90% dos refugiados são mulheres e crianças. Muitos chegaram sem nada e vivem em abrigos precários que oferecem pouca proteção contra o calor e a chuva. Foto: Alyona Synenko/CICV

Enquanto o conflito persiste, a rotina ajuda mulheres sudanesas a escapar dos horrores da guerra

Agachada no solo arenoso, uma menina jovem tece caules de grama para fazer um telhado. A pequena cabana em construção está rodeada por dezenas de milhares de outras semelhantes a ela, feitas às pressas com gravetos e folhas cobertas com lonas ou sacos plásticos.
Artigo 11 abril 2024 Sudão Chade

Este assentamento espontâneo em Adré, uma cidade fronteiriça do Chade com 12 mil habitantes, tornou-se um lar improvisado para mais de 100 mil refugiados sudaneses. Quase 90% são mulheres e crianças que atravessaram a fronteira a pé, fugindo da violência brutal que submergiu o seu país natal, Darfur, logo após o início do conflito no Sudão em 15 de abril.

Kaltuma, uma mulher pequena com rugas profundas e olhos turvos pela catarata, teve que reunir todas as suas forças para construir sua cabana. O espaço é compartilhado com suas duas netas, de três e cinco anos. A filha de Kaltuma levou os outros dois filhos e partiu em busca de trabalho diário nos campos agrícolas fora da cidade. Todas as manhãs, Kaltuma percorre os bairros de Adré, batendo de porta em porta e pedindo comida. Tudo o que ela coleta diariamente é utilizado para preparar uma refeição para ela e suas netas.

Os moradores de Adré acolheram os refugiados, mas o Chade é um dos países mais pobres do mundo, e os recursos são escassos. "O número de pessoas que chegaram aqui sem nada é mais de dez vezes o tamanho da população local. Imagine algo assim acontecendo em uma cidade europeia", diz a presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Mirjana Spoljaric, que visitou o leste do Chade para aumentar a conscientização sobre a grave escassez de financiamento humanitário para esta crise.

Após o aumento significativo da população, os preços dos alimentos dispararam, e serviços essenciais como água e assistência à saúde, que eram escassos mesmo antes do fluxo de refugiados, ficaram sobrecarregados.

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Kaltuma mora sozinha com as netas pequenas. A família sobrevive com a comida doada pelos vizinhos e pela população local.
Kaltuma mora sozinha com as netas pequenas. A família sobrevive com a comida doada pelos vizinhos e pela população local. Alyona Synenko/CICV
A água é o recurso mais precioso nesta região árida. O rápido crescimento da população representou uma enorme sobrecarga para os serviços essenciais.
A água é o recurso mais precioso nesta região árida. O rápido crescimento da população representou uma enorme sobrecarga para os serviços essenciais. Alyona Synenko/CICV
Entre os refugiados, 90% são mulheres e crianças. Muitos chegaram sem nada e vivem em abrigos precários que oferecem pouca proteção contra o calor e a chuva.
Entre os refugiados, 90% são mulheres e crianças. Muitos chegaram sem nada e vivem em abrigos precários que oferecem pouca proteção contra o calor e a chuva. Alyona Synenko/CICV
Estima-se que 500 mil sudaneses refugiados chegaram ao leste do Chade desde o início do conflito no Sudão em 15 de Abril. Cerca de 200 mil vivem na cidade fronteiriça de Adré, uma quantidade de pessoas que supera em mais de 10 vezes a sua população original.
Estima-se que 500 mil sudaneses refugiados chegaram ao leste do Chade desde o início do conflito no Sudão em 15 de Abril. Cerca de 200 mil vivem na cidade fronteiriça de Adré, uma quantidade de pessoas que supera em mais de 10 vezes a sua população original. Alyona Synenko/CICV

Someya estava grávida quando fugiu de sua aldeia no oeste de Darfur com os filhos. "Eles mataram o meu pai na mesquita depois da oração da noite", diz ela, embalando seu bebê à sombra de uma lona estendida sobre sua cabeça. "Quando soube o que aconteceu, corri para a mesquita. Ele morreu em meus braços. Meu marido sempre estava fora por causa do trabalho, então meu pai era também como um pai para meus filhos".

Quando Someya e as crianças chegaram a Adré, depois de caminhar durante horas, ela desfaleceu no chão e ficou doente por vários dias devido ao medo e à exaustão. Um mês depois, ela deu à luz a uma menina sob as lonas e, logo em seguida, teve que procurar trabalho para alimentar seus quatro filhos.

"Tentei trabalhar em uma construção, mas era fisicamente difícil e eles não me deixavam amamentar a bebê", diz Someya. "Agora, eu lavo roupa na casa das pessoas. Elas não se importam que eu vá com a bebê". Ela vai para o trabalho de manhã cedo e compra a comida do dia com o pagamento que recebe.

Artista de henna, Someya diz que a família tinha uma vida boa e comida suficiente em Darfur. A realidade do acampamento é diferente e, a certa altura, a nova mãe deixou de ter leite porque não comia o suficiente.

Enquanto Someya está no trabalho, seus filhos vão buscar água – uma tarefa longa e tediosa em um lugar que já conhecia a escassez de água muito antes da explosão populacional. Uma longa fila de galões e baldes de plástico se estende às cinco da manhã. "Deixo meu galão na fila e fico checando de tempos em tempos para não perder a minha vez", conta Zuhal, que tem 17 anos e é vizinha de Someya no acampamento.

Someya não sabe o que o futuro reserva para ela e sua família. Mesmo que pudessem regressar à sua vila, eles tiveram sua casa queimada e perderam tudo o que possuíam.
Someya não sabe o que o futuro reserva para ela e sua família. Mesmo que pudessem regressar à sua vila, eles tiveram sua casa queimada e perderam tudo o que possuíam. Alyona Synenko/CICV
Para sobreviver, as mulheres sudanesas refugiadas trabalham frequentemente em construções ou realizam outros trabalhos tradicionalmente reservados aos homens.
Para sobreviver, as mulheres sudanesas refugiadas trabalham frequentemente em construções ou realizam outros trabalhos tradicionalmente reservados aos homens. Alyona Synenko/CICV
Após o rápido crescimento da população, os preços dos alimentos dispararam. Os preços de itens como pão ou melancia triplicaram em apenas alguns meses, afetando as pessoas refugiadas e a comunidade que as acolheu.
Após o rápido crescimento da população, os preços dos alimentos dispararam. Os preços de itens como pão ou melancia triplicaram em apenas alguns meses, afetando as pessoas refugiadas e a comunidade que as acolheu. Alyona Synenko/CICV

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Zuhal tem 17 anos. Nascida e criada na cidade sudanesa de Al Geneina, ela era estudante e ajudava a mãe a trabalhar na fazenda da família.
Zuhal tem 17 anos. Nascida e criada na cidade sudanesa de Al Geneina, ela era estudante e ajudava a mãe a trabalhar na fazenda da família. Alyona Synenko/CICV
Quando a violência eclodiu em Darfur, Zuhal e sua mãe Nafisa fugiram de casa à noite com uma multidão de outras pessoas. Elas se separaram no caminho e se encontraram depois que chegaram ao acampamento. “Vi pessoas com as gargantas cortadas. Jamais vou esquecer isso”, afirma Nafisa.
Quando a violência eclodiu em Darfur, Zuhal e sua mãe Nafisa fugiram de casa à noite com uma multidão de outras pessoas. Elas se separaram no caminho e se encontraram depois que chegaram ao acampamento. “Vi pessoas com as gargantas cortadas. Jamais vou esquecer isso”, afirma Nafisa. Alyona Synenko/CICV
Zuhal está entregando um pedaço de papel com o número de telefone de seu tio a um voluntário da Cruz Vermelha. Ela usa o serviço telefônico da Cruz Vermelha para entrar em contato com seu tio que mora em Gedaref, no leste do Sudão. Ela espera ir morar com ele, mas seus telefonemas não foram atendidos.
Zuhal está entregando um pedaço de papel com o número de telefone de seu tio a um voluntário da Cruz Vermelha. Ela usa o serviço telefônico da Cruz Vermelha para entrar em contato com seu tio que mora em Gedaref, no leste do Sudão. Ela espera ir morar com ele, mas seus telefonemas não foram atendidos. Alyona Synenko/CICV

A rotina da sobrevivência diária oferece uma possibilidade de fuga das memórias sobre os horrores do passado e dos questionamentos sobre o futuro. Ao retornar à cidade sudanesa de Al Geneina, Zuhal dividia seu tempo entre a escola e a ajuda à mãe na fazenda, até que foi forçada a fugir em busca de segurança. "Chegamos aqui no meio da noite, sem sapatos. No caminho, vi pessoas mortas", diz Zuhal.

A adolescente espera se mudar para a casa do tio, que vive em Gedaref, no leste do Sudão, e tem utilizado o serviço telefónico da Cruz Vermelha para contactá-lo, mas suas chamadas não foram atendidas.

A maioria das mulheres no acampamento encolhe os ombros quando lhes perguntam sobre o que esperam. Como se a esperança fosse a mais aguda de todas as privações que elas estão sofrendo.

"Não sei o que quero fazer", diz Someya. "A vida no acampamento é difícil, mas não tenho para onde voltar. Minha casa pegou fogo. Perdi tudo o que tinha. Mesmo se pudesse voltar, teria que começar a vida do zero. Não é fácil."