da Cruz comentou que a influência russa não se ficou pelo Médio Oriente e alastrou-se ao continente africano, "a ponto de haver vários países, sobretudo no sul do Sahel, a expulsar forças francesas, e dominados pelos mercenários do Grupo Wagner da Rússia".

Insistiu que "são consequências porventura não tanto da ação no Iraque em 2003, mas da ação das administrações americanas posteriores, que levaram a uma retirada gradual da sua presença no Médio Oriente, essencial para a estabilidade da região".

Por outro lado, Martins da Cruz lamentou que Portugal tenha "desprezado as relações com os Estados Unidos", por muito que a diplomacia portuguesa "faça o que pode e o que faz, faz bem feito", apontando que o último primeiro-ministro português que esteve na Sala Oval da Casa Branca, numa visita ao Presidente dos Estados Unidos, foi Durão Barroso, em 2003.

José Sócrates esteve reunido com Bush quatro anos mais tarde, mas no âmbito da presidência da união Europeia, embora, bilateralmente, o líder norte-americano tenha agradecido na ocasião o apoio de Portugal nas intervenções militares no Afeganistão e no Iraque.

"E depois as pessoas admiram-se que os americanos tenham deixado degradar a sua presença na base das Lajes, nos Açores, e, ao mesmo tempo, tenham aumentado e fortemente a presença que têm em bases militares no sul de Espanha", disse Martins da Cruz, que foi também assessor diplomático do ex-primeiro-ministro Cavaco Silva e que disse tê-lo acompanhado em cinco visitas à Casa Branca em nove anos.

O apoio de Portugal à invasão do Iraque, e em concreto o acolhimento, nos Açores, da cimeira que juntou George W. Bush e os primeiros-ministros britânico, Tony Blair, espanhol, José María Aznar, e português, Durão Barroso, poucos dias antes do início da guerra, levou a uma forte contestação em vários países, incluindo Portugal.

Recordando esses acontecimentos, Martins da Cruz afirmou que "o Governo foi fortemente atacado pela chamada ala radical esquerda do PS, que estava nessa altura no poder [no partido]" e que outros socialistas mais moderados mantiveram na altura um "silêncio prudente".

O antigo chefe da diplomacia recordou que foi um socialista, José Lamego, "um amigo de longa data com uma enorme experiência de política externa", a ser nomeado membro do Governo provisório do Iraque criado pelos Estados Unidos, apesar da oposição do PS à intervenção norte-americana.

Martins da Cruz reconheceu, no entanto, que se tratou de "um período agitado", embora "mais agitado para a imprensa do que em termos de decisões em política externa portuguesa, que foram tomadas com enorme linearidade e sem problema nenhum", acrescentando: "Era para nós intuitivo e seguro que a posição de Portugal tinha que estar com os Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e com a maioria dos países da União Europeia".

Leia Também: Invasões do Iraque e da Ucrânia não têm "comparação", diz antigo MNE

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