Toda a história da cultura ocidental encontra-se banhada pela luz dos deuses helénicos. Nenhuma outra civilização cultivou a potência narrativa, a profundidade e a riqueza dos seus mitos da forma como os gregos o fizeram. Através das velhas “histórias das tribos”, estes tentavam encontrar uma explicação para todas as questões que o ser humano formulava desde o princípio dos tempos. Através desses velhos relatos, o povo grego tentou satisfazer o seu desejo de conhecimento dos factos que davam origem e ordem ao seu universo para, numa última instância, dotar de sentido a sua existência, sempre condicionada pela força do desconhecido.

É impossível rastrear até onde vão as raízes da tradição mitográfica dos gregos. Histórias como a da guerra de Tróia evocam cenários e nomeiam locais que alcançaram uma singular relevância na Grécia da Idade do Bronze, enquanto o repertório de episódios mitológicos localizados em Creta – como o do Minotauro – aponta, ainda com falta de testemunhos directos, para o possível papel da ilha no desenvolvimento dos mitos gregos.

Não existem dúvidas de que as primeiras evidências directas remontam à Época Arcaica e que estas se encontram nos poemas de Homero e Hesíodo, cuja existência – questionada ainda no caso do segundo – remonta aos séculos VIII-VII a.C. Os mitos que até então tinham sido transmitidos de boca em boca (mythos pode também significar “narração”), começaram a ser recriados por poetas que utilizavam um episódio do repertório lendário e davam-lhe uma forma artística sob o símbolo da poesia épica.

Desta forma, Homero e Hesíodo são os depositários de uma tradição poética de séculos, mas ao mesmo tempo também representam o seu ponto mais alto. Por conseguinte, poder-se-á   dizer que, de acordo com Heródoto, estes foram dois dos homens que formaram o imaginário divino do povo grego durante a Época Arcaica tal como este seria conhecido ao longo da Antiguidade.

deuses gregos

Os deuses helénicos, baluartes da justiça. 

O pessimismo dos poemas de Homero e de Hesíodo em relação à natureza humana é aliviado pela garantia de que os deuses zelam pela justiça. Não é por isso em vão que a sua organização social não difere da dos aristocráticos guerreiros que celebram sacrifícios e hecatombes em sua honra. Zeus ocupa o lugar de privilégio na sua casa do Olimpo e comporta-se como “o pai de deuses e homens” como se fosse um basileus – o máximo, isso sim – de um clã aristocrático. Neste sentido, os deuses asseguram a manutenção da justiça na comunidade em troca de juramentos e promessas e conferem inviolabilidade aos peregrinos, mendigos e suplicantes. Na imagem, uma antiga representação de Zeus. A máxima divindade grega protagoniza este disco votivo de bronze, que data do século VIII a.C. e que foi encontrado no monte Ida em Creta (Museu Arqueológico, Heraklion).

Homero descreve na Ilíada e na Odisseia um universo divino plenamente configurado e com todos os seus deuses em plena posse dos seus atributos; Hesíodo oferece na sua Teogonia a resposta às questões fundamentais de como se formou o mundo – uma “cosmogonia” – e de como surgiram as divindades primordiais – uma “teogonia” propriamente dita.

Do caos à ordem

Segundo Hesíodo, o cosmo – ou seja, a palavra grega para “universo”, que em primeira instância significa “ordem” – teria sido criado a partir de uma massa informe à qual os gregos chamavam “caos”. A seguir, surgiu Gaia (a Terra), a partir da qual Eros, a potência primigénia e geradora, empreendeu a criação, dando lugar a Úrano (o céu), bem como à noite, ao dia, às montanhas, ao mar e a muitos outros deuses da primeira geração que representavam as forças da natureza e que não possuíam forma humana.

O primeiro a reinar sobre o universo foi Úrano que, com Gaia, gerou uma segunda geração de deuses: os Titãs, os Ciclopes e os Hecatonquiros (gigantes com 100 braços), potências anteriores à ordem conhecida pelos homens que protagonizaram uma luta pelo poder. Úrano não os deixava sair para a luz do dia, embora no final, segundo o plano de Gaia, o mais novo dos Titãs, Cronos (deus do tempo), tivesse de facto emergido do seu esconderijo e com uma foice cortado os genitais de Úrano, atirando-os ao mar.

Da espuma (aphros em grego) que se formou, nasceu Afrodite, a deusa do amor. Do sangue dos genitais do seu pai que caiu sobre Gaia, surgiram as Irínias, criaturas vingadoras dos crimes cometidos no seio da família. Cronos, rei do universo, gerou com a sua irmã Reia uma terceira geração de deuses, que se chamaram “olímpicos” porque viviam no monte Olimpo e que aos olhos dos gregos apareciam já sob forma humana: Deméter, Héstia, Hera, Posídon, Hades e por último e mais importante, Zeus.

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Divindades inter-relacionadas.

A comunidade formada pelos deuses gregos possuiu um carácter marcadamente patriarcal e os seus membros definem-se a partir das relações que mantêm entre si, formando um sistema sem fissuras. Desta forma, Zeus tem o poder do céu e exerce o papel de chefe do clã, papel que nem o seu irmão Posídon (senhor dos mares e da superfície terrestre) nem o sombrio Hades (rei do submundo) discutem. O fogo do lar é guardado pela deusa Héstia, enquanto a função soberana recai na poderosa Hera, irmã e esposa de Zeus, guardiã dos vínculos matrimoniais. O “papel” de mãe na sua variante de fecundidade é desempenhado por Deméter, deusa da agricultura. A distribuição das competências desta primeira geração de deuses olímpicos está claramente definida e o mesmo acontece na segunda.

Este agrupamento familiar e a divisão de funções não são exclusivos da mitologia helénica, mas o carácter grego é definido pela clareza e eficácia com que ambas as questões ficam representadas no panteão num número não muito elevado. mas mais do que suficiente para explicar a realidade circundante dos gregos e os mistérios da existência humana.

Na imagem, Atena surge da cabeça de Zeus, pormenor da decoração de uma ânfora ática do século V a.C. (Museu do Louvre, Paris). Segundo o mito, a deusa grega teria nascido já completamente armada.

Tal como Úrano na geração anterior, Cronos temia que os seus filhos o destronassem e por isso devorava-os à medida que estes nasciam. Reia conseguiu esconder Zeus, o mais novo. Quando Zeus cresceu, forçou Cronos a vomitar os irmãos e liderou-os num combate contra o próprio pai e os restantes Titãs, originando uma série de batalhas – a Titanomaquia – que Zeus venceria numa alegoria da luta entre a ordem e o caos. Os Titãs foram condenados às sombrias regiões do Tártaro (o abismo herdeiro do caos primigénio) e instaurou-se um universo presidido pela justiça cósmica. Seguiu-se então uma nova geração de deuses que concluiria o panteão dos olímpicos: Atena (nascida da cabeça do próprio Zeus), Dioniso, Apolo, Artemisa, Hermes, Ares e Hefesto.

apólo

Apolo e Artemisa. Cena da Gigantomaquia do friso do tesouro dos sífnios, datado de 525 a.C. (Museu Arqueológico, Delfos).

Os deuses olímpicos enfrentariam novos ataques dos filhos de Gaia, numa última e brutal tentativa de restaurar a ordem anterior: primeiro, atacaram os gigantes (a Gigantomaquia) e, depois o monstro Tífon, uma potência destrutiva da natureza em forma de uma serpente, também gerada pela Terra. Depois de momentos de grande incerteza e tormento, a ordem olímpica prevaleceu finalmente.

Do Oriente a Hesíodo

A poderosa infiuência oriental que transparece na origem do mundo hesiódico não pode ser evitada. Assim, no “mito da sucessão” transmitido pela Teogonia, observa-se de forma nítida uma série de infiuências provenientes da mitologia babilónica. Uma amostra de tal facto é o mito guardado nos arquivos reais de Hattusa, a capital do Império Hitita destruída por volta do século XIII a.C.: Anu (o deus do céu correspondente a Úrano) luta contra Kumarbi (correspondente Cronos), o qual arranca os genitais com uma dentada e engole-os, gerando três deuses. Depois de cuspir dois, engole uma pedra que faz surgir o deus principal, que destrona Kumarbi. A seguir, o antigo rei dos deuses conspira contra o seu filho através de um ser gigantesco gerado por si próprio.

O paralelismo entre o mito da sucessão descrito por Hesíodo e o transmitido pelos documentos hititas é mais do que evidente, o que coloca a questão de qual teria sido a altura em concreto em que o mito grego assimilou o conceito de refundação da ordem divina. Terá sido na época em que os reinos micénicos enviavam embaixadas ao poderoso território dos hititas? A ser assim, a história da luta pelo poder cósmico atravessara a escuridão da Idade das Trevas para aparecer em todo o seu esplendor no raiar da Época Arcaica, embora talvez estas histórias possam ter entrado directamente no século VIII a.C. no contexto dos contactos entre os marinheiros da Beócia e da Eubeia (a área de Hesíodo) e os postos orientais como Al Mina, na actual Síria. Neste segundo caso, ter-se-ia aproveitado este fantástico material, de longínqua proveniência, para colocar ordem e oferecer aos gregos, em toda a sua grandeza, o magnífico panteão helénico que naquela altura Homero se encarregara de gerar.

Com Homero, os deuses aparecem em acção já apetrechados com todos os seus atributos divinos e com atitudes e paixões ferozmente humanas. De alguma forma, para melhor compreender o mundo que os rodeava e para conseguirem assumir a presença divina, os gregos sentiram necessidade de conceber as potências naturais como seres à sua medida, motivo pelo qual a imaginação helénica forjou divindades antropomórficas. Os deuses homéricos estão, de facto, modelados física e mentalmente à semelhança dos humanos. Têm maiores dimensões, mas revelam desejos e apetites substancialmente iguais.

Em contrapartida, ao contrário dos mortais, os “felizes” deuses são infinitamente mais poderosos e belos, e, sobretudo, estão alheios à velhice e à morte. Livres do desenlace funesto dos humanos, a felicidade dos deuses contrasta violentamente com a condição efémera e limitada dos primeiros. Não existe o consolo de uma vida eterna, mas sim uma sombria e lúgubre existência nas regiões do Hades, embora existissem cultos enigmáticos, como os de Elêusis, nos quais os iniciados chegavam a conhecer o mistério ou a revelação de uma vida depois da morte. 

Os principais deuses do panteão olímpico

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AFRODITE. Deusa do amor e do desejo. Hesíodo conta que ela nasceu da espuma que se formou quando os genitais de Úrano caíram ao mar, depois da castração da divindade perpetrada pelo filho Cronos. Homero, contudo, encara-a como filha de Zeus e Dione, uma divindade pouco conhecida. Desposa Hefesto, o deus do fogo e da forja, mas mantém relações com outras divindades, como Ares, Hermes ou Posídon. Associa-se tradicionalmente às deusas orientais da natureza e da fertilidade, como Ishtar de Acádia.

APOLO. É filho de Zeus e de Leto, irmão gémeo de Artemisa, e provavelmente o deus mais poderoso depois do seu pai. Segundo Homero, é um guerreiro notável, mas já esboça outras competências: uma divindade curatória, oracular e o guia das musas. É o senhor da sede profética de Delfos, da qual se apoderou depois de matar a serpente que o guardava, a Piton. Também lhe foi consagrada a ilha de Delos. É normalmente representado com um jovem na sua etapa de transição para a vida adulta.

artemisa

ARTEMISA. Irmã gémea de Apolo. Deusa virgem por antonomásia. Homero faz-lhe alusão como “Senhora das Feras”. Percorre com o arco os espaços limiares (florestas e montes), que constituem o seu espaço de actuação, e participa nas iniciações femininas. Da mesma forma que Apolo substituiu Hélios como deus solar, Artemisa substituiu Selene como a deusa lunar. Nas suas representações, aparece normalmente a Lua em quarto crescente. É sempre representada com arco e flecha.

ARES. Filho de Zeus e Hera. Deus da guerra não só no aspecto táctico, mas também na sua manifestação de brutalidade. É frequentemente acompanhado pelo terror, pelo espanto e pela discórdia. Segundo Homero, é amante de Afrodite e senhor da inóspita região da Trácia. Com Homero, a palavra “Ares” aparece com o significado de “guerra” o que deve ser percebido não como um recurso literário, mas como uma percepção do deus de acordo com a sensibilidade religiosa do homem grego.

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ATENA. Deusa da inteligência e por inerência da guerra na sua vertente táctica. É filha de Zeus e de Métis (que simboliza a inteligência prática), que o próprio deus devorou para conjurar a profecia de que o filho que nascesse dela o derrubaria. Por força disso, Atena surge, já adulta e completamente armada, da cabeça de Zeus. Imbatível na guerra, nem mesmo Ares conseguiu derrotá-la. É uma deusa virgem (partenos) e os seus atributos são a coruja e a oliveira, símbolos de Atenas.

DEMÉTER E HÉSTIA. Deméter é filha de Cronos e de Reia. Representa a terra cultivada, cujos frutos permitem a sobrevivência dos homens e das cidades. Em sua honra, existia um culto em Elêusis, praticado em dissonância com a religião olímpica formal. Deméter aparece representada com uma coroa de espigas, uma tocha e uma serpente. Por seu lado, Héstia, primogénita dos titãs Cronos e Reia, é a divindade do fogo do lar e, tal como Artemisa e Atena, é uma deusa virgem.

hermes

HERMES. Filho de Zeus e de Maia (uma ninfa), é o mediador entre os deuses e Zeus, entre estes e os homens, entre a autoridade e o povo, entre as cidades e os grupos rivais e entre os vivos e os mortos. É, portanto, arauto, mensageiro, condutor das almas ao reino dos mortos e deus dos caminhos e protector de quem os frequenta. Usa sandálias aladas, um chapéu para o cobrir do Sol e um caduceu (uma vara com duas serpentes entrelaçadas) que anuncia as suas múltiplas funções.

HADES E DIONISO. Aborrecido com os homens e com os restantes deuses, Hades é o senhor do submundo e, juntamente com a sua esposa Perséfone, reina no território dos mortos. O seu único atributo é um capacete que lhe concede a invisibilidade. Por seu lado, Dioniso é um deus da vegetação que foi gerado por Zeus numa mortal chamada Sémele. Esta morreu quando Zeus se manifestou a seu pedido na sua verdadeira forma (o raio). Dioniso continuou a ser gerado na coxa de Zeus.

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POSÍDON. Filho de Cronos e irmão de Zeus no acordo de divisão do universo (entre céu, mar e submundo), numa das acções fundadoras da ordem olímpica, obteve o controlo sobre o mar. É, além disso, o deus dos cavalos e dos movimentos da Terra (Homero chama-lhe “Sacudidor da Terra”). É pai de inúmeros heróis e antepassado mítico de múltiplas dinastias. É representado com um tridente e perto de animais que lhe estão consagrados, como o golfinho e o cavalo.

HEFESTO. Filho de Zeus e de Hera. É o deus dos artesãos e senhor dos metais e do fogo técnico (o do lar pertence a Héstia e o celeste a Zeus). Deformado e manco, simboliza o movimento do fogo. Estas imperfeições representam a mistura de admiração e de desprezo que os gregos sentiam perante o trabalho artesanal. Hefesto é o deus que trabalha para os outros deuses (é ele que faz o raio de Zeus e as armas dos restante deuses) e tinha de provar o seu valor.

Zeus

ZEUS. Deus de procedência indo-europeia, cujo nome se relaciona com uma palavra que significa “brilho celeste”. Depois de derrotar o pai Cronos, transformou-se no deus soberano e impôs uma nova ordem cósmica baseada num ideal de justiça. Nos poemas homéricos, aparece como um autêntico basileus, semelhante aos grandes reis do poema. Por isso, é designado por “Pai dos deuses e homens”, não em sentido etimológico, mas no sentido de “chefe de clã”.

HERA. Filha de Cronos e irmã e esposa de Zeus, pertence à primeira geração de deuses olímpicos. Na qualidade de esposa de Zeus, é a rainha dos deuses e aquela que se encarrega de manter a ordem matrimonial e familiar. Dessa forma, persegue as amantes de Zeus e os filhos que, tal como Héracles, nasceram fora do matrimónio. Na arte grega, é frequentemente representada em companhia dos animais que lhe estão consagrados: um pavão e uma vaca.