A Grande Rota das Flores é uma empreitada para valentes, mas constitui a melhor forma de descobrir esta ilha açoriana classificada como Reserva da Biosfera desde 2009. Propomos-lhe um troço misto, combinando trechos de vários percursos pedestres e animado pelo objectivo de visitar as sete lagoas das Flores. É um roteiro de caminhada de inimaginável beleza, com variações súbitas de topografia e paisagens diversificadas.

Encarando a rota de sul para norte, vale a pena começar no istmo de separação entre a Caldeira Funda e a Caldeira Rasa. São dois testemunhos de vulcanismo antigo, associados a erupções de magma e ao respectivo contacto deste com a água. As explosões resultantes terão sido intensas, reconfigurando a paisagem como se a rocha se tornasse plasticina por momentos. Acalmada a actividade, ficaram duas lagoas a cotas diferentes: 360 metros para a Caldeira Funda e 530 para a Caldeira Rasa. O objectivo dos fotógrafos assume particular dificuldade: captar num único instantâneo toda a beleza deste geossítio. A distância vence a variação de cotas e permite, se o dia estiver límpido, a fotografia desejada, com os dois corpos de água em competição. A nossa rota prossegue para norte, com algumas dificuldades típicas de um ecossistema bravio.

Os caminhos estão sinalizados, mas o piso apresenta-se enlameado com frequência, exigindo constante atenção. Muitos optam por uma variação, regressando à Estrada Nacional para oeste, de forma a não desperdiçarem a oportunidade de avistar a extraordinária Rocha dos Bordões, uma disjunção prismática que ganhou o nome devido à circunstância de as colunas de basalto parecerem bordões avistados à distância. A poucas dezenas de metros, o roteiro exige nova escala. A Cascata da Ribeira do Fundão tem figurado em inúmeros filmes promocionais da ilha e da região. É uma queda de água esquiva, que parece por vezes esconder-se no longo percurso até ao solo, reemergindo metros abaixo com revigorada intensidade.

Prosseguindo o percurso, o viajante começa a rumar para nordeste, penetrando no interior da ilha e, consequentemente, suportando a topografia mais exigente dos trilhos. Ao chegar ao Miradouro das Lagoas, já estará a mais de seiscentos metros de altitude. Encontra aí um novo prodígio da natureza: a Caldeira Funda e a Caldeira Comprida parecem sugerir ao viajante duas conclusões irrefutáveis: por um lado, a toponímia florentina é, com frequência, pragmática, identificando as formações com nomes óbvios; por outro lado, as lagoas nas Flores parecem vir aos pares, como gémeas falsas de um mesmo parto evolutivo.

Do ponto de vista da biodiversidade, este é também o troço mais rico, onde abundam ainda manchas de cedro-do-mato e turfeiras. O solo perde por momentos a solidez, ameaçando engolir o caminhante mais desprevenido, mas, com a prática, a dificuldade de percurso é superada. E a paisagem é esmagadora. Vista de satélite, a Caldeira Comprida parece uma pálpebra semicerrada e a Caldeira Funda parece corresponder a um olho já desperto. Consoante as épocas do ano, também as tonalidades da água divergem, mas a Caldeira Funda é, por força da profundidade, de um azul mais escuro, que alimenta todas as lendas e misticismos.

Prosseguindo a pé, o troço conduz o viajante à Caldeira Seca, a única das sete lagoas que não tem um corpo de água significativo. Na época da chuva (que nas Flores pode ser longa), a superfície da caldeira pode apresentar um ligeiro manto de água. Bandos de aves migratórias tiram partido da tranquilidade do local, alimentando-se e descansando da viagem transoceânica.

Algumas dezenas de metros à frente segue-se a Lagoa Branca, uma formação delimitada por um anel de tufos. Um observatório para aves faz as delícias dos muitos birdwatchers que acorrem ao Grupo Oriental para completar as suas checklists. Reinam a calma e o silêncio em trilhos pouco percorridos.

Falta, porém, uma lagoa no roteiro prometido. Regressando à estrada e rumando de novo a sul, o viajante encontra a lagoa da Lomba já na metade oriental da ilha. É um quadro de beleza bucólica, por vezes interrompido pelo nevoeiro. É também uma das zonas húmidas de importância internacional da ilha, justificada pela escassa profundidade da água e convergência de dezenas de espécies de aves neste local ao longo de todo o ano.

Uma lenda assegura que as lagoas florentinas resultaram do sonho de um rapaz local que, farto de escutar relatos sobre a beleza das lagoas das ilhas vizinhas, decidiu criar as suas. De bilhas de água ao ombro, procurou poças de água e, onde as encontrou, despejou a água que transportava. Assim criou sete lagoas e as variações de caudal de cada uma devem-se ao volume de água transportado em cada trajecto do garoto com a bilha de água ao ombro. Com essa metáfora de inocência, conclui-se o percurso por sete extraordinárias lagoas concentradas em poucos metros quadrados, onde o vulcanismo conspirou para criar uma paisagem quase irreal.