O escultor João Cutileiro morreu nesta terça-feira. Tinha 83 anos. Estava internado internado num hospital em Lisboa, devido a graves problemas respiratórios.
Nascido em Lisboa (26 de junho de 1937), João Cutileiro teve uma carreira de notável reconhecimento internacional e foi um dos mais influentes da sua geração. Teve também uma longa relação com o Algarve, sobretudo com a cidade de Lagos.
Na verdade, as primeiras exposições realizaram-se em Londres e datam de 1959, altura em que Cutileiro aluga casa em Lagos onde, durante os 11 anos seguintes, efetua paragens no seu trajeto inglês.
Para o escultor, 1973 é o ano da inauguração da polémica estátua de D. Sebastião, projeto realizado sob encomenda pública e que quebra as próprias convenções do regime.
Sobre esta obra, o historiador José-Augusto França escreve em «A Arte em Portugal no século XX» que já em 1960 João Cutileiro fazia escultura «de restos de corpos trabalhados dramaticamente pela erosão, ou constituídos de ferros soldados que tinha notável personalidade – e da qual passou cerca de 66 para propostas de um erotismo lírico e humorístico, em bonecas articuladas de mármore. Fórmula que ganharia em Lagos, em 1973 e que constitui uma proposta crítica original para uma nova monumentalidade figurativa».
No entanto, apenas em 1978, Cutileiro expõe, pela primeira e única vez, no Museu de Lagos. Por outro lado, estabelece uma relação privilegiada com Centro Cultural de São Lourenço, em Almancil, único local situado no sul do país em que expõe no início dos anos 1980.
Foi no seu tempo de Lagos que o escultor «estabeleceu os modos e os sentidos que iriam orientar o seu desejo criador e a sua prática artística relativamente à efetiva revisão dos temas da escultura tradicional: questionamento das suas escalas, afrontamento do narrativo, do decorativo e do alegórico. Foi ainda em Lagos (em 1967) que Cutileiro iniciou o tratamento mecanizado da pedra (1966), prática que constitui uma das suas marcas autorais e de reconhecimento», escreveu João Lima Pinharanda, no catálogo da exposição coletiva «Bravo, Cutileiro, Lapa, Palolo», apresentada no Centro Cultural de Lagos, de 9 de julho a 27 de agosto de 2005, no âmbito da programação de Faro – Capital Nacional de Cultura.
Finalmente, «foi ainda a partir de Lagos que a obra de Cutileiro se impôs nacionalmente e a partir de Lagos que iniciou, bem antes dos outros e com uma dimensão por eles nunca alcançada, um circuito internacional – embora galeristicamente quase circunscrita à Alemanha e a iniciativas relacionadas com a promoção oficial da pedra portuguesa», acrescentou João Lima Pinharanda.
Também o Museu Municipal de Arqueologia de Silves , a propósito da programação de Faro – Capital Nacional de Cultura 2005, lhe dedicou a exposição «Pedras na Praça. Arte Pública de João Cutileiro», que esteve patente entre maio e setembro daquele ano, comissariada por Joaquim Oliveira Caetano.
Mais tarde na sua vida, quando Cutileiro se mudou para Évora, em 1985, «a sua imagem crítica e comercial estava já» bem estabelecida.
Ministério da Cultura lamenta morte de João Cutileiro
A Ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou hoje «profundamente» a morte do escultor João Cutileiro (1937-2021), um artista central da escultura contemporânea e uma referência maior da cultura portuguesa.
João Cutileiro foi, indiscutivelmente, um dos mais singulares artistas portugueses do século XX e um escultor de renome internacional, projetando a arte contemporânea portuguesa. Com um estilo irreverente, festivo e profundo nas intenções, o seu trabalho marcou decisivamente a paisagem artística e cultural em Portugal a partir do final dos anos cinquenta.
Nas formas e nos ângulos, João Cutileiro soube romper com a tradição, abrir novos caminhos e, através deles, reinventar Portugal e a sua história, criando uma mitologia que é ao mesmo tempo própria, mas também coletiva, pela forma como, a partir dele, vemos em espelho aquilo que somos, com humor e com assombro.
Consciente do seu papel e generoso na convicção de que um seu legado poderia contribuir para o desenvolvimento cultural do seu país e para estímulo e oportunidade de trabalho de outros, particularmente das novas gerações de escultores, quis entregar ao Estado a sua casa de Évora, que compreende o seu atelier, todo o seu arquivo pessoal e uma importante seleção de obras representativas do seu percurso artístico.
Esta importantíssima doação constituiu uma extraordinária oportunidade para aprofundar o entendimento do papel preponderante de João Cutileiro nas artes plásticas, tanto em Portugal como no estrangeiro, mas também de colocar as coleções disponíveis à fruição pública, em contextos criativos e educativos, dando continuidade a este legado tão singular e tão significativo da arte portuguesa.
João Cutileiro foi condecorado com a Ordem de Sant’Iago da Espada, Grau de Oficial, a 3 de agosto de 1983. Recebeu ainda o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora – Escola de Artes, em 2013, e pela Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Médicas, já em 2017, em reconhecimento do seu contributo nos cruzamentos entre a Arte e a Ciência Morfológica.
Em 2018, pelo inestimável trabalho de uma vida dedicada à arte, à criação artística e à divulgação e fomento da escultura, o governo Português concedeu-lhe a Medalha de Mérito Cultural.
Na arte, como na vida pública, João Cutileiro foi um criador corajoso, mas também um homem generoso, um mestre e educador para muitos, e um exemplo que teremos sempre presente. A sua obra, parte fundamental do património artístico português contemporâneo, é um legado que, permanentemente, nos continuará a desafiar, a questionar e a motivar.