Um périplo pela diversidade das ilhas da Indonésia

Uma viagem pelas ilhas de Java, Bornéu e Sulawesi à procura de templos únicos no mundo, vulcões, selvas onde sobrevivem orangotangos e praias de sonho.

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Monte Bromo
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Este vulcão fumegante, em primeiro plano, com o esbelto Semeru ao fundo (3.676 metros) constitui a paisagem mais emblemática de Java. Na estação seca, tudo adquire um tom ocre.

À luz dourada da alvorada, o Gunung Bromo parece um enorme pudim de rocha a emergir do nevoeiro. O vulcão sagrado preside ao mar das Areias, uma paisagem que parece marciana.

As 17.000 ilhas que constituem a República da Indonésia situam-se no extremo do Anel de Fogo do Pacífico, a região de maior actividade sísmica do mundo. Por este motivo, os cones vulcânicos e o solo negro e poroso encontram-se por todo o lado neste país onde dois grandes oceanos, o Índico e o Pacífico, se beijam na forma líquida.

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SOMKIAT ATTHAJANYAKUL / AGE FOTOSTOCK

Kawah Ijen é um vulcão único em Java com um lago azul turquesa e os depósitos de enxofre na sua cratera. Aconselha-se a visita na alvorada.

Ao caminhar em direcção às encostas do Gunung Bromo, as botas do viajante ficam cobertas por uma poeira cinzenta e fica-se com a sensação de que a viagem requer um fato de astronauta, pois o cenário não poderia ser mais alienígena. Na estação seca, o vulcão, que se ergue no interior de uma cratera mais antiga, tem a cor do leão, raiado pelos fluxos de lava solidificada. A grande planície que o rodeia está coberta por uma névoa fantasmagórica. As erupções são tão frequentes que a escadaria escavada para facilitar o acesso desaparece uma e outra vez, destruída pela lava e pelas fracturas na rocha. A última erupção aconteceu em 2016.

Os seres humanos consideram esta montanha sagrada, sinal da disposição dos deuses, e esforçam-se por subi-la numa mistura de veneração, admiração e celebração. Mas o vulcão está determinado a livrar-se da lava que se acumula no seu interior, cobrindo o vale circundante com uma fina cinza que, por vezes, arruína aldeias e colheitas. Com o tempo, porém, esta fonte de minerais converte-se em terra fértil que, combinada com a pluviosidade dos trópicos, torna a Indonésia um dos territórios mais férteis do mundo.

SOLO, TEATRE WAYANG ORANG  JAVA (30)
SERGI RAMIS

Surakarta é uma cidade no centro de Java que possui um bonito kraton (complexo real muralhado) e o Istana Mangkunegaran, a segunda casa da monarquia. No encantador parque de diversões Sriwedari, há um teatro onde um grupo de wayang oran (“teatro humano”, por oposição ao tradicional wayang kulit, teatro de marionetas) actua todas as noites. Artistas vestidos e maquilhados de forma intensa interpretam excertos do Mahabharata e do Ramayana inspirados nos baixos-relevos de Prambanan. 

Ao atravessar a agreste Java Oriental, onde as plantações de café produzem frutos de cor rubi com os quais se produz um néctar delicioso, ganha-se a sensação de se ter mudado de ilha. Aqui, a ilha mais populosa do país transformou-se numa rede de aldeias e pequenas cidades que dependem da agricultura e da criação de gado e do enxofre roubado ao cone do Kawah Ijen.

Retrocedemos para o interior, para Yogyakarta, a segunda maior cidade depois de Jacarta, a capital, 500 quilómetros para oeste, ponto de partida para algumas das visitas mais interessantes. É uma cidade com quase um milhão de habitantes, extensa e com uma certa ordem urbana, seguindo as directrizes estabelecidas pelo seu kraton (recinto real murado). Assim que se transpõem os limites da cidade, avista-se o vulcão Gunung Merapi, gémeo do Fuji japonês, que fertilizou esta parte da ilha.

Os dois recintos religiosos mais notáveis da Indonésia, entre os mais impressionantes do mundo, foram construídos com a lava solidificada do Merapi. Borobudur é uma mandala tridimensional, com nove andares, assente numa plataforma quadrada. Contém dois milhões de blocos de pedra. O viajante entra com reverência através de pequenas portas que conduzem a patamares ladeados de esculturas de budas encerrados em sinos de treliça (mais de quinhentos) e sobe através de um caminho de rocha negra e relevos barrocos até ao patamar superior ou nirvana.

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MANAMANA / SHUTTERSTOCK

As seis plataformas inferiores são quadradas e as três superiores circulares. Aqui, encontram-se 72 budas dentro de estupas, visíveis através de aberturas.

Do topo, não conseguirá ver a base (as misérias do mundo fenomenal do samsara) e, do início, não conseguirá vislumbrar o final (a Iluminação). É o universo budista esculpido com cinzel há mais de um milénio.

Perto dali, a leste de Yogyakarta, edifícios cónicos, semelhantes a foguetes, perfuram o céu para nos recordar o período em que Java era um reino hindu. Em Prambanan, mais de duzentos edifícios ricamente ornamentados estão consagrados à Trimúrti. Os templos celebram a tríade dos deuses Brahma, Shiva e Vishnu, e guardam as estátuas gigantescas, mas delicadas, das principais divindades hindus.

A rocha negra e cinzenta do ventre dos vulcões é o material a partir do qual foi esculpido este recinto sagrado entre os séculos VIII e X. Agulhas que se elevam até 50 metros de altura ligam o céu à terra de uma forma real e simbólica. A panorâmica envolvente de palmeiras e arrozais, de um verde ofuscante, enquadra-se perfeitamente numa paisagem completamente onírica.

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Há mais de dois mil anos que se cultiva arroz em socalcos nos solos férteis do Leste de Java.

Para viajar até Kalimantan, o sector indonésio da ilha de Bornéu, atravessa-se o mar de Java de sul para norte, numa embarcação de pesca alugada, num ferry ou a bordo de um avião. Aqui encontra-se uma das maiores florestas tropicais do planeta e quase todos os orangotangos selvagens do mundo. No Parque Nacional de Tanjung Puting, é possível vê-los. Os klotoks (as embarcações fluviais tradicionais) sobem o rio Sungai Sekonyer e transportam os viajantes até às manchas de selva onde vivem estes nossos primos ancestrais. Orang hutansignifica “homem da floresta” na língua local. Percebemos o quão acertado é o nome ao vermos os movimentos destes primatas de pêlo vermelho, que podem parecer desajeitados por força dos seus membros longos, mas que têm o rosto de uma criança observadora. Olham-nos tão fixamente quanto nós olhamos para eles.

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Orangotango fêmea no Parque Nacional Tanjung Puting. 

Numa viagem de um a três dias, ficando alojados na própria embarcação e percorrendo os trilhos do parque que se tornou famoso graças aos esforços da primatóloga Biruté Galdikas (um dos Anjos de Leakey, juntamente com Diane Fossey e Jane Goodall), avistam-se com frequência orangotangos que recolhem comida deixada pelos vigilantes da natureza quando a fruta escasseia durante a estação seca. É uma das experiências de natureza mais gratificantes que se podem viver na Indonésia, tendo em conta a esquiva vida selvagem do país, escondida em selvas impenetráveis. E também uma das mais fáceis, uma vez que os orangotangos reintroduzidos na selva mostram pouco medo dos humanos.

Quando se atravessa o estreito de Macáçar, passando de Bornéu para Sulawesi, atravessa-se uma fronteira invisível. A Linha Wallace foi traçada pelo geógrafo e explorador Alfred Russel Wallace para marcar o local onde os reinos asiático e oceânico se separavam. A partir daqui, as plantas e os animais mudam por completo. Mas, acima de tudo, chega-se a uma ilha absolutamente única.

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Um klotok, uma canoa com motor, é a forma ideal de explorar o Parque Nacional de Tanjung Puting.

Com o bizarro formato do símbolo Pi adornado com um longo penacho, Sulawesi é o território de um grupo étnico lendário, os toraja. Este conglomerado de povos habita a faixa central, um território montanhoso e de selva onde se destacam no horizonte, além das palmeiras, os telhados das suas extraordinárias casas em forma de barco. São casas que reúnem famílias inteiras no sentido mais amplo da palavra (avós, pais, filhos, netos, primos, tios...), erguidas sobre grandes colunas de madeira que mantêm as habitações afastadas do solo húmido e dos vermes.

As casas são rematadas com uma cobertura côncava coberta com palha entrançada. Estes telhados são a razão pela qual são chamadas casas-barco, embora os antropólogos vejam nelas mais uma representação dos chifres de búfalo, o animal fetiche dos toraja. Na verdade, os chifres dos animais sacrificados em rituais ficam habitualmente pendurados na coluna principal da fachada. Alinham-se de cima para baixo e quantos mais houver, melhor será a posição da família na escala social.

A melhor forma de visitar Tana Toraja (o país dos toraja) é viajar até à pouco interessante, mas funcional, cidade de Rantepao e procurar a partir desse ponto de partida descobrir que povoações acolhem estrangeiros.

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Perfeitamente alinhadas de norte a sul e elevadas sobre estacas, as tongkonan não podem comprar-se nem ser vendidas. A sua forma faz lembrar um barco ou os chifres de um búfalo.

Sulawesi é uma ilha extraordinariamente montanhosa, com picos com mais de três mil metros de altura e que isto, juntamente com a temperatura ambiente sempre elevada (nunca descendo abaixo de 22ºC e atingindo facilmente 36ºC) e uma pluviosidade invulgarmente baixa durante a estação seca, força o viajante a deslocar-se num ambiente sufocante. Não há outra forma de contactar com este grupo étnico que tem na celebração da morte o seu elemento mais distintivo. Os forasteiros são bem-vindos aos festejos, embora os estômagos sensíveis talvez devam abster-se de assistir a determinadas cerimónias.

Os toraja celebram dois funerais para os seus falecidos. Um imediatamente após a morte. Outro, meses depois, em plena estação seca, para o qual são convidados familiares e conhecidos que moram longe. É o momento de sacrificar galinhas, porcos ou búfalos, rituais sangrentos que têm lugar num círculo de barro onde o machete é manejado sem piedade. Os corpos mumificados dos familiares, que se mantiveram dentro de casa durante meses, são colocados ao sol, vestidos com as suas melhores roupas, penteados e arranjados. Depois, os que pertencem a uma classe com suficiente prestígio social sobem as falésias das montanhas próximas e colocam o falecido em túmulos abertos na rocha, deixando-o aos cuidados dostau tau, as figuras de madeira que actuam como guardiões da pessoa desaparecida. Os nichos são inacessíveis para garantir também que os túmulos não sejam saqueados.

Essa é uma preocupação inevitável, já que os corpos são amortalhados com as melhores jóias da comunidade. Estas experiências tão distantes dos nossos comportamentos sociais podem deixar o viajante esgotado, pelo que será boa ideia recuperar forças num dos locais idílicos de Sulawesi. As praias de areia branca e águas cristalinas são famosas no extremo setentrional, em Manado, para onde os mergulhadores se dirigem como se o local fosse a meca subaquática.

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Este arquipélago vulcânico em Sulawesi tem fundos marinhos espectaculares e uma selva bem preservada. É acessível por barco a partir de Ampana ou Gorontalo. 

Mas existem outros locais menos frequentados, como o pequeno arquipélago de Tukangbesi, no extremo sudeste, ou Togean, um grupo de 60 ilhas abraçadas pelas duas grandes penínsulas do Norte. São pequenos paraísos onde se pode mergulhar ao lado de tartarugas e dugongos e cujas selvas abrigam animais endémicos raros, além do teatral caranguejo-dos-coqueiros, um artrópode gigantesco que sobe à copa das árvores para arrancar os frutos, despedaçando-os com as suas poderosas pinças.

O Sul tem melhores estradas e o acesso é o mais fácil da ilha, embora as montanhas continuem a pronunciar-se quase directamente sobre o mar. Para chegar aos bancos de areia do Norte, é preciso atravessar a serra central. No entanto, Sulawesi não é apenas um destino subaquático. Nos vales de Napu, Besoa e Bada, encontram-se mais de quatrocentos megálitos de uma cultura sobre a qual ainda pouco se sabe. A sua função também é desconhecida, mas é curioso que as rochas tenham sido esculpidas como formas humanas que fazem lembrar os moai da ilha da Páscoa. Têm mais de quatro mil anos. Além disso, no lago Danau, existe uma das maiores concentrações de orquídeas do planeta, o que completa a ideia de que tudo é belo na Indonésia: a imagem alienígena dos vulcões, os animais e plantas que povoam a selva e os grupos humanos que desenvolveram rituais ainda hoje tão estranhos para nós, mas até certo ponto compreensíveis.

Borobudur

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Borobudur

As seis plataformas inferiores são quadradas e as três superiores circulares. Aqui, encontram-se 72 budas dentro de estupas, visíveis através de aberturas.

Kawah Ijen

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Kawah Ijen

Um vulcão único em Java com um lago azul turquesa e os depósitos de enxofre na sua cratera. Aconselha-se a visita na alvorada.

O grande vulcão de enxofre

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O grande vulcão de enxofre

Uma caminhada de 45 minutos a partir de Paltuding, num trilho confortável, conduz ao cone de Kawah Ijen (2.368m). Ao longo do caminho, homens de pernas magras carregam enormes cestos de rochas amarelas que pesam 75 a 90kg. É o enxofre que arrancaram com picareta das zonas mais asfixiantes da cratera. Os visitantes chegam à borda e não acreditam no que vêem: um precipício quase vertical, no fundo do qual se encontra um lago turquesa de água muito ácida (pH inferior a 0,5). Entre as fumarolas, é possível identificar pessoas a trabalhar, arriscando a vida para apanhar rochas que terão de carregar às costas para vender no mercado mais próximo. O trabalho não poderia ser mais ingrato, mas os javaneses de Ijen sabem que o vulcão lhes oferece minério sem descanso. E, sem descanso, recolhem-no para garantir a sua subsistência.

 

https://www.nationalgeographic.pt/meio-ambiente/o-vulcao-que-expele-lava-azul_1366

Prambanan

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Prambanan

O maior complexo de templos hindus da ilha de Java tem 240 candis e é contemporâneo de Borobudu

Socalcos nos solos férteis do Leste de Java

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Socalcos nos solos férteis do Leste de Java

Há mais de dois mil anos que se cultiva arroz em socalcos nos solos férteis do Leste de Java.

Kalimantan

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Kalimantan

Um klotok, uma canoa com motor, é a forma ideal de explorar o Parque Nacional de Tanjung Puting.

Orangotango fêmea

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Orangotango fêmea

Orangotango fêmea no Parque Nacional Tanjung Puting.

Casas Toraja

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Casas Toraja

Perfeitamente alinhadas de norte a sul e elevadas sobre estacas, as tongkonan não podem comprar-se nem ser vendidas. A sua forma faz lembrar um barco ou os chifres de um búfalo.

Wayang Orang em Surakarta

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Wayang Orang em Surakarta

Surakarta é uma cidade com meio milhão de habitantes no centro de Java, quase sempre ignorada pelos estrangeiros. No entanto, é o principal foco de tradição e uma das cidades menos ocidentalizadas. Possui um bonito kraton (complexo real muralhado) e o Istana Mangkunegaran, a segunda casa da monarquia. No encantador parque de diversões Sriwedari, há um teatro onde um grupo de wayang oran (“teatro humano”, por oposição ao tradicional wayang kulit, teatro de marionetas) actua todas as noites. Artistas vestidos e maquilhados de forma intensa interpretam excertos do Mahabharata e do Ramayana inspirados nos baixos-relevos de Prambanan. O ambiente descontraído em que o público entra e sai à vontade é uma maneira estupenda de ligar-se às tradições hindus, mesmo ignorando o idioma javanês usado pelos actores.

 

Representação teatral no parque de diversões de Sriwedari, em Surakarta.

Ilhas Togean

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Ilhas Togean

Este arquipélago vulcânico em Sulawesi tem fundos marinhos espectaculares e uma selva bem preservada. É acessível por barco a partir de Ampana ou Gorontalo.

 Artigo publicado originalmente na Edição Especial Viagens "Tesouros da Ásia".

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