Uma seca é um fenómeno natural complexo, de origem meteorológica ou climatológica, cuja ocorrência ou frequência não é possível prever com suficiente antecipação devido à dependência das condições meteorológicas. As secas devem enquadrar-se em anomalias da circulação geral da atmosfera, a que correspondem flutuações do clima numa escala local ou regional.
A situação geográfica do território de Portugal continental é favorável à ocorrência de episódios de seca, quase sempre associados a situações de bloqueio em que o anticiclone subtropical do Atlântico Norte se mantém numa posição que impede que as perturbações da frente polar (ver glossário no fim da página) atinjam a Península Ibérica, contribuindo assim para a redução da precipitação no território.

Seca Alentejo
Vanda Cabrinha

Secas entre os século XIV e XIX

As situações de seca são frequentes em Portugal continental, com consequências desastrosas na agricultura, nos recursos hídricos e no bem-estar das populações. Ao longo de vários séculos, existem evidências históricas que indicam a ocorrência de secas com impactos severos em Portugal continental. Alguns eventos estiveram mesmo associados ao aumento da taxa de mortalidade, consequência da fome generalizada causada pela quebra nas produções agrícolas de sequeiro.

Alguns exemplos históricos de secas em Portugal são os anos de 1354-55, 1385-98, 1504-06, 1733-38 ou 1753.

Na figura abaixo, pode ler-se um poema alusivo à situação de seca nesse último ano:

. Poema Sobre As Secas Do Ano de 1753.

"Poema Sobre As Secas Do Ano de 1753. E Chuvas, Cõ que O Senhor Dos Pasos Da Grasa Acodiu depois de muitos mezes, que se fazião preces por todo o Reino" (Anónimo, Lisboa, 1753).

Fonte: "O clima do sul de Portugal no século XVIII" (2004).
 

Já no século XIX há registos descritivos de um evento particularmente longo e severo, entre 1873 e 1878; também a década de 70 do século XIX foi dramática para os algarvios: anos consecutivos de seca fizeram soar os alarmes na capital do reino, Lisboa, em Maio de 1875, como noticiaram os jornais da altura: “Nenhumas esperanças há já de que a agricultura produza o suficiente para a sustentação dos habitantes da província, nem pastos haverá em quantidade bastante para a alimentação do gado”, podia ler-se no periódico lacobrigense “Gazeta do Algarve”.

OCORRÊNCIAS NO SÉCULO XX

Nos anos mais recentes tem-se observado uma maior frequência de episódios de seca meteorológica. Alguns têm-se prolongado por mais de um período húmido (Outono e Inverno) e seco (Primavera e Verão) e também têm abrangido uma maior percentagem do território, sendo a região Nordeste e a região Sul as mais afectadas.

Desde 1980 já se registaram oito situações de seca com grande extensão territorial e grande severidade. Mais de 10% do território esteve em situação de seca extrema e houve quatro situações em que mais de 75% de Portugal continental esteve em situação de seca moderada ou severa.

Situacoes de seca
IPMA

Situações de seca meteorológica mais intensas e de maior duração em Portugal continental desde 1980.
 

A seca de 2004/2006 (terminou em Fevereiro) foi a mais intensa (meses consecutivos em seca severa e extrema) e de maior extensão territorial dos últimos 90 anos. Mais recentemente nas secas de 2011/2012 e 2017/2018 também se verificou que quase todo o território se encontrava em seca nas classes severa e extrema do índice PDSI (ver figura abaixo e glossário).

Percentagem do território de Portugal Continental nas classes mãos graves do índice PDSI (severa e extrema).
IPMA

Percentagem do território de Portugal Continental nas classes mãos graves do índice PDSI (severa e extrema).
 

Secas mais frequentes no futuro

A maior frequência de situações de seca meteorológica que se verifica em Portugal continental nas últimas décadas é indicativa de um aumento do risco e da vulnerabilidade a este fenómeno, o que irá trazer um aumento dos impactos, nomeadamente, ao nível dos sectores agropecuário e hidrológico em algumas regiões do país e consequentemente na sociedade Portuguesa. 

Em termos de impactos a nível nacional, devido aos frequentes períodos de seca prolongada, verifica-se um aumento da degradação do solo, em várias partes do território, que conjuntamente com os incêndios florestais recorrentes e potenciados durantes os períodos de maior escassez de água, têm como resultado um aumento do risco de desertificação de várias regiões.

Uma ponte romana na barragem seca do Pego do Altar após uma longa seca em Alcácer do Sal, Portugal. 
Paulo rocha / Shutterstock

Uma ponte romana na barragem seca do Pego do Altar após uma longa seca em Alcácer do Sal, Portugal. 

 

Este artigo foi escrito no âmbito de uma parceria de comunicação de Ciência estabelecida entre a National Geographic Portugal e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P.

 

SECA METEoroLÓGICA VS HIDROLÓGICA

Num período de seca as condições climáticas de uma região alteram-se devido à ausência ou escassez de precipitação. Podemos considerar a existência de dois tipos de seca: seca meteorológica, devido à ausência ou escassez de precipitação que ocorre quando existe um período anormal de tempo seco, suficientemente longo; e seca hidrológica, que ocorre quando a ausência ou escassez de precipitação leva à diminuição das reservas hídricas, como por exemplo a redução significativa do caudal dos rios, do nível das albufeiras e lagos e da quantidade de água no solo e nos aquíferos.

A severidade de uma seca está associada não só à duração, intensidade e extensão espacial, mas também às necessidades da vegetação e das actividades humanas. A exposição a fenómenos de seca varia espacialmente e pouco ou nada há a fazer para que se possa alterar uma ocorrência de seca. A vulnerabilidade, por outro lado, é determinada por factores sociais, tais como a população, as características demográficas, o comportamento social, os padrões de uso do solo, a utilização da água, a tecnologia, o desenvolvimento económico, entre outros. 
Por definição o risco associado a uma seca, para qualquer região, é o produto da exposição da região ao fenómeno (probabilidade de ocorrência) e a vulnerabilidade da sociedade. 


Glossário:

  • Anticiclone subtropical: região atmosférica caracterizada por altas pressões, ou centro de altas pressões. É uma região atmosférica, cuja principal característica é a existência de elevadas pressões em relação às regiões vizinhas e no mesmo nível. O anticiclone subtropical situa-se entre 30° e 40° de latitude.
  • Frente Polar: uma frente é uma zona de transição ou superfície de contacto entre duas massas de ar de densidades diferentes o que implica normalmente temperaturas diferentes. A área de convergência entre calor, ar húmido e frio, ar seco ou a zona em que o ar polar se encontra com o ar tropical é conhecida como frente polar. 
  • Exposição: presença de pessoas, propriedades e infra-estruturas que poderiam ser afectados pelo evento extremo e, portanto, sujeitas a potenciais perdas.
  • Vulnerabilidade: características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou património que a/o(s) torna mais susceptível(eis) aos efeitos graves do evento extremo (depende da sensibilidade e capacidade adaptativa).
  • Índice PDSI (“Palmer Drought Severity Index”): Índice de seca meteorológica baseado no conceito do balanço da água, tendo em conta dados da quantidade de precipitação, de temperatura do ar e da  capacidade de água disponível no solo; permite detectar a ocorrência de períodos de seca e classifica-os em termos de intensidade (fraca, moderada, severa e extrema).
  • Índice SPI (“Standardized Precipitation Index”): índice de seca meteorológica que quantifica o défice ou o excesso de precipitação em diferentes escalas temporais, que reflectem o impacto da seca nas diferentes disponibilidades de água. As menores escalas, até seis meses, remetem à seca meteorológica e agrícola (défice de precipitação e de humidade no solo, respectivamente), entre os 9 e os 12 meses à seca hidrológica com escassez de água reflectida no escoamento superficial e nos reservatórios artificiais.

Referências:

  • Pires, V. Silva A., Mendes L. 2010. Drought Risk in Mainland Portugal. Rev. Territorium, Nº17, pp 27-34.
  • WWf, 2019. Vulnerabilidade de Portugal à Seca e Escassez de Água. Associação Natureza Portugal, com a World Wilde Fund (ANFF/WWF).
  • Taborda, J. Alcoforado M., Garcia, J. 2004. O clima do sul de Portugal no século XVIII. Centro de estudos geográficos. Lisboa.