EDUCAÇÃO POPULAR E
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA
DO CONHECIMENTO
DEBATES TEÓRICOS
Renan Soares de Araújo
Pedro José Santos Carneiro Cruz
(organizadores)
EDUCAÇÃO POPULAR
E CONSTRUÇÃO
COMPARTILHADA DO
CONHECIMENTO:
DEBATES TEÓRICOS
EDUCAÇÃO POPULAR
E CONSTRUÇÃO
COMPARTILHADA DO
CONHECIMENTO:
DEBATES TEÓRICOS
Renan Soares de Araújo
Pedro José Santos Carneiro Cruz
(organizadores)
Editora do CCTA/UFPB
João Pessoa
2020
REITOR
VALDINEY VELOSO GOUVEIA
VICE-REITORA
LIANA FILGUEIRA CAVALCANTE
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Vice-Diretora
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Edi t or a do
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cada capítulo é de inteira responsabilidade de seus(as) respectivos(as) autores(as).
Realização: Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR) da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB).
Apoio: Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Economia Solidária e
Educação Popular (NUPLAR) da UFPB, Linha de Educação Popular do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFPB e Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva da UFPB.
Essa obra é resultante de produções construídas no contexto da disciplina “Tópicos
em Educação Popular: Construção Compartilhada do Conhecimento na Pesquisa e
na Ação Social”, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
UFPB.
Foto de capa: Luiz Gonzaga.
A663 Araújo, Renan Soares de
Educação Popular e Construção Compartilhada do Conhecimento: Debates Teóricos (livro eletrônico) / Renan Soares de Araújo...
[et al.]; organizado por: Pedro José Santos Carneiro Cruz. - 1. ed. João Pessoa, PB: Editora do CCTA, Universidade Federal da Paraíba
– UFPB, 2020.
263f.; E-book; PDF.
Incluí sumário e bibliografia realizado pelo Grupo de pesquisa
em extensão popular (EXTELAR) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB)
ISBN 9786556211411
1. Educação Popular 2. Educação e Saúde 3. Educação e Pedagogia 4. Construção de Conhecimento 5. Contextos e compartilhamentos
I. Cruz, Pedro José Santos Carneiro. Título.
CDD: 370
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................7
Renan Soares de Araújo
EDUCAÇÃO POPULAR COMO LUGAR EPISTEMOLÓGICO DE
INTERCÂMBIO DE SABERES: DA CURIOSIDADE INGÊNUA À
CURIOSIDADE EPISTEMOLÓGICA.....................................................10
Alexandre Soares de Sousa
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO:
APORTES DE(S)COLONIAIS A PARTIR DA EDUCAÇÃO POPULAR........41
Renan Soares de Araújo
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO
POPULAR E MEMÓRIAS DO CAMPO.................................................81
Gildivan Francisco das Neves
Severino Bezerra da Silva
CONHECIMENTO COMPARTILHADO: A HISTÓRIA COMO MEMÓRIA
E A EDUCAÇÃO PARA NUNCA MAIS COMO COMPONENTES DA
EDUCAÇÃO POPULAR........................................................................108
Julyanna de Oliveira Bezerra
José Cleudo Gomes
Maria de Nazaré Tavares Zenaide
PRISÕES, CONTEXTO E ESPAÇO DA PRÁTICA E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO POPULAR.....................................................................138
José Douglas de Abreu Araújo
EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE: ENTRELAÇAMENTOS E
IMPASSES......................................................................................170
Francikely da Cunha Bandeira
Luiz Gonzaga Gonçalves
EDUCAÇÃO POPULAR: PARA UMA NÃO ROMANTIZAÇÃO DAS
PRÁTICAS POPULARES E COMUNITÁRIAS......................................196
Klebson Felismino Bernardo
OS FIOS (IN)VISÍVEIS ENTRE A EDUCAÇÃO POPULAR E A PEDAGOGIA
SOCIALISTA SOVIÉTICA...................................................................220
José Aclecio Dantas
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES...............................................255
SOBRE OS ORGANIZADORES..........................................................260
SOBRE OS(AS) PARECERISTAS E COMITÊ CIENTÍFICO REVISOR....261
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
APRESENTAÇÃO
Renan Soares de Araújo
A presente obra é fruto de um fecundo debate,
promovido a partir de um componente curricular denominado
“Construção Compartilhada do Conhecimento na Pesquisa
e na Ação Social”, ofertado no primeiro semestre de 2019,
pela Linha de Pesquisa de Educação Popular do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), tendo a participação de vários
atores e atrizes sociais envolvidos com o pensar e o fazer de
projetos e experiências educativos populares em diferentes
contextos e realidades socioculturais.
No decorrer desse componente, muitas foram as
leituras, as reflexões partilhadas e as discussões travadas
coletivamente, tendo a concepção teórico-metodológica
da Educação Popular como pressuposto orientador,
exprimindo uma infinidade de possibilidades e de
caminhos para a consecução de processos investigativos
e político-pedagógicos comprometidos com um horizonte
emancipatório, tendo a construção compartilhada do
conhecimento como fio condutor e eixo estruturante.
Para o momento que temos vivenciado na atualidade,
marcado pela desvalorização constante da ciência e de
uma educação crítica e questionadora, em que Paulo Freire
e o seu legado tem sido paulatinamente depreciados por
movimentos ultraconservadores e as suas forças retrogradas
e sectárias, esta obra é mais uma amostra – que se soma
SUMÁRIO
7
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
juntamente com outras iniciativas que têm sido levadas à
cabo por vários grupos e entidades do campo democrático e
popular −, que visa evidenciar a força pujante da Educação
Popular, alimentando a utopia e revigorando a esperança
crítica de que um outro mundo é possível de ser construído.
O que denota uma compreensão de esperança no sentido
freiriano, que não é de uma pura espera, mas de esperança
em ato: “espera em que quem espera jamais se acomoda
no ato de esperar, quem espera se move, na verdade,
pacientemente impaciente no processo da realização do
sonho ou do projeto que espera” (FREIRE, 2015, p. 82).
Ao ler os capítulos que compõem esta coletânea, o
leitor e a leitora perceberão de diferentes maneiras a presença
estruturante de alguns constituintes da Educação Popular
− tais como o diálogo, a participação, a problematização
da realidade, a autonomia, o respeito à cultura popular, a
valorização dos diferentes saberes, a criticidade, a práxis,
dentre outros −, expressando a riqueza e a diversidade de
temas, de abordagens e de discussões que podem ser (e
são) trabalhadas no campo da Educação Popular. O que
explicita também a presença da “criatividade” como um
dos constitutivos centrais da Educação Popular, tal como
assinalado por Agostinho Rosas (2008).
Nesse sentido, esta obra revela o esforço de
pensamento de seus autores e de suas autoras acerca
das intersecções da Educação Popular em seus diferentes
territórios de ação, luta, resistência e (re)existência, com base
em uma abordagem crítica, solidária, amorosa e criativa.
O que insere esta coletânea no âmbito da ampla e profusa
discussão à respeito das contribuições da Educação Popular
em diálogo com diferentes abordagens e perspectivas
para a produção de conhecimentos socialmente úteis,
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
a constituição de outras sociabilidades e o exercício de
novas práticas sociais implicadas com a perspectiva
da humanização de todas as relações e da necessária
transformação social.
O debate está posto e em aberto. Desejamos a
vocês uma excelente leitura e uma instigante e mobilizadora
reflexão-ação.
Referências
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. 11. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015.
ROSAS, A. S. Criatividade como constitutivo da educação
popular. In: ROSAS, A. S.; MELO NETO, J. F. (Orgs.).
Educação popular: enunciados teóricos. João Pessoa:
UFPB, 2008. 2 v. p. 111-130.
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
EDUCAÇÃO POPULAR COMO
LUGAR EPISTEMOLÓGICO
DE INTERCÂMBIO DE
SABERES: DA CURIOSIDADE
INGÊNUA À CURIOSIDADE
EPISTEMOLÓGICA
Alexandre Soares de Sousa
Introdução
Falar a respeito de Educação Popular remetenos, a priori, ao entendimento sobre um conhecimento
ausente do rigor, da sistematização e do critério científico
ou filosófico autodenominados saberes por excelência. Na
história do Ocidente, não se quis registrar nem reconhecer
tal concepção de maneira diferente da mencionada. Esta
história conta, narra, documenta, apenas a versão gloriosa
de uns poucos: sacerdotes, heróis, guerreiros, generais,
intelectuais, juízes, políticos, banqueiros, empresários, reis e
rainhas, que formam a plêiade daqueles que detêm o poder
de decidir sobre o que vem a ser verdadeiramente o saber.
10
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Essas narrativas jogaram para debaixo do tapete da
história da civilização ocidental as experiências de vida, as
lendas, crendices, folclores, mitos, isto é, os muitos saberes
arraigados na vida do povo sofrido. Saberes construídos a
partir do imaginário comum das pessoas. Estes que, em sua
maioria, durante muitos anos alimentaram e encorajaram
várias culturas, vários povos, de diferentes localidades
geográficas do planeta. Estas riquezas de diversidades de
conhecimentos não constam nas historiografias oficiais.
A concepção comumente admitida, que circula, que
prevalece nos meios acadêmicos, é a de que a Educação
Popular não deve receber status epistemológico ou mesmo
rótulo de conhecimento acadêmico, a não ser de saber
minguado e marcado pela supersticiosidade da ralé; uma
visão de caráter, diga-se de passagem, preconceituosa,
cuja característica tende a prevalecer.
Tal entendimento ocorre por causa do envolvimento
e da própria constituição do termo Educação Popular, a
qual leva a entender, originar-se e destinar-se à vulgarização
cotidiana, isto é, a práticas não ortodoxas do que se
compreende por aqueles já citados conhecimentos ditos
superiores e verdadeiros. Semelhantes práticas são atribuídas
a pessoas iletradas, ou como preferir, ignorantes, analfabetas
e/ou semianalfabetas, melhor dizer, os oprimidos. Disto se
infere que, este grupo gerador da cultura de massa não
passa de gente passiva, sem futuro, que não tem condição
sequer de levantar sua cabeça para olhar e identificar os
que lhe oprimem.
A metodologia utilizada nesse trabalho foi a de
cunho qualitativo, a saber, apoiamo-nos em referencial
teórico, que possibilitasse tal construção, cujo objetivo é
apresentar a Educação Popular como intercâmbio entre
SUMÁRIO
11
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
conhecimento popular e conhecimento científico, fazendo
com que ambos compartilhem suas experiências, de modo
dialógico, bem no estilo freireano, visando desse modo um
melhor entendimento para ser humano.
A partir disso, como atribuir ou elevar essas experiências
da cotidianidade dessas pessoas “comuns” que sofrem, à
condição de conhecimento, ou a uma epistemologia? Eis
a questão. Responder a isto, requer que nós revejamos,
anteriormente, o significado que temos de ser humano. O
que isto tem a ver com educação? Este será o caminho
que pretendemos trilhar nesse artigo.
O absolutismo científico pode levar à morte outros
saberes
Recentemente1 milhares de pessoas tomaram às ruas
de todo o Brasil, para protestar contra o que foi chamado,
pelo atual Governo, de “contingenciamento”2 de gastos
provocados pelas Universidades Públicas Federais. As
manifestações não só se posicionaram contrárias a truculenta
e arbitrária decisão, mas também expuseram à sociedade
brasileira o motivo pelo qual é imprescindível a existência e
permanente manutenção das Instituições de Ensino Superior
(IES) para o futuro da Nação.
Em referência à construção do conhecimento, as
IES mostraram que não são somente guardiãs dele, mas
ainda sem as mesmas seria impossível tal coisa. Frases como
“sem universidade não existe conhecimento”, deixava claro
que o espaço de sua produção é o acadêmico, ponto
1
2
12
Registra-se 15 e 30 de maio de 2019 como datas certas dessas manifestações.
Preferimos chamar a isso de bloqueio aos investimentos em educação, forma pela qual
o Governo encontrou para retaliar às universidades que não são alinhadas ao seu jeito
esdrúxulo e descivilizado de pensar.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
final. Ou em outras palavras, parafraseando o conhecido e
dogmático dizer medieval “fora da igreja não há salvação”;
podemos concluir, também por meio disso, que “fora da
universidade não há salvação”. Isto caracteriza o modo
de ser dessas instituições de ensino em todo o mundo,
as quais estão atreladas ao prometimento oferecido no
início da modernidade aos seres humanos, de que elas (as
universidades) seriam daqui por diante suas redentoras e
seus baluartes, quer dizer, a humanidade estava salva e
protegida, uma vez que não haveria problemas que não
fossem imediatamente solucionados. Parecia-nos que
o fechamento da “caixa de Pandora” estava preste a
acontecer, visto que os males que dela saíram, retornariam
a ficar definitivamente trancafiados.
A consciência científica é gerada nesse contexto e
ambiente hermético da intelectualidade das universidades,
na atualidade ela consta como saber onisciente, onipotente
e, consequentemente, onipresente. Isto vem a significar
que, todas as formas de conhecer devem submeter-se
a esse padrão, ou seja, para sobreviver e conseguir o
reconhecimento nos tempos de hoje, todo e qualquer
conhecimento tem que se adequar, adaptar-se a esse
paradigma epistemológico hegemônico denominado
ciência.
Isso para dizer que nada escapa e tudo é abrangido
pela força da ciência. Seu poder chega a todos os
recôncavos. Ela é o conhecimento por excelência, que
chancela a entrada no cânon da cientificidade, ou melhor,
é ela que determina e afirma epistemologicamente: este é
conhecimento, esse talvez, aquele nem pensar.
Tudo leva a crer que houve na história do Ocidente
uma substituição do poder religioso pelo poder secular,
SUMÁRIO
13
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
o qual não superou às práticas tradicionais, apenas as
contextualizou. Quem nos dirá isso com mais clareza é
Japiassu. De acordo com ele:
[...] num passado não tão remoto assim, competia à Igreja tudo nos explicar. [...] Seu poder
explicativo era praticamente absoluto, incontestável e inapelável: Roma locuta, causa finita (Roma falou, caso encerrado). Depois, os
filósofos tiveram seu momento de glória. No
século das Luzes, poderiam ter dito: Ratio locuta, causa finita. Agora, tudo se passa como
se os cientistas viessem a ocupar os espaços
culturais deixados mais ou menos vazios pelo
“declínio” dos saberes teológicos e ideológicos. A chamada “secularização”, ou “desencantamento”, seria não o abandono do sagrado, mas a aplicação da tradição sagrada
a fenômenos humanos precisos. Max Weber
vê na sociedade capitalista a filha legítima
do espírito calvinista. De onde o novo slogan:
Scientia locuta, causa finita (a ciência falou,
assunto encerrado) (JAPIASSU, 2011, p. 57).
Dessa maneira, fica estabelecida a nova Tábua dos
Mandamentos que torna os conhecimentos científicos senhor
absoluto, o que para Japiassu (2011, p. 58) significaria dizer
que “somente eles se encontrariam fundados na rocha
do “método experimental” e sobre a análise rigorosa dos
“fatos”. Ademais, só eles seriam seres racionais e objetivos,
imunes às paixões e emoções”. Neste ponto, vale lembrar
as perscrutações e inquietações levantadas por Carneiro
Leão (1977, p. 16), nas quais ele descreve sua preocupação
sobre essa prepotência a que chegou a ciência, visto que a
mesma não deixou outras possibilidades de conhecer para
o ser humano de hoje. Deste jeito posiciona-se [..] “Será essa
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
a única forma possível de racionalidade? A única maneira
de afastar a escuridão da animalidade?”
São questões como essas que nos fazem relativizar
a peremptoriedade da ciência, pois diante de toda essa
perfeição há sempre um calcanhar de Aquiles que não quer
ser atingido. Para manter consonância com os argumentos
mencionados as autoras, Rigotto e Tupinambá (2019) não
negam os benefícios do conhecimento científico para a
humanidade, tal como o seu contrário. De acordo com elas:
Se é enorme a relevância da ciência para
a vida da humanidade nos últimos séculos,
por outro lado é preciso reconhecer que na
modernidade, as tecnociências não estão
isentas de responsabilidade na gênese desta crise planetária e civilizatória, na medida
em que são decisivas para viabilizar o projeto burguês de dominar as leis da Natureza
para explorá-la, assim como ao trabalho humano (Lauder, 2005); contribuem na constituição da sociedade de Risco que ameaça
as atuais gerações, sua qualidade de vida e
as próprias condições de sobrevivência das
gerações futuras (Giddens, Beck Lash, 1997);
fragmentam e especializam o conhecimento em campos disciplinares, dificultando a
compreensão dos complexos problemas que
ajudou a criar (Morin, 2011); ocultam-se sob
uma suposta neutralidade para não revelar os valores e interesses que perpassam o
campo científico, e ainda omitem incertezas,
ignorâncias e indeterminâncias (Funtowicz e
Ravertz, 1997).
Esse tipo de posicionamento apresenta a face oculta
que a ciência evita de mostrar, dado que isto a poria em
xeque frente as outras formas de saber. Isto é o que ela não
SUMÁRIO
15
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
quer que aconteça, dado que a ideia que permanece
deve ser a de que não há outros tipos de conhecimento, ou
nem se deve cogitar a existência de análoga possibilidade.
Em relação a isso, constatamos que há na história do
Ocidente duas compreensões: uma oriunda da academia, o
templo sagrado da ciência; e a outra do senso comum, em
que se encontra a cotidianidade. A primeira se considera,
metaforicamente, o próprio Olimpo, local onde mora os
imortais deuses gregos, senhores dos destinos e das vidas
humanas; a segunda, no que lhe concerne, é associada
ao mundo dos pobres mortais: pessoas que mendigam
diariamente por soluções divinas, as quais se contentam
tais quais cachorrinhos com as migalhas caídas da mesa
do banquete celestial.
Platão foi o primeiro a impulsionar e dar fôlego para
que esse tipo de entendimento chegasse a ser possível. A
partir dele, iniciou-se a gênese do conhecimento enquanto
possibilidade de poucos iluminados. Em sua compreensão,
o filósofo grego apresenta através da “alegoria da
caverna”, apresentada a abaixo, que existem dois tipos
de conhecimento, a saber, o sensível e o inteligível. Platão
com isso, elabora a ideia de dois mundos, duas realidades
antagônicas: uma imperfeita, composta de sombras e
opiniões; e a outra perfeita, as ideias que existem num
mundo da intelectualidade, da racionalidade em que se
encontra a luz. Para visualizarmos e fixarmos melhor essa
ideia platônica no tocante à divisão dos mundos, Danilo
Marcondes transcreve fragmentos da obra do pensador
grego, A República:
Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu
16
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
ou não, de acordo com o quadro que vou
fazer. Imagine, pois, homens que vivem em
uma espécie de morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz
em toda a largura da fachada. Os homens
estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo
que não podem mudar de lugar nem voltar a
cabeça para ver algo que não esteja diante
deles. A luz lhes vem de um fogo que queima
por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe.
Imagine que esse caminho é cortado por um
muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o
público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo (MARCONDES, 2000, p. 39).
Para Platão, o que lhe interessa é a parte racional
do homem. Esta é a única que ele considera de feições
sofisticadas, a qual determina a canonicidade que
conduz à sacralização do mais puro, verdadeiro e elevado
conhecimento. Isto para dizer que há uma hegemonia, que
segrega e seleciona os vários saberes existentes em: baixo
clero e alto clero. Este pertencente a estirpe do nobre saber,
que relegará ao esquecimento da história o outro. Foi esta
exacerbação do racional que levou a ciência moderna à
cumeeira dos saberes, e de lá não querer mais sair, porque
de sua confortável, cômoda e majestosa situação continuará
a submeter todos ao seu crivo.
René Descartes, grande filósofo do início da
modernidade, segue essa racionalização exagerada oriunda
da tradição platônica. Para ele o conhecimento tem quer ser
de ordem racional, com base no método físico-matemático,
SUMÁRIO
17
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
para não gerar nem uma dúvida em relação a sua validade,
já que esse método era a forma predominantemente a mais
segura de conhecimento que se tinha. Descartes chegou
a esse radicalismo, devido a sua dúvida metódica, pois
ele buscava alguma maneira que não o levasse a titubear
frente aos argumentos adquiridos durante a sua formação
intelectual. A física e a matemática foram consideradas as
únicas que lhe deram amparo e resposta às incertezas por
ele suscitadas.
Descartes é da opinião de que, o conhecimento a
partir de agora passasse a ser e que estivesse alinhado a essa
metodologia procedente das ciências exatas e da natureza,
cujos maiores representantes eram Newton e Galileu. Em sua
obra, Discurso do método, ele traça regras de como, passo
a passo, deve-se conhecer para não cairmos em erro. Numa
das passagens de seu texto, Descartes deixa transparecer
seu desprezo pelo conhecimento popular, que ele mesmo
denomina “más doutrinas”, como podemos verificar abaixo:
Quanto às más doutrinas, pensava já conhecer bem o que valiam, para não mais estar
sujeito a ser enganado nem pelas promessas
de um alquimista, nem pelas predições de
um astrólogo, nem pelas imposturas de um
mago, nem pelos artifícios ou pelas gabolices de um daqueles fazem profissão de saber
mais do que sabem (DESCARTES, 1996, p. 13).
O ápice dessa gabação que transcorreu sem
nenhuma interrupção durante anos, até hoje, distinguindo
e ratificando a ciência como conhecimento omnipotente foi
o positivismo; surgido no século XIX na França, cujo principal
representante é Auguste Comte. Seu principal argumento é
18
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de que houve gradativamente na história uma ascendência
do conhecimento através de três estágios, que ele chamou
de teológico ou mitológico, metafísico ou filosófico, e por
fim o estágio positivo ou científico propriamente dito. Este
último, Comte considera como a única e exclusiva forma
de conhecer, deixando os outros à margem da história. De
acordo ele, esse entendimento é elucidado dessa maneira:
[...] A razão humana está agora suficientemente madura para que empreendamos laboriosas investigações científicas, sem ter em
vista algum fim estranho, capaz de agir fortemente sobre a imaginação, como aquele
que se propunham os astrólogos e os alquimistas. Nossa atividade intelectual estimula-se suficientemente com a pura esperança
de descobrir as leis dos fenômenos, com o
simples desejo de confirmar ou infirmar uma
teoria. Mas isto não poderia ocorrer na infância do espírito humano. Sem as atrativas
quimeras da astrologia, sem as enérgicas
decepções da alquimia, por exemplo, onde
teríamos haurido a constância e o ardor necessários para coletar as longas séries de
observações e experiências que mais tarde
serviram de fundamento para as primeiras
teorias positivas de uma e de outra classe de
fenômenos? (COMTE, 1978, 41).
O que percebemos hoje em dia é que a ciência
através de suas parafernálias tecnológicas, que são sua
vertente prática e atualizada, demonstra seu contínuo
poderio. Isto é ratificado por Leão (1977, p.11), que relata
uma fala do físico alemão Werner Heisenberg, expressa do
seguinte modo: “num futuro não muito distante os aparelhos
SUMÁRIO
19
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e instrumentos técnicos serão partes integrantes do homem,
como a teia é parte da aranha e a concha do caramujo”.
O pensamento científico não nega o seu modo
depreciativo e estereotipado de enxergar o senso comum, a
cotidianidade, isto é, o popular como um todo. Isto é notório,
visto que no decorrer de nossa argumentação mostramos
alguns ensaios, que corroboraram a tal maneira de pensar.
Passa a ser irônico e trágico, se levarmos em consideração
a forma como ele se constituiu. Sobre isto, podemos levantar
a seguinte conjectura: a caso um(a) filho(a) pode negar
que foi resultado da cópula de um casal? A não ser por
autogênese. In vitro seria devanear demais. Então, restanos supor que o conhecimento científico é um tipo de filho
pródigo, que contrariamente ao da Parábola do Evangelho
não quer de jeito nenhum voltar para a casa paterna, exceto
para exaurir os bens que lá se encontram, e posteriormente
prodigá-los novamente.
A respeito disso, Japiassu citando o filósofo Nietzsche,
transcreve um pensamento do mesmo, no qual o pensador
alemão debocha e ironiza esse absolutismo cientifico,
dizendo:
Vocês acreditam que as Ciências teriam nascido se, antes, não tivessem existido esses mágicos, alquimistas, astrólogos e feiticeiros tendo o gosto dos poderes ocultos e das forças
proibidas? (JAPIASSU, 2009, p. 106).
Entramos num assunto, para a ciência, por vezes
esquecido ou até mesmo de valor menos importante, pois
trata de sua interdependência do senso comum. Saber
que a árvore genealógica da ciência está umbilicalmente
ligada ao senso comum, é igualmente afirmar que sem
20
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
senso comum não há ciência, e não podemos garantir que
a recíproca seja a mesma. Isto se deve ao fato, confirmado
pela história das ciências, de que o senso comum sempre
existiu, ou simplesmente existirá. Quanto à ciência, não
podemos ter tanta certeza assim.
Vale destacar aqui, a profundidade com que Leão
aborda esse assunto. Segundo ele, isso está expresso nesse
sentido:
[...] Não nascemos com nenhuma ciência
inata. O homem pelo simples fato de ser homem ainda não é cientista. [...] Toda genealogia de uma ciência nos diz sempre da
possiblidade de o homem existir sem ciência.
[...] Por uma simples decisão de vontade não
nos poderemos livrar da situação histórica em
que de fato existimos. O caminho da ciência ocidental já não pode ser refeito nem há
meios de escarpamos a nosso destino. Não
obstante, a gênese e constituição da ciência e sua cultura revela um caráter episódico,
que a torna, num sentido profundo, essencialmente temporal e contingente. O que, sem
dúvida, não significa que ela seja um produto do acaso ou que nela não operem forças
originárias da existência humana. Todavia
é possível separar humanidade e ciência. A
necessidade da ciência é uma contingência histórica. O homem não precisa do espaço da ciência para desdobrar sua existência
(LEÃO, 1977, p. 14-15).
Já vimos, relembrando as falas de Rigotto e
Tupinambá, quão relevante é a ciência para a humanidade.
Ninguém em sua sã consciência declararia o contrário.
O que está em jogo nesse momento, é saber se com a
SUMÁRIO
21
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
passagem do conhecimento comum (ou senso comum) para
o conhecimento científico estamos pensando de maneira
correta, ou melhor, como nos assegura Paulo Freire (1996, p.
29) o “Pensar certo, em termos críticos”, pois pensar assim,
de longe caracteriza ou leva à morte outros saberes.
Assim, essa exposição freireana empuxa o que foi
dito por Carneiro Leão, a respeito de se tornar à questão
fundamental, isto é, uma reflexão profunda que aponte para
outro jeito de se fazer ciência sem atropelar o ser humano,
abrindo espaços que traga o senso comum para contribuir
com o desvelamento do conhecimento. Em outras palavras,
que o senso comum e o “senso” científico irmanados possam,
‘andando em boa companhia’, atingir pelo menos à ponta
do iceberg do conhecimento, e convictos de que com
essa iniciativa deram um gigantesco passo para a mútua
humanização.
Apesar disso, é importante ter consciência de que
ainda há muito o que fazer para se conhecer, já que
este é inaudito por essência, ou como explanava William
Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do
que a vã filosofia dos homens possa imaginar”3.
Com toda essa informação podemos ainda indagar
se há possibilidades de se levar em conta as experiências
de outros saberes? Com isso suas mortes já podem ser
decretadas?
Abaixo apresentaremos a necessária e urgente
ascensão do senso comum à ciência sem haver ruptura, ou
até mesmo morte, pautando-se no jeito freireano de “pensar
certo”, ou melhor, conduzidos pela Educação Popular que
3
22
Cf. https://www.pensador.com/frase/OTA1NDQ5/. Acesso em 10 de julho de 2019.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
será ponte entre dois mundos, que consistem e existem em
um só.
Da curiosidade ingênua à curiosidade
epistemológica
Após termos apresentado que a ciência não é
absoluta nem única forma de saber, e de que semelhante
concepção não humaniza, pois desdenha dos outros saberes,
impossibilitando-os de colaborar com a construção de uma
verdadeira maneira de pensar, que busque conhecer sem
cessar. Agora vamos esmiuçar, no molde freireano de refletir,
como se dá a mudança da curiosidade ingênua (ou senso
comum) à curiosidade epistemológica (ou pensar certo),
sem provocar o epistemicídio. Este, conforme Rigotto e
Tupinambá (2019), representa o triunfo de um único saber
sobre o malogro de outros, que para elas está muito bem
expresso nas falas de Boaventura de Sousa Santos e Maria
Paula Menezes, da seguinte forma:
[...] a epistemologia ocidental dominante não
possibilita a copresença entre a humanidade
moderna [...] e a sub-humanidade moderna
que esta mesma epistemologia engendrou:
selvagens sub-humanos, indígenas cuja alma
é um receptáculo vazio, carecendo da cristianização. Tal negação radical da existência
percorre os séculos para além da independência das colônias e termina por fortalecer
o monopólio da ciência moderna na distinção universal entre o verdadeiro e o falso,
condenando ao passado [...] todas as outras
formas de conhecimento [...]: um violento
epistemicídio.
SUMÁRIO
23
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Isso ocorre, porque uma única forma de pensamento
arroga para si o direito de ser porta voz da verdade divina aqui
na terra. Então, por este motivo sua maneira de conhecer
deve subjugar àqueles que não receberam tamanha
missão. Durante anos, povos, tribos, nações, grupos foram
simplesmente classificados de incapazes, inferiores, nãohumanos. Por serem tachados assim, estavam e estão sujeitos
a todo tipo de barbárie, por parte dos autodeclarados
senhores. Senhores, que segundo Freire:
[...]Tendam a transformar tudo o que os cerca
em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a
produção, a criação dos homens, os homens
mesmos, o tempo em que estão os homens,
tudo se reduz a objeto de seu comando. [...]
Daí que vão se apropriando, cada vez mais,
da ciência também, como instrumento para
suas finalidades. Da tecnologia, que usam
como força indiscutível de manutenção de
“ordem” opressora, com a qual manipulam e
esmagam (FREIRE, 2017, 63,65).
Sabedores do que os poderosos da terra podem
fazer conosco, isto é razão para nos desesperarmos, e
continuarmos cabisbaixos aceitando pacatamente o jugo
que nos é imposto? Cabe aqui, enfatizar o que disse Alder
Calado (2019), para o qual a mudança desse quadro de
desumanização está intrinsecamente ligada e dependente
da curiosidade epistemológica, melhor dizendo, do pensar
criticamente certo freireano. Segundo Calado, isto vem
informado dessa maneira:
[...] Para tanto a freireana curiosidade epistemologia há de nos impulsionar nessa direção.
24
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
À contracorrente da ideologia do pensamento único, que se empenha em apagar a memória de lutas e conquistas protagonizadas
pelos movimentos sociais populares, ao longo
da História, e por figuras humanas que se deixaram incendiar por causas que dignificam
a condição humana. Figuras coletivas e individuais cuja trajetória de luta e de honradez
nos inspira forças para retomarmos o horizonte da Utopia da construção de uma sociedade justa e solidária. E exercitar uma memória
que nos conduza para além (o que não quer
dizer excluir) das fronteiras da Ocidentalidade, propiciando a retomada do diálogo com
outros povos dos quatro cantos do mundo.
Um exemplo simplório contado por Freire, elucida
bem a força libertadora e humanizadora que exerce a
curiosidade epistemológica, após ter deixado a curiosidade
ingênua. Ele descreve tal situação da seguinte forma:
Certa vez, em um desses cursos, de que fazia parte um homem que fora, durante longo
tempo, operário, se estabeleceu uma dessas
discussões em que se afirmava a “periculosidade da consciência crítica”. No meio da
discussão, disse este homem: “Talvez seja eu,
entre os senhores, o único de origem operária. Não posso dizer que haja entendido todas
as palavras que foram ditas aqui, mas uma
coisa posso afirmar: cheguei a esse curso ingênuo e, ao descobrir-me ingênuo, comecei
a tornar-me crítico. Esta descoberta, contudo, nem me faz fanático, nem me dá a sensação de desmoronamento” (FREIRE, 2017, p.
31-32).
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Esse relato, aborda-nos que o conhecimento só se
adquire através do diálogo entre diferentes, que dialogando
se descobrem pares. Para que isto aconteça, todos têm
que estar numa mesma altura, num mesmo patamar;
reconhecendo, apenas, que nada sabem, pois quem
aparenta saber muito termina provocando um gargalo na
comunicação que, por sua vez, descaracteriza a proposta
inicial.
Percebamos que a situação ingênua do operário, que
ele próprio a descreve como sendo ‘fanatismo e sensação
de desmoronamento’ ou perda total, tem a ver com a
“sectarização”, atributo, segundo Freire (2017, p.34), advindo
da educação que ele mesmo chama bancária; ao passo que
com à crítica ele (operário) se descobre ingênuo, ou melhor,
passa a ser radical e, consequentemente, também a ‘pensar
certo’. Este tipo de situação, assemelha-se àquela posição
em que se encontravam os homens na subterrânea e opaca
caverna platônica. Homens domesticados, convencidos
de que a realidade não passava daquela fundura, cuja
libertação, caso viesse acontecer, dar-se-ia por meio de
uma luz que vem de fora, do alto da caverna.
Essa claridade exógena, aparentemente, de traços
de “bancarismo”, utilizando-se do vocábulo freireano (1996,
p. 25), representa bem o objetivo pelo qual é necessário
manter as pessoas ingênuas. Desta forma, elas passam a
reproduzir ideias que acreditam ser delas mesmas, as quais
na verdade não são.
Lembremos de que o operário não precisou de
uma força externa, para se descobrir ingênuo, mas
a partir do diálogo aberto do grupo, suscitou nele a
curiosidade epistemológica, fazendo com que o mesmo
se perceba ingênuo. Só dessa maneira é que, ajudando-nos
26
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
mutuamente, conseguiremos apanhar os frutos da árvore
do bom conhecimento.
Conhecimento que deve ser ensinado, e não
transmitido, uma vez que, somente se ensina aprendendo
e vice-versa. Por este motivo, não existe conhecimento
sem aprendizado. Aprender e ensinar são verbos que não
se descolam; coexistem simultaneamente; um instiga o
outro, e ambos se completam e interagem para desvelar
a desafiadora realidade que nos cerca.
Quem já não ouviu expressões como: “ninguém nasce
sabendo”, ou “ninguém sabe tudo”. Dizeres deste tipo, da
mentalidade diária, reforçam o que dissemos à pouco.
Surgidos do jargão popular, eles não deixam de refletir uma
verdade, de trazer um fundamento, uma significância,
servindo de orientação àqueles que no auge de sua pujança
cognitiva, esquecem ou até negam que o aprendizado é
uma constância.
Isso nos faz lembrar de outro binômio voltado,
especificamente, para à educação enquanto ciência. De
natureza acadêmica, esse binômio, ensino-aprendizagem
como é conhecido, revela-nos um modo de ser humano
que resulta no conhecimento. Este suscitado pela insaciável
sede de saber, ou melhor, pela curiosidade de aprender,
que nas palavras de Paulo Freire quer dizer dessa maneira:
Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e
foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que
era possível ensinar [...]. Aprender precedeu
ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de
aprender (FREIRE, 1996, p. 24).
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Desse modo, ensino-aprendizagem, conduz-nos
ao conhecimento, que é àquilo que nós mesmos somos.
Com isso, conhecer e ser designam o nosso modo de serno-mundo, o qual para Aristóteles (2002, p. 18) implica a
“todos os homens, por natureza, tendem a saber”. Neste
ponto, não quer dizer que houve o atropelo do ensinoaprendizagem, porém a demonstração teleológica pela
qual resulta do processo binomial citado. Esta constatação
passou a ser imprescindível e determinante para se construir
o modo de ser humano. Modo de ser não isolado do mundo,
todavia no mundo. Isto para discordar da dicotomia que
separa homem de mundo e mundo de homem atrelada à
prática dominadora. Freire (2017, p. 98) contrariamente a
isso, assevera-nos que a prática libertadora, que é outro jeito
para chamar a curiosidade epistemológica, “[...] implica a
negação do homem abstrato, isolado solto, desligado do
mundo, assim como também a negação do mundo como
uma realidade ausente dos homens”.
Diferente do animal que não precisa conhecer,
apenas se adaptar ou se adequar ao seu ambiente natural;
o ser humano necessita não só de conhecer o mundo, como
também conhecer a si mesmo. Isto é o que o torna humano.
É próprio dele. No que concerne a isso, não significa que
ele, simplesmente, é o que é, porque é animal racional.
Mas racional, logo, homem. Compete neste ponto, que nos
valhamos da afirmação de Freire (1996, p. 25) na qual ele
denota que “[...] Esta é uma das significativas vantagens
dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir
mais além de seus condicionamentos”.
Isso para dizer que, o ser humano para conhecer
autenticamente, ou no dizer freireano o “pensar certo”, tem
que transcender à curiosidade ingênua, e chegando na
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
curiosidade epistemológica não esquivá-la. Nas palavras
de Paulo Freire, isto está dito dessa forma:
Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que
resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A
superação e não a ruptura se dá na medida
em que a curiosidade ingênua, sem deixar de
ser curiosidade, pelo contrário, continuando
a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se,
tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão.
Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso
comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada
vez mais metodicamente rigorosa do objeto
cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. Muda de qualidade mas não de essência. (FREIRE, 1996, p. 31).
Para reforçar o que foi afirmado, citemos Alves, o
qual tece o comentário ulterior:
O senso comum e a ciência são expressões
da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver
melhor e sobreviver. Para aqueles que teriam
a tendência de achar que o senso comum é
inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar
que por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se
assemelhasse à nossa ciência. Depois de cerca de quatro séculos, desde que surgiu com
seus fundadores, curiosamente a ciência está
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
apresentando sérias ameaças à nossa sobrevivência (ALVES, 2000 p. 21).
Por causa disso, é que se pode pensar em Educação
Popular como mecanismo contra hegemônico, contra
epistemicídio, que se organiza a partir do e com o povo,
especialmente, o oprimido. No próximo item, veremos como
isso se desenvolve.
Conhecimento que busca compartilhar diferentes
saberes que dialogam humilde-humanamente para
conhecer mais, sendo
Aqui discutiremos o lugar em que surge a Educação
Popular, isto é, qual o seu ponto de partida, do mesmo modo
por qual motivo ela se apresenta como contra hegemônica?
Para isso, é preciso sabermos o que vem a ser
educação, e qual sua ligação com a palavra humanidade?
Destarte, é imprescindível não desvincular educação de
humanização, uma vez que coexistem, interdependem como
que num processo simbiótico. Deste modo, inferimos que não
há educação sem humanização, nem humanização sem
educação. Para ampliar nossa compreensão concernente
a isso, vale destacarmos o que disse a esse respeito, Saviani:
[...] o homem não nasce homem. Ele se torna homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a
ser homem, precisa aprender a produzir sua
própria existência. Portanto, a produção do
homem é, ao mesmo tempo, a formação do
homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a
origem do homem. [..]. O homem é, pois, um
30
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
produto da educação (SAVIANI, 2016, p. 2021).
Após constatarmos de que educação é um processo,
essencialmente, de humanização, mesmo assim com essa
compreensão generalizada, não podemos esquecer-nos de
sua complexidade, assim como de seu viés político, o qual se
evidencia em sua prática pedagógica, dando a entender
que a mesma tem inclinação preferencial pelo lado que
lhe convém. Assim sendo, é viável falar de vários tipos de
educação, afunilando-as por causa desse teor complicado
e tendencioso que a compõe. Contudo, independente de
qual tendência ela chegue a se manifestar, é importante
sempre lembrar para não perder de vista o verdadeiro
motivo pelo e para o qual ela existe, isto é, humanizar. E
isto é inconcebível à educação dominadora, visto que a
própria favorece a desumanização.
Segundo Gadotti (2012), isso está articulado desse
jeito:
A educação é um fenômeno complexo,
composto por um grande número de correntes, vertentes, tendências e concepções,
enraizadas em culturas e filosofias diversas.
Como toda educação é política, como nos
ensinou Paulo Freire, ela não é neutra, pois,
necessariamente, implica princípios e valores
que configuram uma certa visão de mundo
e de sociedade. Daí existirem muitas concepções e práticas da educação. Não dá para
falar de uma educação em geral, separando-a de seu contexto histórico. É preciso qualificar de que educação estamos falando,
a partir de que ponto de vista. E como todo
ponto de vista é a vista de um ponto, preci-
SUMÁRIO
31
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
samos indicar de que lugar, de que território,
estamos falando. Toda educação é necessariamente situada historicamente.
Em ressonância com o referido argumento, Caldart,
lendo os sinais dos tempos, completa a discursão e faz uma
convocação para todos (as) pessoas de boa vontade, na
qual explicita o eminente perigo que corre a humanidade,
subjugada pelo hegemônico capital. A partir disto, ela
convoca a todos(as) para o engajamento originariamente
popular: uma alternativa contra hegemônica, que se
opõe ao interesse desumanizador do capitalismo, o qual
se apropria do destino de todo o planeta, tornando-nos
nada mais do que meros reféns de suas vontades. Por isto,
também comenta acerca de uma imediata e fundamental
formação humana, que assista e prepare bem as bases
populares contra as investidas dos dominadores. Assim, ela
esbraveja categoricamente:
Vivemos em um tempo de novas sensibilidades para questões que se referem aos
processos de formação humana [...]. Exatamente porque estamos em um momento da
história em que o ser humano aparece em
perigo, e então estamos sendo convocados a fazer algumas escolhas decisivas sobre
como será o futuro da humanidade [...]. O
capitalismo, sistema social ainda hegemônico no mundo, vem se mostrando cada vez
mais desumanizador e cruel em sua lógica.
Por isto estão de volta as grandes questões
sociais sobre nosso destino (CALDART, 2000,
p.16).
32
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Não é excessivo relembrarmos a relevância, bem
como a urgência de se erigir uma reflexão a respeito de
uma educação exclusivamente proveniente das classes
desfavorecidas da sociedade. Isto poderia soar a uma
retórica atrelada ao passado, já que se falou tanto sobre e em
defesa dos empobrecidos e de sua exploração proveniente
do capitalismo. Seria bom se isto só estivesse registrado em
livros de história, mas o que se vê é um quadro repetitivo
de um sistema desumano, cuja finalidade é jogar à sorte
mulheres e homens destituindo-os de suas humanidades.
Por isto, é importante destacar aqui, a ratificação de
Semeraro, na qual cita Gramsci dando realce à formação
genuinamente das classes populares. Para ele, isto vem
redigido da subsequente forma:
Como para todo grupo social que queira
conquistar sua hegemonia, ainda mais quando se trata das classes populares, Gramsci
deixa claro que estas precisam passar por um
processo constitutivo de sua identidade, de
sua intelectualidade e por uma educação
que exige a construção rigorosa de um saber
mais avançado e socializado (SEMERARO,
2006, p. 21).
Por essa razão, Freire em sintonia com o pensamento
gramsciano, não hesita em dizer quão relevante é
teorizar, dar rigor às práticas suscitadas do meio popular,
protagonizando-as, de forma a viabilizar as alternativas
gestadas endogenamente, para que nelas e delas haja o
verdadeiro humanizar-se. Neste sentido, ele exclama:
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparação para entender o significado
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
terrível de uma sociedade opressora? Quem
sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas
pela práxis de sua busca; pelo conhecimento
e reconhecimento da necessidade de lutar
por ela (FREIRE, 2017, p. 42-43).
Para enriquecer, ainda mais esse assunto, o próprio
Freire (2017, p. 252) no final de seu livro, Pedagogia do
Oprimido, deixa claro qual a finalidade e fundamento
de todo seu ímpeto em escrever tal obra. Segundo ele,
“[...] assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma
teoria da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem,
igualmente necessitam de uma teoria de sua ação”.
A Educação Popular, no que lhe concerne, surge
simultaneamente com a realidade que ela se depara, a
saber, o contexto sócio-político-econômico dos debaixo da
pirâmide social. Por esta razão, ela é uma das poucas riquezas
de que o povo tem, e digo mais, seu próprio paladino. Por
ser de origem popular, ela é horizontalmente ponte entre
a curiosidade ingênua e a curiosidade epistemológica,
possibilitando a recíproca partilha de saberes. Por isto, não
pode ser arco-íris, visto que sua forma arqueada reforça
e conserva a ideia de subordinação, a ideia bancária de
transmissão de conhecimento, ou seja, aquela visão que
considera o outro receptáculo de saberes, visto que não
passa de tábula rasa, sem conhecimento algum.
Por ser de cepa ordinária, a Educação Popular
comumente é tratada como um conhecimento eivado
de supersticiosidade, crendices. Está mais para um saber
folclórico, propriamente dito, do que uma forma cientifica
34
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de conhecer, uma vez que sua emergência, dá-se
mediante vínculo intrínseco às camadas abastardas da
sociedade. A estas classes, costumam-se pejorativamente
associa-las à pessoas humildes; como se humildade fosse
àquela concepção nietzscheana de rebanho, na qual o
pastor responsável pelo aprisco, exerce essa função para
domesticar as ovelhas que lhe são obedientes.
Aqui humildade passa a ter caráter adjetivo de ser,
pois se assemelha à humanidade, ou outra palavra para
pronunciar o mesmo sentido. De tal maneira que, ambas as
palavras, originariamente latinas, correspondem a húmus, o
qual significa terra. Daí, compreender que homem é feito de
terra, de barro, literalmente falando. Daí, também, entender
que humildade é característica humana de ser, de ser na
terra, de ser no mundo; longinquamente está unida a mera
compreensão de ovelha domesticada, ou a miserabilidade.
Por esse motivo, compartilhar conhecimento tem
tudo a ver com humildade, que é o jeito de ser de uma
Educação Popular, porque, de acordo com Freire:
Os homens que não têm humildade ou a perdem não podem aproximar-se do povo. Não
podem ser seus companheiros de pronuncia
do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é
que lhe falta ainda muito que caminhar, para
chegar ao lugar de encontro com eles. Neste
lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que,
em comunhão, buscam saber mais (FREIRE,
2017, p.112).
Aqui, não pode haver hegemonia de nenhuma
parte, pois o diálogo é horizontalizado, visto que sua
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
verticalidade, seria o fim ou a impossibilidade de tal feito,
isto é, o compartilhamento de conhecimentos só ocorrerá
na medida que, as partes interessadas estiverem envolvidas
nesse projeto. Por isto, não adiantaria se uma das partes
mostrar interesse, e a outra não. Deste posicionamento,
resultaria num impasse e o embate persistiria.
Com isso queremos mostrar que em relação ao
conhecimento compartilhado ocorre semelhante situação.
Sabemos que existem vários saberes, muitos dos quais não
reconhecidos da mesma maneira que os conhecimentos
ditos científicos e/ou filosóficos, ou seja, os conhecimentos
de origem popular. Estes, por sua vez, recebem a estigma
de inferioridade, insignificância, já que suas concepções
de mundo, realidade não coincide em nada com os dois
tipos de conhecimentos citados.
Isso é a patente característica dos que insistem em
manter, para proveito próprio, a dicotômica realidade entre
opressores e oprimidos; ricos e pobres; cultos e incultos;
humanos e sub/sem humanidades; ciência/filosofia e senso
comum. Esta separação aparenta ser normal, natural. Há
quem diga que isso acontece desde o começo, sempre foi
assim, e assim será. Este entendimento apenas fortalece o
anuviamento que existe, e não esclarece, nem intenciona
esclarecer, visto que conservar essas ideias faz com que,
a plêiade dos doutos, julgue-se acima do bem e do mal.
Se quisermos uma autêntica e integral humanidade,
temos que começar a construí- la, combatendo até
chegarmos a destruir esse paradigma de petulância
epistemológica, a qual evita usar as sandálias da humildade,
para não parecer conhecimento comum, normal, ou mortal.
Com isso chegamos à conclusão, a partir de
Freire, de que o resultado do pensar certo ou curiosidade
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
epistemológica, chama-se humilde-humanidade, porque
sem isso não se consegue promover diálogo com o outro
diferente, o qual é igualmente a mim. É somente nessa
perspectiva que se entende o ato compartilhado de dar e
receber conhecimento, para que ambos, quem dá e quem
recebe, possibilitem uma troca harmoniosa e equilibrada de
experiências advindas de cada realidade particularizada.
Neste sentido, não há quem perca ou mesmo quem ganhe,
mas o que existe é a reciprocidade desembocando num
verdadeiro aprendizado, que se movimenta em função de
um compartilhamento solidarizado ou coletivo, buscando
apenas conhecer mais, pois conhecendo mais, somos
também mais.
Considerações finais
O trabalho não teve em vista fazer uma apologia
hermeticamente dogmática à Educação Popular, do
mesmo modo que não caracterizou uma contra ofensiva
à ciência, fazendo com que a mesma deixasse de ser o
conhecimento rebuscado, frequentemente afamado, para
ser senso comum. Não foi isso o pretendido aqui, todavia
buscamos, e somente isso, incitar uma reflexão de maneira
que nos levasse a um profundo entendimento do que vem
a ser “pensar certo” que, por sua vez, está associado a
agir certo. Deste modo freireano, entende-se isto como o
caminho para se humanizar.
A partir disso, compreende-se toda e qualquer ação
correta mediante processo dialógico, como uma tentativa
de transcender às barreiras impostas pela hegemônica
concepção de pensamento único, a qual relativiza e
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
vilipendia os diferentes saberes, rotulando-os de não-saberes,
por se tratar de conhecimentos originalmente populares.
Disso, advém e compreende-se a Educação Popular
como educação libertadora e humanizadora, a qual dialoga
com as variadas formas de saberes, especificamente as
concernentes ao povo, defendendo-as do pedantismo
acadêmico, o qual persiste em desqualifica-la, por sua raiz
embrionária ser de feição popular.
Daí, nosso estudo levar à compreensão de que
conhecer não é poder, no sentido capitalista mencionado;
conhecer é humanizar-se. Disto, abre-se todas as possibilidades
de compartilhar os saberes, para assim se conhecendo
melhor, chegar ao verdadeiro conhecimento.
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filosofia da práxis. – Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006.
40
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
E CONSTRUÇÃO DE
CONHECIMENTO: APORTES
DE(S)COLONIAIS A PARTIR DA
EDUCAÇÃO POPULAR
Renan Soares de Araújo
O que não é possível é simplesmente fazer
um discurso democrático, antidiscriminatório
e ter uma prática colonial (FREIRE, 2008, p.
68).
Ponderações iniciais
No contexto brasileiro, a Extensão Universitária tem
se configurado como meio de interação e aproximação
da instituição universitária com a sociedade e a realidade
objetiva. Como toda prática social, essa não é uma atividade
neutra. Em vista disso, evidencia-se que ao longo de sua
trajetória e desenvolvimento teórico-prático, o trabalho
extensionista efetuou-se a partir de distintas abordagens
metodológicas e foi orientado com base em diferentes
intencionalidades políticas e perspectivas ideológicas,
exprimindo dispares – e, em alguns casos, até mesmo
SUMÁRIO
41
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
antagônicas − concepções de universidade e de qual seria
a sua função social (ARAÚJO, 2018; CRUZ; VASCONCELOS,
2017; JEZINE, 2006; MELO NETO, 2012).
Na maior parte dos casos, a dimensão da Extensão
materializa-se como espaço sui generis para a concretização
de ações que viabilizam a interação entre protagonistas
do âmbito acadêmico e do meio social. Não por acaso,
a partir do processo de institucionalização e consolidação
da Extensão como elemento constitutivo do cotidiano das
universidades públicas brasileiras, se sobressai a ênfase em
sua necessária articulação indissociável com o Ensino e a
Pesquisa, fortalecendo o reconhecimento e a valorização
dessa como iniciativa acadêmica que permite a construção
de novos conhecimentos sobre a realidade social (ARAÚJO,
2018; CRUZ; VASCONCELOS, 2017; JEZINE, 2006; MELO NETO,
2014).
De modo geral, a compreensão da razão de ser
da Extensão está proficuamente relacionada com o
“conhecimento”. Assim, observa-se uma gama diferenciada
de concepções amplamente disseminadas no ambiente
acadêmico sobre o que vem a ser a Extensão e como
o conhecimento será concebido e trabalhado em sua
execução − o que é evidenciado e sobretudo reforçado
pelos documentos elaborados pelo Fórum de Pró-Reitores
de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior
Brasileiras (FORPROEX) −, as quais podem ser caracterizadas ao
menos da seguinte forma: a) a Extensão como possibilidade
de socialização/disseminação do conhecimento científico;
b) a Extensão como lugar de aplicação do conhecimento
produzido no interior da universidade; c) a Extensão como
espaço de encontro de saberes; d) a Extensão como lugar
de troca de saberes acadêmico e popular (FORPROEX, 2012).
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Tradicionalmente, as práticas de Extensão têm sido
marcadas por uma estrutura relacional rígida, vertical e
antidialógica, com uma tendência unívoca, caracterizandose como uma via de mão única. No entanto, assinala-se
que é necessário reconhecer que o entendimento da
atividade extensionista pode ir muito além dessa percepção
simplista e equívoca que forjou-se ao longo da história (e que
porventura, ainda é tão atual), a qual concebe a Extensão
unicamente como uma ação da instituição universitária que
se “estende” até o povo, e que ao chegar lá, “deposita”
algo. Isto é, a partir de um movimento que se desenrola de
dentro da universidade para fora, em um sentido de mão
única, implicando em uma invasão cultural, que na verdade
desempenha um papel de dominação e “domesticação”,
como bem enfatizaram Paulo Freire (2015), Roberto Mauro
Gurgel Rocha (1986) e José Francisco de Melo Neto (2002).
Como delineado por Boaventura de Sousa Santos
(2007), historicamente a universidade tem apresentado um
caráter veementemente colonial, contribuindo de forma
expressiva na negação, depreciação e subalternização
dos saberes de diferentes grupos socioculturais. Bem como
colaborando para a hierarquização de conhecimentos e a
consolidação do saber científico como a modalidade de
racionalidade superior, dando prioridade epistemológica
à ciência como detentora do direito universal de assinalar
o que pode ser considerado como verdadeiro ou falso,
racional e irracional, credível e incredível.
Na leitura de Santiago Castro-Gómez (2007), o
modelo hegemônico de universidade – sobretudo as latinoamericanas − tem sido baseado em um padrão epistêmico
impregnado pela racionalidade moderna ocidental,
o qual exprime um “olhar colonial sobre o mundo”. De
SUMÁRIO
43
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
acordo com esse autor, essa forma de racionalidade se
reproduz na conformação do pensamento disciplinar e
na própria maneira da instituição universitária se organizar
estruturalmente. Assentando-se no que ele denominou de
estrutura triangular da colonialidade, o que engloba as
colonialidades do ser, do poder e do saber.
Nas duas últimas décadas, houve um significativo
incremento no debate sobre o pensamento de(s)colonial
e pela valorização das culturas e saberes dos povos
ancestrais − que foram submetidos à dominação, à
exploração e à violência colonial (e neocolonial) −, assim
como dos diferentes grupos socioculturais que vêm sendo,
nas sociedades capitalistas modernas, sistematicamente
explorados e subalternizados − sobretudo por razões de
gênero, de raça e de classe social. Tal destaque a respeito
da de(s)colonização epistêmica, pode ser constatado, por
exemplo, nas obras organizadas por Boaventura de Sousa
Santos (2004a), Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula
Meneses (2009), Catherine Walsh (2017), Edgardo Lander
(2005), Santiago Castro-Gómez e Ramón Grosfoguel (2007),
entre outras.
No campo da Educação Popular, é observada a
existência de uma diversidade de práticas sociais com
abordagens e temáticas distintas, que se efetivam em
variados espaços e realidades (STRECK; ESTEBAN, 2013).
Nessas práticas, por meio de diferentes estratégias teóricometodológicas, busca-se a valorização do saber popular, o
respeito pela cultura, a promoção da participação popular,
o estímulo e o fortalecimento da autonomia dos sujeitos
sociais. Pressupostos que passam, necessariamente, pela
concepção de construir conhecimentos e estratégias de
ação sobre e para a transformação da realidade social de
44
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
forma coletiva, dialógica, compartilhada. O que, na posição
assumida neste artigo, se qualifica como possibilidade
fecunda para a produção contra-hegemônica de saberes
de(s)coloniais.
Diante disso, sublinha-se a constituição de um amplo
campo de experiências extensionistas que se fundamentam
com base em uma abordagem dialógica e crítica do trabalho
social universitário, que têm na formulação latino-americana
de Educação Popular o seu aporte epistemológico, teóricometodológico e ético-político inspirador, as quais confluem
na composição do que tem sido denominado de Extensão
Popular (CRUZ, 2018; MELO NETO, 2014).
A partir da Extensão Popular, parte-se do entendimento
da atividade extensionista como um trabalho social útil que
busca mobilizar iniciativas de Ensino e de Pesquisa, de modo
indissociável, na realização de ações acadêmicas que
visem contribuir com os processos de educação popular e
de transformação social que já vêm sendo desenvolvidos
por diferentes sujeitos e grupos socioculturais (CRUZ, 2018;
MELO NETO, 2014).
Em virtude do exposto, como forma de situar essa
problemática no debate sobre os desafios da Extensão para
a produção de conhecimentos à luz da de(s)colonialidade,
o presente manuscrito objetivou apresentar, mesmo que
de maneira breve, alguns subsídios teóricos que tratam a
respeito da colonialidade do saber e sobre a viabilidade
da construção compartilhada do conhecimento pela
perspectiva da Educação Popular como preceitos teóricoepistemológicos a serem considerados na condução do
trabalho social universitário. Desse modo, optou-se por
estruturar o manuscrito a partir dos seguintes tópicos: i)
As dimensões colonial e eurocêntrica do conhecimento
SUMÁRIO
45
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
moderno hegemônico no Ocidente; ii) A construção
compartilhada do conhecimento como pressuposto de(s)
colonial da Educação Popular.
Cabe salientar que este artigo resulta de uma pesquisa
original teórica desenvolvida por ocasião de estudos do autor
em sua trajetória como discente do Curso de Mestrado
Acadêmico em Educação, do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Paraíba, na Linha
de Pesquisa de Educação Popular.
Metodologicamente, este estudo efetuou-se a partir
de uma abordagem qualitativa, que se deu por meio da
realização de uma análise bibliográfica do tipo exploratória,
ancorada no aporte teórico de autores como Aníbal Quijano
(2005), Boaventura de Sousa Santos (2002; 2004b; 2007; 2010),
Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2009),
Edgardo Lander (2005; 2006), Enrique Dussel (2005) e Walter
Mignolo (2004), para tratar do tema da colonialidade do
saber.
Para abordar sobre a construção compartilhada do
conhecimento, recorreu-se ao referencial teórico de autores
que têm contribuído com a fundamentação do campo da
Educação Popular latino-americana, tais como Alfonso Torres
(2013), Carlos Rodrigues Brandão (2006), Carlos Rodrigues
Brandão e Danilo Romeu Streck (2006), Danilo Romeu Streck
e Maria Teresa Esteban (2013), João Francisco de Souza
(2007), Marco Raúl Mejía (2013; 2016), Orlando Fals Borda
(1985; 1991), Luis Eduardo Mora-Osejo e Orlando Fals Borda
(2004), Oscar Jara (2010), Paulo Freire (1985; 2001; 2008; 2013;
2015), Reinaldo Matias Fleuri (2018; 2019), entre outros.
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
As dimensões colonial e eurocêntrica do
conhecimento moderno hegemônico no Ocidente
Todo conhecimento é contextual; por isso, não
há conhecimento que seja desvinculado de práticas e
sujeitos sociais. Assim, toda experiência social viabiliza a
produção e reprodução de conhecimentos. De modo que,
diferentes relações sociais dão origem a diferentes tipos de
epistemologias, o que decorre das tensões e contradições
presentes nas próprias experiências sociais; já que essas,
de modo geral, se constituem a partir de distintos tipos de
relações sociais, em suas expressões culturais (de caráter
intracultural e intercultural) e políticas (com disposição
díspar de poder). Diante disso, pode-se assinalar que as
experiências sociais são conformadas pela interface entre
variados conhecimentos, os quais apresentam em sua
constituição os seus próprios critérios de validade (SANTOS;
MENESES, 2009).
No entanto, salienta-se que desde o século XIX, tem
predominado no Ocidente uma epistemologia que tem
negado a existência do contexto cultural e político do
processo de produção e reprodução do conhecimento
− que se materializa na concepção de ciência moderna,
expressando um pretenso caráter de universalidade
−, que tem sua gênese resultante de uma intervenção
epistemológica que se origina a partir da imposição do
regime colonial e do capitalismo moderno às sociedades,
aos povos e às culturas não-ocidentais e não-cristãs (SANTOS;
MENESES, 2009).
De acordo com Aníbal Quijano (2005), a constituição
da América está atrelada ao advento do capitalismo colonial/
moderno e eurocentrado como modelo de poder global.
SUMÁRIO
47
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Poder esse que deriva da imposição da noção de raça/
etnia – estabelecendo um modelo de classificação social
de grupos, povos e nações, diferenciando conquistadores
e conquistados. Assim como conferindo certa normalidade
ao processo de inferiorização e exploração de europeus
pelos não-europeus −, sendo esse um constructo subjetivo
que serviu como base para a consolidação da dominação
colonial. Alimentando, inclusive, a configuração de uma
racionalidade moderna hegemônica, denominada pelo
autor de eurocentrismo.
No entanto, salienta Anibal Quijano (2005) que, apesar
de sua natureza estar assentada em uma matriz colonial,
tal perspectiva tem demonstrado − mesmo com o fim do
colonialismo − a sua profusão como colonialidade do poder.
O que é consubstanciado por Boaventura de Sousa Santos
e Maria Paula Meneses (2009), ao indicarem que:
[...] o fim do colonialismo político, enquanto
forma de dominação que envolve a negação da independência política de povos e/
ou nações subjugados, não significou o fim
das relações sociais extremamente desiguais
que ele tinha gerado (tanto relações entre
Estados como relações entre classes e grupos
sociais no interior do Estado) (p. 12).
Com o controle do mercado mundial e ocupando
lugar de centralidade no capitalismo mundial, a Europa pôde
expandir seu domínio colonial sobre todos os territórios e
povos do globo, integrando-os ao moderno “sistema-mundo”
que estava se configurando e submetendo-os ao seu novo
padrão de poder (QUIJANO, 2005). Isto é, sob a égide do
48
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
projeto de modernidade e civilização, estava a justificativa
necessária para legitimar o colonialismo (MIGNOLO, 2004).
Diante disso, pode-se destacar que:
Com efeito, todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais terminaram
também articulados numa só ordem cultural
global em torno da hegemonia europeia ou
ocidental. Em outras palavras, como parte
do novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia
o controle de todas as formas de controle da
subjetividade, da cultura, e em especial do
conhecimento, da produção do conhecimento (QUIJANO, 2005, p. 110).
Assim, a partir de diferentes formas e meios, buscou-se
reprimir aos povos colonizados a possibilidade de produção
e reprodução de conhecimentos, de manutenção de seu
universo simbólico, do uso de expressões fundadas em seus
próprios padrões e sentidos, da corporificação de suas
subjetividades. Nesse sentido, compeliu-se que os povos
dominados assimilassem a cultura dos colonizadores,
principalmente nos aspectos que fossem concernentes a
consolidação da dominação na esfera objetiva-material e
subjetiva (QUIJANO, 2005). Portanto, por meio desse processo,
implicou-se na “colonização das perspectivas cognitivas,
dos modos de produzir ou outorgar sentido aos resultados
da experiência material ou intersubjetiva, do imaginário, do
universo de relações intersubjetivas do mundo; em suma,
da cultura” (QUIJANO, 2005, p. 111).
Nessa acepção, como assinalado por Boaventura
de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2009, p. 7):
SUMÁRIO
49
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
O colonialismo, para além de todas as dominações por que é conhecido, foi também
uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-poder
que conduziu à supressão de muitas formas
de saber próprias dos povos e nações colonizados, relegando muitos outros saberes para
um espaço de subalternidade.
A profusão de tal intervenção acarretou na
depreciação e supressão das mais diversificadas práticas
sociais de conhecimento que pudessem representar alguma
forma de contrariedade aos interesses hegemônicos;
legitimando, assim, o epistemicídio dos conhecimentos
locais. O que ocasionou no desperdício de experiência social
e na diminuição da diversidade epistemológica e cultural.
Dessa forma, “sob o pretexto da ‘missão colonizadora’, o
projeto da colonização procurou homogeneizar o mundo,
obliterando as diferenças culturais” (SANTOS; MENESES, 2009,
p. 10).
Não obstante, quando sobreviventes, tais experiências
e diversidade de saberes foram sendo definidos tendo
como parâmetro o modelo epistemológico dominante.
Desse modo, passaram, então, a serem concebidos como
saberes locais e contextuais, que tinham sua serventia
vinculada à sua possível utilidade como matéria-prima para
o desenvolvimento de conhecimento científico ou como
instrumento indireto de dominação, inculcando uma falsa
noção de autogoverno nos povos colonizados (SANTOS;
MENESES, 2009).
À esse respeito, Walter Mignolo (2004) evidencia
que a história da modernidade sempre foi relatada a partir
de um único ponto de vista: o europeu. Articulado a isso,
50
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
funda-se o mito de que a modernidade e a racionalidade
são produções da Europa (DUSSEL, 2005; QUIJANO, 2005),
como se a origem da história da humanidade tivesse no
continente europeu o seu berço e fossem eles os seus únicos
protagonistas – o que Enrique Dussel (2005), de diferentes
formas, já demonstrou inequivocamente se tratar apenas
de um invento ideológico e eurocêntrico.
Como destacado por Aníbal Quijano (2005), essa
perspectiva eurocêntrica é o que está na base da concepção
dualista de que a relação cultural e intersubjetiva que se
deu entre os europeus e não-europeus se respaldasse em
algo como primitivo/civilizado, inferior/superior, irracional/
racional, tradicional/moderno, mítico-mágico/racionalcientífico. Já para Boaventura de Sousa Santos (2004b),
essa visão dicotômica que separa e hierarquiza branco/
negro, homem/mulher, capital/trabalho, saber científico/
saber tradicional, Norte/Sul, Ocidente/Oriente etc., está
no cerne do que ele denominou de razão metonímica,
sendo essa uma das expressões mais atuais da indolência
da racionalidade hegemônica no Ocidente nos últimos
duzentos anos, forjada em uma visão parcial e limitada da
realidade: a visão ocidental do mundo.
Nessa perspectiva, Walter Mignolo (2004) descreve
que no seio da revolução científica, enquanto fato suntuoso
da humanidade, estava implicada a negação à uma outra
parte da humanidade da possibilidade de pensar. Logo,
percebia-se que a consagração da modernidade, por um
lado, ocultava a colonialidade, de outro − revelando-se,
então, que não há modernidade sem colonialidade. De
modo que a concepção de “ciência” e de “conhecimento
científico” não são neutros e também estão imbrincados
em tal evento.
SUMÁRIO
51
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Em razão disso, convém sublinhar que a concepção
de eurocentrismo, conforme trabalhada por Aníbal Quijano
(2005, p. 115):
Não se trata, em consequência, de uma
categoria que implica toda a história cognoscitiva em toda a Europa, nem na Europa
Ocidental em particular. Em outras palavras,
não se refere a todos os modos de conhecer
de todos os europeus e em todas as épocas, mas a uma específica racionalidade ou
perspectiva de conhecimento que se torna
mundialmente hegemônica colonizando e
sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou
diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa como no resto do
mundo.
Conforme Walter Mignolo (2004), os modelos
epistemológicos configurados a partir da teologia, da
filosofia e da ciência, deram a base para a negação da
racionalidade de todos os outros tipos de conhecimentos que
não se enquadravam dentro desses padrões. Desvelando a
intimidade existente entre a modernidade e a racionalidade
e, sobretudo, assumindo a sua colonialidade por meio da
rejeição e opressão epistêmica.
Por esse motivo, Boaventura de Sousa Santos (2010, p.
8, tradução nossa) indica que “o fim do colonialismo político
não significou o fim do colonialismo nas mentalidades e
subjetividades, na cultura e na epistemologia, o que pelo
contrário continuou reproduzindo-se de modo endógeno”.
Isto posto, na acepção de Walter Mignolo (2004, p. 668):
“a descolonização já não é um projeto de libertação
das colônias, com vistas à formação de Estados-nação
52
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
independentes, mas sim o processo de descolonização
epistêmica e de socialização do conhecimento”.
Nas últimas décadas, diferentes autores têm lançado
duras críticas ao caráter eurocêntrico e colonial dos saberes
modernos hegemônicos no Ocidente (CASTRO-GÓMEZ;
GROSFOGUEL, 2007; LANDER, 2005; SANTOS; 2004a; SANTOS;
MENESES, 2009; WALSH, 2017). Como denotado por Aníbal
Quijano (2005), apesar do advento da conquista de
independência por parte de vários povos e nações do
Sul global, o colonialismo tem se perpetuado na forma de
colonialidade do saber e poder.
Avançando em tal crítica, Boaventura de Sousa
Santos (2010) reforça que a racionalidade hegemônica
no Ocidente tem suas raízes e intencionalidade assentadas
nas necessidades decorrentes do processo de dominação
capitalista e colonial – estando associado ao que ele tem
denominado de pensamento abissal.
Em conformidade com Boaventura de Sousa Santos
(2010), na perspectiva do pensamento abissal, o mundo está
dividido por uma linha abissal que separa em dois universos
distintos a realidade social – em os que estão “do lado de
cá” e os que estão “do lado de lá” da linha −, sendo essa
cisão tão radical ao ponto de aquilo que se encontra do
“outro lado” estar disposto como inexistente, de modo que
esse se extingue de fato, desaparecendo como realidade
tangível. Ou seja, esse é um pensamento que:
[...] opera pela definição unilateral de linhas
radicais que dividem as experiências, os atores e os saberes sociais entre os que são visíveis, inteligíveis ou úteis (os que estão deste
lado da linha) e os que são invisíveis, ininteligíveis, esquecidos ou perigosos (os que estão
SUMÁRIO
53
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
do outro lado da linha) (SANTOS, 2010, p. 8,
tradução nossa).
Como caracterizado por Boaventura de Sousa Santos
(2010), essa distinção é tão drástica ao ponto de inviabilizar a
copresença dos saberes situados em lados diferentes da linha
abissal – não podendo esses serem nem mesmo considerados
como o “outro”. Por esse ponto de vista, a ciência moderna
é a possuidora exclusiva do direito universal de indicar o que
é verdadeiro ou falso, já que no embate epistemológico
entre saber científico e saberes não-científicos, foi à ciência
moderna quem deteve tal monopólio, em detrimento da
razão filosófica e da fé religiosa.
Todavia, salienta-se que essa “tensão” entre a ciência
e outras formas de conhecimentos (filosófico e teológico)
tem ocorrido apenas “do lado de cá” da linha abissal. Já
que “do outro lado” da linha, residem os saberes que não
são considerados como conhecimentos sistemáticos, tais
como os saberes populares, indígenas, camponeses, entre
outros; os quais são tidos como irrelevantes, incompreensíveis,
incomensuráveis, sendo esses fundamentados em meras
crenças, idolatria ingênua, intuição subjetivista, magia,
e assim por diante. De maneira que esse processo de
depreciação e inferiorização cognitiva esteve fortemente
articulado à negação da própria natureza humana de
determinados grupos – onde, tomando como exemplo
o caso dos povos do Sul geográfico, que pelo olhar dos
“humanistas” do século XV e XVI eram considerados como
selvagens sub-humanos (SANTOS, 2010).
No que diz respeito à isso, como bem pontuou Walter
Mignolo (2004), a celebração da razão científica ocidental se
consolidou arraigada na negação das outras racionalidades
54
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e formas de conhecimento. Em vista disso, é importante
sublinhar o enfatizado por Boaventura de Sousa Santos
(2010, p. 36, tradução nossa), como forma de evidenciar
que isso não correu à toa, já que: “A negação de uma
parte da humanidade é [algo] sacrificial, na medida em
que constitui a condição [essencial] para a outra parte da
humanidade se afirmar enquanto universal”.
Na interpretação de Boaventura de Sousa Santos
(2004b), existe uma ampla e variada riqueza advinda de
inúmeras experiências e prática sociais que estão espalhadas
por diversos lugares do globo, as quais não são consideradas
e nem percebidas em sua real magnitude pelo pensamento
científico tradicional em hegemonia no campo das ciências
sociais. O que, no entendimento desse autor, acarreta no
desperdício de uma gama extensa de experiências sociais.
Para Boaventura de Sousa Santos (2004b), esse
desperdício de experiência está no cerne da concepção
dominante de que não há alternativas viáveis no estágio
atual de globalização neoliberal, declarando-se, assim,
“o fim da história”. Conforme delineado por Boaventura
de Sousa Santos (2004b), a superação desse desperdício
de experiência – que vise dar visibilidade as iniciativas e
experiências ocultadas e descreditadas – não seria possível
de se concretizar por meio da ciência social tradicional.
Segundo ele, tal perspectiva só seria possível a partir da
constituição de um outro modelo de racionalidade.
Como exposto por Boaventura de Sousa Santos
(2004b), para que seja possível realmente conhecer e
valorizar a infinitude de conhecimentos e experiências sociais
existentes, é iminente a assunção de uma sociologia das
ausências – isto é, a feitura de um processo investigativo
que permita desvelar que o que é considerado como “nãoSUMÁRIO
55
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
existente” é, em realidade, resultado de um conjunto de
ações que produzem a sua não-existência, configurando
elementos inteligíveis em ininteligíveis.
Desse modo, pode-se indicar que o que a sociologia
das ausências se propõe é transformar as ausências em
presenças, como forma de superar a monocultura do
conhecimento vigente, que é responsável pela produção da
não-existência, decorrente da desqualificação, invisibilização
e descarte de experiências e saberes não-ocidentais
(SANTOS, 2004b). Diante disso, o mesmo sublinha que:
[...] a pobreza da experiência não é expressão de uma carência, mas antes a expressão
de uma arrogância, a arrogância de não se
querer ver e muito menos valorizar a experiência que nos cerca, apenas porque está fora
da razão com que a podemos identificar e
valorizar (SANTOS, 2004b, p. 785).
Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (2004b)
salienta que, a partir da sociologia das ausências, o que se
pretende é a evidenciação de outros saberes e de outros
critérios de validade oriundos de práticas sociais consideradas
como não-existentes, em vista de sobrepujar a monocultura
do conhecimento científico e estabelecer uma ecologia
de saberes. Por conseguinte, Boaventura de Sousa Santos
(2010, p. 49, tradução nossa) indica que a concepção de
ecologia de saberes está embasada no “reconhecimento
da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (sendo um
deles a ciência moderna) e em interações sustentáveis e
dinâmicas entre eles sem comprometer a sua autonomia.
A ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o
conhecimento é interconhecimento”.
56
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
De acordo com Edgardo Lander (2006), na América
Latina, se observa historicamente a predominância das
correntes do pensamento colonial-eurocêntrico, em
que as principais leituras sobre as realidades sociais são
fundamentadas com base na cosmovisão europeia, assim
como pela ideia de que as sociedades do Norte eram o
modelo de civilização que deveria ser imitado/copiado pelo
Sul. Entretanto, outras vertentes de pensamento e outras
formas de conhecimento sobre as realidades dos territórios
da região têm se desenvolvido de forma “marginal”. Não
obstante, algumas dessas perspectivas têm levantado a
bandeira em defesa dos saberes e dos modos de vida dos
povos ancestrais, que há muito tempo se apresentam como
uma expressão da resistência cultural, articulada à lutas
no campo político a partir de processos de mobilização e
organização popular.
À esse respeito, na perspectiva apontada por
Boaventura de Sousa Santos (2010), faz-se imprescindível
que se busque exercitar um certo distanciamento da teoria
crítica eurocêntrica, não com o intuito de desqualificar essa
tradição e descartar todo seu acumulado teórico-crítico.
Na posição assumida por ele, se sobressai a compreensão
de que no presente momento não se requer teorias de
vanguarda, mas sim teorias de retaguarda – que segundo
o supracitado autor: “É mais um trabalho de artesanato e
menos um trabalho de arquitetura. Mais um trabalho de
testemunho implicado e menos de liderança clarividente”
(SANTOS, 2010, p. 19, tradução nossa).
Assim, a necessidade de de(s)colonialidade tem
sido posta em evidência sobretudo a partir das críticas
levantadas pelos movimentos camponeses, feministas,
afrodescendentes e indígenas ao modelo de pensamento
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
tradicional eurocêntrico e colonial nos últimos quarenta
anos (SANTOS, 2010). Diante dessa situação, Boaventura
de Sousa Santos (2010) provoca, assinalando que para dar
conta dos desafios contemporâneos se faz necessário “despensar para poder pensar”.
Como proposta frente a esse quadro de hegemonia
das epistemologias do Norte, Boaventura de Sousa Santos
e Maria Paula Meneses (2009) indicam a conformação de
uma concepção designada por eles como Epistemologias
do Sul, que refere-se a um
[...] conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam a supressão dos saberes
levada a cabo, ao longo dos últimos séculos,
pela norma epistemológica dominante, valorizam os saberes que resistiram com êxito e
as reflexões que estes têm produzido e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos (SANTOS; MENESES,
2009, p. 7).
A construção compartilhada do conhecimento
como pressuposto de(s)colonial da Educação
Popular
É relevante salientar que, no presente artigo, parte-se
do entendimento de que a concepção latino-americana
de Educação Popular se enquadra dentro de tal esfera
de discussão, sendo um exemplo salutar de uma proposta
epistemológica oriunda do Sul global que, como sublinhou
João Francisco de Souza (2007), tem em sua essência a
perspectiva de:
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
[...] contribuir com a construção da humanidade do ser humano em suas diferentes feições: masculinas, femininas, adultas, infantis,
juvenis, idosas, adolescentes, rurais e urbanas,
“rurbanas”, negras, mestiças, brancas, indígenas, no interior de suas orientações sexuais e
opções ideopolíticas, entre tantas outras possíveis identidades (SOUZA, 2007, p. 124-125).
Para Oscar Jara (2010), a Educação Popular é uma
vertente educativa e campo teórico-prático que apresenta
uma proposta político-pedagógica que visa contribuir com o
enfrentamento e a superação dos processos de dominação,
exploração, opressão, discriminação, exclusão e inequidades
presentes na sociedade, almejando a transformação do
mundo – no sentido de sua humanização – a partir da
formação de sujeitos (agentes de transformação social)
que possam perfazer relações sociais mais equitativas e
justas, fundadas no respeito à diversidade e pela igualdade
de direitos entre todas as pessoas.
Com relação a isso, é crucial recordar a posição
assumida por Paulo Freire (2001), ao assinalar que:
[...] a educação popular cuja posta em prática, em termos amplos, profundos e radicais,
numa sociedade de classe, se constitui como
um nadar contra a correnteza é exatamente
a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. É a que estimula a
presença organizada das classes sociais populares na luta em favor da transformação
democrática da sociedade, no sentido da
superação das injustiças sociais. É a que respeita os educandos, não importa qual seja
sua posição de classe e, por isso mesmo, leva
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
em consideração, seriamente, o seu saber de
experiência feito, a partir do qual trabalha o
conhecimento com rigor de aproximação
aos objetos. [...] É a que supera os preconceitos de raça, de classe, de sexo e se radicaliza
na defesa da substantividade democrática
(p. 101-102).
Conforme Marco Raúl Mejía (2013), a Educação
Popular é uma proposta que apresenta um acumulado
teórico-prático próprio, forjado desde o hemisfério Sul, o
qual parte da crítica à colonialidade e que diferencia-se
do pensamento eurocêntrico e das leituras/interpretações
efetivadas de maneira exterior ao contexto ambiental,
social, cultural, político e econômico da América Latina.
Caracterizando-se como um paradigma arraigado em
pressupostos teórico-metodológicos como o diálogo
horizontalizado, a confrontação de saberes e a negociação
cultural, essa concepção objetiva a constituição de um
“saber de fronteira” construído a partir do diálogo com
outras concepções teórico-críticas oriundas de latitudes
distintas do Sul e também do próprio Norte.
Para Danilo Romeu Streck e Maria Teresa Esteban
(2013), a Educação Popular se configura como radicalmente
contrária à posições dogmáticas e a sujeição do pensamento
à mimetização e assimilação acrítica de referenciais
descontextualizados que se pretendem “universais”. À
esse respeito, as contribuições teóricas de Paulo Freire e
Orlando Fals Borda ao campo da Educação Popular são
dignas de destaque pelas suas dimensões ético-políticas
e teórico-metodológicas, bem como por sua crítica ao
modelo hegemônico de ciência social e a estruturação
de aportes reorientadores na produção do conhecimento,
60
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
especialmente assinalando a não neutralidade da ciência
e a necessária superação da tradicional relação sujeito/
objeto.
Na colocação defendida por Orlando Fals Borda
(1985), a fetichização da ciência – como se fosse um ente
autônomo responsável exclusivo pela conformação de
nossas sociedades, habilitado a guiar e determinar os
rumos da humanidade e de todas as outras formas de vida
existentes no planeta, no momento presente e inclusive no
futuro − é altamente improdutivo e perigoso. Pois como
esboçado por ele:
[...] a ciência é construída pela aplicação
de regras, métodos e técnicas sujeitas a certo tipo de racionalidade convencionalmente
aceita por uma pequena comunidade constituída de indivíduos chamados cientistas que,
por serem humanos, estão, por isso mesmo,
sujeitos a motivações, interesses, crenças e superstições, emoções e interpretações de seu
desenvolvimento social, cultural e individual
(FALS BORDA, 1985, p. 44).
Nesse sentido, Orlando Fals Borda (1985) manifesta
sua preocupação com a absolutização do conhecimento
científico, já que esse variará de acordo com as preferências
e interesses dos grupos socioculturais implicados na formação
e produção do conhecimento, o qual hegemonicamente
estará direcionado para a preservação, desenvolvimento
e fortalecimento do sistema capitalista – ou seja, à serviço
da manutenção do status quo.
Todavia, como explicitado por Luis Eduardo Mora-Osejo
e Orlando Fals Borda (2004), não se trata de embarcarmos
em uma atitude de isolamento intelectual, mantendo-se
SUMÁRIO
61
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
distantes do que tem sido produzido externamente e muito
menos de adotarmos uma postura xenofóbica. É evidente
que o conhecimento elaborado pelos países do Norte tem
a sua devida importância, mas é preciso que busquemos
construir e acumular conhecimentos que sejam congruentes
e adequados para viabilizar o desenvolvimento das nações
e povos do Sul, os quais sejam gerados por meio de um
exercício autopoiético. Por conta disso, é imprescindível
que se constituam espaços de interação em que os
conhecimentos do Norte relacionem-se de forma horizontal
e respeitosa com os conhecimentos contextualizados do
Sul − provenientes do que Orlando Fals Borda (1991) cunhou
de “ciência popular” – permitindo, assim, a constituição de
um processo de “soma de saberes”.
Consubstanciando com tal entendimento, Paulo
Freire (1985) reitera o caráter eminentemente político da
atividade científica e indica que é imprescindível que a
todo momento o pesquisador se questione sobre a quem
a sua prática investigativa está servindo e beneficiando.
Nesse tocante, Carlos Rodrigues Brandão (2006) reforça que:
[...] a ciência nunca é neutra e nem objetiva,
sobretudo quando pretende erigir-se como
uma prática objetiva e neutra. A consequência deste ponto de partida [...] é o de que a
confiabilidade de uma ciência não está tanto no rigor positivo de seu pensamento, mas
na contribuição de sua prática na procura
coletiva de conhecimentos que tornem o ser
humano não apenas mais instruído e mais sábio, mas igualmente mais justo, livre, crítico,
criativo, participativo, corresponsável e solidário (p. 24-25).
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Para Paulo Freire (1985), a realidade é muito mais do
que um aglomerado de informações e eventos que se busca
apreender. Em seu ponto de vista, a realidade só é possível
de ser devidamente compreendida a partir da análise da
relação dialética entre os aspectos objetivos e subjetivos.
Por esse ângulo, ele enfatiza que a pesquisa − como ato
heurístico −, deve posicionar como seus sujeitos cognoscentes
tanto os pesquisadores profissionais como as pessoas e grupos
das classes populares; em que o objeto cognoscível a ser
desvendado e depreendido é a realidade objetiva. Nas
palavras de Paulo Freire (1985, p. 35): “a realidade concreta
é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos
em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados
e mais a percepção que deles esteja tendo a população
neles envolvida”.
Como evidenciado por Carlos Rodrigues Brandão
e Danilo Romeu Streck (2006), toda investigação tem um
lado pedagógico e quando se tratando da pesquisa na
perspectiva da Educação Popular, se sobressai a proposta de
construção solidária e compartilhada de saberes, em que o
elemento principal desse processo não é o “conhecimento”
em si, mas o “diálogo” das e entre ideias, experiências e
percepções de mundo. Principalmente considerando que:
O ser humano está em constante construção
e aprendizado, não há quem tudo sabe assim como não há quem nada sabe. Dialogar
é o encontro de conhecimentos construídos
histórica e culturalmente por sujeitos, portanto, o encontro desses sujeitos na intersubjetividade. O diálogo acontece quando cada
um, de forma respeitosa, coloca o que sabe
à disposição para ampliar o conhecimento
crítico de ambos acerca da realidade con-
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
tribuindo com os processos de transformação
e humanização. Contrapõe-se assim, à visão
de mundo estática e pessimista, ao afirmar
que o mundo e os sujeitos que dele fazem
parte e o constroem estão em permanente
transformação (BRASIL, 2012, p. 14).
Na visão de Paulo Freire (2015), o fenômeno educativo
é indissociável do processo de ensinar e aprender, que
conforme o próprio, são momentos inerentes ao ato de
conhecer − isto é, uma situação gnosiológica. Além disso,
Paulo Freire (2015) ressalta que o “conhecer” não pode ser
reduzido à ideia de que uma pessoa convertida em “objeto”
de outro receba de modo passivo e acrítico um conjunto
de conteúdos alheios à sua realidade e ao seu contexto
cultural. Segundo ele, a produção do conhecimento requer
do sujeito uma postura de curiosidade perante o mundo,
o que exprime a necessidade de uma atuação sobre a
realidade de forma transformadora, a qual só é possível a
partir da instauração de um processo de busca contínua,
que pressupõe inventividade e criatividade.
Não obstante, Orlando Fals Borda (1991) demarca
que a superação da relação sujeito/objeto por uma relação
sujeito/sujeito é condição sine qua non para o rompimento
com a situação de dominação/dependência que está
presente não só na ciência mas em outros contextos em que
se dão as relações humanas, como por exemplo na escola
(na hierarquia entre professor/aluno), no âmbito doméstico
(no machismo presente na relação homem/mulher), nos
serviços de saúde (na relação médico/paciente), na
política (com o caciquismo, o caudilhismo), dentre outras.
Em conformidade com isso, o mesmo destaca que a ruptura
com essa assimetria viabilizaria a edificação das estruturas
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de um outro tipo de sociedade, muito mais participativa,
igualitária e democrática.
Ao traçar alguns elementos importantes para a
formação de pensamentos e subjetividades críticas e
emancipadoras desde as práticas de Educação Popular,
Alfonso Torres (2013) destaca que tal perspectiva só é tangível
a partir da instauração do diálogo entre sujeitos que com
suas diferenças e singularidades, partilham aspirações e
interesses de transformar a realidade social com a finalidade
de delinear horizontes emancipadores. Como expresso por
ele, o conhecimento não é algo pronto e acabado que
se doa a uma outra pessoa, mas algo que se constrói e
reconstrói de forma contínua por meio da intersubjetividade.
Em virtude disso, é significativo relembrar que Paulo
Freire (2013) sempre evidenciou a sua posição contrária
às ações educativas autoritárias, verticais, depositárias e
antidialógicas − caracterizando-as como iniciativas de
invasão cultural. Por essa razão, o mesmo assinalava que
era preciso superar tal atitude, buscando a constituição
de uma prática educativa que fosse horizontal, crítica,
ativa, participativa e dialógica – materializando-se como
a expressão de uma síntese cultural.
No entendimento de Carlos Rodrigues Brandão (2006),
a perspectiva tradicional que concebe o contato entre o
investigador e as pessoas das camadas populares disposta
como uma relação sujeito/objeto, precisa ser reconfigurada
a partir de um enfoque participativo que proporcione o
estabelecimento de uma relação sujeito/sujeito, fundada na
ótica de que todas as culturas − em que os diferentes sujeitos
sociais estão envoltos – são fontes vitais de saber. O que se
soma ao fato de que o exercício da investigação quando
configurada em parâmetros “participativos”, possibilita a
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
interação entre os distintos saberes e permite a elaboração
de uma compreensão da realidade social construída de
forma compartilhada. Apontando uma outra maneira de
se gestar o conhecimento decorrente da articulação crítica
entre os saberes científico e popular, que podem convergir
na composição de um saber novo.
Em vista disso, ressalta-se que para Paulo Freire
(2013), o diálogo se sobressai não como um mero recurso
metodológico ou como uma representação banal e informal
de determinadas relações interpessoais. No pensamento
de Paulo Freire, o diálogo é concebido como uma
“conversa hermenêutica”, em que ambos os polos em
contato/comunicação, desempenham papeis de sujeitos
ativos do processo de construção de conhecimento que
se dá por meio da relação desses entre e com o mundo.
Expressando, assim, a natureza relacional do conhecimento,
que para ele só é possível de ser erigido em decorrência da
intersubjetividade e da intercomunicação – corporificando
um liame comunicativo que integra os sujeitos cognoscentes
e o objeto cognoscível (FREIRE, 2015).
Nessa significação, pode-se inferir que na Educação
Popular o diálogo está representado e se configura como:
[...] uma perspectiva crítica de construção do
conhecimento, de novos saberes, que parte
da escuta do outro e da valorização dos seus
saberes e iniciativas, contrapondo-se à prática prescritiva. O diálogo não torna as pessoas iguais, mas possibilita nos reconhecermos
diversos e crescermos um com o outro; pressupõe o reconhecimento da multiculturalidade e amplia nossa capacidade em perceber,
potencializar e conviver na diversidade (BRASIL, 2012, p. 15).
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Na esteira do debate relativo à produção de
conhecimento na Educação Popular, muito se fala à respeito
da troca de saberes, do diálogo entre saber científico e saber
popular, do confronto de conhecimentos, da interação entre
saberes, sobre a construção compartilhada do conhecimento,
entre outros. Inclusive, ao analisar as publicações decorrentes
de produção da esfera governamental brasileira, mais
precisamente a Política Nacional de Educação Popular
em Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS) (BRASIL,
2013) e o Marco de Referência da Educação Popular para
as Políticas Públicas (BRASIL, 2014), observa-se a ênfase para
tais propostas. Sendo mais explícita na PNEPS-SUS, em que
aparece entre o leque de princípios teórico-metodológicos
elencados como orientadores da política em foco a
construção compartilhada do conhecimento.
Como mencionado na PNEPS-SUS, a construção
compartilhada do conhecimento:
[...] consiste em processos comunicacionais
e pedagógicos entre pessoas e grupos de
saberes, culturas e inserções sociais diferentes, na perspectiva de compreender e transformar de modo coletivo as ações [...] desde
suas dimensões teóricas, políticas e práticas.
[...] envolve a construção de práticas e conhecimentos de forma participativa, protagônica e criativa [...], considerando a integração e articulação entre saberes, práticas,
vivências e espaços, no sentido de promover
[...] a construção dialógica, emancipadora
(BRASIL, 2012, p. 16).
Segundo Maria Alice Carvalho (2007), a construção
compartilhada do conhecimento apresenta três dimensões:
1) política; 2) epistemológica; 3) educativa. Na dimensão
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
política, se sobressai a quebra do monopólio intelectual
do saber científico (ou a sua hegemonia, em termos
gramscianos), criando condições para que racionalidades
contra-hegemônicas possam modificar a direção cultural
e ideológica que orienta a ação e justifica/consolida a
hierarquização dos diferentes grupos socioculturais −
incluindo a sua submissão a outros grupos −, passando a
integrar os olhares e os saberes subalternizados.
Assim, pode-se sinalizar que a construção
compartilhada do conhecimento:
Incorpora sonhos, esperanças e visões críticas
e os direciona na produção de propostas de
enfrentamento e superação dos obstáculos
historicamente constituídos em situações limites para a vida cotidiana de forma a desenvolver novas práticas, procedimentos e horizontes (BRASIL, 2012, p. 16).
Em sua dimensão epistemológica, valoriza-se a criação
de um novo conhecimento decorrente da articulação
entre o saber científico e o saber popular, tendo como
pressuposto a não contraposição entre os saberes e sim
a sua complementariedade. Com isso, não se pretende
adentrar em relativismos, mas fixar que são saberes diferentes
provenientes de práticas sociais distintas, justificando-se a
disposição de uma necessária interação dinâmica entre
os saberes científicos e as outras formas de saber para a
elaboração de um novo conhecimento (CARVALHO, 2007).
Por essa lógica, constitui-se um processo dialógico
que:
[...] implica um respeito mútuo que o autoritarismo não permite que se constitua. [De
68
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
modo que] O pensamento crítico de um, não
anula o [...] pensamento crítico do outro e os
conflitos são explicitados e não silenciados.
Não nivela, não reduz um ao outro, não é bate-papo ou conversa desinteressada (BRASIL,
2012, p. 15).
No que concerne a sua dimensão educativa, temse no construtivismo a sua base central, de forma que o
“educando” é compreendido como sujeito ativo e construtor
de seu conhecimento – isto é, como resultado de sua
inserção em uma determinada realidade social, o sujeito
confronta com seus saberes prévios o objeto cognoscível,
problematizando-o e criando as suas próprias representações
sobre o fenômeno. O que em alguns casos, incorre na
necessidade de desconstruir/desaprender para poder
construir/aprender (CARVALHO, 2007).
Relativo a isso, de acordo com Maria Alice Carvalho,
Sonia Acioli e Eduardo Navarro Stotz (2001), pode-se sintetizar
que a construção compartilhada do conhecimento:
[...] implica em uma interação comunicacional, onde sujeitos de saberes diferentes,
porém não hierarquizados, se relacionam a
partir de interesses comuns. Esses sujeitos convivem em situações de interação e cooperação que envolve o relacionamento entre
pessoas ou grupos com experiências diversas,
interesses, desejos e motivações coletivas (p.
103).
Além dessas dimensões explicitadas, reitera-se que
a construção compartilhada do conhecimento se destaca
como um modelo dialógico e multidirecional − precisamente
por priorizar a constituição de um diálogo “aberto” que
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
enseje a interação entre todas as pessoas participantes do
processo, enriquecendo-o com diversos olhares. De modo
que, quão maior for a participação e a interação entre os
indivíduos envolvidos na produção do conhecimento, mais
compartilhado será o processo e todos irão se reconhecer
como co-criadores do saber em questão.
Por esse ponto de vista, ressalta-se que para que
essa proposta efetivamente ocorra, faz-se necessário a
manutenção entre os sujeitos de uma relação fundada em
elementos como vínculo, confiança mútua, solidariedade e
cooperação, pois o diálogo de saberes envolve negociação
de sentidos, interesses e necessidades em busca da
construção de pontes e de caminhos comuns (MEJÍA, 2016).
Ademais, no cerne das experiências de construção
compartilhada de conhecimento é essencial que se
tenham o horizonte do que Reinaldo Matias Fleuri (2018)
denominou como uma perspectiva intercultural crítica, que
seja capaz de agir de forma a desconstruir a matriz colonial
e eurocêntrica como passo crucial para a de(s)colonização
não só do saber, mas também do poder, do ser e do viver;
pois como destacado por Paulo Freire (2008) na epígrafe
do presente texto: “O que não é possível é simplesmente
fazer um discurso democrático, antidiscriminatório e ter uma
prática colonial” (p. 68).
Conforme destacado por Reinaldo Matias Fleuri
(2019), no Brasil, as práticas de educação popular articuladas
aos movimentos sociais populares têm se distinguido de
forma significativa pela valorização e reconhecimento das
culturas e dos saberes dos distintos grupos socioculturais
subalternizados. Como colocado por ele, a concepção de
interculturalidade crítica:
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
[...] reconhece o valor intrínseco de cada
cultura e defende o respeito recíproco entre diferentes grupos identitários. [...] propõe
construir a relação recíproca entre eles. Uma
relação que se dá, não abstratamente, mas
entre pessoas concretas. Entre sujeitos que
decidem construir contextos e processos de
aproximação, de conhecimento recíproco e
de interação. Relações estas que produzem
mudanças em cada indivíduo, favorecendo
a consciência de si e reforçando a própria
identidade. Sobretudo, promovem mudanças estruturais nas relações entre grupos. Estereótipos e preconceitos – legitimadores de
relações de sujeição ou de exclusão – são
questionados e, até mesmo superados, na
medida em que sujeitos diferentes se reconhecem a partir de seus contextos, de suas
histórias e de suas opções. [...] implica em [...]
necessidade de oferecer oportunidades educativas a todos, respeitando e integrando a
diversidade de sujeitos e de seus pontos de
vista. [Assim como demanda a] [...] necessidade de desenvolver processos educativos,
metodologias e instrumentos pedagógicos
que deem conta da complexidade das relações humanas entre indivíduos e culturas diferentes (FLEURI, 2018, p. 46).
Nesse sentido, não se visa contrapor os saberes
científico e popular, mas delinear soluções de forma
compartilhada e sustentada por interesses coletivos, os quais
necessitam ser trabalhados por meio do que Marco Raúl
Mejía (2016) distinguiu como negociação cultural, que é um
exercício que integra processos intraculturais, interculturais
e transculturais para a construção de:
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
[...] outro cenário biocultural, onde os saberes e conhecimentos estão vivos e são recriados dando lugar a uma reelaboração de
crenças, conhecimentos, costumes, saberes,
desde outros diferentes, que ao dialogar,
confrontar, negociar, se convertem em construtores de mundos com a inclusão de todos
os sentidos, todas as subjetividades, todos os
conhecimentos e saberes que apostam em
seguir construindo e transformando o mundo
com base na diferença (MEJÍA, 2016, p. 52,
tradução nossa).
Por fim, evidencia-se que a partir da construção
compartilhada do conhecimento, se corporifica uma
possibilidade profícua para a produção contra-hegemônica
de um saber de(s)colonial, especificamente pelo fato de
no decorrer do processo de produção do conhecimento
se buscar construir com e não para ou sobre.
Dessa forma, é concebível a elaboração de um novo
conhecimento resultante desse encontro e diálogo entre
saberes distintos para a constituição do que Marco Raúl
Mejía (2013) tem definido como “saber de fronteira” ou
do que Reinaldo Matias Fleuri (2019) tem assinalado como
“conhecimento conversitário” − que é um saber que emerge
do diálogo crítico, participativo, conflitivo e propositivo entre
universidade e movimentos sociais por um prisma dialético,
intercultural e político da práxis científica −, ou talvez, ainda,
um saber que possa ser identificado com o que Boaventura
de Sousa Santos (2002) denominou de um “conhecimento
prudente para uma vida decente”.
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SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Breves notas em conclusão
Como pôde ser observado ao longo deste manuscrito,
apesar da Extensão comumente ser referenciada como
espaço que viabiliza o encontro e a interação entre
sujeitos com diferentes culturas e saberes, sendo, por isso,
considerada como campo fértil para a construção de
novos conhecimentos; ressalta-se que, historicamente, a
universidade contribuiu de forma expressiva na depreciação e
inferiorização dos saberes de diferentes grupos socioculturais,
colaborando para a hierarquização de conhecimentos
e para a consolidação do saber científico como a única
forma de conhecimento socialmente válido.
Apesar disso, destaca-se que a partir dos aportes
da concepção latino-americana de Educação Popular,
em que se sobressai a ênfase para o estabelecimento de
processos dialógicos e para a construção do conhecimento
de forma compartilhada − o que na posição defendida
neste texto, enriquece o conhecimento com novos olhares
e se enquadra em uma abordagem de(s)colonial, por
considerar todas as pessoas como sujeitos de saber, não
pretendendo-se, assim, sobrepor os saberes científico e
popular −, é possível impactar sobremaneira na reorientação
das ações extensionistas, de modo que essa seja concebida
não como um momento de troca ou de simples encontro
de saberes, mas como a oportunidade do estabelecimento
de processos comunicacionais assentados em aspectos
metodológicos como a problematização da realidade, o
diálogo, o confronto de saberes e a negociação cultural
em vista de articular as percepções, os interesses e as
necessidades dos diferentes sujeitos envolvidos na criação
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de um novo conhecimento, assegurando a todas as pessoas
a qualidade de co-construtores do saber.
Com o presente artigo, mesmo que maneira breve,
espera-se ter contribuído de modo introdutório com a
evidenciação da opressão epistêmica e para o desvelamento
da dimensão colonial e eurocêntrica do conhecimento
científico moderno hegemônico que, disfarçado de uma
pretensa missão modernizante e “conscientizadora”, atua
de modo colonial e homogeneizante. Não obstante,
especialmente por meio do trabalho social universitário
orientado pela Educação Popular, assevera-se a
exequibilidade da perspectiva da construção compartilhada
do conhecimento como uma proposta contra-hegemônica
capaz de promover a produção de saberes à luz da de(s)
colonialidade.
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SUMÁRIO
75
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76
SUMÁRIO
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DAS
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SUMÁRIO
77
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78
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
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SUMÁRIO
79
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
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80
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
CONSTRUÇÃO
COMPARTILHADA DO
CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO
POPULAR E MEMÓRIAS
DO CAMPO
Gildivan Francisco das Neves
Severino Bezerra da Silva
Introdução
Quando pensamos sobre a escrita da História,
percebemos as ressonâncias de uma perspectiva orientada
pelo Positivismo, relacionada ao modelo de produção do
conhecimento moderno, pautada na construção de uma
suposta verdade absoluta e no registro das memórias e histórias
dos “grandes nomes” e suas narrativas “heróicas”, tendo
por base os documentos escritos, ditos oficiais. Privilegiavase a escrita de uma “História Geral”, homogeneizando
povos e culturas e negligenciando as histórias e memórias
protagonizadas pelos homens e mulheres “comuns” em seus
cotidianos, lutas, resistências e saberes.
Mediante a um repensar da historiografia, a partir
de campos teóricos como a História Social, segmentos
SUMÁRIO
81
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
antes exclusos, os ditos “vindos de baixo”, dentre os quais,
os trabalhadores rurais, com suas memórias e histórias de
movimentos sociais desencadeados no campo, passam a
ser contemplados pelas pesquisas historiográficas. Porém,
ainda sobre a influência do modelo de escrita da História
Positivista, acabam sendo silenciados, em muitos casos, em
materiais como livros didáticos. Ao ser invisibilizado, o local
parece, assim, não ser compreendido como um território de
tessitura de histórias e memórias. Torna-se significativo pensar
pesquisas que dialoguem com as memórias e histórias do
território para que não sejam legadas ao esquecimento
e que possibilitem entender, por exemplo, que as lutas
travadas no campo também são História, principalmente
na contextura atual quando, a partir do Paradigma da
Educação do Campo, se pauta a construção de uma
educação contextualizada, dialógica, problematizadora,
protagonizada pelos diversos povos que integram o território
(FERNANDES, MOLINA, 2004).
Essa percepção nos inquieta desde a graduação em
História quando realizamos uma pesquisa sobre a história e
memória da “Luta do Povo de Alagamar”, perpassando o
mestrado, em que continuamos a refletir acerca desta ação
coletiva, pensando as práticas de resistência estabelecidas
pelos partícipes pela ótica da Educação Popular e, no
doutorado, ao direcionar novos olhares para o referido
fenômeno e refletir sobre as nossas práticas de pesquisa
anteriores, motivados pelas discussões na disciplina Tópicos
em Educação Popular: Construção Compartilhada do
Conhecimento na Pesquisa e na Ação Social. O componente
curricular nos fez problematizar a necessidade de entender
a pesquisa não como um momento apenas de “extração”
de dados, mas como perpassada por um compromisso
82
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
ético e político que requer um repensar dos lugares que
nos colocamos enquanto pesquisadores.
Diante do exposto e considerando a nossa formação
em História, as pesquisas que desenvolvemos situadas no
campo da Educação e, especificamente, da Educação
Popular e as discussões realizadas na disciplina evidenciada,
a seguinte questão começou a ecoar: De que maneira é
possível operar com as memórias e histórias de trabalhadores
rurais de modo a pensá-los como construtores da pesquisa
e a fornecer um retorno para estes e ao território a que
pertencem? Tal inquietação nos levou a construção do
presente artigo em que objetivamos apresentar reflexões
acerca da interface entre a construção compartilhada
do conhecimento e a Educação Popular no trato com as
memórias e histórias do território do campo. Como objetivos
específicos, evidenciamos: tecer apontamentos sobre a
perspectiva de produção do conhecimento da Ciência
Moderna; compreender a construção compartilhada do
conhecimento como uma contrahegemonia a racionalidade
científica da Modernidade; e, refletir sobre tal perspectiva
pela dimensão da Educação Popular no que se refere ao
diálogo com as memórias e a história local do território do
campo.
Metodologicamente, operamos a partir de uma
pesquisa bibliográfica dialogando com autores como Carrillo
(2011) e Mejía (2018) para as reflexões sobre Educação
Popular, Cruz (2019a, 2019b) para discutir sobre a construção
compartilhada do conhecimento, Le Goff (2012) no que se
refere à memória, Martins (1986) no que tange a questão
agrária e Sousa e Silva (2017) no tocante a História e história
local, dentre outros.
SUMÁRIO
83
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Para melhor sistematizar as reflexões, organizamos o
artigo em três momentos, a saber: A perspectiva hegemônica
de construção do conhecimento: alguns apontamentos; A
construção compartilhada do conhecimento e um repensar
do pesquisar; e, A Educação Popular e a construção
compartilhada do conhecimento no diálogo com as histórias
e memórias do campo, conforme pode ser observado a
seguir.
A perspectiva hegemônica de construção do
conhecimento: alguns apontamentos
Ao olhar para a História, somos habituados a
pensá-la a partir de quatro “grandes” períodos, a saber,
a História Antiga, História Medieval, História Moderna e
História Contemporânea, divisão que pode ser vista, por
exemplo, nos livros didáticos ou, em alguns casos, na grade
curricular que compõe as disciplinas das licenciaturas em
História. Para Sousa e Silva (2017) essa perspectiva é uma
ressonância do modelo Positivista e de um olhar colonial
sobre a História, de modo que aspectos da historicidade
européia foram tomados como referência e generalizados
como uma História Geral que negligencia o local. Assim
determinados conteúdos são destacados “[...] como se o
mundo dependesse, exclusivamente, do continente europeu
e de seus marcos históricos” (SOUSA; SILVA, 2017, p. 47).
Tal ótica de fazer e pensar a História, a nosso ver,
afina-se com uma compreensão da Modernidade da Europa
Ocidental como símbolo da civilização, momento das luzes,
em detrimento ao período anterior, desconsiderando as
formas de produção de saberes e conhecimentos existentes
antes do período em comento. Compreendemos que “Por
84
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
sua vez, historicamente, o conhecimento científico, por
uma perspectiva positivista, sempre se impôs sobre o saber
popular, arrogando-se a possibilidade exclusiva de dizer a
verdade sobre a realidade na interpretação do mundo”
(CRUZ, 2019a, p. 34). Nesse sentido, lembramo-nos de Dussel
(2005) que refletindo sobre os conceitos de Modernidade,
destaca que existe uma compreensão que a associa a
razão, a construção do desenvolvimento. De tal modo,
forja-se um olhar colonizador em que o modelo europeu
ocidental é tido como moderno, novo (QUÍJANO, 2005) e
os demais, atrasados.
Partimos da compreensão que esse ideário de
Modernidade utilizou, dentre seus instrumentos de legimitação,
a produção do conhecimento, especificamente, a partir do
Paradigma da Ciência Moderna que perpassado pelo ideal
de progresso, construiu um fazer científico compartimentado,
fragmentado que, em muitos casos, não contempla a
diversidade e as especificidades dos territórios, sujeitos e
fenômenos. Nesse viés, “Ao formular uma interpretação do
mundo, pensado a partir de um conhecimento eurocêntrico,
esse paradigma se proclama e se julga o conhecimento do
mundo, [...]” (CORRÊA; SILVA, 2018, p. 204).
A Ciência moderna e eurocêntrica afirma-se, assim,
na negação das formas de conhecer que não estão
balizadas na lógica do método científico, construindo uma
perspectiva de construção do conhecimento excludente
e homogeneizadora. De acordo com Santos (2008, p. 21)
“Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica
é também um modelo totalitário [...]”. Na mesma diretiva,
de acordo com Felipe e Melo Neto (2017, p. 238, grifo dos
autores) “Para esses pesquisadores, o saber parece só ter
começado na Idade Moderna, com os empiristas, e nada
SUMÁRIO
85
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
para trás merece esse ‘status’”. De tal modo, o conhecimento
que não se enquadra nos pressupostos epistemológicos e
metodológicos da Ciência Moderna são questionados e tidos
como ausentes de confiabilidade, sendo o conhecimento
cientifico visto como o único portador de uma verdade
explicativa da realidade. Diante disto, “[...], esse paradigma
se consolida hegemonicamente, apresentando-se como
modelo universal de racionalidade para apreender e explicar
o mundo, fundado nessa matriz de ciência eurocêntrica,
[...]” (CORRÊA; SILVA, 2018, p. 203).
Podemos acrescentar, acerca da perspectiva do
conhecimento científico em comento que “[...] Todavia,
essa experiência é quase que exclusivamente laboratorial
e, praticamente, fora do ambiente experiencial da vida
humana. [...]. Sua linguagem é a da quantificação” (FELIPE;
MELO NETO, 2017, p. 232, grifos nossos). Por esta diretiva, o que
não pode ser mensurado como as experiências e vivências
cotidianas parecem não atrair os olhares dessa perspectiva
de produção do conhecimento, desconsiderando que nem
todos os fenômenos que perpassam a existência humana
podem ser explicados através de dados estatísticos, de
quantificações.
Nessa ótica, por exemplo, o saber vivencial do
trabalhador rural, no trato com a terra, fruto da observação,
da experiência cotidiana e transmitido de geração em
geração, é questionado e desconsiderado em detrimento
do conhecimento científico e das explicações pautadas
em ideais de “neutralidade” e “imparcialidade”. Segundo o
paradigma em comento, como destaca Santos (2008, p. 28)
“O que não é quantificável é cientificamente irrelevante”,
o que contribui para uma hierarquização do saber entre
86
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
o científico, tido como verdadeiro e o não-científico,
considerado como ausente de confiabilidade.
Nessa busca pela construção de um conhecimento
“verdadeiro”, inquestionável, consolida-se uma compreensão
de pesquisador como aquele que deve manter-se neutro,
distante do objeto estudado o que, em nosso entendimento,
contribuiu para conformar a compreensão dos sujeitos da
pesquisa e do espaço em que se realiza apenas como
produtores e fornecedores de fontes. Em tal leitura, “Em
nível metodológico, o pesquisador é o sujeito imparcial e
neutro; em nível gnoseológico, sua característica central
é a objetividade, o que significa que as representações
devem se adequar aos objetos e aos fatos” (FELIPE; MELO
NETO, 2017, p. 234).
Cabe ressaltar que esse modelo de produção do
conhecimento esteve alinhado aos interesses do modelo
econômico do Capitalismo e de suas formas de produção.
De tal modo, “Esse paradigma foi fundamental para justificar
o projeto capitalista moderno-colonialista de dominação do
mundo, que teve início no final do século XV e início do XVI,
o que seria o nascedouro do fenômeno da globalização
colonialista” (CORRÊA; SILVA, 2018, p. 203, grifo dos autores).
Essa perspectiva de Ciência foi significativa para descobertas
que contribuíram para a humanidade, porém, como
destacam Tupinambá e Rigotto (2019), tem parcela de
responsabilidade em algumas das crises vivenciadas na
contextura atual, desencadeadas, dentre outros elementos,
pelas formas de exploração da natureza. Frente a isto,
evidenciam que
Ao revisitar nossos referenciais teórico – metodológicos, neste esforço de reflexividade
SUMÁRIO
87
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
sobre a ciência faz-se necessário também,
como nos apontam os estudos descoloniais,
reconhecer e compreender as implicações
do epistemicídio e da injustiça cognitiva que
dele deriva. (TUPINAMBÁ; RIGOTTO, 2019, p.
2).
No caso da escrita da História, ocorreu um
“epistemicídio e injustiça cognitiva” quando as histórias
e narrativas dos diversos povos não – europeus foram
esmaecidas e estereotipadas, narradas pela ótica daqueles
que ocuparam os lugares de “vencedores” na historiografia
oficial. Frente a isto, compreendemos que “[...] a história
buscou, por muito tempo, silenciar as lutas sociais e as
reivindicações que moveram homens e mulheres nas suas
vivências coletivas” (SOUSA; SILVA, 2017, p. 47). Torna-se
significativo pensar uma perspectiva contrahegemônica de
construção do conhecimento, nas diversas áreas, de modo
que os sujeitos, as vozes, os saberes e formas de conhecer
negligenciados outrora, sejam vistos como protagonistas,
parte deste fazer. Lembramo-nos que
[...] é preciso nos abrirmos para o diálogo
com outros saberes e reconceber nossa práxis acadêmica, a partir do engajamento com
os problemas de estudo prioritários do ponto
de vista dos segmentos socialmente vulnerabilizados e da reinvenção dos caminhos da
construção de conhecimento no sentido da
promoção da justiça cognitiva. (TUPINAMBÁ;
RIGOTTO, 2019, p. 3).
Mediante ao dito, discorremos, a seguir, acerca
da construção compartilhada do conhecimento como
uma possibilidade para a feitura de um conhecimento
88
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
contrahegemônico, dialógico, que coloque os outrora
excluídos como sujeitos históricos e de pertencimento da
sua história, pautado na transformação social e superação
das situações de opressão.
A construção compartilhada do conhecimento e
um repensar do pesquisar
Em um contexto histórico marcado por contradições
sociais, pela negação do acesso a direitos como a saúde e
a educação, torna-se significativo problematizar a Ciência
passando a compreendê-la como uma possibilidade (dentre
outras) de compreensão/análise de fenômenos diversos,
de ação e transformação social. Torna-se importante um
repensar do sentido de realizar pesquisas, do ser pesquisador
e de como visualizamos os participantes da pesquisa e o
local em que se efetiva.
Nesse âmbito, emerge uma perspectiva denominada
de construção compartilhada do conhecimento e que
busca a construção de leituras para os fenômenos e sujeitos
que integram o Sul, considerando as suas especificidades
e problemáticas sociais. Para Cruz (2019a), este conceito
possui uma historicidade e emerge vinculado as experiências
de pesquisa participante. Assim, direcionamos a Brandão
(1990) quando no livro Pesquisa Participante evidencia
alguns questionamentos que teriam levado a um repensar
da forma de conhecer e destaca que:
Por toda a parte há sinais cada vez mais evidentes de que alguma coisa devia ser feita.
Quanto mais rigorosos para com a sua ciência, tanto mais os cientistas conscientes coçavam na cabeça perguntas inquietantes
SUMÁRIO
89
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
que se começa ou continua a ter depois que
a pesquisa afinal foi feita e tudo parece, em
teoria, tão perfeito. Para o quê serve o conhecimento social que a minha ciência acumula com a participação do meu trabalho?
Para quem, afinal? Para que usos e em nome
de quem, de que poderes sobre mim e sobre
aqueles a respeito de quem, o que eu conheço, diz alguma coisa? (BRANDÃO, 1990, p. 10,
grifos nossos).
Os referidos questionamentos estão presentes em um
pensar/fazer que se faça partilha em si, enquanto ser, e não
apenas no ritual de pesquisa e devem ser considerados ao
pensarmos a construção compartilhada do conhecimento
no prisma, sobretudo, de refletir sobre qual o sentido do
que pesquisamos e de que maneira contribui para a
transformação das realidades as quais nos debruçamos.
Frente ao exposto, compreendemos que a perspectiva
da construção compartilhada do conhecimento emerge
perpassada por uma criticidade ao padrão moderno de
Ciência, principalmente, mediante a uma reflexão sobre
os “retornos”, os impactos que o que se produz detém nas
realidades e cotidianos dos povos do Sul e seus territórios.
Nesse prisma, Cruz (2019a) apresenta o seguinte conceito
de construção compartilhada do conhecimento:
[...] o que chamamos aqui de construção
compartilhada do conhecimento constitui uma denominação de uma das possíveis
perspectivas de se pensar e de se promover
a pesquisa e a ação social com características participativas, inclusivas, dialógicas e críticas, tendo como clara intencionalidade a
emancipação social, humana e política das
pessoas e dos grupos populares. Essa denomi-
90
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
nação conflui de um amplo movimento, com
tradições marcantes na América Latina, na
América do Norte e da Europa, e é orientada por concepções e teorias que coadunam
com a epistemologia crítica e implicada com
a justiça social, os direitos sociais e humanos e
a equidade. (CRUZ, 2019a, p. 5, grifos nossos).
O autor nos indica elementos que possibilitam
estabelecer diferenças entre a construção compartilhada
do conhecimento e o paradigma hegemônico evidenciado
nas páginas anteriores. Diferentemente da Ciência
Moderna, a construção compartilhada do conhecimento
é participativa, conforme proposto por Cruz (2019a), pois,
como o próprio termo evidencia, trata-se de uma perspectiva
“compartilhada”, ou seja, os conhecimentos são produzidos
a partir do diálogo, “junto a” superando a existência de uma
suposta hierarquia entre o que pesquisa e seria o detentor
de um conhecimento “superior” e o que é visto como uma
fonte de informação, de dados, o pesquisado.
Esta reflexão nos direciona a Tupinambá e Rigotto
(2019) que ao discorrerem sobre a construção do
conhecimento a partir de experiências no âmbito do
semiárido, destacam a compreensão de co-labor-ação
social. Ou seja, um conhecimento que é produzido a partir de
uma ação, de um trabalho (labor), em diálogo, participação
(co) que objetiva não apenas o estudo de um fenômeno,
mas a sua compreensão com vistas à ação social para
transformação da realidade vivida. Esse entendimento nos
leva a “[...] disposição de repensar a ciência moderna, a
relação universidade-sociedade, e o próprio processo de
trabalho acadêmico, na perspectiva da democratização do
SUMÁRIO
91
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
conhecimento e da justiça cognitiva” (TUPINAMBÁ; RIGOTTO,
2019, p. 1).
Ainda em encontro ao caráter dialógico e
participativo da construção compartilhada do conhecimento
evidenciados por Cruz (2019a), remetemos a Falcão (2019)
que ao apresentar a sua experiência no trabalho com a
extensão, enquanto uma prática emancipadora e de
produção de conhecimentos na ótica compartilhada,
ressalta a importância de efetivar uma substituição da
figura do “professor”, “doutor” que chega a comunidade,
pelo “ser humano” aberto ao diálogo, o que possibilita
não a entrega de “receitas prontas” para solucionar os
problemas do território, mas a construção de possibilidades,
de forma dialógica. Na mesma diretiva, vai ao encontro da
compreensão de construção compartilhada apontada por
Cruz (2019a) quando destaca que uma extensão construída
nessa ótica tem em suas bases metodológicas a participação,
a organização e autonomia como constitutivos.
Mediante a isto, podemos refletir, dentre outras
questões, acerca da associação quase instantânea que
tendemos a fazer entre o conceito de conhecimento e
o conhecimento científico, generalizando uma forma de
conhecer como única, o que remete a um resquício da
forma colonizadora a partir da qual o conhecimento nos
foi apresentado. É preciso entender que existem outras
maneiras de conhecer, de saber, de explicar a realidade,
para além do científico. Assim, “Em vista disso, a iniciativa
de se produzir compartilhadamente o conhecimento tem
como condição básica o entendimento de que não existe
saberes mais importantes que outros [...]” (CRUZ, 2019a, p.
34). Na mesma diretiva, pode ser acrescentado que “[...]
Ambos os tipos de saber bem que anunciam ajuda mútua
92
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e complementaridade, reconhecendo-se em si mesmos os
seus limites e suas contribuições” (FELIPE; MELO NETO, 2017,
p. 250).
Em continuidade, retomamos outra característica
apresentada por Cruz (2019a), que pode ser vista como
uma centralidade da construção compartilhada do
conhecimento, a saber, o que denomina, conforme visto
no trecho citado anteriormente, de “[...] intencionalidade
a emancipação social, humana e política das pessoas e
dos grupos populares” (CRUZ, 2019a, p. 5, grifos nossos).
Ou seja, se a Ciência Moderna se afirma neutra, a ótica
contrahegemônica em comento questiona essa suposta
neutralidade e ressalta um compromisso ético, social e político
com os segmentos oprimidos. Portanto, “Não é possível
pensar nem promover qualquer processo de construção
compartilhada do conhecimento, seja na pesquisa, seja na
ação social, sem ter em mente (e também na finalidade
de cada ação) o contexto social e político vivido pelas
pessoas” (CRUZ, 2019b, p. 1). Nessa mesma diretiva,
[...] Essa linha de pensamento implica em
considerar uma sociedade permeada pela
diversidade cultural, pelo respeito às diferenças, pela justiça social e pela vivência da
economia e da política, de uma forma que
priorize o enfrentamento das iniquidades e
que afirme suas ações cotidianas na direção
da promoção humana. Tudo isso de forma
articulada com o meio ambiente, entendendo que o ser humano não é o único vivente
no planeta, mas que está em relação com os
outros seres vivos, incluindo os vários elementos naturais, com uma série de componentes
que dão plenitude, segurança e sustentabilidade para a vida. Todo esse conjunto de
SUMÁRIO
93
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
questões são marcos políticos e éticos, nos
quais o processo de construção compartilhada do conhecimento deve se fundar. (CRUZ,
2019a, p. 29, grifos nossos).
Retomando as reflexões postas por Tupinambá e
Rigotto (2019) e, em interface com o exposto por Cruz (2019a,
2019b), visualizamos que a construção compartilhada do
conhecimento parte de um compromisso político com
as diversas formas de vida, de existência, delineando um
conhecimento pautado no diálogo com o diverso e não em
formas únicas de ser, existir e conhecer. Esse compromisso
ético e político ressoa na maneira como os que se propõem
a construir conhecimento de forma compartilhada
compreendem os partícipes da pesquisa e o território em
que se efetiva. Nessa perspectiva, percebem o lócus não
apenas como um espaço de “extração” de dados, mas
juntamente com os sujeitos que o integram, é visto como
protagonista e agente ativo do processo. Assim sendo, “No
processo de construção compartilhada do conhecimento,
a ‘devolutiva’ do estudo acontece no cotidiano, com a
estruturação do estudo em conjunto com as pessoas, sendo
a ‘devolutiva’ uma consequência do processo participativo”
(CRUZ, 2019a, p. 17, grifo do autor).
Pensar a pesquisa por essa ótica é remeter a uma
forma de conhecer gestada em conjunto, cujo problema a
ser investigado emerge não apenas de uma “curiosidade” do
pesquisador, mas revela-se no próprio cotidiano do território,
em diálogo com os seus sujeitos, a partir do reconhecimento
da realidade histórica e social vivenciada. Este gestar,
construir com, exige uma aproximação e uma relação
de diálogo e confiança. Portanto, “[...] essa construção é
94
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
essencialmente interativa e dialógica, à medida em que
está aberta ao que a realidade traz com seu movimento
dinâmico, que se dá pelas complexas teias de relações
humanas e de determinações sociais de todo o processo”
(CRUZ, 2019a, p.14).
Mediante ao exposto, a seguir nos dedicamos a refletir
sobre as contribuições da Educação Popular para pensar/
fazer/refazer práticas de pesquisa na ótica da construção
compartilhada do conhecimento no trato com a memória
e história local do campo.
A Educação Popular e a construção compartilhada
do conhecimento no diálogo com as histórias e
memórias do campo
Considerando as reflexões evidenciadas,
compreendemos que a Educação Popular tem um contributo
para pensar maneiras de conhecer que estejam pautadas,
além de outras características, no diálogo entre saberes e
no protagonismo dos participantes. Como destacamos,
para Cruz (2019a) a construção compartilhada emerge
relacionada à epistemologia crítica e, dentre essas, pode
ser mencionada além da Pesquisa Participante, a Educação
Popular. Para o autor, a Educação Popular “[...] constitui
uma referência para um diversificado e amplo campo
de iniciativas críticas e de aproximação de intelectuais e
pesquisadores com as pessoas da classe trabalhadora, suas
organizações e contextos [...]” (CRUZ, 2019a, p. 6).
É nessa diretiva que nos propomos a refletir sobre
a Educação Popular e a construção compartilhada do
conhecimento no tocante as histórias e memórias de territórios
do campo, pensando de que maneira possibilitam essa
SUMÁRIO
95
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
“aproximação” e diálogo com as trajetórias de resistência de
trabalhadores rurais. Para tanto, torna-se primaz evidenciar
o que entendemos por Educação Popular. Partimos da
compreensão de que:
La Educación Popular es una apuesta política que plantea la transformación radical de
la realidad a partir de la lectura crítica del
mundo. Nace en el seno de los procesos de
liberación de los pueblos de América Latina
y el Caribe contra el sistema opresor colonial
– patriarcal que vivimos desde hace más de
quinientos años, y que hoy experimentamos
de forma salvaje. (LÓPEZ, 2018, p. 1).
Constitui-se, assim, como uma perspectiva
contrahegemônica que permite pensar o/ao Sul, tecer
leituras da América Latina a partir de sua própria historicidade
e território, buscando a transformação das realidades de
opressão forjadas mediante as marcas da colonização.
Nesse sentido, remetemos a Freire (1967) quando evidencia
que o modelo de colonização ao qual fomos submetidos,
exerceu influências na esfera da política, da economia,
e, podemos acrescentar, sobre os modos de pensar a si
e ao outro, bem como na maneira em que operamos na
construção do conhecimento. De tal modo, a Educação
Popular, a partir do seu compromisso político, possibilita
um desvelar dessas diversas estruturas de opressão e o
anúncio/construção de outras possibilidades de leitura e
transformação do real. Destacamos que a Educação Popular
se situa em um contexto em que “[...] dá-se a construção
de um pensamento próprio que busca diferenciar-se das
formas eurocêntricas e dos olhares de uma América de
fora, que não se lê internamente [...]” (MEJÍA, 2018, p. 25).
96
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Em continuidade, recorremos a Carrillo (2011) que
apresenta alguns elementos que caracterizam a Educação
Popular, dentre eles:
1 Una lectura crítica del orden social vigente
y un cuestionamiento al papel integrador que
ha jugado allí la educación formal.
2 Una intencionalidad política emancipadora
frente al orden social imperante.
3 El propósito de contribuir al fortalecimiento
de los sectores dominados como sujeto histórico, capaz de protagonizar el cambio social.
4 Una convicción que desde la educación es
posible contribuir al logro de esa intencionalidad, actuando sobre la subjetividad popular.
5 Un afán por generar y emplear metodologias educativas dialógicas, participativas y
activas. (CARRILLO, 2011, p. 18).
Observando os elementos citados por Carrillo (2011),
em interface com o que expomos acerca da construção
compartilhada do conhecimento, percebemos uma
aproximação entre as suas características e a Educação
Popular, principalmente, no que se refere à dimensão
política, dialógica e de participação, nos convidando a
compreender/construir pesquisas encharcadas de vida, de
cotidiano, de luta e de resistência. Se o Paradigma Moderno
de Ciência definia-se como neutro, único, a Educação
Popular nos possibilita compreender/desvelar que essa
suposta neutralidade assume uma conotação política
e de poder, de conformação e manutenção da ordem
hegemônica.
Como destaca Heller (2008, p. 34, grifos da autora)
“A vida cotidiana não está ‘fora’ da história, mas no
SUMÁRIO
97
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
‘centro’ do acontecer histórico: é a verdadeira ‘essência’
da substância social”. A referida autora ainda reflete que “A
VIDA COTIDIANA é a vida de todo homem. Todos a vivem,
sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na
divisão do trabalho intelectual e físico” (HELLER, 2008, p. 31,
grifos da autora). Esta compreensão nos remete a pensarmos
que a Educação Popular e a construção compartilhada do
conhecimento possibilitam adentrar as tramas do social,
visualizando e dialogando com os indivíduos em seus
cotidianos, problematizando-os, permitindo um desvelar de
suas realidades, necessidades e expectativas, construindo,
assim, pesquisas que não determinam valores e lugares para
o outro a partir de elementos externos e preconcebidos,
mas que são talhadas no chão da existência humana,
da sensibilidade, sendo capazes de empreender, para
além de um exercício de quantificação de dados, ação e
transformação social.
Nesse sentido, concordamos com a compreensão
de Cruz (2019a) quando destaca que “Para a produção
do conhecimento, constitui verdadeiramente um olhar
epistemológico. Está aí, talvez, a forma mais precisa
e adequada de enxergar a Educação Popular: uma
perspectiva, um jeito de fazer, um modo de olhar” (CRUZ,
2019a, p. 7, grifos nossos). Em diálogo com o autor, pensamos
que a Educação Popular fornece um elemento central
para a construção compartilhada do conhecimento, a
saber, o modo de olhar, tendo em vista que para essa
perspectiva de conhecimento é necessário um novo modo
de olhar para si enquanto pesquisador e para o outro como
participe da pesquisa. Torna-se necessário a construção
de um olhar e, também, de um ouvir sensível em que o
outro é compreendido como um fazedor de saberes e
98
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
conhecimentos que, embora distintos da lógica de produção
científica, não podem ser marginalizados ou tidos como
inferiores.
Nesse prisma, articulando a prática de pesquisa no
viés da construção compartilhada do conhecimento em
interface com a Educação Popular e tendo como exemplo
trabalhadores rurais partícipes de movimentos sociais de luta
pela terra, torna-se pertinente operar não de modo apenas
a coletar dados, “extrair” as memórias, mas a partir de uma
postura dialógica, participativa, possibilitar que possam dizer
suas palavras e seus mundos (FREIRE, 2011).
Em sequência, acrescentamos que para Brandão
(2019) a Educação Popular e a pesquisa participante
apresentam uma contribuição na ótica de pensar e fazer
uma Ciência voltada ao território da América Latina e
destaca que:
[...] poucos outros sistemas de pensamento
entre nós têm colocado desde os anos sessenta, como a educação popular e a pesquisa participante, uma ênfase tão persistente:
a) no retorno a diálogo com o senso comum
das culturas populares e das comunidades
de excluídos; b) na ruptura com os velhos
modos de pensar, de educar e de investigar
a realidade fundados na lógica utilitária do
mercado; c) no deslocamento do lugar social
da busca de sentidos e de projetos de construção da história do poder totalitário e do
mundo dos negócios para a sociedade civil
e, nela, para a esfera das comunidades e dos
movimentos populares, d) na construção de
modelos de educação e de pesquisa fundados no diálogo e na dissolução da hierarquia
de competentes desiguais em nome da inte-
SUMÁRIO
99
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
ração igualitária entre co-criadores diferentes. (BRANDÃO, 2019, p. 15, grifos do autor).
Entendemos que a Educação Popular possibilita
pensar pesquisas sobre as memórias do campo, na ótica da
construção compartilhada do conhecimento, de modo que
o narrado possa emergir não daquilo que quem pesquisa/
escreve considera que é importante ser dito, mas que surjam
a partir das expectativas, das experiências vividas pelos
sujeitos que integram o território e que desejam narrar.
Ao direcionar olhares apressados para as trajetórias de
luta de trabalhadores rurais sem, dialogicamente, buscar
entender a complexidade de seus cotidianos e saberes, das
contradições que perpassam o ato de lembrar, corremos o
risco de tecer uma História ausente de sentido para o local,
tal como a escrita na ótica da historiografia tradicional.
Podemos assim, afirmar realizar uma pesquisa que “visibiliza
os marginalizados e excluídos”, quando, na verdade, a forma
como a conduzimos é perpassada pelas marcas daquilo
que esperamos que essas vozes nos revelem.
Pensamos que ao operar com as memórias relativas
ao território do campo em um prisma que pretende
romper com a lógica de compreensão e de leitura do
Paradigma Moderno, é preciso abrir-se ao diálogo com os
múltiplos saberes que os sujeitos detêm, o que remete a um
compromisso ético e político de não falar por eles/as, mas
possibilitar que possam pronunciar as suas vozes e leituras
de mundo e assumam as suas demandas coletivamente.
É necessário ao dialogar com as memórias e
experiências de resistência de trabalhadores rurais
na diretiva de pesquisa da Educação Popular e da
construção compartilhada do conhecimento, ter a
100
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
clareza do compromisso ético e político com a libertação
dos oprimidos, pensando a pesquisa empreendida como
instrumento de visibilização de sujeitos outrora não vistos
pela historiografia de cunho positivista e de trazer para o
debate uma problemática central da historicidade do Brasil,
a saber, a questão fundiária (MARTINS, 1986). Situamo-nos
no entendimento de que,
Falar dos silêncios da historiografia tradicional
não basta; penso que é preciso ir mais longe:
questionar a documentação histórica sobre
as lacunas, interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços em branco da
história. Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio e fazer a história a partir dos
documentos e da ausência de documentos.
(LE GOFF, 2012, p. 111, grifos nossos).
Com suas óticas problematizadoras, a Educação
Popular e a construção compartilhada do conhecimento
possibilitam o entendimento dos silenciamentos da História
como resquícios do prisma colonizador e permitem adentrar
nas tessituras dos “arquivos do silêncio”, “nas páginas em
branco”, construindo um descortinar do campo e dos
seus sujeitos, de modo a entender como o próprio modelo
educacional legado ao referido espaço esteve pautado na
construção de uma invisibilidade do território em detrimento
ao urbano. Possibilita, assim, pensar/fazer pesquisas nas/a
partir das quais homens e mulheres do campo possam
entender-se como detentores de direitos, possibilitando
a escrita de uma outra História. Este entendimento nos
direciona a Brandão (1990), quando refletindo sobre as
práticas de pesquisa destaca que:
SUMÁRIO
101
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Conhecer a sua própria realidade. Participar
da produção deste conhecimento e tomar
posse dele. Aprender a escrever a sua história de classe. Aprender a reescrever a História através da sua história. Ter no agente que
pesquisa uma espécie de gente que serve.
Uma gente aliada, armada dos conhecimentos científicos que foram sempre negados ao
povo, àqueles para quem a pesquisa participante – onde afinal pesquisadores-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho
comum, ainda que com situações e tarefas
diferentes – pretende ser um instrumento a
mais de reconquista popular. (BRANDÃO,
1990, p. 11, grifo do autor).
De tal modo, trazendo a reflexão posta por Brandão
(1990) para o diálogo sobre a Educação Popular e a
construção compartilhada do conhecimento, pensamos
que possibilita a tessitura de uma História do campo, que
não é legada para, mas feita com o território e os sujeitos.
Se a historiografia tradicional, em sua inspiração da Ciência
Moderna eurocêntrica, marginalizou o campo e os seus
povos, a ótica contrahegemônica com a qual dialogamos
no decorrer do artigo, nos chama a ouvir e aprender com
as vozes, saberes e narrativas das mulheres e homens do
campo. Operando nessa diretiva, construiremos uma História
que pense as memórias e histórias do referido território
como um instrumento de libertação, de questionamento
da estrutura agrária e de luta pelo acesso a diversos direitos
ainda negados aos povos do campo.
102
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Considerações finais
Pensar a Educação Popular é remeter a um convite,
conforme vimos, para redimensionar o nosso olhar para si,
para e com o outro, de maneira contrahegemônica, de
modo a problematizar os lugares que nos foram legados a
partir do processo de colonização, enquanto integrantes do
Sul, inclusive no tocante a nossa construção como produtores
de conhecimentos, dentre eles, o conhecimento cientifico.
Tal desvelar possibilita compreender que os aportes teóricos
e metodológicos balizados em um prisma eurocêntrico, em
muitos casos, não conseguem contemplar as especificidades
do território ao qual pertencemos e debruçamos as nossas
análises.
A Educação Popular e a construção compartilhada
do conhecimento nos fornecem bases para pensar a
construção de um conhecimento perpassado por vida e
pelo protagonismo dos diversos povos latinoamericanos.
Assim, destacamos a necessidade de não apenas ouvir
as vozes dos sujeitos, mas construir juntos com estes, tecer
diálogos, de maneira a possibilitar que possam narrar e
pronunciar seus mundos e que o conhecimento produzido
não remeta apenas a um olhar apressado, “extrativista”
por parte do pesquisador, mas que esteja pautado em um
compromisso ético e político.
Especificamente no tocante a escrita da História, a
ótica da construção compartilhada do conhecimento, em
interface com a Educação Popular, possibilitam repensar
o fazer historiográfico de modo que possamos construir
uma inclusão efetiva dos sujeitos antes marginalizados.
Compreendemos que não é apenas apresentar trechos
de narrativas de trabalhadores rurais, por exemplo, que
SUMÁRIO
103
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
evidencia que a pesquisa realizada possibilitou que as vozes
de tais sujeitos sejam ouvidas. É preciso ir além, pensando
estratégias que serão construídas no fazer/fazendo, no
planejamento contextualizado da pesquisa em todas as
suas esferas. Trata-se, assim, de pensar pesquisas pautadas
na participação e no diálogo que possam romper como
o epistemicídio aos quais diversos povos, dentre eles, os
trabalhadores rurais e o território do campo foram legados,
entendendo que é possível um construir com e não apenas
para o outro, pensando um ato de pesquisar que permita
desvelar as tramas do silêncio. Considerando as discussões
realizadas no decorrer do artigo, pensamos que a construção
compartilhada do conhecimento e a Educação Popular
possibilitam problematizar o campo com e a partir dos seus
diversos povos, compreendendo as suas particularidades
e especificidades.
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SUMÁRIO
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SUMÁRIO
107
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
CONHECIMENTO
COMPARTILHADO: A HISTÓRIA
COMO MEMÓRIA E A EDUCAÇÃO
PARA NUNCA MAIS COMO
COMPONENTES DA
EDUCAÇÃO POPULAR
Julyanna de Oliveira Bezerra
José Cleudo Gomes
Maria de Nazaré Tavares Zenaide
A história como memória após Auschwitz
Quando Mèlich (2000) partindo de uma perspectiva
critica afirma que a história após o holocausto só é possível
como recordação ele chama atenção, no tempo presente,
do quanto o silencio dos homens foi e ainda pode ser
cúmplice do desaparecimento de uma parte importante
da humanidade. Na Alemanha, atualmente, recordar o
holocausto é parte do currículo educacional pelo fato
da nação ter entendido o quanto a barbárie ultrajou a
consciência da humanidade. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), em seu preâmbulo, alerta como o
108
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
desprezo e o desrespeito aos direitos humanos resultaram
em atos violadores da dignidade humana.
Segundo Mèlich (2000, p. 48) “o humano foi posto ao
avesso com a experiência do holocausto”, quando o uso
extremo da força, do terror e do poder foram dispositivos
de governança, impactando na capacidade de empatia
e de autocritica das pessoas.
Diante do Tribunal de Nuremberg, no Palácio da
Justiça, palco do poder da Gestapo, comandantes e
empresários foram chamados a responsabilizar-se pelos
atos de comando que levaram ao genocídio de milhões
de pessoas. Como objeto de pesquisa, as atitudes dos
perpetradores levaram Arendt (1990, p. 510) a refletir o
poder do totalitarismo na subjetividade, no comportamento
humano e na mentalidade.
[...] o mal radical surgiu em relação a um sistema, no qual todos os homens se tornaram
supérfluos. Os que manipulam esse sistema
acreditam na própria superfluidade tanto
quanto na de todos os outros, e os assassinos
totalitários são os mais perigosos, porque não
se importam se estão vivos ou mortos; se jamais viveram ou nunca nasceram (ARENDT,
1990, p. 510).
Os mandatários de violações graves aos direitos
humanos julgados no Tribunal de Nuremberg4, ao decidir
4
De acordo com o Estatuto de Roma do Penal Internacional (2002), são definidos: Crimes
de genocídio: “a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade
física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições
de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de
medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força,
de crianças do grupo para outro grupo”;
Crimes contra a humanidade –“um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer
população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio;
c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão
SUMÁRIO
109
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
agir como não humanos, se recusaram em assumir suas
responsabilidades individuais pelos atos de graves violações
aos direitos humanos, se assemelhando a um instrumento,
uma máquina de guerra. Para desconstruir o processo de
negação dos perpetradores os promotores usaram do
recurso documental, expondo documentários dos campos
de concentração impactando todos os presentes no Palácio
da Justiça.
Essa lição histórica traz para a educação a reflexão
do que acontece quando a instrução militar associada ao
terror de Estado retira as dimensões ético-políticas e sócio
emocionais da ação dos agentes da segurança. Ao dissociar
os sujeitos da dimensão ética os transformam em instrumentos
de poder, retirando sua capacidade de julgamento moral
e as responsabilidades públicas.
Ao fazer esse processo o Estado retira a sensibilidade tão
necessária para gerar a empatia e a solidariedade humana
entre os diferentes. Sem o processo de autoconsciência tão
importante para a autonomia dos sujeitos o poder retira
ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas
fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura
sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer
outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição
de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais,
nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o,
ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no
direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com
qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas;
j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem
intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a
saúde física ou mental”;
Crimes de Guerra - As violações graves como a tortura, o homicídio doloso, privação de
um julgamento imparcial e justo, maus-tratos, deportação para trabalhos forçados,
assassinato ou maus tratos de prisioneiros de guerra ou de pessoas, execução de reféns,
pilhagem de bens públicos ou privados, destruição sem motivo de cidades e aldeias,
entre outros;
Crimes contra a paz - guerra de agressão ou violação dos tratados, garantias ou acordos
internacionais.
110
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
a capacidade dos agentes de agirem como sujeitos de
dignidade e direitos.
O holocausto atacou o que é mais íntegro na pessoa
humana que é a sua dignidade e sua identidade cultural,
retirando das vítimas a capacidade de formar vínculos como
humanos, tornando-os coisas descartáveis.
Daí Adorno (2004) propor que a educação após
Auschwitz implique necessariamente na educação para
nunca mais, como forma de evitar que o esquecimento
implique em possibilidade de repetição da barbárie.
Nessa direção Joan-Carles Mèlich (2000) propõe que a
educação em direitos humanos mantenha viva a luta da
memória contra o esquecimento. Recordar a memória
o Holocausto é um meio de evitar assim, possibilidades
de possíveis apagamentos seriam retirados de cena e o
condenamento ao esquecimento seria substituída pela (re)
significação proposta pela memória.
Como afirma Mèlich (2000), os direitos humanos
emergem de situações como o holocausto, por isso, é parte
da educação em direitos humanos não deixar esquecer. O
fato de uma cidade silenciar a dor dos seus antepassados
demonstra o quanto ela não se preocupa com o presente
e o futuro dos viventes. Tal processo torna a comunidade
vulnerável ao esquecimento, impedindo a mesma de agir
na direção da não repetição. Por isso, os filósofos alertam,
da necessidade do ato de recordar não só o holocausto,
como as demais formas de violações que tem afetado a
humanidade, para que, não esquecendo, possa prevenir
sua repetição, já que os tiranos rodam até encontrar terreno
fértil para plantar o horror.
A identidade humana requer coragem de agir no aqui
e agora. Os sujeitos esquecidos têm rostos e vozes, sentimentos
SUMÁRIO
111
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e coragem de agir pelo coletivo e pela utopia de uma
sociedade igualitária. O pior para o futuro da humanidade
é quando, nós, seres humanos, não entendemos e deixamos
nos levar pelas formas de manipulação impedindo a
recordação. “Sem a recordação só há morte”, reflete o
autor, pois quando recordamos recusamos a ser instrumentos
de um poder arbitrário, lutamos para não perder o exercício
da autonomia e da criticidade, elementos tão relevantes
para o presente da humanidade.
Adorno (1995) alerta que a educação após Auschwitz
não pode se reduzir à instrução e aos aspectos meramente
técnicos e instrumentais. Daí a importância do testemunho.
Wood (2013, p.56) registra o testemunho de Rennè Firestone
acerca da experiência que viu, participou e sobreviveu, já
que milhões não podem hoje testemunhar:
Já lhe disse que esse arame era eletrificado
com alta voltagem? Não dava nem para
chegar perto assim, sem que imediatamente
a eletricidade puxasse você e você estava
acabado. As pessoas vinham até esses arames quando não aguentavam mais o sofrimento e a fome extrema. Toda manhã eram
vistas pessoas penduradas nesses arames
cometendo suicídio. Olhando para eles hoje
é difícil de acreditar e, se esses postes pudessem contar as histórias de tudo o que aconteceu aqui. ’Não pode ser verdade’ diríamos
para nós mesmos. Não podia ser verdade. E
no entanto, estamos todos marcados, temos
os números em nossos braços e isso nos diz
que sim, estivemos aqui. Nós estivemos aqui.
Eu aprendi algo aqui mas me pergunto se o
mundo aprendeu alguma coisa. Vendo o
mundo hoje a gente se indaga: o que apren-
112
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
demos com o holocausto? O que aprendemos com este lugar?
No Julgamento de Nuremberg era possível comprovar
como a voz e a presença das testemunhas do holocausto
eram dissonantes com a indiferença dos dirigentes nazistas.
A mesma experiência tem sido possível no Brasil, durante
as oitivas de comissões de verdade quando conseguem
juntar familiares e perseguidos políticos com os agentes da
segurança do regime militar5. Para Vilela (2012) o conceito
de testemunho, significa:
Acto pelo qual um indivíduo atesta o acontecimento directo de um objeto ou de um
acontecimento; narração (récit) através do
qual ele restitui esse acontecimento. Por extensão (‘o testemunho dos sentidos’) designa esse conhecimento directo. Se o valor do
testemunho supõe a sinceridade da testemunha, esta não implica, de forma alguma, a
validade do acontecimento acerca do qual
ela testemunha, (FREUND, 1990, p. 256 apud
VILELA, 2012, p. 145).
A memória como forma de resistência implica na
capacidade de não deixar que os mecanismos de poder
aniquilem as vítimas e familiares silenciando-as além do
luto e da dor. Esquecer é um ato que faz parte de toda (re)
construção memorialística, há uma coexistência do lembrar
e esquecer, contudo, silenciamentos impostos por interesses
políticos devem ser combatidos, repelidos.
5
Em oitiva chamada pelo Ministério Público Federal
SUMÁRIO
113
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A construção da política de memória no Brasil
O grupo de familiares vítimas do holocausto assim
como do Estado Novo e da ditadura de 1964 no Brasil, ou
de outros genocídios e massacres presentes, são as vozes
que reclamam o direito à memória e à verdade. Foi do
encontro de familiares e perseguidos políticos com setores
da sociedade civil que emergiram os primeiros movimentos
e entidades de direitos humanos no Brasil, a exemplo, os
Movimentos e Comitês pela Anistia (1975) e o Comitê de
Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul –
CLAMOR (1978). Como afirma Arns (apud BENEVIDES, 2009,
p. 27) “A pastoral dos direitos humanos me aproximou mais
do povo e de suas lideranças”. A Comissão de Justiça e
Paz foi uma das únicas portas abertas que acolheram as
vítimas da ditadura militar, estudantes, mães, filhos e avós.6
Segundo Fleuri (2019, p. 4):
[...] Embora o mercado tenha desenvolvido
poderosos mecanismos de sujeição das instituições de educação e de estudos superiores aos interesses econômicos hegemônicos,
as articulações com os movimentos sociais
apresentam-se como as mais fecundas do
ponto de vista cultural e social. Os movimentos sociais, de objetos de conhecimento das
ciências humanas, passam a se assumir como
sujeitos de sua práxis social, formulando interpretações dos significados de seus projetos
6
114
Em 1971, quando foi realizado o Encontro do Episcopado Paulista em Brodósqui, foi
assinado um importante documento para os direitos humanos no Brasil, o “Testemunho
de Paz” em que os bispos denunciam a tortura no país. (BENEVIDES, 2009, p. 44).
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e elaborando deliberações autônomas em
torno de suas lutas. Tal fenômeno interpela
a universidade a reconhecer e potencializar
as diferentes formas e processos de conhecimento que os diferentes sujeitos sociais desenvolvem na sociedade, redimensionando-se, deste modo, a relação entre universidade
e sociedade.
Os anos de 1970 foram cruciais para o posicionamento
de setores da igreja católica e presbiteriana no Brasil
desenvolvendo apoio aos familiares de mortos, desaparecidos
e perseguidos políticos, criando órgãos de defesa dos direitos
humanos, a exemplo, das Comissões de Justiça e Paz, dos
Centros de Defesa vinculados as Arquidioceses e das Pastorais
Sociais (ARNS, 1978).
No processo de silenciamento o controle da
informação exerce importante instrumento de controle
político, já que pretendem aniquilar quaisquer traços de
memória, impedindo que as vítimas desvelem fatos históricos.
Como salienta Assmann (2011), na construção mnemônica
a recordação é um elemento fundamental para os projetos
de construção identitária mesmo diante das memórias
traumáticas, tão difíceis de serem revividas.
O direito à memória e à verdade vem na contramão
das atitudes de intimidação e interdição tão comuns em
tempos autoritários. No Brasil, para que o Conselho Nacional
da Pessoa Humana não pudesse investigar as denúncias
de desaparecimentos políticos, a exemplo do caso de
Rubens Alves durante o regime militar, o órgão por ordem
do General Médici reduziu o número de sessões tornando-as
secretas. O desaparecimento de duas lideranças das ligas
camponesas de Sapé-PB, João Alfredo Dias, na noite de 28
SUMÁRIO
115
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de agosto de 1964 e Pedro Inácio de Araújo, na noite de 7
de setembro de 1964, após a liberação da prisão junto ao
15 RI em João Pessoa é uma forma de interdição para que
a sociedade e os familiares sejam impedidos de acessar a
verdade do crime (PARAIBA, 2017).
O quadro 01 apresenta uma sistematização sobre o
direito à memória e à verdade no Brasil, para situar o leitor
aos momentos históricos conquistados por forças sociais:
QUADRO 1 - LINHA DO TEMPO DO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE
LEGISLAÇÃO
1975 - ONU
1978 - ONU
116
OBJETO
Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovada pela
Assembleia Geral em 9 de dezembro de 1975.
Criado
o grupo de trabalho sobre desaparecimento
forçado ou involuntário da ONU. O
grupo de trabalho sobre desaparecimento
forçado ou involuntário da ONU.
Resolução 33/137 adotada pela ONU em 33ª
Sessão, em 20 de dezembro de 1978. A Resolução
tem como o desaparecimento de pessoas e a
gritante violação aos artigos 3,4,5,9 e 11 da DUDH,
a saber, o direito à vida, à liberdade, a não ser
submetido a torturas, direito à segurança estatal
e a não ser preso de forma arbitrária sem um
julgamento justo e legal.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
1979 – BRASIL
Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979 - Art. 1º É
concedida anistia a todos quantos, no período
compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15
de agosto de 1979, cometeram crimes políticos
ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que
tiveram seus direitos políticos suspensos e aos
servidores da Administração Direta e Indireta,
de fundações vinculadas ao poder público, aos
Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos
Militares e aos dirigentes e representantes sindicais,
punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares.
1984
Resolução 39/46 de da Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984, a
ONU aprova a Convenção contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou degradantes
1985 – OEA
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir
a Tortura da OEA (1985) ratificada em 1989
1988 – BRASIL
Contituição Federativa do Brasil - Art. 48. Cabe
ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, não exigida esta para
o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre
todas as matérias de competência da União,
especialmente sobre:
VIII - concessão de anistia;
1989 - ONU
Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
entra em vigor no Brasil em 28 de outubro de 1989,
ratificada em 1991
1990 - BRASIL
4 de setembro de 1990 - Comissão Parlamentar
de Inquerito – CPI para tratar de investigar a Vala
Clandestina no Cemitério Dom Bosco em São Paulo
1991 - BRASIL
Lei 8.159 de 8 de janeiro de 1991 - Política Nacional
de Arquivos Públicos e Privados. Dispõe sobre a
categoria dos documentos públicos sigilosos e o
acesso a eles, e dá outras providencias.
Ratificação em 15 de fevereiro de 1991, da ONU
Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1989)
SUMÁRIO
117
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
1992 – BRASIL
Câmara dos Deputados. Comissão Extraordinária
sobre o Desaparecido Político sob a presidencia
de Nilmário Miranda.
Fernando Collor entrega os doumentos do
DEOPS de São Paulo aos familiares de mortos e
desaparecidos politicos que constroem um Dossiê
A Declaração 47/133 de 1992 tem por base a
preocupação da comunidade internacional
com a questão do desaparecimento forçado
de pessoas por quase duas décadas, tal
preocupação da comunidade internacional via
ONU, é formar uma norma que possua validade jus
cogens e erga omnes.
Declaração sobre a Proteção de todas
as Pessoas contra o Desaparecimento
Forçado adotada pela ONU através da
1992 – ONU
1993
118
Resolução 47/133 de 18 de dezembro de 1992
engrossam as medidas de que visam a proteção
contra a vilania do “desaparecimento forçado”.
Tal Resolução, per si, já faz em seu preâmbulo, um
breve histórico de medidas que visam a proteção
e garantia dos Direitos de expressão e liberdade
nos regimes de exceção;
Por solicitação do Deputado Nilmário
Miranda, o Ministério da Justiça e as Forças
Armadas entregaram Relatórios sobre Mortos
e Desaparecidos Políticos, reconhecendo a
existência da Guerrilha do Araguaia.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
1994 – OEA
Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado de Pessoa – 9 de
junho de 1994 - A convenção foi, por exemplo,
em seu artigo referendada durante a Convenção
de Viena, passando a figurar em seu Artigo 16º e
parágrafo 3º o seguinte: “Não serão reconhecidos
quaisquer privilégios, imunidades ou dispensas
especiais no âmbito de tais processos, sem prejuízo
das disposições enunciadas na Convenção
de Viena sobre Relações Diplomáticas”.
[23] 171 países abraçaram e ratificaram tal
Declaração, constituindo assim preceito de Direito
Internacional.
1987- OEA - Em 9 de junho de 1994 a Resolução da
Assembleia Geral da OEA nº 1256 (XXIV-O/94)
[26]
, adotou a Convenção Interamericana sobre
o Desaparecimento Forçado de Pessoas,
entrando em vigor em 28 de março de 1996.
1998 - O Estatuto de Roma é um tratado que
estabeleceu a Corte Penal Internacional (CPI) hoje
conhecida como Tribunal Penal Internacional,
tratado adotado em Roma na Itália em 17 de
julho de 1998
SUMÁRIO
119
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Reunião Nacional das entidades e familiares
chamada pela Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados com o Ministro da Justiça
Nelson Jobim e José Gregori.
Fernando Henrique Cardoso recebe dos Familiares
de Mortos e Desaparecidos Politicos um Dossiê
dos Mortos e Desaparecidos Políticos
O Centro de Estudos para a Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL) e a Human Rights Watch
(HRWA) apresenta petição a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da
OEA, denunciando em nome dos familiares,
o desaprecimento dos mortos na Guerrilha
do Araguaia, solitando declaração de
responsabilidade do Estado brasileiro sobre
violações de direitos humanos.
1995 – BRASIL
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP) – instituída pela Lei nº 9.140/95,
4 de dezembro de 1995 – vem cumprindo
importante papel na busca de solução para
os casos de desaparecimentos e mortes de
opositores políticos por autoridades do Estado
durante o período 1961-1988
Lei 9.140 de 4 de dezembro de 1995 - Reconhece
como responsabilidade do Estado brasileiro a
morte de opositores ao regime de 1964, assim
como, prever a concessão de idenização
a parentes de milutantes políticos mortos ou
desaparecidos entre 2 de setembro de 1961 e 15
de agosto de 1979. Instituiu Comissão Especial de
Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) com
poderes para deferir pedidos de indenização das
famílias de uma lista inicial de 136 pessoas e julgar
outros casos apresentados para seu exame e
localização dos corpos de pessoas desaparecidas
no caso de existência de indícios quanto ao local
em que possam estar depositados.
120
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
1997
Lei 9.455 de 7 de abril de 1997 - Define crimes de
tortura e dá outras providências.
Lei 9.507 de 12 de novembro de 1997 - Direito de
Acesso a Informações e do Disciplinamento do rito
processual do habeas data.
Decreto no 2.134 de 24 de janeiro de 1997 Regulamenta o art. 23 da Lei nº 8.159, de 8 de
janeiro de 1991, que dispõe sobre a categoria dos
documentos públicos sigilosos e o acesso a eles, e
dá outras providências. Regula a classificação, a
reprodução e o acesso aos documentos públicos
de natureza sigilosa.
2001
Medida Provisória nº 2151-3, de 24 de agosto de
2001 quando foi criada a Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça, regulamenta o art. 8o do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) da Constituição de 1988, que previa a
concessão de anistia aos que foram perseguidos
em decorrência de sua oposição política. A
Medida Provisória no 2151-3 de 24 de agosto de
2001, reeditado pela Medida Provisória no 65, de
28 de agosto de 2002, Convertido na Lei no 10.559,
de 13 de novembro de 2002.
Plano Nacional de Combate à Tortura. Lançado
em julho de 2001.
2002
Decreto nº 4.553, de 27 de fevereiro de 2002
- Dispõe sobre a savalguarda de dados,
informações, documentos e materiais sigilosos de
interesse da segurança da sociedade e do Estado,
no ambito da administração pública federal e dá
outras providencias. Estabelece a classificação
dos documentos como sigilosos: ultra-secretos,
secretos, confidenciais e reservados, em razão de
seu teor ou de seus elementos intrínsecos (art.5o)
Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002,
regulamentando o art. 8 das as Disposições
Transitórias que trata doRegime do Anistiado
Político, da Declaração de Anistiado Político e da
Reparação Econômica.
Campanha Nacional Permanente Contra a
Tortura em parceria com o Movimento Nacional
dos Direitos Humanos, em 2002
SUMÁRIO
121
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
2005
2005-2008
Ações Civil Pública na Justiça Civil contra oficiais
do exército acusados de tortura, homicídio e
desaparecimento forçado de dezenas de cidadãos.
2006
O Governo Federal publicou o Plano de Ações
Integradas de Prevenção e Combate à Tortura
(PAIPCT) em 2006.
2007
122
O Governo Federal determinou que os três arquivos
da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) fossem
entregues ao Arquivo Nacional, subordinado à
Casa Civil, onde passaram a ser organizados e
digitalizados.
Criação da Coordenação-Geral de Combate
à Tortura (CGCT) por meio da Portaria n° 22 da
Secretaria Especial de Direitos Humanos de 22 de
fevereiro de 2005.
Agosto de 2007 - Lançado pela SEDH-PR e a
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos, o livro-relatório “Direito à Memória e à
Verdade”, registrando os onze anos de trabalho
daquela Comissão e resumindo a história das
vítimas da ditadura no Brasil.
Ratificação do Protocolo Adicional à Convenção
Contra Tortura das Nações Unidas (2006) pelo
Decreto Presidencial n° 6.085/2007.
2008
Julho de 2008 - Audiência Pública realizada pelo
Ministério da Justiça e a Comissão de Anistia sobre
“Limites e Possibilidades para Responsabilização
Jurídica dos Agentes Violadores de Direitos
Humanos durante o Estado de Exceção no Brasil”.
2009
Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009
- Aprova o Programa Nacional de Direitos
Humanos - PNDH-3 e dá outras providências.
Maio de 2009 - Ato de lançamento do projeto
Memórias Reveladas, sob responsabilidade da
Casa Civil, que interliga digitalmente o acervo
recolhido ao Arquivo Nacional após dezembro
de 2005, com vários outros arquivos federais sobre
a repressão política e com arquivos estaduais de
quinze unidades da federação.
Decreto 7.037, 21 de dezembro de 2009 - Decreto
instituindo o PNDH III onde consta eixo orientador
para atuação do Estado no que tange ao Direito
à Memória e à Verdade.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
2010
A Corte Interamericana de Direitos Humanos
da Organização dos Estados Americanos (OEA)
condenou o Estado brasileiro pelos atos ocorridos
durante a Guerrilha do Araguaia.
2011
Lei 12.528 de 16 de maio de 2011, que cria a
Comissão Nacional da Verdade com a finalidade
de apurar graves violações de Direitos Humanos
ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de
outubro de 1988.
2012
Em 16 de maio de 2012 a presidente Dilma instala
a Comissão Nacional da Verdade.
Parecer CNE/CP nº 01, de 30 de maio de 2012 –
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos.
Decreto nº 7.845, de 14 de novembro de
2012 - regulamenta procedimentos para
credenciamento de segurança e tratamento de
informação classificada em qualquer grua de
sigilo, e dispõe sobre o Núcleo de Segurança e
Credenciamento.
2013
Decreto nº 7.919, de 14 de fevereiro de 2013, que
institui os cargos em comissão para as atividades
da CNV;
Resolução nº 08, de 04 de março de 2013,
aprovando o Regimento Interno da Comissão
Nacional da Verdade.
Medida Provisória nº 632, de dezembro de 2013,
que prorroga o mandato da CNV até dezembro
de 2014 pela medida provisória nº 632.Comissão
Nacional da Verdade.
A presidente Dilma sanciona a Lei nº 12.847 de
2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à TorturaSNPCT e cria o Comitê Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura.
2015
Portaria Interministerial nº 1.321-A, de 29 de
setembro de 2015, que “declara o recebimento
do Relatório da Comissão Nacional da Verdade
e declara de interesse público e social o acervo
documental e arquivístico reunido pela Comissão
Nacional da Verdade.”
SUMÁRIO
123
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
2017
Lei nº 13.581, de 26 de dezembro de 2017,
declarando Dom Helder Câmara, Patrono
Brasileiro dos Direitos Humanos
2018
Lei nº 13.598, de 8 de janeiro de 2018,
determinando a inclusão do nome de João Pedro
Teixeira nos Livros dos Heróis e Heroínas da Pátria,
depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade
Tancredo Neves.
2019
anistia política
Constituição Federal de 1988
Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002.
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988
Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002: Lei que
institui a Comissão de Anistia e regulamenta o
regime do anistiado político.
Decreto nº 6.973 de 02 de janeiro de 2019: Decreto
que aprova a estrutura regimental do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Fonte: FERREIRA; ZENAIDE; MELO, 2016.
Passos relevantes foram dados pelo Estado brasileiro, a
partir do movimento de anistia e do movimento dos mortos e
desaparecidos políticos. Embora tenha sido tardia a inserção
do direito à memória e à verdade no Brasil com o Programa
Nacional de Direitos Humanos em 2009, a difícil criação
da Comissão Nacional da Verdade em 2011 mobilizou a
criação de comitês e comissões estaduais de verdade,
assim como mobilizações do movimento estudantil como
foram os escrachos pelo Levante Popular da Juventude.
Com relação ao campo da educação, o PNDH
3 agendou a criação de uma coordenação no interior
da Secretaria dos Direitos Humanos que passou a realizar
articulações com a sociedade civil e o MEC para pensar
estratégias de inserção no currículo do direito à memória e
124
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
à verdade, foi assim na Conferência Nacional de Educação
e na XI Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Ao não priorizarmos a dimensão da educação para a
cidadania democrática no Brasil, só obtendo a aprovação
do Conselho Nacional de Educação das Diretrizes Nacionais
para a Educação em Direitos Humanos em 2012, atrasamos
o desafio de educar a sociedade para uma cultura
democrática.
Conhecimento compartilhado: educar para nunca
mais como componente da educação popular
Adorno (2003) problematiza a relação entre educação
após a experiência do Holocausto. Para Adorno, o terror
aniquila a consciência da dor alheia tornando as pessoas
cúmplices do totalitarismo na medida em que não percebem
o processo de alheamento.
Para Adorno (2003) a exigência de que Auschwitz não
repita precede as demais, já que a humanidade deve tomar
consciência de como a barbárie pode ser uma realidade
quando a monstruosidade humana sobrepõe a dignidade.
Para evitar a repetição da barbárie é necessário que a
sociedade conheça os mecanismos que fazem com que
as pessoas podem ser capazes de cometer atos bárbaros.
Para Adorno (2003, p. 121) “Culpados são unicamente os
que, desprovidos de consciência, voltaram contra aqueles
seu ódio e sua fúria agressiva”.
A educação eticamente deve ser dirigida a
autorreflexão crítica, desde a infância, o esclarecimento
e a sensibilidade e a formação de vínculos capazes de
construir relações de alteridade e empatia capazes de agir
frente a atitudes e hábitos de violência, humilhação.
SUMÁRIO
125
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A assistência religiosa, psicológica e jurídica realizadas
pelas Comissões de Justiça e Paz, os Centros de Defesa e
Promoção dos Direitos Humanos, o Comitê pelos Direitos
Humanos no Cone Sul, os Grupos Tortura Nunca Mais foram
pioneiros na defesa dos direitos humanos no Brasil.
A educação para nunca mais tem sido construída
no Brasil e em países da América Latina, a partir de um
conjunto de atividades educativas formais e não formais,
promovidas por organizações da sociedade civil e do poder
público como parte da Justiça de Transição.
Na Argentina, no Chile e no Uruguai os sítios de
memória assim como as Avós da Praça de Maio têm
promovido um processo educativo aberto à sociedade
e as instituições de ensino, através de série de desenho
animado7 (Pakaka), vídeos documentando as marchas no
dia 24 de março, dia do golpe de estado exigindo memória,
verdade e justiça assim como documentários, como 500, o
número de desaparecidos na Argentina.
No Brasil, organizações da sociedade civil tem
antecipado o Estado, realizando dossiês 8, processos
judiciais, prêmios de direitos humanos, ações educativas
em escolas e bairros (Ver Memória para Uso Diário de Betty
Formaggini,2007).
7
8
126
O canal Pakapakaeditou “Día Nacional del Derecho a la Identidad” (https://www.
youtube.com/watch?v=Uoutyr6QhOk); 24 de marzo: Día de la memoria por la
verdad y la justicia (https://www.youtube.com/watch?v=modxDNj4RwM), Día de la
Memoria enPakaPaka. “Zamba” visita la Casa Rosada (https://www.youtube.com/
watch?v=hEv0gzbBY7E),24 de Marzo: la marcha del Encuentro Memoria, Verdad y
Justicia y la izquierdahttps://www.youtube.com/watch?v=7jJu-lzHO5o) aniversario del
golpe militar de 1976. Día Nacional de la Memoria por la Verdad y la Justiciahttps://
www.youtube.com/watch?v=Wdt8JwOd4W4.
Comissão Especial Sobre Mortos E Desaparecidos. Direito À Memória E A Verdade.
Brasília: Cemdp, 2007.Comissão Especial Sobre Mortos E Desaparecidos E Instituto De
Estudo Da Violencia Do Estado E Grupo Tortura Nunca Mais Rj E Pe. Dossiê Dos Mortos
E Desaparecidos Políticos A Partir De 1964. Pernambuco: Governo Do Estado De
Pernambuco E São Paulo: Governo Do Estado De São Paulo, 1996. Arquidiocese De São
Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Rj: Vozes,1985.
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
No plano da educação para nunca mais, a Comissão
de Anistia do Ministério da Justiça realizou durante 2003-2016
ações educativas, tais como, Caravanas da Verdade, apoio
a realização de Cinema de Direitos Humanos, seminários,
estudos e pesquisas e publicações, como dossiês e livros.
No Brasil, a história recente revela que vivemos 29 anos
de regime autoritário (Estado Novo – 1937-1945 e Ditadura
Militar – 1964-1985) e 53 anos de Democracia (1945 – 1964
e 1985-2019) que devem ser componentes da educação
para a democracia e os direitos humanos.
Em 4 de junho de 2009, a OEA aprovou a Resolução
sobre o Direito à Verdade no âmbito dos países partes,
como o Brasil seguindo as recomendações do Seminário
Regional “Memoria, Verdade e Justiça de nosso pasado
recente”, realizado durante a Reunião de Altas Autoridades
Competentes em Direitos Humanos do MERCOSUR e Países
Associados, en novembro de 2005. Na referida Resolução
os Estados se comprometem a criarem
[…] mecanismos judiciais específicos, bem
como outros mecanismos extrajudiciais ou ad
hoc, como as comissões de verdade e reconciliação, que complementam o sistema judicial para contribuir para a investigação de
violações de direitos humanos e as do Direito
Internacional Humanitário, e avaliar a preparação e publicação dos relatórios e decisões
desses órgãos.
Assim, como também, aprovaram a divulgação do
fruto desse proceso seja socializado junto a sociedade para
que esta possa entender a gravidade de tais violações de
modo a poder prevenir sua repetição e ocorrência.
SUMÁRIO
127
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Incentivar todos os Estados a tomar medidas
apropriadas para estabelecer mecanismos
ou instituições que divulguem informações sobre violações de direitos humanos e assegurar
acesso adequado aos cidadãos a essas informações, a fim de promover o exercício do
direito à verdade e a prevenção de futuras
violações dos direitos humanos, bem como
a determinação de responsabilidades nesta
matéria.
Cumprindo tais acordos regionais o Brasil pela Lei
12.528, de16 de maio de 2012 instituiu a Comissão Nacional
da Verdade com a finalidade de apurar as graves violações
de Direitos Humanos ocorridas durante o período de 18 de
setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Dentre as graves
violações aos direitos humanos ocorridas de 1964-2001,
foram identificados pela Comissão Nacional da Verdade:
a) Detenção (ou prisão) ilegal ou arbitrária; b) Tortura;
c) Execução sumária, arbitrária ou extrajudicial, e outras
mortes imputadas ao Estado; d) Desaparecimento forçado
e ocultação de cadáver (BRASIL, 2013).
A Educação para a democracia implica, segundo
a Convenção Interamericana Democrática (2001) na
promoção e consolidação da democracia nas Américas
como recurso para a paz e o desenvolvimento da região.
Consolidar a democracia representativa assim como o
respeito ao princípio da não-intervenção são alicerces dos
novos tempos.
No artigo 4, a Convenção afirma como componentes
para o exercício da democracia “a transparência das
atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade
dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos
sociais e a liberdade de expressão e de imprensa”. No artigo
128
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
9, o texto da Convenção associa democracia e respeito
as diversidades, por isso é responsabilidade dos Estados
eliminar e prevenir
[...] toda forma de discriminação, especialmente a discriminação de gênero, étnica e
racial, e das diversas formas de intolerância,
bem como a promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e dos
migrantes, e o respeito à diversidade étnica,
cultural e religiosa nas Américas.
O destaque para a educação como direito
fundamental é tratado no artigo 16:
A educação é chave para fortalecer as instituições democráticas, promover o desenvolvimento do potencial humano e o alívio da
pobreza, e fomentar um maior entendimento
entre os povos. Para alcançar essas metas, é
essencial que uma educação de qualidade
esteja ao alcance de todos, incluindo as meninas e as mulheres, os habitantes das zonas
rurais e as minorias.
A preservação da institucionalidade democrática
exige o conhecimento da Constituição democrática assim
como da legislação em vigor protetora dos direitos humanos.
Por isso, a educação para vida democrática é uma das
ações a serem assumidas como básica ao ensino formal.
Os artigos 26 e 27 da Convenção Democrática
Interamericana enfatizam medidas a serem incorporadas
pelos sistemas de ensino:
Artigo 26
SUMÁRIO
129
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A OEA continuará desenvolvendo programas
e atividades dirigidos à promoção dos princípios e práticas democráticos e ao fortalecimento da cultura democrática no Hemisfério,
considerando que a democracia é um sistema de vida fundado na liberdade e na melhoria econômica, social e cultural dos povos.
A OEA manterá consultas e cooperação contínua com os Estados membros, levando em
conta as contribuições de organizações da
sociedade civil que trabalhem nesses campos.
Artigo 27
Os programas e as atividades terão por objetivo promover a governabilidade, a boa
gestão, os valores democráticos e o fortalecimento das instituições políticas e das organizações da sociedade civil. Dispensar-se-á
atenção especial ao desenvolvimento de
programas e atividades orientados para a
educação da infância e da juventude como
meio de assegurar a continuidade dos valores democráticos, inclusive a liberdade e a
justiça social.
O direito à memória e à verdade no Brasil são eixos
do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, aprovado
em Conferência Nacional e objeto de Decreto nº 7.037, de
21 de dezembro de 2009, sendo atualizado pelo Decreto
nº 7.177, de 12 de maio de 2010.
O direito à memória e à verdade, eixo VI do PNDH 3
integra a investigação do passado o resgate da verdade
para a constituição da memória individual e coletiva. Tal
processo vem sendo construído desde os anos setenta pelos
familiares e vítimas do regime autoritário através de dossiês
130
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e relatórios que mesmo divulgados em meios eletrônicos
ainda não é de conhecimento da sociedade.
Desde os anos 1990, a persistência de familiares de mortos e desaparecidos vem obtendo
vitórias significativas nessa luta, com abertura
de importantes arquivos estaduais sobre a repressão política do regime ditatorial. Em dezembro de 1995, coroando difícil e delicado
processo de discussão entre esses familiares, o
Ministério da Justiça e o Poder Legislativo Federal, foi aprovada a Lei no 9.140/95, que reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de opositores ao regime de
1964. Essa Lei instituiu Comissão Especial com
poderes para deferir pedidos de indenização
das famílias de uma lista inicial de 136 pessoas e julgar outros casos apresentados para
seu exame. No art. 4o, inciso II, a Lei conferiu
à Comissão Especial também a incumbência
de envidar esforços para a localização dos
corpos de pessoas desaparecidas no caso
de existência de indícios quanto ao local em
que possam estar depositados (BRASIL, 2010,
207-208).
Uma consciência democrática exige que se revisite
a história passada e recente a fim de que a sociedade
encontre meios de superar os efeitos da violência no plano
individual e coletivo.
A Comissão de Anistia já realizou setecentas
sessões de julgamento e promoveu, desde
2008, trinta caravanas, possibilitando a participação da sociedade nas discussões, e
contribuindo para a divulgação do tema no
País. Até 1o de novembro de 2009, já haviam
sido apreciados por essa Comissão mais de
SUMÁRIO
131
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
cinquenta e dois mil pedidos de concessão
de anistia, dos quais quase trinta e cinco mil
foram deferidos e cerca de dezessete mil,
indeferidos. Outros doze mil pedidos aguardavam julgamento, sendo possível, ainda, a
apresentação de novas solicitações. Em julho
de 2009, em Belo Horizonte, o Ministro de Estado da Justiça realizou audiência pública de
apresentação do projeto Memorial da Anistia
Política do Brasil, envolvendo a remodelação
e construção de novo edifício junto ao antigo “Coleginho” da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), onde estará disponível
para pesquisas todo o acervo da Comissão
de Anistia.
Dentre as Diretrizes e Ações para promover o
Direito à Memória e à Verdade, destacam-se a Diretriz 23:
Reconhecimento da memória e da verdade como Direito
Humano da cidadania e dever do Estado; a Diretriz 24:
Preservação da memória histórica e construção pública
da verdade e a Diretriz 25: Modernização da legislação
relacionada com promoção do direito à memória e à
verdade, fortalecendo a democracia.
A preservação da memória requer a criação de
centros de memória, museus e centros de documentação
que organize e disponibilize os arquivos da repressão política,
valorizando através de ações educativas. Para tanto, torna
necessário a formação e a produção de material didáticopedagógico a ser disponibilizados aos sistemas de educação
básica e superior.
Considerações
132
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Educação para Nunca Mais como componente da
educação popular em países com história de opressão e
violência torna-se uma tarefa difícil e complexa, já que as
demandas ainda se concentram na violência, quando
a humanidade já poderia estar em outro patamar de
convivência humana. O tema da história recente do
autoritarismo muitas vezes encontra-se retirado da memória
coletiva do espaço escolar. Por isso os sítios de memória
podem exercer um papel relevante para retirar o manto
do esquecimento. Quando foi criado o memorial das Ligas
Camponesas na sede da casa do líder João Pedro Teixeira
setores educacionais como universidades, escolas públicas,
intelectuais e lideranças camponesas se articularam criando
um conjunto de ações voltadas para a educação para
nunca mais.
Propor alternativas viáveis para a concretização plena
da garantia dos direitos é ainda mais desafiador. Há muito
tempo, debatemos exaustivamente o tema, sem, contudo,
encontrarmos soluções definitivas, que sejam capazes de
resolver todas as violações ainda existentes nesse campo.
Isto porque o tema em questão não nasceu pronto, não
comporta conceitos fixos, mas, sobretudo, é dinâmico e
mutável por sua própria natureza, não se faz, mas vem se
fazendo, no cotidiano das lutas sociais travadas ao longo da
história da Humanidade, agora se abrindo especialmente
aos dilemas contemporâneos.
A educação para emancipação ao mesmo tempo
em que retira os mais velhos do esquecimento possui a força
de acolher as vítimas do autoritarismo retirando do longo
processo de segregação e estigmatização. Foi dessa forma
que fomos entendendo a necessidade de se fomentar uma
reflexão sobre os direitos humanos a partir da realidade
SUMÁRIO
133
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
local de modo a comportar a sua dimensão educativa e
favorecer processos de transformação dialética, regulação
e emancipação, reprodução e mudança, tendo como
pano de fundo o diálogo.
Educar para Nunca Mais é fundamental para a
construção de um processo de cidadania que leve em
consideração, entre outros aspectos, a existência do “outro”
como sujeito de direito. Portanto, a relevância das discussões
vai em direção ao diálogo com teóricos e suas discussões,
buscando argumentos que admitam a necessidade de
se repensar uma educação em direitos humanos crítica e
libertadora.
O saber popular não se propõe a assumir
qualquer força mágica ou a assegurar o gerenciamento da humanidade. Todavia, a razão mantém- se como componente fundante
da validade de um conhecimento gerador de
saber. Muito distante da exigência quantitativa empirista, essa validade se dá pelo reconhecimento intersubjetivo através do falante
e do ouvinte. São razões que vão sendo resgatadas de cada um e que, quando estão
em grupo, tornam-se posição coletiva. Em
nenhum momento, o saber popular ou o saber da tradição foram expressão do não pensamento, mas sim, de um conjunto de pensamentos determinados pelas condições do
pensar, em cada momento histórico. Nunca
se propôs, por si mesmo, a salvar a humanidade. Contudo se prestou para o saber viver em
cada momento da vida humana e aí está
sua importância. (MELO NETO, 2001, p. 242)
Conhecer a nossa história é o passo fundamental
para que se entenda o momento vivido, para a construção
134
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
do futuro. Conhecendo o passado, entendemos o presente
e temos condições de, no futuro, não cometermos erros
já cometidos. Conforme apontam Abrão e Torelly (2010)
a memória é um meio de significação social e temporal
de grupos e instituições, o que implica em conhecer sua
importância para a geração do senso comum, ou seja, para
a compreensão coletiva da sociedade sobre determinados
eventos do passado. Desta forma, a memória joga papel
fundamental para o autorreconhecimento de um povo,
ao embasar o processo de construção de sua identidade.
Os horizontes de sentido da Educação Popular,
por fim, devem ser entendidos como pressupostos para o
alcance de uma educação construída em um processo com
os outros, desde os outros, para si e para os outros. É através
da humanização dos indivíduos, do seu entendimento como
sujeitos empoderados, detentores de memória e de direitos,
que será possível a construção de processos educativos que
vislumbrem a aprendizagem como exercício de reflexão e
ações críticas. A educação como instrumento de libertação.
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136
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
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SUMÁRIO
137
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
PRISÕES, CONTEXTO E ESPAÇO
DA PRÁTICA E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO POPULAR
José Douglas de Abreu Araújo
Observações introdutórias
A realidade das prisões brasileiras grita desespero com
as condições sub-humanas de vidas postas pelo sistema
penitenciário. A sua incapacidade de ofertar formação
humanizada para ressocializar é resultado evidente e
verificado por muitas pesquisas. Por isso, pensar as prisões
como contexto e espaço da prática e pesquisa em
Educação Popular (EP) com um real objetivo de (re)integrar
as pessoas em conflito com a lei é uma forma de resistência
e enfrentamento aos danos causados pelos abusos aos
direitos humanos frequentes em várias instituições do sistema
penitenciário que reafirmam as grandes injustiças sociais e
humanas em torno da metodologia hostil e ultrapassada
das prisões.
Pensar a prática e pesquisa em educação como
enfrentamento às múltiplas contradições nesse espaço é
se colocar a caminho da construção de um movimento
social educativo, libertador, autêntico, problematizador
e revolucionário na ótica de uma EP que vise escolarizar,
138
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
qualificar e levar as Pessoas em Situação de Restrição e
Privação de Liberdade (PSRPL) a uma conscientização crítica
da realidade por meio de práticas formativas humanizadas
e horizontais com ações pedagógicas mediadas pela
reflexão e o diálogo entre todos os envolvidos e pesquisas
emergidas pela curiosidade epistemológica que desvende
e problematize a realidade desses espaços, proporcionando
uma leitura do mundo ou dos mundos dentro e além das
grades.
De tal modo, se afloram várias inquietações quando
pensamos em pesquisa e prática educativa para a formação
humana das PSRPL, como: diante da situação das prisões, que
proposta educacional pode contribuir para a transformação
dessa realidade, mudando-a para melhor? Qual a relação
da práxis educacional transformadora, humanizadora e
emancipatória da Educação Popular nas prisões? Quais os
aspectos problematizadores da pesquisa em EP nas prisões?
Na busca por responder essas questões, o presente
texto tem por finalidade pensar a relação dos presídios como
contexto e espaço da pesquisa e prática social na ótica da
educação popular com sua aspiração de luta, democracia
e justiça social, alicerçado no pensamento de Paulo Freire
e na sua forma de fazer a práxis e pesquisa social, tendo
em vista que a EP está para os sujeitos com a proposta que
eles tomem “em suas mãos a história de construção da suas
caminhadas em direção “ser mais” (PALUDO, 2001, p. 95).
É no “ser mais” de cada um e nesse processo contínuo
da caminhada “marcada pelo medo, pela alegria, pela
coragem, pelo pessimismo, pelo amor, pela raiva, pela
luta, mas que uma vez iniciadas, mais cedo ou mais tarde
rebelam-se contra as prescrições independentemente de
quem as pauta” (PALUDO, 2001, p. 95). Independentemente
SUMÁRIO
139
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de quem está no poder ou de quem está submetido a esse
poder, pensar na formação humana por meio da pesquisa
e educação nas prisões em uma epistemologia ampla,
diversificada, pautada na perspectiva popular e construída
nesse caminho repleto de acontecimentos e emoções é
resistir contra o sistema falido e lutar por políticas públicas
humanas que presem pela real segurança de todas as
pessoas e a reintegração social dos presos.
Educação popular nos contextos espaços prisionais:
práxis de possibilidades libertárias
A educação possui papel importante na diminuição
da população penitenciária, cabendo o questionamento:
que educação interessa a esse público? Não se trata de
aplicar práticas educacionais que beneficiem as classes
dominantes, cheia de relações de poder, intenções de
controle, inibição e opressão, com atividade meramente
diretivas e depositárias. Entendemos que existe uma extrema
necessidade de práticas e políticas de formação humana
eficientes, com sua práxis direcionada à capacidade de
aprendizagem e desenvolvimento criativo, (trans)formador
e libertador para modificar as situações vivenciadas pelas
PSRPL.
Sem dúvida, cabe refletir os tipos de operacionalidade
e técnicas que possam ser orientadas de forma horizontal,
oriunda dos sujeitos e para os sujeitos que contribuam no
fortalecimento do desenvolvimento humano e social. Uma
formação crítica, reflexiva e que interesse a população
carcerária. Sobre isso, Melo Neto (2004, p. 121) em seus
escritos nos ajuda a compreender que,
140
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A educação realiza-se de forma espontânea, em qualquer lugar. Acontece de forma
reflexiva ou sistemática quando se definem
técnicas apropriadas na busca de se obter
melhor rendimento educativo (a teoria pedagógica). Entretanto, a operacionalidade
(preceitos e leis) e as opções de técnicas ou
metodologias desse processo educativo sistematizado são demarcadas por uma política de educação. É neste sentido que cabe
questionar quanto ao direcionamento desejado para os processos educativos.
Pois, os processos educativos para formação devem
ter um direcionamento cheio de possibilidades de acesso às
práticas humanas e ferramentas para reintegração social
com uma profundidade crítica aos modelos educativos
dominantes. Esse perfil educacional que busca uma
educação junto as PSRPL, que possibilita mudança e
acondicionamento intelectual às pessoas, é encontrado
na práxis de uma educação na ótica da EP, pois:
A educação popular é um movimento prático e teórico em educação, presente em
processos de organização das classes trabalhadoras, que apresenta profundas críticas à
educação dominante e que, segundo Paulo
Freire (1958), tem promovido o ‘silêncio’ dessas maiorias, defendendo outro fazer educativo – educação popular -, definindo-se por
uma educação com o homem e não sobre
o homem, ou, simplesmente, para ele. Uma
educação promotora de mudanças e criadora de outras e novas disposições mentais
no humano, enquanto coloca-o na sua contextura sociocultural, em condição compreensiva de seu mundo mesmo (MELO NETO,
2015, p. 173).
SUMÁRIO
141
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A EP, possui influente valor manifestados em suas
experiências - envolta de situações que tentam deslegitimala como práxis educativa, continua expandindo-se cada
vez mais em diversos contextos e espaços como mecanismo
de enfrentamento e resistência ao sistema desumanizador
e desigual. Por ser uma práxis social comprometida com o
povo ela se constitui popular, pois segundo o entendimento
de Gadotti (2014, p. 26), esse termo “atende às necessidades
populares, às demandas dos excluídos”. Surge, assim, um
profundo questionamento: qual a relação dos presídios com
a Educação Popular?
Cabe aqui compreender que os presídios são campos
de atuação da EP, na qual desenvolvem práticas de
formação humana, crítica e de luta, dentro da realidade
desse espaço afetada por múltiplos contextos sociais,
como a reprodução das mazelas trazidas pelo processo
de globalização capitalista, que viola direitos básicos para
a sobrevivência humana.
A ocorrência da EP nesse espaço debruça-se sobre
uma política de transformação social, possibilitando um
sistema aberto de ensino e aprendizagem, colaborando com
a formação humana e social dos sujeitos por meio de um
trabalho alicerçado na realidade cotidiana dos oprimidos,
excluídos e marginalizados, com metodologias referenciadas
em suas experiências, trabalhando a participação subjetiva
e coletiva dos envolvidos em vista de sua autonomia, pois é:
Uma educação que pode ser apresentada,
hoje, como um fenômeno de produção e
apropriação dos produtos culturais humanos,
pelo trabalho, expresso por um sistema aberto de ensino e aprendizagem, contendo uma
teoria de conhecimento referenciada na re-
142
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
alidade e pautada pela ‘experiência’ dos
que estão nesse processo; com metodologias
(pedagogias) incentivadoras à participação
e ao empoderamento das pessoas individuais e coletivamente; com conteúdos próprios
e técnicas de avaliação contínua; permeado por uma base política estimuladora de
transformação social e orientada por anseios
humanos de liberdade, justiça e igualdade
(MELO NETO, 2015, p. 173-174).
A EP está ancorada humanamente nas aspirações
por liberdade, justiça e igualdade, se torna adequada a
um contexto no qual as pessoas são privadas de qualquer
tipo de esperança de transformação de si, pois se trata de
uma práxis totalmente diferente das impregnadas no sistema
penal que envolve relações de poder, violência, terror e
medo. Diferente desses processos, a EP promove práticas
educativas desenvolvidas com o povo,
[...] vai tornando o mundo da concretude o
seu ponto de partida quando de seu conhecimento. É um processo educativo que pode
acontecer também através do tijolo sobre tijolo. Não esconde mais que o homem pode
estar sentado sobre a pedra e não estar pensando apenas na pedra, mas também em si
(MELO NETO, 2015, p. 51-52).
Devido a isso, a EP atuante nos presídios com sua
práxis educativa e (trans)formadora se expande como
resistência e enfrentamento à estrutura social conturbada
no meio de grandes mudanças fora e dentro do cárcere
com o surgimento de novos paradigmas nas inter-relações
sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas. Seu
trabalho engloba questões diversas em relação as PSRPL, tais
SUMÁRIO
143
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
como subjetividade, saúde, família, sexualidade e liberdade.
Paralelamente, suas demandas são entrelaçadas nas
relações de poder que reproduz a brutalidade da pobreza,
desigualdade, desumanização, violência, incentivo ao crime
organizado, estratificação popular, entre outras. Ireland
(2011) explica que esses lugares de não liberdade negam
a autonomia pessoal das pessoas presas pois,
A preocupação central do presídio é com a
segurança e a detenção das pessoas ali encarceradas – a segurança da sociedade e
não necessariamente da pessoa presa. Apesar de serem lugares ordenados (com hierarquias, regras rígidas, comportamentos institucionalizados, horários e espaços delimitados),
o que impressiona o visitante na maioria dos
presídios é o aparente caos, o barulho, as
tensões visíveis e latentes e as interferências. É
o lugar da não liberdade, constituindo um espaço que institucionaliza e tira a independência e a autonomia das pessoas (p. 28).
Inexiste uma preocupação com a PSRPL, por isso a
contribuição de uma formação que possua uma proposta
democrática como a EP pautada nas experiências e obras
de Paulo Freire vai além de apenas formar cidadãos para se
enquadrar nos ditames de sistemas opressores e desiguais da
sociedade. Ela trata de um processo de aprendizagem e do
anseio por conhecimento e (trans)formação, imergindo na
história por meio da própria ação dos envolvidos, conforme
explica Melo Neto (2015) ao escrever que:
[...] a educação popular manifesta-se por
meio do insistente desejo de criação de conhecimento que busquem fazer história.
144
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Nessa construção da história, o ser humano
expõe-se a novos temas e provoca o surgimento de novos valores, sugerindo outras
formas, dando origem a novas atitudes e mudando o seu comportamento. É um trabalho
humano que se dá em e pela prática do indivíduo. Assim, à medida que humaniza a natureza, também naturaliza a sua dimensão de
ser humano. Expressa, ainda, a sua verdade,
no sentido de que o indivíduo deve sair de si
mesmo e modelar a própria realidade expressa pelas suas atividades (p. 112-113).
A perspectiva de aprendizagem inerente à EP percorre
uma dialética que sai de si e (trans)forma a realidade
histórica, se realizando em um processo que ocorre ao longo
de toda a vida, de forma crítica e política, correspondendo
às necessidades de conduzir a própria vida e as relações
que encontrará na sociedade. No entanto, existe as relações
internas dos presídios que permeiam a vida dessas pessoas
em suas buscas constantes de sobreviver ao ócio dos dias
encarcerados, pois “as pessoas reclusas adotam atitudes
que lhe permitem deixar o presídio o mais rapidamente
possível – mas não são aprendizagens que o preparam para
retornar à sociedade” (IRELAND, 2011, p. 28).
Trata-se de uma forma de aprender a se adaptar ao
contexto posto no cotidiano dentro do sistema de regras
e as relações entre os agentes, familiares, presos e as
facções existentes, pois “em diversos casos, como o prisional,
o ambiente ensina o que é necessário para sobreviver”
(IRELAND, 2011, p. 28). Ao contrário dessa perspectiva,
encontra-se uma educação e aprendizagem ao longo
da vida que dispõe de práticas e conteúdos com extrema
SUMÁRIO
145
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
relevância a um projeto educativo voltados para os jovens
e adultos pautados pelos seguintes processos:
Sublinhando a premissa de educação e
aprendizagem para todos ao longo da vida,
reconhece-se que os processos educativos
se dão de três formas. Na grande maioria das
sociedades, existem sistemas formais de educação – frequentemente obrigatórios para
crianças e adolescentes – calcados em instituições escolares e seguindo, em geral, currículos preestabelecidos. Também existem
meios não formais de educação que são
mais flexíveis do que a educação formal e,
por via de regra, mais voltados para as necessidades de aprendizagem específicas dos
sujeitos. No campo da educação não formal, é comum serem incluídas atividades de
“aprendizagem profissional” que são de importância fundamental para o público privado de liberdade e precisam ser entendidas e
dimensionadas como parte do processo educativo. A terceira perna do tripé educativo é
a educação informal, que se baseia na percepção da experiência como uma rica fonte de aprendizagem: aprendemos em muitos
espaços e de múltiplas formas, dos quais escapam as atividades que possuem objetivos
educacionais (IRELAND, 2011, p. 28).
O tripé educativo mencionado por Ireland (2011)
corresponde ao tipo de educação que deve ser pensada
e garantida as PSRPL. É essencial a oferta do ensino e
aprendizagem por meio da educação formal ofertando
o ensino tradicional, como também processos não formais
de educação com iniciativas organizadas e voltados para
aprendizagens específicas como a formação profissional,
146
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
fundamentais na (re)socialização. Em relação à educação
informal, ocorre ao longo da vida, por isso é indispensável
propiciar subsídios para o desenvolvimento da aprendizagem
por meio de múltiplas experiências orientadas pelo
desenvolvimento humano.
Faz parte do sentido dessa aprendizagem ter em
conta que as PSRPL oriundas do processo de subalternização
social possuem uma bagagem de conhecimento, ou seja,
representações do mundo e da vida, saberes adquiridos em
seu própria cotidiano e pela qual eles entendem e explicam
a realidade. Costa (1998, p. 10) escreve que esses grupos não
estão a parte da história, excluídos do espaço-temporais,
pois “há uma cultura da pobreza que é rica em relatos
sobre a luta pela sobrevivência praticadas por indivíduos
anônimos que não recuam diante das dificuldades e que
habitam um intenso mundo de sentimentos marcados pela
austeridade, pela justiça e pela fraternidade”.
Os sentidos expressos nas experiências das pessoas
PSRPL são conhecimentos possuidores de suma importância,
como qualquer outro tipo de saber, faz parte da luta do
cotidiano dadas fora e dentro das prisões, em seu processo
formativo enquanto seres humanos. Dessa forma, os
conhecimentos desse grupo específico são necessários
para que ele possa viver melhor. Deve haver respeito às
experiências culturais e sociais, ao mesmo tempo diálogo
com outras formas de conhecimento. Freire (1996) ressalta
que a exigência de respeito deve estar junto aos educadores
e instituições de práticas de ensino:
[...] não só respeitar os saberes com que os
educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente
construídos na prática comunitária – mas
SUMÁRIO
147
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
também, como há mais de trinta anos venho
sugerindo, discutir com os alunos a razão de
ser de alguns desses saberes em relação com
o ensino dos conteúdos (p. 30).
Nessa perspectiva, a atuação da práxis EP nos
presídios se faz com o acolhimento dos saberes das PSRPL
por meio do diálogo com a realidade em que eles estão
inseridos. Ou seja, problematizar as questões inerentes às
suas especificidades sociais e históricas para se dar o ato
de conhecer por meio de uma relação com mediação
dialógica – princípio da EP, desenvolvendo uma construção
coletiva de possibilidades e responsabilidades humanas
de conviver e respeitar o outro, suas diferenças, culturas
e diversidades, reconhecendo o que o outro traz para o
processo de transformação do mundo pois assim como
afirma Gadotti (2008, p. 130-131), o diálogo nas prisões é
essencial por ser ele um critério de verdade: “A verdade do
meu ponto de vista, do meu olhar, depende do outro, da
comunicação, da intercomunicação. [...] A verdade nasce
da conformação do meu olhar com o olhar do outro. [...] O
meu conhecimento só é válido quando eu o compartilho
com alguém”.
Sendo assim, a práxis EP requer o recolhimento
dos sentidos que os atores desse processo atribuem a
uma educação sem monopolização e direcionada à
uma perspectiva formal de ensino e aprendizagem. Uma
educação popular direcionada a uma educação libertadora
compreende estar focada nos sujeitos com práticas diversas
que abarque a necessidade cognitiva e o desenvolvimento
formativo humanizador.
148
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Não se trata de humanizar o espaço carcerário, isso
é uma tarefa irreal. A EP no cárcere possui uma dialética
que contribui no campo de luta com uma pedagogia (trans)
formadora que apresenta em seu contexto mudanças na
situação de opressão, exclusão e invisibilidade por parte da
sociedade e do Estado, na qual se encontram PSRPL. De
fato, sua práxis faz presente à formação humanizada que
contribuem essencialmente com o processo de socialização
e reintegração social das PSRPL que absorveram do
conhecimento e da criticidade. Por isso, junto à educação
em seu sentido amplo existem vários apoios por meio de
políticas públicas humanos previstos na Lei de Execução
Penal (LEP) - Brasil. Lei nº 7.210, 1984 – somando com a
educação que: “reconhece o direito do recluso a apoio
material, atendimento de saúde, assistência social, trabalho
e renda em adição à educação” (IRELAND, 2011, p. 35).
Nas instituições prisionais, com as normas, disciplinas e
processos de abjeção, desumanização e violação de alguns
direitos básicos, existem propostas que fazem presentes
esses processos de humanização, por meio de políticas e
ações desenvolvidas no interior da instituição, na maioria
em ambientes precários, funcionam e recriam práticas
sociais que fazem possível o acesso a diversas atividades
formativas, como Educação de Jovens e Adultos (EJA) –
alfabetização, ensino fundamental e médio; educação
profissional; projetos de remição9 pela leitura por meio de
livros e cordéis; grupos de teatro; grupo de leitura; ações
socioeducativas; oficinas de educação em saúde; pastoral
carcerária, etc...
9
Etimologicamente a palavra remição significa resgate ou reaquisição onerosa de
alguma coisa. Esse termo é utilizado para designar o resgate de parcela da pena
privativa de liberdade por meio da leitura do preso que, ao ler um livro e produzir a
resenha da leitura, diminui quatro dias do tempo de sua condenação.
SUMÁRIO
149
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Essas ações valorizam a aquisição de conhecimento
e fortalecimento da luta por emancipação e liberdade
dentro da realidade existente de uma massiva quantidade
de PSRPL vivendo em um contexto de negação dos direitos
básicos a eles postas a uma humanidade vulnerável.
Dentro do espaço e contexto da prisão junto a práxis
da EP em suas diversas ações, atuam diversos profissionais
como professor, psicólogo, médico, nutricionista, assistente
social, advogado e educador social que possuem uma
atitude política educativa para intervir nos problemas das
pessoas em conflito com a lei que estão sentenciados ao
regime de restrição e privação de liberdade. O papel do
profissional da EP nos presídios encontra uma profundidade
de mediação dos sujeitos com o mundo que eles vivem e
os mundos a serem descobertos, desenvolvendo um olhar
crítico, consciente e reflexivo por meio de conhecimentos
subjetivos e coletivos.
Os diversos problemas que abarcam o sistema
penitenciário, como as péssimas condições de vida,
insalubridade, superlotação das celas, hostilidade, violência
e as diversas condições de violação de direitos incluso o
direito a educação, demostram o panorama de dificuldades
para a atuação da EP, ficando claro que mesmo com
as diversas barreiras, os presídios são espaços para sua
concretização orgânica, pois se trata de “um sistema aberto
de trabalho educacional que, ao se realizar, configura a
dimensão de prática social (MELO NETO, 2015, p. 77).
Com seu viés humano, crítico e democrático à EP
produz relações de alteridade por meio da responsabilidade
e solidariedade, contribuindo com a realidade posta no
cotidiano da população carcerária em prol da mudança
dos sistemas sociais opressores, por meio de uma educação
150
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
que envolve a consciência da luta política pela superação da
opressão e conquista de direitos humanos. Como complementa
Freire (2007, p.103-104):
Educação popular é a que, substantivamente
democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. É a que
estimula a presença organizada das classes sociais populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade, no sentido da
superação das injustiças sociais [...] critica também a natureza autoritária e exploradora do capitalismo.
Assim, as prisões são espaços repletos de contextos
desumanos marcados por opressão e violação de direitos, com
contextos humanos diversos que carecem de uma práxis de
formação social humana e libertadora, por isso é espaço da
Educação Popular por lidar com as necessidades de um povo,
marginalizado e oprimido, necessitando de ações e políticas
humanizadas para trabalhar com a aludida população.
Aspectos sobre a pesquisa em educação popular
nas prisões
Ao indagarmos a EP nos diferentes espaços de sua
práxis e especificamente nos presídios, logo se evidencia que
a relevância da sua teoria do conhecimento e dos campos
de experimentação e inovação metodológica, manifestam-se
na prática e, com ela, se revela também a pesquisa, ambas
contribuindo para (re)descoberta da realidade. Assim, como
já debatido nos tópicos anteriores, temos uma significativa
SUMÁRIO
151
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
contribuição literária sobre a prática, tanto do século XX, a
exemplo de Lovisolo (1990), Beisiegel (1992), Garcia (1994) e
Costa (1998), como nas primeiras décadas do século XXI com
Brandão (2002), Paludo (2001; 2015), Melo Neto (2004; 2015),
Wanderley (2010) e Streck e Esteban (2013). Convém agora
pontuar algumas perspectivas sobre a pesquisa em EP como
processo fundamental - juntamente com a prática refletida
nos tópicos anteriores - para compreender a produção do
conhecimento por meio da problematização, compreensão
e sistematização da realidade.
Entendemos que o verbo transitivo pesquisar constitui
ir atrás do novo, descobrir algo que foi instigado por várias
inquietações e problemas, tendo a palavra pesquisa sua origem
etimológica no latim “perquirere”, denotando a ação de
procurar com persistência e insistência, ou seja, buscar respostas
para os questionamentos postos na realidade dando espaço
para a descoberta de conhecimentos. De tal modo, Cananéa
e Neto (2017, 177) declaram que a “pesquisa é inquietação
com o descobrir o novo. Não há ciência nem conhecimento
novo se não temos dúvidas”. Ela vai além em direção a outros
desvendamentos e outros questionamentos.
Streck (2006, p.262), ao questionar sobre qual a diferença
que as pesquisas estão fazendo na área da educação, afirma
a existência de relevância em cada resultado de análise da
realidade, pois para ele “todas as pesquisas contribuem de
alguma forma para um acúmulo de conhecimentos que, em
certo momento, pode permitir passos maiores ou a descoberta
de caminhos alternativos na compreensão da realidade”.
Com isso, a pesquisa se constitui uma ferramenta essencial no
desvelamento de novas dimensões sobre os dilemas humanos e
sociais, a fim de entender, responder, desvelar e transformar por
152
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
meio da produção do conhecimento, oriundo de investigações
com rigor. Sendo assim, ela é uma ferramenta fundamental
para a educação, especificamente no gerar entendimentos
aprofundados sobre a imersão da educação formal, não formal
e informal no contexto e espaço das prisões.
Portanto, devemos considerar que as prisões como
contexto e espaço da EP, são também contextos e espaços de
diferentes pesquisas em EP, pois ela contribui significativamente
tanto na prática educativa e política, como na constituição
de importantes investigações motivadas por entender as
especificidades da população carcerária oriundas das classes
populares com seus interesses emergentes que perpassa
na busca por sobreviver dentro e fora da prisão. Por isso a
necessidade de se pensar pesquisas que investiguem os
interesses das práticas educativas direcionadas à formação
PSRPL, com aspectos humano e cultural derivados das diferentes
sabedorias.
Frequentemente se ver a utilização da EP nas pesquisas
nas prisões para a produção de conhecimentos eficientes,
com impressionantes investigações construtivas que toca a
realidade, uma vez que parte do cotidiano, das experiências
reais das PSRPL vivenciadas fora e dentro das prisões. Seguir
com a investigação por essa via é, conforme Cruz e Botelho
(2017, 202-203),
[...] compreender a pesquisa como confrontação de saberes, porquanto aquele que lidera
a pesquisa não terá respostas prontas, tampouco será o responsável por encontrar (sozinho ou
apenas com seus pares) as respostas. [...] Mesmo
que, em alguns momentos, as técnicas de pesquisa exijam aparatos de tecnologia avançada
SUMÁRIO
153
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
ou uma formação técnica especializada, os desdobramentos dessas pesquisas, a aplicabilidade
de seus resultados e o conhecimento ali construído serão objetos de um diálogo pleno com a sociedade e seus sujeitos. Assim, afasta-se qualquer
tipo de intervenção invasiva e prepotente de um
saber sobre outro.
Assim, torna-se manifesta a precisão da pesquisa em
EP nos estudos sobre o sistema carcerário nas diversas áreas
do conhecimento como na educação, pois ela proporciona
a compreensão do que fazer pesquisa, direcionando-se para
além de uma ciência arrogante e ensimesmada, que serve
para defender verdades únicas e absolutas. Ela corresponde
a precisão de um saber profundo das especificidades imersas
na vida nas prisões e tudo que abarca as diferentes culturas,
saberes e interesses das PSRPL.
Para tanto, é imprescindível buscar e compreender
os pressupostos epistemológicos e metodológicos que
correspondam e colaborem com as situações presentes na
educação e na própria negação do direito de formação
dentro dos sistemas penitenciários brasileiros. As pesquisas
em EP, pensadas no âmbito da educação penitenciária e da
formação humana das PSRPL, carecem de alguns elementos
basilares para seu desenvolvimento como as categorias
freireanas de leitura de mundo, dialogicidade e curiosidade
epistemológica.
Pesquisas que possuem por objeto realidades tão
complexas como a prisão, versa na intenção de “ler e pronunciar
o mundo” (STRECK, 2006, p.264), abrindo-se para realizar uma
leitura crítica, reflexiva e problematizada da realidade, da
existência humana e do mundo que se reproduz tanto dentro
154
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
como fora dos muros e das grades isoladoras de seres humanos
confinados em espaços não humanos. Portanto, a leitura da
realidade prisional não deve ser pautada apenas por uma
busca simplista em que o foco está centrado apenas em opção
minuciosa por uma metodologia adequada para a pesquisa.
O que realmente é imprescindível em pesquisas nesta área é
o valor, compromisso e a significação social da investigação.
A leitura do mundo é essencial na constituição de uma
pesquisa com o cotidiano para produzir efetivos significados. É
um componente fundamental na EP, que segundo Freire (1989,
p.11) “precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.
Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”. De fato,
uma ação intrínseca do homem que pode ser potencializada
por meio da sua formação cultural, pois além da faculdade
natural do ser humano em conhecer, possui a capacidade de
ler o cotidiano real das vidas em curso por meio das distintas
concepções de saberes, utilizando conhecimentos científicos
e permitindo analiticamente uma leitura crítica do mundo e
de seus eventos subjetivos e coletivos, pois:
A leitura do mundo e das coisas do mundo constitui o elemento central da educação popular,
mas não se trata aqui de uma simples leitura,
uma apreensão mecânica do conhecimento
produzido, sistematizado por outros ou evidente
ao simples olhar. Trata-se de uma aliança entre
a teoria e a prática, ou seja, de uma conexão
dialética entre o fazer e o pensar, numa perspectiva crítica e reflexiva, consciente e conscientizadora das “razões” pelas quais o mundo
está sendo aquilo que é e que conduz à ação
prática, ou, para Freire, à práxis (FARIA; BRUTSCHER, 2017, p.100).
SUMÁRIO
155
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Tal conhecimento analítico, problematizador, crítico
e reflexivo que ocorre na conexão dialética do fazer/pensar
se realiza com outro componente importante chamado
dialogicidade. Conforme Guedes (2012, p. 42) é uma categoria
freireana enquadrada diretamente com a prática eficaz para
a constituição do pensamento crítico e problematizador da
realidade, pois: “[...] É a partir da prática dialógica que o sujeito
desenvolve suas potencialidades de comunicar, interagir,
administrar e de construir o seu conhecimento, desenvolvendo
sua capacidade de decisão, humanizando-se”.
Seguir o caminho da construção do conhecimento
utilizando o diálogo no confronto dos saberes das PSRPL
pertencentes às classes populares, corrobora e instiga sua
preparação para emancipação por métodos de processos
não dominantes como a educação e pesquisa em EP. A
dialogicidade possui um papel fundamental na confrontação
dos saberes populares e científicos, num processo dialético ela
propende a buscar respostas da vida humana em diferentes
dimensões, possibilitando novos mecanismos para tratar as
pessoas PSRPL e novas políticas que minimizem a desumanização
nas prisões. A fim de elucidar a compreensão dessa relação
dialética da produção do conhecimento pela confrontação
dialógica de saberes, acompanhamos o ponto de vista de
Sales (2017, p. 191) ao afirmar que:
Ao contrário do que se concebe preponderantemente no cenário acadêmico, a possibilidade
de produzir conhecimentos não é exclusiva do
cientista, mas uma atividade fundamentalmente humana, que requer como caminho o diálogo em um processo de confrontação de diferentes saberes – sejam eles provenientes de
156
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
uma perspectiva científica, sejam advindos de
uma perspectiva popular, através de aprendizagens e conclusões construídas na experiência
humana ao longo da vida. A meu ver, é dessa
confrontação que emerge a possibilidade do
conhecimento, porquanto nem o popular nem o
científico poderão se arvorar de responder a todas as perguntas. Mas ambos, em um processo
dialógico e dialético, é que irão concorrer para
o aprofundamento do saber sobre a vida humana e suas interfaces na sociedade, não para
encontrar somente uma verdade, mas diferentes
dimensões, capazes de expressar melhores compreensões sobre a realidade e os desafios humanos para viver bem nela, atuar e prosperar.
Como já mencionado, a capacidade das pessoas em
produzir conhecimento, criando, recriando e agindo diretamente
na realidade, é intrínseco delas por buscar modificações, a fim
de transformar o mundo para melhor viver. Esse instinto criativo
e curioso o impulsiona a descobrir como atuar no cotidiano
manifestando dentro de si o anseio constante em encontrar
respostas e possibilidades de conhecimento de suas ações.
Trata-se de uma curiosidade epistemológica que medeia a
perspectiva da pesquisa – também da prática – em EP. Freire
(2008, p. 29) fala que não se trata de uma curiosidade qualquer
e sim a que tenha potencialidade de desnudar as verdades,
os mistérios e as inseguranças como aquela “que, tomando
distância do objeto, dele se “aproxima” com o ímpeto e o
gosto de desvelá-lo”.
Deste modo, a curiosidade epistemológica nas pesquisas
em EP nas prisões exige uma consonância constante com
pessoas criativas que fazem a relevante opção de buscar
respostas aos argumentos postos na vida das PSRPL, na realidade
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
dos espaços penitenciários, nas políticas públicas e na própria lei
de execução penal com a finalidade de contribuir nos avanços,
na maneira de pensar e colocar em prática a reintegração
social e educação das PSRPL, articulando formas criativas e
libertadoras para transformar esses espaços e conjunturas.
Com isso, a dialogicidade e a curiosidade epistemológica
são pontos essenciais para se desvendar o mundo e os mundos
lendo tudo o que nele contém e cerca as PSRPL, encontrando
respostas, desabrochando novos questionamentos e abrindose para distintos conhecimentos que confronta a realidade
e auxilia na (trans)formação dos seres. É nesse caminho que
as pesquisas nas prisões em EP vêm contribuindo com as
diferentes culturas e saberes populares, como também com
as práticas em educação e o desenvolvimento das novas
subjetividades. Por meio delas, várias investigações ocorrem
nas instituições penitenciarias com temas como trabalho,
gênero, cultura, esporte, artesanato, economia solidária, ética,
saúde, educação e diversos objetos emergentes, que abrange
experiências reflexivas, sistematizadas por meio do diálogo.
Em relação a educação, é uma prática muitas vezes
escassa ou ofertada minimamente e de forma seletiva, o que
limita a socialização por meio de novas políticas humanísticas
com práticas de educação formal, não formal e informal,
ferramentas importantes para a conscientização e (trans)
formação das mentalidades das PSRPL, como também
de mudanças significativas no sistema penitenciário. Ela
desempenha uma importante função: a de afrontar a utilização
do método de enclausurar, punir e castigar as PSRPL, que
não encontram formação nem perspectiva humana e social
de (re)socialização, pois as prisões não mantêm as pessoas
ocupadas “[...] evitando o ócio, desviando-o da prática de
158
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
atividades ilícitas, funcionando, neste caso, como uma espécie
de ‘terapia ocupacional’” (MAEYER, 2006, p. 24), o que torna
o ambiente produtor de um ócio desimaginativo.
Com isso, a educação passa a ser um mecanismo de
resistência e sobrevivência no sistema penitenciário, pois a
prioridade desses espaços é justificada pela teoria da segurança
por meio do controle dos corpos, com técnicas autoritárias,
utilizando o castigo e a punição. Nessas circunstâncias,
a pesquisa em EP apresenta múltiplos horizontes para a
educação e formação das PSRPL, redescobrindo a realidade,
fornecendo subsídios e (re)pensando as práticas e conjunturas
desenvolvidas nesses ambientes, fortalecendo os mecanismos
de aprendizagem que proporcionam (trans)formação.
A pesquisa em EP nas prisões é indispensável para
desvendar possibilidades e respostas às problemáticas. Ela possui
uma finalidade específica que ao mesmo tempo é abrangente,
pois se dirige aos interesses das classes populares favorecendo
tanto os presos, seus familiares, os agentes penitenciários,
como a sociedade. Em sua história, a EP manteve-se aberta
para pensar e repensar os pressupostos epistemológicos e
metodológicos da pesquisa, “motivados pela necessidade de
entender a diversidade e a especificidade dos saberes e dos
interesses das classes populares emergentes em práticas de
educação popular” (COSTA; FLEURI, 2001, p. 26).
A pesquisa em EP nas prisões possui um nível redobrado
de complexidade na sua concretização. Os pesquisadores
se deparam com distintas barreiras para se inserirem nas
instituições e “conseguir permissão para estudar aquilo que
se quer estudar, ter acesso às pessoas que se quer observar,
entrevistar ou entregar questionários” (BECKER, 1999, p. 34).
Há latentes dificuldades no desenvolver a metodologia da
SUMÁRIO
159
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
pesquisa, pois é uma estrutura blindada pela rigidez de normas.
Somente por meio de um processo lento e intenso com várias
negociações com os gestores, agentes penitenciários e presos
se consegue a permissão e organização para se pesquisar nas/
em prisões, exigindo do pesquisador paciência e persistência.
Existe uma incompreensão da administração do sistema
penitenciário em reconhecer a relevância de uma pesquisa
para se pensar vários aspectos que envolvem o objeto da
investigação, principalmente por estarmos tratando de
um ambiente conflituoso e periculoso como as prisões. A
administração, os agentes e as PSRPL associam muitas vezes
o pesquisador como investigador que possui interesses que
venham a prejudicar a instituição e os interlocutores ou “com a
figura de um jornalista que poderá produzir ecos imediatos dos
discursos que estão em situação de invisibilidade, os discursos
que são negados” (PRADO; SIQUEIRA, 2014, p. 1574). Receiam
que os resultados finais sejam entendidos como uma denúncia
à instituição e desvele informações que venham a prejudicar
e modificar práticas corriqueiras da organização do espaço
como as relações de convivência e sobrevivência dos presos,
por se tratar de um espaço delicado entrelaçado por disputas
de poder e ser constantes as ocorrências de múltiplas infrações.
Muito se tem contribuído com investigações acerca do
fornecimento de alfabetização, ensino e formação profissional.
No entanto, é necessário aprofundar tais questões em busca de
respostas relevantes de como apresentar as PSRPL, preocupados
em sair sem considerar a sua estadia menos dolente ou mais
proveitosa, atividades formativas mediadas pela educação
para toda a vida contribuindo com sua reintegração social
e minimizando os riscos de reincidência. O pesquisador deve
considerar que está num espaço que abrange vários paradoxos
160
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
que permeiam a oferta ou não de práticas formativas e
compreender que:
A educação nunca será a pitada de açúcar
que permitirá engolir mais facilmente uma porção amarga – a prisão. Enredada na contradição de punir e oferecer uma perspectiva às pessoas que não escolheram estar ali e que, para
uma parcela dentre eles, já preparam sua saída
e suas próximas vitórias ou vinganças, a educação na prisão raramente é acolhida como uma
oportunidade (MAEYER, 2013, p. 35).
Um problema pouco presente nas prisões e pouco
evidenciado é que na maior parte dos casos a demanda
por práticas formativas por meio da educação formal, não
formal e informal é da própria administração das instituições
que se interessam em ofertar atividades para manter as PSRPL
menos ociosas, evitando manifestações contrárias ao regime
de disciplina. Essa intenção está relacionada com o ambiente
vivenciado pelos profissionais que atuam nos presídios, repleto
de desconfiança, medo e preocupação em se manterem
seguros. Entretendo os pesquisadores em EP devem considerar
a problemática que envolve tanto a segurança da sociedade,
dos profissionais que atuam no sistema penitenciário e das
próprias PSRPL, como o real interesse da administração por
práticas educativas, culturais e esportivas, enviesada por
uma ideia de promover oportunidades, contudo servindo de
mecanismo de controle, pois:
[...] ela vem frequentemente da administração
que tendo, sem dúvida, medo do ócio, realiza
atividades que permitirão aos detentos suportar
o menos mal possível a perda de sua liberdade.
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Competições esportivas e recreativas, a religião,
possibilidades de trabalho em oficinas, formações profissionais e cursos às vezes são oferecidos aos detentos – isso depende dos países e dos
continentes. Além do bem estar físico, social e intelectual que essas inciativas devem trazer, elas
são destinadas, sobretudo, a manter a calma no
interior da instituição. A natureza (humana) aterrorizada pelo ócio (MAEYER, 2013, p. 34).
Equivale considerar que os resultados dos trabalhos
de pesquisas em EP tem insurgido reflexões aos paradoxos
da oferta da educação nos sistemas penitenciários. São
vários temas emergentes que vão surgindo e abrangendo os
diversos dilemas humanos e sociais nas prisões, como a própria
implementação de políticas educacionais, com atenção aos
saberes da experiência das PSRPL, pois, conforme Maeyer
(2013, p. 35), as atividades prisionais objetivam o combate à
criminalidade, mas possui contradições em sua organização
sendo a principal que a “iniciativa não é seguida de uma
demanda dos principais interessados, mas da estrutura do
próprio aprisionamento”.
Em síntese, a pesquisa em EP possui grandes desafios
em ampliar a compreensão crítica dos problemas postos no
contexto e espaço das prisões, entre eles a oferta de formação
humana para os presos por meio de políticas públicas, como
também a superação do sistema de encarceramento como
mecanismo de controle e ordem social. O que tem instigado
ainda mais o pensar políticas assistenciais para acolher as
pessoas que reconquistam sua liberdade a fim de que possam
ser reintegrados em suas famílias, nos espaços sociais, nas
relações de alteridade e no mercado de trabalho, precavendo
162
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
uma recaída na delinquência e garantindo o acesso aos seus
direitos humanos.
A prática e a pesquisa em EP, propicia aspirações de
justiça e liberdade (MELO NETO, 2006) das PSRPL, institui a (re)
construção das relações de alteridade, apoia sua sobrevivência
e existência por um processo humano e emancipador, buscando
identificar e transformar e superar o contexto e espaços das
prisões por meio da educação e de suas diferentes formas
de abrolha.
Considerações finais
A educação como direito tem enfrentado inúmeros
obstáculos para se consolidar nas prisões por causa dos
contextos presentes no espaço penitenciário alicerçados na
lógica de eliminar da sociedade as pessoas em conflito com a
lei, com a justificativa de proteger os ditos cidadãos de bem.
As pessoas passam por um processo de encarceramento,
sentenciamento e cumprimento da pena e são levadas ao
esquecimento social, pois inexiste uma proposta real de (re)
integração social. As ações formativas ofertadas são mínimas
ou escassas, não existindo uma viabilização de ações humanas
abrangentes que proporcione possibilidade de transformação
e reintegração social de forma quantitativa e qualitativa, visto o
número crescente da população carcerária, ou seja, não existe
a efetivação do direito à educação e outras necessidades
básicas do ser humano.
Diante desse cenário e das constantes e rápidas
mudanças que atingem nossos tempos, a realidade deve ser
continuamente conjecturada para corresponder às demandas
impostas nos tempos atuais dentro da crise existente no sistema
SUMÁRIO
163
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
penitenciário brasileiro. Por isso, levantar questionamentos às
situações vivenciadas nas prisões possibilita compreender
o papel da prática e pesquisa em educação dentro desse
contexto de atuação. Cabe ter claro o papel da pesquisa
e da prática em EP nos contextos e espaços das prisões
como possibilidade de transformação das subjetividades,
dos contextos e espaços das prisões, por meio da construção
de conhecimento, pois como afirma Freire (1991, p. 126)),
“(...) sabemos todos que a educação não é a chave das
transformações do mundo, mas sabemos também que as
mudanças do mundo são um quefazer educativo em si mesmas.
Sabemos que a educação não pode tudo, mas pode alguma
coisa. Sua força reside exatamente na sua fraqueza”.
Dessa forma, urge compreender a necessidade de
problematizar politicamente uma práxis social eficiente e
voltada aos processos humanos, críticos e emancipatórios
como a Educação Popular e oportunizar o desenvolvimento
pessoal, escolar, social e profissional das PSRPL, tendo em
conta a intencionalidade da cultura pessoal oriunda de sua
formação , como também a abertura para acolhimento de
novas aprendizagens, reconhecendo a importância do papel
da educação nas prisões para a transformação de si e do
mundo.
Não há dúvidas da importância da EP nas prisões e que
ela atua dentro dos presídios por eles serem contexto e espaço
de sua práxis e pesquisa, considerando que a efetivação
de sua ação ocorrer junto aos oprimidos, subalternizados e
marginalizados, possibilitando uma profunda contribuição - com
outras áreas e diversos profissionais, na (re)integração das PSRPL,
com o propósito de que os mesmo tenham oportunidades
justas e inclusivas no cotidiano social.
164
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Ainda há muito que pensar e questionar enquanto a
ampliação da prática social e educativa, como direito e na
ótica da EP que priorize o diálogo horizontal e político com
as PSRPL, como também as possibilidades de ampliação e
valoração das pesquisas em EP como instrumento de produção
do conhecimento. Dimensões essenciais para a transformação
dos contextos e espaços prisionais e da formação da sociedade.
Fica claro que o papel da EP nos presídios é eficiente e propicia
um trabalho de lutas concretas de libertação, emancipação
para uma sociedade justa.
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SUMÁRIO
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SUMÁRIO
169
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE:
ENTRELAÇAMENTOS E IMPASSES
Francikely da Cunha Bandeira
Luiz Gonzaga Gonçalves
Iniciando a reflexão
A relação entre Educação Popular10 e saúde é muito
fecunda. O campo da saúde é, na verdade, um espaço rico
para uma prática educativa, e tem concentrado grande parte
das experiências de Educação Popular.
É frequente ouvirmos que a Educação Popular
(doravante EP) se afirmou mais no campo da saúde que no
campo da educação propriamente dito, o que pode, em
um primeiro momento, parecer estranho. Contudo, isto tem
suas razões de ser pois, sendo a EP uma prática histórica,
construída nos processos sociais de lutas em favor das classe
populares, é assumida como comprometida com as causas
dos oprimidos, sejam quais forem. Mas o que faz com que uma
prática educativa seja considerada popular?
A própria noção de EP tem ocupado as buscas de muitos
estudiosos latino americanos. É de praxe chamar de EP as
práticas educativas apoiadas em grande parte no referencial
O emprego das iniciais maiúsculas se justifica neste texto, pela utilização da expressão como
forma de resistência e instrumento de luta contra concepções hegemônicas de educação.
10
170
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
teórico e metodológico do educador Paulo Freire, embora o
próprio autor não tenha criado tal denominação. A referência
tem a ver com o caráter das práticas pensadas, construídas,
desenvolvidas e reconstruídas com participação ativa dos
próprios sujeitos populares a partir de suas realidades e não
de um plano de ação dos seus aliados (BRANDÃO, 2017);
Neste sentido, Vasconcelos (1989) afirma que grande
parte do que Freire diz sobre educação, com destaque para
sua proposta metodológica, é aplicável ao campo da saúde,
mais especificamente aos serviços de atenção prímária.11 Isto
porque, é nesse nível de atenção à saúde onde a relação
serviços de saúde e população se dá de forma mais direta
e frequente, possibilitando a apreensão das realidades bem
como a construção de vínculos com os usuários.
Mas, é preciso reconhecer que, muito antes da instituição
de uma estrutura de assistência a saúde no Brasil, muitas
iniciativas, lutas e conquistas difusas dos setores populares,
com destaque para o setor saúde, se constuíram como
experiências de EP. Sobre este fato, recordo uma frase de
Luiz Nassif, no prefácio de um livro sobre a saúde pública no
Brasil (COSTA, 2018): ele afirma que a saúde pública brasileira
escreveu um dos capítulos mais importantes da história do
Brasil, eu acrescentaria algo dizendo que: a saúde pública
brasileira, em grande parte, orientada pela EP, escreveu um
dos capítulos mais importantes da história do Brasil, isto porque
significativas mudanças históricas foram impulsionadas pelos
setores populares. Com base nesta compreensão, o objetivo
deste texto é fazer algumas reflexões sobre entrelaçamentos e
11
De acordo com o Ministério da Saúde, a Atenção Primária constitui o primeiro nível de
atenção em saúde, que promove um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo
voltado para: promoção, prevenção, tratamento e reabilitação com vistas a uma atenção
integral ao usuário do sistema de saúde.
SUMÁRIO
171
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
contribuições da EP como instrumento de luta social no campo
da saúde. Para tanto, faremos um breve percurso histórico e
bibliográfico.
Entendimentos e convergências conceituais sobre
Educação Popular
O que faz com que uma prática seja entendida
como popular? Para tentar uma resposta, o próprio adjetivo
“popular” é um bom começo, pois indica o eixo em torno do
qual esta educação se configura. É necessário lembrar que o
“popular”, aqui, não deve ser associado/relacionado à ideia
de povo apenas, pois há práticas “populares” extremamente
conservadoras e autoritárias, que não encontram nenhuma
correspondência com EP como busca de emancipação dos
sujeitos. Vejamos algumas considerações sobre os sentidos
da EP.
Na Pedagogia do Oprimido, ela pode ser entendida
como uma prática educativa que busca atender aos interesses
dos oprimidos através de uma pedagogia “[...] forjada com ele
e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante
de recuparação de sua humanidade” (FREIRE, 2011, p. 43). Sobre
isto, Brandão (2017) retoma Freire para lembrar que o popular
deve ser entendido como um compromisso assumido “com”
e não “para” as classes populares, isto é, não se trata de algo
endereçado a ela, mas construído de forma coparticipada.
Para Carrillo (2011) o popular corresponde à opção
ética e política de contribuir com a construção de sujeitos
históricos. Wanderley (2010) destaca que, ele (o popular) deve
ser visto como categoria que se contrapõe às elites, isto é,
corresponde às classes populares constituídas por oprimidos,
172
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
discriminados, excluídos. Mejía (2018) afirma que o popular
constitui uma opção, um envolvimento e comprometimento
com os processos de luta das classes dominadas em busca
de uma sociedade mais justa e humana, sendo para além de
um processo formativo, muito mais um instrumento de luta. De
acordo com Eggert (2013) o popular se afirma pelas margens
onde a EP “habita”, entendendo margem num sentido literal,
isto é, aquilo que não está no centro, mas o lugar onde estão os
marginalizados, os subalternos, os pobres, as classes populares.
Sem pretender esgotar os sentidos desta corrente
pedagógica, recorramos ao que diz Calado num esforço de
síntese sobre o que se quer dizer EP:
Um processo formativo, protagonizado pela
Classe Trabalhadora e seus aliados, continuamente alimentado pela utopia, em permanente construção de uma sociedade economicamente justa, socialmente solidária, políticamente
igualitária, culturalmente diversa, dentro de um
processo coerentemente marcado por práticas,
procedimentos, dinâmicas, posturas correspondentes ao mesmo horizonte (2008, p. 230-231).
Como prática histórica e por isso inacabada, a EP
pode ser dita de várias formas contudo, é consenso entre
seus estudiosos a existência do que poderíamos chamar de
núcleo duro da EP: concepções, elementos agregadores e
comportamentos que devem necessariamente atravessá-la.
De acordo com Carrillo são:
1. Uma leitura crítica da ordem social vigente [...]
2. Uma intencionalidade política emancipadora
frente a ordem social imperante. 3. Ter o objetivo de contribuir para o fortalecimento dos seto-
SUMÁRIO
173
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
res dominados, como sujeito histórico que protagoniza a mudança social 4. Convicção de que
a partir da educação é possível contribuir para
a realização dessa intencionalidade, atuando
sobre a subjetividade popular. 5. Um desejo de
gerar e ampliar metodologias educativas dialógicas, participativas e ativas (2011, p. 18)12
Se formos em outra direção, podemos dizer que EP não é
possível sem correspondência entre aquilo que o educador diz e
aquilo que pratica, conforme afirma o próprio Freire: “Dizer uma
coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode
ser estímulo à confiança. Falar por exemplo, em democracia
e silenciar o povo é uma farsa. Falar de humanismo e negar
os homens é uma mentira” (2011, p. 113). Daí decorre o fato
de que as classes dominantes “temam” a EP uma vez que
desvela os motivos das injustiças, desconstrói o falso discurso
dos dominantes, desnaturaliza as percepções.
Diante disto é importante questionar: por que alguns/
muitos habitam as margens e outros o centro? Porque não
se pode escolher onde habitar? As respostas para esse tipo
de pergunta expõem as configurações sociais atreladas aos
interesses de uma ordem dominante representada pelo sistema
capitalista, que subjuga grupos sociais em termos econômicos,
culturais e cognitivos e tenta disfarçar a riqueza de poucos às
custas da crescente pobreza e miséria de milhões conforme
denunciou Freire em sua pedagogia e por isto é temido.
A luta contra a ideia de fatalismo, de resignação,
amplamente disseminada pela máquina capitalista, depende,
em parte, de uma compreensão de outro mundo possível
mediante leituras críticas das realidades conforme afirmam
12
174
Tradução nossa
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Tupinambá e Rigotto “[...] o caminho do desenvolvimento
capitalista não é inexorável e que existem alternativas ao
desenvolvimento não só formuladas no plano teórico, mas
também construídas na concretude dos processos históricos
em todo o Planeta” (2019, p. 13). A EP como alcance desta
capacidade de compreensão indica uma educação que
sirva aos interesses da uma classe dominante não pode servir
para a libertação da condição de oprimido (FREIRE, 2011);
(FEIRE, 2016).
Assim, se perguntarmos o que caracteriza uma prática
educativa como popular, podemos dizer que, mesmo havendo
várias respostas possíveis, há ênfases diferentes, seja em
relação aos sujeitos, metodologias ou tempos históricos. A EP
é possibilidade de outro mundo possível, parafraseando Calado
(2008): economicamente sustentável, socialmente solidário,
politicamente igualitário e culturalmente diverso, enfim, a EP
é possibilidade de um mundo de fato, mais humano, mais
sustentável.
Educação Popular e/em Saúde: entrelaçamentos
históricos
A educação como prática vital permeia todos os tempos
e espaços da vida. A educação em saúde no Brasil ganhou
relevância no cenário público no início do século XX, com
o movimento higienista, centrado no estabelecimento de
condutas que deveriam aprimorar as condições de saúde
dos indivíduos (PONTE, 2010); (VASCONCELOS, 2013). Somente
apartir da segunda metade do século, com maior evidência
a partir da década de 1960 ocorreram aproximações entre
movimentos de EP e o setor saúde.
SUMÁRIO
175
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A referência a este período como ponto de partida para
tratar do assunto da EP em Saúde é recorrente. Mas, sendo a EP
uma prática historicamente construída pelos setores populares,
conforme vismos, é preciso reconhecer sua existencia anterior
uma vez que, diferentes formas de organizações/mobilizações
associativas das classes populares sempre existiram motivadas
por relações de solidariedade. Lutas por moradia, água
potável, terra, emprego, saúde e educação, entre outras
coisas, atravessam a história da sociedade brasileira, marcada
também por desigualdades sociais.
Em um significativo estudo sobre movimentos populares
em São Paulo, Singer (1988) destaca diversas formas de expressão
de solidariedade na luta por melhores condições de vida da
população pobre (possivelemente muitas destas formas, pouco
documentadas/descritas). Os movimentos de bairro em São
Paulo, por exemplo, surgiram (talvez ressurgiram) na década
de 1930 para articular demandas locais. Neste nível social da
base (MATOS, 2003) muitas coisas foram articuladas fazendo
surgir movimentos sociais localizados, como movimentos de
bairro, assiciações de moradores, comunidades eclesiais de
base – CEBs e sindicatos, por exemplo (VIOLA; MAINWARING,
1987).
E claro que o contexto ditatorial do Brasil pós 1964
com o fechamento dos canais de representação popular fez
com que os grupos organizados, de forma mais localizada, se
expandissem e estabecessem outros níveis de articulações. A
sistematização de experiências de enfrentamento de diferentes
formas de opressão ganharam contornos com o trabalho do
educador Paulo Freire. As práticas educativas construídas com
as classes populares (e não para elas), a partir de suas situações
concretas de vida, constituíram-se em um imperativo para
176
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
autodefesa e enfrentamento das injustiças sociais. Conforme
destaca Brant (1982), a maior parte dos movimentos populares
foi organizada defensivamente. As ideias de Freire, geradas no
contexto nordestino, nutriram a esperança de uma sociedade
mais justa e menos desigual, para a qual era necessária uma
educação que fosse, antes de tudo, política (FREIRE, 2016);
(FREIRE, 2011).
As iniciativas populares passaram a contar com o
apoio da Igreja Católica usufruindo, por assim dizer, da sua
capacidade de capilarização e tendo à frente padres, freiras,
bispos e outros segmentos identificados com a proposta da
Teologia da Libertação e com as CEBs. Com a repressão do
Estado, o apoio dos setores progressistas da Igreja foi significativo
para o crescimento dos movimentos, sobretudo, através das
Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e das pastorais da Igreja
(CAMARGO; SOUZA; PIERUCI, 1982). Brant destaca que “A
Igreja passou a oferecer abrigo e espaço para os movimentos
estudantis e outros, desvinculados de filiação religiosa” (1982,
p. 60-61).
Para Viola e Mainwaring (1987), em uma sociedade
que historicamente marginalizou os setores populares, as
CEBs representaram um espaço de práticas participativas
democráticas atuando a partir de uma perspectiva pedagógica
a luz dos ensinamentos dos evangelhos.
Na década de 1970, o desenvolvimento da economia
impulsionou o crescimento de alguns setores e a imagem
do desenvolvimento nacional foi impulsionada, contudo, o
chamado “milagre brasileiro” não fez diminuir a concentração
de renda e, consequentemente, cresciam as desigualdades
sociais. À medida que as cidades cresciam, as condições de
vida da população economicamente pobre se precarizaram
SUMÁRIO
177
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
por serem empurradas para áreas sem saneamento, sem
infraestrutura, o que levou ao agravamento do quadro
epidemiológico (PONTE, 2010)
Aos poucos, a população começa perceber que o
crescimento econômico havia ocorrido às custas da piora
das condições de vida da população e isto fez com que os
grupos e movimentos se fortalecessem e assumissem maior
autonomia (TELLES, 1987); (VASCONCELOS, 1989).
Nessa esteira surge “oficialmente” em Recife, no início
da década de 1980, o Movimento Popular de Saúde – MOPS.
Oficialmente porque, vinha sendo gestado em várias ações
comunitárias locais (anteriores ao marco de seu surgimento)
contando com a participação de diversos intelectuais,
profissionais da saúde, participantes dos movimentos sindicais
e lideranças populares entre outros. O MOPS reivindicava um
atendimento à saúde, entendendo-o como direito social e
objetivava unir os movimentos e experiências populares em
saúde, espalhados pelo país. Na discussão sobre a participação
do Movimento na luta por direitos básicos, Queirós afirma: “O
MOPS botava mil pessoas na rua, para poder abrir os primeiros
poços que vão abastecer os morros e pôr as caixas d’água.
Então, a saúde protagonizava uma luta por urbanização”
(2008, p. 63). Como parte fundamental das lutas em favor da
saúde como direito, Doimo e Rodrigues destacam:
Assim, no período constituinte entre os anos 1985
a 1988, [...] as energias sócio-políticas dos movimentos populares e comunitários pela saúde
foram canalizadas para as Plenárias Pró-Participação Popular na Constituinte e para a intensa
coleta de assinaturas em torno das emendas
populares. A emenda nº 050 de criação do SUS,
178
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
relativa ao Direito à Saúde, alcançou 58.615 mil
assinaturas e o apoio de 160 entidades, um recorde absoluto em relação à média de apoios
dados a outras emendas populares (2003, p. 101).
Com a saída do período ditatorial, os setores populares
do Brasil tinham acumulado significativas experiências de luta
pela garantia da saúde como direito. A década de 1990 é
inaugurada com a conquista desse direito constitucional. O
Sistema Único de Saúde – SUS é a marca representativa dessa
conquista alcançada com intensa participação dos setores
populares e por isto, é, antes de tudo, uma conquista popular.
O primeiro desafio do SUS, por assim dizer, foi sua
implementação, que se deu no momento em que o país se
reestruturava politicamente orientado pela agenda neoliberal,
o que significa que a política econômica interferiu de forma
direta na organização e execução das políticas. Mas, o ganho
trazido pelo SUS é inquestionável. O fato de ser fundado em
princípios que garantem atenção integral a todos os brasileiros,
torna-o uma das maiores conquistas populares do país.
Trinta e dois anos depois, mesmo com desafios reais
(especialmente nos últimos anos) o SUS conquistou uma série
de avanços para a saúde dos brasileiros e é o setor da saúde
onde se concentram esforços e experiências de EP em saúde
Educação Popular, saúde e educação: alguns
paralelos
Conforme comentamos no início do texto, é frequente
ouvirmos que a EP se afirmou mais no campo da saúde pública
que no campo da educação regular propriamente dita. No
breve percurso histórico traçado foi possível perceber um pouco
SUMÁRIO
179
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
como isso começou, e por termos lançado este breve olhar
restrospectivo, vamos considerar algumas questões sobre esta
relação no contexto mais recente, a partir da organização
do SUS.
Esta aproximação, em alguma medida, pode nos intrigar,
por assim dizer, já que parece que o ideal seria que o campo
da educação (entendida aqui a partir do que se espera do
espaço escolar) tivesse se apropriado mais e melhor da EP,
faremos, então, alguns paralelos com esse campo para trazer
luz a algumas questões que possam indicar dificuldades nesta
relação.
Antes, contudo, é preciso lembrar que as experiências
de Paulo Freire e seus grupos de trabalho, na década de 1960,
foram baseadas em sua proposta de alfabetização, com
destaque para a experiência de Angicos – RN, em 1962. A ideia
era, até mesmo, antes de pensar em alfabetizar era provocar
a cosnciência crítica das pessoas, o que significava realizar
experiências de alfabetização para adultos. Isso passava por
incluir o reconhececimento da responsabilidade social dos
alfabetizandos e o caráter político presente no ato educativo
instaurado. A expectativa dos educadores era a de incidir em
transformações sociais mas, não decidir sobre as escolhas dos
sujeitos, que emergiam daquele processo educativo. Contudo,
a interrupção do trabalho educativo emancipador pelo regime
militar, a prisão e exílio de Paulo Freire e de membos de sua
equipe, a perseguição aos movimentos e grupos populares,
foram fatores que contribuíram para que as experiências no
campo da educação e da formação política explícita fossem
fragilizadas. O campo da saúde se moveu de forma clandestina
nas lutas contra a repressão, e como dito, o apoio de alguns
setores da Igreja permitiu seu fortalecimento.
180
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Cabe, então, refletirmos agora, a partir de um contexto
mais recente: o que aproxima e/ou afasta a possibilidade de
uma EP?
A primeira coisa a se notar é que na saúde, especialmente
na atenção prímária há uma relação mais direta entre a
população e os trabalhadores da saúde. Vasconcelos destaca
que o setor saúde “[...] tem se ocupado mais diretamente com
a criação de vínculos entre a população médica e o pensar
e o fazer cotidiano da população” (2013, p. 110). Há outro
elemento que merece destaque, o fato de muitos trabalhadores
terem envolvimento mais orgânico com as comunidades nas
quais atuam, são os Agentes Comunitários de Saúde – ACS,
que constituem a maior categoria de trabalhadores do SUS
(mais de 280 mil).13 Os/as ACS têm entrada direta na dinâmica
de vida dos sujeitos e, antes mesmo de serem agentes, já
compartilhavam da vida em comunidade a ser acompanhada.
É claro que os demais profissionais atuantes nas equipes de
saúde da família apreendem um pouco dessa dinâmica,
todavia, o fato de trabalharem na unidade e de terem, em
geral, origem em outras classes sociais, limita, em certa medida,
o envolvimento com as facetas de vida da população que
não sejam mais próximas do seu agir. E claro que há aqueles
que, talvez por suas formações de viés mais social, assumem
posturas de compromisso social, além do profisisonal.
No campo da educação, os profissionais têm pouca
relação orgânica com as comunidades nas quais atuam e onde
se localizam as escolas e mesmo quando têm conhecimento
da dinâmica da vida dos sujeitos, as relações estabelecidas
cotidianamente são mais verticais, diretas com os/as alunos/
13
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES Ago/2019.
SUMÁRIO
181
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
as, muito mais dentro das paredes da escola, ou seja, distante
das suas realidades cotidianas e, muitas vezes, engessadas
pela rotina de atividades. Além daquilo que chega à escola, a
partir dos alunos/as, o envolvimento com o entorno do espaço
escolar se dá, em geral, com os pais, leia-se, dominantemente,
mães.
Daí decorre outra questão indicativa do fato de a EP ter
se fortalecido mais no campo da saúde: seus trabalhadores
conhecem e frequentam os espaços de vida das pessoas.
Mais uma vez destaco o/a ACS, este trabalhador é o único
do Sistema de Saúde que frequenta diariamente a casa das
pessoas. Há uma continuidade no acompanhamento que lhe
permite perceber elementos, às vezes não ditos. Mas além dele,
os demais profissionais também realizam visitas domiciliares
na sua área de abrangência (BRASIL, 2012); (BRASIL, 2017).
No caso dos profissionais da educação, o contato direto e
frequente não é possível e se dá quase exclusivamente na
unidade escolar.
Outra questão é a forma como os serviços estão
organizados. Na saúde o trabalho territorializado com uma
determinada população permite um acompanhamento e
constante avaliação das manifestações daquele público. O
fato de as Unidades de Saúde atenderam especificamente
ao público nela adscrito, permite um trabalho mais próximo da
realidade das pessoas. A realização de atividades coletivas,
mesmo sem muita frequência, possibilita o estreitamento dos
vínculos.
Na educação, embora o público seja predominantemente
e preferencialmente residente próximo da escola, o espaço
escolar é produzido institucionalmente, referenciado por um
modelo de escola e de um ideal de educação que muitas
182
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
vezes pouco tem a ver com a formação do público atendido
e mesmo as escolas sendo localizadas nas comunidades
onde as pessoas vivem, suas práticas são direcionadas por um
modelo educativo hierarquizado e formal que nem sempre
está alinhado à realidade de seus alunos, quanto a planejar,
executar e avaliar suas atividades. O ambiente escolar é
preparado, articulado para os sujeitos e não com eles, e
quando os sujeitos lá chegam, são levados a ter conflito com
o tipo de relação com os saberes desenvolvidos em suas casas.
Os uniformes, as rotinas preparadas, a hierarquia, a
disciplina, os conteúdos e o calendário escolar são estruturas
burocráticas que podem engessar os sujeitos (profissionais
e alunos) e tudo aquilo que escapa a essas estruturas é
entendido como fora de ordem. Na escola há pouco espaço
para espontaneidades e criatividades populares, incluindo
o problema do uso do tempo não escolar. Nos últimos anos,
frequentando diferentes escolas em diferentes municípios,
para realizar provas de concursos públicos, temos obervado
as salas de aula e uma coisas tem chamado a atenção, por se
repetir em todas elas: um cartaz, feito a mão onde está escrita
a “rotina de sala”, lá existe uma sequência de atividades a
ser seguida diariamente tais como: correção de tarefas de
casa, conteúdo de matéria X, leitura em sala, intervalo/lanche,
conteúdo de matéria Y e tarefa de casa. Esse tipo de conduta
repetitiva é negativo para promover no educando o prazer
pelo aprendizado e castradora da criatividade.
Neste sentido, dificilmente as práticas educativas
desenvolvidas nestes espaços terão uma perspectiva popular. E
ainda que isto faça parte do discurso institucional, como poderá
ser se a EP tem como princípio a realidade vivenciada pelas
pessoas? Como “fazer” uma EP se os conflitos que acompanham
SUMÁRIO
183
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
as crianças são desconsiderados, frente à sobrevalorização
dos conteúdos escolares? Estes breves apontamentos servem
para mostrar que, diferente do que os setores dominantes
gritam aos quatro cantos, para justificar sua ação alienadora
e distorcer a percepção da realidade, Paulo Freire não tem
estado presente nas práticas da instituição escolar brasileira,
infelizmente.
Com estas considerações, não pretendemos afirmar
genericamente que nos espaços escolares não existam práticas
de EP, assim como não significa generalizar que nos espaços
de atenção básica à saúde há necessariamente práticas de
EP. O que aqui se quer destacar é que, conforme apontamos,
este campo (da saúde) tem sido mais fecundo para a EP,
quando comparado ao campo da educação (entendido
aqui a partir da instituição escolar).
Novos contextos, novos desafios
Tendo logrado vitórias possíveis pela força vinda das
bases populares, a EP se mostrou eficaz instrumento de luta e
resistência contra os processos de exploração que degradam
a vida humana. Alcançamos a construção do SUS e, a partir
deste, significativos avanços no campo da saúde, construímos,
por exemplo, a Política Nacional de EP em Saúde – PNEP-SUS,
dois grandes ganhos, contudo, não há muitas garantias de
ampliação das conquistas.
Novos momentos históricos se erguem diante de nós
e apresentam novos desafios indicando a necessidade de,
constantemente, avaliar e avaliar-se para, com muita lucidez
realizar leituras que permitam continuar o enfrentamento
estratégico contra uma ordem/lógica, social, opressora
184
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
que, segundo Cruz (2018), tem se intensificado desde 2016
com a mudança do projeto político do país, cada vez mais
compromissado com o capital e os preceitos neoliberais, em
detrimento dos interesses dos grupos socialmente oprimidos.
Neste sentido, a EP precisa se repensar conceitualmente
e metodologicamente sem cessar. É preciso estar atenta às
camuflagens que muitas vezes nos levam a repetições do que
nos mantém em movimento, mas não geram avanços.
Este alerta nos foi feito há muito, entre outros, por Vitor
Valla quando nos chama a atenção para uma fragilidade que
temos quando tentamos entender os contextos, ele fala de
uma crise interpretativa (OLIVEIRA, 2003), por acreditarmos que
é importante fazer com que as pessoas mudem determinados
comportamentos para terem saúde, sem as condições básicas
para isso. Tentar impor nossa forma de compreensão pode ser
confundido com fazer EP em saúde, assim não avançamos
em nossas práticas e historicamente nos fragilizamos. É preciso
compreeender que:
[...] não posso de maneira alguma, nas minhas
relações político-pedagógicas com os grupos
populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. [...] Um dos equívocos funestos dos
militantes políticos de prática messianicamente
autoritária foi sempre desconhecer totalmente a
compreensão do mundo dos grupos populares.
Vendo-se como portadores da verdade salvadora [...] (FREIRE, 2011, p. 79).
Importa pois, uma aproximação com os sujeitos
populares em seus espaços sociais reconhecendo suas formas
de percepção e compreensão dos processos como autêniticas.
Sem isto, podemos estar em grande parte, referenciados por
SUMÁRIO
185
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
concepções de caráter hegemônico, impositivas, uma vez que
não é de todo aberta ao diálogo com saberes e metodologias
populares (VASCONCELOS, 2017). Os equívocos provenientes
dessa aproximação verticalizada constituem um desafio para
os que atuam no campo da saúde com o objetivo de construir
e/ou fortalecer práticas autênticas de EP em saúde.
A superação do modelo biomédico, cujo olhar está
voltado estritamente para a doença, ignora os determinantes
sociais da doença e assim, nega os elementos outros que
constituem o sujeito. A mudança só é possível se e quando
compreendemos que, para uma EP em Saúde é preciso que
se assuma uma postura epistemológica que reconheceça
outros saberes diferentes daqueles privilegiados pelo modelo
dominante, ou seja, é preciso romper com a lógica social na
qual os sujeitos têm suas subjetividades negadas. Uma ruptura
epistemológica supõe optar pelo povo como sujeito baseado
numa ética solidária. Pedrosa corrobora a ideia ao afirmar que:
Desde a colonização a episteme dominante
capturou, modificou, cooptou e traduziu, quando não aniquilou, os saberes nativos cuja base
emanava da relação de seus habitantes com o
ambiente diferente da racionalidade iluminista
que se pautava na busca das causas dos fenômenos por meio de um pensamento neutro e
distante da vida. A permanência dessas raízes
culturais é fundamental para a afirmação básica de todo ser humano reconhecido pelo outro.
São pontos de resistência (PEDROSA, 2019, p. 2).
Romper com a forma de tratar a questão da saúde a
partir da doença significa pensar os sujeitos para além de um
organismo biológico e aqui, o próprio conceito de saúde está
186
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
implicado por ter sido historicamente entendido a partir de
uma visão simplista, idealista e relativista (CARVALHO; CECCIM,
s.d.). É necessário considerar o conceito ampliado de saúde
compreendendo-o como um direito fundamental.
As pessoas vivem em seus cotidianos nos quais produzem
e utilizam estratégias para o enfrentamento das adversidades
surgidas. Na criação de alternativas/estratégias está implicada
toda carga cultural produzida pelas coletividades e sujeitos ao
longo de suas vidas, de modo que vários sentidos são assumidos
nas diversas práticas sociais. Conforme afirma Vasconcelos
(1989),
Antes de um serviço de saúde chegar a uma comunidade, ela tinha suas formas próprias de resolver os seus problemas de saúde. São parteiras,
“farmacêuticos”, mães, erveiros, professores etc.
São pessoas com uma cultura médica aprendida informalmente e que foi acumulada durante
muitos séculos de experimentação empírica. É
uma cultura popular que tem os seus limites mas
que tem, também, um grande valor (1989, p. 29).
Assim, com base na sabedoria popular, uma icterícia,
por exemplo, é curada com banho e ingestão de chá de
casca de coco roxo, enquanto que no hospital a criança será
submetida a procedimentos tecnológicos considerados pelos
sábios populares como “desnecessários”. Um entendimento
baseado nas experiências de vida, que não convém qualificar
como certo ou errado porque para as classes populares a o
cotidiano é construído a partir das explicações baseadas nos
modos como entendem suas inserções no mundo e os sentidos
que atribuem às suas ações (TUPINAMBÁ; RIGOTTO, 2019).
SUMÁRIO
187
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Isto não significa que os sujeitos populares e a própria EP
negam a medicina e seus recursos, ao contrário, a EP reconhece
a interculturalidade como instrumento metodológico
(BANDEIRA, et al., 2019). Trata-se na verdade, de uma
crítica às práticas médicas em saúde que não levam em
consideração o sujeito em sua integralidade, objetificando-o
muitas vezes.
É necessário criar espaços de compartilhamento
que funcionem como instrumentos de reflexão e onde os
diferentes conhecimentos e sobretudo, as consequências
produzidas a partir de cada um deles possam ser explicitadas
e com isto, avancemos para a superação de um estado de
ingenuidade sobre a compreensão dos problemas sociais.
Conforme Freire defende, é fundamental desafiar os grupos
populares para uma percepção crítica sobre o fato de que
as injustiças e violências são construídas historicamente e
não determinadas (FREIRE, 2011).
Importa que os grupos populares compreendam as
questões que constituem a realidade injusta, desumana e
violenta que são produzidas por um modelo econômico (o
capitalista) e por pessoas (desumanizadas) empenhadas em
defender os interesses da classe social da qual fazem parte
e não dos que mais precisam. Esta questão, não muito difícil
de compreender, contudo, existe um grande empenho dos
defensores do capital para dificultar tal compreensão já que
isto significa sua decadência.
O setor saúde, por ser, também, um mercado
amplamente favorecido pelo modelo econômico capitalista
tem sido usado como campo de disputas. O papel do Estado
como defensor dos direitos sociais tem sido ineficaz em alguns
casos, como no Brasil, cujo cenário é um grito de alerta para
188
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
que as classes populares reajam às ofensivas das classes
dominantes, mas não somente isto, é preciso refletir e criar
ações sobre a produção de outro mundo possível.
Para uma despedida da conversa...
Como vimos, a EP tem sido construída historicamente
numa relação orgânica com as classes populares, a partir de
diferentes experiências desenvolvidas nos diversos setores da
sociedade. Por se desenvolver necessariamente vinculada
aos contextos de vida dos sujeitos historicamente situados,
pode-se dizer que os processos sociais são parteiros da
própria noção de EP.
O campo da saúde se constituiu historicamente como
favorável às praticas de EP por vária razões, dentre elas,
a forma como os serviços de saúde estão organizados na
atenção primária, a possibilidade de construção de relações
mais abertas e diretas, fortalecendo laços primários de
solidariedade, de acompanhamento e de convencimento,
o que no campo da educação regular, propriamente dito,
é mais difícil de alcançar, devido à estrutura institucionalburocrática da escola. Todavia, é preciso reconhecer que,
muito antes do sistema de saúde que temos hoje, a EP já
se afirmava na saúde quando, desde a década de 1960 e
seguintes, em tempos de repressão, os grupos populares se
organizavam nos espaços de base da sociedade piramidal,
para lutar pelo atendimento às necessidades básicas e pela
saúde como direito. As CEBs cumpriram um importante papel
por servirem como canal unificador dos grupos populares
e, a partir das quais muitas formas organizativas surgiram.
O surgimento do MOPS foi um importante marco para o
SUMÁRIO
189
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
fortalecimento das lutas que culminaram na instituição do
SUS a partir da Constituição Federal.
A década de 1990 foi um marco importante para a
estruturação dos serviços de saúde há muito reivindicados. Todavia,
esta trouxe também novos desafios, especialmente porque marcou
a entrada do Brasil na agenda neoliberal, cuja lógica voltada para
interesses econômicos de poucos, gerou novas formas de opressão
social traduzidas em modelos de organização social submetidos
aos interesses de um sistema concentrador de rendas e serviços.
Emerge, pois, como desafio para a EP em saúde repensar suas
estratégias de resistência e enfrentamento às novas configurações
de injustiças, refletidas sobretudo no modelo biomédico que
medicaliza os sujeitos e desconsidera suas subjetividades como
parte dos processos e confrontos da saúde e da doença.
Ergue-se como imperativo para a EP em saúde o repensar
e reavaliar de suas práticas, conepções e metodologias para se
fortalecer frente aos atuais contextos adversos, tendo como ponto
de partida, sempre, a base popular e os sujeitos oprimidos. Assim,
para finalizar este texto, recorro à dedicatória do livro Pedagogia
do Oprimido para dizer que: qualquer prática de EP deverá ter
como ponto de partida e como horizonte, os esfarrapados do
mundo, isto é, aqueles que têm seus direitos negados, para uma
vez descobrindo-se neles, com eles sofrer mas, sobretudo, com
eles lutar.
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195
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
EDUCAÇÃO POPULAR: PARA
UMA NÃO ROMANTIZAÇÃO
DAS PRÁTICAS POPULARES
E COMUNITÁRIAS
Klebson Felismino Bernardo
Introdução
A educação popular precisa ser entendida não
exclusivamente como uma prática social, mas também
como um campo epistemológico, teórico. Faz-se necessário
entendermos este campo como um espaço vivo, marcado
de saberes e experiências que constituem a identidade de um
povo, de luta e de resistência, como também pensar sobre ele
e assim poder ressignificar os nossos conhecimentos. As práticas
populares e comunitárias, constitui-se como um processo
político, emancipador, com intencionalidades, proposições
e organização, rompendo com qualquer visão romantizada
das ações praticadas nos setores populares. Neste sentido, não
basta apenas ter espaços de construção do conhecimento,
mas, é fundamental o modo de organização e compromisso por
parte dos projetos de extensão universitária e dos extensionistas.
196
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Em vista disso, faz-se necessário a desmistificação da visão
romantizada das práticas populares e comunitárias, firmando-se
no que de fato é a educação popular, como uma alavanca
de insurgência radical em conjunto com outras pedagogias,
a exemplo da libertária, que tratam de quebrar paradigmas
e enxergar saberes de povos tradicionais e populares como
categorias científicas e legítimas de epistemologias, até então
estigmatizadas e inferiorizadas (REGO, 2018).
As ações executadas nas comunidades é um ato político,
tendo intencionalidade e valorização do espaço como um setor
de potencialidades, sentidos e significados. Logo, rompe-se com
a concepção assistencialista ainda presente em muitas práticas,
é fundamental o pensamento coletivo e a dialogicidade como
preconiza Paulo Freire, por meio de objetivos comuns ou não.
Não se constrói conhecimento libertário-emancipador com
bases desarticuladas e sem planejamento. A transformação
social dos sujeitos da comunidade e de quem visita a mesma
(extensionistas, grupos de pesquisas) devem introduzir em suas
práticas o comportamento de agente de transformação social,
pautado no coletivo, fortalecendo as bases e problematizando
o contexto.
Nesta perspectiva, encontramos relevância para
discorremos sobre a concepção de romantização das práticas
populares e comunitárias, uma vez que, é de forma orgânica
que a Educação Popular se caracteriza historicamente no
contexto social e político, e suas bases estão em território
latino-americano. É no interior da composição de povos
tradicionais, coletivos e de movimentos sociais que foram
criadas experiências pedagógicas autodidatas protagonizando
e ressignificando seus saberes e suas práticas cotidiana e
progênie (ABÍLIO, 2017).
SUMÁRIO
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EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Isto posto, quando falamos de popular, e/ou quando
fazemos menção ao popular estamos sinalizando o que é
democrático e inclusivo, ou seja, inclusivo no sentido de está
convidando todas as pessoas que foram excluídas: os pobres, os
negros, índios, os homossexuais, as pessoas que nunca tiveram
acesso a uma roda de debates ou na universidade, a ocupar
vários espaços, e a universidade é um desses espaços, visto
que também é um setor de produção de conhecimentos.
Nesse sentido, os setores populares precisam materializa-se
também nesses cenários, outro aspecto importante, é que o
popular e o diálogo caminhem juntos, importa-se frisar que
essa categoria não é só freireana, ela também é do dialético.
Conforme aponta Cruz (2010), pensar a extensão numa
perspectiva popular é pensar a participação de todas as
pessoas na produção acadêmica e na vida da universidade,
isso pressupõe um diálogo com os diferentes saberes, e isso
pressupõe na articulação das diferentes práticas populares,
com diferentes práticas libertárias no campo da educação.
Isso significa dizer que, é preciso parar e pensar em outro
modelo de sociedade que não seja capitalista, que não seja da
exploração do ser humano pelos outros, mas que recomende
que a universidade seja um estágio de produção de novos
sentidos para a vida em comunidade.
Entende-se que a luta por um espaço de sociabilidade
é constante, os setores populares são encharcados de
conhecimentos que contribui significativamente para a
produção de novos saberes e consequentemente para a
complementação daquilo que está sendo produzidos nos
muros das academias, a interação entre a universidade e a
comunidade ao partir de uma concepção assistencialista e de
prestação de serviços rompe-se com o que vem a ser de fato
198
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
a perspectiva da Educação Popular. Há projetos universitários
em que os extensionistas não se sentem seguros em interagir
com comunidade, isso se deve ao fato de que os projetos
precisam repensar suas práticas e a forma como esta interação
está acontecendo. A extensão não se faz endossado numa
concepção determinista e fatalista, como também não se faz
através de roteiro, ou seja, pré-estabelecido.
Em consonância com o exposto, entendemos que
esse processo precisa ocorrer de forma livre, pois é uma
construção libertária, sem amarrações e/ou engessamento,
o que é mais importante é chegar na comunidade e dialogar,
problematizar, ouvi-los, ou seja, construir com todos os mestres
e mestras populares, e não querer apontar o certo ou errado,
configurando assim uma concepção hegemônica de saberes
e comportamentos, aspecto que a Educação Popular tenta
combater. Neste sentido, essa articulação da universidade
com a comunidade precisa ocorrer naturalmente, ou seja,
sem algo pronto, predefinido.
Uma forma de combater essa visão é refletir o seu pensar
e agir, a interação com a comunidade deve partir de princípios
emancipatórios e libertários, de construção compartilhada do
conhecimento, assim como de humildade para perceber que
somos sujeitos aprendentes, que somos inacabados. Sendo
assim, posturas autoritárias e indiferença quanto aos saberes e
experiências do outro precisa ser repensada e desintoxicada.
Outro ponto que merece destaque, é que os projetos que
interage com as comunidades não estejam preocupados
em cumprir metas, nem responder ao roteiro elaborado, mas
reaprender com o outro e construir coletivamente novos saberes
e novas formas de atuar na sociedade por meio de uma
consciência crítica-reflexiva.
SUMÁRIO
199
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Educação Popular, caminhos para uma construção
compartilhada do conhecimento
A inserção dos estudantes e profissionais na comunidade
precisa acontecer democraticamente, ou seja, por meio de
uma ação intencionalizada, respeitando a multiplicidade de
saberes, experiências e culturas dos sujeitos. Um dos grandes
desafios que se apresenta nessa interação, é que muitos
daqueles que vão a comunidade preocupam-se com técnicas
iniciais, e não procuram entender os contextos em que estão
inseridos. Logo, não é através de registros, que se constroem
novos conhecimentos na comunidade, sendo estes espaços
dotados de grandes potencialidades e aprendizados. Destarte,
nesse processo de construção do saber dialógico, é preciso
trabalhar a “escuta” e a construção coletiva do saber.
Desta forma, essa relação não fica apenas no afetivo,
mas cria pontes com dimensão política de prevenção estrutural,
ou seja, que a relação com o outro, não é algo somente do
toque, do abraço, mais por meio de uma intencionalidade
política em que esse vínculo reforça outra questão, a sua
indignação. Esses sujeitos são completamente desarmados
do saber científico, mas isso não significa que estes atores
sejam desprovidos de conhecimento, pelo contrário, produzem
conhecimentos pautados na cotidianidade, do fazer vivido, da
relação com o solo, com o ambiente social, ou seja, seus saberes
são experienciados, não fica apenas no teórico. Por meio da
extensão verdadeiramente intencionalizada e democrática a
comunidade passa a ter um novo olhar sobre sua realidade e
sobre o seu “eu” sociocultural. Corroborando com o exposto
Vasconcelos, Pereira e Cruz (2008) salientam que:
200
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
No campo da extensão, as práticas de extensão
popular têm se constituído, em nível nacional
e marcadamente na Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), como possibilidades de se experimentar a relação entre o saber popular e o
saber científico com a intencionalidade de superar os problemas sociais e respeitar os diferentes
saberes (VASCONCELOS; PEREIRA; CRUZ, 2008, p.
336).
Nesta perspectiva, através da criação de vínculos com
as pessoas da comunidade, compreende-se a importância
de participar ainda mais dessa dinâmica. Por meio dessa
relação significativa dos setores populares e a universidade
forjam o pensamento daqueles que fazem parte dos projetos
de extensão numa perspectiva de educação popular
que a concepção de sofrimento e desigualdade social
vivenciados pelos sujeitos, passam a ser entendidas que não
é algo unicamente vivenciado pela Maria e/ou João, já que
representa e está ligado à estrutura social e tem raízes políticas.
A extensão popular seria então um “trabalho social útil”,
conceito defendido por Melo Neto em muitas de obras que
evidencia esse movimento da universidade com os espaços
populares da sociedade.
Enquanto educação popular e democrática, o campo
viável para atuar é nos setores dos mais empobrecidos, aqueles
que interagem com as comunidades tem o papel de conhecer
o que é, e como a educação popular se constitui. É importante
destacar que “o estar com o outro e não para o outro”, são
princípios basilares da concepção de educação popular.
A universidade precisa educar o seu olhar quanto o saber
dos espaços populares, não como “laboratórios vivos”, em
meio a essa interação a universidade está aprendendo a se
SUMÁRIO
201
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
reposicionar enquanto espaço de produção do conhecimento
e compreendendo que os atores e atrizes populares são
corpos conscientes e com um repertório impressionante de
conhecimento. De acordo com Andrade (2009) a educação
popular:
[...] enquanto síntese e expressão política de
uma nova forma de pensar e fazer a educação
das camadas populares, tem como referência
histórica todas as significativas práticas de lutas
e resistências das camadas populares, desde o
Brasil-Colônia; todavia, os primeiros esforços de
sistematização mais clara de um projeto pedagógico de formação crítica e autônoma dos setores populares têm sua origem nas experiências
das escolas operárias socialistas e anarquistas,
aqui presentes desde a primeira década da república brasileira (ANDRADE, 2009, p. 4).
A Educação Popular como é compreendida hoje, é
de raiz latina e produto de lutas constantes por outra uma
educação emancipatória, é importante ressaltar que as
iniciativas de uma Educação Popular penetraram no Brasil pelo
caminho da Educação Libertária. De caráter anarquista, foram
extremamente criminalizadas, entretanto não aniquiladas, pelo
patronato, pela igreja etc. As ações libertárias de educação
iniciaram, especialmente, com a política de imigração no país.
As práticas populares e comunitárias realizadas pelos
projetos de extensão universitária, e as comunidades tem
dado frutos, isso pode ser evidenciado no protagonismo de
muitos moradores que por meio desses projetos tem pensado
sua realidade através de outra ótica, mas, isso só é possível
se o trabalho entre esses setores for em comunhão, não se
202
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
conquista o apoio e confiança das lideranças populares sem
intencionalidade, respeito e valorização do outro enquanto
sujeito de potencialidades. Por isso que o trabalho social e
útil da educação popular na Paraíba é uma das referências
quando se fala de extensão, educação popular ou extensão
popular.
Na perspectiva de Cruz (2017):
[...] podemos compreender a Extensão Popular
como um trabalho, que é social e útil1 desenvolvido por meio de um agir crítico, pautado por
um processo de construção participativa e compartilhada, com a intencionalidade de articular
tanto o ensino como a pesquisa na mobilização
de experiências, estudos e reflexões em meio a
contextos de adversidade, para a superação de
problemas sociais e de maneira compromissada
com a mudança e o enfrentamento à exclusão
social e à desumanização (CRUZ, 2017, p. 15).
Assim, a extensão vai além de uma prática de ensinar e
pesquisar, por que ela dar voz aqueles que estão escondidos,
ela dar voz aqueles que pensam e fazem um exercício de
uma prática social, a exemplo dos movimentos sociais e outras
diversas experiências de educação não formal, a extensão
qualifica um compromisso social de universidade com a
sociedade, que seria um “trabalho social útil” (MELO NETO,
2014). A extensão qualifica, por que ela necessita do envolver,
fazer extensão não observar ou fazer entrevista, fazer extensão
é envolver-se com o outro e por meio desse envolvimento você
se transforma e transforma o outro.
A extensão promove processos de humanização, à
medida que há o envolvimento ocorre à humanização de si e
SUMÁRIO
203
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
do outro, ou seja, ambos se constroem e reconstroem nos seus
diversos contextos, e consequentemente ocorre a mudança
nos contextos em estão inseridos. Como filosofia da educação
popular ela gera relacionamentos entre os sistemas formais da
educação, os movimentos sociais, políticos e universidade na
promoção e socialização dos saberes. A extensão não fica
apenas no foco da informalidade ou da educação não formal,
por que a partir desse foco ela se volta para formalidade, para
o institucional e nesse intercâmbio dialético se reconstrói novos
pensamentos e novos saberes.
É necessário entendermos as práticas comunitárias como
um trabalho que promove a socialização dos sujeitos populares,
indo além de uma política ingênua de assistência, ou seja,
as ações que são praticadas no âmbito das comunidades
“como um trabalho social e útil e com essa intencionalidade,
não pode assumir papel alienador de comunidades nem no
trabalho de ensino no interior da instituição universitária” (MELO
NETO, 2014, p. 18). Neste sentido, a extensão popular como um
trabalho, apoia os distintos saberes presentes na academia e
nos movimentos populares, com um agir e pensar pautados
na reflexão da realidade.
Sobre essa perspectiva, para Falcão (2014) a extensão
contribui de forma efetiva para melhorar a sociedade e:
[...] para que estudantes e professores envolvidos enriqueçam seu saber participem do crescimento das pessoas e das comunidades em que
estão envolvidos com esses atores acadêmicos.
Os objetivos principais promovidos pela extensão
universitária são estes: promover a interação entre a Academia e a comunidade, com a troca
de saberes e de conhecimentos; desenvolver
atividades que propiciem a participação da
204
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
comunidade como sujeitos, e não, como meros
espectadores; interligar as atividades de ensino e
de pesquisa com as demandas da comunidade;
priorizar as práticas voltadas para o atendimento
de necessidades sociais emergentes, como as ligadas às áreas de educação, saúde, habitação
e geração de emprego e de renda etc. e criar
condições para a participação na elaboração
das políticas públicas voltadas para a maioria da
população [...] (FALCÃO, 2014, p. 23).
Deste modo, por meio desse fazer, a academia vem
promovendo juntamente com a comunidade espaços de
diálogo, de interação dos ímpares, uma ação dialógica que
tem permitido os extensionistas, coordenadores, universidade
ressignificar seus conhecimentos, saindo um pouco dos muros da
universidade e adentrando o espaço comunitário. É nos espaços
populares que estão as experiências, implica dizer que não é
possível sentir, apenas nos livros, mesmo que seja interessante
e importante conhecer o contexto de uma comunidade
através das leituras é bem mais significativo quando o sujeito
universitário pisa na comunidade, suas experiências vão sendo
sistematizadas com a comunidade.
Embora, seja importante que a visão de quem faz
extensão eduque o seu olhar numa perspectiva humanitária, não
um olhar de “coitadismo ou assistencialista”. Os atores e atrizes
populares são marcados pela resistência e luta diária em prol de
um espaço visível na sociedade, uma vez que são considerados
a margem da sociedade, em que impera o preconceito e a
negligência. As experiências, saberes e subjetividades desses
protagonistas são importantes e contribuem efetivamente
na construção do fazer acadêmico, sem contar que é nesse
trabalho social e útil que possibilita a práxis.
SUMÁRIO
205
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Segundo Oliveira (2017) a extensão popular veio com
um novo olhar, repensando a respeito da intercessão entre
profissionais e classes populares, com novas concepções,
leituras, climas em outros espaços da vida universitária. Essa
prática revela as relações entre a formação profissional de
ensino superior e o compromisso social. Desta forma, auferindo
sentido e compromisso com base nos princípios éticos, “teóricos
e metodológicos sistematizados na perspectiva da Educação
Popular”, além disso, propõe o compromisso político e social
da própria universidade brasileira e da latino- americana.
É importante destacar que a relação da comunidade
acadêmica com as comunidades populares ocorre em
meio às contradições, as subjetividades dos protagonistas,
reiteramos que a extensão se faz também nas resistências, na
construção do ser mais, no diálogo e entre outras dimensões.
A interseção da universidade com as comunidades devem ser
repensadas, no sentido de entender que as comunidades tem
suas particularidades, seus representantes, não é um espaço
unicamente de pesquisa, pois essa é uma concepção que
cada vez mais tem sido disseminada socialmente, os setores
populares como bem foi colocado no início desse estudo
expressa a riqueza de conhecimentos constituintes nos espaços
populares.
Vale salientar que isso é uma falácia, uma vez que a
comunidade precisa trabalhar junto com esses profissionais,
posturas determinantes e autoritárias rompe com a possibilidade
de um diálogo, além disso, é fundamental que os projetos de
extensão compreendam que é dialogando com a comunidade
e sentindo o que elas querem construir em parceria e como
pretendem proceder. Não há cartilha nem modelos de fazer
extensão, pois é nas relações cotidianas, nas experiências
206
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
concretas que esse fazer ganha corpo, é também nos erros
e acertos, no construir e reconstruir diariamente. Em adição a
este exposto Valla (1996) apresenta dois aspectos que ajudam
a compreender o porquê dos profissionais acadêmicos terem
esse comportamento:
A primeira é que nossa dificuldade de compreender o que os membros das chamadas classes
subalternas estão nos dizendo está relacionada
mais com nossa postura do que com questões
técnicas como, por exemplo, lingüisticas. [...] nossa dificuldade em aceitar que as pessoas “humildes, pobres, moradoras da periferia” são capazes de produzir conhecimento, são capazes
de organizar e sistematizar pensamentos sobre a
sociedade e, dessa forma, fazer uma interpretação que contribui para a avaliação que nós fazemos da mesma sociedade. A segunda é que
parte da nossa compreensão do que está sendo
dito decorre da nossa capacidade de entender
quem está falando (VALLA, 1993, p. 178).
Neste sentido, a relação entre profissionais acadêmicos e
membros comunitários precisa ir além, no sentido de que ambos
irão construir conhecimentos, saberes, práticas coletivamente.
Essa discussão não é recente, muitos ensaios já se debruçaram
sobre essa natureza, alguns aspectos podem ser lançados para
que possamos entender o por que dessas questões referente o
agir das universidades com as comunidades é algo sensível, a
saber: a priori, um dos pontos mais sensíveis nessa relação, é a
nossa dificuldade em saber interpretar as “classes subalternas”,
revelando assim uma “crise de interpretação”.
De acordo com Valla (1996) os profissionais precisam
se esforçar para compreender as condições, saberes, as
SUMÁRIO
207
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
experiências de vida e a ação política dessa população, ou
seja, os profissionais carecem ter mais compressão sobre o
contexto da população, ter mais dedicação em interpretar as
representações e as concepções de mundo dessa população.
Nesse espaço de contradições, de incertezas, resistências,
lutas, compreensões e de saber até mesmo os profissionais
atenciosos podem ter uma atitude autoritária ou querer fazer
a função de tutores. Dessarte, é preciso construir uma visão
inclusiva e dialógica. Para tanto, cabe aos envolvidos libertase dos referenciais científicos dogmáticos.
Todos nós somos sujeitos aprendentes, e esse processo
precisa ocorrer durante toda a vida, a participação da
comunidade na universidade de forma ativa enriquece os
conhecimentos de cada um. Ao mesmo tempo, oportuniza a
produção de conhecimento na universidade com os interesses
dos grupos sociais. Dessarte, a disposição por uma metodologia
participativa é, além disso, uma postura ético-política diante
a sociedade e o cuidado com a vida dos grupos envolvidos.
A Educação Popular aparece da incidência entre a
cultura cientifica, a cultura popular e seus saberes vivenciais,
objetivando uma correspondência dialógica, entendendo que
os saberes são construídos de várias formas e ao interagirem entre
os sujeitos, esses conhecimentos passam a ser compartilhados,
aliás:
A construção teórica e metodológica da Educação Popular elaborou-se no compromisso com
a construção de uma sociedade mais justa, articulado com a ação de construção desta sociedade, mediante uma prática emancipatória,
libertadora, capaz de propiciar aos educadores
populares uma práxis libertadora. Ela sedimen-
208
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
tou as bases de uma teoria do conhecimento, a
qual nos permite compreender os processos de
ensinar e aprender no diálogo entre os sujeitos
de conhecimento, na superação da contradição educador-educando (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2009, p. 139).
Portanto, a educação popular é elemento fundante
para o protagonismo popular, da resistência diária da Maria,
da Raimunda e tantos outros atores e autores populares que
tem resistido incansavelmente numa sociedade tão opressora
e desigual, em que impera a “cultura do ter sobre o ser”,
assim como a ideia da meritocracia, bastante forte no âmbito
social e que a cada dia tem se perpetuado com o apoio de
representantes políticos e uma parcela da sociedade, que
se beneficia da escravidão ainda presente, só que dessa vez
transvestida de solidariedade, uma falsa generosidade que
oprime de forma sorrateira os povos empobrecidos.
Dessa maneira, é necessário romper com a servidão
ainda presente na sociedade, dos interesses das classes e
grupos da elite dominante, e dos opressores. Em meio a isso, a
educação precisa se articular com os interesses dos oprimidos.
A educação popular tem papel indispensável na contribuição
pedagógica com as iniciativas populares, se envolvendo nas
ações que já fazem os sujeitos oprimidos, para aquisição da
organização política e de direitos. A Educação Popular é
entendida como um “processo político-pedagógico centrado
no ser humano como sujeito histórico transformador, que se
constitui socialmente nas relações com os outros seres humanos
e com o mundo” (JARA, 2006b, p. 236).
Consequentemente, pode-se dizer que esse princípio
pauta-se na concepção de transformação social do sujeito,
SUMÁRIO
209
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
como também na sua constituição integral e na construção de
novas relações sociais das pessoas, alicerçado nos princípios
da dialogicidade, da justiça, das relações de solidariedade,
de respeito a si e ao outro. Na perspctiva da educação
popular, é importante destacar que esta vai muito além de
uma concepção, pois faz parte do processo de constituição
do sujeito, assim como o salto para a compreensão de sua
participação na sociedade enquanto sujeito crítico-reflexivo.
Contudo, não é um processo que ocorre de forma
simplista, rígida, ganha forma através das relações de
compromisso e intencionalidades dos sujeitos. A educação
popular, aponta-se como prática em que o compromisso basilar
é a “libertação”, principiando intencionalidades que venha a
promover uma nova visão acerca do mundo e da realidade
a qual o sujeito está inserido. As práticas sociais realizadas no
entorno da comunidade são extremamente importantes para
o fortalecimento da luta social, de constituição de saberes,
experiências. Para Tafuri e Gonçalves Junior (2017):
...] quando falamos em práticas sociais, pensamos em relações que se estabelecem entre as
pessoas, por meio da intencionalidade, que buscam transformar a realidade vivida. Tais relações
são mediatizadas por um mundo comum que
se expressa existencialmente (objetiva e subjetivamente) aos participantes de tais relações por
meio desta mesma práxis histórica, bem como
pela comunicação intersubjetiva exercida por
meio do diálogo (TAFURI; GONÇALVES JUNIOR,
2017, p. 44).
Outro ponto a ser considerado, é que a educação
popular em meio ao que já foi pontuado anteriormente,
210
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
proporcione aos sujeitos a partir dessa nova visão, compreender
seu modo de ser e agir socialmente, o que implica também na
relação com sua própria cultura e na interação com o outro
de forma consciente. Para isso, é indispensável também que os
sujeitos participantes desse processo sejam responsáveis e ativos
para a constituição e materialização de sua própria história,
como também pelo empenho no processo de constituição
de uma sociedade igualitária e democrática.
Ademais, é importante frisar que todas as práticas
sociais são constituídas por processos indiscutivelmente
educativos, intrínsecos e resultantes dessas práticas. Tudo
que estamos fazendo diariamente nos auxilia quanto a
nossa constituição pessoal, e nossas ações de uma forma
ou de outra são alicerçadas em práticas sociais educativas.
Em outras palavras, a educação surge como processo de
desenvolvimento e formação humana. Todas as práticas sociais
tem sua importância, além disso, não são meras práticas,
pois são dotadas de experiências, saberes e aprendizados,
e como resultante desse processo temos vários aprendizados
que auxiliam na forma como nós enxergamos o outro e a nós
mesmos sobre outra ótica.
Deste modo, levando em consideração que as práticas
sociais podem compreender tanto em iniciativas grupais como
também comunitárias, objetivando a possibilidade de mudança
da realidade econômica, social, política, entre outros, com o
intuito de promover ainda um mundo cada vez melhor para
todos, sem a hierarquização, desigualdade e outros, assim
como podem estar apenas mantendo o status quo, e/ou para
produção e desenvolvimento de condições cada vez mais
injustas (OLIVEIRA, 2017).
SUMÁRIO
211
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Todos os processos de construção compartilhada na
comunidade precisam ser pensadas, repensada, durante a ação
e na ação, ou seja, é um processo constante de constituição
do saber, e isso deve ocorrer na ação dialogada com a
comunidade, é preciso entender que profissionais e população
precisam estar aberto a aprender juntos, a construção do
conhecimento se faz nessas trocas de experiências e saberes,
um dos pontos mais importantes é compreender que todos nós
somos sujeitos inacabados e essa inconclusão é o que incita
a busca pelo conhecimento.
Sobre essa relação apontada anteriormente, Fiori (1986)
sinaliza que é através do diálogo entre as visões de mundo
permitido pela extensão popular que essas relações ganha
corpo, sentidos e significados, sendo este um processo em
conjunto, é preciso que haja consciência crítica de todos
os envolvidos, por meio dessa consciência crítica fazendoos entender que não é só existir na sociedade, mas viver
humanamente, é pronunciar o mundo, denunciando e
modificando as desumanidades sofridas. Nesse processo de
construção e denúncia, não consiste apenas estar diante da
realidade, fazer parte dela, estar nela, ou seja, em diálogo
com o que se pensa e atua, na “práxis”.
A relação da Universidade e Comunidade traz
contribuições fundamentais tanto para a comunidade quanto
para a universidade, para quem participativa dos projetos de
extensão tem-se a possibilidade de aprender fazendo e fazer
aprendendo, uma construção de saberes de forma crítica
que seja participativa, criativa e que seja respeitosa, essa
construção dar-se na prática que é conflituosa, contraditória.
Para a comunidade surge como uma ação transformadora
que não é uma tarefa simples, mas uma tarefa que tem um
212
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
compromisso de construir um determinado trabalho social
com a comunidade, gerando aprendizados, porém esse
processo não dar-se rapidamente, uma vez que, são atividades
processuais.
Para a universidade essa articulação é extremamente
importante, pois essa é a intenção enquanto extensão na
perspectiva da educação popular, entendendo que não é
procurar ser o melhor, mas ter humildade para reconhecer o
nosso inacabamento, assim como é importante compreender
que a visão daqueles que dialogam com a comunidade
precisa ser repensada, por que o trabalho social e útil que
se faz nesses espaços vivos não é meramente participar do
meio, mas está junto, dialogando, construindo com os atores
e autores populares. Além disso, é necessário romper com o
pensamento assistencialista, e procurar compreender que
o objetivo é a emancipação humana, social e política. Essa
construção deve acontecer de forma natural com o outro
e não autoritária por que mesmo com a intenção bastante
transformadora é possível ser extremamente autoritário (CRUZ,
2017).
A comunidade precisa participar dessas atividades de
forma ativa e a universidade/profissionais carece oportunizar
essa ação, esse fazer diferente. Por isso que esse trabalho
requer compromisso e intencionalidades, fazer extensão numa
perspectiva de educação popular é lançar-se no mundo, é
sentir, é agir de forma humana e respeitosa, reconhecendo que
não sabemos de tudo, que diariamente estamos aprendendo
coisas novas, como também é por meio de nossas relações
com o outro que podemos aprender novos saberes e conhecer
outras formas de enxergar o mundo social, político juntamente.
SUMÁRIO
213
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Para Joly, Martins e Oliveira (2011), as práticas sociais são
entendidas como:
[...] atividades que envolvem pessoas a partir de
um movimento complexo e dinâmico, em que o
simples contato é ultrapassado em favor de um
relacionamento que atenda aos diferentes sujeitos em seus objetivos e estilos de vida, oferecendo condições para o “ser mais” de cada um,
rompendo limites e construindo relações onde o
respeito, a ajuda mútua e a colaboração sejam
fortes componentes (JOLY; MARTINS; OLIVEIRA,
2011, p. 95).
Nesta perspectiva, a extensão popular compreende-se
como uma práxis intrínseca em um compromisso social, ao qual
identifica a existência de uma desumanização em processo e
que se faz indispensável um agir em seu sentido contrário, e isso
se faz coletivamente. É por meio das relações respeitosas, críticareflexiva diante a realidade, problematizando, questionando
as injustiças, papel que deve ser feito de forma conjunta,
individualismo, autoritarismo, são adjetivos que não fazem
parte de um trabalho social e útil defendido por Melo Neto.
Desta forma, entendemos que as experiências
vivenciadas pelos atores e atrizes profissionais com relação a
comunidade na perspectiva da extensão popular nos reafirma
que a inserção dessas pessoas na construção do saber, denota
que o trabalho em comunhão possibilita que os sujeitos se
construam e reconstruam diariamente e coletivamente. É
importante que nesse processo dialógico entre a universidade
e os membros comunitários as histórias e memórias sejam
conservadas, assim como sua identidade, enriquecendo e
diversificando seus saberes e práticas comunitárias populares
214
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
por meio do agir crítico e reflexivo. Espera-se que ambos os
espaços trabalhem para a transformação social e que seja
resgatada à essência do ser humano.
Algumas considerações
O intercâmbio da universidade com a comunidade
com intencionalidade democrática, possibilita que ambos
produzam conhecimentos diversificados, a vivência junto com
a comunidade permite a constituição de uma visão crítica e
reflexiva do indivíduo, em que são promovidas pela criação
de uma relação construída por meio da prática do diálogo,
mas um diálogo aberto a outras visões, concepções, conceitos
do outro, é preciso que exista respeito ao outro.
Através dessa relação é possível estimular o protagonismo
dos atores e atrizes populares de forma horizontalizada, pois
cada indivíduo é portador de um saber próprio, e esse saber
é compartilhado com outros indivíduos históricos, contribuindo
para a troca de conhecimentos e experiências. Quanto às
práticas comunitárias e populares produzidos no âmbito
comunitário, precisamos entender que a universidade não
é detentora do conhecimento, a comunidade contribui
significativamente na construção dos saberes que são
necessários para os estudantes, professores e a universidade.
No sentido de descobrir caminhos e práticas possíveis
para se fazer um trabalho e um agir da comunidade na
universidade pautado numa perspectiva crítica, humanizadora,
integral e necessariamente participativa, ou seja, práticas
sociais não prescritivas ou normativas e desumanizante por
meio de uma maneira dialógica muito inspirado nos princípios
da Educação Popular. A universidade precisa abrir espaços
SUMÁRIO
215
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
de diálogos para que esses atores populares compartilhem
seus saberes, experiências (FALCÃO, 2014a).
Sendo assim, as práticas sociais que são produzidas
em comunhão com os membros comunitários constroem
conhecimentos diversificados, valorizam a cultura local, os
saberes e as experiências vividas pela população, como
também, possibilita autonomia e criticidade dos atores e autores
populares. Por meio dessas práticas democráticas é possível
estimular a participação desses membros comunitários quanto a
postura na sociedade de forma crítica-reflexiva, constroem laços
com os estudantes, professores e contribuem para que esses
indivíduos ampliem seus conhecimentos, incitando-os a terem
maior responsabilidade, comprometimento e corroborando
para a constituição de profissionais humanizados, reflexivos e
com intencionalidade política.
Referências
ABÍLIO, I. S. Práticas integrativas e populares de
cuidado, seus processos educativos e comunitários:
sistematização da experiência de Palmira Sérgio Lopes.
Monografia (Bacharelado em Terapia Ocupacional)
- Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB,
2017.
CRUZ, P. J. S. C. Extensão popular: a pedagogia da
participação estudantil em seu movimento nacional.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, 2010.
216
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
CRUZ, P. J. S. C., et al. (org.). Caderno de extensão
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SUMÁRIO
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218
SUMÁRIO
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SUMÁRIO
219
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
OS FIOS (IN)VISÍVEIS ENTRE
A EDUCAÇÃO POPULAR E
A PEDAGOGIA SOCIALISTA
SOVIÉTICA
José Aclecio Dantas
Introdução
Este artigo foi gestado a partir de algumas inquietações
que surgiram quando concomitantemente estávamos realizando
leituras da disciplina Tópicos especiais em Educação popular
- produção compartilhada do conhecimento na pesquisa
e na ação social, para o doutoramento em Educação na
Universidade Federal da Paraíba, e leituras livres e cotidianas
que despretensiosamente aportaram nos escritos de alguns
pedagogos da educação socialista soviética do início do
século XX, Pistrak e Krupskaia. Por isso, tomamos a ousadia de
escrever sobre alguns fios visíveis, ou invisíveis, entre essas duas
categorias: a Educação popular e a pedagogia socialista.
Por isso, nossa primeira percepção foi que ambas tinham
essa força que impulsiona seja as consciências reificadas, ou as
já desreificadas, em direção à construção de um mundo livre
220
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
das diversas formas de opressão que surgem das dominações
econômica, política, étnica, religiosa e, por assim não dizer,
social em suas próprias épocas e conjunturas históricas.
A metodologia adotada na pesquisa tratou-se de uma
pesquisa de cunho bibliográfico, da mesma forma classificada
enquanto pesquisa descritiva e qualitativa, que tem a análise
do discurso um de seus instrumentos e técnicas de análise dos
dados.
O caráter descritivo da pesquisa se embasou nos aspectos
da formulação das perguntas que nortearam a pesquisa,
estabelecendo as relações entre algumas características
notórias da Educação popular em similitude com algumas
salientes características da pedagogia socialista soviética em
questão.
Destarte, é importante destacar o que esse trabalho
não se propõe ser um trabalho anticrônico, porque não
pretendemos analisar os fatos, conceitos e ideias de uma
época equivocadamente com base em fatos, conceitos e
ideias de outro tempo ou conjuntura histórica. Nosso estudo
comparado, aqui realizado, também não se alicerça em uma
evolução histórica de determinadas características de uma
pedagogia aplicada, mas se alinha com a ideia que vários
pressupostos da educação popular puderam se espelhar em
positivas abordagens e experiências das pedagogias socialistas
do passado, ressignificando ou adaptando-as à sua realidade
contemporânea.
A pedagogia socialista apresentada é fruto do
socialismo real ocorrido nas três primeiras décadas do século
XX, precisamente entre o ano de 1917, data da mudança
revolucionária na Rússia, quando as bases sociais começaram
a ser alteradas em direção à construção do socialismo, e o
SUMÁRIO
221
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
ano de 1931, que é o ano da primeira reforma educacional na
União soviética (FREITAS, 2013, p.10). No entanto, nossa ênfase
repousa em um período mais estreito que abrange o governo
de Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido pelo pseudônimo
Lenin, que ocorreu entre 1917 e 1924, ano de seu assassinato.
Isto porque, Lenin foi um dos grandes idealizadores e defensores
da nascente pedagogia socialista soviética.
No outro lado desse exercício de comparação se
encontra a Educação popular brasileira principalmente no
que se refere ao âmbito da construção compartilhada do
conhecimento na pesquisa e na ação.
Apesar de ser a educação popular um movimento que
já se germinava no Brasil e na américa latina muito antes de
sua conceituação mais aceita, “a educação popular emerge
como um movimento de trabalho político com as classes
populares através da educação” (BRANDÃO, 2006, s.p.). Assim
dizendo, as primeiras experiências de educação libertadora
com as classes populares surgem:
[...] no Brasil no começo da década de 60. Surge
no interior de grupos e movimentos a sociedade
civil, alguns deles associados a setores de governos municipais, estaduais, ou da federação. Surge como um movimento de educadores, que
trazem, para o seu âmbito de trabalho profissional e militante, teorias e práticas do que então se
chamou cultura popular, e se considerou como
uma base simbólico ideológica de processos políticos de organização e mobilização de setores
das classes populares, para uma luta de classes
dirigida à transformação da ordem social, política, econômica e cultural vigentes. (BRANDÂO,
2006, s.p.)
222
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Esta educação que repõe o popular, sua cultura e
seu saber no centro do ensino, da pesquisa e da ação social
tem em Paulo Freire um de seus intelectuais brasileiros mais
conceituado e adotado como referência, principalmente
pelo motivo da pedagogia ter possibilitado ao conjunto dos
trabalhadores uma reflexão sobre sua situação de opressão
em que estavam imergidos e transformar essa situação em
instrumento de luta política.
Desta maneira, decidimos iniciar o desenvolvimento
desse artigo com a valorização da educação realmente
popular como instrumento de transformação social radical.
Por uma educação socialmente popular
Tomamos inicialmente as palavras de um grande
pedagogo para ilustrar o sentimento pedagógico que nos
invade a alma e nos mobiliza em direção da construção de um
mundo novo e melhor: “Mas sinto-me antes de tudo pedagogo
e não só antes de tudo, senão sempre e por toda a parte”
(MAKARENKO)14.
Popular e educação15 são dois termos que representam,
na história social moderna, duas categorias concretas que
produziram, entre si, mais momentos de estranhamentos e
alargamentos dos espaços de convivência do que períodos
de imbricamento e associações empíricas, o que não quer
dizer que em certos momentos históricos, nos processos e
programas educacionais, não tenha havido certas concessões
aos populares para sua participação nesses processos.
14
15
Textos descritos em FILONOV (2010, p.114).
Estamos nos referindo especificamente a educação escolar, livresca, curricular e estatal.
Uma educação que engloba a educação básica e superior.
SUMÁRIO
223
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
No entanto, tais suspeitadas concessões foram se
sucedendo de acordo com interesses mais hegemônicos e
não sem uma participação de lutas e reivindicações, as mais
diversas possíveis, por parte das classes populares dominadas,
mas que, no geral, essas concessões se alinhavam com os
embates entre capital e trabalho, principalmente no que
tange o movimento de forças contra hegemônicas do capital
na questão social.
O que queremos dizer com isso é que na relação
entre educação e população16 existe um agente mediador,
entre outros, que determina certos movimentos de pressão e
concessão: o trabalho. O trabalho que medeia a relação entre
educação e população não é aquele trabalho específico
e empírico como o trabalho concreto do pedagogo ou do
professor de disciplina, mas um trabalho abstrato que se
presentifica enquanto agente político nos embates entre
classes, dominantes e dominados, capital e trabalho.
Com isso, o trabalho que medeia as relações entre
educação e população não é o trabalho deslocado de seu
embate com o capital, é o trabalho em movimento, em relação
com o capital, fazendo que essa relação de conflito resvale na
mediação entre educação e população. Destarte, da mesma
forma que o trabalho medeia a relação entre educação e
população o capital também se impõe nessa mediação.
No entanto, a “mediação” exercida pelo capital não
é uma mediação de plano secundário, nem uma mediação
no sentido estrito desta palavra, ou seja, que está no meio. O
capital entra no campo das mediações como um agente
Estamos utilizando esse termo no sentido de um conjunto de pessoas que compõem uma
categoria particular (HOUAISS, 2002), com suas particularidades e vivencias que superam
a ideia de um conjunto mais amplo de uma sociedade. Estamos nos referindo a classe
popular.
16
224
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
dominante, determinante, formador e influenciador das
tendências que lhes cabe e que são de seu interesse. O capital
impõe, assim, os determinantes e as condições de efetivações
dos programas e processos educacionais que devem ou não
devem historicamente alcançar as massas populares, isso
porque “No estado burguês [...] a escola é um instrumento
de subjugação intelectual de amplas massas nacionais”
(KRUPSKAYA, 2017, p. 65).
No que se refere a isso, o capital deixa de ser um mediador
para ser o agente dominante que sistematicamente impõe aos
processos educacionais determinados avanços, ou retrocessos,
em relação às necessidades dos grupos populacionais dos
quais ele quer se valer, pois:
Sob o capitalismo, a educação é subsumida na
instrução. As razões são conhecidas: primeiro, a
educação/instrução das classes trabalhadoras
deve ser feita a conta-gotas, pois é matéria explosiva; segundo, subsumida, ela ocorre em um
espaço de informalidade onde o status quo age
livre de qualquer contraposição, ou até mesmo
livre de um planejamento intencional (currículo
oculto?). Centrada na escola, espalhada pelos
seus recantos de maneira informal, esta educação omite as contradições sociais e apresenta ao aluno uma perspectiva de preparação
para uma vida que já está pronta, e que deve
ser apenas aceita por ele como um bom consumidor de mercadorias e serviços (PISTRAK, 2013,
p.79).
A título desta ilustração os hiatos existentes na relação
entre popular e educação precisam se esmiuçar e se apresentar
SUMÁRIO
225
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
em uma dupla via, numa dupla direção: do popular à
educação, e da educação ao popular.
Pela via popular/educação encontramos os baixos
níveis, senão inexistentes, de participação dos conhecimentos
populares na formação dos conteúdos curriculares; a baixa
participação popular na formação generalista dos alunos e
nas tomadas de decisões coletivas; alguns estranhamentos
com a rotina escolar; deslocamentos da responsabilidade
da educação doméstica para o ensino escolar; a gradual,
parcialmente e lenta assimilação dos objetivos virtuais17 da
educação escolarizada; a apreciação da escola como um
lócus de guarda temporal da criança fora do ambiente familiar
esvaziado pelo trabalho concreto dos responsáveis.
Em sentido oposto, na direção tomada a partir da
educação em linha com o popular, encontramos a elitização
histórica do conhecimento cultural humano em mãos e domínio
das classes dominantes; a seletividade também histórica da
educação quando dos processos de lenta popularização
do acesso à educação escolar; a própria segmentação
e valoração da educação enquanto trabalho intelectual
em contra ponto ao trabalho/conhecimento manual; a
cientificização do conhecimento como único conhecimento
socialmente válido e assim, a concomitante periferização
da cultura popular ou mistificação de alguns conhecimentos
populares como entretenimentos midiáticos.
Esses são, entre outros, alguns dos conflitos e
espaços não solucionados na relação entre educação e
o popular. Isso porque, em certa medida, a educação
17
226
Dado a existência de objetivos reais velados que se ligam aos interesses dominantes de
condicionamento de uma classe dominada, dócil, ordeira, comportada e adequada aos
padrões de exigência técnica do modo de produção vigente
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
enquanto espaço de transmissão formal de conhecimento
transformada em instituição formadora dos indivíduos18 se
desenvolveu na modernidade como um espaço não popular,
não destinado às massas populares, mas sim como prêmio,
estandarte e máquina reprodutora do poder, influência e
dominação das classes política e econômica mais abastadas,
em síntese: os burgueses. Destarte, “A escola é um instrumento
de dominação de classe” (KRUPSKAYA, 2017, p.63), e “se não
fosse capaz disso, teria sido eliminada como um corpo estranho
inútil” (PISTRAK, 2011, p.23).
A educação moderna, dentro do modo de produção
capitalista é uma educação nos moldes burgueses, reflete seus
anseios, desejos, objetivos e sua ética e moral mais enraizadas,
é uma educação para uma minoria. É um dos grandes trunfos
da burguesia, porque ela tem o poder de os destacar das
massas incultas, deseducadas, determinando seus status sociais.
A história da educação no Brasil corrobora com o
que afirmamos anteriormente, principalmente nos primeiros
parágrafos escritos sobre estranhamentos e alargamentos dos
espaços de convivência. Isso porque, os processos educacionais
no Brasil foram se formando ancorados e embasados em direitos
de classe, socialmente afirmados, entre as elites econômicas
e religiosas. Processos que se iniciaram na perspectiva do
proselitismo e da catequização dos povos dominados, dado
o monopólio da vertente religiosa nos primórdios educacionais
no Brasil.
A educação formal no Brasil se inicia com os Jesuítas
na metade do século XVI (SAVIANI, 2008, p.15). Mas não
18
A escola nos moldes da educação burguesa se esforça para formar um ser nômada com
objetivos bem definidos.
SUMÁRIO
227
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
é uma educação popular 19, é uma educação religiosa
colonizadamente imposta para domesticação do popular,
que nas palavras de Saviani (2008, p.31) é um fenômeno de
aculturação20. Esse fenômeno, em relação aos dominados,
segundo Bosi (1992, p.17) “se traduziria, afinal, em sujeitá-lo
ou, no melhor dos casos, adaptá-lo tecnologicamente a um
certo padrão tido como superior.” Esse tipo de proposição na
educação se alongou até 1759, e se mesclou com a educação
leiga até 1932 (BOSI, 1992, p.17). Sujeição e adaptação são duas
características do poder elitista ainda preservadas nos objetivos
principais dos processos educacionais contemporâneos
traduzidos em sujeição dos corpos e adaptação aos padrões
normativos comportamentais da escola burguesa. Isso porque:
Historicamente, não podemos esquecer que as
camadas pobres da população brasileira (índios, caboclos, negros escravos, e depois forros,
mestiços suburbanos, subproletários, em geral)
foram colonizadas pela cultura rústica ou, eventualmente, urbana dos portugueses, e pelo catolicismo ritualizado dos jesuítas; e agora, já em
plena mestiçagem e em plena sociedade de
classes capitalistas, estão sendo recolonizadas
pelo Estado, pela Escola Primária, pelo Exército,
pela indústria cultural e por todas as agências de
aculturação que saem do centro e atingem a
periferia. (BOSI, 1992, p.336)
19 A educação popular é definida por Paulo Freire como “o esforço de mobilização,
organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica.”
(FREIRE,1993, p.19).
20 Apesar de ser um termo que representa um fenômeno que funcionava, à época, como uma
política de colonização, preferimos entender alguns dos processos envolvidos como uma
pressão que exerce, nas fronteiras interétnicas, certa mobilidade sociocultural, visibilizando
determinados traços culturais ao ponto que invisibilizava outros.
228
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
De certa forma, essa imposição de uma cultura sobre
outra, principalmente de uma cultura letrada sobre outra
socialmente inferiorizada, neste caso o popular, caracterizava
potencialmente o caráter elitista e etnocêntrica da educação
entre os séculos XVI e XIX. E essa elitização educacional
e hipervaloração de uma cultura em relação a outras
condicionava o popular e seu saber às esferas do informal,
do senso comum, do primitivo, do arcaico.
Essa elitização da educação fica clara quando
observamos a referência que Saviani (2008, p.95,96) traz das
palavras de Dom José I, Rei de Portugal em 1772, ao levar em
consideração que:
[...] nem todos os indivíduos destes Reinos e seus
Domínios se hão de educar com o destino dos
Estudos Maiores”. E prossegue considerando que
ficam excluídos desse destino os “empregados
nos serviços rústicos e nas Artes Fabris, que ministram sustento dos Povos e constituem os braços
e mãos do Corpo Político”. Para esses, diz o rei,
bastariam “as Instruções dos Párocos”. [...]. Observa, ainda, que mesmo as pessoas com habilidade para os estudos também estão sujeitas a
grandes desigualdades: “bastará a uns que se
contenham nos exercícios de ler, escrever e contar”; a outros bastará a língua latina[...]
Em suma, a educação no Brasil até 1827, tinha o objetivo
elitista de ser o instrumento de formação da elite colonial. Uma
elite colonial, burguesa e capitalista.
Nos entremeios dos séculos XVIII e XIX, os processos
de industrialização alavancados nos países cêntricos pelo
desenvolvimento das forças produtivas do capital formataram
as necessidades de uma massa de trabalhadores capacitada
SUMÁRIO
229
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
a responder as exigências das maquinarias nas fabricas. No
entanto, a massa de trabalhadores iletrados não conseguiria
trabalhar nas novas máquinas e indústrias burguesas,
alavancadas pelas novas tecnologias, se não soubesse
ler os avisos, manuais, orientações e normas de trabalho e
manutenção das maquinas. Então, a solução encontrada
passou pela concessão de uma educação básica estritamente
alfabetizadora para os filhos dos trabalhadores na forma de
uma instrução pública e gratuita. Assim, era preciso formar
uma nova força de trabalho adequada aos tempos modernos
através da formação de uma tradição disciplinar. Eram as
protoformas da “universalização” do acesso à educação,
motivadas pelos interesses rentistas dos capitalistas.
Mas, de forma alguma, essa “universalização” desde
suas origens representou a popularização da educação, visto
que, as camadas populacionais que acessavam a educação
burguesa adentravam ao espaço escolar institucionalizado
como força produtiva em formação, como subjetividade
coisificada. O popular começou a circular dentro do universo
escolar apenas como objeto e não como sujeito, em processos
de amoldamento, silenciamento e condicionamento aos
padrões fabris burgueses, pois:
[...] enquanto se desenvolve a batalha pela estatização, democratização e laicização da instrução, todo o sistema educativo vai mudando
em muitos de seus aspectos. Especialmente, verifica-se “a aliança do saber com a indústria” :
a instituição escola recebe do trabalho produtivo conteúdos culturais antes excluídos; as novas
disciplinas científico-técnicas são o aspecto moderno dos conhecimentos inerentes às antigas
artes mecânicas. O aprendizado corporativo,
230
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
tendo desaparecido perante a fábrica, deixa
como herança à instituição escola, até agora
elitista e exclusivamente intelectual, suas exigências produtivas e manuais: a fábrica dá a essas
exigências as novas características da “grande
ciência” moderna. Nos modernos sistemas estatais de instrução entram, de fato, também as
escolas de artes e ofícios, os institutos profissionais
e técnicos, as novas faculdades de engenharia
a nível universitário. Dessa forma, na velha instituição educativa dos dominantes, sobrecarregada
de todas as contradições que Grécia e Roma
já exibiram, entram conteúdos novos e uma população nova, preparando novas contradições.
(MANACORDA, 1992, p.359).
No Brasil, o fenômeno do escravismo se responsabilizou
em estender ainda mais a lacuna entre popular e educação,
dado que a tradicional consideração da “inumanidade”
dos escravos negros à época não lhes permitia o acesso à
educação formal, salvo raríssimas exceções21. Daí a pressão
e exigência do capital internacional na segunda metade do
século XIX, primeiro na transformação do trabalho escravo em
trabalho livre e assalariado e depois em garantir a formação
educacional desta parcela de força de trabalho ao ritmo da
fábrica.
Não se pode afirmar que os trabalhadores, em certo
sentido estritamente limitado, não tenham progredido em
status e mobilidade social com a implementação do trabalho
livre e assalariado, dado ser outra forma de relações sociais de
produção que se estabeleciam. No entanto, no que diz respeito
21
Dado a existência de negros livres ou alforriados que estudavam por condições próprias
ou de escravos financiados por seus senhores no intuito de aproveitarem seu trabalho no
comércio ou em algumas atividades que requeriam leitura e escrita.
SUMÁRIO
231
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
às políticas educacionais, sua cultura, sua cotidianidade, seu
universo estético, lúdico e epistemológico não foi incluído
nas formulações das bases educacionais brasileiras durante
os processos de ampliação do acesso à educação. Desta
forma, as manifestações culturais, os movimentos sociais ainda
não organizados e as necessidades e interesses das classes
populares, transitaram nos espaços escolares como conteúdos
e programas acessórios expressos nas datas comemorativas,
festas populares, entre outros. A pessoa do popular adentrou
os portões da escola, mas deixou seu mundo do lado de fora
dela.
De certo, é preciso contextualizar essa afirmação, visto
que esses processos que intentam homogeneizar culturalmente
a sociedade aos padrões burgueses não acontecem sem
diversas formas de resistência, isso porque nas relações sociais
de educação as subjetividades mesmo em processos de
dominação conseguem impor determinadas visibilidades e
conquistar determinados espaços, que mesmo desproporcionais
em relação a quantidade de populares ali existentes, não são
insignificantes do ponto de vista de suas conquistas.
Com o avanço das forças produtivas do capital, o
adentramento ao século XX e o adensamento das relações
sociais entre popular e educação, capitaneadas pelo
desenvolvimento técnico industrial e mediadas pelo trabalho,
a educação mundial passou por grandes transformações
enquanto a educação brasileira passou para o processo de
consolidação de sua segunda fase, a fase seletiva.
O rápido e tardio industrialismo brasileiro após libertação
dos escravos e proclamação da república forçaram a expansão
da educação no Brasil exigindo a formação básica dos futuros
trabalhadores através de uma educação pública universal
232
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e gratuita, isso porque o capital já tinha descoberto que:
“governar massas alfabetizadas é mais fácil do que lidar com
pessoas que não são capazes de ler os regulamentos internos
ou ordens do governo, que não podem assinar o seu nome,
que são incapazes de fazer um cálculo dos mais simples”
(KRUPSKAYA , 2017, p.67).
No entanto, o caráter pseudo universalista da educação
brasileira no período que ficou conhecido como a República
Velha22 (1889-1930), seguindo as exigências de uma burguesia
agrária e oligárquica se estendeu lentamente e em limitados
raios de inclusão, priorizando a seletividade dos indivíduos
ou das categorias sociais que seriam privilegiadas pela
educação pública. Um tipo de sociedade que Karl Popper23
(apud FREIRE,1967, p.47) conceitua como uma “Sociedade
fechada”, no qual sua alienação cultural, como sociedade
reflexa, correspondia uma tarefa alienada e alienante de
suas elites.
A educação brasileira sob regência burguesa não poderia
ceder à universalização de uma educação de qualidade
equânime e equitativa, pois isso” Seria uma contradição se
os opressores, não só defendessem, mas praticassem uma
educação libertadora” (FREIRE, 1974, p.43). Seletividade no
acesso e seletividade no conteúdo a ser administrado as massas
populares. Assim, parafraseando o que Freire (1974, p.67) disse
ainda na década 1960, a seletividade na educação brasileira
promoveu uma relativa “absolutização da ignorância”24,
22
23
24
Ou Primeira República.
Em “A Sociedade Democrática e seus Inimigos”.
Exposição de Paulo Freire a respeito da educação bancária, modelo hegemônico da
educação tradicional brasileira, que refletia, ao nosso ver, o estabelecimento dos hiatos
cada vez mais amplos entre a educação e o popular. Para Paulo Freire “o “saber” é uma
doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa
das manifestações instrumentais da ideologia da opressão — a absolutização da ignorância,
que constitui o que chamamos de alienação da ignorância[...]”.
SUMÁRIO
233
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A seletividade da educação brasileira após proclamação
da república se tornou tão enraizada e tão limitante do
conhecimento disponível à classe popular que entre as décadas
de 1940 e 1960, segundo Brandão e Fagundes (2016, p.91)
ainda se discutia que
[...] o analfabetismo era um câncer que precisava ser eliminado, pois atrasava o desenvolvimento do Brasil. Nessa direção, o currículo proposto
baseava-se em conhecimentos, como: ler, escrever e calcular, considerados como aprendizagens suficientes para o desenvolvimento do
pensamento; trabalhos na agricultura, técnicas
comerciais, trabalhos caseiros e edificação, para
promover o desenvolvimento profissional e o progresso econômico; desenvolvimento de habilidades domésticas, para poder trabalhar com crianças, enfermos e preparação de alimentos; meios
de higiene pessoal e coletiva, para o desenvolvimento moral e intelectual, entre outros.
Enquanto, na educação brasileira das primeiras décadas
do século XX, os embates e lutas de classes tentavam ainda
alargar o terreno de acesso à educação pública de qualidade,
mesmo que permitindo a crescente dissociação entre o popular
e a educação, a pedagogia socialista fazia o caminho inverso,
ou seja, considerava como ponto nodal “ligar a escola,
como fosse possível, fortemente com a vida, aproximar-se da
população” (PISTRAK, 2013, p.15).
No Brasil, apenas a partir da década de 1960, na linha
das discussões estabelecidas pelos países socialistas e ações
pedagógicas de Paulo Freire e vários pedagogos progressistas25
Saviani (1989) classifica as teorias criadas por grande parte dos pedagogos ditos progressistas
como “teorias críticas reprodutivistas”, pois apesar de apresentarem fortes críticas ao sistema
25
234
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
se estabelecem os pressupostos basilares para a formação de
uma educação popular brasileira, surgida inicialmente como
movimentos de cultura popular, isso porque “é nos anos 1960,
com Paulo Freire, que se tem, pela primeira vez, de forma
consistente, uma pedagogia anunciada das classes populares”
(PALUDO, 2001, p.91).
Tornou-se, assim, a via possível dentro de uma estrutura
não socialista para a reinserção vincular do popular e sua cultura
nas dinâmicas de construção social através da educação,
mas não apenas neste campo, como uma prática coletiva
e socialmente significativa para esta classe. Um processo de
formação omnilateral26 da vida social.
Em suma, a educação burguesa brasileira historicamente
renunciou progressivamente o popular de sua educação,
enquanto a nascente pedagogia socialista, das primeiras
décadas do século XX, considerava válida apenas uma
educação que estivesse estritamente vinculada com o popular,
que mantivesse seu caráter cientifico sem perder de vista a vida
concreta de seu povo. Por esse caráter popular da pedagogia
socialista, consideramos de suma importância encontrar
quais fios visíveis ou invisíveis ligam epistemologicamente as
pedagogias da educação popular brasileira e da educação
socialista da URSS.
educacional vigente contribuíam para a reprodução da função própria da educação que
era a reprodução da sociedade em que estava inserida, ou seja “reproduzir a sociedade
de classes e reforçar o modo de produção capitalista” (Ibidem,p.27). Não se incluindo nessa
classificação as teorias tecnicistas e escolanovista que Saviani considera como teorias não
críticas.
26 Este termo Marxiano se opõe a concepção de educação humana unilateral provocada
pelas relações burguesas estranhadas.
SUMÁRIO
235
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Fios in(visíveis) convergentes entre educação popular e
pedagogia socialista
O nosso exercício de busca pelos fios convergentes
entre a pedagogia socialista e a educação popular não se
estabelece a partir de um processo de categorização valorativa
de qualquer uma das partes em relação, até porque, cada
uma delas tem seu próprio valor sócio histórico. Nem tampouco
queremos com isso fundar pressupostos que liguem a educação
popular contemporânea com a pedagogia socialista do início
do século XX, até porque nosso referencial aqui adotado, de
pedagogia socialista, se embasou nos relatos de experiências
da formação das escolas soviéticas nos primeiros anos da
revolução russa, a partir de 1917, principalmente pelos relatos dos
pedagogos soviéticos Pistrak e Krupskaya27 enquanto tomamos
alguns dos principais pontos conceituais da experiência da
educação popular brasileira.
Essa relação que pretendemos estabelecer se esboça
entre as propostas epistemológicas e práxis da educação
popular na construção compartilhada do conhecimento
no Brasil, o que envolve, concomitantemente, o ensino, a
pesquisa e a extensão universitária28 e algumas práticas reais
da educação e pedagogia socialista soviética que ainda
estava em formação, e isso é um dado importante a realçar:
a pedagogia socialista foi colocada em prática antes da
construção de sua teoria. Poderíamos dizer, com isso, que a
Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) e Nadezhda Konstantinovna Krupskaya (1869 –
1939) respectivamente.
28 A produção compartilhada do conhecimento que acompanhamos parte da ação social
coletiva do ensino, da pesquisa e da extensão universitária como lócus privilegiado para
essa ação social. Na ênfase da pesquisa destacamos algumas das diversas terminologias
adotadas na atualidade: pesquisa-ação; investigação-ação; pesquisa participante ou
pesquisa militante.
27
236
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
pedagogia socialista soviética foi desenvolvendo uma teoria
junto ou a “posteriori” a prática, fazendo que os resultados
positivos alcançados além de fluidos e gelatinosos fossem
lentos e processuais, o que não descaracterizou suas boas
intencionalidades.
É preciso ressaltar que o período da pedagogia socialista,
que tomamos em questão, engloba apenas o espaço temporal
que corresponde a influência e dedicação político pedagógica
de Vladimir Ilyich Ulyanov Lênin na construção da nascente
pedagogia socialista soviética.
Um destaque deve ser feito em relação a algumas
diferenças entre os dois objetos aqui relacionados, a pedagogia
socialista e a educação popular. Primeiro, porque o foco de
preocupação da pedagogia socialista nascente naqueles
primeiros anos do governo socialista estava na educação
básica, o que compreendia a educação obrigatória das
crianças e adolescentes até 16 anos, enquanto o foco da
educação popular por nós aqui adotado assenta sobre a
construção compartilhada do conhecimento nas ações
emancipadoras que envolvem principalmente, mas não apenas
eles, os jovens e adultos. Então, apesar de serem objetivadas em
períodos históricos e em faixas etárias relativamente distintas,
essas diferenças enriquecem ainda mais as comparações
positivas destas duas concretudes, visto que as propositividades
conceituais e objetivos propostos por ambas poderiam, com
suas adaptações necessárias, serem colocadas em prática
concomitantemente.
Outra diferença importante a destacar é o tipo de
modo de produção em que se assenta cada uma delas, uma
diferença radical, uma no socialismo real do primeiro quartel
do século XX, e a outra no modo de produção capitalista
SUMÁRIO
237
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
em suas fases imperialista e financeira. Uma radicalidade
que salienta o potencial de resistência da educação popular
contemporânea.
Não se pode esquecer também do caráter pedagógico
da ênfase no trabalho socialmente útil da escola do trabalho
soviética, no qual o trabalho assumia sua força formativa na
construção da coletividade comunista.
A existência dessas, e de tantas outras diferenças não
impõem aos pontos convergente e aos fios que se entrelaçam
nenhum descrédito ou impossibilidade de comparação, mas
instigam aos pensadores imbricações mais sutis. Toda diferença
tem seu jogo dialético com as semelhanças relacionadas.
Nestes termos, procuramos realizar um exercício
de comparação entre as categorias pares: universidade/
pesquisador na construção compartilhada do conhecimento
norteada pelos objetivos da educação popular e a escola/
criança da pedagogia socialista. Uma comparação entre
conceitos, didáticas, objetivos epistemológicos, ações sociais,
trabalhos úteis e paradigmas em ambas as partes.
Inicialmente precisamos definir que a educação popular
do qual nos referimos e nos orientamos não se alinha com a
conceituação da educação popular como uma educação
do povo, no tocante exclusivo do direitos de todos ao acesso à
escola, nem tão pouco entendemos restritivamente e aceitamos
a dimensão capitalista do termo educação popular como uma
educação para o povo que se volta a preparação de força
de trabalho dócil, adequada e relativamente qualificada as
exigências crescentes do mercado de trabalho e o suspeitado
desenvolvimento dito econômico nacional, uma educação
tecnicista, mecânica, bancária e antidialógica.
238
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A educação popular, que nos norteia, não é apenas
um método de trabalho coletivo, uma prática educativa, uma
pedagogia libertária, uma política emancipadora, um socialismo
epistemológico e uma ação social ou intencionalidade
transformadora, mas é, ao mesmo tempo, tudo isso, abrangendo
também toda a consideração e envolvimento coletivo da
cultura popular e seus atores na construção de um mundo
novo. A educação popular não se dobra à conservação
nem a reprodução social da opressão, da superioridade e
dominação de classe, mas busca transformar a sociedade
e emancipar os sujeitos através de um projeto sociopolítico
libertador, apostando nos movimentos populares e sua cultura,
nos termos de Freire (1967; 1974).
Neste quesito, a pedagogia socialista compartilha
desses mesmos ideais, pois além de contestar as formas de
dominação, exploração e barbárie a que todos os povos,
classes e grupos sociais são submetidos no sistema do modo
de produção capitalista, tem como princípios uma concepção
dialética de incompletude do ser humano e da educação que
só se transformam com as revoltas e revoluções populares na
concretização de sua emancipação.
A educação popular tem, em sua práxis, os princípios
do reconhecimento do processo educativo como uma prática
que se situa em uma determinada conjuntura, ou seja, um
determinado contexto econômico, social, político, cultural,
ideológico, tanto local e imediato como global e mediato, e que
responde as orientações positivas ou negativas da sociedade
capitalista em suas contradições e relações estabelecidas. Tem
também em sua práxis os princípios do reconhecimento e da
afirmação que o ensino não significa apenas a transmissão do
conhecimento acumulado culturalmente, mas que também
SUMÁRIO
239
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
tem o fim de criar as condições da produção ou construção
compartilhada desse conhecimento como um bem social
coletivamente produzido e usufruído.
Seguindo essa linha de fios convergentes, na construção
compartilhada do conhecimento29 efetivada pela Educação
popular podemos observar as seguintes proposituras da
educação popular baseadas nas descrições de Brandão
(2006) sobre os princípios operativos da pesquisa participante30,
e comparar com certas similitudes31 encontradas na pedagogia
socialista.
Conversão da relação sujeito/objeto em uma relação
sujeito/sujeito
Na construção compartilhada do conhecimento da
educação popular às relações sociais estabelecidas, no âmbito
da pesquisa, exigem que a relação positivista entre pesquisador
e pesquisado dicotimizada em uma relação que subjetiva
o primeiro e objetiva o segundo, transformando este último
em uma coisa que deve ser cientificamente esmiuçada seja
convertida em uma relação em que ambos se tornam sujeitos
do conhecimento. A subjetivação do “objeto de pesquisa”
na Educação popular permite que introjetado com toda sua
cultura, voz, visão de mundo e conhecimento adquirido em sua
própria cotidianidade transforme o conhecimento construído
coletivamente em um reflexo mais verídico da própria cultura
coletiva, o que tem a condição de impulsionar transformações
societárias mais igualitárias.
29
30
O que envolve o ensino, a pesquisa e a extensão universitária.
Na américa latina a pesquisa participante tomou a forma da Educação popular.
(BRANDÂO, 2006, s.p).
31 Algumas dessas convergências estão em plano abstrato e outras em plano concreto.
240
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A pedagogia socialista que abordamos segue princípios
basilares de igual monta, ao propor a autodireção e o
autosserviço nas relações estabelecidas a partir da escola,
não como mera ativação da criança, mas numa construção
coletiva do conhecimento no qual o aluno se transforma em
sujeito (FREITAS, 2013, p.28). A autodireção e o autosserviço
colocavam a criança na efetiva participação na gestão, no
planejamento e concretização do processo educativo em
todos os seus âmbitos, o que representava a realização de um
processo educativo voltado e fundamentado pela vivência
das crianças reais. A pedagogia socialista era a partir de, para
e com as crianças.
Se tomarmos as relações escolares do modelo de
escola capitalista do regime czarista, pré revoluções socialistas
que seguiam a relevância do padrão escolar burguês como
exemplo, veremos que neste tipo de escola burguesa os
alunos, objetos de intervenção pedagógica, eram concebidos
como “receptáculos rasos”, no qual o conhecimento era
depositado32, uma criança anulada, bestializada, concebida
como objeto; uma coisa sem cultura, sem humanidade e, por
isso, sem historicidade.
A pedagogia socialista resgatou a criança como
ser histórico, colocando-a no centro de toda a orientação
da atividade educativa (KRUPSKAYA, 2017, p.47), tanto em
consideração a sua vida prática quanto sua participação na
coletividade. Quem, na educação burguesa, era um objeto
de intervenção, na pedagogia socialista era transformado em
sujeito efetivo da vida e dos processos de construção dessa
vida agora coletivizada.
32
O que Paulo Freire denunciaria décadas mais tarde como uma “educação bancária”
(FREIRE, 1974, p.120).
SUMÁRIO
241
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A pedagogia socialista desfazia a contradição
educador/educando, enquanto na contemporaneidade
brasileira, a educação popular procura decompor a
contradição da relação sujeito/objeto, no qual os envolvidos,
educando e objeto, transformam-se em sujeitos da produção
do conhecimento e de sua realidade vivida.
A realidade concreta da vida cotidiana é seu ponto
de partida
A transformação do objeto de pesquisa, pela educação
popular, em sujeito na construção compartilhada do
conhecimento implica indissociavelmente na consideração
da realidade concreta dos sujeitos em relação construtiva do
conhecimento como ponto de partida na formação de um
conhecimento e uma epistemologia não mais particionados
entre “eu” e “eles”, mas articulados a partir do “nós” de uma
vida não mais idealmente abstrata, mas humanamente real.
Deixa de ser teórica para ser prática vivida, uma “Pedagogia
do Território” que “possibilita a experiência de vivenciar o
mundo do outro, tantas vezes invisibilizado, deslocando de
nosso lugar social para nos deixar afetar [...]” (TUPINAMBÁ e
RIGOTTO, 2019, s.p.). Para Krupskaya (2017, p.47) “a vida real,
a plenitude das emoções dos fatos pode fazer muito mais
para captar a atenção de uma criança do que o mundo
imaterial de associações e ideias”, por isso, “a realidade de
seu entorno, o país, tornou-se o ponto de partida para todas
as atividades de ensino”.
A ação de tomar a realidade concreta da vida cotidiana
como ponto de partida da produção do conhecimento
aborda o que Freire (2001, p.232) denomina como “saberes
242
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
da experiência feito”. Na pedagogia freiriana os “Círculos
de cultura” onde “a rigor, não se ensina, aprende-se em
“reciprocidade de consciências” (FREIRE, 1974, p.3) exibe esse
vínculo indelével da aprendizagem com o mundo vivido que é
a chave para a construção de um conhecimento que não é
apenas compartilhado, mas compartilhadamente construído.
Para Freire (1974, p.13) “o homem “hominiza-se”
expressando, dizendo o seu mundo. Ai começa a história e
a cultura”. Ao dizer e refletir o seu próprio mundo o homem
contribui para uma educação como prática da liberdade;
primeiro a sua própria liberdade e concomitantemente uma
liberdade estendida ao próprio mundo que ele constrói, “por
isto os homens não se humanizam, senão humanizando o
mundo” (FREIRE, 1974, p.14). Portanto, tal humanização como
prática da liberdade não é auto libertação, nem tão pouco
é libertação de uns feita por outros (FREIRE, 1974, p.58).
Na pedagogia socialista a “pedagogia do meio33” como
um de seus fundamentos cumpria esse papel de ligar os sujeitos
em transformação, suas cotidianidades, suas lutas, seus esforços
e, principalmente, seu trabalho socialmente produtivo. Se
encarregava de materializar as teorias em práticas que se
aproximavam mais da vida do povo.
Para Shulgin (apud FREITAS, 2013, p.27): “as crianças são
parte da atualidade, elas estão e vivem nela e, por conseguinte,
toda a questão está em como ajuda-las, da melhor forma, a
familiarizar-se com os momentos fundamentais da atualidade
[...]”. Disso decorre o caráter participante da criança como
sujeito da vida.
33
“Esta denominação foi entendida, com mais frequência, como “todo o conjunto de
fatores do meio que cerca a criança (produtivo, social, vida familiar e outros) o qual
espontaneamente influência a criança”” (KOROLEV, SMIRNOV apud PISTRAK, 2013, p.97).
SUMÁRIO
243
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A criança e sua vida real, em contraposição à educação
livresca da burguesia, se especificavam concretamente
nos processos educacionais da pedagogia socialista. Para
Freitas (2013, p.27), a criança “está inserida em seu meio e
esta materialidade com suas particularidades e sua cultura
também educa e faz parte da ação educativo-formativa”. E
não tem também esse intuito a educação popular ao “ligar o
ensino e a pesquisa com a realidade” (MELO NETO, 2006, p.41).
Trabalho de educação realizados junto com e a serviço
das comunidades e compromisso ideológico e político
com os setores populares e com as suas causas sociais
Esses são mais dois princípios operativos da educação
popular que convergem simetricamente com a pedagogia
socialista a extinta URSS. Enquanto, na educação popular, o
trabalho social é com (e a serviço dos) oprimidos e dominados,
na pedagogia socialista, tendo a opressão de classe já
suplantada, o trabalho social se direcionava na superação
das marcas deixadas pelos séculos de opressão, exploração,
alienação e coisificação do homem pelo capitalismo. Nesse
ponto convergem: não aceitam nem se conformam a qualquer
espécie de opressão; só aceitam a liberdade como agente
humanizador, na educação popular como um inédito viável34 e
na pedagogia socialista como uma conquista em construção.
Por isso, o trabalho da educação popular volta-se
ao povo, sua cultura e sua vida diária na construção de um
34
244
Um conceito do educador Paulo Freire que é encontrado em quase todas as obras
deste autor, mas que emergiu inicialmente na obra Pedagogia do oprimido. Para maiores
informações sobre esse conceito em Paulo Freire ver Paro, Ventura, Silva (2019).
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
conhecimento que tem valor prático na formação de um
mundo novo construído e usufruído coletivamente.
Em um trecho Freitas (2013, p.15) apresenta a reprodução
de uma fala de Krupskaya, sobre a pedagogia socialista,
quando alude que: “era preciso introduzir conteúdo novo no
ensino, ligar a escola, como fosse possível, fortemente com a
vida, aproximar-se da população [...]”. Aqui temos, expressos
nessa opinião, que a pedagogia socialista procurava atender
as necessidades reais do povo, considerando ao mesmo tempo
a importância do popular e suas estratégias de enfrentamento
em suas cotidianidades.
Unidade entre teoria e prática, construir e reconstruir a
teoria a partir da prática
Ambas pedagogias, educação popular e a socialista,
tratam sobre as relações que se estabelecem entre a teoria
e a pratica, entre o conhecimento por conceito (livro) e o
conhecimento por experiência (prática). E dessa relação
brotam as críticas às sistematizações das epistemologias que
privilegiam uma ou outra, e não consideram sua unidade
dialética, até porque a teoria sem a prática transforma-se em
um academicismo oco, um “palavrismo” ou verbalismo vazio,
enquanto a prática sem fundamentação teórica pode se
tornar um ativismo irracional, um “praticismo” inconsequente.
Assim, admite-se a presunção de que teoria e prática são
faces de uma mesma situação, a produção do conhecimento
que se volta a transformação social: uma práxis social. Por isso
que, a práxis “” é reflexão e ação dos homens sôbre o mundo
para transformá-lo” (FREIRE, 1974, p. 40)
SUMÁRIO
245
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Paulo Freire, ao se posicionar contra qualquer privilégio,
em hipervalorizar quaisquer uma das partes, seja a prática ou
a teoria, erro em que podem incidir tanto os produtores do
conhecimento acadêmico, formal, regular e livresco, quanto
os militantes mais pragmáticos e empíricos dos movimentos
sociais, relata que:
Aprendemos a não romper pensamento e ação,
não estragar a teoria. Toda vez que há rompimento é um rompimento “ENTRE”; logo há perda
desses dois componentes contraditórios. Tu perdes em praticidade, se tomando mais “papagaio falador” de teorias. Tu perdes em teoria, se
tomando menos denso [...] (FREIRE e NOGUEIRA,
1993, p. 37).
Na pedagogia socialista encontramos um discurso que
pode explicar bem essa indissociabilidade entre teoria e prática
ao explicitar as contradições da escola nos padrões capitalistas.
A escola capitalista visava à preparação das crianças para
uma vida futura “que já estava pronta, e que deveria ser apenas
aceita por ele como um bom consumidor de mercadorias e
serviços” (FREITAS, 2013, p.79), uma educação basicamente
teórica referenciada pelos livros didáticos que apresentavam
apenas um vislumbre verbalista do que realmente era a vida;
uma dissociação entre a teoria e a vida (LENIN apud KRUPSKAYA,
2017, p.184).
Ao se estudar assim, deixava-se de perceber as
contradições reais da vida concreta, nas diversas esferas de
sociabilidade nas quais os alunos estavam imergidos. Assim,
“é preciso reconhecer de uma vez por todas que a criança
e, sobretudo, o adolescente, não se preparam apenas para
viver, mas já vivem uma verdadeira vida” (PISTRAK, 2011, p.33).
246
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A pedagogia socialista equacionou esse negativo
rompimento entre teoria e prática, da escola capitalista, ao
colocar o conteúdo cultural da vida concreta do popular no
centro dos processos de ensino e ao privilegiar através da
pedagogia do trabalho, do trabalho útil e produtivo, o saber
local, ou seja, uma educação que partia do lugar no qual a
criança estava inserida com toda sua historicidade e valor
heurístico. Uma ligação da escola, enquanto fonte de teoria,
com o meio e sua unidade orgânica através do trabalho
socialmente útil. Assim, “o trabalho socialmente útil é a conexão
entre a tão propalada teoria e prática” (PISTRAK, 2013, p.33).
Na apresentação do livro fundamentos da escola do
trabalho de Pistrak (2011), Roseli Salete Caldart relata que:
À medida que a escola para a assumir a lógica
da vida, e não de uma suposta preparação teórica a ela, é preciso romper com uma pedagogia da palavra, centrada no discurso e no repasse de conteúdos (diríamos, uma pedagogia “da
saliva e do giz”), e construir uma pedagogia da
ação. (PISTRAK, 2011, p.11)
As crianças assim, não estudariam para uma vida que
é projetada em um vazio distante, mas estudariam sua própria
vida, de sua gente e as condições sociais circundantes, seus
entornos, seus determinantes. Dado que, “a escola somente
atinge os objetivos de educação do povo, se consegue interligar
os diversos aspectos da vida das pessoas” (Ibidem). Desta
forma, a teoria estava sempre em mutantes reformulações ao
se confrontar diariamente com a prática social.
SUMÁRIO
247
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Prática educacional como um ato político e a
investigação, a educação e a ação social dirigidos
à transformação social
Desses seis princípios operativos da educação popular
citados anteriormente, em convergência com os norteamentos
basilares da pedagogia socialista, derivam um imanente sétimo
princípio operativo: o caráter político do conhecimento que
se volta à transformação social. Isso porque, “a ideia de uma
educação apolítica ou neutra não passa de uma hipocrisia
da burguesia, um meio de enganar as massas” (PISTRAK, 2011,
p.18).
Esse caráter político da produção do conhecimento é
bem refletido na própria conceituação da educação popular
realizada por Calado (2014, p. 359), pois, para ele pode-se
entender a Educação popular como um:
[...] processo formativo, protagonizado pela Classe Trabalhadora e seus aliados, continuamente
alimentado pela utopia, em permanente construção de uma sociedade economicamente justa, socialmente solidária, politicamente igualitária, culturalmente diversa, dentro de um processo
coerentemente marcado por práticas, procedimentos, dinâmicas, posturas correspondentes ao
mesmo horizonte.
Paulo Freire, em seu livro Educação como prática da
liberdade (FREIRE, 1967) explica como se dá essa necessidade
de politizar a prática educacional. Primeiramente, para ele,
a coisificação do homem resulta de sua domesticação e
acomodação ao receituário da elite, deixando de ser o criador
de sua cultura (FREIRE, 1967, p.43). Segundo, só através de uma
248
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
atitude crítica para com sua realidade o homem pode superar
a acomodação, no entanto, essa atitude crítica só passa a
acontecer quando o próprio homem começa a capitar sua
realidade vivida (FREIRE, 1967, p.44) e perceber a partir daí
as opressões aos quais ele é submetido e imergido. Processo
esse, que Freire (1967) chama de “transitividade crítica”. Ele
acrescenta:
A realidade social, objetiva, que não existe por
acaso, mas como produto da ação dos homens,
também não se transforma por acaso. Se os
homens são os produtores desta realidade e se
esta, na “invasão da praxis”, se volta sôbre êles e
os condiciona, transformar a realidade opressora
é tarefa histórica, é tarefa dos homens. (FREIRE,
1974, p.39)
Destarte, é salutar considerar a importância que deve
ter a dialogia e a vida concreta e atual do povo, não como
uma projeção futura para a vida, como centro dos processos
de ensino que se desenvolvem no meio escolar, ou seja, uma
intima ligação entre a escola e a prática social.
Na pedagogia socialista, “a escola é um instrumento
de luta no sentido de que permite compreender melhor o
mundo [...] com a finalidade de transforma-lo, segundo os
interesses e anseios da classe trabalhadora” (FREITAS, 2013,
p.32). A pedagogia socialista se incumbia de formar nas novas
gerações os ideais revolucionários socialistas e a formação,
em suas mentes, de um sentido coletivo para a vida social.
Resumidamente “seguem-se daí as conclusões para a escola:
sobre o conteúdo da educação – instrumento de luta e criação;
sobre os métodos de estudo – habilidade de usar na prática
SUMÁRIO
249
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
essas armas; sobre as tarefas formativas – o lugar do estudante
na vida” (PISTRAK, 2013, p.117).
Considerações finais
Nosso artigo apresentou alguns fios in(visíveis) e
convergentes entre a educação popular brasileira, situada a
partir da segunda metade do século XX e a pedagogia socialista
soviética do início do século XX (em um exercício constante de
analogia sem desprezar as diferenças históricas, geográficas,
culturais, econômicas) e políticas que particularizam cada
uma delas.
Esse exercício de comparação poderia incidir em um
anacronismo sutil ou espraiado em todas as comparações se
não tivéssemos, a todo momento, destacando que cada uma
das categorias aqui comparadas teve, ou ainda tem, seu lugar
bem definido em um espaço e tempo histórico. O exercício
de comparação é um exercício curioso.
Não nos foi permitido, pelo limite espacial deste trabalho,
debruçar-se sobre outras e mais profundas similitudes entre
essas duas categorias sociais. No devir de cada uma delas
reina a percepção que a humanidade aprisionada pelas
dinâmicas da dominação, precisa ser restaurada e entregue,
como fator histórico de produção da vida, a seus verdadeiros
donos: o povo.
Por isso, nossa primeira percepção foi que ambas tinham
essa força que impulsiona seja as consciências reificadas ou as
já desreificadas em direção à construção de um mundo livre
das diversas formas de opressão que surgem da dominação
econômica, política, étnica, religiosa e, por assim não dizer,
social em suas próprias épocas e conjunturas históricas.
250
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
A pedagogia do socialismo real soviético que se
implantou na história da humanidade como as primeiras
tentativas de direcionar a educação para uma formação
omnilateral que repõe o homem em seu verdadeiro lugar, o
de construtor de sua própria história e produtor de sua própria
palavra, pode não ter tido continuidade histórica naquele
espaço e tempo, mas deixou registrado, nessa mesma história,
todas as lições positivas e negativas que poderão um dia
servir a propósitos coletivos igualmente nobres, quando do
rompimento universal do modo de produção capitalista, que
a todos aliena.
Enquanto isso não ocorre, a Educação popular vai
minando velhas forças dominantes e vai conquistando
pequenos espaços de sociabilidade, promovendo ações e
trabalhos sociais que, igualmente a pedagogia socialista,
vai tentando recolocar o homem em seu lugar devido, na
construção de sua própria história através de processos de
conscientização sobre suas próprias realidades e possibilidades
históricas. Como ainda não é o fim da história, muito ainda tem
a ser escrito pelo homem como sujeito de seu próprio mundo.
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SUMÁRIO
251
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Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1967
______. Pedagogia do Oprimido. 1ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1974.
______. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora
da UNESP, 2001.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: Teoria e
prática em educação popular. 4ª ed. Petrópolis: Vozes,
1993.
FREITAS, Luiz Carlos de. A luta por uma Pedagogia do Meio:
revisitando o conceito. In: PISTRAK, Moisey Mikhaylovich
252
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
(org.). A escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular,
2013.
HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. Versão 1.0. 1 [CDROM]. 2002.
KRUPSKAYA, N.K. A construção da pedagogia socialista. São
Paulo: Expressão Popular, 2017.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da
antiguidade aos nossos dias. Trad.Gaetano Lo Monaco. 3.
ed. - São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.
MELO NETO, José Francisco de. Extensão Popular. João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006.
PALUDO, C. Educação popular em busca de alternativas:
uma leitura desde o campo democrático e popular. Porto
Alegre: Tomo, 2001.
PARO, César Augusto; VENTURA, Miriam; SILVA, Neide Emy
Kurokawa e. Paulo Freire e o inédito viável: esperança,
utopia e transformação na saúde. Trab. educ. saúde,
Rio de Janeiro , v. 18, n. 1, e0022757,
2020 . Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1981-77462020000100400&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 07 de maio de 2020.
PISTRAK, Moisey M. A escola Comuna. São Paulo, Expressão
Popular, 2013. (Tradução de Luiz Carlos de Freitas).
PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho.São
Paulo, Expressão Popular, 3º edição, 2011.
SUMÁRIO
253
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da
educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação
e política. 43ª. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1989.
______. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e
ampl. - Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
TUPINAMBÁ, Soraya Vanini; RIGOTTO, Raquel Maria.
Construção compartilhada de conhecimentos em co-laboração social: experiências no semiárido brasileiro. In: CRUZ,
P.J.S.C.(Org.) Construção compartilhada do conhecimento
na pesquisa e na ação social. Editora do CCTA, 2019.
254
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
SOBRE AS AUTORAS E
OS AUTORES
Alexandre Soares de Sousa
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Possui Graduação em Licenciatura Plena em Filosofia
e Graduação em Bacharelado em Filosofia, ambas pela
UFPB. Áreas que transita: Metafísica, Filosofia da Educação,
Antropologia Filosófica, Educação Popular, Filosofia
Contemporânea, História da Filosofia, Filosofia da Religião.
Principais autores: Heidegger, Nietzsche, Vattimo, Dussel, Freire.
Atualmente pesquisa um possível diálogo entre Heidegger
e Freire, e a contribuição do pensamento freireano para a
Teologia da Libertação, ou como a compreende Michael Löwy:
Cristianismo de Libertação. Participa do Grupo de Pesquisa
em Extensão Popular (EXTELAR) da UFPB.
Francikely da Cunha Bandeira
Doutoranda em Educação, no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na
linha de pesquisa Educação Popular; Mestre em Educação pela
UFPB, na mesma linha de pesquisa. Possui formação em Filosofia
e licenciatura em Pedagogia, ambas pela UFPB. Estuda entre
SUMÁRIO
255
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
outras coisas, processos educativos populares e a categoria
Agentes Comunitários de Saúde à luz da Educação Popular.
Gildivan Francisco das Neves
Graduado em História pela Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB). Mestre em Educação na Linha de Pesquisa Educação
Popular, no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutorando em
Educação na Linha de Pesquisa Educação Popular, no PPGE/
UFPB. Bolsista CAPES.
José Cleudo Gomes
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Especialização em Gestão Pública Municipal
pela UFPB. Especialização em Literatura e Ensino pelo Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN). Mestrado em
Educação, na Linha de Políticas Educacionais, pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPB). Atualmente
é Doutorando em Educação, na Linha de Educação Popular,
pelo PPGE/UFPB e membro do Núcleo de Cidadania e Direitos
Humanos da UFPB. Atuou na Docência no Ensino Superior. Tem
experiência na área de Educação, atuando e desenvolvendo
estudos com ênfase em: Educação em Direitos Humanos,
Políticas Educacionais, Gênero e Sexualidades, Educação de
Jovens e Adultos e Educação Inclusiva.
José Douglas de Abreu Araújo
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FAFIC). Bacharel em Serviço Social e
especialista em Orientação e Mobilidade pelo Instituto Federal
do Ceará (IFCE). Especialista em Atendimento Educacional
256
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Especializado pela Universidade Federal Rural do Semiárido
(UFERSA). Mestrado em Educação pela Universidade Federal
da Paraíba (UFPB).
José Aclécio Dantas
Pedagogo. Especialista em Educação para os Direitos Humanos.
Especialista em Coordenação Pedagógica. Mestre em Serviço
Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Julyanna de Oliveira Bezerra
Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em
Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPGDH) da
UFPB, na Linha de Pesquisa de Educação em Direitos Humanos,
Cidadania e Políticas Públicas. Doutoranda em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFPB.
Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo
Freire (GEPPF), o qual é vinculado ao PPGE e ao PPGDH da
UFPB. Integrante do Grupo de Pesquisa e Extensão Observatório
da Educação Popular. Tem experiência na área de Educação
com ênfase em Educação Infantil, Educação de Jovens e
Adultos, Educação em Direitos Humanos e Educação Popular.
Klebson Felismino Bernardo
Pedagogo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da UFPB, na linha de pesquisa de Educação Popular.
Membro do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR)
da UFPB.
SUMÁRIO
257
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Luiz Gonzaga Gonçalves
Professor Titular e voluntário da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Atua na Pós-Graduação em Educação, na
linha de pesquisa Educação Popular, na UFPB. É pós-doutor em
Educação pela Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Mestre em Educação pela UFPB; Doutor em Educação pela
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e graduado
em Filosofia pela UNISAL, Unidade do Vale Paraíba. Estuda
educação de jovens e adultos, saberes populares e processos
de aprendizagem através do paradigma indiciário.
Maria de Nazaré Tavares Zenaide
Possui graduação em Psicologia e mestrado em Serviço Social
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialização
em Saúde Pública e Psicologia Social. Doutorado em Educação
pela UFPB. Atualmente é membro do Grupo de Pesquisa da
Pedagogia Paulo Freire (GEPPF/UFPB) e do Grupo de Pesquisa
Memória, Política e Direitos Humanos da UFPB. É membro da
Comissão de Direitos Humanos, do Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos e da Comissão Gestora do Pacto Universitário
pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e
dos Direitos Humanos no âmbito da UFPB. Compõe a Comissão
da Verdade da UFPB. Atuou como membro do Comitê Nacional
de Educação em Direitos Humanos de 2003-2018. Exerceu a
Coordenação Geral de Educação em Direitos Humanos do
Ministério da Justiça, gestão 2004-2007 na implementação
do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Atuou
como consultora em Educação em Direitos Humanos junto
ao Ministério da Educação e a Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais. Tem experiência de Ensino, Pesquisa e
Extensão em Educação em Direitos Humanos, Direitos Humanos
258
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
e Políticas Públicas, Educação para Nunca Mais, Memória e
Verdade, Movimentos Sociais e Direitos Humanos, Violência
social e escolar e segurança cidadã. É membro da Red Latinoamericana e Caribenha de Educação em Direitos Humanos, da
Associação Nacional de Educação, da Associação Nacional
de Direitos Humanos, Ensino e Pesquisa e da Rede Brasileira de
Educação em Direitos Humanos.
Renan Soares de Araújo
Nutricionista pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da UFPB, na linha de pesquisa de Educação Popular.
Membro do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR)
da UFPB. Presta apoio pedagógico no Programa de Extensão e
Pesquisa Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição
na Atenção Básica (PINAB) da UFPB.
Severino Bezerra da Silva
Graduado em História pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Mestre em Sociologia Rural na UFPB. Doutor em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professor Titular no Departamento de Metodologia da Educação
(DME) do Centro de Educação, na UFPB. Professor no Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFPB, Linha de
Pesquisa Educação Popular.
SUMÁRIO
259
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
SOBRE OS ORGANIZADORES
Renan Soares de Araújo
Nutricionista pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da UFPB, na linha de pesquisa de Educação Popular.
Membro do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR)
da UFPB. Presta apoio pedagógico no Programa de Extensão e
Pesquisa Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição
na Atenção Básica (PINAB) da UFPB.
Pedro José Santos Carneiro Cruz
Nutricionista. Professor Adjunto do Departamento de Promoção
da Saúde do Centro de Ciências Médicas da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). Líder do Grupo de Pesquisa em
Extensão Popular (EXTELAR) da UFPB. Professor do Quadro
Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
(PPGSC), ambos da UFPB.
260
SUMÁRIO
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
SOBRE OS(AS) PARECERISTAS
E COMITÊ CIENTÍFICO REVISOR
Danilo Fernandes Costa
Professor do Departamento de Promoção da Saúde do Centro
de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), na área de Saúde Coletiva. Médico pela Universidade
Federal Fluminense. Doutor em Ciências pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Pós-doutorado no
Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, sob a supervisão do
Prof. Moisés Goldbaum. Membro do Grupo de Pesquisa em
Extensão Popular (EXTELAR) da UFPB.
Fernando Abath Cananéa
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular
(EXTELAR) da UFPB. Professor no Mestrado Profissional em Artes
(PROF-ARTES) da UFPB. Presidente da ONG Maré.
SUMÁRIO
261
EDUCAÇÃO POPULAR E CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DO CONHECIMENTO: DEBATES TEÓRICOS
Francisco Xavier
Técnico de Extensão Universitária no Núcleo e Setor de Estudos
e Assessoria a Movimentos Populares (NUSEAMPO) Samuel
Firmino da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Educador
Popular. Membro do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular
(EXTELAR) da UFPB.
Ione Gomes da Silva
Mestre em Educação e Pedagoga pela Universidade Federal
da Paraíba (UFPB). Membro do Grupo de Pesquisa em Extensão
Popular (EXTELAR) da UFPB.
Tiago Zanquêta de Souza
Educador Popular. Doutor em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Professor da Universidade
de Uberaba (UNIUBE), no Programa de Pós-Graduação em
Educação (mestrado e doutorado) e Programa de Mestrado
Profissional em Educação: Formação Docente para a Educação
Básica. Segundo líder do Grupo de Pesquisa em Formação
Docente, Direito de Aprender e Práticas Pedagógicas
(FORDAPP) da UNIUBE e pesquisador do Grupo de Pesquisa
em Práticas Sociais e Processos Educativos (PSPE) da UFSCar.
262
SUMÁRIO