Viver é melhor que sonhar: médica se muda para veleiro com sua família
O que é preciso acontecer para algo mudar na vida? Um conjunto de experiências e perspectivas alinhadas aos encontros que a vida reserva podem ser boas razões para transformar pessoas. Esse foi o caso da Fabiana Noal, casada com Gabriel e mãe do Antônio. Médica, cirurgiã do aparelho digestivo e endoscopista, ela era recém-formada em 2011 quando esbarrou com o futuro parceiro em um bar em sua cidade natal, Florianópolis. Não demorou muito para engatarem um namoro e morarem juntos.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Junto com o amor, também veio a paixão por veleiros. O tio de Gabriel participava de regatas e também tinha seu próprio veleiro, foi em um carnaval que os três velejaram por Florianópolis e pernoitaram na Ilha do Campeche que tudo mudou. O primeiro contato a bordo fascinou Fabiana ao perceber que era possível fazer tudo dentro do veleiro e de fato morar lá. Após essa viagem, muitas se seguiram e a paixão por essa vida foi apenas aumentando e entrando na rotina de ambos como casal. Com o crescimento desse sonho também veio pequenos acontecimentos e hábitos, como colocar na geladeira a foto de um veleiro que o Celso, tio de Gabriel, e um amigo já tiveram e persistir diariamente que aquilo que representava na foto, seria parte do futuro deles.
Após um tempo, esse sonho se tornou realidade e o veleiro finalmente foi comprado. O Vela Mar era um veleiro de 29 pés que se tornou o segundo lar do casal. E pelo veleiro ficar em frente à casa deles, a convivência no barco ficou cada vez mais regular. “Às vezes íamos no veleiro só para ver o pôr do sol, tomar um café da tarde. Tivemos experiências maravilhosas nele”, conta Fabiana.
Um tempo depois nasceu Antônio, primeiro filho do casal, o que permitiu passar um tempo precioso com a licença maternidade. Porém, logo a rotina intensa voltou para a vida de Fabiana. Após um período estressante e um princípio de burnout ao equilibrar três residências médicas, cirurgias, plantões e um mestrado – veio a pandemia. Um divisor de águas na relação da família e momento de mudar planos. Segundo Fabiana, a ideia era tirar pelo menos três anos sabáticos quando Antônio tivesse cerca de seis anos para poder viajar o mundo de veleiro. Entretanto, após o conselho de um amigo cirurgião e com longa passagem no ramo náutico com seu veleiro, decidiram que o momento era aquele, não dava para adiar alguns anos.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Com isso decidido, o casal vendeu o apartamento, carro e começou a buscar por um veleiro maior para receber a família a bordo. A embarcação encontrada foi uma 34,5 pés em ótimo estado. Após a decisão, os próximos passos foram tomados para tornar o barco em casa. No processo, o casal que também tinha três gatos, os levaram para o veleiro já que descobriram que muitas famílias conseguem manter os felinos no barco. Porém, os três gatos adultos não conseguiram se adaptar e precisaram retornar a terra para morar com a tia de Fabiana, após um período a bordo.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
A respeito da adaptação no veleiro, Fabiana garante que eles se adaptaram tranquilamente, apenas os felinos que tiveram dificuldades no processo. Ela relembra com carinho o momento do aniversário de dois anos do Antônio, que aconteceu em uma travessia de Paranaguá no estado paranaense até Ilhabela, litoral paulista. No momento, Celso estava presente e também fizeram um bolo para comemorar. Mas Fabiana garante que as viagens com os gatos foram desafiadoras com as dificuldades de adaptação e a preocupação constante com o Antônio. “Se fosse só eu e o Gabriel, teríamos dado a volta ao mundo três vezes já porque seria muito mais fácil”, completou.
“Não tive medo de abrir mão de nada. Talvez um receio de começar do zero na minha vida profissional, já que estava consolidada na carreira. Mas a respeito de carro, apartamento, nunca me importei em abrir mão disso”.
Fabiana Noal
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Vida a bordo
Fabiana comenta bastante dos ciclos ao morar no veleiro, alguns momentos são incríveis e únicos, enquanto outros são completamente desafiadores. O que também se resume a vida no geral. Com tal resiliência, ela aborda assistir ao pôr do sol diário como tradição, seja qual for a parte em que se encontram no Brasil.
Entre os momentos especiais a bordo, ela recorda também da chegada em Ilhabela em que foram recepcionados por golfinhos e até um cardume acompanhando o veleiro. Um momento emocionante, segundo ela. Ao lado de Antônio, outro momento que ficará para sempre na mente e coração de Fabiana aconteceu na Ilha da Cotia, quando ambos estavam deitados no convés, e ela começou a mostrar as estrelas para ele e pôde capturar a felicidade nos olhos do filho. Após um tempo, ele pegou no sono ao observar as estrelas, o que era difícil já que sempre demorava muito para conseguir dormir. “Aquele momento para mim valeu toda viagem. Se que o resto fosse ruim, estava tudo certo”, compartilha Fabiana. Entre os lugares visitados pela família a bordo estão: Ilhabela, Paraty, Rio de Janeiro, Búzios, Vitória, Arraial do Cabo, Salvador, Abrolhos, Península de Maraú, Ilha do Goió, Fernando de Noronha, Ubatuba e muitos outros.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Sobre a adaptação do Antônio a bordo, Fabiana compartilha uma reflexão que teve por experiência própria. Após voltar para a casa deles em Santa Catarina e olhar o filho correr para todo lado, o casal se sentiu frustrado e achou que estivessem fazendo errado. Mas após um passeio a bordo sozinhos e com calma, ao retornar com o filho tudo ficou melhor. “Nós estávamos bem e o Antônio ficou ótimo. Então o que eu descobri? A criança é um reflexo dos pais, quando nós estávamos bem ele sempre ficou bem. Quando a adaptação dele sempre foi difícil, com o Antônio mais inseguro, é sempre quando nós não estávamos legais”.
Custos com manutenção e definindo novas trajetórias
Quando já estavam em Salvador, a reserva financeira que estava separada para acabar em um ano, se esgotou em seis meses devido aos custos com a manutenção do barco. Após isso, o casal decidiu voltar a Florianópolis de avião, retomar o trabalho por um período e deixar os gatos com a tia de Fabiana. Com vários plantões, no terceiro mês Gabriel voltou para a Bahia para ajustar tudo o que precisava na embarcação. Após um mês, Fabiana e Antônio se juntaram a ele na Bahia e começaram novamente essa aventura.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
No retorno, Fabiana conseguiu um trabalho de cirurgiã em Itaparica, no estado baiano. Conforme fazia os plantões de 48 horas, a vontade de reativar o canal no Youtube surgiu novamente, assim como o desejo de oferecer conteúdo para pessoas que não são da área de saúde e que vivem a bordo aprenderem sobre primeiros socorros.
“Mesmo que você esteja velejando perto da costa, até chegar no lugar para descer do barco, e ir para uma emergência já demanda um tempo que muitas vezes você não tem. Por exemplo, 40 minutos é o tempo de uma pessoa morrer engasgada com uma carne, da pessoa ter uma crise alérgica e não ter o medicamento certo para usar ou não saber identificar que é uma crise de choque anafilático. Então eu comecei a elaborar a mentoria para auxiliar nisso”, explica Fabiana.
A consultoria de primeiros socorros no mar se inicia com encontros ao vivo com Fabiana que explica tudo sobre primeiros socorros, tira dúvidas e pega todo o histórico médico da pessoa. O próximo encontro será com a entrega de um kit de primeiros socorros personalizados com os medicamentos que a pessoa precisa tomar e as orientações.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Perrengue a bordo
Entre as dificuldades que já viveram a bordo, a médica ressalta em Fernando de Noronha quando o motor quebrou e ficaram três dias tentando consertá-lo – rodeado de golfinhos no processo – e sem poder ir ao mercado. Outro momento mais complicado que vivenciaram a bordo foi na travessia Búzios-Vitória, na cidade do estado do Rio de Janeiro o mar estava muito agitado e o tempo imprevisível e se seguiu dessa forma até o Espirito Santo. Além disso, Fabiana recorda que o marido pegou dengue em Búzios e passou doente por essa situação.
Próximos passos
Ainda no Nordeste, Fabiana teve uma surpresa quando descobriu que estava grávida novamente. Ao chegar em Recife aproveitou para fazer os primeiros exames, foi quando descobriu que era uma gravidez de risco devido ao descolamento do saco gestacional com um risco de aborto nos primeiros três meses de gestação. Com isso, permanecer no barco se tornou inviável com uma gestação de risco e trabalhar na emergência não é permitido para mulheres grávidas. Após um período com Gabriel navegando sozinho, dia e noite, o casal decidiu voltar para Florianópolis e vender a embarcação com muita tristeza, conforme comenta Fabiana. O plano hoje é esperar a bebê que chamará Rebeca crescer um pouco, comprar outro barco e viver novamente essa experiência com ela e com o Antônio mais crescido.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Ressignificação da vida a bordo
O mar é instabilidade e pede resiliência a cada dia. Com tal observação é possível perceber uma família de antes da experiência e outra família atualmente. “A mensagem que eu quero transmitir com essa experiência é que a gente tem que ir atrás dos nossos sonhos, não ter medo de sonhar. E uma coisa importante, tome cuidado com o que você sonha. Pois esse sonho pode se tornar realidade e ele se torna. Então quando a gente fixa um objetivo as coisas acabam acontecendo. Tudo aconteceu no momento que tinha que acontecer e como tinha que acontecer”, compartilha Fabiana.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
Ela ressalta a importância da família em cada experiência vivenciada, afinal, existem lugares incríveis pelo mundo, mas eles se tornam maravilhosos quando quem amamos está perto para compartilhar isso conosco.
“A palavra que eu resumo essa experiência é desafiadora. Foi um sonho realizado e eu não me arrependo, não me arrependo nenhum pouco de ter vivido tudo isso assim. Foi algo incrível, fantástico”, finaliza Fabiana.
Foto: Acervo Pessoal/Fabiana Sailing
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