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RICHARD RORTY Quando Richard Rorty escreve "Anticlericalismo e Ateísmo", dentro do livro "O Futuro da Religião", ele colocará em debate o pensamento de Gianni Vattimo. O pensador italiano não pensa que todos devam ser teístas, mas ao se supor acreditando em Deus, não descreve exatamente o seu processo, uma vez que, segundo Rorty, uma crença para ser verdadeira é necessário que seja compartilhada por todos. Rorty vai estabelecer então a diferença entre religiosidade particular e crença. Enquanto que Vattimo pensa na razoabilidade de um retorno a religiosidade, vendo na secularização o traço constitutivo da experiência religiosa autêntica, Rorty, ao contrário, vai sublinhar que a crença religiosa é politicamente perigosa. Neste caso, por essa perspectiva política, não deveria haver tolerância. O anticlericalismo do pensador americano, ao mesmo tempo que não se confunde com ateísmo, foge de uma atitude esteticista, a qual estaria incluída no padrão kantiano das regras, sejam elas morais, cognitivas ou estéticas. Rorty acha deplorável a tolerância religiosa no espaço público, oriunda do relativismo. O que Rorty vai chamar de "afirmações filosoficamente desafinadas", são aquelas que não obedecem regras: dependendo do contexto, algumas regras ou práticas podem ser melhores que outras. No atual estágio de desenvolvimento científico de nossa sociedade, por exemplo, a crença religiosa não seria a mais apropriada. A questão não passa então por uma crença ser mais verdadeira que outra, num sentido epistemológico. Quando Kant e Hume abordam a irrelevância do empírico para a existência de um ser atemporal e não espacial, eles tanto acusam teístas quanto ateus como não possuidores de evidências. A questão estaria então em como coadunar a visão de mundo da ciência natural com o complexo de ideias morais e religiosas que são centrais para a civilização europeia. O que vai desembocar tanto na metafísica dos pós-kantianos (Kiekgaard, Barth e Levinas), quanto na epistemologia hegeliana do conhecimento absoluto. No primeiro caso, Deus está além da evidência da argumentação e do pensamento discursivo (é o inteiramente outro); e, no segundo caso, Deus é o conhecimento absoluto.  Se essas duas perspectivas são alternativas à oposição positivista entre teísmo e ateísmo, haveria uma terceira perspectiva, que é pensar a ciência natural e a religião como esferas de cultura, interagindo uma com a outra, e se interpenetrando continuamente. Nesse caso, tudo seria histórico, o que leva a pensarmos a verdade e o conhecimento, não como uma espécie de representação de uma entidade a-histórica, mas como concordância intersubjetiva. Assim, uma asserção tem conteúdo cognitivo na medida em que se envolve no jogo de dar e solicitar razões, formando uma rede de inferências socialmente aceitáveis que fornece justificações para fazermos afirmações e tirarmos consequências por tê-las feito. Essa terceira perspectiva foge então do que denominaríamos ontoteologia, dentro da qual estariam incluídos tanto os positivistas, quanto a metafísica, a teologia tradicional e a fenomenologia - em todos esses predomina uma estância excluída da história, capaz de determiná-la. Ora, quando Vattimo faz uma reverência a um evento do passado, o qual vai  marcar a essência da religião cristã, e que é a experiência da caridade, do desmascaramento e da encarnação (Cristo), de uma certa forma ele privilegia a igualdade, uma só instância e o processo de secularização. Deus não mais nos verá como servos, mas como amigos. Mas quando esse sentido de caridade e do amor, a transcender nossa condição presente, está atado aos sentimentos de dependência (Deus passou de nosso mestre a nosso amigo), nossos esforços passam então a estar dependentes de uma espécie de gratidão. Já em Rorty, o espírito de caridade está ligado ao futuro - a esperança de que o amor venha a ser a única lei num futuro ideal. O seja: o sentido do que transcende está na esperança, não na gratidão. Ainda que Vattimo recuse em localizar no interior da História um contexto epistemológico ou metafísico, e aí aponte a secularização como um traço constitutivo da experiência religiosa autêntica, ainda assim, há a dependência a um acontecimento do passado. II Em "Filosofia como Política Cultural", Rorty vai discutir algumas questões atuais na Filosofia Analítica, tendo sempre em vista os filósofos anglófonos. Em "Um ponto de vista pragmático sobre a filosofia analítica contemporânea", vai trazer a figura de Arthur Fine, filósofo da ciência, cujo livro, "A Atitude Ontológica Natural", traz o conceito de "razões do coração": para Fine, tanto o realismo quanto o teísmo se assemelheariam em função da fé, sem nenhum apoio racional. Tanto a ontologia quanto a epistemologia, vão estar fincados numa crença pela realidade e pelo objeto respectivamente. A história da filosofia, seguindo essa perspectiva, estaria impregnada por noções como "método filosófico" ou "problemas filosóficos": como, segundo Kant, existem conceitos que permanecem fixos, independentes de mudanças históricas, os problemas filosóficos também seriam sempre os mesmos. O método para resolvê-los seria tão somente um. No caso do século XX, desenvolveu-se a metodologia analítica: os problemas filosóficos são resolvidos extraindo os significados de nossos enunciados; a discordância entre filósofos seria decorrência de significados divergentes que cada um deles teria encontrado para certos enunciados. O método teria então a função de extrair significados de maneira mais precisa. Fica claro que essa perspectiva representacionista, kantiana por excelência, dá grande incremento à pesquisa e, consequentemente, maior profissionalização à filosofia: normalmente são mais sistemáticos - seus representantes têm teorias sobre os componentes elementares da linguagem ou do pensamento, e sobre como esses elementos se compõem. O especialista é como um sacerdote que explica que sua autoridade vem de uma relação especial com algo não humano, por ter encontrado uma trilha correta (o método) que atravessa o abismo. Daí a relação que Arthur Fine estabelece entre teístas e realistas. Mas a ideia de maior profissionalização, segundo Rorty, poderia ser substituída por progresso intelectual: ao invés do especialista, a figura do guru, portador de uma imaginação fulgurante e sugerindo-nos uma maneira de falar que não havíamos pensado antes. Grandes feitos imaginativos, tais como de Hegel ou Wittgenstein, produziriam o progresso intelectual e nos despertariam de uma letargia dogmática. A questão para esses antirepresentacionalistas não estaria em resolver problemas filosóficos através de um método único, mas antes dissolvê-los. E para tanto, haveria uma retecelagem gradual de crenças e desejos individuais ou coletivos, sob o impacto de causas consequentes do comportamento de pessoas. É interessante observarmos que, sob essa perspectiva, nenhum duelo é resolvido: nem entre realistas e teístas, nem entre representacionalistas e antirepresentacionalistas. E isso porque as razões de ambos são razões do coração. Conforme Rorty, "palavras e frases muito utilizadas e benquistas não são abandonadas porque seus usuários foram encurralados em estreitas vielas dialéticas" - pag. 226 - Filosofia como Política Cultural). Conforme William James, as argumentações fracassam mas as razões do coração não. E aqui, Rorty aproveita para confrontar-se com Arthur Fine, segundo o qual, o realismo e o teísmo apresentariam uma carência de sustentação racional. Rorty, diferentemente de Fine, vai desenvolver num sentido positivo as razões do coração e vai se distanciar da Filosofia da Ciência, sem afastar a ideia de maleabilidade do coração (o que vem explicar o crescimento do secularismo e a ideia de que as pessoas mudam suas crenças por outras mais atrativas - uma mudança que ocorre não por um duelo argumentativo). Mas as "razões do coração" são entendidas por Rorty como "pathos", "romance", ou "ambição de transcendência": se, para os realistas, é o espaço que separa o pensamento/linguagem da realidade como ela é sem si própria, para o pragmatismo é o que separa a humanidade contemporânea de um futuro utópico, cuja cultura humanística desenvolveria a ideia de responsabilidade para com os outros humanos: no primeiro caso, sobressai a ideia de espaço; no segundo, a ideia de tempo. Sob a perspectiva pragmática ou não representacionista, não há como compactuar com a ideia de que o NOA seria uma apropriação da filosofia como um todo ou pelo menos em seu metanível, conforme Arthur Fine tenta defender em seu Posfácio à "The Shaky Game": "A NOA sanciona a semântica referencial ordinária e nos compromete, através da verdade, com a existência dos indivíduos, das propriedades, das relações, dos processos referidos pelos enunciados científicos". A questão em Fine não é comprometer-se com a existência, mas com o que a ciência diz. Uma declaração de satisfação com uma certa maneira de falar ou com uma prática social - o compromisso ontológico se dá dessa maneira e não por um compromisso existencial. Recorrendo-se a Davidson, a referência é um conceito linguístico, cuja postulação serve apenas para implementar a teoria da verdade: quando uma teoria permite a dedução de todas as sentenças T. Nesse sentido, a teoria da verdade não atribui nenhum conteúdo empírico às relações entre nomes e objetos. Por esse raciocínio, não haveria um privilégio dos enunciados científicos: tanto a Física quanto a crítica literária produziriam o mesmo tipo de referência. O erro de Fine seria, portanto, estabelecer a Filosofia da Ciência com intérprete e avaliadora do empreendimento científico, a partir da semântica referencial e criar, dessa forma, a distinção entre áreas duradouras e efêmeras da cultura (a maneira pela qual o mundo é em si mesmo seria revelada). Davidson, através de sua noção de referência, ajuda a quebrar essa distinção. III Rorty sugere, então, substituir a história da filosofia, vista sob as noções de "método filosófico" e "problemas filosóficos", para uma história compreendida como espetáculos estéticos, onde sugestões imaginativas redescreveriam a situação humana. Naturalmente, essas redescrições terão sucesso à medida que tiverem como causa o comportamento das pessoas e das coisas, o que, de uma certa forma, acaba por chamar a atenção de seu caráter contextual (serão melhores aquelas que tornam os homens mais capazes conseguir o que querem). Por analogia, na filosofia analítica, conforme Frege, as palavras apenas têm significado no contexto das sentenças - o que leva a ideia de que os enunciados têm partes distintas da maneira certa. Essa relação entre filosofia analítica e história, ao contrário de "método", nos faz pensar também em acordos locais e específicos sobre procedimentos no interior de culturas especializadas específicas, como é o caso da "lógica modal". Em outras palavras, o que resolve disputas entre afirmações concorrentes não é nenhum método específico, mas procedimentos neutros e consensuais. IV No capítulo denominado "Naturalismo e Quietismo",  em "Filosofia como Política Cultural", Rorty analisa a falta de atenção à filosofia atualmente, como motivado pela secularização da moral. Os temas clássicos aos quais identificamos o estudo da Filosofia, como por exemplo as questões discutidas por Descartes, Hume e Kant, teriam tido ressonância cultural enquanto uma porção significativa das classes educadas ainda resistia à secularização da vida moral e política. Mas a partir do momento que as proibições incondicionais da moralidade deixam de ter sentido, todo o vocabulário que ergue o que tradicionalmente denominamos "Filosofia", não é mais capaz de sustentação. Num primeiro momento de crise entre ciência e teologia, a filosofia teria efetuado um serviço de utilidade pública ao sugerir maneiras de lidare com o triunfo do materialismo mecanicista. A questão foi o acirramente dessa crise - quando os intelectuais abandonam o barco e debandam para a ciência. A consequência é o surgimento do que Rorty chamará de "atomistas": a consciência e a experiência serão decompostas em átomos:  são as ideias simples em Locke; as intuições não sintetizadas em Kant; os dados de sentido e os objetos do sentido em Husserl. A essa primeira categoria de átomos, sobreviria uma segunda, através de Peirce, que viria a investigar a linguagem e o signo. São a esses substitutos, também chamados de naturalistas, que Brian Leiter, na introdução ao livro "O Futuro da Filosofia" (diversos textos de autores anglófonos), vai contrapor os quietistas: as duas tendências atuais da Filosofia. A diferença entre Rorty e Brian Leiter é que Rorty não vê os naturalistas, ou atmistas, como envoltos em problemas irreais. Para esses, os problemas sobre a natureza da mente, o conhecimento, a ação, a realidade e a moralidade, permanecem problemas reais. A questão é que perderam a relevância para a política cultural, permanecendo importantes apenas para uma faixa muito restrita. Daí porque Rorty defende um outro vocabulário, excluindo noções como "mundo", "mente" e "linguagem", as quais trazem embutidas ideias que a Filosofia considera mais importante que o necessário. V Rorty traz à tona dois textos que propõem maneiras diferentes de lidar com essas duas tendências na Filosofia: o atomismo e o quietismo. Philip Pettit, em seu livro "Existencialismo, quietismo e o papel da Filosofia", propõe uma espécie de conciliação entre a ideia manifesta, interessada nas coisas como elas são, e as ideias que nos vêm em nossa prática diária, espontânea. No primeiro caso, a imagem manifesta é a consciência, a liberdade, a responsabilidade, o bem e a virtude. Seguindo essa perspectiva sinóptica do mundo, Philip Petit defende uma imagem unificada e um vocabulário principal. Para ele, os naturalistas estão interessados na verdade filosófica e não em satisfazer o gosto da época. Já em "Naturalismo em questão", o ensaio de Price "O naturalismo sem representacionismo", defende as práticas linguísticas coexistindo pacificamente lado a lado. Haveria o naturalismo de objeto e o naturalismo de sujeito, como a significar vocabulários alterados, remetendo a "Naturalizando Idealizações", sugestivo livro de Bjorn Ramberg, que entende o naturalismo como uma posição contra a redução ontológica ou metafísica. O naturalismo de objeto tem a ver com as relações semânticas entre a palavra e o mundo - relação de ser tornado verdadeiro pelo mundo. Frank Jackson, em seu livro "Da Metafísica à Ética", exprime essa relação "tornado verdadeiro por": "assuntos descritos em um vocabulário são tornados verdadeiros pelos assuntos descritos em outros vocabulários" - na ausência de se descrever assuntos em vários vocabulários, faz-se análise conceitual. Esse problema de localização dos aspectos putativos do mundo, isto é, não aparecerem explicitamente em algumas descrições básicas, dão conta de uma espécie de problema que não está mais localizado na redução ontológica ou metafísica, e tem a ver com uma espécie própria de vocabulário. Já o naturalismo de sujeito, segundo Price, ao invés de relações semânticas, explica o comportamento linguístico, a utilização dos termos. Tem uma perspectiva histórica: as histórias contadas não devem conter súbitas descontinuidades. É a narrativa de como chegamos a falar como falamos. VI Essa descrição de Price do naturalismo, como diferentes vocabulários coexistindo pacificamente lado a lado, sublinha a perspectiva descritiva de Rorty. Mas num quadro ampliado, incluindo aí o realismo, Rorty chama a atenção para o texto de Timothy Willianson - "Além da Virada Linguística". Para Willianson, haveriam limitações necessárias em todos os pensadores e não se deveriam excluir objetos evasivos. Nesse sentido, fugiria-se do idealismo, segundo o qual, tudo o que existe é o mundo estudado pela ciência. Há em seu texto, uma retomada da teorização metafísica, realista em espírito: descobrir qual tipo fundamental de coisas que existem e quais as propriedades e relações que elas têm, e não como representá-las. À essa representação, da qual faz parte o idealismo, como substituto da realidade, e que, numa perspectiva histórica, tomou as feições do atomismo, se contrapõe o quietismo ou pragmatismo. Se para os idealistas, utilidade e verdade são coisas diferentes, para o pragmatista, muito embora não sejam iguais, não se pode ter a segunda sem a primeira. No mesmo sentido, um pragmatista não nega a representação linguística, mas dentro da semântica inferencialista de Robert Brandom. VII A semântica representacionista de Fodor parte do princípio de que um conteúdo cognitivo que esteja em nossa cabeça, conteúdo esse que é um candidato a representação precisa da realidade, possa ser transferido para a cabeça de outros, via ruídos que efetuam essa transmissão. Ora, para Robert brandom, significados não representam nenhum papel. Tanto não podem ser correlacionados com fragmentos do mundo físico, quanto são inconstantes: jamais duas pessoas significaram a mesma coisa com o que disseram. Restaria, então, acompanharmos de perto os compromissos dos interlocutores para realizarem certas ações sob certas condições. Esses compromissos se materializam nas normas sociais que vão governar um conjunto de práticas sociais que é a nossa mente. Ao invés dela ser um dispositivo representativo, diante do qual estudaríamos o seu mecanismo, a semântica inferencialista estudaria, através dela, a evolução das práticas sociais, em particular, das práticas linguísticas. Com isso fica claro que a verdade não é representação, mas prática consensual, através de um jogo de dar e pedir razões. Sem justificação e, portanto, sem utilidade, nenhuma verdade é estabelecida. O que justifica a diferença entre verdade e utilidade, conforme o idealismo, é a relação semântica. A coisa que chamamos "estrela da manhã" é a mesma coisa que a coisa que chamamos "estrela da noite". Aqui, a semântica determina a identidade do conteúdo cognitivo. É a semântica que estabelece que a estrela da manhã é a estrela da noite". É uma identidade de significados. Nesse caso, a crença, produto do desejo, é diferente de significado. Da mesma forma que o uso que faço de algo é diferente de seu sentido. Uma outra corrente, porém, que terá em Davidson e Quine seus principais representantes, não vai distinguir os fenômenos linguísticos por semânticos ou pragmáticos. Para Robert Brandom também, o que estabelece a identidade entre os termos não é a semântica e sim o fato de servirem para os mesmos propósitos, o que acaba por criar uma espécie de indiferença linguística, desaparecendo as diferenças entre uso e sentido, crença e significado, pragmatismo e semântica. VIII Em "Wittgenstein e a virada linguística", Rorty retoma a descrição da filosofia contemporânea, introduzindo Wittgenstein nesse quadro. Num contexto da filosofia anglófona, se Thimoty Williamson representa a retomada da metafísica pré-kantiana na prioridade que concede à realidade (o que existe determina o que existe para nós significarmos), Philip Pettit, assim como John McDowell, dentro de uma perspectiva kantiana e, portanto, naturalista, vão priorizar os pontos de amarração: onde no mundo há espaço para fenômenos como liberdade e consciência, que são ideias que nos vêm em nossas práticas diárias espontâneas? Ambas as perspectivas, remanescentes de momentos particulares da história intelectual do ocidente, são metafísicas; assim como o é, a rivalizar-se com a tradição materialista mecanicista que foi retomada por Williamson, a tradição platônica e aristotélica que defende o uso de noções imaterialistas. Enquanto Kant e seus seguidores vão estar calcados na imagem do mundo mecanicista, , a tradição platônica vai falar de asserções que não representam coisas reais: a primeira, de representações mentais precisas de coisas reais; a segunda, do mundo das ideias. Dentro dessa tradição metafísica, saber quais pedações de nossa linguagem que se prendem à realidade e aueles que não o fazem, talvez tenha algum sentido. Mas hoje em dia, conforme Rorty, é perda de tempo. A virada linguística, tal como nos sugere as Investigações de Wittgenstein, tem como princípio o abandono dos pontos de amarração. Nesse sentido, é que não é mais metafísica, isto é, não é mais representação. IX O estudo da linguagem, no entanto, vai nos proporcionar três abordagens. A Filosofia da Linguagem vai apresentar teses ou teorias sobre a linguagem dentro da doutrina positivista (existe uma sintaxe lógica da linguagem e problemas filosóficos são decorrentes de uma interpretação errônea de nossas formas de linguagem. Partindo desse pressuposto, existem condições rígidas para a utilização significativa de uma expressão (a totalidade das expressões verdadeiras é a totalidade das ciências naturais). Essa noção de verdade, portanto, parte de uma perspevtiva externa: para uma proposição ser verdadeira, se requer o rígido cumprimento de regras de linguagem e, para tanto, faz-se necessário o conhecimento de lógica simbólica. Carnap, Russel e Ayer, principais representantes dessa doutrina positivista, tinham uma concepção substancial para o non-sense: signos significativos arranjados de maneiras que violam regras sintéticas. Rorty traz à cena Wittgenstein como uma alternativa à metafísica, mas através de duas perspectivas: a dos terapeutas wittgensteinianos e dos pragmatistas. Em relação aos primeiros, privilegia-se o Tractatus e as seções que vão da 89 à 133 das Investigações: recuperar palavras de seu uso metafísico para seu uso cotidiano. A metafísica, nesse sentido, seria o próprio non-sense e o fundamento lógico para essa virada linguística seria a "elucidação" - forma pela qual haveria a cura do non-sense. James Conant lembra que Wittgenstei, quando escreveu o Tractatus, não acreditava que existisse regra sintática. Desse modo, tinha uma concepção austera de "non-sense" (apenas signos sem nenhum significado percebido). Ainda que o leitor fique propenso a pensamentos absurdos, tais como a ilusão de se deparar com os limites da linguagem, há como que a quebra dessa ilusão, alterando o seu próprio estado interior através do processo de elucidação: não se analisa a emissão, mas o emissor é convidado a explicar como ele está usando suas palavras, para conectá-las com outraos elementos dos jogos de linguagem, de maneira que revele a sua significância. Esse processo de confusão ou non-sense ou metafísica, é compreendido como um fracasso do emissor. A perspectica terapêutica visa então a explicação e a dedução (processo de elucidação). O problema da "elucidação" é que ela não é nenhuma alternativa à perspectiva externa ou racionalista. Por isso, o Wittgenstein das Investigações tem mais valia ao pragmatismo de Rorty: é uma melhor teoria, comparada com o Tractatus, já que este apresenta uma relação entre linguagem e não linguagem. A questão em Rorty não é a "elucidação". O non-sense é o estranhamento que a mudança cultural propicia, é a metáfora não domesticada. Pela perspectiva da prática social, tudo pode ter um sentido. Nesse caso, o non-sense expande o repertório linguístico de maneira a dar frutos e não é um fracasso do emissor. Putnam sugere que nas últimas fases de Wittgenstein, há por parte dele o desejo de entrar em contato com o mundo sem a mediação da linguagem (isso, após a virada linguística). Mas Wittgenstein reconheceria que esse desejo não pode ser satisfeito e cria o non-sense. A perspectiva historicista pela qual o pragmatismo de Rorty reza, não vê a metafísica como non- sense, sob o qual se exigiria o processo de elucidação por parte do emissor, como como uma questão de perda de tempo. Desempenhou um papel importante no progresso intelectual, mas agora seria hora de substituí-la por ideias melhores. Daí porque os terapeutas wittgensteinianos, como é o caso de Alice Crary a defender o nosso direito a certos ideais epistêmicos, ainda que não caiam numa teoria e apenas promovam um uso terapêutico de recuperação de palavras, de uso metafísico para uso cotidiano, acabem se traindo com algumas expressões que mostram seu vínculo à filosofia da representação. É o caso de "ilusão do ponto de vista metafísico", como se pudesse existir algum ponto de vista que não fosse ilusório. Tanto Crary quanto Stanley Cavell participam de um ceticismo epistemológico proveniente de um desapontamento com nossas condições de conhecimento: é o positivismo inicial de Wittgenstein, que está em Investigações, a declarar que a interpretação equivocada de nossas formas linguísticas gera problemas filosóficos. Tal como se dá com o non-sense, é uma explicação do obscuro pelo mais obscuro. X "Holismo e Historicismo", escrito em 2005, dentro do livro "Filosofia como Política Cultural", vai apresentar as duas tendências da Filosofia Analítica (filosofia da mente e filosofia da linguagem), surgida num momento em que a rivalidade entre ciência e teologia é acirrada e os intelectuais resolvem abandonar de vez a fé religiosa, tornada incompatível com a ciência natural moderna.. Essas duas tendências são representadas pelos atomistas e pelos holistas. Para os atomistas, a mente e a linguagem são entidades com partículas elementares, os´átomos, e que têm uma estrutura ou mecanismos internos. A questão, portanto, para eles, é explicar como a mente e a linguagem funcionam. Assim como a mente pode ser decomposta em crenças, a linguagem pode ser decomposta em significados. Sob esse prisma, a racionalidade é uma potencialidade do organismo e a questão fica resumida em descobrir fatos sobre essa potencialidade (como para os holistas a racionalidade é um fenômeno social, a questão para esses não é descobrir e sim explicar como certos organismos conseguiram se tornar sociais, contando histórias como várias práticas sociais, a racionalidade entre elas, passaram a existir). Enquanto os atomistas, portanto, estão ligados em estruturas neurológicas, os holistas fixam-se nas mudanças históricas que acarretariam o surgimento de novas práticas. Para um holista que se preste, mente e cérebro não são a mesma coisa: o primeiro tem a ver com o que em computação conhecemos como software (programas), maneiras de fazer o cérebro funcionar; já o cérebro é o hardware, circuitos elétricos. Para um atomista, a psicologia é uma questão de neurologia: o que funciona para a matéria também funciona para a mente - a explicação do comportamento macroestrutural vai se referir sempre a transações entre componentes microestruturais. Explicações sobre o comportamento humano, tendo como base a neurologia ou a biologia evolutiva,  vão considerar a mente ou como um sistema paramecânico de origem cartesiana, ou como um sistema de órgãos de computação projetado pela seleção natural para resolver tipos de problemas de nossos ancestrais itinerantes em busca de comida, conforme Steven Pinker nos explica em sua biologia evolucionista. Descartes teria inspirado Locke na sua abordagem da mente como um depósito de ideias simples e complexas: respostas disposicionais, contendo ou representações perceptíveis ou representações linguísticas. A mente seria esse sistema nervoso central com o mecanismo de produzir tais representações. Nesse caso, a mente vem antes da linguagem e nos remete à imagem cartesiana do cômodo equipado com uma tela na qual são exibidas representações imateriais (um espectador imaterial decide então como é o mundo extramental com base na claridade ou na coerência dessas representações). Vemos então esse primeiro aspecto de respostas e a noção crucial de representação. O problema é que é um mecanismo imaterial e não fica claro como uma crença, enquanto objeto imaterial, possa interferir num evento físico como o comportamento, a partir da separação cartesiana entre mente e corpo. A resposta de Steven Pinker, em sua biologia evolutiva, é que a entidade mental chamada símbolo é isomórfica aos estados do meio ambiente e, portanto, são estados físicos de pequenas unidades de matéria. Dessa forma, entram em colisão com as pequenas unidades de matéria dos músculos, provocando assim o comportamento humano. Considerar a mente sob o aspecto de símbolos, ou a mente sob o aspecto de significados, é reduzi-las a entidades mínimas, cuja colisão produz a explicação causal. Contra essa concepção dos atomistas, os holistas vão caracterizar a racionalidade como a capacidade de discussão, conforme Sellars. A importância para estes não é o processo explicativo, mas as narrações, dando-nos conta da aquisição da racionalidade enquanto prática social. Robert Brandom nos mostra que num primeiro momento o nosso ancestral grunhe "P" sob determinada situação e leva porrada; num segundo momento, a norma anterior torna-se explícita - o seu descendente terá que apresentar razões que justifique afirmar "P" nas mesmas situações (caso não o faça, será denunciado com um ser irracional). Portanto, esse jogo de dar e receber razões para determinada afirmação, vai ser a prática da racionalidade: asserções sujeitas a críticas pela explícita referência a norma. Aqui, a noção principal não é representação mas inferência. E, enquanto prática social, não existe um mecanismo mental que anteceda à linguagem. Ambos são concomitantes: "criticar asserções". XI Rorty, diante dessas duas tendências na filosofia contemporânea, como numa encruzilhada, pergunta sobre o tipo de coisa que o filósofo deveria fazer para a autoimagem da Filosofia: análise, tal como Russel o faz, de modo a tornar as coisas mais claras e dirimindo a confusão conceitual; ou contando histórias a fim de que possamos visualizar como somos diferentes de nossos ancestrais e a maneira pela qual nossos descendentes poderão se diferir de nós - uma história da humanidade vista sob o prisma da transformação cultural. Quando deixamos de ver a lógica, tal como os positivistas a viam, como regras que regem a nossa utilização da linguagem, e que, portanto, viriam dirimir mal-entendidos gerados pelo mal uso (como se conceitos e significados tivessem um único sentido e fossem isoláveis das práticas sociais), nesse momento a filosofia passa a ser vista como assunto de controvérsias, discussões de teoria. Porque são atividades culturais que atendem a propósitos distintos, não necessitando se encaixar umas com as outras de maneira sistemática. Se a lógica, conforme Robert Brandom, passa a ser vista como dispositivo para tornar explícitas nossas normas sociais, isso abre caminho para a transformação dessas normas, caso nossas justificações venham a ser aceitas. O implícito, o que nunca vêm à lume, é o que nos subjuga. Torná-lo explícito é de uma certa forma visualizar seu contexto histórico, impedindo que coisas díspares possam ser vistas como as manifestações da mesma coisa subjacente. Prefiro essa auto-imagem da Filosofia. XII A questão "por que devo ser moral" é apresentada por Rorty no último capítulo referente às questões atuais em filosofia analítica, dentro de "Filosofia como Política Cultural", como uma espécie de questão que jamais acontece em sociedades tradicionais ou primitivas. A morte de Sócrates é um exemplo da consequência de tê-la sido formulada dentro de uma sociedade primitiva. Segundo Rorty, essa espécie de questionamento advém apenas em sociedades modernas, quando duas ou mais identidades alternativas estão sob consideração. É quando determinada identidade moral, vigente numa sociedade, passa a ser questionada. A ideia de progresso moral advém justamente dessa situação de questionamento e está irreversivelmente ligada a critérios históricos: o fato de uma nova identidade se adequar ou não a nossa, estará sempre ligada ao julgamento da história. O pequeno soldado Hans é designado à servidor do Fuhrer e a ser matador de crianças judias. Mas a nova identidade de Hans não prospera em razão do poder dos exércitos aliados. O fato de não prosperar ou mesmo de ser considerado imoral, tem pouco a ver com critérios anistóricos ou racionais. A questão "por que devo ser moral?", portanto, acena a máscaras ou identidades alternativas, produtos de uma sociedade moderna. Mas se a História nos leva a considerar essas identidades alternativas, que vêm ou não a prosperar, a literatura também o faz através da construção de personagens imaginários, com os quais podemos vir a nos identificar. É nesse sentido que para o progresso moral, segundo Rorty, a literatura e a história são mais importantes que as discussões de princípios. Responder à questão "por que devemos ser moral?", apelando para a norma ou valor, "porque preferimos morrer a não sê-lo", é voltar-se para a questão da identidade, segundo a qual, os bons princípios têm como fonte a razão, entidade inerente aos homens. Quando a racionalidade, porém, passa a ser vista como prática social, o que vem a determinar esses bons princípios são os acordos intersubjetivos sobre como levar adiante processos cooperativos (esses acordos têm sempre o objetivo de proporcionar mais felicidade e vidas mais livres e ricas, mesmo que tenhamos de retecer nossa  rede de crenças e desejos, alterando nossas maneiras). XIII Quando abordamos "redes de crenças e desejos", e Rorty vai apelar tanto para Sellars quanto para Rawls, prevalece algo que foge da natureza inerente kantiana, assim como foge do que poderíamos chamar de "revolução".  Sellars diz que "a ética não é axiomatizável e sim uma empresa que se autocorrige e que pode colocar em risco qualquer reivindicação, mas não todas ao mesmo tempo". E Rawls fala de equilíbrio refletido, entre razão e intuição (uma espécie de equilíbrio temporário, do qual fazem parte a razão, a experiência dos sentidos, e a realidade física). Com isso, Rorty, enquanto pragmatista, não trabalha com uma espécie de oposição que pudesse recair na armadilha racionalista: ele se reconhece inserido no consequencialismo e, como tal, se alia aos filósofos da ciência pós-kuhnianos (Ian Hacking, Arthur Fine e Bruno Latour) - qual decisão vai aumentar a felicidade e produzirá mais prazer e menos dor, conforme o princípio utilitarista de Mill; por outro lado, retomando um conceito de J. B. Schneewind ("A Invenção da Autonomia"), o imperativo categórico kantiano pode servir como ambulância moral, não para uso diário mas nas ocasiões em que nossas razões já não funcionam. Ainda assim, conforme o próprio Schneewind estabelece em artigo de 1968 - "Conhecimento moral e princípios morais", "não deveríamos confundir a decisão de que um certo princípio moral resume muitas experiências relevantes com a descoberta de que certos princípios são básicos por causa de sua natureza inerente".  Tanto aqui quanto em Rawls no seu "princípio geral intuitivamente plausível" (capaz de alterar maneiras mas interligado a velhas intuições),  sobressai a ideia de princípio, sumariando as várias intuições morais. Portanto, mesmo sob o prisma de um mecanismo homeostático entre razão, sentido e realidade, dentro do contexto de rede, o próprio termo "razão" já não carrega a mesma conotação kantiana. Daí porque, para Schneewind, a filosofia moral tem trabalhado ultimamente com retratos filosóficos de uma vida virtuosa, dos quais, o princípio geral é um resumo. Princípio geral decorrente desses retratos, que se diferenciam entre si e são produtos da imaginação. Comparação desses eus imaginados até chegar ao denominador comum que vai dar nova configuração à rede e produzir a nova identidade prática. O que Rorty estabelece é a relação do conceito moral não com a sua natureza, mas com o seu significado, isto é, com o que o conceito contém: além de nossas prévias intuições e práticas, a comparação de eus imaginados, seus méritos, "imaginando o que a nossa comunidade pareceria se mudássemos as suas maneiras, e com o que nós pareceríamos como membros dessa comunidade reformada". É nesse sentido que a filosofia, fugindo da perspectiva kantiana, estaria mais ligada à ficção, à crítica literária e à história. XIV Os debates entre Rorty e Habermas são um capítulo à parte. Em "Verdade, universalidade e política democrática", no livro "Filosofia, Racionalidade, Democracia", coletânea de debates entre os dois filósofos, organizado por José Crisóstomo de Souza, vamos encontrar nove tópicos, dentro dos quais, Rorty vai estabelecer seu debate. No primeiro (o tópico verdade é relevante para a política democrática?), Rorty estabelece uma diferença entre o desejo de verdade e o desejo de justificação. Enquanto no primeiro é estabelecida nossa relação com a realidade não humana, no segundo se privilegia nossas relações com outros seres humanos. A consequência dessa distinção é que o desejo de verdade, no primeiro caso, viria a selar o acordo humano universal. A visão de uma comunidade includente e utópica, isto é, de uma política democrática, estaria fundamentada nesse desejo comum de verdade. A questão é que esse desejo ou crença da verdade nunca sabemos se é verdadeira - essa realidade não humana, segundo Lacan, é constituída por objetos impossíveis, indefiníveis e sublimes. Habermas, de uma certa forma, está dentro dessa perspectiva do anti-espelho, ainda que não entenda a verdade como multiplicidade, tal como a compreende William James. Para Habermas, o desejo comum de verdade acenaria para a possibilidade de uma comunidade includente. O que Rorty vai frisar, contra essa perspectiva, é que podemos não saber se a crença é verdadeira, mas sabemos que é justificada. Temos certeza que ninguém, da comunidade a qual pertençamos, pode atualmente invocar objeção a ela, e concordarão que deva ser sustentada. O objeto aqui se torna reconhecível. Com isso, na contramão do ceticismo, bastaria para Rorty o processo de justificação para se incrementar uma política democrática. Com isso, numa tacada só, ele atinge tanto os filósofos pós-nietzschianos quanto o racionalismo de Habermas. No primeiro caso, ele endossa a crítica de Habermas à Foucault em sua procura privada do sublime, e, por isso, incapaz de engajar-se numa reflexão política séria sobre as possibilidades abertas às democracias dos estados de bem-estar social. No segundo caso, a incondicionalidade da verdade, evitando-se o contextualismo e o relativismo, permaneceria irrelevante para uma política democrática, isto é, para uma reconciliação de interesses conflitantes. XV O segundo tópico do texto de Rorty diz respeito à razão comunicativa de Habermas. Ao contrário de Searle e Strauss, que viam a razão centrada no sujeito, como razão pura, só depois vestindo a roupagem linguística - o que lhe daria a capacidade distintivamente humana de conhecer, espelhar fatos -, Habermas lingustifica a razão e automaticamente a socializa. Em outras palavras, para o filósofo alemão, a razão, em sua própria natureza, estaria encarnada em contextos de ação comunicativa. O momento da incondicionalidade estaria contido no processo de mútuo entendimento. Ao invés de espelhar fatos, a razão, em Habermas, declara fatos, ainda que essa declaração tenha um objetivo de verdade por acréscimo à justificação. Daí a diferença em relação à doutrina da triangulação em Davidson, exposta em seu livro "A Estrutura e o Conteúdo da Verdade". Aqui, declarar fatos é comunica-los - a cidadania democrática é a capacidade distintivamente humana. Rorty visualiza então Habermas como a meio caminho: não é mais razão pura que espelha fatos, como em Searle e Strauss; mas a razão comunicativa, análoga ao mundo dos fatos, ainda apresenta princípios neutros, diante dos quais podemos apontar "contradição performativa". Haveria então toda uma ética do discurso, cujo objetivo maior seria a apreensão da verdade. A democracia, dentro desse contexto, estaria vinculada a natureza intrínseca da humanidade, isto é, sua razão comunicativa, a qual, obedeceria princípios neutros e universais. Rorty, ao naturalizar a razão, informa que não temos terrenos neutros e que podemos ser acusados de tentar infiltrar nossa práticas sociais na definição de algo universal e inelutável. Ao justificar nossa evolução não em alegações incondicionais de verdade universal, Rorty traz à baila o nome de Castoriadis, segundo o qual, haveria uma prevalência da imaginação. Ao invés de princípios universais, o demiurgo; ao invés da razão, a imaginação dos Fundadores da sociedade americana com o seu sonho de democracia, tal como Jefferson e alguns de seus amigos.; ao invés da "contradição performativa", a redescrição do mundo; ao invés do conhecimento, a esperança; e ao invés de fazer a democracia vinculada à determinada natureza, redescrevê-la de modo a torná-la desejável. Naturalmente, a imaginação pode levar tanto ao sonho americano de Emerson e Wittmann, quanto ao nazismo de Hitler - um risco que Habemas visualiza. Mas as práticas justificatórias é que estabelecerão a "verdade" da retórica, seja ela a caridade cristã ou a vontade de poder. E nisto há mais contextualismo que relativismo. XVI No terceiro tópico, Verdade e Justificação, Rort vai sublinhar o caráter condicional de toda crença e, portanto, seu uso acautelatório. O que, em outras palavras, relaciona a crença não como correspondência à realidade, mas como hábito de ação, que pode ser substituído por outros. Momentaneamente, ele pode ser justificado e isso basta para sua condição de possibilidade (uma crenção pode ser justificada e não verdadeira). Diante de uma audiência futura, pode haver sérias objeções a uma crença atual, o que torna seu futuro imprevisível. A diferença entre o falibilismo e o ceticismo, é que o primeiro, apesar de desejar que suas crenças sejam verdadeiras, permanece sempre preocupado com o perigo de um dia virem a ser contestadas, o que o mantém fora das teorias da verdade (segundo ele, pouco precisa ser dito sobre a verdade para a política democrática; para esta, o que é necessário é uma espécie de comportamento, conforme a teoria da triangulação em Davidson). Já os céticos permanecem preocupados com o erro - a sua mera possibilidade derrota as alegações de conhecimento. A pergunta irrespondível para eles, se estamos sonhando ou não, ou, se há algum modo de nos garantirmos contra o risco de se ter crenças que possam se mostrar injustificáveis perante uma audiência futura, mostra que a verdade tem para eles uma correspondência com a realidade - a sua única diferença com os fundacionistas é que, para este, mesmo sonhando, não podemos estar errados. Além dos fundacionistas e céticos, os coerentistas, conforme Sellars, e dentro dos quais estão incluídos Apel, Habermas e Putnam, completam o quadro das teorias da verdade: não a vêem como correspondência e consideram que as crenças possam ser negadas, mas não todas ao mesmo tempo; consideram que para a política democrática, muito precisa ser dito sobre a verdade. XVII O quarto tópico do texto, "Validade universal e transcendência em relação ao contexto", Rorty vai mostrar toda sua desconfiança ao que Putnam chama de "afirmabilidade ideal da verdade ou aceitabilidade ideal da verdade". Em outras palavras, a ideia de convergência para uma verdade única estaria contida nos pressupostos do discurso. A ideia de razão comunicativa, à qual Habermas está associado, não implica o processo de correspondência a uma realidade única, mas diz respeito a normatividade: caráter universalista dos pressupostos idealizantes do discurso - alegações de validade, independentemente do contexto. O que Rorty vai lembrar é que subjacente ao contexto, existem regras do jogo argumentativo, previamente acordadas; e que essas regras podem não ser as mesmas da razão comunicativa alegada por Habermas. A teoria de ação comunicativa se subdivide entre os que apelam às alegações de validade (Habermas) e aqueles que apelam para a facticidade (Rorty); no primeiro caso, o uso da linguagem tem o objetivo de alcançar o entendimento e as práticas de justificação são orientadas para a alegação da verdade - nesse caso, não haveria nenhuma relutância em abandonarmos uma opinião atual se ouvirmos uma melhor; no segundo caso, ao qual Rorty se filia, existe o uso estratégico do discurso para convencer, e não para aprender - as práticas de justificação são reguladas por convenção social e estamos muito mais sob o signo da opinião que do conhecimento. Se, para Habermas, o que transcende o uso estratégico do discurso é o uso da linguagem para alcançar o entendimento, para Rorty, assim como para Foucault e Dewey, nenhuma investigação transcende a prática social: o que transcende uma estratégia discursiva é sempre outra estratégia discursiva visando outros objetivos. A questão que Rort levanta é da ineficiência do método de Habermas: acusar um fundamentalista de "autocontradição performativa", entendida como ato de oferecer argumentos mais excludentes visando a substituir convenções menos excludentes, não o convencerá de maneira alguma (o fundamentalista continuará achando o liberal tão irracional quanto imoral). Assimcomo o esclarecimento dos termos também não o levará a ver o fracasso de seus pressupostos. A contrapartida de Rorty seria então de métodos indiretos: não dizer que está se contradizendo e, sim, persuadi-lo a ter maior tolerância. XVIII No quinto tópico, "Independenência de contexto sem divergência: a visão de Albert Wellmer", Rorty comenta os julgamentos éticos, tais como "o amor é melhor que o ódio", como asserção com pretensão a validade universal. Nesse caso, seriam alegações que transcendem o contexto, como Habermas afirma. E, conforme Wellmer, são bons argumentos para desenvolverem princípios e instituições democráticas, mesmo que não convencessem ninguém. Haveria então uma alegação de verdade com base em evidências prementes, excluindo assima possibilidade de ser refutada no futuro. A ideia que prevalece nesse contexto é, fugindo do relativismo, defender a asserção perante qualquer audiência possível. O que para um pragmatista como Rorty será extremamente complicado: o pressuposto ideal do discurso é ser capaz de justificar nossas crenças para uma audiência competente cada vez maior, mas não para qualquer audiência possível. Há uma diferença entre ser candidato a verdade e a pretensão a validade universal. No primeiro caso, haverá sempre a possibilidade da asserção vir a ser refutada no futuro. XIX O sexto tópico, Rorty abre com uma pergunta: os pragmatistas têm que ser relativistas? Rorty lembra que a contingência não tem base intelectual, como a tem o absolutismo metafísico, segundo o qual, haveria em algum lugar padrões corretos, uma verdade objetiva e somente a faculdade da razão, verdadeira natureza do ser humano, seria capaz de expressar o real. A contingência, na figura do Poder, destruiria essa base intelectual do autoritarismo. Ainda assim, não seria justificação para a política democrática - a vontade de poder em Nietzsche é uma prova: pode servir tanto para a democracia quanto para a anti-democracia. Segundo Wellmer, em seu livro "Verdade, Contingência e Modernidade", as antinomias da verdade seriam justamente o absolutismo e o relativismo (relativo a alguma coisa): esse último, corta a base intelectual da verdade, mas ela continua presente, se apresentando agora de forma contingente. Ao cortar a base intelectual, os relativistas passam a conceder jogos de linguagem fechados, ligados ao contexto, com padrões ininteligíveis de argumentação. Sob essa perspectiva, os princípios liberais e democráticos seriam um jogo de linguagem política entre outros. A "autocontradição performativa" de Habermas e Apel, ao contrário dos relativistas, não entende os princípios liberais e democráticos como um jogo de linguagem política entre outros. E quer justificar suas crenças  para todas as audiências possíveis, uma vez que, através da convergência da verdade, acredita num espaço de razões finito e estrutural (transcende o contexto em razão do incondicional, daí o entendimento e a comunicação). O que Rorty vai sublinhar, em relação aos pragmatistas, é que a democracia para eles é um jogo de linguagem entre outros, isto é, faz parte de um contexto, mas que pretende se justificar para um número grande de audiência, construindo contextos de discussão sempre maiores e melhores. E, conforme Davidson, não há padrões mutuamente ininteligíveis de argumentação. Daí a ideia de crescimento e progresso que é completamente diferente da ideia de verdade já embutida no discurso, expressando o real. Compreende-se então que os pragmatistas estão no espaço de justificação, ao contrário da verdade intelectual ou contingente, sem cair, todavia, num discurso de "justificação ponto", que viesse apontar para a convergência da verdade. A verdade para um pragmatista é sempre condicionável. XX No sétimo tópico, a pergunta de Rorty é a seguinte: a  razão está unificada por pressupostos universalistas? Há quem sustente a ideia da racionalidade como um padrão universal de desenvolvimento filo ou ortogenético, apreendido pela reconstrução de competências oferecidas por várias ciências humanas - padrão esse que é ilustrado pelas transição de sociedades tradicionais para sociedades modernas, racionalizadas. Esse pressuposto universalista da razão, como o entende Weber, será também expresso pelo cognitivismo do MIT, segundo o qual, a competências comunicativa é constituída por ideias universalistas ( Chomsky e Kohlberg). Dentro desse contexto, segundo Habermas, a maestria da linguagem consistiria em internalizar  um conjunto de convenções acerca do que significa o quê, atribuindo dessa forma significados idênticos a certas expressões. Vemos, portanto, aqui, a racionalidade não como natureza, mas como produto de um padrão universal de desenvolvimento das convenções sociais. Rorty, ao contrário, considera a racionalidade como um produto da sorte e um recurso de sobrevivência: habilidade usar a linguagem e, assim, ter crenças e desejos. O problema do padrão universal de desenvolvimento como pressuposto da razão é que levaria inevitavelmente a uma única comunidade de justificação, o que está longe de ser verificável. Ao contrário, o que observamos são seres humanos que se dividem em comunidades de justificação mutuamente suspeitas, excludentes, ainda que não ininteligíveis entre si. E isso porque não há uso de linguagem sem justificação. A aproximação de Habermas e Aristóteles é a comunidade universal de justificação: o padrão universal de desenvolvimento da razão, assim como o desejo que todos têm de conhecer, levaria a comunidade universal. A "Estrutura e Conteúdo da Verdade", obra importante de Davidson, investe na coerência entre as crenças e não no amor a verdade. Coerência essa que vem da necessidade do respeito de nossos semelhantes. O que determina os conteúdos do pensamento e da fala, seria a relação entre falante, intérprete e mundo, e não ideias universalistas. Através da revolução conexionista da inteligência, foge-se tanto da comunidade universal de justificação, quanto do conceito relativizado de verdade. Nesse último caso, a verdade é relativa porque ligada à comunidade humana que se opõe a realidade. O que Davidson propõe é a relação entre a realidade não-humana (o que se diz é causado pelo ambiente não humano) e a comunidade humana: não há possibilidade de concordância sem verdade, nem de verdade sem concordância. A linguagem ao reunir coerência, verdade e comunidade, indica que toda crença é verdadeira e que, portanto, não haveria nenhuma espécie de hierarquia. Nesse sentido, seria um erro acusar aqueles que resistem ao projeto includente,  de estarem se envolvendo em autocontradição performática, como desejaria Habermas. Uma comunidade excludente é tão boa quanto qualquer outro tipo de comunidade, no tocante a habilidade de usar a linguagem e assim ter crenças e desejos - essa prática que chamaremos de racionalidade. O que não significa que possa haver alguma ação comunicativa, mesmo que se alegasse validade universal - essa espécie de comunicação só é propícia em ambientes livres de dominação. O desejo de alegar validade universal ou desejo de verdade, traz implícito o pensamento autoritário de submeter nossas crenças a qualquer usuário de linguagem, ao invés da ideia de progresso e mudança; o primeiro estaria a serviço do mesmo, e o segundo, da diferença. XXI No oitavo tópico do texto de Rorty, que se abre com a pergunta "comunicar ou educar?", a questão da sorte ou desenvolvimentos contingentes é que levariam a criação da universalidade. por exemplo, a curiosidade inquieta dos intelectuais, o desejo de casamento para além das fronteiras e produzido por obsessão erótica, a necessidade de comércio para além das fronteiras por falta de algum material local e o auto-respeito deixando de estar ligado ao fato de se pertencer a uma comunidade excludente onde a mulher, o escravo e a infidelidade são vistos com reserva (o auto-respeito passaria a estar ligado a posse de suficiente riqueza, segurança, educação e independência). Os pressupostos da universalidade estariam ligados à contingência, o que significa que a universalidade, ao invés de ser previamente existente, seria constituída contingencialmente. Com isso, Rorty afasta-se tanto da metafísica (o uno de Plotino ou a estrutura transcendental da autoconsciência), quanto se afasta do relativismo contextualista baseado na justificação do contexto. Neste caso, Rorty retoma um fragmento de Habermas, presente em "Postmetaphysical Thinking": "a prioridade metafísica da unidade sobre a pluralidade, e a prioridade contextualista da pluralidade em relação à unidade, são cúmplices secretos". Nesse sentido, o contextualismo seria o avesso do logocentrismo (metafísica negativa entusiasmada com a diversidade). A questão é que Habermas, ao considerar a possibilidade de entendimento, isto é, a passagem de uma linguagem a outra - o que para um relativista seria um absurdo - credita essa possibilidade à validade universal da linguagem e à verdade objetiva. Dizer que "S" é verdadeiro, é afirma-lo como se alegasse uma verdade que representa o real. Um pragmático, ao contrário, apenas indicaria razões para acreditar em "S". No caso de Habermas, o coerentismo é usado em favor da representação (afasta-se tanto do cético, quanto do fundacionista; a coerência entre as crenças, via justificação, é uma prova de representação); no caso de Rorty e Davidson, o coerentismo não tem relação nenhuma com a realidade que transcende o contexto - aqui, trata-se apenas de relações causais ordinárias entre o ambiente e sentenças. No caso de Habermas, como de Putnam, seguindo a cartilha de Peirce, as sentenças assertóricas têm verdade e comunicabilidade (são comunicáveis porque verdadeiras), mantendo uma relação epistêmica com o real. A questão que Rorty coloca é a seguinte: qual das duas espécies de relação teria feito mais pelos ideais da Revolução Francesa? As ideias reguladoras de comunicação não distorcida, visando a representação acurada da realidade (relação epistêmica)? Ou a noção de justificação dependente de contexto, visando a solidariedade (relações causais ordinárias)? Essas duas espécies de relação, acabam gerando duas posições bem diferentes: os que afirmam ser verdade e os que têm razões para acreditar numa determinada sentença; aquele que justifica o que pensa perante todo usuário de linguagem existente e possível, e aquele que defende duas opiniões perante todos que têm certos atributos (por exemplo, devoção aos ideais da revolução francesa). Essa segunda posição, defendida por Rorty, jamais tentaria argumentar diante de um fundamentalista. Daí a importância da conversão através do processo educacional: o fundamentalista não pode seguir seus argumentos, mas você tem a esperança de modificá-lo para que os siga. Para Nietzsche, seja a educação nazista (por exemplo, impor aos jovens a leitura de "Der Stuner"), seja a educação socrática através da persuasão e da não violência (indicando a um nazista assistir filmes sobre a abertura de campos de concentração ou ler o diário de Anne Frank) são igualmente ideológicas. A pertinência da crítica nietzschiana é baseada no fato de que não existe um modo não local, não contextual, de traçar a distinção entre educação ideológica e educação não ideológica (uma armadilha que Habermas acaba caindo, quando fala de "estrutura simétrica das perspectivas" em toda situação de fala - ponto de referência comum de um consenso possível). Mas Rorty, ao sublinhar a pertinência da crítica nietzschiana, não cai no relativismo cético. As duas formas de educação são ideológicas, mas uma delas, a socrática, serve a uma causa melhor. A posição do pragmatista nunca será no sentido de desmentir (nesse aspecto, ele jamais acusaria o outro lado de autocontradição performativa). A sua crítica nunca será intelectualista. O que serve melhor aos ideais da humanidade? É sob essa perspectiva que, ao invés da fusão de horizontes interpretativos, consenso que Habermas acredita, Rorty vai preferir falar de substituição de horizontes interpretativos. XXII O último tópico do texto abre com a seguinte questão: precisamos de uma teoria da racionalidade? Na verdade, Rorty a compreende de pouca utilidade para uma política democrática. A partir do momento que se compreende a racionalidade como uma destinação (tendência universalista do desenvolvimento filogenético) ou como o caráter da modernidade, cria-se a ideia de que não há como fugir dessa situação ou que ela é mesmo a marca de maturidade, como a entende Habermas. Sob esse ponto de vista, a universalidade da razão adquiriria uma espécie de caráter incondicional, ao qual cumpriríamos obedecer: daí a diferença entre moralidade e prudência, ou validade e facticidade. A questão é que Rorty lembra, segundo Dewey e Darwin, que obrigações são sempre condicionais e situacionais. Sob esse aspecto, os princípios liberais e democráticos definiriam apenas uma linguagem possível entre outras. A razão, e seu corolário de justificações, seria uma questão de opção e não destinação universal. Rorty conta uma história de maneira a relacionar a razão como um caminho entre outros, ao qual se chegou de forma contingencial. E com isso, elimina-se a oposição entre validade e facticidade. Essa história, inclusive, seria a narrativa da maturação, à qual se chega após um estágio de transição, marcado pela oposição entre moralidade e prudência. E essa narração teria como objetivo transformar o antigo conceito de racionalidade de forma a torna-lo mais útil para uma política democrática. Da mesma forma que a lingustificação dos conceitos kantianos por parte de Habermas foi já uma forma de torná-los mais úteis, o naturalismo de Dewy e Davidson, conforme Rorty, os tornariam mais úteis ainda para a democracia - nada é incondicional. A questão, portanto, é narrar, contar uma história - tal como fizeram Kant, Habermas e Rorty - de maneira a dar uma forma aos conceitos que os tornem úteis para a humanidade. XXIII Em "Objetivismo, Relativismo e Verdade", coletânea de ensaios, dos quais, o primeiro deles, "Anti-representacionismo, Etnocentrismo e Liberalismo", apareceu pela primeira vez em 1990, Rorty vai precisar a posição dos não-representacionalistas, sublinhando a ideia de ambiente: nosso corpo como nossa linguagem sendo formados pela ambiência na qual vivem. Com isso, coloca em questão antigas controvérsias, tais como realismo versus idealismo (a realidade material é dependente da mente?) e, um pouco mais tarde, realidade versus linguagem (que tipo de asserções verdadeiras encontram-se em relações representacionais para com itens não linguísticos?). Segundo Rorty, o problema dessas controvérsias é que compartilhariam pressuposições representacionalistas - seus termos nos tornam cativos de uma imagem de representação. O próprio termo "anti-realismo" teria em sua história uma ambiguidade: em sua forma padrão significaria que para algumas asserções particulares verdadeiras não há nenhuma questão de fato - o fato de "S" que o tornaria verdadeiro; porém, mais recentemente, significaria que nenhum ítem linguístico representa algum ítem não linguístico. O sentido de "anti-realismo" indica outra  ambiguidade na sua história: há nele dois sentidos - um primordial, qual seja, de ter sido tema de debate no interior da comunidade dos representacionistas - filósofos que acham frutífero pensar a mente ou a linguagem contendo representações da realidade; e um sentido tardio, como anti-representacionalismo, evitando a discussão com o realismo (a significação teria a ver com as condições que tornam uma sentença verdadeira e com o que justifica uma elocução). Portanto, a própria história do termo "anti-realismo", em sua ambiguidade, nos levaria a desconfiar de seu uso. XXIV Fugir dessas questões, segundo Rorty, é não cair não armadilha do representacionismo. Porque para os representacionistas, o importante é construir sistemas de modo a responder querelas. Dentro da filosofia anglófona, Rorty vai analisar o procedimento de Bernard Williams em seu livro "Wittgenstein e o Idealismo". Segundo Williams, para os anti-representacionalistas, tais como Wittgenstein, "os átomos são o que são porque nós usamos os átomos como usamos". Neste caso, a determinação da realidade vem do que nós decidimos ou estamos preparados a contar como determinado. O erro de Williams em imputar à Wittgenstein um idealismo transcendental, é que o filósofo austríaco jamais se lançou a responder questões tais como "realismo ou idealismo?". E justamente porque são questões que obrigam a nos lançar fora de nossas próprias mentes, como se pudéssemos atingir o ponto de vista do olho de deus (crítica que Putnam efetua aos representacionalistas; segundo ele, um intrateórico, ao contrário do ponto de vista exterior e impossível, as noções semânticas conectando a linguagem à não linguagem são internas à visão global do mundo). Outro representacionalista que vai incidir no mesmo erro de Williams, será David Papineau em seu livro "Realidade e Representação". Ao analisar Davidson, acaba por imputar-lhe uma crença na representação, que lhe tira toda a singularidade. Segundo Rorty, a crença ou juízo em Davidson não é tentativa de representação da realidade; não é uma imagem do mundo construída pelo organismo de modo a auxiliá-lo na lida com esse mundo. Davidson não faz análise de representação como quer crer Papineau. Seu interesse é saber como um organismo dotado de linguagem interage com o que está acontecendo em sua circunvizinhança. Nesse sentido, a crença mais apta de ser verdadeira é aquela que se coaduna com o corpo essencial de suas outras crenças. Ao invés de imagem, é forma de adaptação ao ambiente. Daí a relação de Davidson com Darwin. A questão não está em como Kant e Descartes entendiam a mente e a linguagem: desconectada ao meio ambiente, de forma a se conectar  com a realidade não humana, abstraída de como se encontra representada (teoria teológica da representação); isso viria a produzir conceitos não linguísticos. Para Davidson, ao contrário, as crenças e os juízos são marcas e sons a se correlacionarem com marcas e sons de outros organismos; é antes uma conexão com o ambiente. XXV A perspectiva de Davidson indica o munda da intersubjetividade e o valor da solidariedade. Ao invés de questões metafísicas ou epistemológicas, dentro do quadro da objetividade, questões tais como a do contato com a realidade, independente da mente e da linguagem (Papineau fala numa ligação biológica entre o predicado observacional e o estado de coisas que levariam a uma representação acurada e que seria detectável pela ciência natural), seriam realçadas as questões políticas: quais os limites de nossa comunidade? nossos encontros são suficientemente livres e abertos? o que nós recentemente conquistamos em solidariedade custou-nos a nossa capacidade de escutar os que vêm de fora, os que estão sofrendo? dos que vêm de fora, quem possui novas ideias? a perspectiva de Davidson levaria à ideia de democracia, subentendida como aculturação, e aqui está implícito o etnocentrismo (aqueles que nos estão próximos), mas também gerando tensões, cesuras (jogar partes de nossa mente contra outras partes em função de necessidades, produzindo assim pequenos fulcros). Ao lado do etnocentrismo tem então toda uma ideia de progresso, de reformulação e ampliação gradativa - através do embate de uns contra outros, vai-se modificando gradualmente velhos vocabulários, crenças e desejos: é o contrário de revolução, subentendida de como processo de alijamento de nossos velhos vocabulários, crenças e desejos. Retomando Sellars, quanto a rede de crenças e desejos, - "a ética se autocorrige e pode colocar em risco qualquer reivindicação, mas não todas ao mesmo tempo", Rorty vai trabalhar com a ideia de progresso e ampliação paulatina da imaginação, através de novos candidatos à crença e ao desejo, fraseados em nossos vocabulários. Essa mudança de perspectiva, o longo prazo, e que, de uma certa forma, foi sempre uma bandeira da antiga esquerda marxista - substituição seletiva da propriedade privada pela propriedade pública de capital, trazendo consequências desejáveis a longo prazo e, em particular, de modo crescente, trazendo uma democracia participativa - seria combatida pela esquerda pós-marxista contemporânea. O desejo saudoso de uma revolução, sem sustentar nenhuma específica, e a raiva diante da ampliação lenta da esperança, acabaria por levar essa esquerda pós-marxista a um quadro superteórico de pouca serventia prática. Como se pudesse haver uma via direta entre a disciplina e a ação política. Por outro lado, a cultura sócio-política do liberalismo seria a herdeira dessa antiga esquerda marxista, investindo numa visão utópica e minimizando tensões. Haveria, pois, dentro das premissas antirepresentacionalistas, um grande racha: muito embora para a autoimagem do ser humano seja bom que não sejamos dependentes a algo antecedentemente presente, como os representacionalistas dependiam, há os que investem na desconstrução da prática social apontando contradições internas, e os que minimizam essas tensões, investindo nas possibilidades utópicas do futuro. Essa autoconfiança (acreditar em nossa capacidade para mitigar nossa finitude, através de um talento para a autocriação), presente na perspectiva liberal, seria, segundo Rorty, mais favorável a nossa autoimagem. XXVI A prioridade da democracia, se comparada à filosofia, é um ensaio de Rorty publicado originalmente em 1984 e depois incluído em "Objetivismo, relativismo e verdade". Indica, inicialmente, a tolerância religiosa de Jefferson, segundo o qual, a religião estaria ligada ao campo do privado e seria relevante apenas para a perfeição individual (o abandono de opiniões religiosas seria necessário apenas no caso de encerrarem ações públicas que não pudesse ser justificadas pelos companheiros cidadãos).  Já nas crenças que se referissem à virtude cívica, ou seja, questões de importância maior, é que Jefferson vive a tensão própria do iluminismo, tensão essa que será resolvida através da teoria filosófica, isto é, através de razões: existe o lado absolutista, segundo o qual, essas crenças emergem da consciência (a posse dessas crenças constituiria a essência do ser humano) - a consciência é a faculdade que fornece dignidade e direitos humanos individuais; e existe o lado pragmático e que diz respeito à justificabilidade, segunda  a qual, as crenças podem ser relevantes para a política pública em sua consciência, mas se foram incapazes de defesa com base na crença comum, devemos sacrificar a consciência. Diante dessa tensão, o iluminismo contemplaria a discussão livre buscando buscando respostas corretas, sejam para questões científicas ou morais, com o objetivo de resolver a tensão. Já os pragmatistas investem na justificabilidade (não se opõem à verdade,  apenas acham irrelevante a questão de sua ligação à justificação ou ao consenso de uma cultura particular); em outras palavras, não existiria nenhuma tensão a ser resolvida. Por fim, o comunitarismo, na pegada de Heidegger, Adorno e Korkheimer, ao polarizar a tensão e ao constatar a impossibilidade de uma resposta convincente por parte do racionalismo iluminista, fazendo cair por terra a ideia de direitos humanos a-históricos, lançam dúvida à democracia. A questão que Rorty coloca é se uma instituição politica ou uma sociedade tem que ter relação com direitos humanos a-históricos. Conforme Adorno e Korkheimer, sim, as sociedades humanas não poderiam sobreviver sem opiniões amplamente compartilhadas sobre questões morais. Entretanto, segundo Rorty, o eventual colapso das democracias liberais, como por exemplo, o surgimento do nazismo no século XX, não mostraria por si só que seria consequência da ausência de opiniões morais compartilhadas. Tanto o fanatismo religioso quanto a opressão política estariam ligados, antes, a ausência de tolerância. Rorty, portanto, encaminha pra uma outra direção o eventual fracasso da democracia liberal: ao invés do colapso da explicação filosófica, relacionando a justificação à verdade, a ausência de tolerância e a insistência numa essência a-histórica. A segunda asserção contra o iluminismo é o juízo moral, conforme desenvolvido por MacIntyre (o tipo humano produzido pela cultura liberal é indesejável - esteta rico, empresário, terapeuta). Tal juízo moral é uma redução ao absurdo da visão filosófica que ajudou a criar uma cultura liberal. A terceira asserção contra o iluminismo vem de Taylor e Sandel, e tem pós e contras, segundo Rorty. Conforme a definição de Sandel, "instituições políticas pressupõem uma doutrina da natureza humana e tal doutrina, ao contrário do iluminismo racionalista, precisa tornar claro o caráter essencialmente histórico do si próprio". Ou seja, a teoria social do estado liberal estaria repousado sobre pressupostos filosóficos falsos. Aqui se privilegiaria os pressupostos filosóficos, assim como em Adorno e Korkheimer se privilegiaria a verdade moral a-histórica. No caso de Sandel, a natureza humana, mesmo sendo histórica, fundamentaria as instituições políticas, as quais, não são em nada melhores do que suas fundamentações filosóficas. Com isso, privilegia-se a filosofia. Ora, em Dewey, tanto quanto em Rawls, se fixa primeiro a política - depois é que se costuraria uma filosofia. Por outro lado, ao sublinhar o caráter histórico do si próprio, Sandel se afasta do ideal de desengajamento dos iluministas, para quem a consciência individual é sagrada e age sem interferência externa, o que culmina no apelo por direitos. XXVII "A Justiça enquanto equanimidade: política não metafísica", texto de John Rawls, vai trabalhar com uma concepção política de justiça, baseada na equanimidade e consequentemente na tolerância, uma vez que são as condições históricas e sociais que vão definir as instituiç~ies e não uma concepção moral genérica, como a entendia Adorno e Korkheimer. Em Rawls, a indiferença às diferenças religiosas tal como manifestada em Jefferson, avança no sentida da indiferença em relação às diferenças da natureza humana. Nesse sentido, a justiça não precisa ser legitimada - está ligada a ideias instintivas básicas, princípios implícitos nas convicções estabelecidas. Esse método de Rawls, ligando a justiça à equanimidade, chamado de "equilíbrio reflexivo", sofrerá críticas por parte de Adorno e Horkheimer, para quem conclusões políticas requerem fundamentação extrapolítica. Em "Liberalismo e o limites de Justiça", Sandel vai interpretar Rawls por um viés kantiano. "A Teoria da Justiça" de Rawls, segundo Sandel, quer fundamentar nossas instituições morais sobre a noção de racionalidade, própria do neokantismo. A concepção só é verdadeira quando frente a essa ordem antecedente e dada para nós. Sob esse aspecto, o si próprio é anterior aos fins que são afirmados por ele, como consta na "Teoria da Justiça". Sandel sublinha mais essa passagem da Teoria: "nós não devemos tentar dar forma à nossa vida olhando primeiramente para o bem independentemente definido". Com isso, há uma nítida intenção em Sandel, ao trazer a palavra "dever", de relacionar Rawls identificado à capacidade de escolha do sujeito, enquanto essência da personalidade. Sandel entende o ponto arquimediano de Rawls como um ponto de vista que não está nem comprometido com sua implicação no mundo (não é a concatenação de crenças em Hume) e nem está dissociado do mundo como estaria em Kant.  Sandel acha que Rawls compartilha com Kant do medo do etnocentrismo e do relativismo. Rorty, no entanto, vê o ponto arquimediano de Rawls de maneira diferente: não tendo em vista um ponto exterior à história. A "razão" é um hábito social que concede muita latitudes para escolhas ulteriores; ao invés de ser capacidade de escolha, é hábito social a propiciar escolhas; as escolhas somente são possíveis em função da inserção no mundo. Com isso, Rorty interpreta a passagem de Rawls "nós não devemos tentar dar forma à nossa vida olhando primeiramente para o bem independentemente definido", não como capacidade de escolha, mas como liberdade e tolerância à frente da perfeição. XXVIII O que está em jogo na interpretação da "Teoria da Justiça" de John Rawls, feita por Rorty e Sandel,  é a concepção que cada um deles vai estabelecer do si próprio. "Dar à justiça prioridade sobre a concepção do bem", tem em ambos interpretações distintas. Para Sandel, o que pressupõe essa afirmação é que a justiça estabelece as condições do sujeito, compreendidas como capacidade de escolha, a prioridade do direito frente ao bem; e o si próprio entendido como racionalidade, faculdade de seguir o rastro da verdade. Está implícito nesse contexto a história do encontrar e o desenvolvimento de princípios, direitos e valores. O liberalismo americano, nesse caso, seria uma questão de dedução transcendental. Para Rorty, Ralws interessado não no que pressupõe a afirmação nem no que a explica, mas em sua consequência: a cidadania em uma sociedade liberal. E as condições para essa cidadania seria uma questão de sistematização de princípios e instituições liberais americanas. Dentro desse contexto, não há distinção entre sujeito e atributos do sujeito, nem entre essência e acidente. E estão implícitos aí tanto o progresso moral quanto a história do fazer. IXXX A pergunta "como devem ser os seres humanos?", comportaria dois tipos de respostas: uma subentendendo a natureza humana, o que levaria a um vocabulário moral singular e a um conjunto de crenças morais que seriam apropriadas para toda e qualquer comunidade em qualquer lugar; e outro tipo de resposta que não apela à natureza humana e acena para um tipo específico de sociedade liberal (a justiça e a liberdade seriam prioritárias em relação à natureza). Nesse último caso, vai se valorizar o compromisso socrático (a troca livre de pontos de vistas), sem chegarmos necessariamente a uma concordância - é o que Rawls vai chamar de "equilíbrio intersubjetivo reflexivo", característica de uma política democrática, vista como prioritária em relação à filosofia. Já as questões ligadas a fundamentos, dos quais, conclusões morais e políticas viriam a ser inferidas, assim como o compromisso platônico com a concordância universal, estariam mais dentro do contexto da natureza e da tradição filosófica. XXX As questões filosóficas tradicionais, tais como "o que é o homem?", "que direitos são intrínsecos à espécie?", reflexivas e cobertas de seriedade, seriam substituídas por uma irreflexão estética, uma inconstância própria do ascetismo e do desencantamento do mundo: não há como levar à sério questões morais, as quais visam um modelo de identidade, agora posto em cheque. É justamente esse caráter estético e de jogo, presente em Schiller, que propiciaria o progresso moral. Mas para compensar o ar inconstante, próprio do ascetismo frente às questões tradicionais, construiria-se então uma posição, um propósito moral: tornar os habitantes mais pragmáticos, mais tolerantes, mais liberais; a identidade moral consistiria em ser um cidadão de um governo liberal. Com isso, a consequência é o desencantamento do mundo: tolera-se o outro justamente por causa do caráter estético, da trama sem centro das crenças e desejos que é o homem. O mundo se desencanta e osa homens se tornam mais tolerantes. Contra esse desencantamento, Weber escreveu sua obra. Comunitaristas, como Heidegger e MacIntyre, ao final de seus textos, sempre sugeririam que a reflexão filosófica ou o retorno à religião pudessem vir a nos habilitar a reencantar o mundo. Assim como muito se escreveu, em razão desse desencantamento, que a teoria social do estado liberal repousava sobre pressupostos filosóficos falsos - "instituições democráticas não podem ser combinadas com o sentido do propósito comum que sociedades pré-democráticas desfrutaram" (asserção empírica de Adorno e Hockheimer) e "produtos do estado liberal são um preço muito alto a pagar pela eliminação dos males que a precederam" (juízo de MacIntyre). A questão que Rorty coloca é se o desencantamento do mundo tem-nos feito mais mal do que bem. Se o desencantamento comunal e público nos leva a liberação espiritual e privada, o preço a ser pago, conforme Dewy, vale a pena. No fundo, está a se privilegiar essa liberdade privada: qualquer visão sobre o significado da vida, que viesse a ser implementada, não interferiria na visão dos outros. A questão do reencantamento é que é difícil estar encantado com uma versão e ser tolerante com as outras. Portanto, o custo da liberdade com que cada um pode montar as peças do si mesmo, é a tolerância e o desencantamento do mundo. Mas nada melhor para nossa autoimagem do que essa autonomia e autocriação. XXXI "Solidariedade ou Objetividade" é um outro texto de Richard Rorty, presente no livro "Objetivismo, Relativismo e Verdade". Aqui, Rorty distingue dois contextos diferentes e amplos, aos quais podemos ligar nossa vida: o contexto realista e o contexto pragmático. Ao primeiro consistiria descrever o si mesmo através de uma relação direta e imediata com uma realidade não humana; portanto, sem passar pela comunidade, isto é, pela opinião. Neste caso, a solidariedade está fundada na objetividade: sonha-se com uma comunidade derradeira, que exibiria uma solidariedade que não pe paroquial porque expressão de uma natureza humana a-histórica. Nosso vínculo a algo, sem referência a nenhum ser humano particular, acarretaria nossa distância ao que nos rodeia.. E essa é a tradição da cultura ocidental, basta lembrar os gregos sempre despertos para o exterior, receosos do paroquialismo. Se essa postura que poderíamos traduzir como "ver com olhos estrangeiros", leva ao tom irônico e cético de Eurípedes e Sócrates, esse ceticismo será transcendido por Platão, para quem a meta comum da humanidade é a natureza. Já o contexto pragmático reduz a objetividade à solidariedade. Ao invés da descrição de si-mesmo, é a narração da história de sua contribuição para a comunidade (a diferença clássica entre descrição e narração).. Comunidade que pode ser histórica (onde vivemos), atual (distante no tempo e no espaço) ou imaginária (dos heróis selecionados na história ou na ficção). Aqui não queremos saber da relação de nossa comunidade com algo fora dela. De uma certa forma etnocêntricos, nosso desejo é por solidariedade, não objetividade. E se a verdade persuade é porque é boa para nós. Conforme William James, apenas acreditamos naquilo que é bom para nós. XXXII Para os realistas, a verdade é um tipo natural e transcultural de racionalidade. Sob essa perspectiva, critica-se certas culturas e elogia-se outras. Haveria como que um solo neutro iluminado pela luz da razão. Daí a distinção estabelecida entre conhecimento e opinião. Para os pragmáticos, a diferença é entre concordância fácil e concordância difícil, sob o fundo básico da crença (não há solo neutro). Haveria crença que se apresenta atualmente para nós como racional (não precisando ser verdadeira, mas admitindo-se a possibilidade de vir a ser aperfeiçoada) e há o desejo de que essa crença venha a ser a melhor possível, isto é, que venha a alcançar a maior concordância intersubjetiva possível, estendendo a referência do pronome "nós" tão longe quanto possível. Daí porque, para os pragmáticos, a distinção não ser entre conhecimento e opinião, mas entre crença atual e melhor crença possível. O relativismo, aparentemente o contrário do realismo, tem sido entendido sob três focos alternativos. Ora é chamado de relativista aquele para quem toda e qualquer crença é tão boa quanto qualquer outra (tudo é verdade); ora é assim considerado aquele para quem a verdade é um termo equívoco, possuindo tantos significados quanto procedimentos de justificação houver; e ora é chamado de relativista o pragmatista, aquele para quem nada há a ser dito sobre a verdade ou sobre a racionalidade para além das descrições dos procedimentos familiares de justificação que uma dada sociedade emprega. Neste último caso, há incidência de etnocentrismo, assim como de univocidade: para haver "verdade" tem que haver aprovação da comunidade, subentendendo-se que a identidade do significado é variável conforma e comunidade. Nesse caso, a teoria da verdade é negativa: não há nada a ser dito sobre a verdade porque ela não tem uma natureza intrínseca (os realista é que a vêem como correspondência da realidade, sustentando uma base epistemológica). Para Rorty, o pragmatismo diferencia-se tanto do realismo quanto do relativismo: a verdade para eles têm uma base ética e não epistemológica (não tendo nenhuma epistemologia a fortiori, não possuirá também nenhuma epistemologia relativista). XXXIII Rorty analisa " Razão, Verdade e História", de Hilary Putnam, e sua concepção internalista da Filosofia, para Rorty, uma feliz vida media entre realismo e relativismo. Por um lado, Putnam critica o olhar de Deus (olhar não humano, olhar de fora). Seguindo Davidson, interpretar é tornar o comportamento de outras pessoas razoáveis junto a nossas luzes. Sob esse aspecto, a cultura se definiria em termos de regras explícitas, tais como as regras de linguagem para o positivismo lógico. Aqui podemos compreender a relação entre realismo e relativismo: ambos compreendem a racionalidade como aplicação de critérios. A diferença é que, para o realismo, o critério é único, já para o relativismo, tantos quanto forem os procedimentos de justificação. Mas em ambos, funcionaria o modelo geométrico axiomático. É dentro desse esquema que podemos compreender a tese da incomensurabilidade dos relativistas: termos usados em outras culturas não podem ser equiparados em significação e referência com quaisquer termos ou expressões que nós possuímos; em outras palavras, geometrais alternativas são irreconciliáveis porque têm estruturas axiomáticas e axiomas contraditórios. As "nossas luzes" a que Putnam se refere, subentende-se uma reformulação contínua da trama de crenças, ao invés de aplicação de critérios: crenças sugeridas por outras culturas precisam ser primeiramente testadas a partir da tentativa de tece-las juntas com as crenças que já possuímos. Ao modelo geométrico de axiomas, impondo-nos certas asserções, a substituição pela avaliação holística das normas culturais, segundo a qual, o ajuste da discordância com as outras crenças que abraçamos acaba por reformular nossas próprias crenças. Nesse caso, as asserções, ao invés de serem produto do constrangimento exercido pelos axiomas, sintetiza hábitos e práticas compartilhadas. É sob esse aspecto que Foucault identifica conhecimento a poder: não é uma questão de regras a-históricas, mas tem a ver com contingência histórica, determinada configuração de hábitos e práticas. XXXIV A questão é que Putnam se pergunta: "esse diálogo tem um término ideal? Há uma concepção verdadeira de racionalidade, uma moralidade ideal, mesmo se tudo que tivermos não for além de nossas concepções sobre ela?". Aqui, ela introduz o conceito-limite, o ponto para o qual o diálogo converge, um lugar preparado antecipadamente para a humanidade. E cai na armadilha da objetividade. XXXV Os pragmatistas, ao serem acusados de relativistas por parte de Putnam, estão sofrendo, segundo Rorty, a projeção de hábitos realistas. E nesse sentido, é importante frisar um procedimento comum dos pragmáticos: o elogio dos hábitos das sociedades liberais é feito com o próprio vocabulários dessas sociedades (justificação circular). Esse etnocentrismo é a marca deles e prova o quanto levam a sério sua comunidade. Diferentemente, os relativistas ao justificar tudo, não indicam só tolerância para com os outros grupos, incluindo aí os fundamentalistas; eles recusam levar a sério a escolha entre as comunidades. E. com isso, acabam por tomar a forma perversa da tentativa de separação por parte do realista. Ambos, realista e relativistas, encontram-se afastados das comunidades. XXXVI A diferença entre conversão revolucionária e persuasão, é que esta última é obcecada pela justificação e, dessa forma, busca o consenso. Diante de uma mudança de perspectiva que por ventura venhamos a ter, justificamos a nós mesmos frente ao nosso si próprio anterior (com isso, tentamos reconfigurar nossa rede de crenças, adaptando a nova perspectiva a outras que já tenhamos). Já a conversão significa abandonar o barco, mudar toda a rede de crenças, algo a que Badiou se referia quando analisava o sentido de ressurreição - dar surgimento a um novo sujeito, morte e vida. XXXVII Nietzsche vai questionar a tradição filosófica que, segundo ele, sob a teoria da natureza humana, busca escapar do tempo e do acaso.  O medo da morte de nossa comunidade é que levaria, segundo Nietzsche, à imagem de uma natureza humana comum, orientada em direção à correspondência com a realidade, tal como ela é nela mesma. Em caso de destruição, estaríamos destinados a readquirir as virtudes, as descobertas, os empreendimentos passados. A essa esperança na eternidade da natureza humana, que não deixa de ser uma espécie de etnocentrismo ("nossa comunidade é eterna"), sob o olhar implacável de Nietzsche, o pragmatista substitui por uma esperança na solidariedade, que se constitui como uma espécie de conforto sem suporte metafísico. Em "Da Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral", Nietzsche questiona a noção de racionalidade transcultural, como alegada por Putnam: "a prova cabal do caráter humano era viver com o pensamento de que não há nenhuma convergência". Essa perspectiva nietzschiana da verdade é fundamental para o pragmatismo: a verdade como um exército móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos - em resumo, a soma de relações humanas que vieram sendo acentuadas, transpostas e aprimoradas poética e retoricamente; e que, depois de longo uso, parecem firmes, canônicas e obrigatórias para um povo. Essa perspectiva é indicativa de que só há diálogo e nenhuma convergência. XXXVIII Muito embora a perspectiva nietzschiana da verdade seja de extrema valia, num determinado ponto nietzschianos e pragmáticos tomarão direções opostas: em Nietzsche há uma espécie de idealização do silêncio, da solidão e da violência; nos pragmáticos, ao contrário, idealiza-se a solidariedade e, com ela, a conversação socrática, o companheirismo cristão e a ciência iluminista. O que Heidegger e Foucault vão empreender, sob a sombra de Nietzsche, será a crítica, tanto à civilidade burguesa e ao amor cristão por um lado, quanto à esperança do século XIX de que a ciência tornaria o mundo um lugar melhor de se viver. Enfim, uma filosofia do desespero. XXXIX Para Rorty, seguindo a perspectiva nietzschiana da verdade, seja a metafísica epistemológica, seja o pragmatismo, ambos são modos de cristalizar nossos hábitos: o primeiro, através de uma fundação ética; o segundo, através da esperança em uma comunidade solidária - esperança que, compartilhada, gera a confiança. Ao final do texto, Rorty divide a sugestão pragmática em três campos distintos: justificações (filosofia), práticas (ciência e democracia liberal) e esperanças (idealismo). Mas, ao dividi-la em três campos, sugere uma espécie de hierarquia: as justificações teriam menos importância porque viriam  sempre à sombra de uma prática (ou é corolário de uma afirmação metafísica, ou de uma afirmação epistemológica, ou de uma afirmação semântica, sendo que os objetos do mundo não contém nenhuma propriedade orientadora da ação, carecemos de uma faculdade de sentido moral e a verdade é redutível à justificação). Mas se as práticas são o caminho de como pensar em nós, a fim de evitar o ressentimento nietzschiano, a esperança é o idealismo que gera as práticas. E aqui, mais uma vez, poderíamos contrapor a esperança em Badiou e em Rorty (a questão da militância no primeiro avulta em importância, o que leva a um conceito muito particular de esperança). XL Em 1987, veio à lume no volume 61, pág. 283-96, da coleção "Modos de Abordagem da Sociedade Aristotélica", o texto de Rorty sobre metáforas: "Sons inauditos: Hesse e Davidson quanto à metáfora", também presente em "Objetivismo, Relativismo e Verdade". O texto abre com uma epígrafe de Nobokov: "Nós falamos sobre uma coisa ser como outra coisa, quando o que nós realmente estamos desejando fazer é descrever algo que não é como nada sobre a terra". Diante dos eventos inauditos do mundo natural, insuspeitados e cheios de surpresa, há como que duas posturas: ou controla-los, predizendo-lhes através dos mundos simbólicos que são uma espécie de representação dos mundos inauditos; ou, então, dar-lhes vazão, não aprisionando-os em rede de significados. No primeiro caso, a metáfora é usada como instrumento de cognição, mera expressão de conhecimento, o qual, pode ser materializado em utopias, caricaturas ou mitos simbólicos que explicam a natureza. neste caso, a linguagem serve para predizer ou controlar. Mas a metáfora no segundo caso, deixa de estar ligada à cognição, passando a gerar novas teorias científicas, transvalorizando nossos valores e propiciando um maior conhecimento - ao invés de ser expressão, torna-se causa de novos conhecimentos. O debate entre Davidson e Mary Hesse apresenta essas duas posturas. Para Hesse, dentro do contexto da cognição, metáfora e discurso cognitivo são coextensivos (a metáfora governa o crescimento ou a aquisição da linguagem, e, o discurso cognitivo, que diz respeito a significado, tem a ver com o refinamento subsequente, a forma seca e literal). Para Hesse, o novo uso de um predicado (metáfora) altera o significado de todas as outras palavras e sentenças da língua, o que a leva atentar-se para o processo contínuo de mudança de significado. A questão, portanto, aqui, é ir do uso ao significado, do menor para o maior, a nos remeter à Leibniz em sua tentativa de ir mais além em direção à metafísica. Em Davidson, ao contrário, não existe coextensividade: os limites correntes das regularidades da linguagem fixam os limites correntes do significado. Em outras palavras, o significado é produto do uso, do comportamento, o que o leva a fixar-se nas regularidades do uso. E isso nos remete à figura de Newton que descreve regularidades, sem aventar hipóteses sobre forças operantes subjacentes. LXI O que se evidencia nessa discussão é a postura por parte de Hesse de predizer as mudanças a partir de um novo uso. Com isso, tenta-se entender o uso metafórico, o seu significado: predizer as mudanças comportamentais. Como se a metáfora tivesse as mesmas feições de uma mônada leibniziana - através dos desdobramentos de seu conteúdo latente, chegaríamos a prever os novos comportamentos linguísticos. A questão é que para Davidson, a metáfora é um estímulo não predizível: não pode ser entendida, nem interpretada; não contém literalmente nada, não tem conteúdo cognitivo. Ao invés de transmitir informações ou levar ao conhecimento, ela causa crença (daí porque não existe coextensividade entre metáfora e significado). A metáfora justifica uma crença, no sentido de causa-la, sem citar outra - usa uma não sentença para estimular os órgãos de sentido de seu interlocutor, esperando, consequentemente, causar assentimento a sentença. Ou seja, não são razões para a crença, são, antes, causas: seu efeito sobre nós é o conhecimento, mas não que ela detenha as informações - a metáfora apenas faz com que comecemos a buscar analogias e similaridades, desdobrando sentenças que possuam conteúdos cognitivos. Não entendemos o uso metafórico, apenas fazemos frente à ele. A partir do momento que constituímos um novo conhecimento, após a revisão de nossas teorias de forma a adaptá-las aos contornos da metáfora, esta passa a cair na literalidade e a expressar uma verdade. Nesse momento, ela se transforma numa metáfora morta. XLII No texto "Liberalismo Burguês Pós-Moderno", também incluído no livro "Objetivismo, Relativismo e Verdade", Rorty mapeia os posicionamentos diante das instituições liberais: a) os que compreendem a humanidade como uma noção moral, o que acarreta a dignidade humana intrínseca, assim como os direitos humanos intrínsecos - nesses casos, haveria um esteio a-histórico para as instituições e práticas das democracias existentes (fugir de uma comunidade liberal seria um ato de irresponsabilidade, se considerarmos que é um contraste ilusório a lealdade frente a essa comunidade e a lealdade a uma coisa maior); b) para os que consideram a humanidade uma noção biológica, a dignidade deixa de se referir à condição humana - como os méritos passam a ser relativos à comunidade, pode-se perfeitamente pensar a si mesmo como não sendo membro da comunidade onde, por ventura, se está localizado e, dessa forma, empreender a fuga (não haveria nenhuma espécie de irresponsabilidade nesse ato). O primeiro caso, trata-se de liberalismo filosófico: uma coleção de princípios kantianos  que justificariam a esperança (metanarrativas que ao descrever as atividades do si próprio numenal ou do Espírito Absoluto ou do Proletário, pretendem justificar a lealdade ou a ruptura com outras comunidades. O segundo caso, trata-se de liberalismo burguês: os princípios sumarizam as esperanças, não as fundamental; não se quer justificar nada, apenas empreender narrativas históricas sobre o que as comunidades fizeram no passado e, a partir daí, visualizar o que poderão fazer no futuro.  Dentro desse segundo caso, há o subgrupo dos marxistas, uma vez que, da mesma forma que um liberal burguês, eles acreditam que as instituições e práticas do liberalismo só são possíveis em certas condições históricas e especialmente econômicas. Estão, portanto, além da metafísica e das metanarrativas. Por outro lado, consideram também que o vocabulário das instituições liberais está vinculado ao iluminismo, e como buscam algo diferente do iluminismo ao qual se apegar, que para eles é uma filosofia desacreditada, se marginalizam. Procuram se posicionar contra a burguesia, o que lhes dá uma posição singular dentro do liberalismo (para os pós-marxistas, tais como Roberto Unger e MacIntyre, a moralidade ainda é o interesse de uma comunidade historicamente condicionada como a democracia liberal). Já o liberal burguês, ao invés de pular fora, vai reinterpretar o vocabulário - e, mais importante, vai entender a lealdade apenas para a sua comunidade. Conforme Walzer, a sociedade justa é aquela que vive de modo fiel as compreensões compartilhadas dos membros. A lealdade dessa sociedade para consigo mesma é moralidade suficiente. O outro subgrupo diz respeito ao relativismo, que, segundo Rorty, estaria ligado ao liberalismo filosófico. É o caso de Hilary Putnam (seu paradoxo consiste em fugir do ponto de vista do olho de Deus e acabar caindo nele): "paremos de buscar o ponto de vista do olho de Deus e compreendamos que nós só podemos esperar produzir uma concepção mais racional de racionalidade ou uma concepção melhor de moralidade, se nós operarmos a partir do interior de nossa tradição". O que, em outras palavras, significa: toda e qualquer tradição é tão racional quanto qualquer outra. Como, diante disso, não precisamos mais investigar, nem deliberar, recaímos na visão de Deus e na metanarrativa. O que identifica esses dois subgrupos, relativistas e pós-modernistas ou pós-marxistas, é o caráter paradoxal de ambos: os primeiros partem do contextualismo para afirmar a equivocidade da verdade; e os segundos, do mesmo solo liberal do anterior, debandam para fora do contextualismo, sem no entanto afirmar verdade alguma (irracionalismo). Assemelham-se os dois subgrupos à zumbis, monstros mutantes, vítimas de um fato social que Rorty identifica como a guerra do Vietnã. A partir desse momento, os EUA deixam de ser exemplo histórico e sofrem uma guinada cultural (em seu livro "Para Realizar a América", Rorty vai desenvolver essa questão). XLIII O declínio do estado-nação, a que Giorgio Agamben faz referência em seu livro "Homo-Sacer - A Vontade Nua", é visto por Rorty de maneira diferente: "A esquerda cultural parece convencida que a nação-estado está obsoleta, e que não há consequentemente nenhuma razão para se esforçar a revivificar a política nacional. O problema é que o governo de nossa nação-estado será, durante o futuro que podemos prever, o único agente capaz de fazer qualquer diferença real na quantia de egoísmo e sadismo imposto aos americanos". Para Rorty, a partir da década de 60, o ativismo da sociedade americana, implementado por uma esquerda reformista que tinha nos sindicatos sua principal base de luta contra o egoísmo, veio a ser substituído por uma abordagem espectatorial dos problemas do país. O Poder torna-se assombração e ubiquidade, via Foucault, sofrendo uma visão gótica que o transforma em pecado. O grande problema a ser atacado deixa de ser o egoísmo da sociedade e sim, o sadismo. Toda a filosofia do politicamente correto é então implementada e a liberdade individual passa a prevalecer em detrimento à justiça social. Se a esquerda reformista não incentivava, nem tão pouco conclamava o orgulho da diferença, criando assim um senso de identidade ao nível das políticas nacionais, que se refletiam em mudanças da lei através de reformas específicas, a partir dos anos 60, com a esquerda cultural, tudo muda. Se o demónio passa a estar identificado com o poder ou o sistema, o povo e a democracia participativa são o poder angelical que vem nos socorrer. Cria-se então uma visão de mundo relacionada ao gótico e que tem a ver com o excelso. Não fica difícil imaginar o ressentimento do sindicato diante de um quadro que faz reemergir as castas hereditárias, o que acabaria levando à eleição de governos populistas de Direita: "todo o sadismo que a esquerda acadêmica tentou tornar inaceitável para seus estudantes, voltaria com toda força. Mas tal renovação do sadismo, não alteraria os efeitos do egoísmo". XLIV A história de Rorty é assim contada. Agamben e Badiou também o fizeram, a seu modo, com alguns pontos em comum, como, por exemplo, a crítica à teoria dos direitos humanos. Em outros momentos, visualizamos diferenças nítidas: Badiou volta pras ruínas do passado e tenta retomar o interrompido, no sentido de um novo sujeito; já Rorty, visualiza o futuro, buscando expandir e modificar a rede de crenças na qual está inserido.