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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CHARLES ANDRADE SANTANA A TEORIA ARISTOTÉLICA DA DEMONSTRAÇÃO CIENTÍFICA Aristotle’s Theory of Scientific Demonstration CAMPINAS 2020 CHARLES ANDRADE SANTANA A TEORIA ARISTOTÉLICA DA DEMONSTRAÇÃO CIENTÍFICA Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Filosofia Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Lucas Angioni ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO CHARLES ANDRADE SANTANA E ORIENTADA PELO PROF. DR. LUCAS ANGIONI. __________________________________________________ CAMPINAS 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada no dia 08 de julho de 2020, considerou o candidato Charles Andrade Santana aprovado. Prof. Dr. Lucas Angioni (Universidade Estadual de Campinas) Prof. Dr. Breno Andrade Zuppolini (Universidade Federal de São Paulo) Prof. Dr. Wellington Damasceno de Almeida (Universidade Federal de Goiás) A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta do processo de vida acadêmica do aluno. A Catarina AGRADECIMENTOS Eu jamais teria conseguido concluir esta Dissertação sozinho. Sou grato primeiramente a Deus e expresso aqui a minha profunda gratidão a todas as pessoas e instituições que contribuíram direta ou indiretamente para esta conquista. Agradeço a Lucas Angioni, de quem tive o privilégio de ser aluno, orientando e amigo, pela inspiração que transmite em suas aulas, pela atenção e disponibilidade em responder minhas dúvidas em qualquer horário e pelo rigor e sinceridade com que sempre avaliou meus trabalhos. Presencialmente ou à distância, nossas conversas têm sido determinantes para a minha formação acadêmica. Tenho muito orgulho de fazer parte do grupo de pesquisa por ele liderado. Agradeço aos professores Breno Zuppolini (Unifesp) e Wellington Damasceno (UFG), que gentilmente aceitaram o convite para participar das minhas bancas de qualificação e defesa, pela franqueza na apreciação do meu texto e disponibilidade em contribuir com minha pesquisa. Ambos deram valiosíssimas contribuições a este trabalho. Além deles, agradeço ainda aos professores Roberto Grasso (UFPB), Fernando Mendonça (UFU), Rafael Zillig (UFRGS), entre tantos outros com quem tive o prazer de discutir pormenores do pensamento aristotélico em profícuas conferências e seminários, bem como em divertidas e estimulantes conversas informais nos bares e restaurantes de Barão Geraldo. Não poderia deixar de agradecer também ao professor Francisco de Assis Vale (UFPB), que me orientou na graduação e me herdou o gosto pela pesquisa em filosofia antiga. Agradeço aos colegas e amigos Davi Bastos, Gustavo Ferreira, Ângelo Antônio, Rafael de Souza, Gesiel da Silva e Mateus Belinello pelas frutíferas e incontáveis conversas sobre minha pesquisa, pelo interesse com que alguns deles leram meus textos e ouviram minhas pequenas preleções, pelas suas críticas e sugestões que muito contribuíram para o amadurecimento das minhas ideias, pelos materiais compartilhados, pelas muitas caronas dadas e recebidas, pelos conselhos em questões pessoais, pelas suas orações, enfim, pela nossa convivência, parte indispensável da minha formação intelectual. Agradeço ao casal de amigos Titao e Juliette Yamamoto, por ter me cedido abrigo em sua casa em São Paulo por dois meses, enquanto eu procurava um teto para chamar de lar em Campinas. Agradeço à Comunidade do Estudante Universitário (CEU), igreja e república onde morei no último ano do mestrado, pelo acolhimento, pelas amizades, pelo crescimento espiritual, por me fazer sentir que eu tinha uma família por perto, mesmo estando a mais de dois mil quilômetros de casa. Agradeço ao Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da Unicamp, pela infraestrutura cedida para aulas, seminários, conferências, reuniões e estudo – em grupo e individual –, pela riquíssima biblioteca e, claro, pelo indispensável cafezinho expresso sempre que precisei. Agradeço à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo privilégio de estudar numa das melhores universidades da América Latina e poder contar com um ambiente intelectual e cultural muito enriquecedor; pela infraestrutura de excelentes bibliotecas, laboratórios de informática e espaço para prática de esportes; pelas nutritivas refeições no Restaurante Universitário – o famoso “bandejão” –; e pela oportunidade de treinar e jogar na seleção de futebol da Unicamp. Por fim, agradeço à Universidade Federal da Paraíba (UFPB), da qual sou servidor técnico administrativo, pelo afastamento e pelas políticas de incentivo à qualificação; em suma, pela estabilidade financeira que me permitiu dedicar dois anos a esta pesquisa com certa tranquilidade quanto ao meu sustento material. Passam-se os séculos e os homens, mas repetem-se os fatos e suas causas. (Gaspar Barlaeus) RESUMO O objetivo deste trabalho é compreender a noção de “demonstração científica” (apodeixis) tal como Aristóteles a concebe nos Segundos Analíticos, bem como sua relação com a noção de “conhecimento científico” (episteme) e com a silogística aristotélica. Esta abordagem compara as duas grandes linhas de interpretação encontradas na literatura secundária, às quais chamo de paradigma dedutivo axiomatizado e paradigma explicativo causal. Pretendo mostrar que o segundo paradigma resolve de maneira plenamente satisfatória as principais dificuldades, problemas em aberto e consequências aporéticas suscitadas pelo primeiro, além de superar a suposta incompatibilidade entre a teoria da ciência de Aristóteles nos Segundos Analíticos e os seus tratados efetivamente científicos, especialmente os de ciências naturais. Palavras-chave: Aristóteles, Ciência, Demonstração, Segundos Analíticos. ABSTRACT The aim of this work is to understand the notion of “scientific demonstration” (apodeixis) as Aristotle conceives it in the Posterior Analytics, as well as its relationship with the notion of “scientific knowledge” (episteme) and with Aristotelian syllogistics. This approach compares the two broad lines of interpretation found in the secondary literature, which I call the axiomatized deductive paradigm and the causal explanatory paradigm. I intend to show that the second paradigm resolves the main difficulties, open problems and aporetic consequences raised by the first, in a fully satisfactory way, in addition to overcoming the supposed incompatibility between Aristotle's theory of science in the Posterior Analytics and his effectively scientific treaties, especially on natural sciences. Keywords: Aristotle, Science, Demonstration, Posterior Analytics. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Diferentes sentidos de “episteme” ...................................................................... 17 LISTA DE SÍMBOLOS Coextensão, adequação extensional ..................................................................................... ≡ 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14 1.1. Os diferentes sentidos de episteme .......................................................................... 16 1.2. Epistemologia e filosofia da ciência ........................................................................ 18 1.3. Ciência e demonstração ........................................................................................... 20 1.4. Dificuldades exegéticas ........................................................................................... 21 2. PARADIGMA DEDUTIVO AXIOMATIZADO ......................................................... 24 2.1. Revisão bibliográfica ............................................................................................... 25 2.1.1. Finalidade última da demonstração científica ................................................ 26 2.1.2. Características distintivas da demonstração científica ................................... 29 2.1.2.1. Verdade das proposições ........................................................................ 31 2.1.2.2. Necessidade das proposições ................................................................. 33 2.1.2.3. Axiomatização ....................................................................................... 34 2.2. Discussão crítica ...................................................................................................... 37 2.2.1. As ciências naturais e o problema da contingência ........................................ 37 2.2.2. As limitações da silogística como método dedutivo ....................................... 43 3. PARADIGMA EXPLICATIVO CAUSAL ................................................................... 48 3.1. Conhecimento científico e conhecimento proposicional ................................... 49 3.2. Estrutura triádica da causalidade ....................................................................... 54 3.3. Estrutura triádica do silogismo .......................................................................... 58 3.4. Causa como termo mediador ............................................................................. 62 3.4. Causalidade e necessidade ................................................................................. 70 3.5. Adequação extensional e assimetria causal ....................................................... 78 3.6. Causalidade e essencialismo .............................................................................. 82 3.7. Demonstração forte e demonstração fraca ......................................................... 91 4. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 94 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 99 5.1. Textos e traduções de Aristóteles ...................................................................... 99 5.2. Bibliografia geral ............................................................................................. 101 14 1. INTRODUÇÃO Com sua obra excepcionalmente extensa e diversificada, Aristóteles lançou as bases e contribuiu para o desenvolvimento de muitas ciências, de tal modo que sua relevância e influência nas origens do pensamento ocidental são indiscutíveis. A persistência dessas contribuições na história da ciência, entretanto, foi bastante desigual. Enquanto suas investigações no campo da biologia, por exemplo, continuavam impressionantes até mesmo para Darwin, sua física e astronomia já estavam ultrapassadas no século VI d.C. Hoje, não é exagero dizer que mesmo a melhor das contribuições científicas de Aristóteles possui um interesse meramente histórico. Há algo, contudo, que permanece notável e filosoficamente relevante no decorrer dos séculos: a sua concepção peculiar de ciência. Dito de outro modo: a sua teoria do conhecimento científico. Aristóteles é conhecido também por ser o primeiro a propor uma teoria sistematizada do raciocínio dedutivo. Nesse sentido, ele é considerado por muitos o fundador da lógica formal1. A lógica aristotélica, contudo, não recebe o título de “formal” por fazer uso de Cf. Ribeiro, 2014, p. 123; Lukasiewicz, 1951, p. 15; Corcoran, 1974, pp. 280-281; Geach, 1980, p. 44; Striker, 1998, p. 209 1 15 símbolos e operadores artificialmente criados com o fim de eliminar as ambiguidades inerentes à linguagem natural, como é o caso da lógica contemporânea. A lógica aristotélica recebe esse título simplesmente porque “atende apenas à forma lógica do argumento, ignorando inteiramente o seu conteúdo” (CORCORAN, 2009, p. 5). Nesse sentido, Aristóteles muitas vezes usa letras no lugar dos termos para representar a estrutura dos silogismos. Aristóteles propôs suas teorias da lógica e da ciência em um conjunto de escritos que chamou de Analíticos. A princípio, os Analíticos eram aparentemente um conjunto de quatro livros, os quais foram agrupados na edição de Andrônico de Rodes (séc. I a.C.) em dois tratados com dois livros cada. Conhecemos esses tratados hoje como Primeiros Analíticos e Segundos Analíticos2. A diferença fundamental entre esses dois tratados é razoavelmente consensual: eles tratam, respectivamente, de lógica e ciência 3 . Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles desenvolve a sua teoria do silogismo; nos Segundos Analíticos, por sua vez, ele aborda um tipo específico de silogismo, a que chama “silogismo científico” (syllogismon epistemonikon) ou simplesmente “demonstração” (apodeixis). Convencionou-se chamar esses dois temas, respectivamente, de silogística e apodítica. Como o título deste trabalho indica, o tema que nos interessa por ora não é a lógica aristotélica, isto é, a sua teoria do silogismo (objeto dos Primeiros Analíticos), mas a noção aristotélica de ciência, ou seja, a sua teoria da demonstração científica (objeto dos Segundos Analíticos). O fato é que Aristóteles propõe nos Segundos Analíticos uma teoria da ciência indiscutivelmente original. Mckirahan (1992, p. 3) reconhece que esse tratado, “como a primeira teoria elaborada nas tradições filosóficas e científicas ocidentais da natureza e estrutura da ciência, já merece estudo somente pela sua importância histórica”. Usando o vocabulário aristotélico, o tema mais geral sobre o qual nos debruçamos é a episteme, expressão grega que significa “ciência” ou “conhecimento científico”. Não se Ou Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores (Analytica Priora e Analytica Posteriora em latim). Na literatura secundária, é possível encontrar também referências a esses tratados com as abreviações An.Pr. e An.Post. ou simplesmente APr e APo. 3 Sobre esse tema (lógica e ciência em Aristóteles), ver Angioni, 2014. 2 16 trata, pois, de conhecimento em geral (gnosis), mas daquele conhecimento que é próprio da ciência. Vejamos, pois, antes de prosseguir, qual é o significado preciso de episteme que nos interessa destacar no contexto geral do sistema aristotélico. 1.1. Os diferentes sentidos de episteme Em Ética a Nicômaco VI.3 (1139b 14-18), Aristóteles estabelece cinco disposições (hexis) por meio das quais a alma é capaz de possuir a verdade: techne, episteme, phronesis, sophia e nous. O uso de episteme nesse contexto é bem estrito, preciso e delimitado, tal como Aristóteles o define e usa nos Segundos Analíticos. Em passagens isoladas espalhadas por outros tratados, todavia, Aristóteles algumas vezes parece usar episteme em um sentido bastante lato e impreciso, com significado semelhante ao de gnosis. Dependendo do contexto e afrouxando completamente o rigor, é possível até mesmo admitir que cada uma das cinco disposições mencionadas acima pode ser considerada um tipo de episteme. O nous, embora seja objeto de controvérsias, é descrito em Segundos Analíticos I.3 e II.19 como um certo tipo de conhecimento por meio do qual conhecemos os princípios das demonstrações, ou seja, um tipo de conhecimento indispensável para a obtenção de episteme. Traduz-se geralmente por “inteligência”, “intelecto”, “intuição” ou “razão intuitiva”. A sophia, por sua vez, é descrita como um tipo especial e privilegiado de episteme, o qual é dominado pelo filósofo (Metafísica I.1-2, 982a 1-5) e tem por objeto de investigação o “ser enquanto ser” (Metafísica IV.1, 1003a 21; Metafísica VI.1, 1025b 3-4). Traduz-se geralmente por “sabedoria”. Em Metafísica VI.1 (1025b 18-28), tanto a techne como a phronesis também são consideradas, em sentido lato, um certo tipo de episteme. A techne, geralmente traduzida por “técnica” ou “arte”, é chamada por Aristóteles de episteme poietike (ciência produtiva); ao passo que a phronesis, geralmente traduzida por “sensatez”, “prudência” ou “sabedoria prática” – objeto de parte considerável da Ética a Nicômaco –, claramente corresponde ao que Aristóteles chama nessa passagem da Metafísica de episteme praktike (ciência prática). Nesse sentido lato é que se diz, por exemplo, que “a técnica (techne) é mais conhecimento (episteme) que a experiência (empeiria)” (Metafísica I.1, 981b 7-10). 17 No contexto tanto da Ética a Nicômaco quanto dos Analíticos, porém, como dissemos, episteme assume geralmente um sentido estrito, preciso e muito bem delimitado, significando mais precisamente o que Aristóteles descreve em Metafísica VI.1 como episteme theoretike (ciência teórica). Considerando esse sentido mais estrito, Burnyeat (1981, pp. 97-98) acerta na distinção que faz dos diferentes significados de episteme. Dependendo do contexto em que aparece, episteme em sentido estrito pode assumir, segundo Burnyeat e conforme indicamos acima, dois significados distintos: “ciência” e “conhecimento científico”. Entendida como “ciência”, episteme pode designar tanto ciência em geral – como quando dizemos, por exemplo, que os seres humanos são os únicos animais capazes de fazer ciência, que a ciência eleva o espírito ou que os homens adquirem a ciência por meio da experiência, etc. –, quanto uma disciplina científica específica – como quando dizemos que a matemática, a física, a química e a biologia são ciências. Entendida como “conhecimento científico”, episteme pode designar, de certo modo, o estado mental do indivíduo que possui um domínio geral de todas as proposições cientificamente relevantes no âmbito de determinado campo do saber, isto é, do cientista ou especialista (expert) em determinada área. A distinção de Burnyeat (1981, pp. 97-98), no entanto, para aqui e está, a meu ver, incompleta. Embora esteja correto definir “conhecimento científico” (episteme) como uma espécie de expertise, isto é, como o domínio que o cientista possui sobre determinado campo do saber, essa não é a única interpretação possível, nem a mais relevante. O contexto geral dos Segundos Analíticos parece indicar um sentido mais relevante desse estado cognitivo, o qual diz respeito principalmente ao domínio que qualquer pessoa possui de uma dada proposição, teorema ou explanandum. Quando quer enfatizar esse sentido especial de episteme, Aristóteles algumas vezes usa a expressão episteme haplos – conhecimento científico mesmo, de fato, de todo, absolutamente, estritamente, simplesmente, simpliciter, sem mais, sem qualificação, sem cláusulas adicionais4. 4 Ver, por exemplo, Segundos Analíticos I.2, 71b 9-12. 18 Assim sendo, podemos distinguir pelo menos quatro significados que podem ser atribuídos ao termo episteme em sentido estrito, conforme tabela a seguir: Tabela 1 – Diferentes sentidos de “episteme” EPISTEME Ciência Conhecimento Científico Geral Ciência em geral Expertise sobre determinado (“a ciência”) campo do saber Ciências particulares, Episteme haplos campos do saber, (de um dado explanandum) Particular disciplinas específicas Dentre esses quatro sentidos, Aristóteles atribui, nos Segundos Analíticos, uma relevância e importância muito maior ao último deles, a saber, o conhecimento científico enquanto domínio de determinado explanandum. É precisamente este último sentido que nos interessa em primeiro lugar. Na maior parte do tempo, portanto, quando me referir a episteme no contexto dos Segundos Analíticos, estarei me reportando ao estado cognitivo do indivíduo que dominou (de maneira científica, seja lá o que isso signifique) uma determinada proposição, teorema ou explanandum. 1.2. Epistemologia e filosofia da ciência Burnyeat (1981, pp. 97-98), como dissemos, é um dos que entendem que episteme pode se referir tanto ao “estado cognitivo da pessoa que conhece” quanto a um “corpo de conhecimento, uma ciência – um sistema de proposições que pode ser aprendido e conhecido”. Para ele, no entanto, traduzir episteme por “conhecimento científico”, como é bastante comum, pode produzir resultados ambíguos e embaraçosos – especialmente porque não há no grego uma palavra separada que corresponda ao epíteto de qualificação “científico”. 19 De todo modo, ele faz uma observação interessante nesse ponto: Os Segundos Analíticos constituem, na sua opinião, “um único projeto a partir de duas coisas que a filosofia atual segrega em áreas distintas de investigação” (1981, p. 97). Por um lado, diz Burnyeat, “há uma teoria da estrutura de uma ciência, um relato das condições para uma proposição pertencer a um corpo de conhecimento sistemático como a geometria, a física ou a botânica”. Para nós, essa seria considerada uma contribuição no campo da filosofia da ciência. Por outro lado, continua Burnyeat, “Aristóteles apresenta sua teoria desde o início em termos que consideramos epistemológicos, como uma descrição do estado cognitivo do indivíduo que dominou um corpo de conhecimento sistemático”. Essa contribuição, para nós, pertence ao campo da epistemologia. A separação gradual entre epistemologia e filosofia da ciência, de acordo com Burnyeat (1981, pp. 138-139), foi “um resultado do impacto do ceticismo”: Descartes desafiou o ceticismo com uma valente tentativa de reuni-las novamente, com uma filosofia da ciência baseada na epistemologia, revertendo o empreendimento aristotélico de colocar a filosofia da ciência no centro da epistemologia. Mas Descartes não conseguiu convencer. A epistemologia e a filosofia da ciência tornaram-se divorciadas, para melhor ou para pior. Pode-se contar com uma vitória permanente do ceticismo que, ao conseguir esse divórcio, tornou o Segundos Analíticos de Aristóteles notavelmente difícil de ler. Sobre as dificuldades exegéticas dos Segundos Analíticos para nós – que, em grande parte, de acordo com Burnyeat, são frutos do “divórcio” entre epistemologia e filosofia da ciência na modernidade – trataremos mais adiante. Por ora, será útil observarmos que, a partir de uma consideração mais apurada do conceito de episteme, essa distinção moderna entre epistemologia e filosofia da ciência não está claramente presente em Aristóteles. No entanto, em alguns momentos o leitor notará que daremos prioridade a interpretar a teoria da demonstração dos Segundos Analíticos segundo o prisma da filosofia da ciência em detrimento da epistemologia – no sentido moderno do termo. Essa escolha metodológica fundamenta-se em nossa convicção de que, para Aristóteles, conhecimento científico (episteme) é algo essencialmente diferente de conhecimento meramente proposicional, como explicaremos na terceira parte deste trabalho. 20 1.3. Ciência e demonstração Nos Segundos Analíticos, diz Angioni (2002, p. 1), “Aristóteles oferece diversas reflexões que poderiam ser entendidas como uma teoria da ciência: ele busca estabelecer os critérios que uma disciplina qualquer deve respeitar e satisfazer para legitimamente receber a designação de ‘conhecimento científico’ (episteme)”. McKirahan (1992, pp. 19-20) admite que, quando Aristóteles propôs, nos Segundos Analíticos, a sua teoria da ciência, já havia um pano de fundo filosófico para a ideia de um único método que fosse igualmente aplicável a todos os ramos do conhecimento científico: Ao elaborar a concepção da ciência demonstrativa, Aristóteles tentou especificar o que era necessário para estabelecer qualquer disciplina intelectual no caminho para o progresso. Com efeito, ele estabeleceu um modelo para paradigmas científicos, (...) um padrão de acordo com o qual qualquer disciplina pode ser organizada. Dado que a ciência natural (desde os pré-socráticos) estava em um estágio “pré-paradigmático”, Aristóteles mostrou como ela, ou melhor, como cada um de seus ramos (pois ele reconheceu a necessidade de diferenciar a ciência em campos diferentes e sugeriu critérios para fazê-lo) deve ser submetido a um paradigma. De fato, seu modelo de ciência é definido o suficiente para que uma noção precisa de mudança de paradigma (e portanto de revolução científica) possa ser dada em seus termos, e seja geral o suficiente para que os paradigmas se encaixem no modelo. (...) Isso torna a concepção da ciência demonstrativa ainda mais interessante hoje. Apropriando-se do termo usado por McKirahan (1992, pp. 19-20), o objetivo deste trabalho é compreender com o máximo de clareza e precisão qual é, na concepção de Aristóteles, esse paradigma igualmente aplicável a todas as ciências e que deve ser buscado como um modelo, um padrão, um ideal a ser seguido por todo e qualquer ramo do conhecimento científico. Para usar novamente o vocabulário aristotélico e delimitar de forma ainda mais precisa o objeto desta pesquisa, o que estamos procurando é aquilo que chamamos no título deste trabalho de “demonstração científica” (apodeixis) – ou “ciência demonstrativa” 5 , como prefere McKirahan no trecho acima –, tema ao qual Aristóteles dedica a maior parte dos Segundos Analíticos. É claro, porém, que essa passagem da noção de ciência ou conhecimento científico (episteme) para a noção de demonstração (apodeixis) que proponho precisa ser justificada. Para isso, atentemos à primeira ocorrência na qual o próprio Aristóteles estabelece essa 5 Primeiros Analíticos I.1, 24a 10-12; Segundos Analíticos I.2, 71b 19-20. 21 relação: “Se há também um outro modo de conhecer cientificamente, investigaremos depois, mas afirmamos que de fato conhecemos através de demonstração” (Segundos Analíticos I.2, 71b 16-17). Aristóteles está dizendo algo razoavelmente simples: aquilo que ele chama de demonstração (de algo) nada mais é do que o modo padrão através do qual é possível conhecer cientificamente (esse algo). Três linhas depois (71b 19-20), esse tipo de conhecimento é também chamado de “conhecimento demonstrativo” (apodeiktiken epistemen). Nessa passagem, que compõe os capítulos iniciais do tratado, Aristóteles propositalmente deixa em aberto a questão de saber se só existe este modo de conhecer cientificamente ou se existem outros. O motivo dessa escolha provavelmente é porque ele ainda não tratou desse assunto – o que fará posteriormente em outras ocasiões no mesmo tratado (I.3; II.19). Há muita controvérsia e muita discussão interessante que pode ser levantada a partir desse ponto, mas, em linhas gerais, parece-me que, para Aristóteles, somente a demonstração (apodeixis) fornece conhecimento científico (episteme). Em suma, “conhecemos algo cientificamente quando possuímos uma demonstração” (RIBEIRO, 2014, p. 121). Nas palavras do próprio Aristóteles: “A ciência é uma habilitação para demonstrar, e todas as outras coisas que acrescentamos nos Analíticos” (Ética a Nicômaco VI.3, 1139b 31-32). Fica clara, então, a centralidade que a noção de demonstração (apodeixis) ocupa na teoria da ciência aristotélica. 1.4. Dificuldades exegéticas Tendo delimitado o tema sobre o qual o presente trabalho se debruça, há uma consideração metodológica importante a ser feita aqui – a qual, inclusive, já foi mencionada de passagem. A natureza do texto que tomamos como fonte primária, isto é, os Segundos Analíticos, é tal que parte significativa dos intérpretes e comentadores na literatura secundária começam se justificando e alegando que o texto é árduo (BARNES, 2007, p. VII) e que a teoria da demonstração científica que Aristóteles desenvolve nessa obra é “repleta de dificuldades exegéticas” (ANGIONI, 2014, p. 61). McKirahan (1992, p. 3) se expressou bem nesse sentido: 22 O interesse e a importância dos Segundos Analíticos estão escondidos atrás de um matagal de dificuldades. (...) Como de costume, encontramos argumentos obscuros, exemplos inadequados, transições pouco claras e referências cruzadas, os quais fazem exigências rigorosas ao leitor. Além disso, a obra parece áspera e inacabada, uma série de anotações sobre diferentes aspectos de seu objeto. (...) Não se lê como um tratado finalizado, fazendo declarações definitivas, mas como uma coleção incipiente de pensamentos. Essa característica aparentemente obscura e não sistemática do texto aristotélico se deve muito provavelmente a um motivo simples: originalmente, o tratado não se destinava à publicação, ou seja, não foi escrito para ser lido pelo público leigo, mas constitui-se de notas de aulas, em certa medida desorganizadas, porém facilmente compreendidas por seus discípulos e por qualquer grego que estivesse a par de certos pressupostos. De todo modo, dadas essas dificuldades, a primeira tarefa que um intérprete tem diante de si é, portanto, “reconstrutiva”, de acordo com McKirahan (1992, p. 3). Para ele, há um método que pode ajudar nessa dura tarefa. Primeiramente, os intérpretes devem “começar do esboço geral da teoria nos primeiros capítulos da obra”. Em seguida, sobre essa base, eles devem “juntar as observações desarticuladas de Aristóteles com dois objetivos: encontrar o sentido de cada passagem em seu contexto imediato e encaixar todas essas passagens em conjunto para formar um todo coerente”. Tal método é importante, segundo McKirahan, porque, “ao considerar os pontos de Aristóteles isoladamente, sem levar em conta seu lugar na teoria geral, corre-se o risco de distorcer as intenções do autor” (1992, p. 3). Ainda sobre esse aspecto exegético e metodológico, McKirahan (1992, p. 5) conclui: O nível geral e abstrato do discurso nos Segundos Analíticos torna extremamente difícil compreender o que é uma ciência demonstrativa e, em particular, como procedem as demonstrações (...). Embora os Segundos Analíticos tenham deficiências, acredito que é possível e vale a pena remontá-lo, com a ajuda de fontes externas (...). O resultado pode ser mais precisamente chamado de uma teoria aristotélica do que uma teoria de Aristóteles. (...) Em alguns lugares, também parece apropriado apontar melhorias possíveis dentro da estrutura geral da teoria. Essa prática nos afasta ainda mais dos Segundos Analíticos, mas pode ajudar a revelar o potencial filosófico do insight de Aristóteles. Como consequência inevitável dessas dificuldades exegéticas, uma estratégia que adoto aqui – seguindo McKirahan – é buscar referências e pistas espalhadas por diversas outras obras de Aristóteles, às quais de algum modo possam ser úteis para lançar alguma luz sobre problemas e passagens obscuras dos Segundos Analíticos. O leitor encontrará também, em várias partes deste trabalho, tentativas de explicitar conceitos, teses e relações na teoria 23 aristotélica que o próprio Aristóteles não explicitou claramente. Com base no que Aristóteles disse, pretendo explicitar em alguns momentos o que ele não disse mas poderia – ou mesmo deveria – ter dito. Ainda como consequência dessas dificuldades exegéticas, não há consenso acerca do que precisamente Aristóteles entende por “demonstração científica”. Abstraindo nuances, distinções mais específicas e até mesmo rivalidades internas entre elas, é possível classificar as diferentes linhas de interpretação em dois grandes grupos: (1) os que interpretam a teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma dedutivo axiomatizado e (2) os que a interpretam segundo um paradigma explicativo causal. O que entendo por esses termos e o que defende cada uma dessas linhas interpretativas ficará claro nos capítulos que seguem. Por ora, sobre esses dois paradigmas, adianto que vou comparar ambos, criticar o primeiro e defender o segundo, mostrando que o segundo paradigma resolve de maneira plenamente satisfatória as principais dificuldades, problemas em aberto e consequências aporéticas suscitadas pelo primeiro. 24 2. PARADIGMA DEDUTIVO AXIOMATIZADO O primeiro paradigma que vamos considerar gozou historicamente de ampla aceitação e pode até mesmo ser considerado ainda hoje a interpretação padrão. Alguns intérpretes “compreenderam a teoria aristotélica da demonstração como propondo um modelo probatório semelhante a sistemas dedutivos axiomáticos, tal como encontramos na matemática antiga” (ZUPPOLINI, 2014, p. 163). Essa linha interpretativa entende que a demonstração científica proposta por Aristóteles nos Segundos Analíticos lida com conhecimento proposicional e possui uma preocupação primariamente epistemológica – no sentido moderno do termo – e racionalista de justificar o conhecimento, isto é, de garantir contra toda dúvida ou objeções céticas que determinada proposição que se supõe conhecer é de fato verdadeira (ANGIONI, 2014, pp. 71-72). Caracteriza-se, assim, por ser um método formal, dedutivo e axiomatizado que tem por finalidade última descobrir, transmitir, certificar, provar, fundamentar ou justificar proposições, no âmbito de uma ciência, cujo valor de verdade é a princípio desconhecido, incerto ou problemático. Entendo por uma teoria, método ou sistema dedutivo axiomatizado aquele que, partindo de axiomas e assumindo certas regras de inferência, deduz teoremas por vias 25 meramente formais, tal como ocorre na lógica e em toda teoria formal. O que chamo de “axioma” neste trabalho corresponde ao que esse termo significa na lógica contemporânea, ou seja, uma proposição evidente que dispensa provas e é assumida como pressuposto. É importante não confundir esse sentido moderno de “axioma” com aquilo que Aristóteles define como “axioma” em Segundos Analíticos I.2 e I.11. No contexto dessas passagens, tanto os “axiomas” quanto as “definições”, “postulados” e “hipóteses” funcionam como princípios que seriam chamados na lógica contemporânea de “axiomas”.6 2.1. Revisão bibliográfica Podemos dizer que as diferentes linhas interpretativas dentro desse grupo – que acerca de alguns pontos possuem rivalidades bastante sérias entre si e geraram calorosos debates na academia7 – derivam todas de um único tronco. Em sua origem, tomando por base algumas passagens e capítulos isolados dos Segundos Analíticos, essas interpretações têm em comum “o pressuposto de que o traço específico da demonstração científica se deixa captar por alguma característica de natureza formal” (ANGIONI, 2014, p. 68). Zuppolini (2014, p. 166) é mais enfático, ao afirmar que esses intérpretes acusam Aristóteles “de ter imposto à demonstração científica uma série de requisitos formais que acabaram por arruinar este projeto”. De fato, no livro I dos Segundos Analíticos, “Aristóteles apresenta um modelo formal para a ciência demonstrativa” (RIBEIRO, 2014, p. 121), ao mesmo tempo em que “adotar a axiomatização como o método de uma ciência envolve reconhecer que este é um critério formal” (LESZL, 1981, p. 276); o que, num primeiro contato com o texto, pode parecer uma estratégia interpretativa conveniente. Mas qual seria, então, essa tal “característica de natureza formal” que a demonstração possui e de onde esses intérpretes tiram suas conclusões? Alguns desses intérpretes, diz Angioni (2014, p. 63): Sugerem ou defendem explicitamente que os traços mais importantes da demonstração seriam totalmente derivados das propriedades formais (...) da silogística. (...) Hintikka (1972) e Corcoran (2009) julgam que a teoria da demonstração científica nos Segundos 6 7 Ver Tópicos I.1, 100b 18-22. Cf. Angioni, 2014, pp. 62 ss. 26 Analíticos seria fundamentalmente determinada pelas características formais que a silogística possui enquanto instrumento lógico. Por ‘características de natureza formal’, entende-se as características que se atribuem à demonstração em virtude de suas propriedades meramente lógicas, que independem do conteúdo dos termos. É claro que essa base silogística da demonstração científica tem o seu fundamento. Em Segundos Analíticos I.2 (71b 16-19), logo após afirmar que o modo padrão de “conhecer cientificamente” (epistasthai) é conhecer através de “demonstração” (apodeixis), Aristóteles define “demonstração” simplesmente como um “silogismo científico” (syllogismon epistemonikon), de modo que a demonstração nada mais é do que um tipo específico de silogismo – a saber, o tipo científico (ou demonstrativo). O próprio Aristóteles, ao explicar por que precisamos nos ocupar do estudo do silogismo (objeto dos Primeiros Analíticos) antes do estudo da demonstração (objeto dos Segundos Analíticos), justifica essa escolha metodológica pelo fato do silogismo ser mais geral que a demonstração. Para ele, “a demonstração é um tipo de silogismo, mas nem todo silogismo é uma demonstração” (Primeiros Analíticos I.4, 25b 30-31). Fato é que “o silogismo demonstrativo é o instrumento por excelência da exposição do conhecimento científico” (ANGIONI, 2002, p. 6). Emerge aqui a questão de saber para que serve esse tipo específico de silogismo e quais são as características que o distinguem do silogismo em geral. Vejamos o que tem sido dito a esse respeito. 2.1.1. Finalidade última da demonstração científica Sendo o silogismo uma ferramenta argumentativa e dedutiva – como fica claro na definição fornecida pelos Primeiros Analíticos I.1 (24b 19-23) 8 –, sua escolha como o instrumento por excelência da demonstração científica levou muitos intérpretes – como ressaltou Angioni (2014, p. 61) – “a inferir que, na concepção aristotélica, demonstrar uma Também em Tópicos I.1 (100a 25 ss.) e Refutações Sofísticas 1 (164a 24 ss.). Muitos discutem se a extensão da noção de syllogismos, na definição de Primeiros Analíticos I.1, recobre todo e qualquer argumento dedutivo ou apenas os tradicionais silogismos, argumentos formados por três termos e três proposições (Ribeiro, 2014, p. 123; cf. Striker, 2009, pp. 78-79). Barnes (1981, pp. 22-23) afirma que o termo é melhor traduzido por dedução, de tal modo que cubra uma noção mais ampla de argumento, que não se restrinja apenas aos silogismos propriamente ditos (Ribeiro, 2014, p. 132; cf. Smith, 1989, pp. xv-xvi). Aqui, porém, trataremos apenas do silogismo em sentido estrito. 8 27 dada proposição é estabelecer seu valor de verdade e argumentar em favor desse valor de verdade a partir de credenciais mais básicas, fornecidas pelas premissas”. Tal inferência apressada levou muitos a conceberem a demonstração científica em Aristóteles como um argumento dedutivo9 cuja finalidade seria satisfatoriamente expressa por pelo menos uma das seguintes realizações: (1) descobrir novas verdades, ampliando assim o nosso repertório de proposições conhecidas; (2) verificar ou certificar o valor de verdade de proposições inicialmente incertas ou problemáticas; (3) fundamentar e prover uma justificação epistêmica para o conhecimento; (4) ensinar e transmitir o conhecimento de maneira didaticamente organizada. As duas primeiras finalidades têm sido propostas principalmente por Corcoran (1989, pp. 17-19; 2009, pp. 3-5), para quem a demonstração “possibilita a obtenção de novos conhecimentos por meio do conhecimento adquirido anteriormente” e “reduz um problema a ser resolvido a problemas já resolvidos”, uma vez que “prova uma conclusão não previamente conhecida como verdadeira”. Começando com premissas conhecidas como verdadeiras e uma conclusão não conhecida como verdadeira, diz ele, “o conhecedor demonstra a conclusão deduzindo-a das premissas – adquirindo assim conhecimento da conclusão” (2009, p. 1). A terceira finalidade, a saber, a ideia de que a demonstração científica tem por objetivo fundamentar e prover, por vias dedutivas, uma justificação epistêmica do conhecimento, é igualmente atraente e persistente. Ela pressupõe a clássica definição tripartite do conhecimento – que remonta ao Teeteto de Platão e segundo a qual o conhecimento é definido como uma crença verdadeira e justificada –, dando ênfase ao critério de justificação. Reale (2012, p. 152), por exemplo, numa tentativa de definir a analítica aristotélica – objeto dos Primeiros e Segundos Analíticos –, diz que ela “explica o método pelo qual, Aristóteles afirma claramente que nós aprendemos “ou por indução ou por demonstração” (Segundos Analíticos I.18, 81a 40), não havendo terceira via. Nada mais natural, portanto, do que interpretar “demonstração”, nesse contexto, como o contrário da indução, ou seja, simplesmente como sinônimo de “dedução”. De fato, muitos intérpretes foram enganados pelo paralelismo entre demonstração e indução (Burnyeat, 1981, p. 118). No entanto, em Primeiros Analíticos II.23 (68b 9-15, 30-37), bem como em Segundos Analíticos I.1 (71a 1-11), Aristóteles coloca essa oposição em termos de “indução” e “silogismo” (em vez de “demonstração”), como parece mais acertado. 9 28 partindo de determinada conclusão, podemos decompô-la nos elementos dos quais ela deriva, isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível fundamentá-la e justificá-la”. Opinião semelhante é encontrada em Ferejohn (1994, p. 83), quando ele afirma que “a condição imediata nas premissas demonstrativas últimas é, de fato, como afirma Barnes, a especificação silogística de um requisito de primazia dedutiva mais geral que Aristóteles supõe aplicar-se a qualquer esquema fundacionalista adequado de justificação dedutiva”. Em outro lugar, Ferejohn (1991, pp. 16-17) diz que, nos Segundos Analíticos, Aristóteles está identificando “a mais alta forma de conhecimento”, a qual, segundo ele, seria baseada no que o próprio Ferejohn chama de “justificação fundamentada”. Em suma, conclui, “essa aspiração muito central da teoria de Aristóteles sobre a mais alta forma de conhecimento é que a justificação do conhecimento básico deve ser fundamental no sentido de que ela deve repousar sobre primeiros princípios preexistentes”. Note que, nesses autores, parece ser bastante natural e até mesmo trivial falar em termos de fundamentação e justificação epistêmica como finalidade última das demonstrações. Alguns, no entanto, concebem a demonstração científica como sendo um “argumento didático” (BARNES, 1981, p. 19), cuja finalidade, em vez de descobrir novas verdades, estabelecer o valor de verdade de proposições problemáticas ou fundamentar e justificar o conhecimento, seria meramente ensinar e transmitir o conhecimento científico de maneira didaticamente organizada10. Em 1981, Burnyeat (pp. 115-116) já advertia que essa visão estava se tornando “uma nova ortodoxia”. Barnes (1969, p. 77), que sabidamente muda de ideia em vários momentos de sua vida, defendeu que “a teoria da ciência demonstrativa nunca foi destinada a orientar ou formalizar a pesquisa”. Segundo ele, “trata-se exclusivamente do ensino de fatos já obtidos; não descreve como os cientistas adquirem conhecimento: ela oferece um modelo formal de como apresentar e transmitir conhecimento”. Mais de uma década depois, ele manteve essa opinião, afirmando que a teoria da demonstração “foi concebida primariamente como um método para a apresentação e transmissão de verdades científicas” e que “demonstrações são argumentos didáticos”, chamando a atenção para o fato de que a finalidade de muitos dos De fato, o segundo capítulo das Refutações Sofísticas (165b 1-13) parece identificar argumentos demonstrativos com argumentos didáticos. 10 29 tratados de Aristóteles seria “sistematizar e transmitir as verdades da ciência” (1981, p. 19). Poucos anos depois, Barnes (1993, p. xii) expõe esse ponto de vista de maneira ainda mais completa: O livro I não contém uma teoria da metodologia científica. Aristóteles não pretende oferecer orientação ao cientista sobre a melhor maneira de prosseguir com suas pesquisas ou descobrir novas verdades; e é claro que também não tentou realizar suas próprias pesquisas científicas de acordo com os cânones dos Analíticos. O livro I não é uma metodologia para pesquisa (...). Pelo contrário, preocupa-se com a organização e apresentação dos resultados da pesquisa: seu objetivo é dizer como podemos reunir em um todo inteligível as várias descobertas do cientista (...). Em suma, o objetivo principal da demonstração é expor e tornar inteligível o que já foi descoberto, não descobrir o que ainda é desconhecido. Burnyeat (1981, p. 118) discorda que a preocupação dos Segundos Analíticos seja exclusivamente pedagógica. Nesse sentido, ele até admite que Aristóteles possa estar movido por um “interesse educacional”, mas, segundo ele, “deve-se pensar nisso não em termos de um professor transmitindo novos conhecimentos a mentes virgens, mas em termos de um curso universitário avançado em matemática ou biologia”. E completa: “O cientista pretende mostrar e compartilhar sua compreensão de princípios do campo – um empreendimento que pressupõe uma boa dose de conhecimento pré-existente por parte de sua audiência” (1981, p. 118). 2.1.2. Características distintivas da demonstração científica Seja como um método para descobrir novas verdades, estabelecer o valor de verdade de proposições problemáticas, fundamentar e justificar o conhecimento, ou simplesmente ensinar e transmitir o conhecimento científico, a grande maioria desses autores tem em comum a tendência de identificar a demonstração científica como sendo meramente uma dedução válida com tais e tais características. A maioria deles parece concordar, pelo menos, que a demonstração não é uma dedução válida sem mais, de modo que a cláusula “com tais e tais características” se faz necessária. Em outras palavras, eles concordam que nem toda 30 dedução válida na forma de um silogismo pode receber o título de demonstração científica, mas apenas aquelas que atendem a certos requisitos11. Mas em que aspecto, precisamente, um silogismo científico ou demonstração se distingue de um silogismo que não produz conhecimento científico? As opiniões a respeito de quais são as características que diferenciam esse tipo especial de silogismo de um silogismo em geral são bastante variadas. Koslicki (2012, p. 197) põe essa questão do seguinte modo: Um argumento demonstrativo, na opinião de Aristóteles, deve ser pelo menos dedutivamente válido; isto é, uma demonstração é pelo menos uma dedução. Mas nem todos os argumentos dedutivamente válidos também coincidem com demonstrações. A questão de quais condições devem ser preenchidas por um argumento para que seja dedutivamente válida pertence à lógica; mas a questão de quais critérios adicionais devem ser satisfeitos por um argumento dedutivamente válido para que ele constitua uma demonstração é uma questão que é relevante para a ciência e para a filosofia da ciência. O pano de fundo de Koslicki e outros que vão na mesma linha, quando fazem esse tipo de distinção entre lógica e ciência em Aristóteles, é claramente a diferença entre os dois Analíticos. Sabendo que os Primeiros Analíticos teorizam acerca do silogismo em geral e que os Segundos Analíticos teorizam acerca do silogismo científico – ou seja, da demonstração –, a questão é saber, com base nos Segundos Analíticos, o que um silogismo precisa para ser considerado científico, ou seja, para ser uma demonstração. Zingano (2005, p. 87) coloca essa distinção em termos de “argumento válido” para referir-se a qualquer silogismo em geral, e “argumento cientificamente válido” para referir-se à demonstração científica propriamente dita. Qual é, pois, a característica específica da demonstração que a torna diferente de todos os demais tipos de silogismo? Como todos concordam que o silogismo em geral é pelo menos um argumento formalmente válido, os intérpretes têm proposto como característica distintiva do silogismo científico (1) a verdade das proposições, (2) a necessidade modal das proposições e (3) o uso de axiomas, que fundamentariam em última instância todos os postulados de uma ciência. 11 Cf. Ribeiro, 2014, pp. 121-122. 31 2.1.2.1. Verdade das proposições Para uns poucos intérpretes, a mera verdade das proposições é o fator determinante que diferencia um silogismo não científico de uma demonstração. A demonstração seria, portanto, apenas um silogismo constituído de proposições verdadeiras e que preserva o valor de verdade das premissas para a conclusão. Embora reconheça outros critérios, Zingano (2005, p. 89) está entre os que colocam a verdade das premissas como um dos requisitos que distingue a demonstração do silogismo em geral. Um argumento científico, segundo ele, “segue a estrutura inferencial válida, mas tem também premissas verdadeiras”. Reale (2012, p. 153, 164) é muito mais enfático. Escrevendo sobre a diferença fundamental entre os dois Analíticos, diz o seguinte: Os primeiros tratam da estrutura do silogismo em geral, de suas diversas figuras e de seus diferentes modos, considerando-o de maneira formal, ou seja, prescindindo do seu valor de verdade e examinando apenas a coerência formal do raciocínio. (...) Nos Segundos Analíticos, ao contrário, Aristóteles trata do silogismo que, além de formalmente correto, é também verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, que constitui a demonstração propriamente dita. (...) O silogismo científico ou demonstrativo se diferencia do silogismo em geral porque pressupõe, além da correção formal da inferência, também o valor de verdade das premissas. Mignucci (1965, p. 110) também concorda com essa interpretação: O procedimento silogístico próprio da ciência se chama demonstração. Trata-se de um tipo particular de silogismo que se diferencia não pela forma, do contrário não poderia ser chamado propriamente silogismo, mas pelo conteúdo das premissas formuladas. Na demonstração, as premissas devem ser sempre verdadeiras, enquanto isso não parecia se verificar necessariamente no silogismo como tal, pois, nesse caso, só interessa determinar se um dado consequente deriva ou não das premissas formuladas pelo simples fato de terem sido formuladas, independentemente do valor de verdade que possam ter. Na demonstração, ao contrário, sendo ela o procedimento que leva à ciência do consequente, isto é, que leva a verificar se o consequente é verdadeiramente tal ou não, cabe postular um antecedente verdadeiro, dado que somente do verdadeiro deriva necessariamente o verdadeiro. Corcoran (2009) e Smith (2009, p. 53) julgam que a mera preservação do valor de verdade na passagem das premissas para a conclusão – precisamente o que caracteriza o silogismo enquanto uma dedução correta – seria o fator decisivo para compreender a noção 32 de demonstração científica (ANGIONI, 2014, p. 64). De acordo com Corcoran (2009, p. 1), o assunto dos Segundos Analíticos é a demonstração “em oposição à persuasão”. Essa interpretação pressupõe a distinção entre conhecimento (crenças que se sabem verdadeiras) e opinião (crenças que não são rigorosamente conhecidas)12. Para ele, enquanto a persuasão produz meramente opinião, a demonstração produz conhecimento “da verdade das proposições”. Para Corcoran (2009, pp. 1-3), “demonstrar é deduzir a partir de premissas conhecidas como verdadeiras”, de modo que “toda demonstração produz ou confirma o conhecimento da verdade de sua conclusão”. Uma demonstração, diz ele, “começa com premissas que são conhecidas como verdadeiras e mostra, por meio do encadeamento de passos evidentes, que sua conclusão é uma consequência lógica de suas premissas”. Assim, conclui, “uma demonstração é uma dedução cujas premissas são conhecidas como verdadeiras” (2009, p. 1). Note que a posição de Zingano, Reale e Mignucci é mais moderada. Embora incompleta, sua concepção do que seja uma demonstração científica em contraste com um silogismo em geral não está de todo equivocada. Para esses autores, o silogismo possui critérios de validade que são formais e que, portanto, independem do conteúdo das proposições. Já a demonstração científica, por sua vez, exige pelo menos que as proposições sejam verdadeiras – e esse “pelo menos” faz toda diferença. Ora, de fato, a verdade das proposições é um critério relevante para a demonstração científica – isso é trivial. No entanto, é incorreto adotar a posição mais radical de Corcoran, para quem a verdade das premissas é o fator determinante, central, decisivo e mesmo suficiente para a demonstração da conclusão. Adotando a verdade das premissas como critério suficiente, Corcoran concebe a demonstração científica simplesmente como uma mera dedução correta – isto é, uma dedução com forma válida e conteúdo verdadeiro. É óbvio e consensual que a demonstração deve operar com proposições verdadeiras, mas afirmar que este é o critério mais relevante ou a principal característica distintiva do De fato, em Segundos Analíticos I.33, Aristóteles estabelece um contraste entre conhecimento científico (episteme) e opinião (doxa), mas esse contraste deve ser entendido em termos de relevância explanatória, como argumenta Angioni (2013). 12 33 silogismo científico é uma tese bastante fraca e insustentável, e que felizmente vem perdendo espaço. 2.1.2.2. Necessidade das proposições Outros intérpretes acreditam que, quando Aristóteles menciona o requisito da necessidade13, ele tem em mente uma noção modal de necessidade, a qual seria aplicada às proposições em si mesmas, enquanto relações predicativas necessárias, independente de qualquer contexto explanatório ou argumentativo. Concebem assim a demonstração como sendo meramente uma espécie de silogística modal. Nesse sentido, entendem que, para um silogismo ser uma demonstração, não basta que suas proposições sejam verdadeiras: elas também precisam ser necessárias14. Essa interpretação foi tão influente na história da filosofia que até mesmo Kant usa o termo “apodíticas” (do grego apodeixis, “demonstração”) para se referir a proposições necessariamente verdadeiras ou às deduções que envolvem preservação da necessidade modal das premissas para a conclusão. Popper, por sua vez, se refere à episteme (conhecimento científico) quase sempre em oposição à doxa (opinião), como um saber que é certo, estável e fundamentado, dotado de garantias incontroversas de validade (ABBAGNANO, p. 391). Interpretando equivocadamente a exigência de necessidade que Aristóteles faz acerca da demonstração, esses intérpretes entenderam que, para Aristóteles, se uma proposição é necessária e foi inferida de um conjunto de premissas igualmente necessárias, então essa proposição está demonstrada. Barnes (1993, p. 126) é quem mais eloquentemente atribui essa tese a Aristóteles, embora ele mesmo esteja desconfortável com ela, por a considerar – corretamente a meu ver – uma tese falsa, problemática e até mesmo absurda.15 Ross (1949, p. 526) diz que, “como a demonstração é de proposições necessárias, suas premissas devem ser necessárias”, e, em seguida, afirma que “podemos raciocinar a Cf. Segundos Analíticos I.6. Sobre isso, ver Burnyeat, 1981, pp. 110-112. 15 Sobre isso, ver Angioni, 2014c; 2019. 13 14 34 partir de premissas verdadeiras sem demonstrar, mas não de premissas necessárias, sendo a necessidade a característica da demonstração”. O próprio Mignucci (2007, p. 171) afirma, muitos anos depois, que a necessidade das premissas de uma dedução é condição necessária, embora não suficiente, da demonstração: “O argumento está longe de ser claro. Parece se desenvolver a partir da suposição de que, se uma demonstração de p é dada, então p deve ser necessária”. Byrne (1997, p. 94), por sua vez, afirma que, “de acordo com Aristóteles, o verdadeiro significado da própria episteme exige que, quando o conhecimento científico é tido por meio de uma demonstração, as premissas devem ser necessárias”. Reeve (2000, p. 18) vai além e afirma que a demonstração nada mais é do que a mera preservação da necessidade das premissas para a conclusão; e conclui daí que, “como todos esses primeiros princípios são necessários, e a demonstração é a preservação da necessidade, os teoremas científicos também são necessários”. Byrne (1997, p. 204) diz ainda: Talvez nenhum critério da ciência tenha reinado tão firmemente ou por tanto tempo quanto o da necessidade. Ao adotar a posição de que episteme, no sentido não qualificado (haplos), significa não apenas saber que é verdade, mas também saber que o fato “não poderia ser diferente do que é”, Aristóteles articula uma orientação fundamental que caracterizou a ciência ocidental por mais de dois milênios. Apesar da veemência de suas críticas aos contextos aristotélico-escolásticos, Galileu, Descartes, Newton, Hobbes, Bacon e Kant todos permaneceram aristotélicos em sua adesão à “necessidade” como principal critério que distinguia a ciência de formas “menores” de conhecimento. Embora todos esses autores atribuam tal tese a Aristóteles, Angioni (2014, p. 69) sugere que nenhum deles se arriscaria a sustentá-la por si mesmos, dada a sua flagrante inconsistência: Ninguém defenderia como boa tese filosófica a proposta de que qualquer silogismo correto com sentenças necessariamente verdadeiras seria uma demonstração, dotada de eficácia explanatória, pelo mero fato de instanciar um modo silogístico válido constituído por sentenças necessariamente verdadeiras. No entanto, são muitos os intérpretes que se veem constrangidos a atribuir a Aristóteles essa péssima tese filosófica (cf. Ross, 1949, p. 526; Reeve, 2000, p. 18; Barnes, 1993, p. 126). 35 De todo modo, deve estar claro, a partir do que já vimos até aqui, que essa exigência de necessidade modal aplicada às proposições – erroneamente atribuída a Aristóteles16 – conduz a uma axiomatização do conhecimento, como veremos a seguir. 2.1.2.3. Axiomatização Dada essa exigência – a rigor não encontrada em Aristóteles, como defendo no próximo capítulo – de que a demonstração se dá apenas com proposições necessárias derivando de premissas igualmente necessárias, muitos desses autores argumentam que a demonstração científica se assemelha, em certa medida, ao que podemos chamar de uma teoria formal axiomatizada, cujo principal exemplo na história da ciência, talvez, seja a geometria euclidiana. Para Barnes (1993, p. xii), um dos principais expoentes desse grupo, a tese essencial do primeiro livro dos Segundos Analíticos é simples e atraente: “as ciências são adequadamente expostas em sistemas axiomatizados formais”: O que Euclides mais tarde fez, hesitante, com a geometria, Aristóteles queria que fosse feito para cada ramo do conhecimento humano. As ciências devem ser axiomatizadas: isto é, o corpo de verdades que cada uma define deve ser exibido em uma sequência de teoremas inferidos de alguns postulados ou axiomas básicos. E a axiomatização deve ser formalizada: isto é, suas sentenças devem ser formuladas dentro de uma linguagem bem definida, e seus argumentos devem proceder de acordo com um conjunto de regras lógicas especificadas de forma precisa e explícita. A noção de axiomatização formal tem mais que valor histórico: o nascimento e desenvolvimento dessa noção são narrados nos Segundos Analíticos; e se as especulações de Aristóteles são bizarras e antiquadas, muitas permanecem pertinentes a qualquer compreensão da natureza de uma ciência axiomática. (BARNES, 1993, pp. xii-xiii) Ferejohn (1991, p. 17) concorda com essa interpretação. Para ele, uma ciência aristotélica é representada como uma espécie de “sistema axiomático proto-euclidiano que parte de um conjunto relativamente pequeno de ‘pontos de partida’ ou ‘suposições’, e então segue por via puramente dedutiva cadeias de inferência para provar todos os explananda pertinentes a essa ciência”. Note que, pressupondo a demonstração como um sistema 16 Como ficará claro na seção 3.4., pp. 69 ss. 36 dedutivo axiomatizado, é natural que se pense em termos de “cadeias” argumentativas envolvendo séries de silogismos. Lloyd (1981, pp. 157-158), por exemplo, sugere que “se [uma proposição] p é provada de q, ela não está demonstrada a menos que q seja demonstrada (...) e assim ad infinitum”. Corcoran (2009, pp. 1-2), no mesmo sentido, afirma o seguinte: Muitas vezes acontece que uma pessoa “redemonstrará” uma proposição depois de já a ter demonstrado – talvez usando menos premissas ou uma cadeia de raciocínio mais simples. A nova argumentação tem uma conclusão já conhecida como verdadeira; então o conhecimento da verdade da conclusão não é produzido. Nesse caso, a nova argumentação ainda é uma demonstração. Em um caso degenerado ainda mais extremo de demonstrações repetitivas, a conclusão, na verdade, é uma das premissas. Porque as premissas já são conhecidas como verdadeiras, assim como a conclusão. Aqui a demonstração não produz nem reconfirma o conhecimento da verdade da conclusão. Claro, essas demonstrações degeneradas são inúteis. Leszl (1981, p. 286) complementa essa descrição dizendo que outra exigência da axiomatização é que “as premissas estabelecidas sejam condições suficientes dos vários teoremas comprovados, ou seja, que a única justificativa para tudo o que é deduzido é que se segue logicamente das premissas básicas”. Para ele, não há necessidade de recorrer a fatores externos que sirvam de evidência para tais deduções. Höffe (2008, p. 73) resume essa interpretação padrão da teoria da ciência aristotélica dizendo que ela possui basicamente três partes. Nesse sentido, uma ciência aristotélica deve, em primeiro lugar, “poder comprimir o seu conteúdo em poucas e não mais dedutíveis proposições fundamentais”, isto é, em “axiomas”; além disso deve, graças aos axiomas e a outros princípios, possibilitar uma assim chamada “fundamentação última”; e, finalmente, deve se dirigir a “essências ontológicas”. Ele destaca, assim, as três principais características do ideal de uma ciência aristotélica, a saber: a Axiomática, o Fundamentalismo e o Essencialismo; ou, resumidamente, o que ele chama de “ideal AFE”. E prossegue: “Manifestamente, tal ideal gera fascinação; ainda assim, ele antecipa o racionalismo moderno, os sistemas more geometrico de autores como Descartes, Hobbes e Spinoza” (2008, p. 73). Em muitos desses intérpretes, porém, não está claro o que precisamente significaria essa tal “axiomatização” supostamente presente em Aristóteles. Desconfio, com Angioni 37 (2014, p. 65), que se trata, na maior parte dos casos, de mero deslumbramento com o suposto poder mágico da palavra “axioma”. Nenhum dos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado fornece um exemplo sequer de como seria uma demonstração desse tipo, o que torna essa posição uma linha interpretativa “inconvenientemente vaga” (ANGIONI, 2014, p. 67). 2.2. Discussão crítica A interpretação padrão da teoria da demonstração científica em Aristóteles – aqui chamada de paradigma dedutivo axiomatizado – invariavelmente conduz a pelo menos duas grandes dificuldades, as quais só poderão ser resolvidas adotando-se outra linha interpretativa, oposta à que temos visto até aqui, e que será assunto do próximo capítulo. Resumidamente, essas dificuldades são: (1) a teoria aristotélica da demonstração científica não seria aplicável às ciências naturais, por causa da contingência de suas proposições, limitando-se às ciências formais como a lógica e as matemáticas; (2) Aristóteles teria cometido um grave erro ao escolher o silogismo como ferramenta da demonstração, haja vista que a silogística claramente possui severas limitações como método dedutivo. Vejamos como cada uma dessas consequências se impõe. 2.2.1. As ciências naturais e o problema da contingência De acordo com McKirahan (1992, p. 5), quando procuramos na história da ciência um bom exemplo ou modelo da ciência demonstrativa proposta por Aristóteles, os Elementos de Euclides oferecem uma grande ajuda: “Com qualificações apropriadas, os princípios dos Elementos correspondem aos princípios que Aristóteles reconhece para as ciências e as provas euclidianas às demonstrações aristotélicas”, diz ele, ao explicar que, possivelmente, Euclides teria sido influenciado pelos Segundos Analíticos. Leszl (1981, p. 328) concorda que a teoria da ciência aristotélica “deve ser considerada como uma importante contribuição para a construção da matemática axiomatizada presente nos Elementos de Euclides”. O próprio Leszl (1981, p. 271) afirma ainda a esse respeito: 38 A exegese dos Segundos Analíticos tem sido dominada pela convicção de que a matemática é considerada um paradigma para qualquer ciência bem organizada (...). Afirma-se agora que a matemática é concebida como uma ciência axiomatizada – essencialmente a matemática como exposta por Euclides em seus Elementos – que estabeleceu para Aristóteles o padrão válido para qualquer outra ciência. (...) Embora, é claro, ele não estivesse familiarizado diretamente com o próprio trabalho de Euclides, certamente estava familiarizado com algum tratado préeuclidiano sobre os “elementos” matemáticos baseados fundamentalmente nos mesmos princípios e cujo sucesso em tornar a matemática sistemática o impressionou, e inspirou sua elaboração de uma teoria da ciência destinada a estender a axiomatização a qualquer ciência digna desse nome. Haja vista essa descrição da demonstração como uma dedução correta cujas conclusões derivam de axiomas, definições e postulados básicos sem recorrer a dados externos ao sistema, a exemplo da geometria euclidiana, esses intérpretes tendem a superestimar as matemáticas como sendo, se não as únicas ciências verdadeiramente demonstrativas, pelo menos o modelo padrão ao qual devem se espelhar e galgar como ideal todas as demais ciências17. Afinal, “desde Hilbert, a lógica e a matemática servem-se do chamado método axiomático, o qual outras ciências formais assumirão” (HÖFFE, 2008, p. 81). Sobre esse ponto, diz Barnes (1981, p. 18): A geometria era a única ciência antiga a se aproximar do ideal demonstrativo de Aristóteles. É discutível até que ponto a geometria axiomática tinha avançado quando Aristóteles escreveu os Analíticos, e é incerto até que ponto os geômetras posteriores foram influenciados por Aristóteles; mas a prática matemática foi, sem dúvida, um dos estímulos que provocaram a teoria da prova de Aristóteles; e Aristóteles certamente imaginou que essa teoria, uma vez desenvolvida, seria proveitosamente aplicada às ciências matemáticas. McKirahan (1992, p. 19) concorda com Barnes a esse respeito: “Aristóteles ficou impressionado com os rápidos avanços da matemática e atribuiu seu sucesso, pelo menos em parte, ao seu arranjo”. Segundo ele, Aristóteles acreditava que alguns ramos do conhecimento poderiam ser matematizados ou porque “obedeciam a leis matematicamente expressas” ou porque “eram passíveis de raciocínio e organização matemáticos”. Aristóteles teria concluído, então, que essa organização era “a chave para o sucesso” e que “qualquer ciência organizada como a geometria poderia progredir rapidamente”. Ainda segundo Sobre a relação entre os Segundos Analíticos e a matemática antiga, ver MCKIRAHAN, 1992, p. 133 ss. Sobre a relação da demonstração aristotélica com os Elementos de Euclides, ver MCKIRAHAN, 1992, p. 144 ss. 17 39 McKirahan (1992, p. 19), os Segundos Analíticos vão além, “definindo uma ciência como um assunto organizado ao estilo da matemática”. Pelo menos mais do que Barnes, porém, McKirahan (1992, p. 19) parece estar ciente de certas dificuldades que essa interpretação traz à tona, especialmente pelo fato dela não poder ser aplicada às chamadas ciências naturais. Ao dar este passo, diz ele, “Aristóteles necessariamente adapta e generaliza, uma vez que a geometria e outros ramos da matemática apresentam características que não se aplicam diretamente à ciência natural”. Nesse ponto, ele parece ficar embaraçado, precisamente por ser forçado a admitir que o objetivo de Aristóteles era, claramente, “uma teoria totalmente geral que pudesse aplicar-se a ramos do conhecimento tanto matemáticos abstratos quanto naturais concretos”. Diante de tal dificuldade, o entusiasmo com a matemática assume diferentes formas e vai de um a outro extremo. Höffe (2008, p. 73), por um lado, afirma que “do ponto de vista da práxis da ciência, pode-se polemizar que pode ser axiomática em sentido estrito apenas uma ciência cujos axiomas não suscitam nenhuma reivindicação de verdade, ou seja, a matemática”. Leszl (1981, p. 288), por outro lado, chega a sugerir que “os requisitos para a ciência em sentido estrito, como estabelecido nos Segundos Analíticos, não são imediatamente aplicáveis à matemática”. Leszl (1981, pp. 273-274) ainda chama a atenção para uma informação extremamente relevante, mas que costuma passar despercebida: Existem outros intérpretes, com diferentes interesses, que poderiam reclamar que muita ênfase na axiomatização faz com que se negligencie alguns outros aspectos igualmente importantes da teorização aristotélica, especialmente aqueles encontrados no livro II, que estão muito mais preocupados com a biologia e com a física do que com a matemática e que envolvem mesmo tomar a primeira como o paradigma da ciência (embora não exclusivamente). Porchat (2001, pp. 70-71) levanta objeções no mesmo sentido: Vimos, há pouco, terem sido as matemáticas o exemplo privilegiado de ciência já constituída sobre que se exerceu a reflexão aristotélica: estaremos, então, pretendendo que as matemáticas se nos revelam como uma forma de conhecimento que constrói silogisticamente suas inferências e que a análise da demonstração matemática é, para o filósofo, a garantia daquela afirmação? Não se trataria de uma 40 interpretação passível de ser facilmente desmentida por quantos estudos têm procurado mostrar a origem biológica da lógica aristotélica? Com efeito, uma teoria da ciência baseada no paradigma dedutivo axiomatizado não pode ser aplicada às ciências naturais na medida em que se nega a trabalhar com proposições contingentes. De fato, tal requisito estrito excluiria todas as ciências naturais do título de conhecimento científico (ANGIONI, 2009, p. 61). Contra isso, é desconcertante o fato de que é justamente a exemplos das ciências naturais que Aristóteles dedica boa parte dos Segundos Analíticos, especialmente no livro II. Por esse motivo, alguns concluíram, como ressalta Angioni (2002, p. 7), que Aristóteles “não teria conseguido encaixar as ciências naturais nos padrões normativos expostos nos Segundos Analíticos, nem teria alimentado esperanças de que isso seria possível”. Tal procedimento, segundo esses autores, diz Angioni, “marcaria a distância entre os livros I e II dos Segundos Analíticos, a qual corresponderia à distância entre o ideal analítico de ciência e as investigações no campo das ciências naturais” (2002, p. 7). Leszl (1981, p. 274) vai mais longe nessa questão: Parece que (...) permanece uma grande lacuna entre a prática científica de Aristóteles e sua teorização, se esta for entendida como envolvendo um programa de axiomatização com aplicação geral; o que falta é a mínima tentativa de mostrar que realmente funciona ou que funcionará sob certas condições. Como essa afirmação de Leszl indica, talvez ainda mais séria do que uma suposta incompatibilidade entre os livros I e II dos Segundos Analíticos seria a incompatibilidade entre os Segundos Analíticos e os tratados de Aristóteles no campo das ciências naturais. Sobre isso, diz Angioni (2002, p. 1): É sabido que o domínio no qual o próprio Aristóteles mais nos legou contribuições especificamente científicas – ou que assim poderíamos chamar, em contraste com contribuições filosóficas – foram as ciências naturais e, mais particularmente, a zoologia. Trata-se de uma questão já clássica saber se o modo pelo qual Aristóteles desenvolve sua ciência dos animais conforma-se aos padrões normativos estipulados pela teoria da ciência nos Segundos Analíticos. Muitos argumentos foram tradicionalmente levantados em favor de uma suposta incompatibilidade entre a teoria da ciência proposta nos Segundos Analíticos e aquilo que 41 Aristóteles de fato faz em seus tratados científicos, notadamente nos tratados biológicos. Argumentos desse tipo foram defendidos por Le Blond (1939) e Mansion (1948, p. 335-6). Criticando essa posição, Angioni (2002, p. 2) elucida com muita clareza um argumento tradicional em favor dessa suposta incompatibilidade: De um lado, a teoria exposta nos Segundos Analíticos exige do objeto científico um comportamento absolutamente regular, que não admite variação. Como Aristóteles repete varias vezes, aquilo que é objeto de conhecimento cientifico é tal que "não pode ser de outro modo", ou seja, é tal que é eterno e necessário (cf. I 4, 73a 21 ss.; I 6, 74b 5 ss.; I 8, 75b 24 ss.). Essa exigência é inclusive ressaltada como traço decisivo que demarca a fronteira entre a ciência e a mera opinião. (ANGIONI, 2002, p. 2) De fato, Aristóteles diz em Segundos Analíticos I.33: “Há algumas coisas que são verdadeiras e que são realmente o caso, mas são passiveis de serem de outro modo. É evidente, então, que, a respeito delas, não há ciência” (88b 32-34). Nas palavras de McKirahan (1992, p. 4): “A ciência lida principalmente com o universal e necessário, não com o particular e contingente. Ela trata os indivíduos não por si próprios, mas enquanto se enquadram em universais, e os fatos (relações) que estuda sempre valem, necessariamente, em todos os casos”. Tal tese parece ser confirmada pela seguinte passagem da Metafísica, na qual Aristóteles argumenta que das essências sensíveis particulares não pode haver nem definição, nem demonstração: Não há nem definição nem demonstração das essências sensíveis particulares, porque elas comportam uma matéria cuja natureza é tal que é suscetível de ser e não ser (...). Ora, tal como não é possível que o conhecimento seja em dado momento conhecimento, mas, em outro momento, ignorância (pois algo de tal tipo é antes opinião), do mesmo modo tampouco é possível [sc. uma tal variação] a respeito da demonstração e da definição, pois daquilo que pode se comportar de um modo diverso há antes opinião [sc. e não ciência]; portanto, é evidente que não pode haver nem definição nem demonstração delas [sc. das essências sensíveis particulares]. (VII.15, 1039b 27 – 1040a 2) Com base nessas passagens, de fato parece seguro atribuir a Aristóteles a doutrina de que é possível haver ciência em sentido estrito apenas de objetos que são imutáveis, isto é, que se comportam sempre do mesmo modo e segundo uma noção modal de necessidade. Mas como as ciências naturais se propõem, obviamente, a conhecer as assim chamadas “essências naturais”, e estas sabidamente são mutáveis, na medida em que admitem variação, parece ser impossível, então, conhecê-las de modo estritamente científico. 42 A esse respeito, Angioni (2002, p. 3) consegue resumir bem a posição de seus interlocutores, contra a qual se posicionará: As essências naturais são constituídas de matéria, e a matéria é tal que “admite ser e não ser” (Metafísica VII.7, 1032a 20-21), princípio da variação contingente e do devir, etc. Assim sendo, parece não haver nenhuma maneira satisfatória de admitir, na doutrina aristotélica, a possibilidade de uma ciência natural, que tomasse tais essências por objeto. Tal como no platonismo, também na filosofia aristotélica o mundo do devir estaria relegado e “rebaixado” ao plano da mera opinião, e o fato de Aristóteles ter se dedicado à investigação biológica não seria suficiente para restituir-lhe um estatuto epistemológico mais nobre. Como solução para esse aparente impasse, muitos têm proposto a hipótese da mudança de opinião, segundo a qual Aristóteles teria proposto a sua teoria da demonstração científica dos Segundos Analíticos quando ainda era jovem e muito influenciado por Platão; e depois, na maturidade, na época do Liceu, após anos de dedicação à observação empírica, simplesmente mudou de ideia e escreveu seus tratados de ciências naturais sem levar em conta o modelo de ciência demonstrativa proposto nos Segundos Analíticos. Convenhamos que essa tentativa de solução, no entanto, parece bastante inverossímil e desastrosa. Angioni (2009, p. 65) elucida bem essa questão: A similaridade entre as passagens 184a 12-14 (Física) e 71b 9-12 (Segundos Analíticos) indica acordo entre ambos os textos no que concerne às condições para que um conhecimento possa ser chamado “científico”. Mas muitos discordariam: a teoria da ciência exposta nos Segundos Analíticos não seria aplicável ao domínio da natureza. De fato, há distância considerável entre tal teoria e os métodos que se encontram nos tratados de ciência natural, como História dos Animais, Partes dos Animais etc. No entanto, embora não se possam ignorar os atritos entre a teoria exposta nos Segundos Analíticos e as investigações empreendidas nos tratados de ciência natural, tampouco se sustenta a crença de que tais atritos seriam a expressão de incompatibilidade radical, oriunda de certo “desenvolvimento intelectual” na carreira de Aristóteles (como alega Jaeger, 1923) ou talvez nem mesmo percebida por Aristóteles (como quer Le Blond, 1939). Há atritos, mas não há desacordo radical entre o modelo de ciência e sua aplicação (ver Mansion, 1948, pp. 210-5; G. Lloyd, 1990, pp. 33-4; e Lennox, 2001, pp. 7-71). Na terceira parte deste trabalho ficará claro que essa aparente incompatibilidade entre a teoria da ciência de Aristóteles nos Segundos Analíticos e seus tratados efetivamente científicos não se sustenta. Assumindo o paradigma dedutivo axiomatizado tal como o expomos até aqui, no entanto, essa aparente incompatibilidade continua sendo um problema em aberto. 43 2.2.2. As limitações da silogística como método dedutivo Muitos acreditam, como Smith (2009, p. 53), que, para Aristóteles, a silogística “não é apenas uma teoria lógica, mas a única teoria lógica possível”. Aristóteles, segundo ele, “acredita que a silogística é a única teoria correta de inferência”. Ribeiro (2014, p. 124) aponta na mesma direção: Durante muito tempo a lógica aristotélica, isto, é, a silogística, foi toda a lógica de que se teve notícia (cf. Patterson, 1995, p. 5). Embora os estoicos tenham desenvolvido um sistema de lógica proposicional, por percalços históricos, esse sistema teria permanecido em segundo plano até meados do século XIX (cf. Smith, 2014). Foi na passagem do século XIX para o século XX, principalmente com os trabalhos de Frege e Russell, que a lógica ganhou os primeiros contornos da aparência que ela tem hoje (cf. Lukasiewicz, 1951, pp. 48-49, 131; Striker, 2009, pp. xiii-xiv; Smith, 2014). Surgia a lógica proposicional simbólica ou a lógica matemática. O fato é que, além dos silogismos, sabe-se que existem inúmeros outros tipos de argumentos e regras de inferência que atendem muito melhor ao propósito de um sistema dedutivo axiomatizado de ciência. Em contrapartida, a silogística, escolhida por Aristóteles como a ferramenta por excelência da demonstração, claramente não atente às exigências nem serve adequadamente a esse fim. Como vimos, a escolha do silogismo como instrumento de demonstração, admite Angioni (2014, p. 61), “nos leva a inferir que, na concepção aristotélica, demonstrar uma dada proposição é estabelecer seu valor de verdade e argumentar em favor desse valor de verdade a partir de credenciais mais básicas, fornecidas pelas premissas”. No entanto, ele continua, “se o silogismo fosse de fato imbuído dessas responsabilidades, parece que a escolha de Aristóteles teria sido bem infeliz, pois o silogismo tem severas limitações como instrumento dedutivo”. E essa não é uma opinião defendida apenas pelos críticos dessa linha interpretativa. Até mesmo para parte significativa dos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, “o silogismo seria uma ferramenta incapaz de captar todos os passos inferenciais importantes em uma ciência” (ANGIONI, 2014, p. 63). Esse paradigma começa a colapsar quando nos damos conta de que a silogística claramente não é aplicável nem mesmo às provas matemáticas. Ora, tenhamos em mente que, como já vimos, esses intérpretes veem nas matemáticas o padrão de formalização e 44 axiomatização que deve ser seguido por todas as demais ciências. No entanto, como argumentou Angioni (2014, p. 63), “dados os limites da estrutura predicativa que constitui suas premissas, o silogismo também seria incapaz de dar expressão adequada a relações importantes nas ciências matemáticas”. O próprio Leszl (1981, p. 272) reconhece essa incompatibilidade: Por parte de alguns lógicos ou historiadores da matemática, reservas são expressas quanto a uma completa coincidência entre a explicação de Aristóteles dos princípios de uma ciência e aquela implícita na lista de Euclides no início de seus Elementos. Da mesma parte vem a objeção de que o programa de Aristóteles se baseia em tomar o silogismo como o instrumento lógico primário para a organização de uma ciência, e que o silogismo e a prova matemática (que é o instrumento de axiomatização de Euclides) nunca ocorrem juntos. Até mesmo Barnes (1981, p. 19), um dos principais e mais influentes expoentes dessa linha interpretativa, se expressa de maneira muito clara e enfática nesse sentido: Por mais admirável que seja seu rigor e elegância, a lógica dos Analíticos é inadequada para a formalização até mesmo das provas geométricas mais elementares: a silogística é uma parte pequena e relativamente insignificante da lógica; e os matemáticos que tentam conduzir seus argumentos dentro de seus limites não chegarão a lugar nenhum. Mais tarde, os peripatéticos fingiram piamente que a silogística poderia servir ao cientista matemático; mas a sua defesa desesperada pode não ter convencido nenhum geômetra praticante. Assim, se a teoria da demonstração de Aristóteles depende de sua lógica, e se as provas forem, a seu ver, inelutavelmente silogísticas, então seremos obrigados a concluir que a explicação da ciência demonstrativa dada nos Segundos Analíticos é inaplicável ao paradigma da disciplina demonstrativa da matemática; e teremos que explicar como Aristóteles poderia ter sido cego para a imbecilidade matemática de sua filosofia da ciência. Diante dessa aparente incompatibilidade, muitos consideram discutível a ideia de que Aristóteles teria desenvolvido sua teoria do silogismo como uma ferramenta para a ciência (MCKIRAHAN, 1992, p. 4). Alguns, inclusive, tentaram negar que o silogismo tenha, de fato, para Aristóteles, um papel decisivo como instrumento da demonstração científica. É claro que eles não ignoram as afirmações explícitas e insistentes de Aristóteles de que toda demonstração é um silogismo (cf. 71b 17-18; 73a 24; 25b 30). Tampouco ignoram o fato de que Aristóteles se esforça, em várias passagens dos Segundos Analíticos, para encaixar no arcabouço da silogística vários conceitos básicos de sua teoria da demonstração 45 (cf. 71b 17-18; 75a 35-37; 78a 31 - 78b 31). No entanto, diante de tantas evidências textuais, tais intérpretes sugeriram que essas seriam “tentativas desesperadas e mal sucedidas de forjar em molde silogístico uma teoria da demonstração originalmente concebida sem nenhuma referência ao silogismo”, como descreve Angioni (2014, p. 61) antes de criticar essa linha interpretativa. Ferejohn (1991, p. 17 ss.) afirma encontrar nos Segundos Analíticos dois grupos substanciais de textos que, segundo ele, “parecem apontar para direções exegéticas opostas”. Por um lado, haveria em ambos os Analíticos um número considerável de passagens – às quais ele chamou de grupo A – que sugerem uma ligação estreita entre as noções de demonstração e silogismo. O problema, de acordo com Ferejohn, é que isso “parece não se encaixar muito bem com as próprias observações de Aristóteles sobre os detalhes de sua teoria”. Ele então identifica outras passagens – grupo B –, tiradas principalmente dos onze primeiros capítulos dos Segundos Analíticos, especialmente do segundo e do décimo, baseadas nas quais os antissilogicistas “propõem desistir inteiramente da ideia de que a demonstração é significativamente baseada na teoria do silogismo (...), apesar das declarações claras de Aristóteles no grupo A em contrário” (1991, p. 17 ss.). Barnes (1981, p. 20), um dos principais e mais influentes proponentes dessa vertente de interpretação, vai além dos Segundos Analíticos e constata que, nos tratados notoriamente científicos de Aristóteles, é possível encontrar bem poucos silogismos, sugerindo que Aristóteles parece não ter levado tão a sério essa ligação entre silogismo e demonstração científica: Um estudo assíduo descobrirá algumas inferências em forma silogística; e os antigos comentadores foram dedicados a inventar silogismos onde não puderam descobri-los. Mas, em geral, a lógica dos Analíticos teve pouco efeito perceptível na estrutura do raciocínio científico de Aristóteles. Dada a estreita faixa dessa lógica, não é de todo lamentável o fato. Aqui também pode parecer que os Analíticos são um trabalho estéril: ele oferece uma filosofia da ciência que seu inventor taticamente ignora em suas próprias investigações científicas; sugere um modo de apresentar conhecimento científico que os próprios tratados científicos de Aristóteles não adotam. Como possível solução para esse impasse, Barnes (1981, pp. 33-34, cf. p. 58) defende certa independência da demonstração em relação à silogística. Para ele, a demonstração é primeiramente uma dedução; enquanto que o silogismo seria um tipo 46 específico de dedução que só foi descoberto por Aristóteles depois: “Embora os Analíticos apresentem a silogística e a demonstração como um sistema único (aquela uma propedêutica necessária a esta), o silogismo é, na verdade, um complemento incidental à teoria da demonstração”, defende Barnes. “A teoria pode ser formulada sem referência, explícita ou implícita, à silogística, e poderia ter sido descoberta por alguém que nada sabia sobre o silogismo”, completa. Angioni (2014, p. 63) comenta que, “diante desse quadro supostamente desolador, Barnes tentou escavar o texto para encontrar, por baixo da crosta silogística, algum núcleo original em que os passos inferenciais da demonstração pudessem valer-se de outra lógica que não a do silogismo”. Ainda comentando Barnes (1981), Angioni (2014, p. 62) acrescenta: Barnes pretendera encontrar nos Segundos Analíticos traços de uma “apodítica virginal”, que poderia ser tomada como algo totalmente independente da silogística. O presente estado dos Segundos Analíticos seria uma espécie de colcha de retalhos, na qual uma apodítica présilogística teria sido desfigurada com a imposição do silogismo como instrumento de demonstração. Longe de ser motivada meramente pela percepção de supostas fissuras ou ambivalências na teoria presente nos Segundos Analíticos, essa linha de interpretação foi motivada sobretudo pelo desconsolo em relação às limitações formais da silogística. Como veremos no próximo capítulo, todo esse “malabarismo” hermenêutico que Barnes e outros antissilogicistas18 têm proposto como interpretação padrão dos Segundos Analíticos não é necessário nem conveniente. Como foi dito no começo deste capítulo, todos os problemas levantados até aqui – os quais por muito tempo inquietam os intérpretes dos Segundos Analíticos –, são oriundos de um pressuposto que geralmente é assumido logo nos primeiros contatos com o texto: “o pressuposto de que o traço específico da demonstração científica se deixa captar por alguma característica de natureza formal” (ANGIONI, 2014, p. 68). Por “característica de natureza formal”, entendo qualquer estrutura de raciocínio que funcione independente do conteúdo dos termos. Veremos que, livrando-se desse pressuposto logo de saída, os problemas aqui levantados simplesmente desaparecem e o tratado como um todo começa a fazer muito mais sentido. 18 Adotando a nomenclatura proposta por Ferejohn (1991, p. 18). 47 Höffe (2008, p. 74) já admitia que insistir nesse paradigma dedutivo axiomatizado – que ele chama de ideal AFE – inevitavelmente “força as ciências a um espartilho estranho a elas”. Por outro lado, prossegue seu raciocínio afirmando que esse “ideal obsoleto” confere à teoria da ciência de Aristóteles um colapso, o qual “permite atestar, no entanto, à contribuição própria um novo começo”. Na sequência, ele diz: “Num primeiro olhar aos Segundos Analíticos, encontra-se para a interpretação padrão alguma confirmação (...), uma leitura mais atenta descobre, porém, uma teoria conceitualmente mais rica, absolutamente esclarecida e certamente sutil” (2008, p. 74). Embora ainda admita que, num sentido secundário, a ciência aristotélica também se interessa por “dedução” e “fundamentação”, Höffe (2008, p. 75) chega à conclusão de que “uma ciência aristotélica interessa-se primeiro por uma explicação”. É o que veremos a seguir. 48 3. PARADIGMA EXPLICATIVO CAUSAL Em oposição à chamada “interpretação padrão” da teoria da demonstração científica de Aristóteles, há um grupo menos numeroso de intérpretes que adotam como chave hermenêutica dos Segundos Analíticos – bem como da ciência aristotélica como um todo – a noção de causalidade ou explicação. Uso esses dois termos – causalidade e explicação – porque tais intérpretes insistem que a expressão grega que geralmente se traduz por “causa” em Aristóteles (aitia) costuma ser mais bem compreendida a partir da ideia de “explicação” (explanation) ou “fator explanatório”. Nas palavras de Angioni (2014, p. 69): A demonstração (como expressão do conhecimento científico) se define fundamentalmente por sua preocupação em captar a causa ou explicação apropriada para dado explanandum 19 ; todas as demais características da demonstração – tais como sua estrutura formal, as exigências que suas premissas devem satisfazer etc. – são subordinadas a essa característica fundamental. De fato, em Aristóteles, a noção de “explicação” está tão atrelada à noção de “demonstração” que até mesmo McKirahan (1992, p. 4), um dos principais proponentes do paradigma dedutivo axiomatizado, admite que “demonstrações também são explicações” – 19 O termo em latim significa literalmente “aquilo que se pretende explanar ou explicar”. 49 embora fosse muito mais acertado retirar esse “também” da frase, uma vez que demonstrações não são outra coisa senão explicações que assumem a forma lógica de um silogismo. Lloyd (1981, p. 161) foi mais feliz ao afirmar que, para Aristóteles, “demonstração é, por definição, a forma da explicação”. Não vejo como ele poderia ter sido mais preciso usando tão poucas palavras. Veremos a seguir, de maneira sistemática, como essa linha interpretativa se articula, enfatizando a noção de explicação pela causa apropriada e evitando a associação de Aristóteles com as modernas teorias racionalistas de justificação epistêmica, de modo que aqueles problemas aparentemente insolúveis levantados no capítulo anterior simplesmente deixam de fazer sentido dessa perspectiva. Antes de prosseguir, uma ressalva importante precisa ser feita aqui. Por assumir a forma lógica do silogismo e fazer uso de axiomas, considero correto afirmar que toda demonstração científica é, de certo modo, um argumento dedutivo e axiomatizado, como insiste a interpretação padrão. Não pretendo negar isso. O que defendo aqui é que “argumento dedutivo axiomatizado” não funciona como uma boa definição de “demonstração científica”. Em outras palavras, não é simplesmente por ser dedutivo e axiomatizado que um argumento pode ser considerado uma demonstração. Nenhum desses dois critérios é decisivo ou expressa a ênfase de Aristóteles nos Segundos Analíticos. No lugar deles, sugiro a substituição pelo critério de explicação pela causa apropriada. 3.1. Conhecimento científico e conhecimento proposicional Em primeiro lugar, entendo que conhecimento científico (episteme) para Aristóteles não corresponde àquilo que chamamos em epistemologia contemporânea de conhecimento proposicional – nem tampouco a um tipo específico e mais refinado de conhecimento proposicional. Nas palavras de Burnyeat (1981, p. 102): “Em Aristóteles, episteme não é conhecimento segundo a definição padrão de conhecimento na filosofia: uma crença verdadeira e justificada”. Começar por essa distinção é fundamental para que possamos rejeitar os componentes epistemológicos da teoria e retirar a ênfase do campo da epistemologia. 50 Burnyeat (1981, pp. 115, 127) enfatiza a falta de preocupação de Aristóteles com a evidência, a certeza e a justificação, conceitos que para nós são centrais na teoria do conhecimento, e usa esse ponto para mudar o foco da discussão para a noção de “compreensão” (understanding). De acordo com ele, “isso é razão para negar a ideia outrora prevalente de que os Segundos Analíticos advogam a demonstração como o método de descoberta científica” (1981, p. 115). Quando falo em “conhecimento proposicional”, tenho em mente o tratamento que a lógica e a epistemologia contemporânea dão às proposições. Proposições são predicações ou sentenças com significado às quais podemos atribuir valor de verdade, isto é, podemos dizer se são ou não o caso, se são verdadeiras ou falsas. Em outras palavras, isso equivale a afirmar ou negar que, numa dada sentença, determinado predicado se atribui a determinado sujeito. Nesse sentido, as proposições são concebidas primeiramente como crenças, e em seguida são analisadas e julgadas tendo em vista as noções de verdade e justificação, de modo que se tornou um padrão definir conhecimento como sendo nada mais do que uma “crença verdadeira e justificada”. Desse modo, se alguém acredita que p (uma proposição qualquer), p é o caso (a proposição é verdadeira) e esta pessoa está justificada em acreditar que p, então – e somente nessas condições – é possível afirmar que tal pessoa sabe que p, ou seja, possui conhecimento proposicional de p.20 Para Aristóteles, o conhecimento científico (episteme), por sua vez, embora envolva e assuma como pressuposto o conhecimento proposicional, vai além de meramente saber que dada proposição é o caso: ele precisa também dar conta de explicar por que ela é o caso. Ele afirma categoricamente em Segundos Analíticos I.13 (78a 22) que “é diferente conhecer o que e conhecer o por que”. Escrevendo sobre as diferenças entre a experiência (empeiria) e a ciência (episteme), Aristóteles diz o seguinte: “Os experientes conhecem o que, mas não o por que, mas aqueles outros [sc. os que possuem ciência] conhecem o por que e a causa.” (Metafísica I.1, 981a 27-30). Burnyeat (1981, p. 129) reivindica, para esses dois tipos de conhecimento, uma certa “distinção entre conhecimento com e sem compreensão plena (full understanding)”. Essa definição padrão de conhecimento proposicional foi questionada em 1963 por Gettier, e desde então muita controvérsia vem sendo discutida acerca de sua precisão. 20 51 No começo do livro dois dos Segundos Analíticos, Aristóteles explica – sem usar esses termos modernos, obviamente – que o conhecimento proposicional (saber que) precede o conhecimento científico (explicar por que, isto é, encontrar a causa apropriada). Dito de outro modo, ele afirma que o conhecimento científico pressupõe o conhecimento proposicional e parte dele: “Quando conhecemos o que, investigamos o por que, por exemplo, sabendo que se eclipsa, ou que a Terra se move, investigamos o por que se eclipsa ou por que se move” (Segundos Analíticos II.1, 89b 29-31). No grego, essa distinção é marcada geralmente pelo uso dos termos hoti (que, that) e dioti (por que, why, because). O conhecimento proposicional caracteriza-se, como já enfatizamos, precisamente por essa primeira etapa e lida com fatos. O tipo de conhecimento necessário para estabelecer o valor de verdade dessa proposição (saber que p), embora indispensável ao conhecimento científico, ainda não é ele mesmo científico. O conhecimento científico, por sua vez, lida com causas e explicações, assume a primeira etapa como pressuposto e se caracteriza pela segunda, a saber, por ser capaz de explicar o porquê e a causa de determinada proposição ser o caso. Tendo em mente essa distinção, Aristóteles reconhece que não precisamos “procurar qual é a causa de tudo, indiscriminadamente”, pois “em alguns casos, basta que o fato esteja bem estabelecido” (Ética a Nicômaco I.7, 1098b 1-4). Aristóteles afirma ainda haver uma diferença entre um silogismo que prova que determinada conclusão é ou não é o caso e outro silogismo que prova por que determinada conclusão é ou não é o caso. Essa distinção entre silogismo do quê e silogismo do porquê aparece primeiramente em Primeiros Analíticos II.2 (53b 4-10).21 Outra diferença fundamental é que o conhecimento proposicional é facilmente formalizável – vide o uso que a lógica formal faz de tabelas de verdade, regras de inferência, cálculo proposicional, cálculo de predicados etc. –, ao passo que, no conhecimento científico expresso pelas demonstrações, “não basta se ater às propriedades meramente formais do silogismo” (ANGIONI, 2014, p. 69). Embora possa ser expresso silogisticamente, o conhecimento científico não admite esse tipo de formalização estrita e exige muita Sobre isso, ver Ribeiro, 2014, p. 153; McKirahan, 1992, pp. 214-216; Angioni, 2013, pp. 269-270; Porchat, 2001, pp. 95-96; Smith, 1989, pp. 185-186. 21 52 observação empírica. Em outras palavras, em um sistema formal que lida com conhecimento meramente proposicional, um argumento correto (isto é, formalmente válido e constituído de proposições verdadeiras) continua sendo correto independentemente do termo mediador escolhido para se deduzir a conclusão, ao passo que uma demonstração científica não funciona independente do termo mediador escolhido22, como veremos mais adiante. Por ora, é de extrema importância salientar que, como dissemos há pouco, o conhecimento científico pressupõe o conhecimento proposicional e parte dele. Isto significa que, para Aristóteles, o valor de verdade de cada uma das proposições envolvidas na demonstração científica é previamente conhecido (ver Segundos Analíticos I.1, 71a 1 – 71b 9). Não está em jogo, portanto, provar ou certificar se tais proposições – especialmente aquela que figura como conclusão da demonstração – são ou não verdadeiras, como entendem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, pois elas são todas sabidamente verdadeiras de antemão. Angioni (2014, pp. 71-75) elucida esse ponto da seguinte maneira: O primeiro ponto central a ser enfatizado é que a característica fundamental da demonstração não é a preocupação epistemológica de certificar o conhecimento. Por “certificar o conhecimento”, quero dizer: garantir, contra toda dúvida, que a sentença que se propõe como objeto de conhecimento é de fato verdadeira. (...) Aristóteles admite que se possa oferecer, mediante premissas de um argumento dedutivo, uma justificação para nossa crença na verdade da conclusão. No entanto, daí não se segue que o projeto de Aristóteles nos Segundos Analíticos possa ser compreendido nesses termos, isto é, como se a demonstração fosse simplesmente um procedimento pelo qual crenças verdadeiras encontrassem nas premissas as credenciais que as justificassem. (...) Para Aristóteles, ter a demonstração (ou, o que é o mesmo, ter conhecimento científico) de uma dada sentença não equivale a ter uma boa justificação para admitir tal sentença como verdadeira. (...) Para Aristóteles, saber meramente que sentenças são verdadeiras não é nem sequer o ponto mais importante para a demonstração e o conhecimento científico. De fato, ser constituída de sentenças verdadeiras é apenas uma condição sine qua non para a demonstração. Mas a noção de verdade não parece desempenhar o papel mais decisivo na teoria de Aristóteles, embora esteja claro que todas as sentenças envolvidas na demonstração são sentenças verdadeiras (cf. Segundos Analíticos 71b 25-26, 72a 10-11; Tópicos 100a 27-29; Primeiros Analíticos 53b 9-10). Assumindo, a partir do que foi dito, que o valor de verdade de cada uma das proposições envolvidas na demonstração científica é conhecido de antemão, soa natural Aristóteles dizer que, nas ciências, “o fato é o ponto de partida”, e que qualquer pessoa que 22 Somente nesse sentido a demonstração científica não é formalizável. 53 recebeu uma boa educação “já possui esses pontos de partida ou pode adquiri-los com facilidade” (Ética a Nicômaco I.4, 1095b 6-8). Quais seriam os meios pelos quais podemos adquirir ou apreender tais fatos não é assunto do presente trabalho, mas não custa esboçar brevemente o que Aristóteles diz sobre esse tema. Em Ética a Nicômaco I.7 (1098b 3-10), é dito que “descobrimos alguns pela indução, outros pela percepção, outros como que por hábito, e outros ainda de diferentes maneiras”. Em Tópicos I.4 (101 b 16), Aristóteles diz que “os argumentos partem de proposições”. Em Tópicos VIII.1 (155 b 34-36), afirma que as proposições envolvidas na demonstração devem ser “asseguradas pelo raciocínio [dedutivo] ou pela indução”. Em Tópicos I.12 (105 a 10-20), explica que “a indução é, dos dois, a mais convincente e mais clara”, haja vista que “aprende-se mais facilmente pelo uso dos sentidos e é aplicável à grande massa dos homens em geral, embora o raciocínio seja mais potente e eficaz contra as pessoas inclinadas a contradizer”. Desse modo, “devemos esforçar-nos por reconhecer cada uma delas [proposições] graças a uma familiaridade conquistada através da indução” (Tópicos I.14, 105 b 28-29). O recurso à indução como fonte de conhecimento é tão significativo para Aristóteles que até mesmo a silogística dos Primeiros Analíticos foi concebida desse modo: “No que se refere ao tema do silogismo, não tínhamos nenhum trabalho anterior a que recorrer, mas durante anos dedicamos nossos esforços a buscas e pesquisas empíricas” (Refutações Sofísticas 34, 184b 1-3). Em suma, para Aristóteles, “é à experiência e à observação que cabe a tarefa de encontrar novas sentenças verdadeiras (cf. Primeiros analíticos I-30), não à demonstração” (ANGIONI, 2014, p. 74). Assim sendo, portanto, “se apreendermos os atributos do objeto em questão, nos capacitaremos de imediato e prontamente a formular sua demonstração”, diz Aristóteles, “pois supondo que nenhum dos verdadeiros atributos dos objetos envolvidos tenha sido omitido em nossa investigação, estaremos capacitados a demonstrar” (Primeiros Analíticos I.30, 46a 17-27). Note que, para Aristóteles, a investigação científica23 é uma etapa distinta e anterior à demonstração científica. Aquela descobre os fatos (conhecimento 23 Sobre esse assunto, ver Angioni, 2010. 54 proposicional), esta explica esses fatos pela exposição de sua causa apropriada (conhecimento científico). 3.2. Estrutura triádica da causalidade Aristóteles começa o tratado da Física (I.1, 184a 10-15) afirmando o seguinte: “Em todos os estudos nos quais há princípios (ou causas), sabemos (isto é, conhecemos cientificamente) quando reconhecemos estes últimos (pois julgamos compreender cada coisa [pragma] quando reconhecemos suas causas primeiras e seus primeiros princípios)”. E mais adiante diz que “não julgamos conhecer cada coisa (pragma) antes de apreendermos o porquê de cada uma, eis o que é apreender a causa primeira” (Física II.3, 194b 17-18). Em Metafísica I.3 (983a 24-27), afirma ainda que “é preciso tomar conhecimento das causas que se dão como princípio, pois afirmamos conhecer cada coisa (pragma) precisamente quando julgamos discernir sua causa primeira”. Zingano (2005, p. 89), interpretando Aristóteles, diz que “explicar cientificamente algo, para Aristóteles, consiste em dar a causa do objeto. Um silogismo científico tem premissas adequadas à coisa na medida em que elas revelam a sua conexão de causalidade”. As passagens parecem claras, mas a noção aristotélica de causalidade tem sido frequentemente mal compreendida. O que seria a causa de cada coisa? Mais especificamente, o que Aristóteles entende por “coisa” (pragma) nesse contexto? Desde meados do século XVIII, a noção moderna de causa tem sido fortemente influenciada pelas ideias do filósofo britânico David Hume, para quem a causalidade envolve sempre dois termos, sendo um deles a causa e o outro o efeito. Frequentemente se expressa da seguinte maneira: B é a causa de A (estrutura diádica). A noção aristotélica de causa, no entanto, diferente da humeana, possui uma estrutura essencialmente triádica – ou seja, é sempre constituída por três termos. Isso significa que Aristóteles expressaria a noção de causalidade da seguinte maneira: B é a causa de A em C (estrutura triádica). Nas últimas décadas, Angioni (2008; 2009; 2011; 2014, pp. 84 ss.) é quem mais tem insistido e argumentado em favor da tese de que a noção aristotélica de causa é essencialmente triádica: “Aristóteles julgaria que enunciados causais clássicos (ou humeanos), como ‘B é causa de A’, ou são fatalmente incompletos, ou são modos abreviados 55 e compactados de exprimir uma relação que é fundamentalmente triádica: ‘B é causa de A para C’.” (2014, pp. 69-70). Angioni (2014, p. 88) admite que “a tendência de tomar pragma como ‘coisa’ no sentido de objeto físico (...) tem contribuído para que a estrutura triádica da causalidade passe despercebida”. Entretanto, insiste que as tais “coisas” (pragma) que são suscetíveis de investigação científica, ou seja, o explanandum da demonstração, aquilo que se pretende explicar, aquilo para o qual se procura uma explicação e uma causa, para Aristóteles, são sempre relações predicativas entre um sujeito e uma propriedade que lhe é atribuída: “Para compreender o alcance geral da estrutura triádica da noção de causa, o ponto fundamental consiste em notar que a noção de explanandum que lhe é correlata é fundamentalmente predicativa”, explica. “Aquilo para o que se busca uma causa é sempre a presença de determinado atributo em um dado sujeito” (2014, p. 84).24 Sendo assim, explica Aristóteles (Primeiros Analíticos I.23, 40b 23-24), “toda demonstração e todo silogismo devem provar que algum atributo se aplica ou não se aplica a algum sujeito”, de modo que, consequentemente, “toda demonstração será efetuada por meio de três termos” (Primeiros Analíticos I.25, 41b 35). Em Metafísica VII.17, Aristóteles afirma ainda que “procura-se o ‘por que’ sempre do seguinte modo: por que uma coisa se atribui a outra?” (1041a 10-11). Em uma passagem ainda mais esclarecedora (1041a 21-26), ele dá um exemplo: Isto é evidente: não se investiga por que é homem aquele que é homem; investiga-se, portanto, algo a respeito de algo – por que algo é atribuído a algo (mas é preciso que esteja evidente que é o caso, pois, se não for assim, não se investiga nada). Por exemplo: por que troveja? Por que ocorre estrondo nas nuvens? De fato, aquilo que está sob investigação é algo que assim se afirma a respeito de outra coisa. O que Aristóteles está querendo dizer é algo relativamente simples: A pergunta “por que troveja”, que nada mais é do que a procura pela causa do trovão, é uma simplificação (alguns diriam que é uma “nominalização” de um fenômeno) da pergunta “por que ocorre certo tipo de estrondo (atributo, propriedade) nas nuvens (sujeito de predicação)?”25. Ou seja, para Aristóteles, mesmo que na linguagem natural nós tenhamos nomes específicos para se Alguém poderia supor que o pragma nesse caso seria apenas o sujeito da predicação. Defendo que trata-se na verdade da predicação completa, isto é, da relação entre os dois termos: sujeito e predicado. 25 Cf. Segundos Analíticos II.8, 93b 7-15. 24 56 referir a determinado fenômeno ou evento que se quer explicar (explanandum), como por exemplo “trovão”, na prática científica o mais adequado é explicitar esse explanandum de forma predicativa, a fim de que se tenha clareza daquilo que se quer explicar, a saber, determinada propriedade que é atribuída a determinado sujeito.26 Assim, não é adequado ao cientista aristotélico formular a questão: “por que troveja”, “por que ocorre o trovão” ou “qual é a causa do trovão”; o mais adequado seria formular a pergunta mais ou menos nestes termos: “por que, sob certas condições meteorológicas, um certo tipo de estrondo (atributo, propriedade) ocorre em um certo tipo de nuvens (sujeito de precicação)?”. Note que até mesmo essa reformulação da pergunta ainda é uma simplificação, de modo que o ideal seria explicitar mais o tipo de estrondo e o tipo de nuvem no qual ele ocorre. Em diversas passagens do livro II dos Segundos Analíticos, outro exemplo clássico de nominalização de fenômenos ou eventos que se pretendem explicar cientificamente é o do eclipse27. Nesse sentido, Aristóteles não considera adequado ao cientista formular uma pergunta como “qual é a causa do eclipse?”. Para se adequar à estrutura triádica da causalidade, essa pergunta precisa ser reformulada do seguinte modo: “por que ocorre privação de luz (atributo, propriedade) na lua (sujeito de predicação)?”. Embora passível de gerar confusão e embaraços no nível da demonstração científica, essa simplificação ou nominalização de eventos e fenômenos é um recurso facilitador muito comum e muito útil na linguagem ordinária. “A linguagem ordinária tem forte inclinação para compactar a complexidade do explanandum em uma expressão nominal”, explica Angioni (2014, p. 70). “Essa inclinação é por si mesma inócua, mas, em contextos científicos, o explanandum deve ser articulado predicativamente: o que se quer explicar é a presença, no sujeito C, do atributo A, e a causa é sempre um terceiro termo em relação ao sujeito C e ao atributo A” (ANGIONI, 2014, p. 70). Algumas páginas adiante, Angioni (2014, pp. 84-85, 88) completa esse raciocínio: Em Física II.3 e Metafísica I.3, Aristóteles fala em causas da estátua, o que é um caso claro de abreviação (ver ANGIONI, 2014, p. 86). 26 27 Cf. Segundos Analíticos II.8, 93a 29 – 93b 7. 57 A formulação do explanandum em estrutura predicativa já é parte da teoria da ciência: já é, aos olhos de Aristóteles, um recurso mediante o qual a massa desordenada dos fenômenos é ordenada e regimentada em uma expressão que facilita a busca pelas causas. É justamente por ser um recurso de tal ordem que a predicação nem sempre se impõe na formulação mais comum, encontrada na linguagem ordinária. (...) Um exemplo claro de nominalização é o trovão. Ora, o fenômeno a ser explicado é a ocorrência de certo tipo de estrondo na nuvem. Esse fato suscetível de expressão predicativa, a ocorrência de certo tipo de estrondo na nuvem, também pode ser objeto de referência de uma expressão nominal, isto é, de um nome: “trovão”. O uso de um nome para se referir a um explanandum complexo é um recurso facilitador da nossa linguagem e não deve, de modo algum, conduzir à suposição errônea de que se introduz, por tal nome, um objeto dotado de um tipo de unidade e autonomia ontológica que ele está longe de ter. (...) A lição de Aristóteles é que um explanandum, na linguagem científica, deve ser formulado sob a forma predicativa mesmo quando tal formulação se distancia dos padrões consagrados na língua comum. Sem esse esforço de superar as limitações da linguagem ordinária e de expressar ou formular o explanandum sob uma estrutura predicativa composta por dois termos (sujeito e predicado), diz Aristóteles, “aquilo que se propõe para a investigação passaria despercebido, sobretudo no caso dos itens em que não se atribui um a outro” (Metafísica VII.17, 1041a 3233). Angioni parafraseia essa passagem explicando assim: “Passa despercebido que o que se procura é uma causa quando se propõe para a investigação algum item sem articulação predicativa – passa despercebido que a pergunta relevante para os interesses da investigação é uma pergunta pelo porquê” (2014, p. 88). A essa altura deve estar claro que o termo “coisa” (pragma) nesses contextos designa precisamente o fenômeno que está sendo investigado (o explanandum) e que deve ser formulado predicativamente. No caso do exemplo acima, “pragma”, diz Angioni (2014, p. 106, cf. p. 99 e p. 108), “em vez de designar meramente a nuvem, como sujeito de atribuição, designa o trovão a título de explanandum, enquanto objeto suscetível de conhecimento científico, que deve ser redescrito como tal e tal tipo de estrondo na nuvem”. Mas não é só pelo uso dos termos “causa” e “coisa” que o vocabulário de Aristóteles pode ser mal compreendido: em alguns contextos ele também fala em termos de “causa” e “causado”. Em Segundos Analíticos II.16 (98a 35 – b5), por exemplo, Aristóteles investiga as relações de implicação recíproca entre causa e causado. Leitura apressada poderia dar a entender que Aristóteles concebe a relação de causalidade como binária, diádica, humeana, envolvendo apenas a causa e o causado. No entanto, diz Angioni (2014, p. 98) “fica claro que o que ele chama de ‘causado’ é um atributo, o qual, a título de explanandum, sempre é 58 tomado enquanto se atribui a um sujeito específico”. A sequência da própria passagem em questão elucida esse ponto com um exemplo muito esclarecedor: “Seja perder as folhas A; ter folhas largas, B; vinha, C. Com efeito, se a B se atribui A (pois tudo que tem folhas largas perde as folhas), e se a C se atribui B (pois toda vinha tem folhas largas), a C se atribui A, isto é, toda vinha perde as folhas. A causa é B, o mediador” (Segundos Analíticos II.16, 98b5-10). Em suma, Angioni (2014, p. 100) alerta que “a receita de Aristóteles contra esses possíveis equívocos consiste em dar atenção à estrutura triádica das relações causais e, sobretudo, atinar com descrições pertinentes do explanandum em sua estrutura predicativa”. Isso é exatamente o que Aristóteles está dizendo em Segundos Analíticos II.17 (99a 17-18), quando ele faz uma cuidadosa distinção entre três termos: “a causa, aquilo de que é causa e aquilo para o que é causa”. O relevante aqui é que se identifique primeiro uma propriedade que é atribuída a um sujeito (A) e um sujeito que seja portador dessa propriedade (C), para que só então seja viável buscar identificar, para essa predicação, qual é a sua causa apropriada (B). Formalmente, isso equivale a dizer que primeiro é preciso saber que C é A (ou A é atribuído a C), para só então explicar por que C é A, isto é, demonstrar que C é A por causa de B (ou A é atribuído a C por causa de B). Ou, nas palavras de Angioni (2014, p. 96): “O que interessa, para o investigador científico, não é meramente atestar que ocorre a relação entre o atributo A e o sujeito C: o que lhe interessa, sobretudo, é atestar que essa relação ocorre devido a uma causa, a qual, portanto, lhe competirá investigar”. 3.3. Estrutura triádica do silogismo Tendo entendido que a noção aristotélica de causa é essencialmente triádica, tal como acabamos de explicar, retomemos a questão do papel que o silogismo assume na teoria da demonstração científica de Aristóteles. Como vimos no capítulo anterior (tópico 2.2.2.), muitos estudiosos consideram bastante problemático esse ponto da teoria aristotélica da demonstração científica e, como solução para esse aparente impasse, tentam minimizar a importância ou abrangência da 59 relação imposta pelos Segundos Analíticos entre conhecimento científico e silogismo. Por outro lado, tendo entendido que fracassaram todas as tentativas dos antissilogicistas de separar conhecimento científico e silogismo, e aceitando o peso com o qual os Segundos Analíticos impõem de maneira categórica essa relação, os adeptos do paradigma explicativo causal preferem encarar a questão e procurar respostas mais plausíveis dentro do pensamento aristotélico. A questão que precisamos investigar agora foi colocada de três maneiras diferentes por Ribeiro (2014, p. 121): primeiro, “qual seria o motivo da exigência de que o conhecimento científico se dê via silogismo?”; depois, “haveria alguma relação intrínseca entre a forma silogística da demonstração e o tipo de conhecimento que Aristóteles chama científico, que envolve o reconhecimento da causa daquilo que se pretende conhecer?”; e finalmente, “qual seria o papel da silogística no alcance e na posse efetiva desse tipo especial de conhecimento almejado pelo cientista?”. Eu não encontraria maneira mais adequada de responder a essas questões do que Angioni (2014, p. 61) já o fez: Por que Aristóteles escolheu o silogismo como ferramenta de exposição do conhecimento científico, isto é, como ferramenta de demonstração? (...) Ao escolher o silogismo como instrumento de demonstração científica, Aristóteles não tinha em vista suas virtudes como método dedutivo, mas outro fator, a saber: sua aptidão para exprimir relações causais ou explanatórias, as quais, para Aristóteles, têm estrutura triádica. Dado que a demonstração se caracteriza essencialmente pelo propósito de captar e exprimir a causa apropriada que faz seu explanandum ser o que ele é, o silogismo é um instrumento adequado de demonstração justamente por essa aptidão para exprimir relações causais. Algumas páginas depois, complementando e reforçando essa tese, Angioni (2014, p. 70) diz ainda que “a característica marcante dos silogismos, que levou Aristóteles a escolhêlos como instrumento de demonstração, é a aptidão para exprimir relações causais – ainda que essa aptidão seja limitada”. E, mais adiante, que “foi a aptidão da estrutura triádica do silogismo para exprimir relações causais que levou Aristóteles a escolhê-lo como instrumento de demonstração” (2014, p. 71). Em linhas gerais, “não há dúvida de que a estrutura do silogismo é triádica: em sentido estrito, ‘silogismo’ designa um argumento constituído por três termos, relacionados entre si em três sentenças predicativas, isto é, duas premissas e uma conclusão” (ANGIONI, 2014, p. 89). 60 Portanto, longe se ser um erro metodológico ou uma escolha infeliz de Aristóteles28, como sugerem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, defendo que, para Aristóteles, a forma lógica do silogismo é apropriada para expressar a causalidade exigida na demonstração científica porque sua estrutura também é triádica. Dito de outro modo, Aristóteles escolheu a estrutura lógica do silogismo como instrumento formal de sua teoria da demonstração científica não pela sua suposta eficácia enquanto método dedutivo, mas porque ela expressa bem a relação triádica da causalidade, pelo fato de sua estrutura também ser triádica. Portanto, é acertado dizer que o papel decisivo da silogística na ciência demonstrativa é expressivo e não formal. No grego, a diferença entre os verbos “mostrar” (deiknymi) e “demonstrar” (apodeiknymi) é o prefixo “apo”, que, embora possa assumir outras funções, geralmente carrega a ideia de afastamento. Embora não funcione como uma análise rigorosa do que de fato “apodeiknymi” significa em contraste com “deiknymi” nos usos relevantes que Aristóteles faz dessas expressões, a metáfora do afastamento pode ser profícua e até certo ponto iluminadora para entendermos em que sentido “mostrar que A é C” é diferente de “demonstrar que A é C por causa de B”. No primeiro caso, os dois termos extremos aparecem juntos, mostrando que C se atribui a A. A tarefa de quem demonstra seria, pois, justamente afastar os termos extremos pela introdução do termo médio, o qual expressa a causa daquela primeira predicação. Antes de prosseguir, há duas ressalvas muito importantes a serem feitas aqui. A primeira delas é que “uma descrição complexa pode desempenhar perfeitamente o papel de termo silogístico” (ANGIONI, 2014, p. 101). Para fins didáticos e de simplificação, Aristóteles diversas vezes usa termos simples, expressos por um nome comum, como exemplos de termos nos silogismos, tais como “Sócrates”, “homem”, “cavalo”, “branco”, “mortal” etc. Isso, no entanto, não pode ser motivo para inferirmos que todo silogismo deve operar com termos igualmente simples. Em Primeiros Analíticos I.35 (48a 28-33), Aristóteles diz que “não devemos expor os termos sempre por meio de um nome, pois frequentemente haverá descrições para as Alguns podem argumentar que talvez Aristóteles não “escolheu” o silogismo como ferramenta da demonstração científica, como se tivesse à disposição outros sistemas formais para usar. Na verdade, sabemos que a silogística era o único recurso lógico que ele conhecia. 28 61 quais não há um nome correspondente”. Ele diz ainda que, “esse tipo de procura [sc. procura por nomes para a exposição dos termos]” muitas vezes “pode resultar em engano”. Na sequência, afirma que o termo médio nem sempre deve ser tomado como uma “coisa individual”, devendo por vezes ser tomado como uma “locução composta”. (Primeiros Analíticos I.35, 37-39). Sobre isso, Angioni (2014, p. 101) é muito claro: Tanto na estrutura triádica do silogismo como também na da causalidade, os três termos podem ser substituídos por expressões bem complexas. Por estratégias didáticas, se habituou a introduzir a silogística com uso de termos simples, como “cavalo”, “homem”, “pedra”, “animal”, “branco” etc. O próprio Aristóteles adota essa estratégia em sua exposição sistemática da silogística em Primeiros Analíticos I 1-22. Os termos utilizados por Aristóteles não apenas são palavras simples consagradas na linguagem comum como também designam coisas facilmente identificáveis, como tipos naturais (cavalo, cisne etc.), objetos físicos (pedra) e atributos simples (branco). No entanto, nada indica que Aristóteles julgasse que a linguagem da silogística, com suas letras esquemáticas, devesse ser interpretada apenas pela introdução de termos simples como os acima mencionados. A adoção desses termos simples é, de fato, mera estratégia didática. De fato, além daqueles termos simples expressos por um nome comum, Aristóteles também usa como exemplos de termos silogísticos expressões bem mais complexas como “certo tipo de estrondo” (93a 22-23, cf. 93b 11-2), “privação de luz” (90a 16, 93a 23), “ter dois ângulos retos” (93a 34-35), “interposição da Terra” (93a 30-31, 93b 7) ou “estar a Terra no meio [sc. entre o Sol e a Lua]” (98b 1, 3; cf. 90a 14), “coagulação da seiva” (98b 37) ou “o coagular-se da seiva na junção das folhas” (99a 28-29), “extinção do fogo” (93b 8), “extinguir-se o fogo” (93b 9, cf. 94a 4), “ser a metade de dois ângulos retos” (94a 29) etc. A segunda ressalva a ser feita é que “a relação predicativa encapsulada em uma sentença silogística não precisa ter necessariamente, como contraparte imediata na linguagem comum, uma sentença predicativa construída com a cópula ‘ser’ ou outro tipo de sentença gramaticalmente bem formada” (ANGIONI, 2014, pp. 101-102). Ora, a fórmula a que estamos acostumados quando lidamos com silogismos em Barbara 29 , por exemplo, é montar proposições – seja nas premissas ou na conclusão – seguindo o seguinte esquema: “Todo S é P” (sendo S o sujeito e P o predicado). No entanto, 29 Ribeiro (2014, p. 155) diz que “os silogismos científicos são, ao menos no mais das vezes, silogismos universais afirmativos em primeira figura, ou seja, quando Aristóteles fala de demonstração parece ter em mente um silogismo em Barbara”. 62 a cópula “é” ou qualquer outra variação do verbo “ser” muitas vezes parece inadequada na linguagem natural. Angioni (2014, p. 105) cita inúmeros exemplos de “relações predicativas que dificilmente engendrariam de modo direto, na linguagem ordinária, uma sentença com a cópula ‘ser’ ou outro tipo de sentença gramaticalmente bem formada”, tais como: “eclipse (ou a privação de luz) se atribuir à Lua” (93a 30ss), “certo tipo de estrondo se atribuir à nuvem” (93b 10-12), “dois ângulos retos se atribuir ao triângulo” (73b 30-31) e “a proporção mais veloz no movimento seguir-se ao fogo” (78a 4-5). Uma solução prática para essa limitação da linguagem natural que funciona na maioria dos casos é incluir na cópula, logo após o verbo de ligação, a expressão “tal que”, como propõe Angioni (2014, p. 105): “Certamente não se pode dizer na língua comum que ‘a Lua é privação de luz’ (nem em português, nem em grego). No entanto, para traduzir em linguagem ordinária a sentença expressa em contexto silogístico-científico, pode-se dizer ‘a Lua é tal que sofre privação de luz’”.30 3.4. Causa como termo mediador Feitas essas ressalvas, retomemos a definição de “silogismo”, tal como proposta por Zuppolini (2014, p. 167): Um argumento com proposições em forma categórica, com exatamente um par de premissas e em cuja conclusão uma relação predicativa entre dois termos (chamados “extremos”) é estabelecida por meio de um terceiro (o “mediador” ou “termo médio”), o qual ocorre em ambas as premissas, em cada uma das quais guarda uma relação predicativa ora com um, ora com outro dos termos da conclusão. Essa definição muito raramente é contestada e goza de certo consenso entre os estudiosos aristotélicos. A ênfase que é dada ao papel do termo médio ou mediador (to méson) no silogismo não é em vão nem por acaso. De fato, não basta possuir duas premissas resultando dedutivamente em uma conclusão para um argumento ser chamado de “silogismo”. É essencial que essa dedução de dê através de um termo médio (ou mediador), o qual faz a “ponte” entre os termos extremos (maior e menor). É essencial também que esse Angioni (2014, p. 104) diz que “alguns intérpretes introduzem a distinção entre predicação linguística e predicação metafísica para lidar com essa distância entre sentenças da linguagem ordinária e o uso técnico que Aristóteles faz do vocabulário da predicação (cf. Lewis, 1985; Code, 1985)”. 30 63 termo mediador esteja presente em ambas as premissas, mas ausente na conclusão, e seja o responsável por mediar a relação expressa na conclusão entre os dois outros termos. Sem isso, não há silogismo. O próprio Aristóteles deixa bem claro em Primeiros Analíticos I.23 (40b 30 – 41a 13) que “jamais haverá silogismo (...) se não se assumir algum mediador, o qual, nas predicações, terá certa relação com cada um deles [sc. os extremos]”, e que “consequentemente, para haver um silogismo que conclua algo a respeito de algo, é preciso assumir um mediador para ambos, o qual fará a conexão pelas predicações”. Alguns capítulos depois, ele diz: “Assim, fica evidente que, se em qualquer argumento o mesmo termo não for enunciado mais do que uma vez, não haverá silogismo, dada a falta de termo médio” (Primeiros Analíticos I.32, 47b 7-9). Angioni (2014, p. 90) mais uma vez é claríssimo na elucidação desse ponto: O fator mais importante que faz um silogismo ser um silogismo é o método de estabelecer a conclusão. O silogismo é um argumento no qual uma conclusão em forma predicativa é estabelecida por meio da relação que cada um dos termos da conclusão, os termos extremos, tem com um termo comum, o termo mediador. Esse termo comum é chamado “mediador” justamente porque faz a conexão predicativa entre os dois extremos (os dois termos que figuram na conclusão), e não porque tenha “extensão intermediária” ou porque ocupe a posição do meio em alguma formulação-padrão. Por sua vez, os dois termos que figuram na conclusão são também bem demarcados: o menor é o sujeito da conclusão, e o maior é o predicado da conclusão. Assim, o silogismo não é apenas uma dedução válida qualquer com sentenças predicativas – nem sequer se acrescentarmos dois requisitos mais estritos: o de que o número de premissas seja maior que um e o de que a conclusão não seja idêntica a uma das premissas. Um argumento é um silogismo se e somente se o método pelo qual a conclusão se estabelece atende a certos requisitos adicionais: trata-se de apresentar, como premissas, duas relações predicativas – a relação do extremo maior com o termo mediador e a relação do extremo menor com o termo mediador – cuja conjunção acarreta a relação predicativa entre os extremos, na devida ordem (isto é: o termo maior como predicado e o termo menor como sujeito). Em diversas outras oportunidades, tanto Angioni (2014) quanto Ribeiro (2014) ressaltam fartamente a importância do termo mediador para o silogismo. “O requisito básico para qualquer silogismo é que o termo mediador faça a conexão pertinente entre os extremos”, diz Angioni (2014, p. 91). “Se a conclusão almejada é certa relação predicativa entre o termo menor C (sujeito) o termo maior A (predicado), deve-se assumir um termo mediador B tal que B tenha uma relação predicativa apropriada com C e outra relação predicativa, também apropriada, com A”, conclui. Pouco depois, afirma que “o traço mais 64 característico do silogismo é o estabelecimento de uma conclusão predicativa através das relações predicativas que cada extremo tem com um terceiro termo, o termo mediador” (2014, p. 94). Ribeiro (2014, p. 135), por sua vez, ressalta que “Aristóteles, ao falar de um silogismo, tem em mente certa relação entre dois termos que é provada quando se encontra um terceiro termo, o mediador, que parece ser o responsável pelo silogismo de algo a respeito de algo”. O leitor já deve ter notado que, para os proponentes da linha interpretativa que aqui chamo de paradigma explicativo causal, a ênfase dada ao papel do termo mediador no silogismo é tão importante e relevante quanto a já mencionada ênfase dada ao papel da causalidade no conhecimento científico. E isso tem um motivo muito óbvio: na demonstração científica, a causa e o termo mediador são, de certo modo, a mesma coisa. Ou seja, o termo mediador do silogismo demonstrativo deve corresponder à causa apropriada que caracteriza o conhecimento científico: Parece que o próprio silogismo é, para Aristóteles, um tipo de prova, e o que se prova em um silogismo, segundo Aristóteles, é a relação entre dois termos, através de um terceiro termo, a saber, o mediador. No caso da demonstração, essa prova tem requisitos adicionais muito mais estritos: o silogismo demonstrativo deve ser uma prova por meio da causa adequada que explica por que os dois termos da conclusão estão relacionados do modo como nós os apreendemos. (RIBEIRO, 2014, p. 130) O próprio Aristóteles é claro nesse ponto: “Julgamos ter ciência quando conhecemos a causa” (...), e esta “se mostra através do mediador” (Segundos Analíticos II.11, 94a 23-24). E mais: “Resulta que, em todas as investigações, o que se investiga é se há mediador, ou o que é o mediador. Pois o mediador é a causa, e é ela que se investiga em todos esses casos” (Segundos Analíticos II.2, 90a 5-7). Há controvérsias quanto aos detalhes, como bem lembra Angioni (2014, p. 95), mas, em linhas gerais, a tese de Aristóteles é que, em todos aqueles quatro tipos de questões relevantes para a investigação científica descritos em Segundos Analíticos II.1, o que está em pauta sempre é um termo mediador que expressa a causa de um explanandum. Ora, temos visto até aqui que o que se busca na demonstração científica é sempre um termo mediador enquanto causa. Pela própria definição de silogismo, sabemos que o termo mediador aparece sempre e somente nas premissas, nunca na conclusão. Portanto, é forçoso admitir que o que se busca na demonstração científica são premissas, partindo de uma 65 conclusão já estabelecida – e não o contrário, como pensam os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, para quem a demonstração científica seria um método dedutivo de chegar a conclusões partindo de premissas.31 Sendo o silogismo o instrumento por excelência da demonstração científica não por seu suposto poder dedutivo – como sustentamos há pouco –, mas por ser a forma mais adequada que Aristóteles tinha para expressar relações explanatórias, dadas as limitações da sua lógica, parece sensato admitir que não é um silogismo que nos fará captar a relação causal relevante para o conhecimento científico, mas uma vez que estamos de posse dessa relação causal, aí sim podemos expressá-la por meio de um silogismo. De fato, como lembra Ribeiro (2014, p. 137), “os Primeiros Analíticos nos apresentam duas abordagens ou dois pontos de partida distintos a partir dos quais Aristóteles nos fala de silogismos”. Por um lado, diz: “Aristóteles parece apresentar o silogismo como um tipo de argumento inferencial ou dedutivo, no qual, dadas certas premissas, deduzimos ou inferimos certa conclusão”. Por outro lado, continua: “Aristóteles também aborda o caminho que devemos percorrer em busca de premissas apropriadas para certa relação predicativa (a futura conclusão) que pretendemos provar via silogismo”. É esse caminho inverso, por assim dizer, que vai de uma conclusão já estabelecida em busca de premissas adequadas, que interessa Aristóteles quando ele fala de conhecimento científico nos Segundos Analíticos: Várias vezes Aristóteles Afirma que “o silogismo prova algo a respeito de algo através do mediador”, dando ênfase ao papel do mediador na prova e, ao mesmo tempo, indicando claramente que aquilo que se quer provar deve ser o ponto de partida, pois se deve justamente buscar um termo mediador para a relação que, no final, deverá figurar como conclusão da prova. Certamente não temos a intenção de negar que, uma vez encontrado um termo mediador B para A e C e estabelecidas as devidas relações do termo mediador com A e C, podemos deduzir ou inferir que A se atribui a C, quando assumimos que B se atribui a C e A se atribui a B. Todavia, é o caminho inverso que está no centro dos interesses de Aristóteles, e é para isso que gostaríamos de chamar a atenção do leitor. Nos capítulos 28-29 de livro I dos Primeiros Analíticos, bem como, de maneira um pouco menos direta, nos capítulos 23, 26 e 45, o cerne das atenções de Aristóteles é o processo ou método que, partindo daquilo que deve ser provado, busca um termo mediador que será responsável pela prova. (RIBEIRO, 2014, p. 134) 31 O leitor mais atento deve ter percebido que o que acabamos de fazer é um silogismo. 66 Höffe (2008, p. 55) também vai por essa linha de interpretação: Tendemos a ler o silogismo de cima (das premissas) para baixo (para a conclusão), ou seja, dedutivamente. Porém, a utilização correspondente encontra-se tão raramente na obra aristotélica que ele parece desrespeitar a própria lógica. Visto de modo puramente lógico, o silogismo admite dois modos de leitura, tanto o dedutivo (de cima para baixo) quanto a leitura explicativa (de baixo para cima). Nesse sentido, o próprio Aristóteles atribui à silogística uma dupla tarefa: em termos de teoria da argumentação, ela deve ajudar a reconhecer a validade das conclusões e, em termos da prática de argumentação, deve ajudar a construir tais conclusões, de modo que devem ser procuradas, para um estado de coisas já conhecido, as premissas capazes de explicação. Algumas páginas depois, Höffe (2008, p. 75) retoma esse assunto dizendo o seguinte: “Entende-se sob uma demonstração (apodeixis, em latim demonstratio) via de regra um ‘procedimento top down’, aquela adução ou dedução de proposições a partir de outras proposições, que conhecemos como caminho a partir dos princípios”. Diversas vezes ele chama esse chamado “procedimento top down” que acabou de descrever de “método geométrico”, fazendo alusão a Descartes. E afirma ser vã a procura por um procedimento desse tipo nos tratados científicos de Aristóteles, uma vez que não há nada sequer parecido na obra aristotélica (2008, p. 75). Diante dessa constatação, Höffe (2008, p. 75) admite que, do ponto de vista do paradigma dedutivo axiomatizado32, haveria, de fato, um grande abismo “entre o ideal da ciência dos Segundos Analíticos e a práxis real de Aristóteles”, como vimos no capítulo anterior (tópico 2.2.1.). Esse abismo seria de tal modo intransponível que seria forçoso tomar por equivocada, de duas uma: “ou a teoria da ciência de Aristóteles ou a sua filosofia”. No entanto, aproximando-se do que chamo de paradigma explicativo causal, ele afirma que “num olhar mais atento, essa discordância dissolve-se”. A demonstração científica, conclui, “busca para uma proposição já tomada como verdadeira, as razões explicativas” (2008, p. 75). Outra questão relevante diz respeito ao que seria, estritamente falando, o objeto do conhecimento científico quando estamos de posse de uma demonstração. Alguém poderia supor que o objeto do conhecimento científico seria o explanandum enquanto conclusão da demonstração. De fato, Aristóteles diz que conhecemos cientificamente uma coisa qualquer 32 Aqui faço uma paráfrase usando a terminologia que adotei para o presente trabalho. 67 (um pragma) quando reconhecemos sua causa apropriada (Segundos Analíticos I.2, 71b 912). E já vimos que esse “pragma” é justamente o explanandum. Mas em outras passagens Aristóteles indica que parece não se tratar apenas de conhecer cientificamente o explanandum, mas toda a relação triádica que envolve os dois termos do explanandum e o termo mediador que é sua causa. Em seis diferentes ocasiões no mesmo artigo, Ribeiro (2014) sustenta enfaticamente que aquilo que conhecemos cientificamente é sempre certa “relação causal”: O que se apresenta como legítimo objeto de conhecimento científico para Aristóteles é a relação causal que o cientista descobriu entre aquele fato inicial e a causa que explica tal fato (p. 146). (…) Para Aristóteles, aquilo que é conhecido cientificamente, aquilo que de fato se apresenta como objeto de conhecimento que ele chama científico (epistasthai), seria a própria relação causal que se torna evidente no silogismo (p. 142). (…) Estritamente falando, é a relação expressa pelos termos A, B e C, a relação triádica expressa através do silogismo, que se apresenta como aquilo que conhecemos cientificamente por uma demonstração (p. 150). Aquilo que é conhecido cientificamente através da demonstração é certa relação causal expressa pelos três termos silogísticos, sendo que o termo mediador B, que ocorre nas duas premissas, apresenta a causa adequada que explica o fato ou fenômeno enunciado na conclusão (p. 157). Ela afirma ainda que o objeto do conhecimento científico, em sentido estrito, é “A se atribui a C devido a B” (2014, p. 157, nota 50; ver Angioni, 2013a, pp. 257, 262; 2013b, pp. 336-337). Por fim, ela sustenta que essa tal “relação causal” não pode ser confundida com a mera “relação lógica” que caracteriza o silogismo: É justamente essa estrutura causal que se apresenta como legítimo objeto de conhecimento científico, em Segundos Analíticos I.2. Com isso, queremos ressaltar que não é a mera relação lógica estabelecida entre as três proposições que constituem um silogismo que nos garante a posse do conhecimento científico, uma vez que, para Aristóteles, aquilo que é conhecido cientificamente é a relação causal que é evidenciada no silogismo entre causa e aquilo de que é causa. (RIBEIRO, 2014, p. 143) A própria causa a que Aristóteles se refere nesse contexto, diz Ribeiro (2014, p. 147) pouco depois, “não pode ser reduzida ao sentido de mera causa lógica, responsável pela dedução silogística de tal conclusão a partir de tais e tais premissas. Essa causa deve ser aquela sem a qual não há explicação apropriada e, portanto, não há conhecimento científico”. E ainda: É preciso observar que, enquanto nos Primeiros Analíticos o termo mediador aparece apenas como uma causa lógica daquilo que é 68 provado na conclusão, nos Segundos Analíticos o termo mediador é identificado como a causa apropriada que fornece explicação científica para determinado fato ou estado de coisas que é assumido como sendo o caso, fato que se apresenta como ponto de partida da investigação (cf. Lennox, 2001, pp. 77, 81). (RIBEIRO, 2014, p. 138) Num silogismo científico, o termo mediador não é só causa da conclusão no sentido em que todo termo mediador é dito causa da conclusão que dele se segue (causa lógica da conclusão), mas ele deve explicar por que aquilo que é enunciado como conclusão da demonstração é aquilo que ele é (cf. Segundos Analíticos II.2, 90a 5-14; II.8, 93a 9; II.12, 95b 13-15; Porchat, 2001, p. 91). (RIBEIRO, 2014, p. 154) Como entender essa distinção entre causa lógica e causa apropriada? Em Refutações Sofísticas 6 (168a 38-40), Aristóteles lembra que, se a partir de duas premissas é possível deduzir silogisticamente que algo é branco, não necessariamente este algo é branco devido a (ou por causa de) este silogismo. Por exemplo, se sabemos que (1) todo ser humano é mamífero, e que (2) todo mamífero é mortal, podemos facilmente inferir dedutivamente que (3) todo ser humano é mortal. As proposições (1) e (2) são as premissas, ao passo que a proposição (3) é a conclusão. Na esquematização dos termos por letras frequentemente usada por Aristóteles, podemos dizer que “mortal” é A (termo maior), “mamífero” é B (termo mediador) e “ser humano” é C (termo menor). Perceba que este é um silogismo correto, pois a sua forma é válida e todas as suas proposições – as duas premissas e a conclusão – são, até onde sabemos, verdadeiras. No entanto, o termo mediador B – “mamífero” – não é a causa por meio da qual a conclusão é o caso. Ou seja, não é por ser mamífero que todo ser humano é mortal. Como pretensa explicação, essa saída não satisfaz, pois claramente deve haver outra razão (causa), que explique adequadamente esse fato. É aceitável dizer, no máximo, que o termo mediador do silogismo acima é uma causa lógica da conclusão, mas não que ele seja a causa apropriada, capaz de fornecer uma explicação científica para a conclusão. Em outras palavras, é fato inegável que todo ser humano é mamífero, que todo mamífero é mortal e que, portanto, todo ser humano é mortal. No entanto, diz Aristóteles, “nem tudo que é verdadeiro é apropriado” (Segundos Analíticos I.6, 74b 25-26). Note que, em vez de “mamífero”, seria igualmente verdadeiro e correto usar como termo médio do silogismo os termos “animal”, “bípede”, “vertebrado”, “primata”, “ser vivo” etc. A lista de termos que funcionariam como causa lógica da conclusão – “todo ser humano é mortal” – é potencialmente infinita. No entanto, há apenas um termo que captura a causa apropriada e que de fato explica por que “todo ser humano é mortal”. Demonstrar consiste 69 justamente em encontrar esse termo. Angioni (2014, pp. 66-67), mais uma vez, vai fundo nessa questão: O problema é que, se procurarmos sentenças capazes de desempenhar esse papel meramente formal de ser condição suficiente para a dedução correta de uma conclusão, encontraremos não apenas uma sentença (ou um único par de sentenças), mas diversas – eventualmente dezenas ou centenas de sentenças. Se buscarmos sentenças capazes de desempenhar o papel de condição suficiente para a dedução correta da conclusão “todo homem é mortal”, encontraremos várias respostas. Como todas essas respostas consistem em pares de sentenças formados com um termo mediador comum, podemos enumerar os diversos termos que funcionariam bem a título de mediadores nesse contexto: “animal”, “bípede”, “animal bípede”, “animal racional”, “mamífero”, “mamífero bípede”, “ser vivo sublunar”, “ser vivo constituído por certa mistura dos quatro elementos”, “animal sublunar” etc. Com essa proliferação de mediadores igualmente aptos a gerar uma dedução correta da conclusão, surge o problema imperioso de saber se Aristóteles se preocupa em discernir, entre essas sentenças, candidatas ao título de “axioma”, quais realmente merecem o título. Caso se comprove que Aristóteles de fato tem essa preocupação, cumpre também discernir quais são os critérios mediante aos quais ele procede à seleção dos axiomas de uma ciência. Mas nenhum intérprete contente em empregar o vocabulário pomposo da axiomatização enfrenta esses problemas. Algumas páginas adiante, Angioni (2014, p. 77) retoma essa questão sugerindo que consideremos, a título de exemplo, duas explicações concorrentes para um mesmo explanandum: “todo homem é mortal porque todo homem é animal e todo animal é mortal”; “todo homem é mortal porque todo homem é mamífero e todo mamífero é mortal”. E em seguida questiona qual dessas explicações seria, para Aristóteles, a mais apropriada – lembrando que “a alternativa de tomar ambas as explicações como cientificamente equivalentes e, portanto, como igualmente aceitáveis a título de explicação científica, não é a opção filosófica de Aristóteles”. O fator determinante que faz com que o termo mediador da demonstração científica seja mais do que meramente uma causa lógica da conclusão, como acontece em todo silogismo, isto é, o fator que faz com que a relação entre os termos da demonstração seja precisamente causal e não meramente lógica, ficará claro a seguir. Ribeiro (2014, p. 154) adianta que, enquanto num silogismo qualquer as premissas seriam condições suficientes, mas não necessárias para a conclusão – podendo haver vários pares de premissas por meio dos quais é possível provar uma determinada relação entre outros dois termos –, num silogismo científico as premissas devem ser condição suficiente e necessária para a verdade 70 da conclusão. Vejamos como Aristóteles concebe essa noção de necessidade aplicada à demonstração científica. 3.4. Causalidade e necessidade A próxima questão que trataremos foi colocada por Ribeiro (2014, pp. 121-122) nos seguintes termos: “De que modo causa e necessidade, características pelas quais Aristóteles define o conhecimento científico de algo, se encaixam no modelo silogístico do conhecimento demonstrativo?”. Ora, de fato, além de insistir que o conhecimento científico obtido através de demonstração envolve a noção de causalidade, Aristóteles insiste com igual ênfase que ele envolve também a noção de necessidade, sendo estes dois – causalidade e necessidade – os requisitos que definem o próprio conhecimento científico enquanto tal (ver Segundos Analíticos I.2, 71b 9-12). A definição mais básica de “necessário” (anankaios) é “aquilo que não pode ser de outro modo” 33 . Aristóteles sustenta que “a ciência se dá por demonstração, mas não há demonstração das coisas cujos princípios podem ser de outro modo” (Ética a Nicômaco VI.5, 1140a 28 – 1140b 4). Em Ética a Nicômaco VI.3 (1139b 18-25), ele diz o seguinte: O que é a ciência, ficará claro do seguinte modo – se é preciso propor especificações corretas e não se deixar levar pelas semelhanças. Todos nós julgamos que aquilo de que temos ciência não pode ser de outro modo. Por outro lado, passa-nos despercebido se as coisas que podem ser de outro modo são o caso ou não, quando não as estamos considerando. Assim, o objeto de ciência é por necessidade. E nos Segundos Analíticos I.6 (74b 5-15) ele é ainda mais enfático: Visto que o conhecimento demonstrativo provém de princípios necessários (pois aquilo que se conhece cientificamente não pode ser de vários modos), (…) é manifesto que o silogismo demonstrativo procede a partir de itens de tal tipo [sc. necessários], pois tudo se atribui ou deste modo [sc. necessariamente], ou por concomitância, e os concomitantes não são necessários. (…) Se algo está demonstrado, não é possível que seja de outro modo; portanto, é preciso que tal silogismo proceda a partir de itens necessários. 33 Cf. Metafísica V.5, 1015a 33-36 71 Há muitas outras passagens nas quais Aristóteles aborda o tema da necessidade, talvez nenhuma com mais ênfase do que nessa. Nela, é dito que o conhecimento científico ou demonstrativo – e por conseguinte o silogismo demonstrativo – provém de itens ou princípios necessários. É dito também que aquilo que se conhece cientificamente, ou seja, o objeto do conhecimento científico, é necessário – no sentido de não poder ser de vários modos. O requisito de necessidade atribuído por Aristóteles ao conhecimento demonstrativo tem sido frequentemente mal compreendido pelos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, uma vez que esses intérpretes identificam a noção de necessidade aristotélica com o conceito de necessidade modal. Na lógica modal, uma proposição necessária – ou necessariamente verdadeira – é aquela que não pode ser falsa. É o contrário de uma proposição contingente: aquela que, do ponto de vista da lógica, pode ser tanto verdadeira como falsa. A suposição de que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento meramente proposicional levou muitos a crer que Aristóteles atribui o requisito da necessidade às proposições por si mesmas, de modo que o conhecimento científico se daria apenas com proposições modalmente necessárias, isto é, necessariamente verdadeiras em qualquer mundo possível. Essa interpretação equivocada muitas vezes ganha força apoiando-se em leituras superficiais de passagens nas quais Aristóteles distingue o conhecimento científico (episteme) da opinião (doxa), como é o caso do capítulo 33 do livro I dos Segundos Analíticos: “O conhecimento científico e aquilo que é cientificamente cognoscível diferem da opinião e do opinável, porque o conhecimento científico é universal e procede a partir de itens necessários, e aquilo que é necessário não pode ser de outro modo” (88b 30-33). Pouco depois, Aristóteles prossegue: Desse modo, concorda-se com aquilo que manifestamente é o caso, pois a opinião não é firme, tal como a natureza de seu assunto. Além disso, ninguém julga opinar, mas sim conhecer cientificamente, quando julga que é impossível ser de outro modo; mas, quando julga que é o caso assim, embora nada impeça que seja também de outro modo, então julga opinar, de modo que, a respeito de coisas desse tipo, há opinião, mas, a respeito do que é necessário, há conhecimento científico. (Segundos Analíticos I.33, 89a 4-11) 72 Os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado interpretam essa distinção da seguinte maneira: somente acerca de proposições necessariamente verdadeiras é possível ter conhecimento científico (episteme), ao passo que de proposições contingentes só é possível ter opinião (doxa). Diferente dos rivais, os adeptos do paradigma explicativo causal rejeitam, como vimos há pouco, a ideia de que o objeto do conhecimento científico – bem como da opinião nesse contexto – são proposições enquanto predicações simples, mas sustentam que aquilo que é objeto de opinião ou conhecimento científico nesse contexto são argumentos que expressam relações triádicas de causalidade. O próprio Aristóteles aponta claramente nessa direção quando afirma, poucas linhas depois, haver “opinião tanto a respeito do que como do por que” (Segundos Analíticos I.33, 89a 21-23), de modo que, “tal como é possível opinar sobre o que, também é possível opinar sobre o por que (e este é o mediador)” (Segundos Analíticos I.33, 89a 15-16). Muitos, contudo, “tentam reduzir as explicações sem ter distinguido de quantos modos se diz o necessário” (As Partes dos Animais I.1, 639b 22). Aristóteles admite a noção de necessidade aplicada às proposições por si mesmas (necessidade modal), de modo que há sim certas proposições que não podem ser falsas – ou que não podem ser verdadeiras. Nesse sentido, contradições são necessariamente falsas e tautologias são necessariamente verdadeiras. Mas, quando fala de conhecimento científico e demonstração científica, não é essa noção modal de necessidade que interessa a Aristóteles. Nesse contexto, a exigência de necessidade não se aplica às proposições em si mesmas, num nível modal, mas à própria relação entre o explanandum e a sua causa apropriada, na medida em que há apenas uma causa apropriada para cada explanandum – não podendo esta relação ser de outro modo. Como explica Angioni (2014, p. 66): A noção de necessidade central nos Segundos Analíticos não tem como foco relações predicativas (binárias), mas antes relações explanatórias (triádicas). (...) Em relação a um explanandum expresso em forma predicativa, é um terceiro termo que é chamado de “necessário” para uma explicação completamente adequada. 73 Assim, ser verdadeiras é o único requisito das premissas que independe do contexto explanatório. Todos os demais requisitos 34 , inclusive o da necessidade, dependem do contexto explanatório e é dito das premissas sempre em relação à conclusão. As premissas são necessárias no contexto explanatório específico de uma dada demonstração, isto é, são necessárias em relação à conclusão, na medida em que captam o único termo médio que satisfaz a explicação pela causa apropriada daquele determinado explanandum. No contexto de uma demonstração científica, portanto, o que se requer é que as premissas sejam explanatoriamente necessárias; mas não é um requisito que elas sejam necessárias no sentido modal – embora isso seja perfeitamente possível. Demonstrar é encontrar aquelas premissas específicas que são necessárias para explicar apropriadamente a conclusão. Em suma, o que Aristóteles exige para a demonstração científica não é que suas proposições sejam necessariamente verdadeiras, mas que, para cada explanandum, se encontre exatamente aquele termo mediador necessário que de fato explica o explanandum, por expressar sua causa apropriada. Elucidando esse ponto, em Segundos Analíticos I.6 (74b 26-32) Aristóteles diz: Que é preciso que tal silogismo proceda a partir de itens necessários, é evidente também a partir do seguinte. Se quem não possui explicação do por que, sendo possível uma demonstração, não possui conhecimento, e se a situação é tal que A é atribuído necessariamente a C, mas B – o mediador através do qual se demonstrou – não é atribuído necessariamente, não se conhece por que. Pois a conclusão não é o caso devido ao mediador, pois é possível que este não seja o caso, ao passo que a conclusão é necessária. Aristóteles está dizendo algo relativamente simples e bastante esclarecedor. É perfeitamente possível que as proposições envolvidas numa demonstração científica sejam necessárias – todas elas ou pelo menos uma das premissas –, mas isso não é uma exigência da demonstração e nem basta para que tenhamos uma demonstração. Nesse caso, “a modalização das sentenças de um silogismo não ajudará em nada” (ANGIONI, 2014, p. 69). Ou seja, mesmo que admitamos um silogismo correto composto só com proposições necessariamente verdadeiras (modalmente necessárias), se o mediador não expressa a causa apropriada do explanandum, não temos uma demonstração científica. 34 Sobre os requisitos das premissas da demonstração científica em Aristóteles, ver Angioni (2012). 74 Deve estar claro, portanto, o seguinte: Quando, de posse de um explanandum em forma predicativa composto por dois termos, Aristóteles diz ser preciso encontrar as premissas (princípios, itens etc.) necessárias que o explicam, o que está em jogo, na verdade, é o termo mediador – uma vez que os demais termos dessas premissas já se sabe que são os termos extremos expressos na conclusão (explanandum). O que se procura, portanto, é um termo mediador necessário para explicar o explanandum. Em Segundos Analíticos I.6 (75a 12-15), Aristóteles aponta nessa direção: Assim, visto que, se se conhece demonstrativamente, é preciso que seja o caso por necessidade, é evidente que é preciso obter a demonstração através de um mediador necessário; de outro modo, não se conhecerá nem por que, nem que é necessário que aquilo seja o caso [que o mediador seja esse e não outro]. Portanto, quando Aristóteles exige que os princípios da demonstração – a saber, suas duas premissas – sejam necessários, ele não está exigindo que cada premissa ou pelo menos uma delas seja modalmente necessária, isto é, necessariamente verdadeira, mas que, em relação ao explanandum que consta na conclusão, elas sejam exatamente aquelas premissas que associam os termos extremos ao termo mediador certo, aquele que expressa a causa apropriada. Quando estamos de posse de um silogismo com tais características, sabemos que é necessariamente por causa de B que C é A, e, de posse dessa relação triádica causal e necessária, possuímos conhecimento científico. Tendo isso em mente, retomemos a definição de conhecimento científico tal como proposta por Aristóteles em Segundos Analíticos I.2 (71b 9-12): “Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por concomitância), quando julgamos reconhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e que não é possível isso ser de outro modo”. Até agora deve estar claro que possuir conhecimento científico de uma determinada proposição envolve possuir (1) conhecimento de sua causa e (2) conhecimento de que essa conexão causal não pode ser outra, ou seja, que ela é necessária, como bem explicou Angioni (2012, p. 46): Quando Aristóteles diz, em 71b 12, que “isso não pode ser de outro modo”, ele quer dizer que a relação causal adequada, capaz de engendrar conhecimento científico, não pode ser outra. Há apenas uma causa adequada (embora existam outras causas, capazes de fornecer explicações verdadeiras, mas não completas, nem últimas), e isso faz dessa causa a causa “necessária” para o conhecimento científico. 75 Um problema grave de interpretação surge quando adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado se questionam o que precisamente Aristóteles estaria chamando de necessário nessa passagem, ou seja, qual a referência da expressão “isso não pode ser de outro modo” – mais especificamente do pronome “isso” (touto) na linha 71b 12. Eles tendem a interpretar que, nessa passagem, o pronome “isso” retoma aquilo que se pretende conhecer cientificamente na linha 71b 9, a saber, o pragma ou explanandum enquanto predicação do tipo “C é A”. Se essa leitura for a correta, então a necessidade em questão qualifica ou a proposição em si mesma (necessidade modal), ou um estado de coisas no mundo expresso por essa proposição (necessidade ontológica). Comentando essa passagem, Porchat (2001, p. 39) assume uma necessidade ontológica, um estado de coisas eterno. Barnes (1993, p. 92; cf. 1993, p. xvii), por sua vez, parece encontrar nela tanto uma necessidade ontológica como um comprometimento de Aristóteles com certa necessidade modal. Para Ribeiro (2014, pp. 148-150), no entanto, a necessidade da qual Aristóteles está falando nesse contexto não tem nada a ver com necessidade modal ou ontológica. “Embora muito utilizadas em certa tradição interpretativa”, diz Ribeiro (2014, p. 148), essas noções de necessidade ontológica e necessidade modal, “não parecem esclarecer os pontos mais relevantes da teoria aristotélica e, ao contrário, têm contribuído para tornar ainda mais obscura a noção aristotélica de conhecimento científico”. E continua: A palavra “isso” (touto), na linha 71b 12, pode retomar aquilo que foi descoberto ser a causa da proposição “C é A”, ou, mais precisamente, ela pode retomar a própria relação causal estabelecida entre a proposição “C é A”, que figura na conclusão do silogismo, e aquilo que foi descoberto ser sua causa. Desse modo, é necessária a relação que é explicitada através dos três termos na demonstração, ou seja, uma vez encontrada a causa, B, que explica por que “C é A”, não haveria nenhuma outra causa que explicasse adequadamente tal fato (ver Angioni, 2007, p. 25; 2009b, p. 67, nota 14; 2012, pp. 44, nota 72; 46-47; 2014). Assim, o necessário em questão no conhecimento científico seria a relação causal entre um fato, “C é A”, que já se sabia ser o caso, e a causa B que descobrimos ser aquela que apropriadamente responde por que “C é A”. Essa necessidade marcaria o fato de não se tratar de uma causa entre outras possíveis, mas de ser justamente aquela que responde de maneira plenamente adequada e sem a qual não há conhecimento científico. A necessidade, nesse caso, não seria ontológica nem modal, mas seria causal. (2014, p. 149) (...) Desse modo, o foco do conhecimento científico aristotélico estaria nas relações causais necessárias, que explicam por que certos fatos, que são apreendidos como verdadeiros e que ocorrem com certa regularidade, são da maneira como os apreendemos. A ciência aristotélica, portanto, se configuraria como a apreensão e, por conseguinte, a exposição 76 da causa adequada que explica certos fatos que o cientista observou no mundo. (2014, p. 150) A posição de Ribeiro (2014) representa com exatidão a linha interpretativa dos adeptos do paradigma explicativo causal, e torna os tratados efetivamente científicos de Aristóteles muito mais palatáveis e adequados à sua teoria da demonstração científica. Contudo, há ainda um aspecto importante dessa passagem (71b 9-12) que até agora não foi explorado e vem passando quase que despercebido. Aristóteles parece opor esse tipo de conhecimento – que ele chama de científico – a uma certa maneira sofisticada de conhecer, e chama essa maneira de “por concomitância” ou “por um concomitante” (kata sumbebekos)35. Em Metafísica V.30 (1025a 14-34), Aristóteles elucida o termo: Denomina-se concomitante aquilo que, de fato, se atribui a uma coisa e é verdadeiro afirmar, embora não necessariamente. (...) Dado que há algo que se atribui a certa coisa, e dado que algumas delas se atribuem em certa circunstância e em certo instante, é concomitante aquilo que, de fato, se atribui a certa coisa, mas não porque ela era tal e tal (ou agora, ou em tal circunstância). Em certo sentido, pode-se assumir que “concomitante” é o contrário de “necessário”. Para Lloyd (1981, p. 158), por exemplo, dizer que um predicado é concomitante é o mesmo que dizer que esse predicado é “não necessário”. Aristóteles mesmo, ao dizer que o conhecimento demonstrativo é necessário, ressalta que “dos concomitantes (…) não há conhecimento demonstrativo” (Segundos Analíticos I.6, 75a 18-20), e em seguida explica: “Pois os concomitantes não são necessários, de modo que não se daria conhecer necessariamente por que a conclusão é o caso, nem mesmo se fosse sempre, mas não por si mesmo, como os silogismos através de sinais” (Segundos Analíticos I.6, 75a 30-34). Antes de prosseguir, um parêntese: o que seriam esses tais silogismos através de sinais? Vejamos um exemplo: Se sabemos que (1) onde há fumaça há fogo, e que (2) na lareira há fumaça, podemos inferir dedutivamente que (3) na lareira há fogo. O silogismo deduz corretamente, mas o termo mediador “fumaça” não é a causa de haver fogo na lareira: é apenas um sinal de que há fogo na lareira. Nesse caso, o fogo é causa de haver fumaça, mas o contrário não procede, pois a relação de causalidade é assimétrica. A tradução mais consagrada nas línguas latinas é “acidental” ou “por acidente”, mas essa é uma péssima escolha, pois deixa margem para interpretações equivocadas. 35 77 Todavia, um sofista mal intencionado poderia facilmente insistir, com base no silogismo acima, que a fumaça (termo mediador) é a causa de haver fogo na lareira. Muitos julgariam, assim, que ele demonstrou isso. Não é à toa que, nas Refutações Sofísticas, Aristóteles diversas vezes atribui o modo de conhecer por concomitância aos sofistas, acusando-os de produzirem “demonstrações aparentes” usando predicados concomitantes no lugar do termo mediador, de modo a fazer parecer que esses concomitantes são a causa apropriada, quando na verdade não o são. Veja que em Refutações Sofísticas 5 (167b 20-36), Aristóteles define o paralogismo que depende do concomitante como sendo um “paralogismo que toma como causa aquilo que não é causa”; e em Refutações Sofísticas 11 (171b 29), denuncia que o sofista vende um “silogismo por um concomitante” como se fosse uma demonstração. Vejamos outro exemplo simples. Quando você desenha ou imagina um triângulo com o fim de explicar por que todo triângulo possui a propriedade 2R (ter a soma de seus ângulos internos iguais a dois ângulos retos), esse triângulo que você desenhou ou imaginou será necessariamente ou um isósceles, ou um escaleno ou um equilátero; mas o fato dele ser isósceles, por exemplo, não é relevante nesse contexto argumentativo e explanatório: ser isósceles é, portanto, um concomitante – e um sofista poderia insistir que tal triângulo tem 2R por ser isósceles, já que todo isósceles tem 2R. Outra dificuldade pode surgir do seguinte. Quando admitimos que “concomitante” é, em certo sentido, o contrário de “necessário”, os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado tendem a entender “concomitante” como sinônimo de “contingente”. Ora, de fato, na noção modal de necessidade, o oposto de necessário é contingente. Na necessidade causal, porém, o oposto de necessário é concomitante. Como estamos lidando aqui com necessidade causal (e não modal), é importante ter em mente que “concomitante” não é o mesmo que “contingente”, como muitos pensam; tampouco é o mesmo que “essencial” ou algo parecido. Em contextos de explicação causal, como é o caso aqui, é perfeitamente possível lidarmos com predicados que são necessariamente atribuídos ao sujeito, e que são até mesmo parte da essência do sujeito, mas que, ainda assim, podem ser considerados predicados concomitantes, isto é, irrelevantes naquele contexto explanatório, por não expressarem a causa apropriada de um dado explanandum. Isso porque 78 “conhecemos cada fato não por concomitância quando o conhecemos através da coisa em virtude da qual ela é o caso, a partir dos princípios dessa coisa enquanto ela é ela mesma” (Segundos Analíticos I.9, 76a 4-5). Sobre esse assunto, Angioni (2014, pp. 106-107), mais uma vez, é muito esclarecedor: As descrições que se atribuem “por concomitância” ao trovão não são exatamente os atributos acidentais do trovão (...), mas todos os atributos que, sejam contingentes ou não, são irrelevantes para caracterizar o trovão a título de explanandum no domínio da ciência natural (ou em um ramo específico da ciência natural). Para o meteorologista, é irrelevante considerar que o trovão é tal que sua ocorrência próxima no mais das vezes leva bebês a chorar (ou desperta os gatos que estavam dormindo). Ainda que tal atributo seja sempre (ou no mais das vezes) verdadeiro a respeito de trovões, ele é irrelevante para captar qual é a essência do trovão enquanto fenômeno natural a ser explicado. O cientista não deve se ater a esses atributos que, ainda que sejam verdadeiramente atribuídos ao trovão, ou sempre ou no mais das vezes, não contribuem para fazer do trovão algo suscetível de explicação científica no domínio da ciência pertinente. Assim, ao descartar esses atributos irrelevantes e selecionar precisamente os que propiciam um esclarecimento sobre a natureza do explanandum enquanto explanandum, o investigador não somente já captura “algo da coisa” (93a 22) ou “parte da definição” (93a 29) daquilo que ele quer explicar: o investigador assenta as bases propícias para a procura pela causa capaz de explicar, de modo completamente apropriado, por que o explanandum é como ele é. Assim, para cada explanandum no domínio de uma ciência, existe apenas um termo mediador que funciona como causa primeira e apropriada (fator explanatório). Todos os demais termos possíveis de serem inseridos no lugar do mediador em um silogismo correto com pretensão explanatória serão termos que expressam propriedades meramente concomitantes – ainda que essas propriedades sejam essenciais e necessariamente atribuídas ao sujeito. Enquanto mera dedução correta, portanto, um silogismo pode explicar a conclusão por meio de uma propriedade concomitante, mas só será uma demonstração científica se explicar a conclusão por meio de sua causa apropriada, a qual é um termo mediador necessário. 3.5. Adequação extensional e assimetria causal Antes de tratar dos requisitos não formais do termo mediador que expressa a causa apropriada do explanandum na demonstração científica, vejamos brevemente um último requisito de natureza formal. Aristóteles diz ser preciso que o mediador e aquilo de que é causa “sejam iguais” e “se contraprediquem” (Segundos Analíticos II.16, 98b 32 – 99a 1). 79 Em lógica, aquilo que Aristóteles chama de contrapredicação é também chamado de coextensão, comutatividade, conversibilidade ou reciprocidade.36 Ora, o mediador é claramente um termo, mas “aquilo de que é causa” pode ser ambíguo. Temos visto que, na demonstração científica, o mediador é causa do explanandum enquanto sentença predicativa – que consta como conclusão do silogismo demonstrativo. Mas não é possível que um termo se contrapredique com uma sentença predicativa. Um termo só pode se contrapredicar com outro termo, isto é, só pode ser coextensivo a outro termo. Como esta é claramente uma exigência formal aplicada a termos, o que Aristóteles está dizendo é que o termo mediador B (causa) deve ser coextensivo (contrapredicável) ao termo maior A (predicado) que se atribui ao termo menor C (sujeito de predicação). Em outras palavras, podemos dizer que uma condição necessária – mas não suficiente – para que realmente B seja a causa que explica de modo apropriado por que A se atribui a C – ou por que C é A – é que os termos A e B sejam coextensivos (A ≡ B). Mas o que significa dois termos serem coextensivos? O que é essa relação de coextensão? A teoria dos conjuntos ajuda nesse ponto. Tomando os termos A e B como conjuntos, dizer que A e B são coextensivos significa dizer que todos os elementos do conjunto A também pertencem ao conjunto B e vice-versa. Em suma, eles são conjuntos iguais, com a mesma extensão. No caso da demonstração científica, pode ser o caso que C também seja coextensivo aos outros dois termos – e Aristóteles parece de fato preferir que os três termos sejam coextensivos entre si –, mas isso não é uma regra. O que se exige, em todos os casos, é que A e B sejam coextensivos. Assim, a coextensão relevante para a explicação é do termo mediador (causa) com o predicado do explanandum (B ≡ A), e não com o sujeito do explanandum (B ≡ C). Tomemos como exemplo o seguinte silogismo: Todo animal racional é mortal; todo ser humano é animal racional; logo, todo ser humano é mortal. O termo mediador “animal racional” é coextensivo com o termo “ser humano” (B ≡ C), de modo que aquele serve até McKirahan (1992), Hasper (2006), Ferejohn (2013), Angioni (2014, 2018) e Zuppolini (2014, 2018) são os únicos que levam esse requisito a sério. 36 80 mesmo como definição deste. Isso significa dizer que tudo aquilo que é animal racional também é ser humano; e a recíproca é verdadeira: tudo aquilo que é ser humano também é animal racional. Mas o termo “animal racional” não é coextensivo com o termo “mortal”. Ou seja, ainda que admitamos que todo animal racional seja mortal, a recíproca não é verdadeira: nem todo mortal é animal racional – uma vez que animais não racionais também morrem, vegetais morrem etc. Portanto, o termo mediador “animal racional”, ainda que seja coextensivo ao sujeito do explanandum (C), não serve como causa apropriada, isto é, não explica porque todo ser humano é mortal. Por outro lado, o termo “ser vivo sublunar” não é coextensivo com “ser humano”, mas é coextensivo com “mortal” – de modo que todo ser vivo sublunar é mortal, e todo mortal é ser vivo sublunar, na concepção de Aristóteles. Portanto, por ser coextensivo com o predicado do explanandum, o termo mediador “ser vivo sublunar” 37 cumpre o requisito formal para funcionar como explicação pela causa apropriada do explanandum. Assim, para Aristóteles, o ser humano é mortal por ser um ser vivo sublunar, e não por ser um animal racional ou qualquer outra coisa. A definição de ser humano, portanto, não serve para explicar a mortalidade humana. Em termos de adequação extensional, o termo mediador “animal racional” está mais próximo do termo menor, “ser humano” (C, sujeito do explanandum), ao passo que o termo mediador “ser vivo sublunar” está mais próximo do termo maior, “mortal” (A, predicado do explanandum). Como o que se quer explicar não é o ser humano em si, mas o ser humano enquanto mortal, isto é, a mortalidade humana – o fato do ser humano ser mortal –, então devemos procurar como causa (termo mediador) não aquilo que está mais próximo de “ser humano” (C), mas aquilo que está mais próximo de “mortal” (A). É basicamente isso que Aristóteles está explicando na Física, quando diz que “é preciso sempre buscar a causa mais extrema de cada coisa” (Física II.3, 195b 21). Em Segundos Analíticos II.18 (99b 9-12), ele diz ainda: “Entre os mediadores, qual é causa para os particulares, o que está próximo do primeiro universal, ou o que está próximo do particular? Ora, é evidente que é causa aquilo que está mais perto de cada um para o qual é causa”. Aristóteles faz questão de acrescentar a qualificação “sublunar” porque, para ele, apenas “ser vivo” não é coextensivo com “mortal”, uma vez que Deus é um ser vivo e não é mortal. 37 81 Note que, por ser uma relação entre os termos A e B, a coextensão sempre é expressa pela premissa maior do silogismo demonstrativo. Todavia, por conta das limitações formais da silogística, em nenhum caso ocorre a essa premissa maior, por mais bem formulada que ela esteja, dar conta de expressar com exatidão essa relação de coextensão, como bem destacou Angioni (2014, pp. 70-71, nota 12): Uma limitação flagrante da silogística é sua incapacidade de dar expressão formal a relações de coextensão, as quais são estritamente importantes na teoria aristotélica da demonstração: todo mediador B que conta como causa apropriada em uma demonstração é coextensivo com o atributo A cuja presença em C é por ele demonstrada (cf. Segundos Analíticos II.16). Nenhuma forma categórica, porém, é capaz de exprimir a coextensão. Para exprimi-la de modo apropriado, se requer a conjunção de duas formas categóricas (“todo B é A” & “todo A é B”), mas uma tal conjunção jamais funciona como par de premissas em um silogismo, muito menos em uma demonstração. Para discussões sobre coextensão nas relações causais, ver Hasper (2006, pp. 269-78); Smith (1984, p. 63); Ferejohn (1994, pp. 85-6); McKirahan (1992, pp. 214-6); Koslicki (2012, pp. 198-201); Porchat (2000, p. 95-6); Charles (2010a, p. 308); Angioni (2007, pp. 8-12; 2009b, pp. 67-71; 2013b, pp. 332-4). Note também que, na lógica clássica, relações desse tipo (coextensão entre termos ou bi-implicação entre proposições) são simétricas, ao passo que, na demonstração científica, embora os termos A e B sejam coextensivos, a relação causal entre eles é assimétrica, de modo que B sempre é causa de A (em C), mas A nunca é causa de B. Deve estar claro até aqui que a causa apropriada em uma demonstração científica é um termo mediador coextensivo ao predicado do explanandum, e encontrá-la não é tarefa fácil nem trivial, mas uma exigência muito rigorosa e difícil. Contudo, o que mais quero destacar aqui é que não há nada na forma lógica do silogismo que nos ajude a expressar com exatidão essas relações de coextensão e assimetria causal; tampouco que nos ajude a julgar, dentre várias possibilidades de supostas explicações concorrentes, qual delas de fato explica o explanandum pela sua causa apropriada, como insiste Angioni (2014, pp. 80-82) de maneira propositalmente repetitiva: Não há como distinguir, pela mera estrutura formal dos silogismos, quais são explanatoriamente apropriados e quais não são; não há, portanto, como identificar, na estrutura formal dos silogismos, o traço específico e essencial que faz uma demonstração ser uma demonstração. (...) Nada na estrutura formal dos silogismos, nem sequer na estrutura formal das sentenças que os constituem, contribui decisivamente para discernir quais silogismos são explanatoriamente apropriados e quais não são. (...) Uma explicação apropriada não pode ser reduzida a características formais da demonstração e, a rigor, tampouco pode ter seu traço mais 82 específico, enquanto explicação apropriada, captado ou expresso pelas características meramente formais que fazem da demonstração uma dedução correta. Ora, deve estar claro que o critério decisivo para saber se uma pretensa explicação de fato explica por meio da causa apropriada, isto é, se de fato estamos de posse de uma demonstração capaz de engendrar conhecimento científico, não é um critério formal. De que natureza seria, pois, esse critério decisivo? Quando começa a esboçar uma resposta, Angioni (2014, p. 80) retoma uma das características mais marcantes da metafísica aristotélica, a saber, o essencialismo: Questão mais difícil consiste em saber de que modo (isto é, por meio de quais critérios) Aristóteles pretende distinguir entre uma explicação plenamente apropriada, do ponto de vista científico, e as demais explicações que, mesmo sendo razoáveis em algum plano, não são a explicação cientificamente apropriada. Em linhas gerais, a resposta de Aristóteles consiste em dizer que uma explicação plenamente apropriada é aquela que capta a essência de seu explanandum. Vejamos a seguir de que maneira esse tema está profundamente interligado com a teoria aristotélica da demonstração científica. 3.6. Causalidade e essencialismo Em Metafísica IV.3 (1005b 2-5), Aristóteles recomenda que os estudos que orientam aquele tratado devem ser feitos posteriormente ao estudo dos Analíticos; e diagnostica que os erros que frequentemente se cometem quanto aos assuntos da Metafísica se devem a uma má formação no assunto dos Analíticos, que deveriam ser a base desse tipo de investigação. “De fato”, diz Aristóteles, “é preciso chegar já sabendo previamente esses assuntos, mas não buscá-los enquanto se ouve [sc. o presente curso]”. Por ora não pretendo me aprofundar muito nesse assunto, mas o fato é que a teoria da demonstração científica de Aristóteles nos Segundos Analíticos fornece fundamentos ontológicos para todo o pensamento aristotélico 38 e possui uma forte ligação com a Metafísica, mais precisamente no estudo acerca das noções de substância e essência39. 38 39 Sobre isso ver Zuppolini, 2017. Sobre isso ver Angioni, 2008. 83 Os Segundos Analíticos claramente lidam com a lógica, mas não se limitam a ela e vão muito além. Enquanto a lógica presente na maior parte dos Primeiros Analíticos lida com as estruturas formais do raciocínio, do pensamento e da linguagem, os adeptos do paradigma explicativo causal reconhecem que “a estrutura silogística da prova científica ou da demonstração seria adequada à própria estrutura causal do mundo” (RIBEIRO, 2014, p. 143). Esse contato direto com a realidade foi enfatizado inclusive por notáveis adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado. McKirahan (1992, p. 4), por exemplo, afirma que “as provas fazem mais do que indicar relações entre proposições; elas também revelam relações reais entre os fatos”. Zingano (2005, p. 90) é feliz ao abordar esse assunto. Segundo ele, para Aristóteles, “o silogismo científico tem de estar amoldado à causalidade das coisas, pois deve exprimir em proposições o movimento causal que se dá no mundo mesmo. O silogismo científico deve, portanto, transcrever na linguagem da inferência a ordem causal do mundo”. Lloyd (1991, pp. 163-164) reconhece que o requisito de necessidade aplicado à demonstração científica vai além da mera necessidade lógica imposta pela estrutura formal do silogismo, ou ainda de uma necessidade modal requerida das proposições que o constituem. Segundo ele, esse requisito se baseia em uma característica fundamental da metafísica aristotélica, a saber, o essencialismo: A necessidade de ambos os tipos de premissa depende da essência. Isso significa que, para Aristóteles, como às vezes foi dito, a necessidade é “fundamentada na essência” – tem essência como seu arche como ele poderia ter dito? Talvez seja assim. (...) Uma vez que o necessário é extensionalmente equivalente aqui às consequências essenciais e lógicas do essencial, podemos dizer que estamos preocupados com a necessidade real. Em suma, o que todos esses autores estão dizendo é algo bastante simples: Dizer que “C é A” significa dizer que os referentes dos dois termos estão unidos na realidade, no mundo; dizer que “C não é A” significa dizer que os referentes dos dois termos estão separados na realidade; e dizer, numa demonstração científica, que “C é A por causa de B” significa dizer que B é a causa que liga os termos A e C na realidade. 84 Esse tipo de causa é, pois, claramente uma causa ontológica, e não meramente lógica ou epistemológica. É preciso identificar no mundo – e não meramente na mente ou no raciocínio – o fator causal que explica o fato que se pretende explicar (sc. o explanandum). Zuppolini (2014) aborda esse assunto em termos de causa como ratio essendi (razão de ser) e causa como ratio cognoscendi (razão de conhecer); e defende que a causa apropriada em uma demonstração científica é sempre uma ratio essendi e não meramente uma ratio cognoscendi. É nos dois primeiros capítulos do livro II dos Segundos Analíticos que Aristóteles identifica, em algum sentido que veremos a seguir, a explicação pela causa apropriada que caracteriza a demonstração científica com a busca pela essência de algo. Aristóteles começa dizendo que há precisamente quatro tipos de questões que são suscetíveis de investigação filosófica: investigamos o “que”, o “por que”, o “se é” e o “o que é” (Segundos Analíticos II.1, 89b 23-36). A diferença entre o conhecimento do “que” e do “por que” já foi explicada neste trabalho 40 . Enquanto o conhecimento do “que” é proposicional e conhece fatos, o conhecimento do “por que” é científico e conhece relações causais que explicam esses fatos previamente conhecidos. “Pois, quando investigamos se isto ou aquilo (...), por exemplo, se o sol se eclipsa ou não, investigamos o que”, diz Aristóteles, apontando em seguida um sinal disso: “tendo descoberto que se eclipsa (sc. o sol), detemo-nos; e se desde o início sabemos que se eclipsa, não investigamos se se eclipsa”. Como também já vimos, o conhecimento do por que pressupõe como ponto de partida o conhecimento do que, uma vez que, somente quando conhecemos o que, é que estamos aptos a investigar o por que: “Por exemplo, sabendo que se eclipsa (sc. o sol), ou que a Terra se move, investigamos por que se eclipsa ou por que se move” (Segundos Analíticos II.1, 89b 29-31). Pelo que dissemos anteriormente, este ponto deve estar claro. A novidade aqui são os outros dois tipos de questões suscetíveis de investigação, a saber, aqueles que Aristóteles chama de “se é” e “o que é”. O “se é” diz respeito a suposições de existência, como quando investigamos “se é ou não é o caso centauro ou deus”. Nesse ponto, Aristóteles faz uma observação muito pertinente: “e quero dizer ‘se é ou 40 Ver seção 3.1. 85 não é’ simplesmente sem mais, mas não ‘se é branco ou não’” (Segundos Analíticos II.1, 89b 31-36). O que Aristóteles está dizendo aqui é algo relativamente simples: a investigação acerca do “se é”, ficando nos exemplos dados (centauro e deus), não diz respeito a questões como saber se o centauro é branco, forte, mortal ou qualquer outra coisa, assim como não está em questão saber se os deuses são imortais, justos ou qualquer outra coisa. O verbo “é”, nesse caso, não é um verbo de ligação com algum predicado, mas era a maneira que o grego tinha para expressar suposições de existência. Não está em questão, portanto, saber se centauro ou deus é isto ou aquilo, mas apenas saber se centauro ou deus é, sem mais – ou seja, se existe ou não.41 Já o conhecimento do “o que é”, por seu turno, pressupõe o conhecimento do “se é”, haja vista que “sabendo que é o caso, investigamos o que é, por exemplo, o que é deus ou o que é homem” (Segundos Analíticos II.1, 89b 33-36). Isso que Aristóteles está chamando de conhecer “o que é” corresponde precisamente a conhecer a essência de algo. Note que há, nessa lista aristotélica dos quatro tipos de questões, dois tipos que são mais básicos e servem de pressuposição e ponto de partida, e outros dois tipos que são mais complexos e partem daqueles mais básicos. Dessa forma, temos o conhecimento do “que” e do “se é” como formas de conhecimento mais elementares e rudimentares – sabemos de um fato ou da existência de algo. De posse delas, é possível investigar questões mais complexas e robustas, como o “por que” e o “o que é” – explicar um fato pela sua causa apropriada ou captar a essência de algo. Para Aristóteles, todos esses tipos de questões giram em torno de um elemento em comum, a saber, aquilo que ele chama de “mediador” – ou “termo mediador”, quando no contexto se assume uma forma silogística. Nesse sentido, “quando investigamos o ‘que’ ou ‘se é’ simplesmente sem mais, estamos investigando se porventura há ou não há mediador da própria coisa”, ao passo que, “quando investigamos o ‘por que’ ou o ‘o que é’, após ter conhecido ou ‘que’ ou ‘se é’ (...), estamos investigando o que é o mediador” (Segundos Analíticos II.2, 89b 37 – 90a 2). Em outras palavras, sabendo que há um mediador, procuramos qual é esse mediador. Aristóteles sintetiza esse ponto fazendo todos os quatro tipos de investigação convergirem para a noção central de causa ou explicação (aitia): 41 Sobre essa noção de existência para os gregos, ver Kahn, 1997, p. 91 ss. 86 “Decorre que, em todas as investigações, investiga-se ou se há mediador, ou o que é o mediador. Pois o mediador é a causa (aitia), e é ela que se investiga em todos esses casos” (Segundos Analíticos II.2, 90a 5-7). O ponto que mais nos interessa agora é a identificação entre aqueles dois tipos mais complexos de investigação, isto é, a identificação do “por que” com o “o que é”, ou seja, a relação intrínseca entre a demonstração científica e o essencialismo aristotélico. Aristóteles afirma literalmente que, “em todos esses casos, é manifesto que é o mesmo o ‘o que é’ e o ‘por que é’” (cf. 90a 14-15, 90a 31-33, 93a 3-9). Em suma, para Aristóteles, esses dois tipos de questão são redutíveis entre si, de modo que investigar “o que é o eclipse” é o mesmo que investigar “por que há eclipse” ou “por que ocorre o eclipse”, uma vez que a essência (o que é) do eclipse nada mais é do que a “privação de luz na lua devido à interposição da Terra [sc. entre a lua e o sol]”, ao passo que a explicação (por que) do eclipse é que essa privação de luz ocorre à lua devido à interposição da Terra [sc. entre a lua e o sol] (Segundos Analíticos II.2, 90a 14-18). Perceba que tanto a essência (o que é) do eclipse como a explicação (por que) do eclipse têm como pedra fundamental o termo mediador que expressa a causa apropriada do eclipse: a saber, a interposição da Terra entre a lua e o sol. Ora, temos visto que o fator explanatório ou causa apropriada corresponde à essência do explanandum. Mas já dissemos que, no contexto dos Segundos Analíticos, o explanandum é sempre uma sentença predicativa, isto é, uma proposição; e – convenhamos – não parece fazer sentido falar em essência de uma proposição. Todavia, esse aparente impasse é de fácil solução. O mais relevante para compreender esse ponto é que, para Aristóteles, qualquer explanandum formulado em uma sentença predicativa – para o qual se busca a explicação adequada – pode ser reduzido a um termo – para o qual se busca a essência. Assim, quando estamos procurando um termo mediador que expresse a causa apropriada da predicação clássica “todo ser humano é mortal”, estamos ao mesmo tempo procurando a essência da “mortalidade humana”. E a recíproca também vale: quando estamos procurando a essência daquilo que chamamos de “mortalidade humana”, estamos ao mesmo tempo procurando a explicação mais apropriada para o fato de todo ser humano ser mortal. Lloyd (1991, p. 163) já admitia que “a essência aristotélica não é nominal”. 87 A fim de formalização, para não ficar só nos exemplos, podemos dizer que toda sentença predicativa na forma “S é P”, na qual S é o sujeito e P é o predicado, pode ser reduzida a um termo na forma P(s)42, que nomeia dada propriedade atribuída a dado sujeito – e vice-versa. Essa fórmula P(s) deve ser substituída, em cada caso, por expressões como: “mortalidade humana” ou “ser humano enquanto mortal”; “movimento dos animais” ou “animais enquanto capazes de locomoção”; “eclipse” ou “lua enquanto privada de luz”; “trovão” ou “nuvem enquanto sofre certo tipo de estrondo”; etc. Nesse sentido, admitimos que cada sujeito pode estar vinculado a muitas “essências”, dependendo da área ou campo do saber e das propriedades ou predicados que lhe são atribuídos em cada contexto de investigação. Por exemplo, o sujeito “ser humano”, dependendo do contexto, pode envolver inúmeras essências: “ser humano enquanto mortal” ou “mortalidade humana”; “ser humano enquanto animal racional” ou “racionalidade humana”; “ser humano enquanto dotado de um corpo” ou “anatomia humana”; “ser humano enquanto passível de enfermidades”, objeto de estudo da medicina; “ser humano enquanto animal político”, objeto de estudo da política; “ser humano enquanto portador de códigos de conduta moral”, objeto de estudo da ética; “ser humano enquanto ser humano mesmo”, objeto de estudo da antropologia; entre outros incontáveis exemplos. É nesse sentido que Aristóteles estabelece como objeto de estudo da metafísica, teologia ou filosofia primeira o “ser enquanto ser” (ou “ente enquanto ente”), que é essencialmente diferente do “ser enquanto ser vivo”, objeto da biologia; “ser enquanto passível de movimento, geração e corrupção”, objeto da física; “ser enquanto quantidades, padrões e formas imutáveis”, objeto da matemática etc. Um aspecto de extrema importância na teoria aristotélica da demonstração científica é que a causa ou fator explanatório expresso pelo termo mediador capta, em primeiro lugar, a essência do atributo (mais precisamente do predicado enquanto atribuído ao sujeito), e não do sujeito sem mais. Nesse ínterim, tomando um explanandum na forma “S é P” (ou “C é A”, para manter as letras usadas no contexto dos Segundos Analíticos), é claro que Aristóteles admite que há uma essência para o sujeito C sem mais e uma essência para o predicado A sem mais. No entanto, para captar a essência do explanandum (CA), a essência de A (predicado, propriedade ou atributo) é mais relevante do que a essência de C (sujeito). 42 Lê-se “P de S”, ou seja, o predicado P enquanto atribuído ao sujeito S. 88 Talvez o principal proponente da tese de que, na teoria aristotélica da demonstração científica, o mais relevante é a essência dos atributos e não dos sujeitos, Angioni (2014, pp. 96-97) se expressa nestes termos: Conhecer por que o atributo A se predica de C equivale a conhecer a essência da entidade nomeada como “X”, que se constitui pela relação entre A e C. Um explanandum terá sido demonstrado quando, na conclusão, a relação predicativa entre C e A tiver sido explicada através de um mediador B que, sendo a causa apropriada pela qual o atributo A ocorre no sujeito C, é também o núcleo mais importante da definição que diz o que é a entidade X, constituída pela relação entre C e A (cf. 93a 32-33, 93b 12; 94a 1-7). Pode-se dizer, nesse contexto, que o mediador B é, de algum modo, a essência do atributo A enquanto atribuído a C (cf. 93a 32-33, 93b 12; 95a 16-19; 99a 21-22). Essa é uma tese polêmica. David Charles, Peramatzis, Kit Fine e Locke estão entre os que tendem a rejeitar essa noção de essência de atributos, baseados em leituras tradicionais de Metafísica VII.4-6, de que somente as substâncias possuem essência. Angioni e Lowe, entretanto, estão entre os que sustentam que essa tese constitui um aspecto básico do essencialismo de Aristóteles. Diante dessa questão, Angioni (2014, pp. 113-114) se posiciona da seguinte maneira: Costuma-se dizer que, de acordo com a teoria da demonstração científica proposta por Aristóteles, deve-se explicar pela essência etc. Muitas vezes, porém, julga-se que a essência capaz de fornecer a explicação adequada para um dado explanandum consiste na essência do sujeito C, ao qual se atribui a propriedade a ser explicada. Esse quadro não é implausível e incorreto por si mesmo. No entanto, é preciso notar que, pelos exemplos considerados no livro II dos Segundos Analíticos, a essência em questão, que deve ser captada pelo termo mediador que introduz a explicação plenamente apropriada, não é a essência do sujeito C, mas a essência do explanandum enquanto tal: ou seja, a essência da entidade complexa que se constitui quando, precisamente, o atributo A está presente no sujeito C. Para ele, essa entidade complexa pode ser descrita de pelo menos três modos diferentes, mas que no fim querem dizer a mesma coisa: (i) o atributo A enquanto atribuído a C (por exemplo, “o estrondo na nuvem”, ou “o caráter mortal do ser humano”, ou “longevidade dos quadrúpedes”) – diferente do atributo A tomado em si mesmo, independentemente de sua relação atributiva com C (por exemplo, “estrondo”, “mortalidade” ou “longevidade”); (ii) o sujeito C enquanto portador do atributo A (por exemplo, “a nuvem que sofre estrondo, enquanto sofre estrondo”, ou “o ser humano 89 precisamente enquanto mortal”, ou “os quadrúpedes precisamente enquanto longevos”) – diferente do sujeito C tomado em si mesmo, independentemente de sua relação atributiva com A (por exemplo, “nuvem”, “ser humano” ou “quadrúpedes”); (iii) a entidade complexa que resulta da relação predicativa entre C e A, quer exista ou não para ela um nome ou uma expressão nominal na linguagem (por exemplo, “o trovão”, ou “a mortalidade humana” etc.). (ANGIONI, 2014, p. 114) E, por fim, resume sua posição afirmando o seguinte: Em todos esses três casos, fica claro que explicar pela essência não consiste em isolar as propriedades essenciais do sujeito C sem nenhuma atenção às especificidades do atributo A que se quer explicar. Ao contrário, explicar pela essência consiste em captar as propriedades essenciais da entidade complexa constituída pela relação predicativa entre o sujeito C e o atributo A que se quer explicar. (ANGIONI, 2014, p. 114) Tendo numerado aqueles quatro tipo de questões suscetíveis de investigação como (1) “que”, (2) “por que”, (3) “se é” e (4) “o que é”; e já tendo explicado de que maneira as questões do tipo (1) e (3), bem como as questões do tipo (2) e (4) são redutíveis entre si, Angioni (2014, pp. 97-98) ajuda a esclarecer esse ponto com um exemplo já fartamente explorado neste trabalho, o exemplo do trovão: O fenômeno designado pelo nome “trovão” é escandido na conclusão em termos de ocorrência do atributo “estrondo” ao sujeito “nuvem”. Aristóteles certamente tem em vista uma descrição mais complexa do extremo maior “estrondo”, a saber: “certo estrondo” (cf. 93a 22-23), em que “certo” é abreviação das características específicas do tipo de estrondo que caracteriza o trovão – se assim não fosse, Aristóteles não se poderia fiar, como se fiou, na intersubstituibilidade entre “trovão” e “estrondo”. Assim, a extinção do fogo, que se atribui à nuvem, é a causa pela qual ocorre à nuvem o tipo específico de estrondo que é o trovão e, por isso mesmo, é também a parte mais fundamental da definição que diz o que é o trovão, a ponto de Aristóteles, às vezes, poder afirmar que tão somente “extinção do fogo” é a definição de trovão. Assim, “extinção do fogo”, enquanto termo mediador do silogismo de primeira figura que conclui com a atribuição de “estrondo” a “nuvem”, apresenta-se não apenas como causa que responde à questão do tipo (2), por que à nuvem se atribui o estrondo, mas também como causa que responde à questão do tipo (4), o que é o trovão, ou seja, qual é o fator explanatório mais importante que perfaz a unidade entre os elementos de que se constitui o fenômeno a ser explicado. Não surpreende, portanto, que, em 94a 1-7, Aristóteles introduza uma noção triádica de definição – justamente a definição que articula no definiens os três termos envolvidos nos esquemas silogísticos apresentados anteriormente. A definição completa do trovão, por exemplo, consiste em “estrondo na nuvem devido à extinção do fogo” (94a 5). Abro aqui um parêntese para mencionar de passagem um aspecto da teoria que, pelo menos para Angioni (2014), é de muita relevância. Trata-se da importância de começar a 90 busca da explicação pela causa apropriada – e, consequentemente, da essência de um dado explanandum –, partindo de uma descrição já minimamente apropriada desse explanandum. Para explicar esse ponto, Angioni (2014, p. 106) recorre ao exemplo do eclipse: Para discernir, ao final de uma investigação, o que é o eclipse lunar, bem como para capturar a causa apropriada que explica por que o eclipse ocorre à lua, o investigador científico deve tomar como ponto de partida descrições que já captam parcialmente o que é o eclipse: por exemplo, a descrição que diz que o eclipse é “tal e tal privação de luz na lua” (93a 21-24). Se o investigador toma como ponto de partida uma descrição que se atribui “por concomitância” (kata symbebekos) ao eclipse lunar, ele terá dificuldades até mesmo em discernir se ocorre ou não um eclipse – ou, então, terá dificuldades em discernir se o eclipse é de fato um explanandum legítimo no domínio de uma dada ciência. A norma, para o investigador científico, é atinar, já na etapa prévia à procura pela causa, com uma descrição que captura “algo da coisa” (ti tou pragmatos, 93a 22). Algumas páginas depois, continua: Uma vez satisfeita a exigência de descrever o explanandum de modo articulado, conforme a relação predicativa entre seus elementos constituintes devidamente caracterizados, o termo mediador se encaixa perfeitamente como o arremate que traz o fundamento pelo qual esses elementos se compõem de modo a constituir o explanandum. Em outras palavras, a própria descrição apropriada do explanandum já mostra o encaixe no qual o termo mediador deve ser acrescentado. A tarefa de encontrar o termo mediador apropriado é favorecida, portanto, quando o próprio explanandum é descrito do modo apropriado na relação predicativa que figura como “conclusão da demonstração”. (ANGIONI, 2014, p. 113) Ou seja, tomando como ponto de partida uma descrição na medida do possível apropriada daquilo que se pretende explicar e colocando essa descrição apropriada do explanandum como conclusão de um silogismo demonstrativo, o trabalho de quem pretende demonstrar cientificamente consiste basicamente em encontrar aquele termo mediador que fornece ao mesmo tempo (1) o fator causal que explica pela causa apropriada e (2) a essência do explanandum: A rigor, o termo mediador apropriado, em uma demonstração, deve explicar de maneira plenamente apropriada por que o explanandum se dá, e isso equivale a captar a essência do explanandum. De fato, Aristóteles assevera que explicar por que um dado explanandum é o caso é o mesmo que dizer o que ele é (cf. 90a 14-15, 90a 31-32, 93a 4), e dizer o que o explanandum é equivale a exprimir sua essência – captar sua estrutura interna, as articulações entre seus elementos e os fundamentos dos quais essas articulações dependem. (ANGIONI, 2014, p. 112)43 43 Ver também Angioni, 2019b. 91 As aplicações e implicações dessa teoria logo emergem aos olhos do leitor mais atento, como sintetiza Angioni (2014, pp. 114-115): Creio que essas características do essencialismo aristotélico, além de aflorar como interpretação mais apurada dos Segundos Analíticos, também mostram seu interesse filosófico. A noção de essência, longe de ser uma entidade misteriosa, distinta da entidade da qual é essência, consiste simplesmente nas propriedades que captam o que algo é em seu modo mais característico. Essências podem ser atribuídas a qualquer pragma: essências são as propriedades que explicam porque seu portador é o que ele é. Além de, como vimos, conciliar harmonicamente a teoria da ciência aristotélica dos Segundos Analíticos com os seus tratados efetivamente científicos e tornar praticamente nulas e sem sentido as maiores dificuldades levantadas pelos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado no capítulo anterior, essa interpretação da teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma explicativo causal que propomos na “escola de Campinas”44 ainda lança luz e serve de base para uma leitura mais sóbria e razoável da Metafísica.45 3.7. Demonstração forte e demonstração fraca Por fim, apenas a título de parêntese, entendo haver aqui espaço para uma concessão aos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado. De fato, em diversas passagens dos Primeiros Analíticos, bem como de outros tratados – e mesmo nos Segundos Analíticos –, Aristóteles parece fazer uso da expressão “demonstração” (apodeixis) em um sentido vago, lato sensu, que não remete à demonstração científica estritamente falando, tal como a caracterizamos neste trabalho, mas à mera ação ou efeito de provar ou comprovar, por meio de silogismos, a verdade de uma dada proposição com base na verdade das premissas. Ribeiro (2014, p. 136) concorda com essa concessão: Para entender a referência a essa expressão, ver o Prefácio de Angioni, 2014 (pp. 9-12), por Raphael Zillig e Rodrigo Guerizoli. 45 Diferente das demais seções deste capítulo, esta última, que trata da relação íntima entre a teoria da demonstração científica e o essencialismo aristotélico, ainda precisa de maior aprofundamento em trabalhos futuros. 44 92 Nos Primeiros Analíticos, a expressão “demonstração” parece ser usada lato sensu, ou seja, num sentido que remete à prova, em termos mais gerais, mas não a uma prova científica, como parece ser o caso na maioria das ocorrências dessa expressão nos Segundos Analíticos, quando é usada num sentido mais técnico, que se refere ao tipo de silogismo por meio do qual obtemos conhecimento científico. Em notas a esse trecho, Ribeiro (2014, p. 136, notas 25 e 26) indica uma série de passagens nas quais, segundo ela, Aristóteles emprega esse uso mais frouxo e vago da expressão “demonstração” nos Primeiros Analíticos (Cf. 29b 7-12; 31a 14-17, 45a 38-40; 62a 8-11). Nessas passagens, diz ela: “o contexto argumentativo claramente nos mostra que Aristóteles, embora use o termo apodeixis e seus derivados, tem em mente uma prova e não uma demonstração, no sentido em que essa expressão se define nos Segundos Analíticos”. Em seguida ela chama atenção para uma passagem específica dos Segundos Analíticos I.13 (78a 28-39), na qual, de acordo com ela, “Aristóteles parece fazer um uso mais frouxo da expressão apodeixis, empregada como sinônimo de silogismo ou prova”. Esse uso lato sensu de apodeixis parece ser um caso similar ao uso lato sensu de episteme, que explicamos na seção 1.1. desde trabalho (pp. 15 ss.). Ou seja, assim como é possível, no uso corrente da linguagem, usar episteme num sentido fraco, remetendo a qualquer tipo – ainda que rudimentar – de “conhecimento”, e não ao conhecimento científico estritamente falando, também é possível e mesmo trivial usar apodeixis em um sentido fraco, remetendo a mera “prova” silogística, e não à demonstração científica estritamente falando. O próprio Aristóteles fornece pistas de que parece estar ciente desse uso ambíguo da expressão. Apontam nessa direção passagens nas quais ele qualifica apodeixis com a expressão haplos (apodeixis haplos, isto é, demonstração mesmo, de fato, de todo, absolutamente, estritamente, simplesmente, simpliciter, sem mais, sem qualificação, sem cláusulas adicionais). Uma dessas passagens encontra-se em Segundos Analíticos I.3 (72b 30), quando ele afirma que, “se aquela tese fosse o caso [sc. de que a demonstração se dá em círculo], (...) uma das demonstrações não é uma demonstração sem mais (apodeixis haplos)”. Em Segundos Analíticos I.9 (76a 14-15), Aristóteles diz que “é manifesto que não é possível demonstrar cada coisa, sem mais (haplos), a não ser a partir dos princípios de cada uma”.46 46 Cf. Refutações Sofísticas 5, 167b 9. 93 Com base em passagens como essas, é possível rastrear na obra de Aristóteles dois usos distintos de “demonstração” (apodeixis), aos quais resolvi chamar demonstração forte ou científica (stricto sensu) e demonstração fraca ou não científica (lato sensu). A demonstração forte seria aquilo que entendemos estritamente por demonstração científica, tal como caracterizada neste trabalho, especialmente no presente capítulo. Já a demonstração fraca seria aquilo que alguns entendem em um sentido mais amplo como sendo demonstração, a qual não é científica. A demonstração forte seria explicação científica, enquanto que a fraca seria mera prova silogística. Não é exagero sugerir que “demonstração” talvez não seja a melhor escolha para traduzir apodeixis. No jargão técnico dos estudos aristotélicos, o termo já está estabelecido e consolidado, mas, no uso corrente na língua, demonstrar uma proposição significa quase sempre provar que ela é verdadeira – é assim, por exemplo, com as demonstrações matemáticas. Talvez devido a essa carga semântica, o uso do termo “demonstração” para traduzir apodeixis nos Segundos Analíticos tem gerado confusão e levado até mesmo especialistas a cometerem graves erros de interpretação, como vimos no capítulo anterior. Talvez fosse mais proveitoso usar, em alguns contextos, a palavra “explanação” ou simplesmente “explicação”. Todavia, isso tornaria sem sentido as passagens nas quais Aristóteles usa apodeixis no sentido fraco, lato sensu. Na falta de um termo melhor, seguimos usando “demonstração” como tradução consolidada e padrão para apodeixis. 94 4. CONCLUSÃO Entre os estudiosos aristotélicos, mais especificamente entre aqueles que procuram interpretar os Segundos Analíticos, não há consenso acerca do que precisamente Aristóteles entende por “demonstração científica” (apodeixis). Como vimos, no geral é possível classificar as diferentes linhas de interpretação em dois grandes grupos: (1) os que interpretam a teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma dedutivo axiomatizado e (2) os que a interpretam segundo um paradigma explicativo causal. No presente trabalho, o que acabei de fazer foi comparar essas duas grandes linhas interpretativas, criticar a primeira e defender a segunda. Ao longo do século XX, aquilo que chamei de paradigma dedutivo axiomatizado foi por muito tempo considerado a interpretação padrão da teoria, mas passou a ser seriamente questionado nas últimas décadas. Uma parte significativa dessas críticas à chamada interpretação padrão ganhou força e relevância acadêmica nos últimos anos graças ao trabalho de pesquisa desenvolvido na “escola de Campinas” 47 – grupo de pesquisadores aristotélicos liderados por Lucas Angioni. 47 Ver nota 42 na página 90. 95 Como vimos na seção 2 deste trabalho, a chamada interpretação padrão entende que a demonstração científica proposta por Aristóteles nos Segundos Analíticos lida meramente com conhecimento proposicional e possui uma preocupação primariamente epistemológica e racionalista de justificar o conhecimento, isto é, de garantir contra toda dúvida ou objeções céticas que determinada proposição que se supõe conhecer é de fato verdadeira. Caracterizase, assim, por ser um método formal, dedutivo e axiomatizado que tem por finalidade última pelo menos uma das seguintes realizações: (1) descobrir novas verdades, ampliando assim o nosso repertório de proposições conhecidas; (2) verificar ou estabelecer o valor de verdade de proposições inicialmente incertas ou problemáticas; (3) fundamentar e prover uma justificação epistêmica para o conhecimento; (4) ensinar e transmitir o conhecimento de maneira didaticamente organizada. Entre as características específicas do silogismo demonstrativo ou científico – que o torna diferente de todos os demais tipos de silogismo – a grande maioria desses autores propõe como característica distintiva pelo menos uma das seguintes: (1) a verdade das proposições, (2) a necessidade modal das proposições e (3) o uso de axiomas, que fundamentariam em última instância todos os postulados e teoremas de uma ciência. Nos tópicos finais da seção 2, mostrei como essa interpretação padrão da teoria da demonstração científica em Aristóteles invariavelmente conduz a pelo menos duas grandes dificuldades. Em primeiro lugar, a teoria aristotélica da demonstração científica não seria aplicável às ciências naturais, por causa da contingência de suas proposições, limitando-se às ciências formais como a lógica e as matemáticas. Além disso, Aristóteles teria cometido um grave erro ao escolher o silogismo como ferramenta da demonstração, haja vista que a silogística claramente possui severas limitações como método dedutivo. Em oposição à chamada interpretação padrão da teoria da demonstração científica de Aristóteles, vimos na seção 3 que há um grupo menos numeroso de intérpretes que adotam como chave hermenêutica dos Segundos Analíticos – bem como da ciência aristotélica como um todo – a noção de causalidade ou explicação, enfatizando a noção de explicação pela causa apropriada e evitando a associação de Aristóteles com as modernas teorias racionalistas de justificação epistêmica, de modo que aqueles problemas aparentemente insolúveis que mencionei simplesmente deixam de fazer sentido dessa perspectiva. 96 Em primeiro lugar, defendi que conhecimento científico (episteme) para Aristóteles não corresponde àquilo que chamamos em epistemologia contemporânea de conhecimento proposicional: uma crença verdadeira e justificada. Começar por essa distinção foi fundamental para que pudéssemos rejeitar os componentes epistemológicos da teoria e retirar a ênfase do campo da epistemologia. Deve ter ficado claro que, para Aristóteles, o conhecimento científico (episteme), embora envolva e assuma como pressuposto o conhecimento proposicional, vai além de meramente saber que dada proposição é o caso: ele precisa também dar conta de explicar por que ela é o caso. Isto significa que, para Aristóteles, o valor de verdade de cada uma das proposições envolvidas na demonstração científica é previamente conhecido. Não está em jogo, portanto, provar ou certificar se tais proposições – especialmente aquela que figura como conclusão da demonstração – são ou não verdadeiras, como entendem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, pois elas são todas sabidamente verdadeiras de antemão. Depois defendi que a noção aristotélica de causa, diferente da humeana que é binária, possui uma estrutura essencialmente triádica – ou seja, é sempre constituída por três termos. Isso significa que Aristóteles expressaria a noção de causalidade da seguinte maneira: B é a causa de A em C; ou seja, primeiro é preciso saber que C é A, para só então explicar por que C é A, isto é, demonstrar que C é A por causa de B. Quanto ao papel do silogismo na demonstração científica, defendi que, longe se ser um erro metodológico ou uma escolha infeliz de Aristóteles, como sugerem os adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, a forma lógica do silogismo é apropriada para expressar a causalidade exigida na demonstração científica porque sua estrutura também é triádica. Dito de outro modo, Aristóteles escolheu a estrutura lógica do silogismo como instrumento formal de sua teoria da demonstração científica não pela sua suposta eficácia enquanto método dedutivo, mas porque ela expressa bem a relação triádica da causalidade, pelo fato de sua estrutura também ser triádica. Portanto, é acertado dizer que o papel da silogística na ciência demonstrativa é expressivo e não formal. Sendo assim, não é um silogismo que nos fará captar a relação causal relevante para o conhecimento científico, mas uma vez que estamos de posse dessa relação causal, aí sim podemos expressá-la por meio de um silogismo. 97 Em seguida mostrei que o requisito de necessidade atribuído por Aristóteles ao conhecimento demonstrativo tem sido frequentemente mal compreendido pelos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado, uma vez que esses intérpretes identificam a noção de necessidade aristotélica com o conceito de necessidade modal. Como vimos, a suposição de que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento meramente proposicional levou muitos a crer que Aristóteles atribui o requisito da necessidade às proposições por si mesmas, de modo que o conhecimento científico se daria apenas com proposições modalmente necessárias, isto é, necessariamente verdadeiras em qualquer mundo possível. Diferente dos rivais, os adeptos do paradigma explicativo causal rejeitam a ideia de que o objeto do conhecimento científico são proposições enquanto predicações simples, mas sustentam que aquilo que é objeto de conhecimento científico são argumentos que expressam relações triádicas de causalidade. As premissas, portanto, são necessárias no contexto explanatório específico de uma dada demonstração, isto é, são necessárias em relação à conclusão, na medida em que captam o único termo médio que satisfaz a explicação pela causa apropriada daquele explanandum. Demonstrar é encontrar aquelas premissas específicas que são necessárias para explicar apropriadamente a conclusão. Em suma, o que Aristóteles exige não é que as proposições sejam necessariamente verdadeiras, mas que, para cada explanandum, se encontre exatamente aquele termo mediador necessário que de fato explica o explanandum, por expressar sua causa apropriada. Quando estamos de posse de um silogismo com tais características, sabemos que é necessariamente por causa de B que C é A, e, de posse dessa relação triádica causal e necessária, possuímos conhecimento científico. Assim, para cada explanandum no domínio de uma ciência, existe apenas um termo mediador que funciona como causa primeira e apropriada (fator explanatório). Todos os demais termos possíveis de serem inseridos no lugar do termo mediador em um silogismo correto com pretensão explanatória será uma propriedade meramente concomitante – ainda que sejam propriedades essenciais e necessariamente atribuídas ao sujeito. Enquanto mera dedução correta, portanto, um silogismo pode explicar a conclusão por meio de uma propriedade concomitante, mas só será uma demonstração científica se explicar a conclusão por meio de sua causa apropriada, a qual é um termo mediador necessário e coextensivo ao predicado do explanandum. 98 Finalmente, vimos que a teoria da demonstração científica de Aristóteles nos Segundos Analíticos fornece fundamentos ontológicos para todo o pensamento aristotélico e possui uma forte ligação com a Metafísica, mais precisamente no estudo acerca das noções de substância e essência. O tipo de causa em questão é, pois, claramente uma causa ontológica, e não meramente lógica ou epistemológica. É preciso identificar no mundo – e não meramente na mente ou no raciocínio – o fator causal que explica o explanandum. Vimos ainda que esse fator explanatório ou causa apropriada de que falamos – expresso pelo termo mediador – corresponde à essência do explanandum reduzido a um termo; e que capta, em primeiro lugar, a essência do atributo e não do sujeito. Em suma, após todo esse percurso, espero ter convencido o leitor de que, além de lançar muita luz e servir de base para uma leitura mais sóbria e razoável da Metafísica, essa interpretação da teoria aristotélica da demonstração científica de acordo com um paradigma explicativo causal que propomos na seção 3 deste trabalho, ainda torna praticamente nulas e sem sentido as maiores dificuldades levantadas pelos adeptos do paradigma dedutivo axiomatizado e supera de maneira bastante elegante a suposta incompatibilidade entre a teoria da ciência aristotélica dos Segundos Analíticos e os seus tratados efetivamente científicos. 99 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 5.1. Textos e traduções de Aristóteles ANGIONI, L. 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