Diz-se que cada povo tem um sentido de humor próprio que por vezes é difícil para os restantes compreender. No caso da Roma Antiga, esse sentido de humor reflectia o carácter daquilo que, na sua origem, era um povo de camponeses e soldados e se caracterizava pelo tom insolente e mordaz. Este humor cáustico, às vezes chamado italum acetum ou “vinagre itálico”, constitui o reverso da imagem de respeitabilidade e seriedade, também chamada gravidade, que os cidadãos da elite romana procuravam transmitir.

Os romanos davam um toque humorístico até aos nomes das pessoas, em particular ao terceiro componente do nome chamado cognomen ou alcunha. Por exemplo, o nome completo do famoso poeta Ovídio era Publius Ovidius Naso, “narigudo” ou “narigueta”. Marcus Tullius Cícero é precisamente conhecido pela sua alcunha familiar Cícero, “grão-de-bico”, fosse porque os seus antepassados o cultivavam, fosse porque o primeiro deles terá tido uma verruga no nariz. Outras alcunhas particularmente engraçadas que ainda fazem rir são Brutus, “tonto”; Burrus, “ruivo”; Capito, “cabeçudo”; ou Strabus, “vesgo”.

romano rufo

Rufo, o narigudo. Numa das paredes da Villa dos Mistérios, em Pompeia, foi encontrada uma caricatura (à di- reita) com uma inscrição: “Rufus est” (é Rufo). Sabe-se que o dono da casa se chamava Istacídio Rufo, pelo que se acredita que alguém da casa, talvez um escravo descontente, quisesse troçar desta forma de um amo pouco estimado.

Imperadores engraçados

Os imperadores também não escapavam às alcunhas burlescas. Quando Tibério ainda era um soldado, troçavam dele no acampamento, fazendo trocadilhos com o seu nome: Tiberius Claudius Nero transformava-se num humorístico Biberius Calidus Merum, com o qual se fazia alusão à sua condição de bebedor, ao gosto que os romanos tinham pelo vinho quente (calidus) e à não menor predilecção pelo vinho puro e sem mistura (merum).

A comédia: os romanos riem-se de si próprios. 

Depois da morte de Plauto, o mais popular dos comediógrafos romanos, dizia-se que o riso, a brincadeira e a piada tinham chorado juntos. Os tipos sociais mais comuns desfilam pelas suas obras: ovelho libidinoso que compete com o filho por uma romana que exibe a sua arrogância e extravagância, o escravo inteligente em contraste com o parasita faminto, o soldado fanfarrão, o alcoviteiro cruel que repugna ou os banqueiros avarentos e gananciosos. Plauto aumentava os defeitos de cada personagem para provocar o riso e não hesitava em recorrer à linguagem popular. “Para casa da grande cadela é para onde ele ia, o vagabundo, corruptor dos seus filhos, bêbado, miserável!”, explode uma esposa traída em A Comédia dos Burros.

Lúcio Postomo

Lúcio Postúmio foi enviado para a colónia grega de Tarento liderando uma embaixada romana. Durante o seu discurso, foi objecto de troça por causa do seu domínio defeituoso da língua grega. Gravura. século XX.

Os soldados eram especialmente dados a provocações, mesmo em momentos de grande solenidade como os desfiles triunfais dos generais vitoriosos em Roma. Por exemplo, na vitória celebrada em 46 a.C., Júlio César teve de aguentar os gracejos dos seus soldados que cantavam: “Cidadãos, guardai as vossas mulheres, trazemos connosco o adúltero careca”, aludindo à vida dissoluta do seu general. Circularam igualmente piadas sobre a sua calvície pronunciada e fizeram-se alusões maliciosas às suas relações com o rei da Bitínia. “César subjugou as Gálias, Nicomedes fê-lo a César”, dizia-se, jogando com o duplo sentido de submeter, “colocar debaixo de”. Toda esta prosápia não era apenas uma forma de se divertirem – talvez servisse também para evitar a excessiva arrogância do comandante vitorioso. Em Roma, a bisbilhotice, o gracejo e a chacota estavam na boca de todos. Cícero dizia que ninguém estava a salvo do rumor numa cidade tão maldizente como Roma. Precisamente pessoas da alta sociedade como o famoso orador, que deveriam estar imbuídas de gravitas, praticavam o humor tanto nos seus discursos públicos como na sua vida privada.

Em certa ocasião em que Cícero viu o seu genro Lêntulo, que era de baixa estatura, com uma grande espada exclamou: “Quem amarrou o meu genro a uma espada?” A propósito de uma matrona romana já idosa que afirmava ter apenas 30 anos, comentou: “É verdade, há 20 anos que a ouço dizer isso.” O imperador Augusto também tinha um grande sentido de humor. Quando o cônsul Galba, que era corcunda, lhe pediu para o corrigir, Augusto respondeu que o poderia admoestar, mas não “corrigir”, jogando com o duplo sentido do verbo corrigere que em latim significa “corrigir”, mas também “endireitar ou pôr direito”.

cena de comédia

Cena de uma comédia de Plauto. Pintura no átrio da casa de Públio Servílio Casca em Pompeia.

As piadas ou insultos nem sempre caíam bem ao destinatário. Sabe-se que um tal de Cornélio Fido começou a chorar em pleno Senado quando alguém lhe chamou “avestruz depenada”. Às vezes, rir em público poderia ser perigoso. Em 192 d.C., o historiador Dião Cássio estava no Coliseu com outros colegas senadores quando o excêntrico imperador Cómodo, que actuava na arena, matou uma avestruz, cortou-lhe a cabeça e dirigiu-se para eles, explicando através de gestos ameaçadores que eles podiam acabar como a ave. A situação foi tão hilariante que os senadores estiveram prestes a desatar a rir. Para o evitar, Dião começou a mastigar folhas de louro da sua coroa, gesto que os seus companheiros se apressaram a imitar.

Comediantes do palácio

A corte imperial tinha bobos da corte e anões para diversão do imperador. Augusto e o seu círculo usufruíam do humor de um bobo da corte chamado Gaba. Tibério, por seu lado, tinha um anão entre os seus bobos da corte. Domiciano assistia aos espectáculos de gladiadores com um jovem que tinha uma cabeça pequena e monstruosa. Vestido de escarlate,sentava-se aos pés do imperador com quem falava tanto em tom de brincadeira como com seriedade. Na época de Trajano, as piadas eram feitas por um tal de Capitolino que,segundo o poeta hispânico Marcial, superava Gaba em graça.

As mulheres também podiam ser bobos da corte ou objecto de piadas. Numa das suas cartas, Séneca menciona Harpaste, uma criada tonta que a sua primeira esposa lhe deixara em herança. O filósofo, com grande sentido de humanidade, declarava que sentia aversão a rir-se destas pessoas deformadas e acrescentava que quando se queria divertir ria-se de si próprio. O humor estava presente nas conversas de rua e das tabernas, que já não podem ser ouvidas mas das quais restam ainda vestígios nos graffiti das paredes de Pompeia, repletas de piadas, insultos e caricaturas de pessoas verdadeiras. Por exemplo, um hóspede descontente com a pensão em que se encontrava escreveu: “Urinei na cama, confesso. Cometi um pecado, mas se me perguntar, estalajadeiro, a razão pela qual o fiz dir-lhe-ei: não havia penico.” Em Roma, quando um tal de Ventídio Basso passou de condutor de gado às mais altas magistraturas, o povo ficou escandalizado e alguns escreveram nas ruas da cidade os seguintes versos: “Vinde, corram todos, áugures, arúspices, surgiu um prodígio invulgar: aquele que esfregava as mulas é agora cônsul.”

seneca

Ao contrário de outros, Séneca sentia aversão a rir-se de pessoas disformes. Na imagem bobo da corte anão. Vasilha de barro proveniente de Herculano. Século I.

Piadas em verso

Vestígios do humor popular podem ainda ser vistos em alguns dos epigramas satíricos de Marcial, que troçavam dos defeitos físicos e do carácter dos seus contemporâneos. Primavam pela brevidade e pela argúcia do remate, onde residia a piada. O humor cáustico é evidente nestes exemplos: “Quinto ama Taís”.“Que Taís?”.“Taís, a vesga”. “À Taís falta-lhe um olho, e a ele dois.”

As anedotas do “amante do riso”

As anedotas contidas na obra Philogelos mostram que, na Antiguidade greco-romana, as piadas atin- giam todas as profissões e condições sociais.

Um indivíduo que regressava de uma viagem perguntou a um falso adivinho pela sua família. Este disse: “Todos estão bem, incluindo o teu pai”. Ao que o outro retorquiu: “O meu pai morreu há dez anos.” Responde o adivinho: “É porque não conheces o teu verdadeiro pai.” 

Um abderita viu um eunuco a conversar com uma mulher e perguntou-lhe se era a sua esposa. Quando o eunuco lhe disse que não podia ter mulher, o outro respondeu:

“Então é a tua filha.”

Alguém que encontrou um dia um intelectual disse:

“O escravo que me vendeste morreu.” O outro respondeu: “Pelos deuses, enquanto esteve comigo nunca fez tal coisa.”

Contudo, foi preciso esperar até ao século V d.C. para encontrar um verdadeiro livro de compilação de anedotas. Está escrito em grego e intitula-se Philogelos,“o amante do riso”. Contém 265 histórias humorísticas dos mais variados géneros. Algumas têm como protagonistas os abderitas (habitantes de Abdera, no Norte da Grécia), que na Antiguidade eram considerados os tontos por antonomásia, juntamente com os habitantes de Cumas, perto de Nápoles. Outros dos protagonistas eram os eunucos, os falsos adivinhos e as personagens misóginas. Entres estes últimos encontra-se um que mostra que certas formas de humor são uma constante de todas as épocas. Um homem enterrava a sua esposa quando alguém lhe perguntou: “Quem descansa?”. Ao que ele respondeu: “Eu, que me livrei dela.”