UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CHARLES ANDRADE SANTANA
A TEORIA ARISTOTÉLICA DA DEMONSTRAÇÃO CIENTÍFICA
Aristotle’s Theory of Scientific Demonstration
CAMPINAS
2020
CHARLES ANDRADE SANTANA
A TEORIA ARISTOTÉLICA DA DEMONSTRAÇÃO CIENTÍFICA
Dissertação apresentada ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da
Universidade
Estadual
de
Campinas
(UNICAMP) como parte dos requisitos
exigidos para a obtenção do título de Mestre
em Filosofia
Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Lucas Angioni
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO
CHARLES ANDRADE SANTANA E ORIENTADA
PELO PROF. DR. LUCAS ANGIONI.
__________________________________________________
CAMPINAS
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos
Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada no dia 08 de julho de
2020, considerou o candidato Charles Andrade Santana aprovado.
Prof. Dr. Lucas Angioni (Universidade Estadual de Campinas)
Prof. Dr. Breno Andrade Zuppolini (Universidade Federal de São Paulo)
Prof. Dr. Wellington Damasceno de Almeida (Universidade Federal de Goiás)
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta do processo de
vida acadêmica do aluno.
A Catarina
AGRADECIMENTOS
Eu jamais teria conseguido concluir esta Dissertação sozinho. Sou grato
primeiramente a Deus e expresso aqui a minha profunda gratidão a todas as pessoas e
instituições que contribuíram direta ou indiretamente para esta conquista.
Agradeço a Lucas Angioni, de quem tive o privilégio de ser aluno, orientando e
amigo, pela inspiração que transmite em suas aulas, pela atenção e disponibilidade em
responder minhas dúvidas em qualquer horário e pelo rigor e sinceridade com que sempre
avaliou meus trabalhos. Presencialmente ou à distância, nossas conversas têm sido
determinantes para a minha formação acadêmica. Tenho muito orgulho de fazer parte do
grupo de pesquisa por ele liderado.
Agradeço aos professores Breno Zuppolini (Unifesp) e Wellington Damasceno
(UFG), que gentilmente aceitaram o convite para participar das minhas bancas de
qualificação e defesa, pela franqueza na apreciação do meu texto e disponibilidade em
contribuir com minha pesquisa. Ambos deram valiosíssimas contribuições a este trabalho.
Além deles, agradeço ainda aos professores Roberto Grasso (UFPB), Fernando Mendonça
(UFU), Rafael Zillig (UFRGS), entre tantos outros com quem tive o prazer de discutir
pormenores do pensamento aristotélico em profícuas conferências e seminários, bem como
em divertidas e estimulantes conversas informais nos bares e restaurantes de Barão Geraldo.
Não poderia deixar de agradecer também ao professor Francisco de Assis Vale (UFPB), que
me orientou na graduação e me herdou o gosto pela pesquisa em filosofia antiga.
Agradeço aos colegas e amigos Davi Bastos, Gustavo Ferreira, Ângelo Antônio,
Rafael de Souza, Gesiel da Silva e Mateus Belinello pelas frutíferas e incontáveis conversas
sobre minha pesquisa, pelo interesse com que alguns deles leram meus textos e ouviram
minhas pequenas preleções, pelas suas críticas e sugestões que muito contribuíram para o
amadurecimento das minhas ideias, pelos materiais compartilhados, pelas muitas caronas
dadas e recebidas, pelos conselhos em questões pessoais, pelas suas orações, enfim, pela
nossa convivência, parte indispensável da minha formação intelectual.
Agradeço ao casal de amigos Titao e Juliette Yamamoto, por ter me cedido abrigo
em sua casa em São Paulo por dois meses, enquanto eu procurava um teto para chamar de
lar em Campinas.
Agradeço à Comunidade do Estudante Universitário (CEU), igreja e república onde
morei no último ano do mestrado, pelo acolhimento, pelas amizades, pelo crescimento
espiritual, por me fazer sentir que eu tinha uma família por perto, mesmo estando a mais de
dois mil quilômetros de casa.
Agradeço ao Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da
Unicamp, pela infraestrutura cedida para aulas, seminários, conferências, reuniões e estudo
– em grupo e individual –, pela riquíssima biblioteca e, claro, pelo indispensável cafezinho
expresso sempre que precisei.
Agradeço à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo privilégio de
estudar numa das melhores universidades da América Latina e poder contar com um
ambiente intelectual e cultural muito enriquecedor; pela infraestrutura de excelentes
bibliotecas, laboratórios de informática e espaço para prática de esportes; pelas nutritivas
refeições no Restaurante Universitário – o famoso “bandejão” –; e pela oportunidade de
treinar e jogar na seleção de futebol da Unicamp.
Por fim, agradeço à Universidade Federal da Paraíba (UFPB), da qual sou servidor
técnico administrativo, pelo afastamento e pelas políticas de incentivo à qualificação; em
suma, pela estabilidade financeira que me permitiu dedicar dois anos a esta pesquisa com
certa tranquilidade quanto ao meu sustento material.
Passam-se os séculos e os homens,
mas repetem-se os fatos e suas causas.
(Gaspar Barlaeus)
RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender a noção de “demonstração científica”
(apodeixis) tal como Aristóteles a concebe nos Segundos Analíticos, bem como sua relação
com a noção de “conhecimento científico” (episteme) e com a silogística aristotélica. Esta
abordagem compara as duas grandes linhas de interpretação encontradas na literatura
secundária, às quais chamo de paradigma dedutivo axiomatizado e paradigma explicativo
causal. Pretendo mostrar que o segundo paradigma resolve de maneira plenamente
satisfatória as principais dificuldades, problemas em aberto e consequências aporéticas
suscitadas pelo primeiro, além de superar a suposta incompatibilidade entre a teoria da
ciência de Aristóteles nos Segundos Analíticos e os seus tratados efetivamente científicos,
especialmente os de ciências naturais.
Palavras-chave: Aristóteles, Ciência, Demonstração, Segundos Analíticos.
ABSTRACT
The aim of this work is to understand the notion of “scientific demonstration”
(apodeixis) as Aristotle conceives it in the Posterior Analytics, as well as its relationship
with the notion of “scientific knowledge” (episteme) and with Aristotelian syllogistics. This
approach compares the two broad lines of interpretation found in the secondary literature,
which I call the axiomatized deductive paradigm and the causal explanatory paradigm. I
intend to show that the second paradigm resolves the main difficulties, open problems and
aporetic consequences raised by the first, in a fully satisfactory way, in addition to
overcoming the supposed incompatibility between Aristotle's theory of science in the
Posterior Analytics and his effectively scientific treaties, especially on natural sciences.
Keywords: Aristotle, Science, Demonstration, Posterior Analytics.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Diferentes sentidos de “episteme” ...................................................................... 17
LISTA DE SÍMBOLOS
Coextensão, adequação extensional ..................................................................................... ≡
13
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
1.1. Os diferentes sentidos de episteme .......................................................................... 16
1.2. Epistemologia e filosofia da ciência ........................................................................ 18
1.3. Ciência e demonstração ........................................................................................... 20
1.4. Dificuldades exegéticas ........................................................................................... 21
2. PARADIGMA DEDUTIVO AXIOMATIZADO ......................................................... 24
2.1. Revisão bibliográfica ............................................................................................... 25
2.1.1. Finalidade última da demonstração científica ................................................ 26
2.1.2. Características distintivas da demonstração científica ................................... 29
2.1.2.1. Verdade das proposições ........................................................................ 31
2.1.2.2. Necessidade das proposições ................................................................. 33
2.1.2.3. Axiomatização ....................................................................................... 34
2.2. Discussão crítica ...................................................................................................... 37
2.2.1. As ciências naturais e o problema da contingência ........................................ 37
2.2.2. As limitações da silogística como método dedutivo ....................................... 43
3. PARADIGMA EXPLICATIVO CAUSAL ................................................................... 48
3.1. Conhecimento científico e conhecimento proposicional ................................... 49
3.2. Estrutura triádica da causalidade ....................................................................... 54
3.3. Estrutura triádica do silogismo .......................................................................... 58
3.4. Causa como termo mediador ............................................................................. 62
3.4. Causalidade e necessidade ................................................................................. 70
3.5. Adequação extensional e assimetria causal ....................................................... 78
3.6. Causalidade e essencialismo .............................................................................. 82
3.7. Demonstração forte e demonstração fraca ......................................................... 91
4. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 94
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 99
5.1. Textos e traduções de Aristóteles ...................................................................... 99
5.2. Bibliografia geral ............................................................................................. 101
14
1. INTRODUÇÃO
Com sua obra excepcionalmente extensa e diversificada, Aristóteles lançou as bases
e contribuiu para o desenvolvimento de muitas ciências, de tal modo que sua relevância e
influência nas origens do pensamento ocidental são indiscutíveis. A persistência dessas
contribuições na história da ciência, entretanto, foi bastante desigual. Enquanto suas
investigações no campo da biologia, por exemplo, continuavam impressionantes até mesmo
para Darwin, sua física e astronomia já estavam ultrapassadas no século VI d.C. Hoje, não é
exagero dizer que mesmo a melhor das contribuições científicas de Aristóteles possui um
interesse meramente histórico. Há algo, contudo, que permanece notável e filosoficamente
relevante no decorrer dos séculos: a sua concepção peculiar de ciência. Dito de outro modo:
a sua teoria do conhecimento científico.
Aristóteles é conhecido também por ser o primeiro a propor uma teoria sistematizada
do raciocínio dedutivo. Nesse sentido, ele é considerado por muitos o fundador da lógica
formal1. A lógica aristotélica, contudo, não recebe o título de “formal” por fazer uso de
Cf. Ribeiro, 2014, p. 123; Lukasiewicz, 1951, p. 15; Corcoran, 1974, pp. 280-281; Geach, 1980, p. 44; Striker,
1998, p. 209
1
15
símbolos e operadores artificialmente criados com o fim de eliminar as ambiguidades
inerentes à linguagem natural, como é o caso da lógica contemporânea. A lógica aristotélica
recebe esse título simplesmente porque “atende apenas à forma lógica do argumento,
ignorando inteiramente o seu conteúdo” (CORCORAN, 2009, p. 5). Nesse sentido,
Aristóteles muitas vezes usa letras no lugar dos termos para representar a estrutura dos
silogismos.
Aristóteles propôs suas teorias da lógica e da ciência em um conjunto de escritos que
chamou de Analíticos. A princípio, os Analíticos eram aparentemente um conjunto de quatro
livros, os quais foram agrupados na edição de Andrônico de Rodes (séc. I a.C.) em dois
tratados com dois livros cada. Conhecemos esses tratados hoje como Primeiros Analíticos e
Segundos Analíticos2.
A diferença fundamental entre esses dois tratados é razoavelmente consensual: eles
tratam, respectivamente, de lógica e ciência 3 . Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles
desenvolve a sua teoria do silogismo; nos Segundos Analíticos, por sua vez, ele aborda um
tipo específico de silogismo, a que chama “silogismo científico” (syllogismon epistemonikon)
ou simplesmente “demonstração” (apodeixis). Convencionou-se chamar esses dois temas,
respectivamente, de silogística e apodítica.
Como o título deste trabalho indica, o tema que nos interessa por ora não é a lógica
aristotélica, isto é, a sua teoria do silogismo (objeto dos Primeiros Analíticos), mas a noção
aristotélica de ciência, ou seja, a sua teoria da demonstração científica (objeto dos Segundos
Analíticos). O fato é que Aristóteles propõe nos Segundos Analíticos uma teoria da ciência
indiscutivelmente original. Mckirahan (1992, p. 3) reconhece que esse tratado, “como a
primeira teoria elaborada nas tradições filosóficas e científicas ocidentais da natureza e
estrutura da ciência, já merece estudo somente pela sua importância histórica”.
Usando o vocabulário aristotélico, o tema mais geral sobre o qual nos debruçamos é
a episteme, expressão grega que significa “ciência” ou “conhecimento científico”. Não se
Ou Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores (Analytica Priora e Analytica Posteriora em latim). Na
literatura secundária, é possível encontrar também referências a esses tratados com as abreviações An.Pr. e
An.Post. ou simplesmente APr e APo.
3
Sobre esse tema (lógica e ciência em Aristóteles), ver Angioni, 2014.
2
16
trata, pois, de conhecimento em geral (gnosis), mas daquele conhecimento que é próprio da
ciência. Vejamos, pois, antes de prosseguir, qual é o significado preciso de episteme que nos
interessa destacar no contexto geral do sistema aristotélico.
1.1. Os diferentes sentidos de episteme
Em Ética a Nicômaco VI.3 (1139b 14-18), Aristóteles estabelece cinco disposições
(hexis) por meio das quais a alma é capaz de possuir a verdade: techne, episteme, phronesis,
sophia e nous. O uso de episteme nesse contexto é bem estrito, preciso e delimitado, tal
como Aristóteles o define e usa nos Segundos Analíticos. Em passagens isoladas espalhadas
por outros tratados, todavia, Aristóteles algumas vezes parece usar episteme em um sentido
bastante lato e impreciso, com significado semelhante ao de gnosis. Dependendo do
contexto e afrouxando completamente o rigor, é possível até mesmo admitir que cada uma
das cinco disposições mencionadas acima pode ser considerada um tipo de episteme.
O nous, embora seja objeto de controvérsias, é descrito em Segundos Analíticos I.3 e
II.19 como um certo tipo de conhecimento por meio do qual conhecemos os princípios das
demonstrações, ou seja, um tipo de conhecimento indispensável para a obtenção de episteme.
Traduz-se geralmente por “inteligência”, “intelecto”, “intuição” ou “razão intuitiva”. A
sophia, por sua vez, é descrita como um tipo especial e privilegiado de episteme, o qual é
dominado pelo filósofo (Metafísica I.1-2, 982a 1-5) e tem por objeto de investigação o “ser
enquanto ser” (Metafísica IV.1, 1003a 21; Metafísica VI.1, 1025b 3-4). Traduz-se
geralmente por “sabedoria”.
Em Metafísica VI.1 (1025b 18-28), tanto a techne como a phronesis também são
consideradas, em sentido lato, um certo tipo de episteme. A techne, geralmente traduzida por
“técnica” ou “arte”, é chamada por Aristóteles de episteme poietike (ciência produtiva); ao
passo que a phronesis, geralmente traduzida por “sensatez”, “prudência” ou “sabedoria
prática” – objeto de parte considerável da Ética a Nicômaco –, claramente corresponde ao
que Aristóteles chama nessa passagem da Metafísica de episteme praktike (ciência prática).
Nesse sentido lato é que se diz, por exemplo, que “a técnica (techne) é mais conhecimento
(episteme) que a experiência (empeiria)” (Metafísica I.1, 981b 7-10).
17
No contexto tanto da Ética a Nicômaco quanto dos Analíticos, porém, como
dissemos, episteme assume geralmente um sentido estrito, preciso e muito bem delimitado,
significando mais precisamente o que Aristóteles descreve em Metafísica VI.1 como
episteme theoretike (ciência teórica).
Considerando esse sentido mais estrito, Burnyeat (1981, pp. 97-98) acerta na
distinção que faz dos diferentes significados de episteme. Dependendo do contexto em que
aparece, episteme em sentido estrito pode assumir, segundo Burnyeat e conforme indicamos
acima, dois significados distintos: “ciência” e “conhecimento científico”.
Entendida como “ciência”, episteme pode designar tanto ciência em geral – como
quando dizemos, por exemplo, que os seres humanos são os únicos animais capazes de fazer
ciência, que a ciência eleva o espírito ou que os homens adquirem a ciência por meio da
experiência, etc. –, quanto uma disciplina científica específica – como quando dizemos que
a matemática, a física, a química e a biologia são ciências.
Entendida como “conhecimento científico”, episteme pode designar, de certo modo,
o estado mental do indivíduo que possui um domínio geral de todas as proposições
cientificamente relevantes no âmbito de determinado campo do saber, isto é, do cientista ou
especialista (expert) em determinada área. A distinção de Burnyeat (1981, pp. 97-98), no
entanto, para aqui e está, a meu ver, incompleta.
Embora esteja correto definir “conhecimento científico” (episteme) como uma
espécie de expertise, isto é, como o domínio que o cientista possui sobre determinado campo
do saber, essa não é a única interpretação possível, nem a mais relevante. O contexto geral
dos Segundos Analíticos parece indicar um sentido mais relevante desse estado cognitivo, o
qual diz respeito principalmente ao domínio que qualquer pessoa possui de uma dada
proposição, teorema ou explanandum. Quando quer enfatizar esse sentido especial de
episteme, Aristóteles algumas vezes usa a expressão episteme haplos – conhecimento
científico mesmo, de fato, de todo, absolutamente, estritamente, simplesmente, simpliciter,
sem mais, sem qualificação, sem cláusulas adicionais4.
4
Ver, por exemplo, Segundos Analíticos I.2, 71b 9-12.
18
Assim sendo, podemos distinguir pelo menos quatro significados que podem ser
atribuídos ao termo episteme em sentido estrito, conforme tabela a seguir:
Tabela 1 – Diferentes sentidos de “episteme”
EPISTEME
Ciência
Conhecimento Científico
Geral
Ciência em geral
Expertise sobre determinado
(“a ciência”)
campo do saber
Ciências particulares,
Episteme haplos
campos do saber,
(de um dado explanandum)
Particular
disciplinas específicas
Dentre esses quatro sentidos, Aristóteles atribui, nos Segundos Analíticos, uma
relevância e importância muito maior ao último deles, a saber, o conhecimento científico
enquanto domínio de determinado explanandum. É precisamente este último sentido que nos
interessa em primeiro lugar. Na maior parte do tempo, portanto, quando me referir a
episteme no contexto dos Segundos Analíticos, estarei me reportando ao estado cognitivo do
indivíduo que dominou (de maneira científica, seja lá o que isso signifique) uma
determinada proposição, teorema ou explanandum.
1.2. Epistemologia e filosofia da ciência
Burnyeat (1981, pp. 97-98), como dissemos, é um dos que entendem que episteme
pode se referir tanto ao “estado cognitivo da pessoa que conhece” quanto a um “corpo de
conhecimento, uma ciência – um sistema de proposições que pode ser aprendido e
conhecido”. Para ele, no entanto, traduzir episteme por “conhecimento científico”, como é
bastante comum, pode produzir resultados ambíguos e embaraçosos – especialmente porque
não há no grego uma palavra separada que corresponda ao epíteto de qualificação
“científico”.
19
De todo modo, ele faz uma observação interessante nesse ponto: Os Segundos
Analíticos constituem, na sua opinião, “um único projeto a partir de duas coisas que a
filosofia atual segrega em áreas distintas de investigação” (1981, p. 97). Por um lado, diz
Burnyeat, “há uma teoria da estrutura de uma ciência, um relato das condições para uma
proposição pertencer a um corpo de conhecimento sistemático como a geometria, a física ou
a botânica”. Para nós, essa seria considerada uma contribuição no campo da filosofia da
ciência. Por outro lado, continua Burnyeat, “Aristóteles apresenta sua teoria desde o início
em termos que consideramos epistemológicos, como uma descrição do estado cognitivo do
indivíduo que dominou um corpo de conhecimento sistemático”. Essa contribuição, para nós,
pertence ao campo da epistemologia. A separação gradual entre epistemologia e filosofia da
ciência, de acordo com Burnyeat (1981, pp. 138-139), foi “um resultado do impacto do
ceticismo”:
Descartes desafiou o ceticismo com uma valente tentativa de
reuni-las novamente, com uma filosofia da ciência baseada na
epistemologia, revertendo o empreendimento aristotélico de colocar a
filosofia da ciência no centro da epistemologia. Mas Descartes não
conseguiu convencer. A epistemologia e a filosofia da ciência tornaram-se
divorciadas, para melhor ou para pior. Pode-se contar com uma vitória
permanente do ceticismo que, ao conseguir esse divórcio, tornou o
Segundos Analíticos de Aristóteles notavelmente difícil de ler.
Sobre as dificuldades exegéticas dos Segundos Analíticos para nós – que, em grande
parte, de acordo com Burnyeat, são frutos do “divórcio” entre epistemologia e filosofia da
ciência na modernidade – trataremos mais adiante. Por ora, será útil observarmos que, a
partir de uma consideração mais apurada do conceito de episteme, essa distinção moderna
entre epistemologia e filosofia da ciência não está claramente presente em Aristóteles.
No entanto, em alguns momentos o leitor notará que daremos prioridade a interpretar
a teoria da demonstração dos Segundos Analíticos segundo o prisma da filosofia da ciência
em detrimento da epistemologia – no sentido moderno do termo. Essa escolha metodológica
fundamenta-se em nossa convicção de que, para Aristóteles, conhecimento científico
(episteme) é algo essencialmente diferente de conhecimento meramente proposicional, como
explicaremos na terceira parte deste trabalho.
20
1.3. Ciência e demonstração
Nos Segundos Analíticos, diz Angioni (2002, p. 1), “Aristóteles oferece diversas
reflexões que poderiam ser entendidas como uma teoria da ciência: ele busca estabelecer os
critérios que uma disciplina qualquer deve respeitar e satisfazer para legitimamente receber
a designação de ‘conhecimento científico’ (episteme)”. McKirahan (1992, pp. 19-20) admite
que, quando Aristóteles propôs, nos Segundos Analíticos, a sua teoria da ciência, já havia um
pano de fundo filosófico para a ideia de um único método que fosse igualmente aplicável a
todos os ramos do conhecimento científico:
Ao elaborar a concepção da ciência demonstrativa, Aristóteles
tentou especificar o que era necessário para estabelecer qualquer disciplina
intelectual no caminho para o progresso. Com efeito, ele estabeleceu um
modelo para paradigmas científicos, (...) um padrão de acordo com o qual
qualquer disciplina pode ser organizada. Dado que a ciência natural (desde
os pré-socráticos) estava em um estágio “pré-paradigmático”, Aristóteles
mostrou como ela, ou melhor, como cada um de seus ramos (pois ele
reconheceu a necessidade de diferenciar a ciência em campos diferentes e
sugeriu critérios para fazê-lo) deve ser submetido a um paradigma. De fato,
seu modelo de ciência é definido o suficiente para que uma noção precisa
de mudança de paradigma (e portanto de revolução científica) possa ser
dada em seus termos, e seja geral o suficiente para que os paradigmas se
encaixem no modelo. (...) Isso torna a concepção da ciência demonstrativa
ainda mais interessante hoje.
Apropriando-se do termo usado por McKirahan (1992, pp. 19-20), o objetivo deste
trabalho é compreender com o máximo de clareza e precisão qual é, na concepção de
Aristóteles, esse paradigma igualmente aplicável a todas as ciências e que deve ser buscado
como um modelo, um padrão, um ideal a ser seguido por todo e qualquer ramo do
conhecimento científico. Para usar novamente o vocabulário aristotélico e delimitar de
forma ainda mais precisa o objeto desta pesquisa, o que estamos procurando é aquilo que
chamamos no título deste trabalho de “demonstração científica” (apodeixis) – ou “ciência
demonstrativa” 5 , como prefere McKirahan no trecho acima –, tema ao qual Aristóteles
dedica a maior parte dos Segundos Analíticos.
É claro, porém, que essa passagem da noção de ciência ou conhecimento científico
(episteme) para a noção de demonstração (apodeixis) que proponho precisa ser justificada.
Para isso, atentemos à primeira ocorrência na qual o próprio Aristóteles estabelece essa
5
Primeiros Analíticos I.1, 24a 10-12; Segundos Analíticos I.2, 71b 19-20.
21
relação: “Se há também um outro modo de conhecer cientificamente, investigaremos depois,
mas afirmamos que de fato conhecemos através de demonstração” (Segundos Analíticos I.2,
71b 16-17). Aristóteles está dizendo algo razoavelmente simples: aquilo que ele chama de
demonstração (de algo) nada mais é do que o modo padrão através do qual é possível
conhecer cientificamente (esse algo). Três linhas depois (71b 19-20), esse tipo de
conhecimento é também chamado de “conhecimento demonstrativo” (apodeiktiken
epistemen).
Nessa passagem, que compõe os capítulos iniciais do tratado, Aristóteles
propositalmente deixa em aberto a questão de saber se só existe este modo de conhecer
cientificamente ou se existem outros. O motivo dessa escolha provavelmente é porque ele
ainda não tratou desse assunto – o que fará posteriormente em outras ocasiões no mesmo
tratado (I.3; II.19). Há muita controvérsia e muita discussão interessante que pode ser
levantada a partir desse ponto, mas, em linhas gerais, parece-me que, para Aristóteles,
somente a demonstração (apodeixis) fornece conhecimento científico (episteme).
Em suma, “conhecemos algo cientificamente quando possuímos uma demonstração”
(RIBEIRO, 2014, p. 121). Nas palavras do próprio Aristóteles: “A ciência é uma habilitação
para demonstrar, e todas as outras coisas que acrescentamos nos Analíticos” (Ética a
Nicômaco VI.3, 1139b 31-32). Fica clara, então, a centralidade que a noção de demonstração
(apodeixis) ocupa na teoria da ciência aristotélica.
1.4. Dificuldades exegéticas
Tendo delimitado o tema sobre o qual o presente trabalho se debruça, há uma
consideração metodológica importante a ser feita aqui – a qual, inclusive, já foi mencionada
de passagem. A natureza do texto que tomamos como fonte primária, isto é, os Segundos
Analíticos, é tal que parte significativa dos intérpretes e comentadores na literatura
secundária começam se justificando e alegando que o texto é árduo (BARNES, 2007, p. VII)
e que a teoria da demonstração científica que Aristóteles desenvolve nessa obra é “repleta de
dificuldades exegéticas” (ANGIONI, 2014, p. 61). McKirahan (1992, p. 3) se expressou
bem nesse sentido:
22
O interesse e a importância dos Segundos Analíticos estão
escondidos atrás de um matagal de dificuldades. (...) Como de costume,
encontramos argumentos obscuros, exemplos inadequados, transições
pouco claras e referências cruzadas, os quais fazem exigências rigorosas ao
leitor. Além disso, a obra parece áspera e inacabada, uma série de
anotações sobre diferentes aspectos de seu objeto. (...) Não se lê como um
tratado finalizado, fazendo declarações definitivas, mas como uma coleção
incipiente de pensamentos.
Essa característica aparentemente obscura e não sistemática do texto aristotélico se
deve muito provavelmente a um motivo simples: originalmente, o tratado não se destinava à
publicação, ou seja, não foi escrito para ser lido pelo público leigo, mas constitui-se de notas
de aulas, em certa medida desorganizadas, porém facilmente compreendidas por seus
discípulos e por qualquer grego que estivesse a par de certos pressupostos.
De todo modo, dadas essas dificuldades, a primeira tarefa que um intérprete tem
diante de si é, portanto, “reconstrutiva”, de acordo com McKirahan (1992, p. 3). Para ele, há
um método que pode ajudar nessa dura tarefa. Primeiramente, os intérpretes devem
“começar do esboço geral da teoria nos primeiros capítulos da obra”. Em seguida, sobre essa
base, eles devem “juntar as observações desarticuladas de Aristóteles com dois objetivos:
encontrar o sentido de cada passagem em seu contexto imediato e encaixar todas essas
passagens em conjunto para formar um todo coerente”. Tal método é importante, segundo
McKirahan, porque, “ao considerar os pontos de Aristóteles isoladamente, sem levar em
conta seu lugar na teoria geral, corre-se o risco de distorcer as intenções do autor” (1992, p.
3). Ainda sobre esse aspecto exegético e metodológico, McKirahan (1992, p. 5) conclui:
O nível geral e abstrato do discurso nos Segundos Analíticos torna
extremamente difícil compreender o que é uma ciência demonstrativa e,
em particular, como procedem as demonstrações (...). Embora os Segundos
Analíticos tenham deficiências, acredito que é possível e vale a pena
remontá-lo, com a ajuda de fontes externas (...). O resultado pode ser mais
precisamente chamado de uma teoria aristotélica do que uma teoria de
Aristóteles. (...) Em alguns lugares, também parece apropriado apontar
melhorias possíveis dentro da estrutura geral da teoria. Essa prática nos
afasta ainda mais dos Segundos Analíticos, mas pode ajudar a revelar o
potencial filosófico do insight de Aristóteles.
Como consequência inevitável dessas dificuldades exegéticas, uma estratégia que
adoto aqui – seguindo McKirahan – é buscar referências e pistas espalhadas por diversas
outras obras de Aristóteles, às quais de algum modo possam ser úteis para lançar alguma luz
sobre problemas e passagens obscuras dos Segundos Analíticos. O leitor encontrará também,
em várias partes deste trabalho, tentativas de explicitar conceitos, teses e relações na teoria
23
aristotélica que o próprio Aristóteles não explicitou claramente. Com base no que Aristóteles
disse, pretendo explicitar em alguns momentos o que ele não disse mas poderia – ou mesmo
deveria – ter dito.
Ainda como consequência dessas dificuldades exegéticas, não há consenso acerca do
que precisamente Aristóteles entende por “demonstração científica”. Abstraindo nuances,
distinções mais específicas e até mesmo rivalidades internas entre elas, é possível classificar
as diferentes linhas de interpretação em dois grandes grupos: (1) os que interpretam a teoria
aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma dedutivo axiomatizado
e (2) os que a interpretam segundo um paradigma explicativo causal. O que entendo por
esses termos e o que defende cada uma dessas linhas interpretativas ficará claro nos
capítulos que seguem. Por ora, sobre esses dois paradigmas, adianto que vou comparar
ambos, criticar o primeiro e defender o segundo, mostrando que o segundo paradigma
resolve de maneira plenamente satisfatória as principais dificuldades, problemas em aberto e
consequências aporéticas suscitadas pelo primeiro.
24
2. PARADIGMA DEDUTIVO AXIOMATIZADO
O primeiro paradigma que vamos considerar gozou historicamente de ampla
aceitação e pode até mesmo ser considerado ainda hoje a interpretação padrão. Alguns
intérpretes “compreenderam a teoria aristotélica da demonstração como propondo um
modelo probatório semelhante a sistemas dedutivos axiomáticos, tal como encontramos na
matemática antiga” (ZUPPOLINI, 2014, p. 163). Essa linha interpretativa entende que a
demonstração científica proposta por Aristóteles nos Segundos Analíticos lida com
conhecimento proposicional e possui uma preocupação primariamente epistemológica – no
sentido moderno do termo – e racionalista de justificar o conhecimento, isto é, de garantir
contra toda dúvida ou objeções céticas que determinada proposição que se supõe conhecer é
de fato verdadeira (ANGIONI, 2014, pp. 71-72). Caracteriza-se, assim, por ser um método
formal, dedutivo e axiomatizado que tem por finalidade última descobrir, transmitir,
certificar, provar, fundamentar ou justificar proposições, no âmbito de uma ciência, cujo
valor de verdade é a princípio desconhecido, incerto ou problemático.
Entendo por uma teoria, método ou sistema dedutivo axiomatizado aquele que,
partindo de axiomas e assumindo certas regras de inferência, deduz teoremas por vias
25
meramente formais, tal como ocorre na lógica e em toda teoria formal. O que chamo de
“axioma” neste trabalho corresponde ao que esse termo significa na lógica contemporânea,
ou seja, uma proposição evidente que dispensa provas e é assumida como pressuposto. É
importante não confundir esse sentido moderno de “axioma” com aquilo que Aristóteles
define como “axioma” em Segundos Analíticos I.2 e I.11. No contexto dessas passagens,
tanto os “axiomas” quanto as “definições”, “postulados” e “hipóteses” funcionam como
princípios que seriam chamados na lógica contemporânea de “axiomas”.6
2.1. Revisão bibliográfica
Podemos dizer que as diferentes linhas interpretativas dentro desse grupo – que
acerca de alguns pontos possuem rivalidades bastante sérias entre si e geraram calorosos
debates na academia7 – derivam todas de um único tronco. Em sua origem, tomando por
base algumas passagens e capítulos isolados dos Segundos Analíticos, essas interpretações
têm em comum “o pressuposto de que o traço específico da demonstração científica se deixa
captar por alguma característica de natureza formal” (ANGIONI, 2014, p. 68). Zuppolini
(2014, p. 166) é mais enfático, ao afirmar que esses intérpretes acusam Aristóteles “de ter
imposto à demonstração científica uma série de requisitos formais que acabaram por
arruinar este projeto”.
De fato, no livro I dos Segundos Analíticos, “Aristóteles apresenta um modelo
formal para a ciência demonstrativa” (RIBEIRO, 2014, p. 121), ao mesmo tempo em que
“adotar a axiomatização como o método de uma ciência envolve reconhecer que este é um
critério formal” (LESZL, 1981, p. 276); o que, num primeiro contato com o texto, pode
parecer uma estratégia interpretativa conveniente. Mas qual seria, então, essa tal
“característica de natureza formal” que a demonstração possui e de onde esses intérpretes
tiram suas conclusões? Alguns desses intérpretes, diz Angioni (2014, p. 63):
Sugerem ou defendem explicitamente que os traços mais
importantes da demonstração seriam totalmente derivados das
propriedades formais (...) da silogística. (...) Hintikka (1972) e Corcoran
(2009) julgam que a teoria da demonstração científica nos Segundos
6
7
Ver Tópicos I.1, 100b 18-22.
Cf. Angioni, 2014, pp. 62 ss.
26
Analíticos seria fundamentalmente determinada pelas características
formais que a silogística possui enquanto instrumento lógico. Por
‘características de natureza formal’, entende-se as características que se
atribuem à demonstração em virtude de suas propriedades meramente
lógicas, que independem do conteúdo dos termos.
É claro que essa base silogística da demonstração científica tem o seu fundamento.
Em Segundos Analíticos I.2 (71b 16-19), logo após afirmar que o modo padrão de “conhecer
cientificamente” (epistasthai) é conhecer através de “demonstração” (apodeixis), Aristóteles
define “demonstração” simplesmente como um “silogismo científico” (syllogismon
epistemonikon), de modo que a demonstração nada mais é do que um tipo específico de
silogismo – a saber, o tipo científico (ou demonstrativo).
O próprio Aristóteles, ao explicar por que precisamos nos ocupar do estudo do
silogismo (objeto dos Primeiros Analíticos) antes do estudo da demonstração (objeto dos
Segundos Analíticos), justifica essa escolha metodológica pelo fato do silogismo ser mais
geral que a demonstração. Para ele, “a demonstração é um tipo de silogismo, mas nem todo
silogismo é uma demonstração” (Primeiros Analíticos I.4, 25b 30-31).
Fato é que “o silogismo demonstrativo é o instrumento por excelência da exposição
do conhecimento científico” (ANGIONI, 2002, p. 6). Emerge aqui a questão de saber para
que serve esse tipo específico de silogismo e quais são as características que o distinguem
do silogismo em geral. Vejamos o que tem sido dito a esse respeito.
2.1.1. Finalidade última da demonstração científica
Sendo o silogismo uma ferramenta argumentativa e dedutiva – como fica claro na
definição fornecida pelos Primeiros Analíticos I.1 (24b 19-23) 8 –, sua escolha como o
instrumento por excelência da demonstração científica levou muitos intérpretes – como
ressaltou Angioni (2014, p. 61) – “a inferir que, na concepção aristotélica, demonstrar uma
Também em Tópicos I.1 (100a 25 ss.) e Refutações Sofísticas 1 (164a 24 ss.). Muitos discutem se a extensão
da noção de syllogismos, na definição de Primeiros Analíticos I.1, recobre todo e qualquer argumento dedutivo
ou apenas os tradicionais silogismos, argumentos formados por três termos e três proposições (Ribeiro, 2014,
p. 123; cf. Striker, 2009, pp. 78-79). Barnes (1981, pp. 22-23) afirma que o termo é melhor traduzido por
dedução, de tal modo que cubra uma noção mais ampla de argumento, que não se restrinja apenas aos
silogismos propriamente ditos (Ribeiro, 2014, p. 132; cf. Smith, 1989, pp. xv-xvi). Aqui, porém, trataremos
apenas do silogismo em sentido estrito.
8
27
dada proposição é estabelecer seu valor de verdade e argumentar em favor desse valor de
verdade a partir de credenciais mais básicas, fornecidas pelas premissas”. Tal inferência
apressada levou muitos a conceberem a demonstração científica em Aristóteles como um
argumento dedutivo9 cuja finalidade seria satisfatoriamente expressa por pelo menos uma
das seguintes realizações: (1) descobrir novas verdades, ampliando assim o nosso repertório
de proposições conhecidas; (2) verificar ou certificar o valor de verdade de proposições
inicialmente incertas ou problemáticas; (3) fundamentar e prover uma justificação
epistêmica para o conhecimento; (4) ensinar e transmitir o conhecimento de maneira
didaticamente organizada.
As duas primeiras finalidades têm sido propostas principalmente por Corcoran (1989,
pp. 17-19; 2009, pp. 3-5), para quem a demonstração “possibilita a obtenção de novos
conhecimentos por meio do conhecimento adquirido anteriormente” e “reduz um problema a
ser resolvido a problemas já resolvidos”, uma vez que “prova uma conclusão não
previamente conhecida como verdadeira”. Começando com premissas conhecidas como
verdadeiras e uma conclusão não conhecida como verdadeira, diz ele, “o conhecedor
demonstra a conclusão deduzindo-a das premissas – adquirindo assim conhecimento da
conclusão” (2009, p. 1).
A terceira finalidade, a saber, a ideia de que a demonstração científica tem por
objetivo fundamentar e prover, por vias dedutivas, uma justificação epistêmica do
conhecimento, é igualmente atraente e persistente. Ela pressupõe a clássica definição
tripartite do conhecimento – que remonta ao Teeteto de Platão e segundo a qual o
conhecimento é definido como uma crença verdadeira e justificada –, dando ênfase ao
critério de justificação.
Reale (2012, p. 152), por exemplo, numa tentativa de definir a analítica aristotélica –
objeto dos Primeiros e Segundos Analíticos –, diz que ela “explica o método pelo qual,
Aristóteles afirma claramente que nós aprendemos “ou por indução ou por demonstração” (Segundos
Analíticos I.18, 81a 40), não havendo terceira via. Nada mais natural, portanto, do que interpretar
“demonstração”, nesse contexto, como o contrário da indução, ou seja, simplesmente como sinônimo de
“dedução”. De fato, muitos intérpretes foram enganados pelo paralelismo entre demonstração e indução
(Burnyeat, 1981, p. 118). No entanto, em Primeiros Analíticos II.23 (68b 9-15, 30-37), bem como em
Segundos Analíticos I.1 (71a 1-11), Aristóteles coloca essa oposição em termos de “indução” e “silogismo”
(em vez de “demonstração”), como parece mais acertado.
9
28
partindo de determinada conclusão, podemos decompô-la nos elementos dos quais ela deriva,
isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível fundamentá-la e justificá-la”.
Opinião semelhante é encontrada em Ferejohn (1994, p. 83), quando ele afirma que
“a condição imediata nas premissas demonstrativas últimas é, de fato, como afirma Barnes,
a especificação silogística de um requisito de primazia dedutiva mais geral que Aristóteles
supõe aplicar-se a qualquer esquema fundacionalista adequado de justificação dedutiva”.
Em outro lugar, Ferejohn (1991, pp. 16-17) diz que, nos Segundos Analíticos, Aristóteles
está identificando “a mais alta forma de conhecimento”, a qual, segundo ele, seria baseada
no que o próprio Ferejohn chama de “justificação fundamentada”. Em suma, conclui, “essa
aspiração muito central da teoria de Aristóteles sobre a mais alta forma de conhecimento é
que a justificação do conhecimento básico deve ser fundamental no sentido de que ela deve
repousar sobre primeiros princípios preexistentes”. Note que, nesses autores, parece ser
bastante natural e até mesmo trivial falar em termos de fundamentação e justificação
epistêmica como finalidade última das demonstrações.
Alguns, no entanto, concebem a demonstração científica como sendo um “argumento
didático” (BARNES, 1981, p. 19), cuja finalidade, em vez de descobrir novas verdades,
estabelecer o valor de verdade de proposições problemáticas ou fundamentar e justificar o
conhecimento, seria meramente ensinar e transmitir o conhecimento científico de maneira
didaticamente organizada10. Em 1981, Burnyeat (pp. 115-116) já advertia que essa visão
estava se tornando “uma nova ortodoxia”.
Barnes (1969, p. 77), que sabidamente muda de ideia em vários momentos de sua
vida, defendeu que “a teoria da ciência demonstrativa nunca foi destinada a orientar ou
formalizar a pesquisa”. Segundo ele, “trata-se exclusivamente do ensino de fatos já obtidos;
não descreve como os cientistas adquirem conhecimento: ela oferece um modelo formal de
como apresentar e transmitir conhecimento”. Mais de uma década depois, ele manteve essa
opinião, afirmando que a teoria da demonstração “foi concebida primariamente como um
método para a apresentação e transmissão de verdades científicas” e que “demonstrações são
argumentos didáticos”, chamando a atenção para o fato de que a finalidade de muitos dos
De fato, o segundo capítulo das Refutações Sofísticas (165b 1-13) parece identificar argumentos
demonstrativos com argumentos didáticos.
10
29
tratados de Aristóteles seria “sistematizar e transmitir as verdades da ciência” (1981, p. 19).
Poucos anos depois, Barnes (1993, p. xii) expõe esse ponto de vista de maneira ainda mais
completa:
O livro I não contém uma teoria da metodologia científica.
Aristóteles não pretende oferecer orientação ao cientista sobre a melhor
maneira de prosseguir com suas pesquisas ou descobrir novas verdades; e é
claro que também não tentou realizar suas próprias pesquisas científicas de
acordo com os cânones dos Analíticos. O livro I não é uma metodologia
para pesquisa (...). Pelo contrário, preocupa-se com a organização e
apresentação dos resultados da pesquisa: seu objetivo é dizer como
podemos reunir em um todo inteligível as várias descobertas do cientista
(...). Em suma, o objetivo principal da demonstração é expor e tornar
inteligível o que já foi descoberto, não descobrir o que ainda é
desconhecido.
Burnyeat (1981, p. 118) discorda que a preocupação dos Segundos Analíticos seja
exclusivamente pedagógica. Nesse sentido, ele até admite que Aristóteles possa estar
movido por um “interesse educacional”, mas, segundo ele, “deve-se pensar nisso não em
termos de um professor transmitindo novos conhecimentos a mentes virgens, mas em termos
de um curso universitário avançado em matemática ou biologia”. E completa: “O cientista
pretende mostrar e compartilhar sua compreensão de princípios do campo – um
empreendimento que pressupõe uma boa dose de conhecimento pré-existente por parte de
sua audiência” (1981, p. 118).
2.1.2. Características distintivas da demonstração científica
Seja como um método para descobrir novas verdades, estabelecer o valor de verdade
de proposições problemáticas, fundamentar e justificar o conhecimento, ou simplesmente
ensinar e transmitir o conhecimento científico, a grande maioria desses autores tem em
comum a tendência de identificar a demonstração científica como sendo meramente uma
dedução válida com tais e tais características. A maioria deles parece concordar, pelo menos,
que a demonstração não é uma dedução válida sem mais, de modo que a cláusula “com tais
e tais características” se faz necessária. Em outras palavras, eles concordam que nem toda
30
dedução válida na forma de um silogismo pode receber o título de demonstração científica,
mas apenas aquelas que atendem a certos requisitos11.
Mas em que aspecto, precisamente, um silogismo científico ou demonstração se
distingue de um silogismo que não produz conhecimento científico? As opiniões a respeito
de quais são as características que diferenciam esse tipo especial de silogismo de um
silogismo em geral são bastante variadas. Koslicki (2012, p. 197) põe essa questão do
seguinte modo:
Um argumento demonstrativo, na opinião de Aristóteles, deve ser
pelo menos dedutivamente válido; isto é, uma demonstração é pelo menos
uma dedução. Mas nem todos os argumentos dedutivamente válidos
também coincidem com demonstrações. A questão de quais condições
devem ser preenchidas por um argumento para que seja dedutivamente
válida pertence à lógica; mas a questão de quais critérios adicionais devem
ser satisfeitos por um argumento dedutivamente válido para que ele
constitua uma demonstração é uma questão que é relevante para a ciência e
para a filosofia da ciência.
O pano de fundo de Koslicki e outros que vão na mesma linha, quando fazem esse
tipo de distinção entre lógica e ciência em Aristóteles, é claramente a diferença entre os dois
Analíticos. Sabendo que os Primeiros Analíticos teorizam acerca do silogismo em geral e
que os Segundos Analíticos teorizam acerca do silogismo científico – ou seja, da
demonstração –, a questão é saber, com base nos Segundos Analíticos, o que um silogismo
precisa para ser considerado científico, ou seja, para ser uma demonstração. Zingano (2005,
p. 87) coloca essa distinção em termos de “argumento válido” para referir-se a qualquer
silogismo em geral, e “argumento cientificamente válido” para referir-se à demonstração
científica propriamente dita.
Qual é, pois, a característica específica da demonstração que a torna diferente de
todos os demais tipos de silogismo? Como todos concordam que o silogismo em geral é pelo
menos um argumento formalmente válido, os intérpretes têm proposto como característica
distintiva do silogismo científico (1) a verdade das proposições, (2) a necessidade modal das
proposições e (3) o uso de axiomas, que fundamentariam em última instância todos os
postulados de uma ciência.
11
Cf. Ribeiro, 2014, pp. 121-122.
31
2.1.2.1. Verdade das proposições
Para uns poucos intérpretes, a mera verdade das proposições é o fator determinante
que diferencia um silogismo não científico de uma demonstração. A demonstração seria,
portanto, apenas um silogismo constituído de proposições verdadeiras e que preserva o valor
de verdade das premissas para a conclusão.
Embora reconheça outros critérios, Zingano (2005, p. 89) está entre os que colocam
a verdade das premissas como um dos requisitos que distingue a demonstração do silogismo
em geral. Um argumento científico, segundo ele, “segue a estrutura inferencial válida, mas
tem também premissas verdadeiras”. Reale (2012, p. 153, 164) é muito mais enfático.
Escrevendo sobre a diferença fundamental entre os dois Analíticos, diz o seguinte:
Os primeiros tratam da estrutura do silogismo em geral, de suas
diversas figuras e de seus diferentes modos, considerando-o de maneira
formal, ou seja, prescindindo do seu valor de verdade e examinando apenas
a coerência formal do raciocínio. (...) Nos Segundos Analíticos, ao
contrário, Aristóteles trata do silogismo que, além de formalmente correto,
é também verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, que constitui a
demonstração propriamente dita. (...) O silogismo científico ou
demonstrativo se diferencia do silogismo em geral porque pressupõe, além
da correção formal da inferência, também o valor de verdade das premissas.
Mignucci (1965, p. 110) também concorda com essa interpretação:
O procedimento silogístico próprio da ciência se chama
demonstração. Trata-se de um tipo particular de silogismo que se
diferencia não pela forma, do contrário não poderia ser chamado
propriamente silogismo, mas pelo conteúdo das premissas formuladas. Na
demonstração, as premissas devem ser sempre verdadeiras, enquanto isso
não parecia se verificar necessariamente no silogismo como tal, pois, nesse
caso, só interessa determinar se um dado consequente deriva ou não das
premissas formuladas pelo simples fato de terem sido formuladas,
independentemente do valor de verdade que possam ter. Na demonstração,
ao contrário, sendo ela o procedimento que leva à ciência do consequente,
isto é, que leva a verificar se o consequente é verdadeiramente tal ou não,
cabe postular um antecedente verdadeiro, dado que somente do verdadeiro
deriva necessariamente o verdadeiro.
Corcoran (2009) e Smith (2009, p. 53) julgam que a mera preservação do valor de
verdade na passagem das premissas para a conclusão – precisamente o que caracteriza o
silogismo enquanto uma dedução correta – seria o fator decisivo para compreender a noção
32
de demonstração científica (ANGIONI, 2014, p. 64). De acordo com Corcoran (2009, p. 1),
o assunto dos Segundos Analíticos é a demonstração “em oposição à persuasão”. Essa
interpretação pressupõe a distinção entre conhecimento (crenças que se sabem verdadeiras)
e opinião (crenças que não são rigorosamente conhecidas)12. Para ele, enquanto a persuasão
produz meramente opinião, a demonstração produz conhecimento “da verdade das
proposições”.
Para Corcoran (2009, pp. 1-3), “demonstrar é deduzir a partir de premissas
conhecidas como verdadeiras”, de modo que “toda demonstração produz ou confirma o
conhecimento da verdade de sua conclusão”. Uma demonstração, diz ele, “começa com
premissas que são conhecidas como verdadeiras e mostra, por meio do encadeamento de
passos evidentes, que sua conclusão é uma consequência lógica de suas premissas”. Assim,
conclui, “uma demonstração é uma dedução cujas premissas são conhecidas como
verdadeiras” (2009, p. 1).
Note que a posição de Zingano, Reale e Mignucci é mais moderada. Embora
incompleta, sua concepção do que seja uma demonstração científica em contraste com um
silogismo em geral não está de todo equivocada. Para esses autores, o silogismo possui
critérios de validade que são formais e que, portanto, independem do conteúdo das
proposições. Já a demonstração científica, por sua vez, exige pelo menos que as proposições
sejam verdadeiras – e esse “pelo menos” faz toda diferença.
Ora, de fato, a verdade das proposições é um critério relevante para a demonstração
científica – isso é trivial. No entanto, é incorreto adotar a posição mais radical de Corcoran,
para quem a verdade das premissas é o fator determinante, central, decisivo e mesmo
suficiente para a demonstração da conclusão. Adotando a verdade das premissas como
critério suficiente, Corcoran concebe a demonstração científica simplesmente como uma
mera dedução correta – isto é, uma dedução com forma válida e conteúdo verdadeiro. É
óbvio e consensual que a demonstração deve operar com proposições verdadeiras, mas
afirmar que este é o critério mais relevante ou a principal característica distintiva do
De fato, em Segundos Analíticos I.33, Aristóteles estabelece um contraste entre conhecimento científico
(episteme) e opinião (doxa), mas esse contraste deve ser entendido em termos de relevância explanatória, como
argumenta Angioni (2013).
12
33
silogismo científico é uma tese bastante fraca e insustentável, e que felizmente vem
perdendo espaço.
2.1.2.2. Necessidade das proposições
Outros intérpretes acreditam que, quando Aristóteles menciona o requisito da
necessidade13, ele tem em mente uma noção modal de necessidade, a qual seria aplicada às
proposições em si mesmas, enquanto relações predicativas necessárias, independente de
qualquer contexto explanatório ou argumentativo. Concebem assim a demonstração como
sendo meramente uma espécie de silogística modal. Nesse sentido, entendem que, para um
silogismo ser uma demonstração, não basta que suas proposições sejam verdadeiras: elas
também precisam ser necessárias14.
Essa interpretação foi tão influente na história da filosofia que até mesmo Kant usa o
termo “apodíticas” (do grego apodeixis, “demonstração”) para se referir a proposições
necessariamente verdadeiras ou às deduções que envolvem preservação da necessidade
modal das premissas para a conclusão. Popper, por sua vez, se refere à episteme
(conhecimento científico) quase sempre em oposição à doxa (opinião), como um saber que é
certo, estável e fundamentado, dotado de garantias incontroversas de validade
(ABBAGNANO, p. 391).
Interpretando equivocadamente a exigência de necessidade que Aristóteles faz acerca
da demonstração, esses intérpretes entenderam que, para Aristóteles, se uma proposição é
necessária e foi inferida de um conjunto de premissas igualmente necessárias, então essa
proposição está demonstrada. Barnes (1993, p. 126) é quem mais eloquentemente atribui
essa tese a Aristóteles, embora ele mesmo esteja desconfortável com ela, por a considerar –
corretamente a meu ver – uma tese falsa, problemática e até mesmo absurda.15
Ross (1949, p. 526) diz que, “como a demonstração é de proposições necessárias,
suas premissas devem ser necessárias”, e, em seguida, afirma que “podemos raciocinar a
Cf. Segundos Analíticos I.6.
Sobre isso, ver Burnyeat, 1981, pp. 110-112.
15
Sobre isso, ver Angioni, 2014c; 2019.
13
14
34
partir de premissas verdadeiras sem demonstrar, mas não de premissas necessárias, sendo a
necessidade a característica da demonstração”. O próprio Mignucci (2007, p. 171) afirma,
muitos anos depois, que a necessidade das premissas de uma dedução é condição necessária,
embora não suficiente, da demonstração: “O argumento está longe de ser claro. Parece se
desenvolver a partir da suposição de que, se uma demonstração de p é dada, então p deve ser
necessária”.
Byrne (1997, p. 94), por sua vez, afirma que, “de acordo com Aristóteles, o
verdadeiro significado da própria episteme exige que, quando o conhecimento científico é
tido por meio de uma demonstração, as premissas devem ser necessárias”. Reeve (2000, p.
18) vai além e afirma que a demonstração nada mais é do que a mera preservação da
necessidade das premissas para a conclusão; e conclui daí que, “como todos esses primeiros
princípios são necessários, e a demonstração é a preservação da necessidade, os teoremas
científicos também são necessários”. Byrne (1997, p. 204) diz ainda:
Talvez nenhum critério da ciência tenha reinado tão firmemente
ou por tanto tempo quanto o da necessidade. Ao adotar a posição de que
episteme, no sentido não qualificado (haplos), significa não apenas saber
que é verdade, mas também saber que o fato “não poderia ser diferente do
que é”, Aristóteles articula uma orientação fundamental que caracterizou a
ciência ocidental por mais de dois milênios. Apesar da veemência de suas
críticas aos contextos aristotélico-escolásticos, Galileu, Descartes, Newton,
Hobbes, Bacon e Kant todos permaneceram aristotélicos em sua adesão à
“necessidade” como principal critério que distinguia a ciência de formas
“menores” de conhecimento.
Embora todos esses autores atribuam tal tese a Aristóteles, Angioni (2014, p. 69)
sugere que nenhum deles se arriscaria a sustentá-la por si mesmos, dada a sua flagrante
inconsistência:
Ninguém defenderia como boa tese filosófica a proposta de que
qualquer silogismo correto com sentenças necessariamente verdadeiras
seria uma demonstração, dotada de eficácia explanatória, pelo mero fato de
instanciar um modo silogístico válido constituído por sentenças
necessariamente verdadeiras. No entanto, são muitos os intérpretes que se
veem constrangidos a atribuir a Aristóteles essa péssima tese filosófica (cf.
Ross, 1949, p. 526; Reeve, 2000, p. 18; Barnes, 1993, p. 126).
35
De todo modo, deve estar claro, a partir do que já vimos até aqui, que essa exigência
de necessidade modal aplicada às proposições – erroneamente atribuída a Aristóteles16 –
conduz a uma axiomatização do conhecimento, como veremos a seguir.
2.1.2.3. Axiomatização
Dada essa exigência – a rigor não encontrada em Aristóteles, como defendo no
próximo capítulo – de que a demonstração se dá apenas com proposições necessárias
derivando de premissas igualmente necessárias, muitos desses autores argumentam que a
demonstração científica se assemelha, em certa medida, ao que podemos chamar de uma
teoria formal axiomatizada, cujo principal exemplo na história da ciência, talvez, seja a
geometria euclidiana.
Para Barnes (1993, p. xii), um dos principais expoentes desse grupo, a tese essencial
do primeiro livro dos Segundos Analíticos é simples e atraente: “as ciências são
adequadamente expostas em sistemas axiomatizados formais”:
O que Euclides mais tarde fez, hesitante, com a geometria,
Aristóteles queria que fosse feito para cada ramo do conhecimento humano.
As ciências devem ser axiomatizadas: isto é, o corpo de verdades que cada
uma define deve ser exibido em uma sequência de teoremas inferidos de
alguns postulados ou axiomas básicos. E a axiomatização deve ser
formalizada: isto é, suas sentenças devem ser formuladas dentro de uma
linguagem bem definida, e seus argumentos devem proceder de acordo
com um conjunto de regras lógicas especificadas de forma precisa e
explícita. A noção de axiomatização formal tem mais que valor histórico: o
nascimento e desenvolvimento dessa noção são narrados nos Segundos
Analíticos; e se as especulações de Aristóteles são bizarras e antiquadas,
muitas permanecem pertinentes a qualquer compreensão da natureza de
uma ciência axiomática. (BARNES, 1993, pp. xii-xiii)
Ferejohn (1991, p. 17) concorda com essa interpretação. Para ele, uma ciência
aristotélica é representada como uma espécie de “sistema axiomático proto-euclidiano que
parte de um conjunto relativamente pequeno de ‘pontos de partida’ ou ‘suposições’, e então
segue por via puramente dedutiva cadeias de inferência para provar todos os explananda
pertinentes a essa ciência”. Note que, pressupondo a demonstração como um sistema
16
Como ficará claro na seção 3.4., pp. 69 ss.
36
dedutivo axiomatizado, é natural que se pense em termos de “cadeias” argumentativas
envolvendo séries de silogismos.
Lloyd (1981, pp. 157-158), por exemplo, sugere que “se [uma proposição] p é
provada de q, ela não está demonstrada a menos que q seja demonstrada (...) e assim ad
infinitum”. Corcoran (2009, pp. 1-2), no mesmo sentido, afirma o seguinte:
Muitas vezes acontece que uma pessoa “redemonstrará” uma
proposição depois de já a ter demonstrado – talvez usando menos
premissas ou uma cadeia de raciocínio mais simples. A nova argumentação
tem uma conclusão já conhecida como verdadeira; então o conhecimento
da verdade da conclusão não é produzido. Nesse caso, a nova
argumentação ainda é uma demonstração. Em um caso degenerado ainda
mais extremo de demonstrações repetitivas, a conclusão, na verdade, é uma
das premissas. Porque as premissas já são conhecidas como verdadeiras,
assim como a conclusão. Aqui a demonstração não produz nem reconfirma
o conhecimento da verdade da conclusão. Claro, essas demonstrações
degeneradas são inúteis.
Leszl (1981, p. 286) complementa essa descrição dizendo que outra exigência da
axiomatização é que “as premissas estabelecidas sejam condições suficientes dos vários
teoremas comprovados, ou seja, que a única justificativa para tudo o que é deduzido é que se
segue logicamente das premissas básicas”. Para ele, não há necessidade de recorrer a fatores
externos que sirvam de evidência para tais deduções.
Höffe (2008, p. 73) resume essa interpretação padrão da teoria da ciência aristotélica
dizendo que ela possui basicamente três partes. Nesse sentido, uma ciência aristotélica deve,
em primeiro lugar, “poder comprimir o seu conteúdo em poucas e não mais dedutíveis
proposições fundamentais”, isto é, em “axiomas”; além disso deve, graças aos axiomas e a
outros princípios, possibilitar uma assim chamada “fundamentação última”; e, finalmente,
deve se dirigir a “essências ontológicas”. Ele destaca, assim, as três principais características
do ideal de uma ciência aristotélica, a saber: a Axiomática, o Fundamentalismo e o
Essencialismo; ou, resumidamente, o que ele chama de “ideal AFE”. E prossegue:
“Manifestamente, tal ideal gera fascinação; ainda assim, ele antecipa o racionalismo
moderno, os sistemas more geometrico de autores como Descartes, Hobbes e Spinoza”
(2008, p. 73).
Em muitos desses intérpretes, porém, não está claro o que precisamente significaria
essa tal “axiomatização” supostamente presente em Aristóteles. Desconfio, com Angioni
37
(2014, p. 65), que se trata, na maior parte dos casos, de mero deslumbramento com o
suposto poder mágico da palavra “axioma”. Nenhum dos adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado fornece um exemplo sequer de como seria uma demonstração desse tipo, o
que torna essa posição uma linha interpretativa “inconvenientemente vaga” (ANGIONI,
2014, p. 67).
2.2. Discussão crítica
A interpretação padrão da teoria da demonstração científica em Aristóteles – aqui
chamada de paradigma dedutivo axiomatizado – invariavelmente conduz a pelo menos duas
grandes dificuldades, as quais só poderão ser resolvidas adotando-se outra linha
interpretativa, oposta à que temos visto até aqui, e que será assunto do próximo capítulo.
Resumidamente, essas dificuldades são: (1) a teoria aristotélica da demonstração científica
não seria aplicável às ciências naturais, por causa da contingência de suas proposições,
limitando-se às ciências formais como a lógica e as matemáticas; (2) Aristóteles teria
cometido um grave erro ao escolher o silogismo como ferramenta da demonstração, haja
vista que a silogística claramente possui severas limitações como método dedutivo. Vejamos
como cada uma dessas consequências se impõe.
2.2.1. As ciências naturais e o problema da contingência
De acordo com McKirahan (1992, p. 5), quando procuramos na história da ciência
um bom exemplo ou modelo da ciência demonstrativa proposta por Aristóteles, os
Elementos de Euclides oferecem uma grande ajuda: “Com qualificações apropriadas, os
princípios dos Elementos correspondem aos princípios que Aristóteles reconhece para as
ciências e as provas euclidianas às demonstrações aristotélicas”, diz ele, ao explicar que,
possivelmente, Euclides teria sido influenciado pelos Segundos Analíticos.
Leszl (1981, p. 328) concorda que a teoria da ciência aristotélica “deve ser
considerada como uma importante contribuição para a construção da matemática
axiomatizada presente nos Elementos de Euclides”. O próprio Leszl (1981, p. 271) afirma
ainda a esse respeito:
38
A exegese dos Segundos Analíticos tem sido dominada pela
convicção de que a matemática é considerada um paradigma para qualquer
ciência bem organizada (...). Afirma-se agora que a matemática é
concebida como uma ciência axiomatizada – essencialmente a matemática
como exposta por Euclides em seus Elementos – que estabeleceu para
Aristóteles o padrão válido para qualquer outra ciência. (...) Embora, é
claro, ele não estivesse familiarizado diretamente com o próprio trabalho
de Euclides, certamente estava familiarizado com algum tratado préeuclidiano sobre os “elementos” matemáticos baseados fundamentalmente
nos mesmos princípios e cujo sucesso em tornar a matemática sistemática
o impressionou, e inspirou sua elaboração de uma teoria da ciência
destinada a estender a axiomatização a qualquer ciência digna desse nome.
Haja vista essa descrição da demonstração como uma dedução correta cujas
conclusões derivam de axiomas, definições e postulados básicos sem recorrer a dados
externos ao sistema, a exemplo da geometria euclidiana, esses intérpretes tendem a
superestimar as matemáticas como sendo, se não as únicas ciências verdadeiramente
demonstrativas, pelo menos o modelo padrão ao qual devem se espelhar e galgar como ideal
todas as demais ciências17. Afinal, “desde Hilbert, a lógica e a matemática servem-se do
chamado método axiomático, o qual outras ciências formais assumirão” (HÖFFE, 2008, p.
81). Sobre esse ponto, diz Barnes (1981, p. 18):
A geometria era a única ciência antiga a se aproximar do ideal
demonstrativo de Aristóteles. É discutível até que ponto a geometria
axiomática tinha avançado quando Aristóteles escreveu os Analíticos, e é
incerto até que ponto os geômetras posteriores foram influenciados por
Aristóteles; mas a prática matemática foi, sem dúvida, um dos estímulos
que provocaram a teoria da prova de Aristóteles; e Aristóteles certamente
imaginou que essa teoria, uma vez desenvolvida, seria proveitosamente
aplicada às ciências matemáticas.
McKirahan (1992, p. 19) concorda com Barnes a esse respeito: “Aristóteles ficou
impressionado com os rápidos avanços da matemática e atribuiu seu sucesso, pelo menos em
parte, ao seu arranjo”. Segundo ele, Aristóteles acreditava que alguns ramos do
conhecimento poderiam ser matematizados ou porque “obedeciam a leis matematicamente
expressas” ou porque “eram passíveis de raciocínio e organização matemáticos”. Aristóteles
teria concluído, então, que essa organização era “a chave para o sucesso” e que “qualquer
ciência organizada como a geometria poderia progredir rapidamente”. Ainda segundo
Sobre a relação entre os Segundos Analíticos e a matemática antiga, ver MCKIRAHAN, 1992, p. 133 ss.
Sobre a relação da demonstração aristotélica com os Elementos de Euclides, ver MCKIRAHAN, 1992, p. 144
ss.
17
39
McKirahan (1992, p. 19), os Segundos Analíticos vão além, “definindo uma ciência como
um assunto organizado ao estilo da matemática”.
Pelo menos mais do que Barnes, porém, McKirahan (1992, p. 19) parece estar ciente
de certas dificuldades que essa interpretação traz à tona, especialmente pelo fato dela não
poder ser aplicada às chamadas ciências naturais. Ao dar este passo, diz ele, “Aristóteles
necessariamente adapta e generaliza, uma vez que a geometria e outros ramos da matemática
apresentam características que não se aplicam diretamente à ciência natural”. Nesse ponto,
ele parece ficar embaraçado, precisamente por ser forçado a admitir que o objetivo de
Aristóteles era, claramente, “uma teoria totalmente geral que pudesse aplicar-se a ramos do
conhecimento tanto matemáticos abstratos quanto naturais concretos”.
Diante de tal dificuldade, o entusiasmo com a matemática assume diferentes formas
e vai de um a outro extremo. Höffe (2008, p. 73), por um lado, afirma que “do ponto de vista
da práxis da ciência, pode-se polemizar que pode ser axiomática em sentido estrito apenas
uma ciência cujos axiomas não suscitam nenhuma reivindicação de verdade, ou seja, a
matemática”.
Leszl (1981, p. 288), por outro lado, chega a sugerir que “os requisitos para a ciência
em sentido estrito, como estabelecido nos Segundos Analíticos, não são imediatamente
aplicáveis à matemática”. Leszl (1981, pp. 273-274) ainda chama a atenção para uma
informação extremamente relevante, mas que costuma passar despercebida:
Existem outros intérpretes, com diferentes interesses, que
poderiam reclamar que muita ênfase na axiomatização faz com que se
negligencie alguns outros aspectos igualmente importantes da teorização
aristotélica, especialmente aqueles encontrados no livro II, que estão muito
mais preocupados com a biologia e com a física do que com a matemática
e que envolvem mesmo tomar a primeira como o paradigma da ciência
(embora não exclusivamente).
Porchat (2001, pp. 70-71) levanta objeções no mesmo sentido:
Vimos, há pouco, terem sido as matemáticas o exemplo
privilegiado de ciência já constituída sobre que se exerceu a reflexão
aristotélica: estaremos, então, pretendendo que as matemáticas se nos
revelam como uma forma de conhecimento que constrói silogisticamente
suas inferências e que a análise da demonstração matemática é, para o
filósofo, a garantia daquela afirmação? Não se trataria de uma
40
interpretação passível de ser facilmente desmentida por quantos estudos
têm procurado mostrar a origem biológica da lógica aristotélica?
Com efeito, uma teoria da ciência baseada no paradigma dedutivo axiomatizado não
pode ser aplicada às ciências naturais na medida em que se nega a trabalhar com
proposições contingentes. De fato, tal requisito estrito excluiria todas as ciências naturais do
título de conhecimento científico (ANGIONI, 2009, p. 61).
Contra isso, é desconcertante o fato de que é justamente a exemplos das ciências
naturais que Aristóteles dedica boa parte dos Segundos Analíticos, especialmente no livro II.
Por esse motivo, alguns concluíram, como ressalta Angioni (2002, p. 7), que Aristóteles
“não teria conseguido encaixar as ciências naturais nos padrões normativos expostos nos
Segundos Analíticos, nem teria alimentado esperanças de que isso seria possível”. Tal
procedimento, segundo esses autores, diz Angioni, “marcaria a distância entre os livros I e II
dos Segundos Analíticos, a qual corresponderia à distância entre o ideal analítico de ciência
e as investigações no campo das ciências naturais” (2002, p. 7).
Leszl (1981, p. 274) vai mais longe nessa questão:
Parece que (...) permanece uma grande lacuna entre a prática
científica de Aristóteles e sua teorização, se esta for entendida como
envolvendo um programa de axiomatização com aplicação geral; o que
falta é a mínima tentativa de mostrar que realmente funciona ou que
funcionará sob certas condições.
Como essa afirmação de Leszl indica, talvez ainda mais séria do que uma suposta
incompatibilidade entre os livros I e II dos Segundos Analíticos seria a incompatibilidade
entre os Segundos Analíticos e os tratados de Aristóteles no campo das ciências naturais.
Sobre isso, diz Angioni (2002, p. 1):
É sabido que o domínio no qual o próprio Aristóteles mais nos
legou contribuições especificamente científicas – ou que assim poderíamos
chamar, em contraste com contribuições filosóficas – foram as ciências
naturais e, mais particularmente, a zoologia. Trata-se de uma questão já
clássica saber se o modo pelo qual Aristóteles desenvolve sua ciência dos
animais conforma-se aos padrões normativos estipulados pela teoria da
ciência nos Segundos Analíticos.
Muitos argumentos foram tradicionalmente levantados em favor de uma suposta
incompatibilidade entre a teoria da ciência proposta nos Segundos Analíticos e aquilo que
41
Aristóteles de fato faz em seus tratados científicos, notadamente nos tratados biológicos.
Argumentos desse tipo foram defendidos por Le Blond (1939) e Mansion (1948, p. 335-6).
Criticando essa posição, Angioni (2002, p. 2) elucida com muita clareza um argumento
tradicional em favor dessa suposta incompatibilidade:
De um lado, a teoria exposta nos Segundos Analíticos exige do
objeto científico um comportamento absolutamente regular, que não
admite variação. Como Aristóteles repete varias vezes, aquilo que é objeto
de conhecimento cientifico é tal que "não pode ser de outro modo", ou seja,
é tal que é eterno e necessário (cf. I 4, 73a 21 ss.; I 6, 74b 5 ss.; I 8, 75b 24
ss.). Essa exigência é inclusive ressaltada como traço decisivo que demarca
a fronteira entre a ciência e a mera opinião. (ANGIONI, 2002, p. 2)
De fato, Aristóteles diz em Segundos Analíticos I.33: “Há algumas coisas que são
verdadeiras e que são realmente o caso, mas são passiveis de serem de outro modo. É
evidente, então, que, a respeito delas, não há ciência” (88b 32-34). Nas palavras de
McKirahan (1992, p. 4): “A ciência lida principalmente com o universal e necessário, não
com o particular e contingente. Ela trata os indivíduos não por si próprios, mas enquanto se
enquadram em universais, e os fatos (relações) que estuda sempre valem, necessariamente,
em todos os casos”. Tal tese parece ser confirmada pela seguinte passagem da Metafísica, na
qual Aristóteles argumenta que das essências sensíveis particulares não pode haver nem
definição, nem demonstração:
Não há nem definição nem demonstração das essências sensíveis
particulares, porque elas comportam uma matéria cuja natureza é tal que é
suscetível de ser e não ser (...). Ora, tal como não é possível que o
conhecimento seja em dado momento conhecimento, mas, em outro
momento, ignorância (pois algo de tal tipo é antes opinião), do mesmo
modo tampouco é possível [sc. uma tal variação] a respeito da
demonstração e da definição, pois daquilo que pode se comportar de um
modo diverso há antes opinião [sc. e não ciência]; portanto, é evidente que
não pode haver nem definição nem demonstração delas [sc. das essências
sensíveis particulares]. (VII.15, 1039b 27 – 1040a 2)
Com base nessas passagens, de fato parece seguro atribuir a Aristóteles a doutrina de
que é possível haver ciência em sentido estrito apenas de objetos que são imutáveis, isto é,
que se comportam sempre do mesmo modo e segundo uma noção modal de necessidade.
Mas como as ciências naturais se propõem, obviamente, a conhecer as assim chamadas
“essências naturais”, e estas sabidamente são mutáveis, na medida em que admitem variação,
parece ser impossível, então, conhecê-las de modo estritamente científico.
42
A esse respeito, Angioni (2002, p. 3) consegue resumir bem a posição de seus
interlocutores, contra a qual se posicionará:
As essências naturais são constituídas de matéria, e a matéria é tal
que “admite ser e não ser” (Metafísica VII.7, 1032a 20-21), princípio da
variação contingente e do devir, etc. Assim sendo, parece não haver
nenhuma maneira satisfatória de admitir, na doutrina aristotélica, a
possibilidade de uma ciência natural, que tomasse tais essências por objeto.
Tal como no platonismo, também na filosofia aristotélica o mundo do devir
estaria relegado e “rebaixado” ao plano da mera opinião, e o fato de
Aristóteles ter se dedicado à investigação biológica não seria suficiente
para restituir-lhe um estatuto epistemológico mais nobre.
Como solução para esse aparente impasse, muitos têm proposto a hipótese da
mudança de opinião, segundo a qual Aristóteles teria proposto a sua teoria da demonstração
científica dos Segundos Analíticos quando ainda era jovem e muito influenciado por Platão;
e depois, na maturidade, na época do Liceu, após anos de dedicação à observação empírica,
simplesmente mudou de ideia e escreveu seus tratados de ciências naturais sem levar em
conta o modelo de ciência demonstrativa proposto nos Segundos Analíticos. Convenhamos
que essa tentativa de solução, no entanto, parece bastante inverossímil e desastrosa. Angioni
(2009, p. 65) elucida bem essa questão:
A similaridade entre as passagens 184a 12-14 (Física) e 71b 9-12
(Segundos Analíticos) indica acordo entre ambos os textos no que concerne
às condições para que um conhecimento possa ser chamado “científico”.
Mas muitos discordariam: a teoria da ciência exposta nos Segundos
Analíticos não seria aplicável ao domínio da natureza. De fato, há distância
considerável entre tal teoria e os métodos que se encontram nos tratados de
ciência natural, como História dos Animais, Partes dos Animais etc. No
entanto, embora não se possam ignorar os atritos entre a teoria exposta nos
Segundos Analíticos e as investigações empreendidas nos tratados de
ciência natural, tampouco se sustenta a crença de que tais atritos seriam a
expressão de incompatibilidade radical, oriunda de certo “desenvolvimento
intelectual” na carreira de Aristóteles (como alega Jaeger, 1923) ou talvez
nem mesmo percebida por Aristóteles (como quer Le Blond, 1939). Há
atritos, mas não há desacordo radical entre o modelo de ciência e sua
aplicação (ver Mansion, 1948, pp. 210-5; G. Lloyd, 1990, pp. 33-4; e
Lennox, 2001, pp. 7-71).
Na terceira parte deste trabalho ficará claro que essa aparente incompatibilidade
entre a teoria da ciência de Aristóteles nos Segundos Analíticos e seus tratados efetivamente
científicos não se sustenta. Assumindo o paradigma dedutivo axiomatizado tal como o
expomos até aqui, no entanto, essa aparente incompatibilidade continua sendo um problema
em aberto.
43
2.2.2. As limitações da silogística como método dedutivo
Muitos acreditam, como Smith (2009, p. 53), que, para Aristóteles, a silogística “não
é apenas uma teoria lógica, mas a única teoria lógica possível”. Aristóteles, segundo ele,
“acredita que a silogística é a única teoria correta de inferência”. Ribeiro (2014, p. 124)
aponta na mesma direção:
Durante muito tempo a lógica aristotélica, isto, é, a silogística, foi
toda a lógica de que se teve notícia (cf. Patterson, 1995, p. 5). Embora os
estoicos tenham desenvolvido um sistema de lógica proposicional, por
percalços históricos, esse sistema teria permanecido em segundo plano até
meados do século XIX (cf. Smith, 2014). Foi na passagem do século XIX
para o século XX, principalmente com os trabalhos de Frege e Russell, que
a lógica ganhou os primeiros contornos da aparência que ela tem hoje (cf.
Lukasiewicz, 1951, pp. 48-49, 131; Striker, 2009, pp. xiii-xiv; Smith,
2014). Surgia a lógica proposicional simbólica ou a lógica matemática.
O fato é que, além dos silogismos, sabe-se que existem inúmeros outros tipos de
argumentos e regras de inferência que atendem muito melhor ao propósito de um sistema
dedutivo axiomatizado de ciência. Em contrapartida, a silogística, escolhida por Aristóteles
como a ferramenta por excelência da demonstração, claramente não atente às exigências
nem serve adequadamente a esse fim.
Como vimos, a escolha do silogismo como instrumento de demonstração, admite
Angioni (2014, p. 61), “nos leva a inferir que, na concepção aristotélica, demonstrar uma
dada proposição é estabelecer seu valor de verdade e argumentar em favor desse valor de
verdade a partir de credenciais mais básicas, fornecidas pelas premissas”. No entanto, ele
continua, “se o silogismo fosse de fato imbuído dessas responsabilidades, parece que a
escolha de Aristóteles teria sido bem infeliz, pois o silogismo tem severas limitações como
instrumento dedutivo”. E essa não é uma opinião defendida apenas pelos críticos dessa linha
interpretativa. Até mesmo para parte significativa dos adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado, “o silogismo seria uma ferramenta incapaz de captar todos os passos
inferenciais importantes em uma ciência” (ANGIONI, 2014, p. 63).
Esse paradigma começa a colapsar quando nos damos conta de que a silogística
claramente não é aplicável nem mesmo às provas matemáticas. Ora, tenhamos em mente
que, como já vimos, esses intérpretes veem nas matemáticas o padrão de formalização e
44
axiomatização que deve ser seguido por todas as demais ciências. No entanto, como
argumentou Angioni (2014, p. 63), “dados os limites da estrutura predicativa que constitui
suas premissas, o silogismo também seria incapaz de dar expressão adequada a relações
importantes nas ciências matemáticas”. O próprio Leszl (1981, p. 272) reconhece essa
incompatibilidade:
Por parte de alguns lógicos ou historiadores da matemática,
reservas são expressas quanto a uma completa coincidência entre a
explicação de Aristóteles dos princípios de uma ciência e aquela implícita
na lista de Euclides no início de seus Elementos. Da mesma parte vem a
objeção de que o programa de Aristóteles se baseia em tomar o silogismo
como o instrumento lógico primário para a organização de uma ciência, e
que o silogismo e a prova matemática (que é o instrumento de
axiomatização de Euclides) nunca ocorrem juntos.
Até mesmo Barnes (1981, p. 19), um dos principais e mais influentes expoentes
dessa linha interpretativa, se expressa de maneira muito clara e enfática nesse sentido:
Por mais admirável que seja seu rigor e elegância, a lógica dos
Analíticos é inadequada para a formalização até mesmo das provas
geométricas mais elementares: a silogística é uma parte pequena e
relativamente insignificante da lógica; e os matemáticos que tentam
conduzir seus argumentos dentro de seus limites não chegarão a lugar
nenhum. Mais tarde, os peripatéticos fingiram piamente que a silogística
poderia servir ao cientista matemático; mas a sua defesa desesperada pode
não ter convencido nenhum geômetra praticante. Assim, se a teoria da
demonstração de Aristóteles depende de sua lógica, e se as provas forem, a
seu ver, inelutavelmente silogísticas, então seremos obrigados a concluir
que a explicação da ciência demonstrativa dada nos Segundos Analíticos é
inaplicável ao paradigma da disciplina demonstrativa da matemática; e
teremos que explicar como Aristóteles poderia ter sido cego para a
imbecilidade matemática de sua filosofia da ciência.
Diante dessa aparente incompatibilidade, muitos consideram discutível a ideia de
que Aristóteles teria desenvolvido sua teoria do silogismo como uma ferramenta para a
ciência (MCKIRAHAN, 1992, p. 4). Alguns, inclusive, tentaram negar que o silogismo
tenha, de fato, para Aristóteles, um papel decisivo como instrumento da demonstração
científica.
É claro que eles não ignoram as afirmações explícitas e insistentes de Aristóteles de
que toda demonstração é um silogismo (cf. 71b 17-18; 73a 24; 25b 30). Tampouco ignoram
o fato de que Aristóteles se esforça, em várias passagens dos Segundos Analíticos, para
encaixar no arcabouço da silogística vários conceitos básicos de sua teoria da demonstração
45
(cf. 71b 17-18; 75a 35-37; 78a 31 - 78b 31). No entanto, diante de tantas evidências textuais,
tais intérpretes sugeriram que essas seriam “tentativas desesperadas e mal sucedidas de
forjar em molde silogístico uma teoria da demonstração originalmente concebida sem
nenhuma referência ao silogismo”, como descreve Angioni (2014, p. 61) antes de criticar
essa linha interpretativa.
Ferejohn (1991, p. 17 ss.) afirma encontrar nos Segundos Analíticos dois grupos
substanciais de textos que, segundo ele, “parecem apontar para direções exegéticas opostas”.
Por um lado, haveria em ambos os Analíticos um número considerável de passagens – às
quais ele chamou de grupo A – que sugerem uma ligação estreita entre as noções de
demonstração e silogismo. O problema, de acordo com Ferejohn, é que isso “parece não se
encaixar muito bem com as próprias observações de Aristóteles sobre os detalhes de sua
teoria”. Ele então identifica outras passagens – grupo B –, tiradas principalmente dos onze
primeiros capítulos dos Segundos Analíticos, especialmente do segundo e do décimo,
baseadas nas quais os antissilogicistas “propõem desistir inteiramente da ideia de que a
demonstração é significativamente baseada na teoria do silogismo (...), apesar das
declarações claras de Aristóteles no grupo A em contrário” (1991, p. 17 ss.).
Barnes (1981, p. 20), um dos principais e mais influentes proponentes dessa vertente
de interpretação, vai além dos Segundos Analíticos e constata que, nos tratados notoriamente
científicos de Aristóteles, é possível encontrar bem poucos silogismos, sugerindo que
Aristóteles parece não ter levado tão a sério essa ligação entre silogismo e demonstração
científica:
Um estudo assíduo descobrirá algumas inferências em forma
silogística; e os antigos comentadores foram dedicados a inventar
silogismos onde não puderam descobri-los. Mas, em geral, a lógica dos
Analíticos teve pouco efeito perceptível na estrutura do raciocínio
científico de Aristóteles. Dada a estreita faixa dessa lógica, não é de todo
lamentável o fato. Aqui também pode parecer que os Analíticos são um
trabalho estéril: ele oferece uma filosofia da ciência que seu inventor
taticamente ignora em suas próprias investigações científicas; sugere um
modo de apresentar conhecimento científico que os próprios tratados
científicos de Aristóteles não adotam.
Como possível solução para esse impasse, Barnes (1981, pp. 33-34, cf. p. 58)
defende certa independência da demonstração em relação à silogística. Para ele, a
demonstração é primeiramente uma dedução; enquanto que o silogismo seria um tipo
46
específico de dedução que só foi descoberto por Aristóteles depois: “Embora os Analíticos
apresentem a silogística e a demonstração como um sistema único (aquela uma propedêutica
necessária a esta), o silogismo é, na verdade, um complemento incidental à teoria da
demonstração”, defende Barnes. “A teoria pode ser formulada sem referência, explícita ou
implícita, à silogística, e poderia ter sido descoberta por alguém que nada sabia sobre o
silogismo”, completa.
Angioni (2014, p. 63) comenta que, “diante desse quadro supostamente desolador,
Barnes tentou escavar o texto para encontrar, por baixo da crosta silogística, algum núcleo
original em que os passos inferenciais da demonstração pudessem valer-se de outra lógica
que não a do silogismo”. Ainda comentando Barnes (1981), Angioni (2014, p. 62)
acrescenta:
Barnes pretendera encontrar nos Segundos Analíticos traços de
uma “apodítica virginal”, que poderia ser tomada como algo totalmente
independente da silogística. O presente estado dos Segundos Analíticos
seria uma espécie de colcha de retalhos, na qual uma apodítica présilogística teria sido desfigurada com a imposição do silogismo como
instrumento de demonstração. Longe de ser motivada meramente pela
percepção de supostas fissuras ou ambivalências na teoria presente nos
Segundos Analíticos, essa linha de interpretação foi motivada sobretudo
pelo desconsolo em relação às limitações formais da silogística.
Como veremos no próximo capítulo, todo esse “malabarismo” hermenêutico que
Barnes e outros antissilogicistas18 têm proposto como interpretação padrão dos Segundos
Analíticos não é necessário nem conveniente. Como foi dito no começo deste capítulo, todos
os problemas levantados até aqui – os quais por muito tempo inquietam os intérpretes dos
Segundos Analíticos –, são oriundos de um pressuposto que geralmente é assumido logo nos
primeiros contatos com o texto: “o pressuposto de que o traço específico da demonstração
científica se deixa captar por alguma característica de natureza formal” (ANGIONI, 2014, p.
68). Por “característica de natureza formal”, entendo qualquer estrutura de raciocínio que
funcione independente do conteúdo dos termos. Veremos que, livrando-se desse pressuposto
logo de saída, os problemas aqui levantados simplesmente desaparecem e o tratado como
um todo começa a fazer muito mais sentido.
18
Adotando a nomenclatura proposta por Ferejohn (1991, p. 18).
47
Höffe (2008, p. 74) já admitia que insistir nesse paradigma dedutivo axiomatizado –
que ele chama de ideal AFE – inevitavelmente “força as ciências a um espartilho estranho a
elas”. Por outro lado, prossegue seu raciocínio afirmando que esse “ideal obsoleto” confere
à teoria da ciência de Aristóteles um colapso, o qual “permite atestar, no entanto, à
contribuição própria um novo começo”. Na sequência, ele diz: “Num primeiro olhar aos
Segundos Analíticos, encontra-se para a interpretação padrão alguma confirmação (...), uma
leitura mais atenta descobre, porém, uma teoria conceitualmente mais rica, absolutamente
esclarecida e certamente sutil” (2008, p. 74). Embora ainda admita que, num sentido
secundário, a ciência aristotélica também se interessa por “dedução” e “fundamentação”,
Höffe (2008, p. 75) chega à conclusão de que “uma ciência aristotélica interessa-se primeiro
por uma explicação”. É o que veremos a seguir.
48
3. PARADIGMA EXPLICATIVO CAUSAL
Em oposição à chamada “interpretação padrão” da teoria da demonstração científica
de Aristóteles, há um grupo menos numeroso de intérpretes que adotam como chave
hermenêutica dos Segundos Analíticos – bem como da ciência aristotélica como um todo – a
noção de causalidade ou explicação. Uso esses dois termos – causalidade e explicação –
porque tais intérpretes insistem que a expressão grega que geralmente se traduz por “causa”
em Aristóteles (aitia) costuma ser mais bem compreendida a partir da ideia de “explicação”
(explanation) ou “fator explanatório”. Nas palavras de Angioni (2014, p. 69):
A demonstração (como expressão do conhecimento científico) se
define fundamentalmente por sua preocupação em captar a causa ou
explicação apropriada para dado explanandum 19 ; todas as demais
características da demonstração – tais como sua estrutura formal, as
exigências que suas premissas devem satisfazer etc. – são subordinadas a
essa característica fundamental.
De fato, em Aristóteles, a noção de “explicação” está tão atrelada à noção de
“demonstração” que até mesmo McKirahan (1992, p. 4), um dos principais proponentes do
paradigma dedutivo axiomatizado, admite que “demonstrações também são explicações” –
19
O termo em latim significa literalmente “aquilo que se pretende explanar ou explicar”.
49
embora fosse muito mais acertado retirar esse “também” da frase, uma vez que
demonstrações não são outra coisa senão explicações que assumem a forma lógica de um
silogismo. Lloyd (1981, p. 161) foi mais feliz ao afirmar que, para Aristóteles,
“demonstração é, por definição, a forma da explicação”. Não vejo como ele poderia ter sido
mais preciso usando tão poucas palavras.
Veremos a seguir, de maneira sistemática, como essa linha interpretativa se articula,
enfatizando a noção de explicação pela causa apropriada e evitando a associação de
Aristóteles com as modernas teorias racionalistas de justificação epistêmica, de modo que
aqueles problemas aparentemente insolúveis levantados no capítulo anterior simplesmente
deixam de fazer sentido dessa perspectiva.
Antes de prosseguir, uma ressalva importante precisa ser feita aqui. Por assumir a
forma lógica do silogismo e fazer uso de axiomas, considero correto afirmar que toda
demonstração científica é, de certo modo, um argumento dedutivo e axiomatizado, como
insiste a interpretação padrão. Não pretendo negar isso. O que defendo aqui é que
“argumento dedutivo axiomatizado” não funciona como uma boa definição de
“demonstração científica”. Em outras palavras, não é simplesmente por ser dedutivo e
axiomatizado que um argumento pode ser considerado uma demonstração. Nenhum desses
dois critérios é decisivo ou expressa a ênfase de Aristóteles nos Segundos Analíticos. No
lugar deles, sugiro a substituição pelo critério de explicação pela causa apropriada.
3.1. Conhecimento científico e conhecimento proposicional
Em primeiro lugar, entendo que conhecimento científico (episteme) para Aristóteles
não corresponde àquilo que chamamos em epistemologia contemporânea de conhecimento
proposicional – nem tampouco a um tipo específico e mais refinado de conhecimento
proposicional. Nas palavras de Burnyeat (1981, p. 102): “Em Aristóteles, episteme não é
conhecimento segundo a definição padrão de conhecimento na filosofia: uma crença
verdadeira e justificada”. Começar por essa distinção é fundamental para que possamos
rejeitar os componentes epistemológicos da teoria e retirar a ênfase do campo da
epistemologia.
50
Burnyeat (1981, pp. 115, 127) enfatiza a falta de preocupação de Aristóteles com a
evidência, a certeza e a justificação, conceitos que para nós são centrais na teoria do
conhecimento, e usa esse ponto para mudar o foco da discussão para a noção de
“compreensão” (understanding). De acordo com ele, “isso é razão para negar a ideia outrora
prevalente de que os Segundos Analíticos advogam a demonstração como o método de
descoberta científica” (1981, p. 115).
Quando falo em “conhecimento proposicional”, tenho em mente o tratamento que a
lógica e a epistemologia contemporânea dão às proposições. Proposições são predicações ou
sentenças com significado às quais podemos atribuir valor de verdade, isto é, podemos dizer
se são ou não o caso, se são verdadeiras ou falsas. Em outras palavras, isso equivale a
afirmar ou negar que, numa dada sentença, determinado predicado se atribui a determinado
sujeito. Nesse sentido, as proposições são concebidas primeiramente como crenças, e em
seguida são analisadas e julgadas tendo em vista as noções de verdade e justificação, de
modo que se tornou um padrão definir conhecimento como sendo nada mais do que uma
“crença verdadeira e justificada”. Desse modo, se alguém acredita que p (uma proposição
qualquer), p é o caso (a proposição é verdadeira) e esta pessoa está justificada em acreditar
que p, então – e somente nessas condições – é possível afirmar que tal pessoa sabe que p, ou
seja, possui conhecimento proposicional de p.20
Para Aristóteles, o conhecimento científico (episteme), por sua vez, embora envolva
e assuma como pressuposto o conhecimento proposicional, vai além de meramente saber
que dada proposição é o caso: ele precisa também dar conta de explicar por que ela é o caso.
Ele afirma categoricamente em Segundos Analíticos I.13 (78a 22) que “é diferente conhecer
o que e conhecer o por que”. Escrevendo sobre as diferenças entre a experiência (empeiria)
e a ciência (episteme), Aristóteles diz o seguinte: “Os experientes conhecem o que, mas não
o por que, mas aqueles outros [sc. os que possuem ciência] conhecem o por que e a causa.”
(Metafísica I.1, 981a 27-30). Burnyeat (1981, p. 129) reivindica, para esses dois tipos de
conhecimento, uma certa “distinção entre conhecimento com e sem compreensão plena (full
understanding)”.
Essa definição padrão de conhecimento proposicional foi questionada em 1963 por Gettier, e desde então
muita controvérsia vem sendo discutida acerca de sua precisão.
20
51
No começo do livro dois dos Segundos Analíticos, Aristóteles explica – sem usar
esses termos modernos, obviamente – que o conhecimento proposicional (saber que)
precede o conhecimento científico (explicar por que, isto é, encontrar a causa apropriada).
Dito de outro modo, ele afirma que o conhecimento científico pressupõe o conhecimento
proposicional e parte dele: “Quando conhecemos o que, investigamos o por que, por
exemplo, sabendo que se eclipsa, ou que a Terra se move, investigamos o por que se eclipsa
ou por que se move” (Segundos Analíticos II.1, 89b 29-31).
No grego, essa distinção é marcada geralmente pelo uso dos termos hoti (que, that) e
dioti (por que, why, because). O conhecimento proposicional caracteriza-se, como já
enfatizamos, precisamente por essa primeira etapa e lida com fatos. O tipo de conhecimento
necessário para estabelecer o valor de verdade dessa proposição (saber que p), embora
indispensável ao conhecimento científico, ainda não é ele mesmo científico. O
conhecimento científico, por sua vez, lida com causas e explicações, assume a primeira
etapa como pressuposto e se caracteriza pela segunda, a saber, por ser capaz de explicar o
porquê e a causa de determinada proposição ser o caso. Tendo em mente essa distinção,
Aristóteles reconhece que não precisamos “procurar qual é a causa de tudo,
indiscriminadamente”, pois “em alguns casos, basta que o fato esteja bem estabelecido”
(Ética a Nicômaco I.7, 1098b 1-4).
Aristóteles afirma ainda haver uma diferença entre um silogismo que prova que
determinada conclusão é ou não é o caso e outro silogismo que prova por que determinada
conclusão é ou não é o caso. Essa distinção entre silogismo do quê e silogismo do porquê
aparece primeiramente em Primeiros Analíticos II.2 (53b 4-10).21
Outra diferença fundamental é que o conhecimento proposicional é facilmente
formalizável – vide o uso que a lógica formal faz de tabelas de verdade, regras de inferência,
cálculo proposicional, cálculo de predicados etc. –, ao passo que, no conhecimento científico
expresso pelas demonstrações, “não basta se ater às propriedades meramente formais do
silogismo” (ANGIONI, 2014, p. 69). Embora possa ser expresso silogisticamente, o
conhecimento científico não admite esse tipo de formalização estrita e exige muita
Sobre isso, ver Ribeiro, 2014, p. 153; McKirahan, 1992, pp. 214-216; Angioni, 2013, pp. 269-270; Porchat,
2001, pp. 95-96; Smith, 1989, pp. 185-186.
21
52
observação empírica. Em outras palavras, em um sistema formal que lida com conhecimento
meramente proposicional, um argumento correto (isto é, formalmente válido e constituído
de proposições verdadeiras) continua sendo correto independentemente do termo mediador
escolhido para se deduzir a conclusão, ao passo que uma demonstração científica não
funciona independente do termo mediador escolhido22, como veremos mais adiante.
Por ora, é de extrema importância salientar que, como dissemos há pouco, o
conhecimento científico pressupõe o conhecimento proposicional e parte dele. Isto significa
que, para Aristóteles, o valor de verdade de cada uma das proposições envolvidas na
demonstração científica é previamente conhecido (ver Segundos Analíticos I.1, 71a 1 – 71b
9). Não está em jogo, portanto, provar ou certificar se tais proposições – especialmente
aquela que figura como conclusão da demonstração – são ou não verdadeiras, como
entendem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, pois elas são todas sabidamente
verdadeiras de antemão. Angioni (2014, pp. 71-75) elucida esse ponto da seguinte maneira:
O primeiro ponto central a ser enfatizado é que a característica
fundamental da demonstração não é a preocupação epistemológica de
certificar o conhecimento. Por “certificar o conhecimento”, quero dizer:
garantir, contra toda dúvida, que a sentença que se propõe como objeto de
conhecimento é de fato verdadeira. (...) Aristóteles admite que se possa
oferecer, mediante premissas de um argumento dedutivo, uma justificação
para nossa crença na verdade da conclusão. No entanto, daí não se segue
que o projeto de Aristóteles nos Segundos Analíticos possa ser
compreendido nesses termos, isto é, como se a demonstração fosse
simplesmente um procedimento pelo qual crenças verdadeiras
encontrassem nas premissas as credenciais que as justificassem. (...) Para
Aristóteles, ter a demonstração (ou, o que é o mesmo, ter conhecimento
científico) de uma dada sentença não equivale a ter uma boa justificação
para admitir tal sentença como verdadeira. (...) Para Aristóteles, saber
meramente que sentenças são verdadeiras não é nem sequer o ponto mais
importante para a demonstração e o conhecimento científico. De fato, ser
constituída de sentenças verdadeiras é apenas uma condição sine qua non
para a demonstração. Mas a noção de verdade não parece desempenhar o
papel mais decisivo na teoria de Aristóteles, embora esteja claro que todas
as sentenças envolvidas na demonstração são sentenças verdadeiras (cf.
Segundos Analíticos 71b 25-26, 72a 10-11; Tópicos 100a 27-29; Primeiros
Analíticos 53b 9-10).
Assumindo, a partir do que foi dito, que o valor de verdade de cada uma das
proposições envolvidas na demonstração científica é conhecido de antemão, soa natural
Aristóteles dizer que, nas ciências, “o fato é o ponto de partida”, e que qualquer pessoa que
22
Somente nesse sentido a demonstração científica não é formalizável.
53
recebeu uma boa educação “já possui esses pontos de partida ou pode adquiri-los com
facilidade” (Ética a Nicômaco I.4, 1095b 6-8).
Quais seriam os meios pelos quais podemos adquirir ou apreender tais fatos não é
assunto do presente trabalho, mas não custa esboçar brevemente o que Aristóteles diz sobre
esse tema. Em Ética a Nicômaco I.7 (1098b 3-10), é dito que “descobrimos alguns pela
indução, outros pela percepção, outros como que por hábito, e outros ainda de diferentes
maneiras”. Em Tópicos I.4 (101 b 16), Aristóteles diz que “os argumentos partem de
proposições”. Em Tópicos VIII.1 (155 b 34-36), afirma que as proposições envolvidas na
demonstração devem ser “asseguradas pelo raciocínio [dedutivo] ou pela indução”. Em
Tópicos I.12 (105 a 10-20), explica que “a indução é, dos dois, a mais convincente e mais
clara”, haja vista que “aprende-se mais facilmente pelo uso dos sentidos e é aplicável à
grande massa dos homens em geral, embora o raciocínio seja mais potente e eficaz contra as
pessoas inclinadas a contradizer”. Desse modo, “devemos esforçar-nos por reconhecer cada
uma delas [proposições] graças a uma familiaridade conquistada através da indução”
(Tópicos I.14, 105 b 28-29).
O recurso à indução como fonte de conhecimento é tão significativo para Aristóteles
que até mesmo a silogística dos Primeiros Analíticos foi concebida desse modo: “No que se
refere ao tema do silogismo, não tínhamos nenhum trabalho anterior a que recorrer, mas
durante anos dedicamos nossos esforços a buscas e pesquisas empíricas” (Refutações
Sofísticas 34, 184b 1-3).
Em suma, para Aristóteles, “é à experiência e à observação que cabe a tarefa de
encontrar novas sentenças verdadeiras (cf. Primeiros analíticos I-30), não à demonstração”
(ANGIONI, 2014, p. 74). Assim sendo, portanto, “se apreendermos os atributos do objeto
em questão, nos capacitaremos de imediato e prontamente a formular sua demonstração”,
diz Aristóteles, “pois supondo que nenhum dos verdadeiros atributos dos objetos envolvidos
tenha sido omitido em nossa investigação, estaremos capacitados a demonstrar” (Primeiros
Analíticos I.30, 46a 17-27). Note que, para Aristóteles, a investigação científica23 é uma
etapa distinta e anterior à demonstração científica. Aquela descobre os fatos (conhecimento
23
Sobre esse assunto, ver Angioni, 2010.
54
proposicional), esta explica esses fatos pela exposição de sua causa apropriada
(conhecimento científico).
3.2. Estrutura triádica da causalidade
Aristóteles começa o tratado da Física (I.1, 184a 10-15) afirmando o seguinte: “Em
todos os estudos nos quais há princípios (ou causas), sabemos (isto é, conhecemos
cientificamente) quando reconhecemos estes últimos (pois julgamos compreender cada
coisa [pragma] quando reconhecemos suas causas primeiras e seus primeiros princípios)”. E
mais adiante diz que “não julgamos conhecer cada coisa (pragma) antes de apreendermos o
porquê de cada uma, eis o que é apreender a causa primeira” (Física II.3, 194b 17-18). Em
Metafísica I.3 (983a 24-27), afirma ainda que “é preciso tomar conhecimento das causas que
se dão como princípio, pois afirmamos conhecer cada coisa (pragma) precisamente quando
julgamos discernir sua causa primeira”. Zingano (2005, p. 89), interpretando Aristóteles, diz
que “explicar cientificamente algo, para Aristóteles, consiste em dar a causa do objeto. Um
silogismo científico tem premissas adequadas à coisa na medida em que elas revelam a sua
conexão de causalidade”. As passagens parecem claras, mas a noção aristotélica de
causalidade tem sido frequentemente mal compreendida. O que seria a causa de cada coisa?
Mais especificamente, o que Aristóteles entende por “coisa” (pragma) nesse contexto?
Desde meados do século XVIII, a noção moderna de causa tem sido fortemente
influenciada pelas ideias do filósofo britânico David Hume, para quem a causalidade
envolve sempre dois termos, sendo um deles a causa e o outro o efeito. Frequentemente se
expressa da seguinte maneira: B é a causa de A (estrutura diádica). A noção aristotélica de
causa, no entanto, diferente da humeana, possui uma estrutura essencialmente triádica – ou
seja, é sempre constituída por três termos. Isso significa que Aristóteles expressaria a noção
de causalidade da seguinte maneira: B é a causa de A em C (estrutura triádica).
Nas últimas décadas, Angioni (2008; 2009; 2011; 2014, pp. 84 ss.) é quem mais tem
insistido e argumentado em favor da tese de que a noção aristotélica de causa é
essencialmente triádica: “Aristóteles julgaria que enunciados causais clássicos (ou
humeanos), como ‘B é causa de A’, ou são fatalmente incompletos, ou são modos abreviados
55
e compactados de exprimir uma relação que é fundamentalmente triádica: ‘B é causa de A
para C’.” (2014, pp. 69-70).
Angioni (2014, p. 88) admite que “a tendência de tomar pragma como ‘coisa’ no
sentido de objeto físico (...) tem contribuído para que a estrutura triádica da causalidade
passe despercebida”. Entretanto, insiste que as tais “coisas” (pragma) que são suscetíveis de
investigação científica, ou seja, o explanandum da demonstração, aquilo que se pretende
explicar, aquilo para o qual se procura uma explicação e uma causa, para Aristóteles, são
sempre relações predicativas entre um sujeito e uma propriedade que lhe é atribuída: “Para
compreender o alcance geral da estrutura triádica da noção de causa, o ponto fundamental
consiste em notar que a noção de explanandum que lhe é correlata é fundamentalmente
predicativa”, explica. “Aquilo para o que se busca uma causa é sempre a presença de
determinado atributo em um dado sujeito” (2014, p. 84).24
Sendo assim, explica Aristóteles (Primeiros Analíticos I.23, 40b 23-24), “toda
demonstração e todo silogismo devem provar que algum atributo se aplica ou não se aplica a
algum sujeito”, de modo que, consequentemente, “toda demonstração será efetuada por
meio de três termos” (Primeiros Analíticos I.25, 41b 35). Em Metafísica VII.17, Aristóteles
afirma ainda que “procura-se o ‘por que’ sempre do seguinte modo: por que uma coisa se
atribui a outra?” (1041a 10-11). Em uma passagem ainda mais esclarecedora (1041a 21-26),
ele dá um exemplo:
Isto é evidente: não se investiga por que é homem aquele que é
homem; investiga-se, portanto, algo a respeito de algo – por que algo é
atribuído a algo (mas é preciso que esteja evidente que é o caso, pois, se
não for assim, não se investiga nada). Por exemplo: por que troveja? Por
que ocorre estrondo nas nuvens? De fato, aquilo que está sob investigação
é algo que assim se afirma a respeito de outra coisa.
O que Aristóteles está querendo dizer é algo relativamente simples: A pergunta “por
que troveja”, que nada mais é do que a procura pela causa do trovão, é uma simplificação
(alguns diriam que é uma “nominalização” de um fenômeno) da pergunta “por que ocorre
certo tipo de estrondo (atributo, propriedade) nas nuvens (sujeito de predicação)?”25. Ou seja,
para Aristóteles, mesmo que na linguagem natural nós tenhamos nomes específicos para se
Alguém poderia supor que o pragma nesse caso seria apenas o sujeito da predicação. Defendo que trata-se
na verdade da predicação completa, isto é, da relação entre os dois termos: sujeito e predicado.
25
Cf. Segundos Analíticos II.8, 93b 7-15.
24
56
referir a determinado fenômeno ou evento que se quer explicar (explanandum), como por
exemplo “trovão”, na prática científica o mais adequado é explicitar esse explanandum de
forma predicativa, a fim de que se tenha clareza daquilo que se quer explicar, a saber,
determinada propriedade que é atribuída a determinado sujeito.26
Assim, não é adequado ao cientista aristotélico formular a questão: “por que troveja”,
“por que ocorre o trovão” ou “qual é a causa do trovão”; o mais adequado seria formular a
pergunta mais ou menos nestes termos: “por que, sob certas condições meteorológicas, um
certo tipo de estrondo (atributo, propriedade) ocorre em um certo tipo de nuvens (sujeito de
precicação)?”. Note que até mesmo essa reformulação da pergunta ainda é uma
simplificação, de modo que o ideal seria explicitar mais o tipo de estrondo e o tipo de nuvem
no qual ele ocorre.
Em diversas passagens do livro II dos Segundos Analíticos, outro exemplo clássico
de nominalização de fenômenos ou eventos que se pretendem explicar cientificamente é o
do eclipse27. Nesse sentido, Aristóteles não considera adequado ao cientista formular uma
pergunta como “qual é a causa do eclipse?”. Para se adequar à estrutura triádica da
causalidade, essa pergunta precisa ser reformulada do seguinte modo: “por que ocorre
privação de luz (atributo, propriedade) na lua (sujeito de predicação)?”.
Embora passível de gerar confusão e embaraços no nível da demonstração científica,
essa simplificação ou nominalização de eventos e fenômenos é um recurso facilitador muito
comum e muito útil na linguagem ordinária. “A linguagem ordinária tem forte inclinação
para compactar a complexidade do explanandum em uma expressão nominal”, explica
Angioni (2014, p. 70). “Essa inclinação é por si mesma inócua, mas, em contextos
científicos, o explanandum deve ser articulado predicativamente: o que se quer explicar é a
presença, no sujeito C, do atributo A, e a causa é sempre um terceiro termo em relação ao
sujeito C e ao atributo A” (ANGIONI, 2014, p. 70). Algumas páginas adiante, Angioni
(2014, pp. 84-85, 88) completa esse raciocínio:
Em Física II.3 e Metafísica I.3, Aristóteles fala em causas da estátua, o que é um caso claro de abreviação
(ver ANGIONI, 2014, p. 86).
26
27
Cf. Segundos Analíticos II.8, 93a 29 – 93b 7.
57
A formulação do explanandum em estrutura predicativa já é parte
da teoria da ciência: já é, aos olhos de Aristóteles, um recurso mediante o
qual a massa desordenada dos fenômenos é ordenada e regimentada em
uma expressão que facilita a busca pelas causas. É justamente por ser um
recurso de tal ordem que a predicação nem sempre se impõe na formulação
mais comum, encontrada na linguagem ordinária. (...) Um exemplo claro
de nominalização é o trovão. Ora, o fenômeno a ser explicado é a
ocorrência de certo tipo de estrondo na nuvem. Esse fato suscetível de
expressão predicativa, a ocorrência de certo tipo de estrondo na nuvem,
também pode ser objeto de referência de uma expressão nominal, isto é, de
um nome: “trovão”. O uso de um nome para se referir a um explanandum
complexo é um recurso facilitador da nossa linguagem e não deve, de
modo algum, conduzir à suposição errônea de que se introduz, por tal
nome, um objeto dotado de um tipo de unidade e autonomia ontológica que
ele está longe de ter. (...) A lição de Aristóteles é que um explanandum, na
linguagem científica, deve ser formulado sob a forma predicativa mesmo
quando tal formulação se distancia dos padrões consagrados na língua
comum.
Sem esse esforço de superar as limitações da linguagem ordinária e de expressar ou
formular o explanandum sob uma estrutura predicativa composta por dois termos (sujeito e
predicado), diz Aristóteles, “aquilo que se propõe para a investigação passaria despercebido,
sobretudo no caso dos itens em que não se atribui um a outro” (Metafísica VII.17, 1041a 3233). Angioni parafraseia essa passagem explicando assim: “Passa despercebido que o que se
procura é uma causa quando se propõe para a investigação algum item sem articulação
predicativa – passa despercebido que a pergunta relevante para os interesses da investigação
é uma pergunta pelo porquê” (2014, p. 88).
A essa altura deve estar claro que o termo “coisa” (pragma) nesses contextos designa
precisamente o fenômeno que está sendo investigado (o explanandum) e que deve ser
formulado predicativamente. No caso do exemplo acima, “pragma”, diz Angioni (2014, p.
106, cf. p. 99 e p. 108), “em vez de designar meramente a nuvem, como sujeito de atribuição,
designa o trovão a título de explanandum, enquanto objeto suscetível de conhecimento
científico, que deve ser redescrito como tal e tal tipo de estrondo na nuvem”.
Mas não é só pelo uso dos termos “causa” e “coisa” que o vocabulário de Aristóteles
pode ser mal compreendido: em alguns contextos ele também fala em termos de “causa” e
“causado”. Em Segundos Analíticos II.16 (98a 35 – b5), por exemplo, Aristóteles investiga
as relações de implicação recíproca entre causa e causado. Leitura apressada poderia dar a
entender que Aristóteles concebe a relação de causalidade como binária, diádica, humeana,
envolvendo apenas a causa e o causado. No entanto, diz Angioni (2014, p. 98) “fica claro
que o que ele chama de ‘causado’ é um atributo, o qual, a título de explanandum, sempre é
58
tomado enquanto se atribui a um sujeito específico”. A sequência da própria passagem em
questão elucida esse ponto com um exemplo muito esclarecedor: “Seja perder as folhas A;
ter folhas largas, B; vinha, C. Com efeito, se a B se atribui A (pois tudo que tem folhas
largas perde as folhas), e se a C se atribui B (pois toda vinha tem folhas largas), a C se
atribui A, isto é, toda vinha perde as folhas. A causa é B, o mediador” (Segundos Analíticos
II.16, 98b5-10).
Em suma, Angioni (2014, p. 100) alerta que “a receita de Aristóteles contra esses
possíveis equívocos consiste em dar atenção à estrutura triádica das relações causais e,
sobretudo, atinar com descrições pertinentes do explanandum em sua estrutura predicativa”.
Isso é exatamente o que Aristóteles está dizendo em Segundos Analíticos II.17 (99a 17-18),
quando ele faz uma cuidadosa distinção entre três termos: “a causa, aquilo de que é causa e
aquilo para o que é causa”.
O relevante aqui é que se identifique primeiro uma propriedade que é atribuída a um
sujeito (A) e um sujeito que seja portador dessa propriedade (C), para que só então seja
viável buscar identificar, para essa predicação, qual é a sua causa apropriada (B).
Formalmente, isso equivale a dizer que primeiro é preciso saber que C é A (ou A é atribuído
a C), para só então explicar por que C é A, isto é, demonstrar que C é A por causa de B (ou
A é atribuído a C por causa de B). Ou, nas palavras de Angioni (2014, p. 96): “O que
interessa, para o investigador científico, não é meramente atestar que ocorre a relação entre
o atributo A e o sujeito C: o que lhe interessa, sobretudo, é atestar que essa relação ocorre
devido a uma causa, a qual, portanto, lhe competirá investigar”.
3.3. Estrutura triádica do silogismo
Tendo entendido que a noção aristotélica de causa é essencialmente triádica, tal
como acabamos de explicar, retomemos a questão do papel que o silogismo assume na teoria
da demonstração científica de Aristóteles.
Como vimos no capítulo anterior (tópico 2.2.2.), muitos estudiosos consideram
bastante problemático esse ponto da teoria aristotélica da demonstração científica e, como
solução para esse aparente impasse, tentam minimizar a importância ou abrangência da
59
relação imposta pelos Segundos Analíticos entre conhecimento científico e silogismo. Por
outro lado, tendo entendido que fracassaram todas as tentativas dos antissilogicistas de
separar conhecimento científico e silogismo, e aceitando o peso com o qual os Segundos
Analíticos impõem de maneira categórica essa relação, os adeptos do paradigma explicativo
causal preferem encarar a questão e procurar respostas mais plausíveis dentro do
pensamento aristotélico.
A questão que precisamos investigar agora foi colocada de três maneiras diferentes
por Ribeiro (2014, p. 121): primeiro, “qual seria o motivo da exigência de que o
conhecimento científico se dê via silogismo?”; depois, “haveria alguma relação intrínseca
entre a forma silogística da demonstração e o tipo de conhecimento que Aristóteles chama
científico, que envolve o reconhecimento da causa daquilo que se pretende conhecer?”; e
finalmente, “qual seria o papel da silogística no alcance e na posse efetiva desse tipo
especial de conhecimento almejado pelo cientista?”. Eu não encontraria maneira mais
adequada de responder a essas questões do que Angioni (2014, p. 61) já o fez:
Por que Aristóteles escolheu o silogismo como ferramenta de
exposição do conhecimento científico, isto é, como ferramenta de
demonstração? (...) Ao escolher o silogismo como instrumento de
demonstração científica, Aristóteles não tinha em vista suas virtudes como
método dedutivo, mas outro fator, a saber: sua aptidão para exprimir
relações causais ou explanatórias, as quais, para Aristóteles, têm estrutura
triádica. Dado que a demonstração se caracteriza essencialmente pelo
propósito de captar e exprimir a causa apropriada que faz seu explanandum
ser o que ele é, o silogismo é um instrumento adequado de demonstração
justamente por essa aptidão para exprimir relações causais.
Algumas páginas depois, complementando e reforçando essa tese, Angioni (2014, p.
70) diz ainda que “a característica marcante dos silogismos, que levou Aristóteles a escolhêlos como instrumento de demonstração, é a aptidão para exprimir relações causais – ainda
que essa aptidão seja limitada”. E, mais adiante, que “foi a aptidão da estrutura triádica do
silogismo para exprimir relações causais que levou Aristóteles a escolhê-lo como
instrumento de demonstração” (2014, p. 71). Em linhas gerais, “não há dúvida de que a
estrutura do silogismo é triádica: em sentido estrito, ‘silogismo’ designa um argumento
constituído por três termos, relacionados entre si em três sentenças predicativas, isto é, duas
premissas e uma conclusão” (ANGIONI, 2014, p. 89).
60
Portanto, longe se ser um erro metodológico ou uma escolha infeliz de Aristóteles28,
como sugerem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, defendo que, para
Aristóteles, a forma lógica do silogismo é apropriada para expressar a causalidade exigida
na demonstração científica porque sua estrutura também é triádica. Dito de outro modo,
Aristóteles escolheu a estrutura lógica do silogismo como instrumento formal de sua teoria
da demonstração científica não pela sua suposta eficácia enquanto método dedutivo, mas
porque ela expressa bem a relação triádica da causalidade, pelo fato de sua estrutura também
ser triádica. Portanto, é acertado dizer que o papel decisivo da silogística na ciência
demonstrativa é expressivo e não formal.
No grego, a diferença entre os verbos “mostrar” (deiknymi) e “demonstrar”
(apodeiknymi) é o prefixo “apo”, que, embora possa assumir outras funções, geralmente
carrega a ideia de afastamento. Embora não funcione como uma análise rigorosa do que de
fato “apodeiknymi” significa em contraste com “deiknymi” nos usos relevantes que
Aristóteles faz dessas expressões, a metáfora do afastamento pode ser profícua e até certo
ponto iluminadora para entendermos em que sentido “mostrar que A é C” é diferente de
“demonstrar que A é C por causa de B”. No primeiro caso, os dois termos extremos
aparecem juntos, mostrando que C se atribui a A. A tarefa de quem demonstra seria, pois,
justamente afastar os termos extremos pela introdução do termo médio, o qual expressa a
causa daquela primeira predicação.
Antes de prosseguir, há duas ressalvas muito importantes a serem feitas aqui. A
primeira delas é que “uma descrição complexa pode desempenhar perfeitamente o papel de
termo silogístico” (ANGIONI, 2014, p. 101). Para fins didáticos e de simplificação,
Aristóteles diversas vezes usa termos simples, expressos por um nome comum, como
exemplos de termos nos silogismos, tais como “Sócrates”, “homem”, “cavalo”, “branco”,
“mortal” etc. Isso, no entanto, não pode ser motivo para inferirmos que todo silogismo deve
operar com termos igualmente simples.
Em Primeiros Analíticos I.35 (48a 28-33), Aristóteles diz que “não devemos expor
os termos sempre por meio de um nome, pois frequentemente haverá descrições para as
Alguns podem argumentar que talvez Aristóteles não “escolheu” o silogismo como ferramenta da
demonstração científica, como se tivesse à disposição outros sistemas formais para usar. Na verdade, sabemos
que a silogística era o único recurso lógico que ele conhecia.
28
61
quais não há um nome correspondente”. Ele diz ainda que, “esse tipo de procura [sc. procura
por nomes para a exposição dos termos]” muitas vezes “pode resultar em engano”. Na
sequência, afirma que o termo médio nem sempre deve ser tomado como uma “coisa
individual”, devendo por vezes ser tomado como uma “locução composta”. (Primeiros
Analíticos I.35, 37-39). Sobre isso, Angioni (2014, p. 101) é muito claro:
Tanto na estrutura triádica do silogismo como também na da
causalidade, os três termos podem ser substituídos por expressões bem
complexas. Por estratégias didáticas, se habituou a introduzir a silogística
com uso de termos simples, como “cavalo”, “homem”, “pedra”, “animal”,
“branco” etc. O próprio Aristóteles adota essa estratégia em sua exposição
sistemática da silogística em Primeiros Analíticos I 1-22. Os termos
utilizados por Aristóteles não apenas são palavras simples consagradas na
linguagem comum como também designam coisas facilmente
identificáveis, como tipos naturais (cavalo, cisne etc.), objetos físicos
(pedra) e atributos simples (branco). No entanto, nada indica que
Aristóteles julgasse que a linguagem da silogística, com suas letras
esquemáticas, devesse ser interpretada apenas pela introdução de termos
simples como os acima mencionados. A adoção desses termos simples é,
de fato, mera estratégia didática.
De fato, além daqueles termos simples expressos por um nome comum, Aristóteles
também usa como exemplos de termos silogísticos expressões bem mais complexas como
“certo tipo de estrondo” (93a 22-23, cf. 93b 11-2), “privação de luz” (90a 16, 93a 23), “ter
dois ângulos retos” (93a 34-35), “interposição da Terra” (93a 30-31, 93b 7) ou “estar a Terra
no meio [sc. entre o Sol e a Lua]” (98b 1, 3; cf. 90a 14), “coagulação da seiva” (98b 37) ou
“o coagular-se da seiva na junção das folhas” (99a 28-29), “extinção do fogo” (93b 8),
“extinguir-se o fogo” (93b 9, cf. 94a 4), “ser a metade de dois ângulos retos” (94a 29) etc.
A segunda ressalva a ser feita é que “a relação predicativa encapsulada em uma
sentença silogística não precisa ter necessariamente, como contraparte imediata na
linguagem comum, uma sentença predicativa construída com a cópula ‘ser’ ou outro tipo de
sentença gramaticalmente bem formada” (ANGIONI, 2014, pp. 101-102).
Ora, a fórmula a que estamos acostumados quando lidamos com silogismos em
Barbara 29 , por exemplo, é montar proposições – seja nas premissas ou na conclusão –
seguindo o seguinte esquema: “Todo S é P” (sendo S o sujeito e P o predicado). No entanto,
29
Ribeiro (2014, p. 155) diz que “os silogismos científicos são, ao menos no mais das vezes, silogismos
universais afirmativos em primeira figura, ou seja, quando Aristóteles fala de demonstração parece ter em
mente um silogismo em Barbara”.
62
a cópula “é” ou qualquer outra variação do verbo “ser” muitas vezes parece inadequada na
linguagem natural. Angioni (2014, p. 105) cita inúmeros exemplos de “relações predicativas
que dificilmente engendrariam de modo direto, na linguagem ordinária, uma sentença com a
cópula ‘ser’ ou outro tipo de sentença gramaticalmente bem formada”, tais como: “eclipse
(ou a privação de luz) se atribuir à Lua” (93a 30ss), “certo tipo de estrondo se atribuir à
nuvem” (93b 10-12), “dois ângulos retos se atribuir ao triângulo” (73b 30-31) e “a
proporção mais veloz no movimento seguir-se ao fogo” (78a 4-5).
Uma solução prática para essa limitação da linguagem natural que funciona na
maioria dos casos é incluir na cópula, logo após o verbo de ligação, a expressão “tal que”,
como propõe Angioni (2014, p. 105): “Certamente não se pode dizer na língua comum que
‘a Lua é privação de luz’ (nem em português, nem em grego). No entanto, para traduzir em
linguagem ordinária a sentença expressa em contexto silogístico-científico, pode-se dizer ‘a
Lua é tal que sofre privação de luz’”.30
3.4. Causa como termo mediador
Feitas essas ressalvas, retomemos a definição de “silogismo”, tal como proposta por
Zuppolini (2014, p. 167):
Um argumento com proposições em forma categórica, com
exatamente um par de premissas e em cuja conclusão uma relação
predicativa entre dois termos (chamados “extremos”) é estabelecida por
meio de um terceiro (o “mediador” ou “termo médio”), o qual ocorre em
ambas as premissas, em cada uma das quais guarda uma relação
predicativa ora com um, ora com outro dos termos da conclusão.
Essa definição muito raramente é contestada e goza de certo consenso entre os
estudiosos aristotélicos. A ênfase que é dada ao papel do termo médio ou mediador (to
méson) no silogismo não é em vão nem por acaso. De fato, não basta possuir duas premissas
resultando dedutivamente em uma conclusão para um argumento ser chamado de
“silogismo”. É essencial que essa dedução de dê através de um termo médio (ou mediador),
o qual faz a “ponte” entre os termos extremos (maior e menor). É essencial também que esse
Angioni (2014, p. 104) diz que “alguns intérpretes introduzem a distinção entre predicação linguística e
predicação metafísica para lidar com essa distância entre sentenças da linguagem ordinária e o uso técnico que
Aristóteles faz do vocabulário da predicação (cf. Lewis, 1985; Code, 1985)”.
30
63
termo mediador esteja presente em ambas as premissas, mas ausente na conclusão, e seja o
responsável por mediar a relação expressa na conclusão entre os dois outros termos. Sem
isso, não há silogismo.
O próprio Aristóteles deixa bem claro em Primeiros Analíticos I.23 (40b 30 – 41a 13)
que “jamais haverá silogismo (...) se não se assumir algum mediador, o qual, nas
predicações, terá certa relação com cada um deles [sc. os extremos]”, e que
“consequentemente, para haver um silogismo que conclua algo a respeito de algo, é preciso
assumir um mediador para ambos, o qual fará a conexão pelas predicações”. Alguns
capítulos depois, ele diz: “Assim, fica evidente que, se em qualquer argumento o mesmo
termo não for enunciado mais do que uma vez, não haverá silogismo, dada a falta de termo
médio” (Primeiros Analíticos I.32, 47b 7-9). Angioni (2014, p. 90) mais uma vez é
claríssimo na elucidação desse ponto:
O fator mais importante que faz um silogismo ser um silogismo é
o método de estabelecer a conclusão. O silogismo é um argumento no qual
uma conclusão em forma predicativa é estabelecida por meio da relação
que cada um dos termos da conclusão, os termos extremos, tem com um
termo comum, o termo mediador. Esse termo comum é chamado
“mediador” justamente porque faz a conexão predicativa entre os dois
extremos (os dois termos que figuram na conclusão), e não porque tenha
“extensão intermediária” ou porque ocupe a posição do meio em alguma
formulação-padrão. Por sua vez, os dois termos que figuram na conclusão
são também bem demarcados: o menor é o sujeito da conclusão, e o maior
é o predicado da conclusão. Assim, o silogismo não é apenas uma dedução
válida qualquer com sentenças predicativas – nem sequer se
acrescentarmos dois requisitos mais estritos: o de que o número de
premissas seja maior que um e o de que a conclusão não seja idêntica a
uma das premissas. Um argumento é um silogismo se e somente se o
método pelo qual a conclusão se estabelece atende a certos requisitos
adicionais: trata-se de apresentar, como premissas, duas relações
predicativas – a relação do extremo maior com o termo mediador e a
relação do extremo menor com o termo mediador – cuja conjunção
acarreta a relação predicativa entre os extremos, na devida ordem (isto é: o
termo maior como predicado e o termo menor como sujeito).
Em diversas outras oportunidades, tanto Angioni (2014) quanto Ribeiro (2014)
ressaltam fartamente a importância do termo mediador para o silogismo. “O requisito básico
para qualquer silogismo é que o termo mediador faça a conexão pertinente entre os
extremos”, diz Angioni (2014, p. 91). “Se a conclusão almejada é certa relação predicativa
entre o termo menor C (sujeito) o termo maior A (predicado), deve-se assumir um termo
mediador B tal que B tenha uma relação predicativa apropriada com C e outra relação
predicativa, também apropriada, com A”, conclui. Pouco depois, afirma que “o traço mais
64
característico do silogismo é o estabelecimento de uma conclusão predicativa através das
relações predicativas que cada extremo tem com um terceiro termo, o termo mediador”
(2014, p. 94). Ribeiro (2014, p. 135), por sua vez, ressalta que “Aristóteles, ao falar de um
silogismo, tem em mente certa relação entre dois termos que é provada quando se encontra
um terceiro termo, o mediador, que parece ser o responsável pelo silogismo de algo a
respeito de algo”.
O leitor já deve ter notado que, para os proponentes da linha interpretativa que aqui
chamo de paradigma explicativo causal, a ênfase dada ao papel do termo mediador no
silogismo é tão importante e relevante quanto a já mencionada ênfase dada ao papel da
causalidade no conhecimento científico. E isso tem um motivo muito óbvio: na
demonstração científica, a causa e o termo mediador são, de certo modo, a mesma coisa. Ou
seja, o termo mediador do silogismo demonstrativo deve corresponder à causa apropriada
que caracteriza o conhecimento científico:
Parece que o próprio silogismo é, para Aristóteles, um tipo de
prova, e o que se prova em um silogismo, segundo Aristóteles, é a relação
entre dois termos, através de um terceiro termo, a saber, o mediador. No
caso da demonstração, essa prova tem requisitos adicionais muito mais
estritos: o silogismo demonstrativo deve ser uma prova por meio da causa
adequada que explica por que os dois termos da conclusão estão
relacionados do modo como nós os apreendemos. (RIBEIRO, 2014, p. 130)
O próprio Aristóteles é claro nesse ponto: “Julgamos ter ciência quando conhecemos
a causa” (...), e esta “se mostra através do mediador” (Segundos Analíticos II.11, 94a 23-24).
E mais: “Resulta que, em todas as investigações, o que se investiga é se há mediador, ou o
que é o mediador. Pois o mediador é a causa, e é ela que se investiga em todos esses casos”
(Segundos Analíticos II.2, 90a 5-7). Há controvérsias quanto aos detalhes, como bem lembra
Angioni (2014, p. 95), mas, em linhas gerais, a tese de Aristóteles é que, em todos aqueles
quatro tipos de questões relevantes para a investigação científica descritos em Segundos
Analíticos II.1, o que está em pauta sempre é um termo mediador que expressa a causa de
um explanandum.
Ora, temos visto até aqui que o que se busca na demonstração científica é sempre um
termo mediador enquanto causa. Pela própria definição de silogismo, sabemos que o termo
mediador aparece sempre e somente nas premissas, nunca na conclusão. Portanto, é forçoso
admitir que o que se busca na demonstração científica são premissas, partindo de uma
65
conclusão já estabelecida – e não o contrário, como pensam os adeptos do paradigma
dedutivo axiomatizado, para quem a demonstração científica seria um método dedutivo de
chegar a conclusões partindo de premissas.31
Sendo o silogismo o instrumento por excelência da demonstração científica não por
seu suposto poder dedutivo – como sustentamos há pouco –, mas por ser a forma mais
adequada que Aristóteles tinha para expressar relações explanatórias, dadas as limitações da
sua lógica, parece sensato admitir que não é um silogismo que nos fará captar a relação
causal relevante para o conhecimento científico, mas uma vez que estamos de posse dessa
relação causal, aí sim podemos expressá-la por meio de um silogismo.
De fato, como lembra Ribeiro (2014, p. 137), “os Primeiros Analíticos nos
apresentam duas abordagens ou dois pontos de partida distintos a partir dos quais Aristóteles
nos fala de silogismos”. Por um lado, diz: “Aristóteles parece apresentar o silogismo como
um tipo de argumento inferencial ou dedutivo, no qual, dadas certas premissas, deduzimos
ou inferimos certa conclusão”. Por outro lado, continua: “Aristóteles também aborda o
caminho que devemos percorrer em busca de premissas apropriadas para certa relação
predicativa (a futura conclusão) que pretendemos provar via silogismo”. É esse caminho
inverso, por assim dizer, que vai de uma conclusão já estabelecida em busca de premissas
adequadas, que interessa Aristóteles quando ele fala de conhecimento científico nos
Segundos Analíticos:
Várias vezes Aristóteles Afirma que “o silogismo prova algo a
respeito de algo através do mediador”, dando ênfase ao papel do mediador
na prova e, ao mesmo tempo, indicando claramente que aquilo que se quer
provar deve ser o ponto de partida, pois se deve justamente buscar um
termo mediador para a relação que, no final, deverá figurar como
conclusão da prova. Certamente não temos a intenção de negar que, uma
vez encontrado um termo mediador B para A e C e estabelecidas as devidas
relações do termo mediador com A e C, podemos deduzir ou inferir que A
se atribui a C, quando assumimos que B se atribui a C e A se atribui a B.
Todavia, é o caminho inverso que está no centro dos interesses de
Aristóteles, e é para isso que gostaríamos de chamar a atenção do leitor.
Nos capítulos 28-29 de livro I dos Primeiros Analíticos, bem como, de
maneira um pouco menos direta, nos capítulos 23, 26 e 45, o cerne das
atenções de Aristóteles é o processo ou método que, partindo daquilo que
deve ser provado, busca um termo mediador que será responsável pela
prova. (RIBEIRO, 2014, p. 134)
31
O leitor mais atento deve ter percebido que o que acabamos de fazer é um silogismo.
66
Höffe (2008, p. 55) também vai por essa linha de interpretação:
Tendemos a ler o silogismo de cima (das premissas) para baixo
(para a conclusão), ou seja, dedutivamente. Porém, a utilização
correspondente encontra-se tão raramente na obra aristotélica que ele
parece desrespeitar a própria lógica. Visto de modo puramente lógico, o
silogismo admite dois modos de leitura, tanto o dedutivo (de cima para
baixo) quanto a leitura explicativa (de baixo para cima). Nesse sentido, o
próprio Aristóteles atribui à silogística uma dupla tarefa: em termos de
teoria da argumentação, ela deve ajudar a reconhecer a validade das
conclusões e, em termos da prática de argumentação, deve ajudar a
construir tais conclusões, de modo que devem ser procuradas, para um
estado de coisas já conhecido, as premissas capazes de explicação.
Algumas páginas depois, Höffe (2008, p. 75) retoma esse assunto dizendo o
seguinte: “Entende-se sob uma demonstração (apodeixis, em latim demonstratio) via de
regra um ‘procedimento top down’, aquela adução ou dedução de proposições a partir de
outras proposições, que conhecemos como caminho a partir dos princípios”. Diversas vezes
ele chama esse chamado “procedimento top down” que acabou de descrever de “método
geométrico”, fazendo alusão a Descartes. E afirma ser vã a procura por um procedimento
desse tipo nos tratados científicos de Aristóteles, uma vez que não há nada sequer parecido
na obra aristotélica (2008, p. 75).
Diante dessa constatação, Höffe (2008, p. 75) admite que, do ponto de vista do
paradigma dedutivo axiomatizado32, haveria, de fato, um grande abismo “entre o ideal da
ciência dos Segundos Analíticos e a práxis real de Aristóteles”, como vimos no capítulo
anterior (tópico 2.2.1.). Esse abismo seria de tal modo intransponível que seria forçoso
tomar por equivocada, de duas uma: “ou a teoria da ciência de Aristóteles ou a sua
filosofia”. No entanto, aproximando-se do que chamo de paradigma explicativo causal, ele
afirma que “num olhar mais atento, essa discordância dissolve-se”. A demonstração
científica, conclui, “busca para uma proposição já tomada como verdadeira, as razões
explicativas” (2008, p. 75).
Outra questão relevante diz respeito ao que seria, estritamente falando, o objeto do
conhecimento científico quando estamos de posse de uma demonstração. Alguém poderia
supor que o objeto do conhecimento científico seria o explanandum enquanto conclusão da
demonstração. De fato, Aristóteles diz que conhecemos cientificamente uma coisa qualquer
32
Aqui faço uma paráfrase usando a terminologia que adotei para o presente trabalho.
67
(um pragma) quando reconhecemos sua causa apropriada (Segundos Analíticos I.2, 71b 912). E já vimos que esse “pragma” é justamente o explanandum. Mas em outras passagens
Aristóteles indica que parece não se tratar apenas de conhecer cientificamente o
explanandum, mas toda a relação triádica que envolve os dois termos do explanandum e o
termo mediador que é sua causa. Em seis diferentes ocasiões no mesmo artigo, Ribeiro
(2014) sustenta enfaticamente que aquilo que conhecemos cientificamente é sempre certa
“relação causal”:
O que se apresenta como legítimo objeto de conhecimento
científico para Aristóteles é a relação causal que o cientista descobriu
entre aquele fato inicial e a causa que explica tal fato (p. 146). (…) Para
Aristóteles, aquilo que é conhecido cientificamente, aquilo que de fato se
apresenta como objeto de conhecimento que ele chama científico
(epistasthai), seria a própria relação causal que se torna evidente no
silogismo (p. 142). (…) Estritamente falando, é a relação expressa pelos
termos A, B e C, a relação triádica expressa através do silogismo, que se
apresenta como aquilo que conhecemos cientificamente por uma
demonstração (p. 150). Aquilo que é conhecido cientificamente através da
demonstração é certa relação causal expressa pelos três termos silogísticos,
sendo que o termo mediador B, que ocorre nas duas premissas, apresenta a
causa adequada que explica o fato ou fenômeno enunciado na conclusão (p.
157).
Ela afirma ainda que o objeto do conhecimento científico, em sentido estrito, é “A se
atribui a C devido a B” (2014, p. 157, nota 50; ver Angioni, 2013a, pp. 257, 262; 2013b, pp.
336-337). Por fim, ela sustenta que essa tal “relação causal” não pode ser confundida com a
mera “relação lógica” que caracteriza o silogismo:
É justamente essa estrutura causal que se apresenta como legítimo
objeto de conhecimento científico, em Segundos Analíticos I.2. Com isso,
queremos ressaltar que não é a mera relação lógica estabelecida entre as
três proposições que constituem um silogismo que nos garante a posse do
conhecimento científico, uma vez que, para Aristóteles, aquilo que é
conhecido cientificamente é a relação causal que é evidenciada no
silogismo entre causa e aquilo de que é causa. (RIBEIRO, 2014, p. 143)
A própria causa a que Aristóteles se refere nesse contexto, diz Ribeiro (2014, p. 147)
pouco depois, “não pode ser reduzida ao sentido de mera causa lógica, responsável pela
dedução silogística de tal conclusão a partir de tais e tais premissas. Essa causa deve ser
aquela sem a qual não há explicação apropriada e, portanto, não há conhecimento científico”.
E ainda:
É preciso observar que, enquanto nos Primeiros Analíticos o
termo mediador aparece apenas como uma causa lógica daquilo que é
68
provado na conclusão, nos Segundos Analíticos o termo mediador é
identificado como a causa apropriada que fornece explicação científica
para determinado fato ou estado de coisas que é assumido como sendo o
caso, fato que se apresenta como ponto de partida da investigação (cf.
Lennox, 2001, pp. 77, 81). (RIBEIRO, 2014, p. 138)
Num silogismo científico, o termo mediador não é só causa da
conclusão no sentido em que todo termo mediador é dito causa da
conclusão que dele se segue (causa lógica da conclusão), mas ele deve
explicar por que aquilo que é enunciado como conclusão da demonstração
é aquilo que ele é (cf. Segundos Analíticos II.2, 90a 5-14; II.8, 93a 9; II.12,
95b 13-15; Porchat, 2001, p. 91). (RIBEIRO, 2014, p. 154)
Como entender essa distinção entre causa lógica e causa apropriada? Em Refutações
Sofísticas 6 (168a 38-40), Aristóteles lembra que, se a partir de duas premissas é possível
deduzir silogisticamente que algo é branco, não necessariamente este algo é branco devido a
(ou por causa de) este silogismo. Por exemplo, se sabemos que (1) todo ser humano é
mamífero, e que (2) todo mamífero é mortal, podemos facilmente inferir dedutivamente que
(3) todo ser humano é mortal. As proposições (1) e (2) são as premissas, ao passo que a
proposição (3) é a conclusão. Na esquematização dos termos por letras frequentemente
usada por Aristóteles, podemos dizer que “mortal” é A (termo maior), “mamífero” é B
(termo mediador) e “ser humano” é C (termo menor). Perceba que este é um silogismo
correto, pois a sua forma é válida e todas as suas proposições – as duas premissas e a
conclusão – são, até onde sabemos, verdadeiras. No entanto, o termo mediador B –
“mamífero” – não é a causa por meio da qual a conclusão é o caso. Ou seja, não é por ser
mamífero que todo ser humano é mortal. Como pretensa explicação, essa saída não satisfaz,
pois claramente deve haver outra razão (causa), que explique adequadamente esse fato. É
aceitável dizer, no máximo, que o termo mediador do silogismo acima é uma causa lógica
da conclusão, mas não que ele seja a causa apropriada, capaz de fornecer uma explicação
científica para a conclusão. Em outras palavras, é fato inegável que todo ser humano é
mamífero, que todo mamífero é mortal e que, portanto, todo ser humano é mortal. No
entanto, diz Aristóteles, “nem tudo que é verdadeiro é apropriado” (Segundos Analíticos I.6,
74b 25-26).
Note que, em vez de “mamífero”, seria igualmente verdadeiro e correto usar como
termo médio do silogismo os termos “animal”, “bípede”, “vertebrado”, “primata”, “ser vivo”
etc. A lista de termos que funcionariam como causa lógica da conclusão – “todo ser humano
é mortal” – é potencialmente infinita. No entanto, há apenas um termo que captura a causa
apropriada e que de fato explica por que “todo ser humano é mortal”. Demonstrar consiste
69
justamente em encontrar esse termo. Angioni (2014, pp. 66-67), mais uma vez, vai fundo
nessa questão:
O problema é que, se procurarmos sentenças capazes de
desempenhar esse papel meramente formal de ser condição suficiente para
a dedução correta de uma conclusão, encontraremos não apenas uma
sentença (ou um único par de sentenças), mas diversas – eventualmente
dezenas ou centenas de sentenças. Se buscarmos sentenças capazes de
desempenhar o papel de condição suficiente para a dedução correta da
conclusão “todo homem é mortal”, encontraremos várias respostas. Como
todas essas respostas consistem em pares de sentenças formados com um
termo mediador comum, podemos enumerar os diversos termos que
funcionariam bem a título de mediadores nesse contexto: “animal”,
“bípede”, “animal bípede”, “animal racional”, “mamífero”, “mamífero
bípede”, “ser vivo sublunar”, “ser vivo constituído por certa mistura dos
quatro elementos”, “animal sublunar” etc. Com essa proliferação de
mediadores igualmente aptos a gerar uma dedução correta da conclusão,
surge o problema imperioso de saber se Aristóteles se preocupa em
discernir, entre essas sentenças, candidatas ao título de “axioma”, quais
realmente merecem o título. Caso se comprove que Aristóteles de fato tem
essa preocupação, cumpre também discernir quais são os critérios
mediante aos quais ele procede à seleção dos axiomas de uma ciência. Mas
nenhum intérprete contente em empregar o vocabulário pomposo da
axiomatização enfrenta esses problemas.
Algumas páginas adiante, Angioni (2014, p. 77) retoma essa questão sugerindo que
consideremos, a título de exemplo, duas explicações concorrentes para um mesmo
explanandum: “todo homem é mortal porque todo homem é animal e todo animal é mortal”;
“todo homem é mortal porque todo homem é mamífero e todo mamífero é mortal”. E em
seguida questiona qual dessas explicações seria, para Aristóteles, a mais apropriada –
lembrando que “a alternativa de tomar ambas as explicações como cientificamente
equivalentes e, portanto, como igualmente aceitáveis a título de explicação científica, não é
a opção filosófica de Aristóteles”.
O fator determinante que faz com que o termo mediador da demonstração científica
seja mais do que meramente uma causa lógica da conclusão, como acontece em todo
silogismo, isto é, o fator que faz com que a relação entre os termos da demonstração seja
precisamente causal e não meramente lógica, ficará claro a seguir. Ribeiro (2014, p. 154)
adianta que, enquanto num silogismo qualquer as premissas seriam condições suficientes,
mas não necessárias para a conclusão – podendo haver vários pares de premissas por meio
dos quais é possível provar uma determinada relação entre outros dois termos –, num
silogismo científico as premissas devem ser condição suficiente e necessária para a verdade
70
da conclusão. Vejamos como Aristóteles concebe essa noção de necessidade aplicada à
demonstração científica.
3.4. Causalidade e necessidade
A próxima questão que trataremos foi colocada por Ribeiro (2014, pp. 121-122) nos
seguintes termos: “De que modo causa e necessidade, características pelas quais Aristóteles
define o conhecimento científico de algo, se encaixam no modelo silogístico do
conhecimento demonstrativo?”. Ora, de fato, além de insistir que o conhecimento científico
obtido através de demonstração envolve a noção de causalidade, Aristóteles insiste com
igual ênfase que ele envolve também a noção de necessidade, sendo estes dois – causalidade
e necessidade – os requisitos que definem o próprio conhecimento científico enquanto tal
(ver Segundos Analíticos I.2, 71b 9-12).
A definição mais básica de “necessário” (anankaios) é “aquilo que não pode ser de
outro modo” 33 . Aristóteles sustenta que “a ciência se dá por demonstração, mas não há
demonstração das coisas cujos princípios podem ser de outro modo” (Ética a Nicômaco VI.5,
1140a 28 – 1140b 4). Em Ética a Nicômaco VI.3 (1139b 18-25), ele diz o seguinte:
O que é a ciência, ficará claro do seguinte modo – se é preciso
propor especificações corretas e não se deixar levar pelas semelhanças.
Todos nós julgamos que aquilo de que temos ciência não pode ser de outro
modo. Por outro lado, passa-nos despercebido se as coisas que podem ser
de outro modo são o caso ou não, quando não as estamos considerando.
Assim, o objeto de ciência é por necessidade.
E nos Segundos Analíticos I.6 (74b 5-15) ele é ainda mais enfático:
Visto que o conhecimento demonstrativo provém de princípios
necessários (pois aquilo que se conhece cientificamente não pode ser de
vários modos), (…) é manifesto que o silogismo demonstrativo procede a
partir de itens de tal tipo [sc. necessários], pois tudo se atribui ou deste
modo [sc. necessariamente], ou por concomitância, e os concomitantes não
são necessários. (…) Se algo está demonstrado, não é possível que seja de
outro modo; portanto, é preciso que tal silogismo proceda a partir de itens
necessários.
33
Cf. Metafísica V.5, 1015a 33-36
71
Há muitas outras passagens nas quais Aristóteles aborda o tema da necessidade,
talvez nenhuma com mais ênfase do que nessa. Nela, é dito que o conhecimento científico
ou demonstrativo – e por conseguinte o silogismo demonstrativo – provém de itens ou
princípios necessários. É dito também que aquilo que se conhece cientificamente, ou seja, o
objeto do conhecimento científico, é necessário – no sentido de não poder ser de vários
modos.
O requisito de necessidade atribuído por Aristóteles ao conhecimento demonstrativo
tem sido frequentemente mal compreendido pelos adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado, uma vez que esses intérpretes identificam a noção de necessidade aristotélica
com o conceito de necessidade modal. Na lógica modal, uma proposição necessária – ou
necessariamente verdadeira – é aquela que não pode ser falsa. É o contrário de uma
proposição contingente: aquela que, do ponto de vista da lógica, pode ser tanto verdadeira
como falsa. A suposição de que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento
meramente proposicional levou muitos a crer que Aristóteles atribui o requisito da
necessidade às proposições por si mesmas, de modo que o conhecimento científico se daria
apenas com proposições modalmente necessárias, isto é, necessariamente verdadeiras em
qualquer mundo possível.
Essa interpretação equivocada muitas vezes ganha força apoiando-se em leituras
superficiais de passagens nas quais Aristóteles distingue o conhecimento científico (episteme)
da opinião (doxa), como é o caso do capítulo 33 do livro I dos Segundos Analíticos: “O
conhecimento científico e aquilo que é cientificamente cognoscível diferem da opinião e do
opinável, porque o conhecimento científico é universal e procede a partir de itens
necessários, e aquilo que é necessário não pode ser de outro modo” (88b 30-33). Pouco
depois, Aristóteles prossegue:
Desse modo, concorda-se com aquilo que manifestamente é o
caso, pois a opinião não é firme, tal como a natureza de seu assunto. Além
disso, ninguém julga opinar, mas sim conhecer cientificamente, quando
julga que é impossível ser de outro modo; mas, quando julga que é o caso
assim, embora nada impeça que seja também de outro modo, então julga
opinar, de modo que, a respeito de coisas desse tipo, há opinião, mas, a
respeito do que é necessário, há conhecimento científico. (Segundos
Analíticos I.33, 89a 4-11)
72
Os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado interpretam essa distinção da
seguinte maneira: somente acerca de proposições necessariamente verdadeiras é possível ter
conhecimento científico (episteme), ao passo que de proposições contingentes só é possível
ter opinião (doxa).
Diferente dos rivais, os adeptos do paradigma explicativo causal rejeitam, como
vimos há pouco, a ideia de que o objeto do conhecimento científico – bem como da opinião
nesse contexto – são proposições enquanto predicações simples, mas sustentam que aquilo
que é objeto de opinião ou conhecimento científico nesse contexto são argumentos que
expressam relações triádicas de causalidade.
O próprio Aristóteles aponta claramente nessa direção quando afirma, poucas linhas
depois, haver “opinião tanto a respeito do que como do por que” (Segundos Analíticos I.33,
89a 21-23), de modo que, “tal como é possível opinar sobre o que, também é possível opinar
sobre o por que (e este é o mediador)” (Segundos Analíticos I.33, 89a 15-16). Muitos,
contudo, “tentam reduzir as explicações sem ter distinguido de quantos modos se diz o
necessário” (As Partes dos Animais I.1, 639b 22).
Aristóteles admite a noção de necessidade aplicada às proposições por si mesmas
(necessidade modal), de modo que há sim certas proposições que não podem ser falsas – ou
que não podem ser verdadeiras. Nesse sentido, contradições são necessariamente falsas e
tautologias são necessariamente verdadeiras. Mas, quando fala de conhecimento científico e
demonstração científica, não é essa noção modal de necessidade que interessa a Aristóteles.
Nesse contexto, a exigência de necessidade não se aplica às proposições em si mesmas, num
nível modal, mas à própria relação entre o explanandum e a sua causa apropriada, na medida
em que há apenas uma causa apropriada para cada explanandum – não podendo esta relação
ser de outro modo. Como explica Angioni (2014, p. 66):
A noção de necessidade central nos Segundos Analíticos não tem
como foco relações predicativas (binárias), mas antes relações
explanatórias (triádicas). (...) Em relação a um explanandum expresso em
forma predicativa, é um terceiro termo que é chamado de “necessário” para
uma explicação completamente adequada.
73
Assim, ser verdadeiras é o único requisito das premissas que independe do contexto
explanatório. Todos os demais requisitos 34 , inclusive o da necessidade, dependem do
contexto explanatório e é dito das premissas sempre em relação à conclusão. As premissas
são necessárias no contexto explanatório específico de uma dada demonstração, isto é, são
necessárias em relação à conclusão, na medida em que captam o único termo médio que
satisfaz a explicação pela causa apropriada daquele determinado explanandum. No contexto
de uma demonstração científica, portanto, o que se requer é que as premissas sejam
explanatoriamente necessárias; mas não é um requisito que elas sejam necessárias no sentido
modal – embora isso seja perfeitamente possível.
Demonstrar é encontrar aquelas premissas específicas que são necessárias para
explicar apropriadamente a conclusão. Em suma, o que Aristóteles exige para a
demonstração científica não é que suas proposições sejam necessariamente verdadeiras, mas
que, para cada explanandum, se encontre exatamente aquele termo mediador necessário que
de fato explica o explanandum, por expressar sua causa apropriada. Elucidando esse ponto,
em Segundos Analíticos I.6 (74b 26-32) Aristóteles diz:
Que é preciso que tal silogismo proceda a partir de itens
necessários, é evidente também a partir do seguinte. Se quem não possui
explicação do por que, sendo possível uma demonstração, não possui
conhecimento, e se a situação é tal que A é atribuído necessariamente a C,
mas B – o mediador através do qual se demonstrou – não é atribuído
necessariamente, não se conhece por que. Pois a conclusão não é o caso
devido ao mediador, pois é possível que este não seja o caso, ao passo que
a conclusão é necessária.
Aristóteles está dizendo algo relativamente simples e bastante esclarecedor. É
perfeitamente possível que as proposições envolvidas numa demonstração científica sejam
necessárias – todas elas ou pelo menos uma das premissas –, mas isso não é uma exigência
da demonstração e nem basta para que tenhamos uma demonstração. Nesse caso, “a
modalização das sentenças de um silogismo não ajudará em nada” (ANGIONI, 2014, p. 69).
Ou seja, mesmo que admitamos um silogismo correto composto só com proposições
necessariamente verdadeiras (modalmente necessárias), se o mediador não expressa a causa
apropriada do explanandum, não temos uma demonstração científica.
34
Sobre os requisitos das premissas da demonstração científica em Aristóteles, ver Angioni (2012).
74
Deve estar claro, portanto, o seguinte: Quando, de posse de um explanandum em
forma predicativa composto por dois termos, Aristóteles diz ser preciso encontrar as
premissas (princípios, itens etc.) necessárias que o explicam, o que está em jogo, na verdade,
é o termo mediador – uma vez que os demais termos dessas premissas já se sabe que são os
termos extremos expressos na conclusão (explanandum). O que se procura, portanto, é um
termo mediador necessário para explicar o explanandum. Em Segundos Analíticos I.6 (75a
12-15), Aristóteles aponta nessa direção:
Assim, visto que, se se conhece demonstrativamente, é preciso
que seja o caso por necessidade, é evidente que é preciso obter a
demonstração através de um mediador necessário; de outro modo, não se
conhecerá nem por que, nem que é necessário que aquilo seja o caso [que o
mediador seja esse e não outro].
Portanto, quando Aristóteles exige que os princípios da demonstração – a saber, suas
duas premissas – sejam necessários, ele não está exigindo que cada premissa ou pelo menos
uma delas seja modalmente necessária, isto é, necessariamente verdadeira, mas que, em
relação ao explanandum que consta na conclusão, elas sejam exatamente aquelas premissas
que associam os termos extremos ao termo mediador certo, aquele que expressa a causa
apropriada. Quando estamos de posse de um silogismo com tais características, sabemos que
é necessariamente por causa de B que C é A, e, de posse dessa relação triádica causal e
necessária, possuímos conhecimento científico.
Tendo isso em mente, retomemos a definição de conhecimento científico tal como
proposta por Aristóteles em Segundos Analíticos I.2 (71b 9-12): “Julgamos conhecer
cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por concomitância),
quando julgamos reconhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e
que não é possível isso ser de outro modo”. Até agora deve estar claro que possuir
conhecimento científico de uma determinada proposição envolve possuir (1) conhecimento
de sua causa e (2) conhecimento de que essa conexão causal não pode ser outra, ou seja, que
ela é necessária, como bem explicou Angioni (2012, p. 46):
Quando Aristóteles diz, em 71b 12, que “isso não pode ser de
outro modo”, ele quer dizer que a relação causal adequada, capaz de
engendrar conhecimento científico, não pode ser outra. Há apenas uma
causa adequada (embora existam outras causas, capazes de fornecer
explicações verdadeiras, mas não completas, nem últimas), e isso faz dessa
causa a causa “necessária” para o conhecimento científico.
75
Um problema grave de interpretação surge quando adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado se questionam o que precisamente Aristóteles estaria chamando de necessário
nessa passagem, ou seja, qual a referência da expressão “isso não pode ser de outro modo” –
mais especificamente do pronome “isso” (touto) na linha 71b 12. Eles tendem a interpretar
que, nessa passagem, o pronome “isso” retoma aquilo que se pretende conhecer
cientificamente na linha 71b 9, a saber, o pragma ou explanandum enquanto predicação do
tipo “C é A”. Se essa leitura for a correta, então a necessidade em questão qualifica ou a
proposição em si mesma (necessidade modal), ou um estado de coisas no mundo expresso
por essa proposição (necessidade ontológica).
Comentando essa passagem, Porchat (2001, p. 39) assume uma necessidade
ontológica, um estado de coisas eterno. Barnes (1993, p. 92; cf. 1993, p. xvii), por sua vez,
parece encontrar nela tanto uma necessidade ontológica como um comprometimento de
Aristóteles com certa necessidade modal. Para Ribeiro (2014, pp. 148-150), no entanto, a
necessidade da qual Aristóteles está falando nesse contexto não tem nada a ver com
necessidade modal ou ontológica. “Embora muito utilizadas em certa tradição
interpretativa”, diz Ribeiro (2014, p. 148), essas noções de necessidade ontológica e
necessidade modal, “não parecem esclarecer os pontos mais relevantes da teoria aristotélica
e, ao contrário, têm contribuído para tornar ainda mais obscura a noção aristotélica de
conhecimento científico”. E continua:
A palavra “isso” (touto), na linha 71b 12, pode retomar aquilo que
foi descoberto ser a causa da proposição “C é A”, ou, mais precisamente,
ela pode retomar a própria relação causal estabelecida entre a proposição
“C é A”, que figura na conclusão do silogismo, e aquilo que foi descoberto
ser sua causa. Desse modo, é necessária a relação que é explicitada através
dos três termos na demonstração, ou seja, uma vez encontrada a causa, B,
que explica por que “C é A”, não haveria nenhuma outra causa que
explicasse adequadamente tal fato (ver Angioni, 2007, p. 25; 2009b, p. 67,
nota 14; 2012, pp. 44, nota 72; 46-47; 2014). Assim, o necessário em
questão no conhecimento científico seria a relação causal entre um fato, “C
é A”, que já se sabia ser o caso, e a causa B que descobrimos ser aquela
que apropriadamente responde por que “C é A”. Essa necessidade marcaria
o fato de não se tratar de uma causa entre outras possíveis, mas de ser
justamente aquela que responde de maneira plenamente adequada e sem a
qual não há conhecimento científico. A necessidade, nesse caso, não seria
ontológica nem modal, mas seria causal. (2014, p. 149)
(...) Desse modo, o foco do conhecimento científico aristotélico
estaria nas relações causais necessárias, que explicam por que certos fatos,
que são apreendidos como verdadeiros e que ocorrem com certa
regularidade, são da maneira como os apreendemos. A ciência aristotélica,
portanto, se configuraria como a apreensão e, por conseguinte, a exposição
76
da causa adequada que explica certos fatos que o cientista observou no
mundo. (2014, p. 150)
A posição de Ribeiro (2014) representa com exatidão a linha interpretativa dos
adeptos do paradigma explicativo causal, e torna os tratados efetivamente científicos de
Aristóteles muito mais palatáveis e adequados à sua teoria da demonstração científica.
Contudo, há ainda um aspecto importante dessa passagem (71b 9-12) que até agora
não foi explorado e vem passando quase que despercebido. Aristóteles parece opor esse tipo
de conhecimento – que ele chama de científico – a uma certa maneira sofisticada de
conhecer, e chama essa maneira de “por concomitância” ou “por um concomitante” (kata
sumbebekos)35. Em Metafísica V.30 (1025a 14-34), Aristóteles elucida o termo:
Denomina-se concomitante aquilo que, de fato, se atribui a uma
coisa e é verdadeiro afirmar, embora não necessariamente. (...) Dado que
há algo que se atribui a certa coisa, e dado que algumas delas se atribuem
em certa circunstância e em certo instante, é concomitante aquilo que, de
fato, se atribui a certa coisa, mas não porque ela era tal e tal (ou agora, ou
em tal circunstância).
Em certo sentido, pode-se assumir que “concomitante” é o contrário de “necessário”.
Para Lloyd (1981, p. 158), por exemplo, dizer que um predicado é concomitante é o mesmo
que dizer que esse predicado é “não necessário”. Aristóteles mesmo, ao dizer que o
conhecimento demonstrativo é necessário, ressalta que “dos concomitantes (…) não há
conhecimento demonstrativo” (Segundos Analíticos I.6, 75a 18-20), e em seguida explica:
“Pois os concomitantes não são necessários, de modo que não se daria conhecer
necessariamente por que a conclusão é o caso, nem mesmo se fosse sempre, mas não por si
mesmo, como os silogismos através de sinais” (Segundos Analíticos I.6, 75a 30-34).
Antes de prosseguir, um parêntese: o que seriam esses tais silogismos através de
sinais? Vejamos um exemplo: Se sabemos que (1) onde há fumaça há fogo, e que (2) na
lareira há fumaça, podemos inferir dedutivamente que (3) na lareira há fogo. O silogismo
deduz corretamente, mas o termo mediador “fumaça” não é a causa de haver fogo na lareira:
é apenas um sinal de que há fogo na lareira. Nesse caso, o fogo é causa de haver fumaça,
mas o contrário não procede, pois a relação de causalidade é assimétrica.
A tradução mais consagrada nas línguas latinas é “acidental” ou “por acidente”, mas essa é uma péssima
escolha, pois deixa margem para interpretações equivocadas.
35
77
Todavia, um sofista mal intencionado poderia facilmente insistir, com base no
silogismo acima, que a fumaça (termo mediador) é a causa de haver fogo na lareira. Muitos
julgariam, assim, que ele demonstrou isso. Não é à toa que, nas Refutações Sofísticas,
Aristóteles diversas vezes atribui o modo de conhecer por concomitância aos sofistas,
acusando-os de produzirem “demonstrações aparentes” usando predicados concomitantes no
lugar do termo mediador, de modo a fazer parecer que esses concomitantes são a causa
apropriada, quando na verdade não o são. Veja que em Refutações Sofísticas 5 (167b 20-36),
Aristóteles define o paralogismo que depende do concomitante como sendo um
“paralogismo que toma como causa aquilo que não é causa”; e em Refutações Sofísticas 11
(171b 29), denuncia que o sofista vende um “silogismo por um concomitante” como se fosse
uma demonstração.
Vejamos outro exemplo simples. Quando você desenha ou imagina um triângulo
com o fim de explicar por que todo triângulo possui a propriedade 2R (ter a soma de seus
ângulos internos iguais a dois ângulos retos), esse triângulo que você desenhou ou imaginou
será necessariamente ou um isósceles, ou um escaleno ou um equilátero; mas o fato dele ser
isósceles, por exemplo, não é relevante nesse contexto argumentativo e explanatório: ser
isósceles é, portanto, um concomitante – e um sofista poderia insistir que tal triângulo tem
2R por ser isósceles, já que todo isósceles tem 2R.
Outra dificuldade pode surgir do seguinte. Quando admitimos que “concomitante” é,
em certo sentido, o contrário de “necessário”, os adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado tendem a entender “concomitante” como sinônimo de “contingente”. Ora, de
fato, na noção modal de necessidade, o oposto de necessário é contingente.
Na necessidade causal, porém, o oposto de necessário é concomitante. Como
estamos lidando aqui com necessidade causal (e não modal), é importante ter em mente que
“concomitante” não é o mesmo que “contingente”, como muitos pensam; tampouco é o
mesmo que “essencial” ou algo parecido. Em contextos de explicação causal, como é o caso
aqui, é perfeitamente possível lidarmos com predicados que são necessariamente atribuídos
ao sujeito, e que são até mesmo parte da essência do sujeito, mas que, ainda assim, podem
ser considerados predicados concomitantes, isto é, irrelevantes naquele contexto
explanatório, por não expressarem a causa apropriada de um dado explanandum. Isso porque
78
“conhecemos cada fato não por concomitância quando o conhecemos através da coisa em
virtude da qual ela é o caso, a partir dos princípios dessa coisa enquanto ela é ela mesma”
(Segundos Analíticos I.9, 76a 4-5). Sobre esse assunto, Angioni (2014, pp. 106-107), mais
uma vez, é muito esclarecedor:
As descrições que se atribuem “por concomitância” ao trovão não
são exatamente os atributos acidentais do trovão (...), mas todos os
atributos que, sejam contingentes ou não, são irrelevantes para caracterizar
o trovão a título de explanandum no domínio da ciência natural (ou em um
ramo específico da ciência natural). Para o meteorologista, é irrelevante
considerar que o trovão é tal que sua ocorrência próxima no mais das vezes
leva bebês a chorar (ou desperta os gatos que estavam dormindo). Ainda
que tal atributo seja sempre (ou no mais das vezes) verdadeiro a respeito de
trovões, ele é irrelevante para captar qual é a essência do trovão enquanto
fenômeno natural a ser explicado. O cientista não deve se ater a esses
atributos que, ainda que sejam verdadeiramente atribuídos ao trovão, ou
sempre ou no mais das vezes, não contribuem para fazer do trovão algo
suscetível de explicação científica no domínio da ciência pertinente. Assim,
ao descartar esses atributos irrelevantes e selecionar precisamente os que
propiciam um esclarecimento sobre a natureza do explanandum enquanto
explanandum, o investigador não somente já captura “algo da coisa” (93a
22) ou “parte da definição” (93a 29) daquilo que ele quer explicar: o
investigador assenta as bases propícias para a procura pela causa capaz de
explicar, de modo completamente apropriado, por que o explanandum é
como ele é.
Assim, para cada explanandum no domínio de uma ciência, existe apenas um termo
mediador que funciona como causa primeira e apropriada (fator explanatório). Todos os
demais termos possíveis de serem inseridos no lugar do mediador em um silogismo correto
com pretensão explanatória serão termos que expressam propriedades meramente
concomitantes – ainda que essas propriedades sejam essenciais e necessariamente atribuídas
ao sujeito. Enquanto mera dedução correta, portanto, um silogismo pode explicar a
conclusão por meio de uma propriedade concomitante, mas só será uma demonstração
científica se explicar a conclusão por meio de sua causa apropriada, a qual é um termo
mediador necessário.
3.5. Adequação extensional e assimetria causal
Antes de tratar dos requisitos não formais do termo mediador que expressa a causa
apropriada do explanandum na demonstração científica, vejamos brevemente um último
requisito de natureza formal. Aristóteles diz ser preciso que o mediador e aquilo de que é
causa “sejam iguais” e “se contraprediquem” (Segundos Analíticos II.16, 98b 32 – 99a 1).
79
Em lógica, aquilo que Aristóteles chama de contrapredicação é também chamado de
coextensão, comutatividade, conversibilidade ou reciprocidade.36
Ora, o mediador é claramente um termo, mas “aquilo de que é causa” pode ser
ambíguo. Temos visto que, na demonstração científica, o mediador é causa do explanandum
enquanto sentença predicativa – que consta como conclusão do silogismo demonstrativo.
Mas não é possível que um termo se contrapredique com uma sentença predicativa. Um
termo só pode se contrapredicar com outro termo, isto é, só pode ser coextensivo a outro
termo. Como esta é claramente uma exigência formal aplicada a termos, o que Aristóteles
está dizendo é que o termo mediador B (causa) deve ser coextensivo (contrapredicável) ao
termo maior A (predicado) que se atribui ao termo menor C (sujeito de predicação). Em
outras palavras, podemos dizer que uma condição necessária – mas não suficiente – para que
realmente B seja a causa que explica de modo apropriado por que A se atribui a C – ou por
que C é A – é que os termos A e B sejam coextensivos (A ≡ B).
Mas o que significa dois termos serem coextensivos? O que é essa relação de
coextensão? A teoria dos conjuntos ajuda nesse ponto. Tomando os termos A e B como
conjuntos, dizer que A e B são coextensivos significa dizer que todos os elementos do
conjunto A também pertencem ao conjunto B e vice-versa. Em suma, eles são conjuntos
iguais, com a mesma extensão.
No caso da demonstração científica, pode ser o caso que C também seja coextensivo
aos outros dois termos – e Aristóteles parece de fato preferir que os três termos sejam
coextensivos entre si –, mas isso não é uma regra. O que se exige, em todos os casos, é que
A e B sejam coextensivos. Assim, a coextensão relevante para a explicação é do termo
mediador (causa) com o predicado do explanandum (B ≡ A), e não com o sujeito do
explanandum (B ≡ C).
Tomemos como exemplo o seguinte silogismo: Todo animal racional é mortal; todo
ser humano é animal racional; logo, todo ser humano é mortal. O termo mediador “animal
racional” é coextensivo com o termo “ser humano” (B ≡ C), de modo que aquele serve até
McKirahan (1992), Hasper (2006), Ferejohn (2013), Angioni (2014, 2018) e Zuppolini (2014, 2018) são os
únicos que levam esse requisito a sério.
36
80
mesmo como definição deste. Isso significa dizer que tudo aquilo que é animal racional
também é ser humano; e a recíproca é verdadeira: tudo aquilo que é ser humano também é
animal racional. Mas o termo “animal racional” não é coextensivo com o termo “mortal”.
Ou seja, ainda que admitamos que todo animal racional seja mortal, a recíproca não é
verdadeira: nem todo mortal é animal racional – uma vez que animais não racionais também
morrem, vegetais morrem etc. Portanto, o termo mediador “animal racional”, ainda que seja
coextensivo ao sujeito do explanandum (C), não serve como causa apropriada, isto é, não
explica porque todo ser humano é mortal.
Por outro lado, o termo “ser vivo sublunar” não é coextensivo com “ser humano”,
mas é coextensivo com “mortal” – de modo que todo ser vivo sublunar é mortal, e todo
mortal é ser vivo sublunar, na concepção de Aristóteles. Portanto, por ser coextensivo com o
predicado do explanandum, o termo mediador “ser vivo sublunar” 37 cumpre o requisito
formal para funcionar como explicação pela causa apropriada do explanandum. Assim, para
Aristóteles, o ser humano é mortal por ser um ser vivo sublunar, e não por ser um animal
racional ou qualquer outra coisa. A definição de ser humano, portanto, não serve para
explicar a mortalidade humana.
Em termos de adequação extensional, o termo mediador “animal racional” está mais
próximo do termo menor, “ser humano” (C, sujeito do explanandum), ao passo que o termo
mediador “ser vivo sublunar” está mais próximo do termo maior, “mortal” (A, predicado do
explanandum). Como o que se quer explicar não é o ser humano em si, mas o ser humano
enquanto mortal, isto é, a mortalidade humana – o fato do ser humano ser mortal –, então
devemos procurar como causa (termo mediador) não aquilo que está mais próximo de “ser
humano” (C), mas aquilo que está mais próximo de “mortal” (A). É basicamente isso que
Aristóteles está explicando na Física, quando diz que “é preciso sempre buscar a causa mais
extrema de cada coisa” (Física II.3, 195b 21). Em Segundos Analíticos II.18 (99b 9-12), ele
diz ainda: “Entre os mediadores, qual é causa para os particulares, o que está próximo do
primeiro universal, ou o que está próximo do particular? Ora, é evidente que é causa aquilo
que está mais perto de cada um para o qual é causa”.
Aristóteles faz questão de acrescentar a qualificação “sublunar” porque, para ele, apenas “ser vivo” não é
coextensivo com “mortal”, uma vez que Deus é um ser vivo e não é mortal.
37
81
Note que, por ser uma relação entre os termos A e B, a coextensão sempre é expressa
pela premissa maior do silogismo demonstrativo. Todavia, por conta das limitações formais
da silogística, em nenhum caso ocorre a essa premissa maior, por mais bem formulada que
ela esteja, dar conta de expressar com exatidão essa relação de coextensão, como bem
destacou Angioni (2014, pp. 70-71, nota 12):
Uma limitação flagrante da silogística é sua incapacidade de dar
expressão formal a relações de coextensão, as quais são estritamente
importantes na teoria aristotélica da demonstração: todo mediador B que
conta como causa apropriada em uma demonstração é coextensivo com o
atributo A cuja presença em C é por ele demonstrada (cf. Segundos
Analíticos II.16). Nenhuma forma categórica, porém, é capaz de exprimir a
coextensão. Para exprimi-la de modo apropriado, se requer a conjunção de
duas formas categóricas (“todo B é A” & “todo A é B”), mas uma tal
conjunção jamais funciona como par de premissas em um silogismo, muito
menos em uma demonstração. Para discussões sobre coextensão nas
relações causais, ver Hasper (2006, pp. 269-78); Smith (1984, p. 63);
Ferejohn (1994, pp. 85-6); McKirahan (1992, pp. 214-6); Koslicki (2012,
pp. 198-201); Porchat (2000, p. 95-6); Charles (2010a, p. 308); Angioni
(2007, pp. 8-12; 2009b, pp. 67-71; 2013b, pp. 332-4).
Note também que, na lógica clássica, relações desse tipo (coextensão entre termos ou
bi-implicação entre proposições) são simétricas, ao passo que, na demonstração científica,
embora os termos A e B sejam coextensivos, a relação causal entre eles é assimétrica, de
modo que B sempre é causa de A (em C), mas A nunca é causa de B.
Deve estar claro até aqui que a causa apropriada em uma demonstração científica é
um termo mediador coextensivo ao predicado do explanandum, e encontrá-la não é tarefa
fácil nem trivial, mas uma exigência muito rigorosa e difícil. Contudo, o que mais quero
destacar aqui é que não há nada na forma lógica do silogismo que nos ajude a expressar com
exatidão essas relações de coextensão e assimetria causal; tampouco que nos ajude a julgar,
dentre várias possibilidades de supostas explicações concorrentes, qual delas de fato explica
o explanandum pela sua causa apropriada, como insiste Angioni (2014, pp. 80-82) de
maneira propositalmente repetitiva:
Não há como distinguir, pela mera estrutura formal dos
silogismos, quais são explanatoriamente apropriados e quais não são; não
há, portanto, como identificar, na estrutura formal dos silogismos, o traço
específico e essencial que faz uma demonstração ser uma demonstração.
(...) Nada na estrutura formal dos silogismos, nem sequer na estrutura
formal das sentenças que os constituem, contribui decisivamente para
discernir quais silogismos são explanatoriamente apropriados e quais não
são. (...) Uma explicação apropriada não pode ser reduzida a características
formais da demonstração e, a rigor, tampouco pode ter seu traço mais
82
específico, enquanto explicação apropriada, captado ou expresso pelas
características meramente formais que fazem da demonstração uma
dedução correta.
Ora, deve estar claro que o critério decisivo para saber se uma pretensa explicação de
fato explica por meio da causa apropriada, isto é, se de fato estamos de posse de uma
demonstração capaz de engendrar conhecimento científico, não é um critério formal. De que
natureza seria, pois, esse critério decisivo? Quando começa a esboçar uma resposta, Angioni
(2014, p. 80) retoma uma das características mais marcantes da metafísica aristotélica, a
saber, o essencialismo:
Questão mais difícil consiste em saber de que modo (isto é, por
meio de quais critérios) Aristóteles pretende distinguir entre uma
explicação plenamente apropriada, do ponto de vista científico, e as demais
explicações que, mesmo sendo razoáveis em algum plano, não são a
explicação cientificamente apropriada. Em linhas gerais, a resposta de
Aristóteles consiste em dizer que uma explicação plenamente apropriada é
aquela que capta a essência de seu explanandum.
Vejamos a seguir de que maneira esse tema está profundamente interligado com a
teoria aristotélica da demonstração científica.
3.6. Causalidade e essencialismo
Em Metafísica IV.3 (1005b 2-5), Aristóteles recomenda que os estudos que orientam
aquele tratado devem ser feitos posteriormente ao estudo dos Analíticos; e diagnostica que
os erros que frequentemente se cometem quanto aos assuntos da Metafísica se devem a uma
má formação no assunto dos Analíticos, que deveriam ser a base desse tipo de investigação.
“De fato”, diz Aristóteles, “é preciso chegar já sabendo previamente esses assuntos, mas não
buscá-los enquanto se ouve [sc. o presente curso]”.
Por ora não pretendo me aprofundar muito nesse assunto, mas o fato é que a teoria
da demonstração científica de Aristóteles nos Segundos Analíticos fornece fundamentos
ontológicos para todo o pensamento aristotélico 38 e possui uma forte ligação com a
Metafísica, mais precisamente no estudo acerca das noções de substância e essência39.
38
39
Sobre isso ver Zuppolini, 2017.
Sobre isso ver Angioni, 2008.
83
Os Segundos Analíticos claramente lidam com a lógica, mas não se limitam a ela e
vão muito além. Enquanto a lógica presente na maior parte dos Primeiros Analíticos lida
com as estruturas formais do raciocínio, do pensamento e da linguagem, os adeptos do
paradigma explicativo causal reconhecem que “a estrutura silogística da prova científica ou
da demonstração seria adequada à própria estrutura causal do mundo” (RIBEIRO, 2014, p.
143).
Esse contato direto com a realidade foi enfatizado inclusive por notáveis adeptos do
paradigma dedutivo axiomatizado. McKirahan (1992, p. 4), por exemplo, afirma que “as
provas fazem mais do que indicar relações entre proposições; elas também revelam relações
reais entre os fatos”. Zingano (2005, p. 90) é feliz ao abordar esse assunto. Segundo ele,
para Aristóteles, “o silogismo científico tem de estar amoldado à causalidade das coisas,
pois deve exprimir em proposições o movimento causal que se dá no mundo mesmo. O
silogismo científico deve, portanto, transcrever na linguagem da inferência a ordem causal
do mundo”.
Lloyd (1991, pp. 163-164) reconhece que o requisito de necessidade aplicado à
demonstração científica vai além da mera necessidade lógica imposta pela estrutura formal
do silogismo, ou ainda de uma necessidade modal requerida das proposições que o
constituem. Segundo ele, esse requisito se baseia em uma característica fundamental da
metafísica aristotélica, a saber, o essencialismo:
A necessidade de ambos os tipos de premissa depende da essência.
Isso significa que, para Aristóteles, como às vezes foi dito, a necessidade é
“fundamentada na essência” – tem essência como seu arche como ele
poderia ter dito? Talvez seja assim. (...) Uma vez que o necessário é
extensionalmente equivalente aqui às consequências essenciais e lógicas
do essencial, podemos dizer que estamos preocupados com a necessidade
real.
Em suma, o que todos esses autores estão dizendo é algo bastante simples: Dizer que
“C é A” significa dizer que os referentes dos dois termos estão unidos na realidade, no
mundo; dizer que “C não é A” significa dizer que os referentes dos dois termos estão
separados na realidade; e dizer, numa demonstração científica, que “C é A por causa de B”
significa dizer que B é a causa que liga os termos A e C na realidade.
84
Esse tipo de causa é, pois, claramente uma causa ontológica, e não meramente lógica
ou epistemológica. É preciso identificar no mundo – e não meramente na mente ou no
raciocínio – o fator causal que explica o fato que se pretende explicar (sc. o explanandum).
Zuppolini (2014) aborda esse assunto em termos de causa como ratio essendi (razão de ser)
e causa como ratio cognoscendi (razão de conhecer); e defende que a causa apropriada em
uma demonstração científica é sempre uma ratio essendi e não meramente uma ratio
cognoscendi.
É nos dois primeiros capítulos do livro II dos Segundos Analíticos que Aristóteles
identifica, em algum sentido que veremos a seguir, a explicação pela causa apropriada que
caracteriza a demonstração científica com a busca pela essência de algo. Aristóteles começa
dizendo que há precisamente quatro tipos de questões que são suscetíveis de investigação
filosófica: investigamos o “que”, o “por que”, o “se é” e o “o que é” (Segundos Analíticos
II.1, 89b 23-36).
A diferença entre o conhecimento do “que” e do “por que” já foi explicada neste
trabalho 40 . Enquanto o conhecimento do “que” é proposicional e conhece fatos, o
conhecimento do “por que” é científico e conhece relações causais que explicam esses fatos
previamente conhecidos. “Pois, quando investigamos se isto ou aquilo (...), por exemplo, se
o sol se eclipsa ou não, investigamos o que”, diz Aristóteles, apontando em seguida um sinal
disso: “tendo descoberto que se eclipsa (sc. o sol), detemo-nos; e se desde o início sabemos
que se eclipsa, não investigamos se se eclipsa”. Como também já vimos, o conhecimento do
por que pressupõe como ponto de partida o conhecimento do que, uma vez que, somente
quando conhecemos o que, é que estamos aptos a investigar o por que: “Por exemplo,
sabendo que se eclipsa (sc. o sol), ou que a Terra se move, investigamos por que se eclipsa
ou por que se move” (Segundos Analíticos II.1, 89b 29-31). Pelo que dissemos
anteriormente, este ponto deve estar claro.
A novidade aqui são os outros dois tipos de questões suscetíveis de investigação, a
saber, aqueles que Aristóteles chama de “se é” e “o que é”. O “se é” diz respeito a
suposições de existência, como quando investigamos “se é ou não é o caso centauro ou
deus”. Nesse ponto, Aristóteles faz uma observação muito pertinente: “e quero dizer ‘se é ou
40
Ver seção 3.1.
85
não é’ simplesmente sem mais, mas não ‘se é branco ou não’” (Segundos Analíticos II.1, 89b
31-36). O que Aristóteles está dizendo aqui é algo relativamente simples: a investigação
acerca do “se é”, ficando nos exemplos dados (centauro e deus), não diz respeito a questões
como saber se o centauro é branco, forte, mortal ou qualquer outra coisa, assim como não
está em questão saber se os deuses são imortais, justos ou qualquer outra coisa. O verbo “é”,
nesse caso, não é um verbo de ligação com algum predicado, mas era a maneira que o grego
tinha para expressar suposições de existência. Não está em questão, portanto, saber se
centauro ou deus é isto ou aquilo, mas apenas saber se centauro ou deus é, sem mais – ou
seja, se existe ou não.41
Já o conhecimento do “o que é”, por seu turno, pressupõe o conhecimento do “se é”,
haja vista que “sabendo que é o caso, investigamos o que é, por exemplo, o que é deus ou o
que é homem” (Segundos Analíticos II.1, 89b 33-36). Isso que Aristóteles está chamando de
conhecer “o que é” corresponde precisamente a conhecer a essência de algo.
Note que há, nessa lista aristotélica dos quatro tipos de questões, dois tipos que são
mais básicos e servem de pressuposição e ponto de partida, e outros dois tipos que são mais
complexos e partem daqueles mais básicos. Dessa forma, temos o conhecimento do “que” e
do “se é” como formas de conhecimento mais elementares e rudimentares – sabemos de um
fato ou da existência de algo. De posse delas, é possível investigar questões mais complexas
e robustas, como o “por que” e o “o que é” – explicar um fato pela sua causa apropriada ou
captar a essência de algo.
Para Aristóteles, todos esses tipos de questões giram em torno de um elemento em
comum, a saber, aquilo que ele chama de “mediador” – ou “termo mediador”, quando no
contexto se assume uma forma silogística. Nesse sentido, “quando investigamos o ‘que’ ou
‘se é’ simplesmente sem mais, estamos investigando se porventura há ou não há mediador
da própria coisa”, ao passo que, “quando investigamos o ‘por que’ ou o ‘o que é’, após ter
conhecido ou ‘que’ ou ‘se é’ (...), estamos investigando o que é o mediador” (Segundos
Analíticos II.2, 89b 37 – 90a 2). Em outras palavras, sabendo que há um mediador,
procuramos qual é esse mediador. Aristóteles sintetiza esse ponto fazendo todos os quatro
tipos de investigação convergirem para a noção central de causa ou explicação (aitia):
41
Sobre essa noção de existência para os gregos, ver Kahn, 1997, p. 91 ss.
86
“Decorre que, em todas as investigações, investiga-se ou se há mediador, ou o que é o
mediador. Pois o mediador é a causa (aitia), e é ela que se investiga em todos esses casos”
(Segundos Analíticos II.2, 90a 5-7).
O ponto que mais nos interessa agora é a identificação entre aqueles dois tipos mais
complexos de investigação, isto é, a identificação do “por que” com o “o que é”, ou seja, a
relação intrínseca entre a demonstração científica e o essencialismo aristotélico. Aristóteles
afirma literalmente que, “em todos esses casos, é manifesto que é o mesmo o ‘o que é’ e o
‘por que é’” (cf. 90a 14-15, 90a 31-33, 93a 3-9). Em suma, para Aristóteles, esses dois tipos
de questão são redutíveis entre si, de modo que investigar “o que é o eclipse” é o mesmo que
investigar “por que há eclipse” ou “por que ocorre o eclipse”, uma vez que a essência (o que
é) do eclipse nada mais é do que a “privação de luz na lua devido à interposição da Terra [sc.
entre a lua e o sol]”, ao passo que a explicação (por que) do eclipse é que essa privação de
luz ocorre à lua devido à interposição da Terra [sc. entre a lua e o sol] (Segundos Analíticos
II.2, 90a 14-18). Perceba que tanto a essência (o que é) do eclipse como a explicação (por
que) do eclipse têm como pedra fundamental o termo mediador que expressa a causa
apropriada do eclipse: a saber, a interposição da Terra entre a lua e o sol.
Ora, temos visto que o fator explanatório ou causa apropriada corresponde à essência
do explanandum. Mas já dissemos que, no contexto dos Segundos Analíticos, o
explanandum é sempre uma sentença predicativa, isto é, uma proposição; e – convenhamos
– não parece fazer sentido falar em essência de uma proposição. Todavia, esse aparente
impasse é de fácil solução.
O mais relevante para compreender esse ponto é que, para Aristóteles, qualquer
explanandum formulado em uma sentença predicativa – para o qual se busca a explicação
adequada – pode ser reduzido a um termo – para o qual se busca a essência. Assim, quando
estamos procurando um termo mediador que expresse a causa apropriada da predicação
clássica “todo ser humano é mortal”, estamos ao mesmo tempo procurando a essência da
“mortalidade humana”. E a recíproca também vale: quando estamos procurando a essência
daquilo que chamamos de “mortalidade humana”, estamos ao mesmo tempo procurando a
explicação mais apropriada para o fato de todo ser humano ser mortal. Lloyd (1991, p. 163)
já admitia que “a essência aristotélica não é nominal”.
87
A fim de formalização, para não ficar só nos exemplos, podemos dizer que toda
sentença predicativa na forma “S é P”, na qual S é o sujeito e P é o predicado, pode ser
reduzida a um termo na forma P(s)42, que nomeia dada propriedade atribuída a dado sujeito
– e vice-versa. Essa fórmula P(s) deve ser substituída, em cada caso, por expressões como:
“mortalidade humana” ou “ser humano enquanto mortal”; “movimento dos animais” ou
“animais enquanto capazes de locomoção”; “eclipse” ou “lua enquanto privada de luz”;
“trovão” ou “nuvem enquanto sofre certo tipo de estrondo”; etc.
Nesse sentido, admitimos que cada sujeito pode estar vinculado a muitas “essências”,
dependendo da área ou campo do saber e das propriedades ou predicados que lhe são
atribuídos em cada contexto de investigação. Por exemplo, o sujeito “ser humano”,
dependendo do contexto, pode envolver inúmeras essências: “ser humano enquanto mortal”
ou “mortalidade humana”; “ser humano enquanto animal racional” ou “racionalidade
humana”; “ser humano enquanto dotado de um corpo” ou “anatomia humana”; “ser humano
enquanto passível de enfermidades”, objeto de estudo da medicina; “ser humano enquanto
animal político”, objeto de estudo da política; “ser humano enquanto portador de códigos de
conduta moral”, objeto de estudo da ética; “ser humano enquanto ser humano mesmo”,
objeto de estudo da antropologia; entre outros incontáveis exemplos. É nesse sentido que
Aristóteles estabelece como objeto de estudo da metafísica, teologia ou filosofia primeira o
“ser enquanto ser” (ou “ente enquanto ente”), que é essencialmente diferente do “ser
enquanto ser vivo”, objeto da biologia; “ser enquanto passível de movimento, geração e
corrupção”, objeto da física; “ser enquanto quantidades, padrões e formas imutáveis”, objeto
da matemática etc.
Um aspecto de extrema importância na teoria aristotélica da demonstração científica
é que a causa ou fator explanatório expresso pelo termo mediador capta, em primeiro lugar,
a essência do atributo (mais precisamente do predicado enquanto atribuído ao sujeito), e não
do sujeito sem mais. Nesse ínterim, tomando um explanandum na forma “S é P” (ou “C é A”,
para manter as letras usadas no contexto dos Segundos Analíticos), é claro que Aristóteles
admite que há uma essência para o sujeito C sem mais e uma essência para o predicado A
sem mais. No entanto, para captar a essência do explanandum (CA), a essência de A
(predicado, propriedade ou atributo) é mais relevante do que a essência de C (sujeito).
42
Lê-se “P de S”, ou seja, o predicado P enquanto atribuído ao sujeito S.
88
Talvez o principal proponente da tese de que, na teoria aristotélica da demonstração
científica, o mais relevante é a essência dos atributos e não dos sujeitos, Angioni (2014, pp.
96-97) se expressa nestes termos:
Conhecer por que o atributo A se predica de C equivale a
conhecer a essência da entidade nomeada como “X”, que se constitui pela
relação entre A e C. Um explanandum terá sido demonstrado quando, na
conclusão, a relação predicativa entre C e A tiver sido explicada através de
um mediador B que, sendo a causa apropriada pela qual o atributo A ocorre
no sujeito C, é também o núcleo mais importante da definição que diz o
que é a entidade X, constituída pela relação entre C e A (cf. 93a 32-33, 93b
12; 94a 1-7). Pode-se dizer, nesse contexto, que o mediador B é, de algum
modo, a essência do atributo A enquanto atribuído a C (cf. 93a 32-33, 93b
12; 95a 16-19; 99a 21-22).
Essa é uma tese polêmica. David Charles, Peramatzis, Kit Fine e Locke estão entre
os que tendem a rejeitar essa noção de essência de atributos, baseados em leituras
tradicionais de Metafísica VII.4-6, de que somente as substâncias possuem essência.
Angioni e Lowe, entretanto, estão entre os que sustentam que essa tese constitui um aspecto
básico do essencialismo de Aristóteles. Diante dessa questão, Angioni (2014, pp. 113-114)
se posiciona da seguinte maneira:
Costuma-se dizer que, de acordo com a teoria da demonstração
científica proposta por Aristóteles, deve-se explicar pela essência etc.
Muitas vezes, porém, julga-se que a essência capaz de fornecer a
explicação adequada para um dado explanandum consiste na essência do
sujeito C, ao qual se atribui a propriedade a ser explicada. Esse quadro não
é implausível e incorreto por si mesmo. No entanto, é preciso notar que,
pelos exemplos considerados no livro II dos Segundos Analíticos, a
essência em questão, que deve ser captada pelo termo mediador que
introduz a explicação plenamente apropriada, não é a essência do sujeito C,
mas a essência do explanandum enquanto tal: ou seja, a essência da
entidade complexa que se constitui quando, precisamente, o atributo A está
presente no sujeito C.
Para ele, essa entidade complexa pode ser descrita de pelo menos três modos
diferentes, mas que no fim querem dizer a mesma coisa:
(i) o atributo A enquanto atribuído a C (por exemplo, “o estrondo
na nuvem”, ou “o caráter mortal do ser humano”, ou “longevidade dos
quadrúpedes”) – diferente do atributo A tomado em si mesmo,
independentemente de sua relação atributiva com C (por exemplo,
“estrondo”, “mortalidade” ou “longevidade”);
(ii) o sujeito C enquanto portador do atributo A (por exemplo, “a
nuvem que sofre estrondo, enquanto sofre estrondo”, ou “o ser humano
89
precisamente enquanto mortal”, ou “os quadrúpedes precisamente
enquanto longevos”) – diferente do sujeito C tomado em si mesmo,
independentemente de sua relação atributiva com A (por exemplo,
“nuvem”, “ser humano” ou “quadrúpedes”);
(iii) a entidade complexa que resulta da relação predicativa entre
C e A, quer exista ou não para ela um nome ou uma expressão nominal na
linguagem (por exemplo, “o trovão”, ou “a mortalidade humana” etc.).
(ANGIONI, 2014, p. 114)
E, por fim, resume sua posição afirmando o seguinte:
Em todos esses três casos, fica claro que explicar pela essência
não consiste em isolar as propriedades essenciais do sujeito C sem
nenhuma atenção às especificidades do atributo A que se quer explicar. Ao
contrário, explicar pela essência consiste em captar as propriedades
essenciais da entidade complexa constituída pela relação predicativa entre
o sujeito C e o atributo A que se quer explicar. (ANGIONI, 2014, p. 114)
Tendo numerado aqueles quatro tipo de questões suscetíveis de investigação como (1)
“que”, (2) “por que”, (3) “se é” e (4) “o que é”; e já tendo explicado de que maneira as
questões do tipo (1) e (3), bem como as questões do tipo (2) e (4) são redutíveis entre si,
Angioni (2014, pp. 97-98) ajuda a esclarecer esse ponto com um exemplo já fartamente
explorado neste trabalho, o exemplo do trovão:
O fenômeno designado pelo nome “trovão” é escandido na
conclusão em termos de ocorrência do atributo “estrondo” ao sujeito
“nuvem”. Aristóteles certamente tem em vista uma descrição mais
complexa do extremo maior “estrondo”, a saber: “certo estrondo” (cf. 93a
22-23), em que “certo” é abreviação das características específicas do tipo
de estrondo que caracteriza o trovão – se assim não fosse, Aristóteles não
se poderia fiar, como se fiou, na intersubstituibilidade entre “trovão” e
“estrondo”. Assim, a extinção do fogo, que se atribui à nuvem, é a causa
pela qual ocorre à nuvem o tipo específico de estrondo que é o trovão e,
por isso mesmo, é também a parte mais fundamental da definição que diz o
que é o trovão, a ponto de Aristóteles, às vezes, poder afirmar que tão
somente “extinção do fogo” é a definição de trovão. Assim, “extinção do
fogo”, enquanto termo mediador do silogismo de primeira figura que
conclui com a atribuição de “estrondo” a “nuvem”, apresenta-se não
apenas como causa que responde à questão do tipo (2), por que à nuvem se
atribui o estrondo, mas também como causa que responde à questão do tipo
(4), o que é o trovão, ou seja, qual é o fator explanatório mais importante
que perfaz a unidade entre os elementos de que se constitui o fenômeno a
ser explicado. Não surpreende, portanto, que, em 94a 1-7, Aristóteles
introduza uma noção triádica de definição – justamente a definição que
articula no definiens os três termos envolvidos nos esquemas silogísticos
apresentados anteriormente. A definição completa do trovão, por exemplo,
consiste em “estrondo na nuvem devido à extinção do fogo” (94a 5).
Abro aqui um parêntese para mencionar de passagem um aspecto da teoria que, pelo
menos para Angioni (2014), é de muita relevância. Trata-se da importância de começar a
90
busca da explicação pela causa apropriada – e, consequentemente, da essência de um dado
explanandum –, partindo de uma descrição já minimamente apropriada desse explanandum.
Para explicar esse ponto, Angioni (2014, p. 106) recorre ao exemplo do eclipse:
Para discernir, ao final de uma investigação, o que é o eclipse
lunar, bem como para capturar a causa apropriada que explica por que o
eclipse ocorre à lua, o investigador científico deve tomar como ponto de
partida descrições que já captam parcialmente o que é o eclipse: por
exemplo, a descrição que diz que o eclipse é “tal e tal privação de luz na
lua” (93a 21-24). Se o investigador toma como ponto de partida uma
descrição que se atribui “por concomitância” (kata symbebekos) ao eclipse
lunar, ele terá dificuldades até mesmo em discernir se ocorre ou não um
eclipse – ou, então, terá dificuldades em discernir se o eclipse é de fato um
explanandum legítimo no domínio de uma dada ciência. A norma, para o
investigador científico, é atinar, já na etapa prévia à procura pela causa,
com uma descrição que captura “algo da coisa” (ti tou pragmatos, 93a 22).
Algumas páginas depois, continua:
Uma vez satisfeita a exigência de descrever o explanandum de
modo articulado, conforme a relação predicativa entre seus elementos
constituintes devidamente caracterizados, o termo mediador se encaixa
perfeitamente como o arremate que traz o fundamento pelo qual esses
elementos se compõem de modo a constituir o explanandum. Em outras
palavras, a própria descrição apropriada do explanandum já mostra o
encaixe no qual o termo mediador deve ser acrescentado. A tarefa de
encontrar o termo mediador apropriado é favorecida, portanto, quando o
próprio explanandum é descrito do modo apropriado na relação predicativa
que figura como “conclusão da demonstração”. (ANGIONI, 2014, p. 113)
Ou seja, tomando como ponto de partida uma descrição na medida do possível
apropriada daquilo que se pretende explicar e colocando essa descrição apropriada do
explanandum como conclusão de um silogismo demonstrativo, o trabalho de quem pretende
demonstrar cientificamente consiste basicamente em encontrar aquele termo mediador que
fornece ao mesmo tempo (1) o fator causal que explica pela causa apropriada e (2) a
essência do explanandum:
A rigor, o termo mediador apropriado, em uma demonstração,
deve explicar de maneira plenamente apropriada por que o explanandum se
dá, e isso equivale a captar a essência do explanandum. De fato, Aristóteles
assevera que explicar por que um dado explanandum é o caso é o mesmo
que dizer o que ele é (cf. 90a 14-15, 90a 31-32, 93a 4), e dizer o que o
explanandum é equivale a exprimir sua essência – captar sua estrutura
interna, as articulações entre seus elementos e os fundamentos dos quais
essas articulações dependem. (ANGIONI, 2014, p. 112)43
43
Ver também Angioni, 2019b.
91
As aplicações e implicações dessa teoria logo emergem aos olhos do leitor mais
atento, como sintetiza Angioni (2014, pp. 114-115):
Creio que essas características do essencialismo aristotélico, além
de aflorar como interpretação mais apurada dos Segundos Analíticos,
também mostram seu interesse filosófico. A noção de essência, longe de
ser uma entidade misteriosa, distinta da entidade da qual é essência,
consiste simplesmente nas propriedades que captam o que algo é em seu
modo mais característico. Essências podem ser atribuídas a qualquer
pragma: essências são as propriedades que explicam porque seu portador é
o que ele é.
Além de, como vimos, conciliar harmonicamente a teoria da ciência aristotélica dos
Segundos Analíticos com os seus tratados efetivamente científicos e tornar praticamente
nulas e sem sentido as maiores dificuldades levantadas pelos adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado no capítulo anterior, essa interpretação da teoria aristotélica da demonstração
científica de acordo com um paradigma explicativo causal que propomos na “escola de
Campinas”44 ainda lança luz e serve de base para uma leitura mais sóbria e razoável da
Metafísica.45
3.7. Demonstração forte e demonstração fraca
Por fim, apenas a título de parêntese, entendo haver aqui espaço para uma concessão
aos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado. De fato, em diversas passagens dos
Primeiros Analíticos, bem como de outros tratados – e mesmo nos Segundos Analíticos –,
Aristóteles parece fazer uso da expressão “demonstração” (apodeixis) em um sentido vago,
lato sensu, que não remete à demonstração científica estritamente falando, tal como a
caracterizamos neste trabalho, mas à mera ação ou efeito de provar ou comprovar, por meio
de silogismos, a verdade de uma dada proposição com base na verdade das premissas.
Ribeiro (2014, p. 136) concorda com essa concessão:
Para entender a referência a essa expressão, ver o Prefácio de Angioni, 2014 (pp. 9-12), por Raphael Zillig e
Rodrigo Guerizoli.
45
Diferente das demais seções deste capítulo, esta última, que trata da relação íntima entre a teoria da
demonstração científica e o essencialismo aristotélico, ainda precisa de maior aprofundamento em trabalhos
futuros.
44
92
Nos Primeiros Analíticos, a expressão “demonstração” parece ser
usada lato sensu, ou seja, num sentido que remete à prova, em termos mais
gerais, mas não a uma prova científica, como parece ser o caso na maioria
das ocorrências dessa expressão nos Segundos Analíticos, quando é usada
num sentido mais técnico, que se refere ao tipo de silogismo por meio do
qual obtemos conhecimento científico.
Em notas a esse trecho, Ribeiro (2014, p. 136, notas 25 e 26) indica uma série de
passagens nas quais, segundo ela, Aristóteles emprega esse uso mais frouxo e vago da
expressão “demonstração” nos Primeiros Analíticos (Cf. 29b 7-12; 31a 14-17, 45a 38-40;
62a 8-11). Nessas passagens, diz ela: “o contexto argumentativo claramente nos mostra que
Aristóteles, embora use o termo apodeixis e seus derivados, tem em mente uma prova e não
uma demonstração, no sentido em que essa expressão se define nos Segundos Analíticos”.
Em seguida ela chama atenção para uma passagem específica dos Segundos Analíticos I.13
(78a 28-39), na qual, de acordo com ela, “Aristóteles parece fazer um uso mais frouxo da
expressão apodeixis, empregada como sinônimo de silogismo ou prova”.
Esse uso lato sensu de apodeixis parece ser um caso similar ao uso lato sensu de
episteme, que explicamos na seção 1.1. desde trabalho (pp. 15 ss.). Ou seja, assim como é
possível, no uso corrente da linguagem, usar episteme num sentido fraco, remetendo a
qualquer tipo – ainda que rudimentar – de “conhecimento”, e não ao conhecimento
científico estritamente falando, também é possível e mesmo trivial usar apodeixis em um
sentido fraco, remetendo a mera “prova” silogística, e não à demonstração científica
estritamente falando.
O próprio Aristóteles fornece pistas de que parece estar ciente desse uso ambíguo da
expressão. Apontam nessa direção passagens nas quais ele qualifica apodeixis com a
expressão haplos (apodeixis haplos, isto é, demonstração mesmo, de fato, de todo,
absolutamente, estritamente, simplesmente, simpliciter, sem mais, sem qualificação, sem
cláusulas adicionais). Uma dessas passagens encontra-se em Segundos Analíticos I.3 (72b
30), quando ele afirma que, “se aquela tese fosse o caso [sc. de que a demonstração se dá em
círculo], (...) uma das demonstrações não é uma demonstração sem mais (apodeixis haplos)”.
Em Segundos Analíticos I.9 (76a 14-15), Aristóteles diz que “é manifesto que não é possível
demonstrar cada coisa, sem mais (haplos), a não ser a partir dos princípios de cada uma”.46
46
Cf. Refutações Sofísticas 5, 167b 9.
93
Com base em passagens como essas, é possível rastrear na obra de Aristóteles dois
usos distintos de “demonstração” (apodeixis), aos quais resolvi chamar demonstração forte
ou científica (stricto sensu) e demonstração fraca ou não científica (lato sensu). A
demonstração forte seria aquilo que entendemos estritamente por demonstração científica,
tal como caracterizada neste trabalho, especialmente no presente capítulo. Já a demonstração
fraca seria aquilo que alguns entendem em um sentido mais amplo como sendo
demonstração, a qual não é científica. A demonstração forte seria explicação científica,
enquanto que a fraca seria mera prova silogística.
Não é exagero sugerir que “demonstração” talvez não seja a melhor escolha para
traduzir apodeixis. No jargão técnico dos estudos aristotélicos, o termo já está estabelecido e
consolidado, mas, no uso corrente na língua, demonstrar uma proposição significa quase
sempre provar que ela é verdadeira – é assim, por exemplo, com as demonstrações
matemáticas. Talvez devido a essa carga semântica, o uso do termo “demonstração” para
traduzir apodeixis nos Segundos Analíticos tem gerado confusão e levado até mesmo
especialistas a cometerem graves erros de interpretação, como vimos no capítulo anterior.
Talvez fosse mais proveitoso usar, em alguns contextos, a palavra “explanação” ou
simplesmente “explicação”. Todavia, isso tornaria sem sentido as passagens nas quais
Aristóteles usa apodeixis no sentido fraco, lato sensu. Na falta de um termo melhor,
seguimos usando “demonstração” como tradução consolidada e padrão para apodeixis.
94
4. CONCLUSÃO
Entre os estudiosos aristotélicos, mais especificamente entre aqueles que procuram
interpretar os Segundos Analíticos, não há consenso acerca do que precisamente Aristóteles
entende por “demonstração científica” (apodeixis). Como vimos, no geral é possível
classificar as diferentes linhas de interpretação em dois grandes grupos: (1) os que
interpretam a teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma
dedutivo axiomatizado e (2) os que a interpretam segundo um paradigma explicativo causal.
No presente trabalho, o que acabei de fazer foi comparar essas duas grandes linhas
interpretativas, criticar a primeira e defender a segunda.
Ao longo do século XX, aquilo que chamei de paradigma dedutivo axiomatizado foi
por muito tempo considerado a interpretação padrão da teoria, mas passou a ser seriamente
questionado nas últimas décadas. Uma parte significativa dessas críticas à chamada
interpretação padrão ganhou força e relevância acadêmica nos últimos anos graças ao
trabalho de pesquisa desenvolvido na “escola de Campinas” 47 – grupo de pesquisadores
aristotélicos liderados por Lucas Angioni.
47
Ver nota 42 na página 90.
95
Como vimos na seção 2 deste trabalho, a chamada interpretação padrão entende que
a demonstração científica proposta por Aristóteles nos Segundos Analíticos lida meramente
com conhecimento proposicional e possui uma preocupação primariamente epistemológica e
racionalista de justificar o conhecimento, isto é, de garantir contra toda dúvida ou objeções
céticas que determinada proposição que se supõe conhecer é de fato verdadeira. Caracterizase, assim, por ser um método formal, dedutivo e axiomatizado que tem por finalidade última
pelo menos uma das seguintes realizações: (1) descobrir novas verdades, ampliando assim o
nosso repertório de proposições conhecidas; (2) verificar ou estabelecer o valor de verdade
de proposições inicialmente incertas ou problemáticas; (3) fundamentar e prover uma
justificação epistêmica para o conhecimento; (4) ensinar e transmitir o conhecimento de
maneira didaticamente organizada. Entre as características específicas do silogismo
demonstrativo ou científico – que o torna diferente de todos os demais tipos de silogismo – a
grande maioria desses autores propõe como característica distintiva pelo menos uma das
seguintes: (1) a verdade das proposições, (2) a necessidade modal das proposições e (3) o
uso de axiomas, que fundamentariam em última instância todos os postulados e teoremas de
uma ciência.
Nos tópicos finais da seção 2, mostrei como essa interpretação padrão da teoria da
demonstração científica em Aristóteles invariavelmente conduz a pelo menos duas grandes
dificuldades. Em primeiro lugar, a teoria aristotélica da demonstração científica não seria
aplicável às ciências naturais, por causa da contingência de suas proposições, limitando-se
às ciências formais como a lógica e as matemáticas. Além disso, Aristóteles teria cometido
um grave erro ao escolher o silogismo como ferramenta da demonstração, haja vista que a
silogística claramente possui severas limitações como método dedutivo.
Em oposição à chamada interpretação padrão da teoria da demonstração científica de
Aristóteles, vimos na seção 3 que há um grupo menos numeroso de intérpretes que adotam
como chave hermenêutica dos Segundos Analíticos – bem como da ciência aristotélica como
um todo – a noção de causalidade ou explicação, enfatizando a noção de explicação pela
causa apropriada e evitando a associação de Aristóteles com as modernas teorias
racionalistas de justificação epistêmica, de modo que aqueles problemas aparentemente
insolúveis que mencionei simplesmente deixam de fazer sentido dessa perspectiva.
96
Em primeiro lugar, defendi que conhecimento científico (episteme) para Aristóteles
não corresponde àquilo que chamamos em epistemologia contemporânea de conhecimento
proposicional: uma crença verdadeira e justificada. Começar por essa distinção foi
fundamental para que pudéssemos rejeitar os componentes epistemológicos da teoria e
retirar a ênfase do campo da epistemologia. Deve ter ficado claro que, para Aristóteles, o
conhecimento científico (episteme), embora envolva e assuma como pressuposto o
conhecimento proposicional, vai além de meramente saber que dada proposição é o caso:
ele precisa também dar conta de explicar por que ela é o caso. Isto significa que, para
Aristóteles, o valor de verdade de cada uma das proposições envolvidas na demonstração
científica é previamente conhecido. Não está em jogo, portanto, provar ou certificar se tais
proposições – especialmente aquela que figura como conclusão da demonstração – são ou
não verdadeiras, como entendem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, pois elas
são todas sabidamente verdadeiras de antemão.
Depois defendi que a noção aristotélica de causa, diferente da humeana que é binária,
possui uma estrutura essencialmente triádica – ou seja, é sempre constituída por três termos.
Isso significa que Aristóteles expressaria a noção de causalidade da seguinte maneira: B é a
causa de A em C; ou seja, primeiro é preciso saber que C é A, para só então explicar por que
C é A, isto é, demonstrar que C é A por causa de B.
Quanto ao papel do silogismo na demonstração científica, defendi que, longe se ser
um erro metodológico ou uma escolha infeliz de Aristóteles, como sugerem os adeptos do
paradigma dedutivo axiomatizado, a forma lógica do silogismo é apropriada para expressar
a causalidade exigida na demonstração científica porque sua estrutura também é triádica.
Dito de outro modo, Aristóteles escolheu a estrutura lógica do silogismo como instrumento
formal de sua teoria da demonstração científica não pela sua suposta eficácia enquanto
método dedutivo, mas porque ela expressa bem a relação triádica da causalidade, pelo fato
de sua estrutura também ser triádica. Portanto, é acertado dizer que o papel da silogística na
ciência demonstrativa é expressivo e não formal. Sendo assim, não é um silogismo que nos
fará captar a relação causal relevante para o conhecimento científico, mas uma vez que
estamos de posse dessa relação causal, aí sim podemos expressá-la por meio de um
silogismo.
97
Em seguida mostrei que o requisito de necessidade atribuído por Aristóteles ao
conhecimento demonstrativo tem sido frequentemente mal compreendido pelos adeptos do
paradigma dedutivo axiomatizado, uma vez que esses intérpretes identificam a noção de
necessidade aristotélica com o conceito de necessidade modal. Como vimos, a suposição de
que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento meramente proposicional levou
muitos a crer que Aristóteles atribui o requisito da necessidade às proposições por si mesmas,
de modo que o conhecimento científico se daria apenas com proposições modalmente
necessárias, isto é, necessariamente verdadeiras em qualquer mundo possível.
Diferente dos rivais, os adeptos do paradigma explicativo causal rejeitam a ideia de
que o objeto do conhecimento científico são proposições enquanto predicações simples, mas
sustentam que aquilo que é objeto de conhecimento científico são argumentos que
expressam relações triádicas de causalidade. As premissas, portanto, são necessárias no
contexto explanatório específico de uma dada demonstração, isto é, são necessárias em
relação à conclusão, na medida em que captam o único termo médio que satisfaz a
explicação pela causa apropriada daquele explanandum. Demonstrar é encontrar aquelas
premissas específicas que são necessárias para explicar apropriadamente a conclusão. Em
suma, o que Aristóteles exige não é que as proposições sejam necessariamente verdadeiras,
mas que, para cada explanandum, se encontre exatamente aquele termo mediador necessário
que de fato explica o explanandum, por expressar sua causa apropriada. Quando estamos de
posse de um silogismo com tais características, sabemos que é necessariamente por causa de
B que C é A, e, de posse dessa relação triádica causal e necessária, possuímos conhecimento
científico.
Assim, para cada explanandum no domínio de uma ciência, existe apenas um termo
mediador que funciona como causa primeira e apropriada (fator explanatório). Todos os
demais termos possíveis de serem inseridos no lugar do termo mediador em um silogismo
correto com pretensão explanatória será uma propriedade meramente concomitante – ainda
que sejam propriedades essenciais e necessariamente atribuídas ao sujeito. Enquanto mera
dedução correta, portanto, um silogismo pode explicar a conclusão por meio de uma
propriedade concomitante, mas só será uma demonstração científica se explicar a conclusão
por meio de sua causa apropriada, a qual é um termo mediador necessário e coextensivo ao
predicado do explanandum.
98
Finalmente, vimos que a teoria da demonstração científica de Aristóteles nos
Segundos Analíticos fornece fundamentos ontológicos para todo o pensamento aristotélico e
possui uma forte ligação com a Metafísica, mais precisamente no estudo acerca das noções
de substância e essência. O tipo de causa em questão é, pois, claramente uma causa
ontológica, e não meramente lógica ou epistemológica. É preciso identificar no mundo – e
não meramente na mente ou no raciocínio – o fator causal que explica o explanandum.
Vimos ainda que esse fator explanatório ou causa apropriada de que falamos – expresso pelo
termo mediador – corresponde à essência do explanandum reduzido a um termo; e que capta,
em primeiro lugar, a essência do atributo e não do sujeito.
Em suma, após todo esse percurso, espero ter convencido o leitor de que, além de
lançar muita luz e servir de base para uma leitura mais sóbria e razoável da Metafísica, essa
interpretação da teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma
explicativo causal que propomos na seção 3 deste trabalho, ainda torna praticamente nulas e
sem sentido as maiores dificuldades levantadas pelos adeptos do paradigma dedutivo
axiomatizado e supera de maneira bastante elegante a suposta incompatibilidade entre a
teoria da ciência aristotélica dos Segundos Analíticos e os seus tratados efetivamente
científicos.
99
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