KARINE CORDEIRO DE FREITAS
O PAPEL DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL NA UNIÃO
EUROPEIA EM TEMPOS DE CRISE: o problema do risco moral
entre Alemanha e Grécia.
Monografia de Bacharelado em Ciências Econômicas
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Abril/2015
KARINE CORDEIRO DE FREITAS
O PAPEL DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL NA UNIÃO
EUROPEIA EM TEMPOS DE CRISE: o problema do risco moral
entre Alemanha e Grécia.
Monografia
submetida
à
apreciação
da
banca
examinadora do Departamento de Economia como
exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
Ciências Econômicas. Elaborada sob a orientação do
Professor Antônio Carlos de Moraes.
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Abril/2015
Esta monografia foi examinada pelos professores abaixo relacionados e
aprovada com nota final _______ (_________________________).
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
Autorizo a disponibilização desta monografia para consulta pública e utilização
como referência bibliográfica, mas sua reprodução total ou parcial somente
pode ser feita mediante autorização expressa do autor, nos termos da
legislação vigente sobre direitos autorais.
São Paulo, ____ de _________ de ______.
À minha família, que aturou pacientemente os meus
momentos de mau humor.
AGRADECIMENTOS
Não tenho dúvidas de que essa monografia é o símbolo de uma
conquista na minha vida e, por ela também significar o fim de uma jornada de
quatro anos e meio, é impossível não agradecer carinhosamente a todos
aqueles que me incentivaram para continuar estudando, antes e depois da
minha entrada na PUC - faculdade na qual eu sempre quis estudar.
Começarei com os meus professores dos tempos de escola no Maria
Petronila. A todos vocês, o meu obrigado. Sempre serei grata por acreditarem
em mim. Foram com os seus conselhos e com as suas aulas que eu pude
descobrir os meus gostos e, então, me encontrar com o cativante mundo das
ciências econômicas. Não sei o que teria sido de mim sem os incansáveis
discursos do professor Alessandro – que me ensinaram a não desistir -, dos
exercícios quase impossíveis do professor Adailton – que me levaram à
percepção de que ser desafiada faz parte do processo -, das incríveis aulas de
geopolítica da professora Ana Cleide – provavelmente a grande culpada por
ter-me feito escolher este curso que tanto gosto - e da visível alegria nos olhos
da professora Vera enquanto ensinava literatura – que me mostrou que o amor
por sua profissão não é algo tão absurdo assim.
Também, não tenho como não agradecer a todos aqueles que de
maneira profissional foram introduzidos à minha vida. Infelizmente, muitos de
vocês já não estão presentes no meu dia-a-dia, mas continuam até hoje
presentes em meus pensamentos. Muito obrigada por toda a confiança dada,
por todas as lições aprendidas e por todas as risadas. Dentre, tantas pessoas
boas, o meu carinho especial para com as eternas meninas do marketing:
Mirella, Fernanda, Riane e Carol. O conhecimento que vocês me deram eu
levarei para a vida.
Chegando ao ambiente da gloriosa PUC, não tenho como não
agradecer a todos os meus professores, favoritos e nem tão queridos assim.
De maneira e abordagem únicas cada um de vocês me ensinou algo novo e,
por isso, sou eternamente grata a todos vocês. Muito obrigada pelos momentos
de stress e pelas noites mal dormidas nos dias antecessores das provas.
Tenho certeza de que me lembrarei delas para sempre e que boas risadas
serão dadas daqui a alguns anos. Obviamente, um especial obrigado vai para o
meu orientador deste trabalho, o professor Antônio Carlos de Moraes, que,
mesmo nos meus momentos de indecisão e imprecisão sobre o meu tema, me
incentivou a continuar pesquisando e a escrever acerca deste assunto que
tanto me interesso. Um especial agradecimento também deve ser feito ao
professor José Carlos. Todo o suporte bibliográfico e a própria ajuda dada na
organização e escolha dos temas abordados em cada capítulo foram de
extrema importância para que o trabalho possa ter adquirido esta atual forma.
Foi neste ambiente de exigência e, muitas vezes, de quase
esgotamento mental, que ao longo destes anos eu fui contemplada com
incríveis novas amizades. Obrigada Ana, Gabi, Matheus e Amanda por
tornarem as minhas muitas manhãs cinzentas em dias coloridos e engraçados.
Ouso dizer que foi com nossas reclamações, com as nossas piadas e com as
nossas risadas que conseguimos fazer com que este período ficasse mais fácil
de ser administrado e, por termos passados tanto tempo juntos, tenho certeza
de que a nossa amizade e os votos mútuos de sucesso serão levadas para
além dos muros da universidade.
Do mesmo modo, seria impossível não agradecer aos meus bons e
velhos amigos que, desde o ensino fundamental e época de cursinho, têm
estado presentes - ou pelo menos tentado quando as provas da faculdade
começam. Um obrigado mais do que especial eu dedico a três bons e fiéis
amigos: Jonatan, Tami e Gabi. Bem sabemos o que cada um de nós teve que
enfrentar para alcançar os nossos objetivos e, por esta razão, considero os
seus sucessos como os meus.
Por último, além da dedicação deste trabalho, eu também faço um
agradecimento à minha família. Aos melhores, mais jovens e mais divertidos
pais que alguém poderia desejar ter, Leony e Adriana, e às irmãs mais
pirracentas, mas, também, mais queridas, do mundo, Camila e Natalia. De um
modo estranho, engraçado e único nós realmente funcionamos bem e, isto é o
que basta. Amo vocês.
A todos vocês, minha gratidão.
“[O segredo da Economia] é entender que por detrás dos números há
pessoas”.
André Gal Mountian
FREITAS, Karine C. de. O papel da nova economia institucional
na União Europeia em tempos de crise: o problema do risco
moral entre Alemanha e Grécia. 2015. 108f. Monografia – Curso de
Ciências Econômicas, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2015.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar e explicar a evolução
da corrente Institucionalista para, então, utilizá-la como referência numa
explicação mais completa sobre a crise financeira de 2008 juntamente com o
seu impacto no continente europeu. Apesar de iniciada nos Estados Unidos, foi
na Europa que se percebeu uma maior dificuldade de controle da crise por
parte das autoridades e, para entender esta especificidade, o presente trabalho
buscará analisar a organização das suas principais instituições de tal modo que
surjam as causas do atual problema do risco moral entre Alemanha e Grécia.
Palavras chaves: União Europeia, instituições, risco moral e crise
financeira.
ABSTRACT
The research aims to demonstrate and explain the evolution of the
institutional thought and use it as a reference to a broader and more complete
understanding about the financial crisis of 2008 and its impact throughout
Europe. Despite the fact that it was initiated in the United States, it was the
Europeans who had an easier time visualizing a more profound difficulty of
controlling the crisis by policy makers. While analyzing the specificities of
European institutions, this project will approach the organization of its main
institutions until the actual rising of the moral hazard between Germany and
Greece.
Key-words: European Union, institutions, moral hazard and financial
crisis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Dívida pública e sua resolução: economias avançadas e mercados
emergentes, 1900-2011 .............................................................................................. 31
Figura 2 - Taxa de desemprego dos Estados Unidos (percentual sobre a força
de trabalho). .................................................................................................................. 35
Figura 3 - Taxa de juros (FDTR) e PIB americano (WGPUS) .............................. 37
Figura 4 - Bank lending to private economy in the euro area, 2000-2009 .......... 43
Figura 5 - Inflação anual (%) na zona do euro e na UE......................................... 45
Figura 6 - Inflação anual (%) em dezembro de 2014 ............................................. 46
Quadro 1 - Calendário de adesão dos países membros da UE ........................... 56
Quadro 2 - Presidência do Conselho de Ministros ................................................. 59
Quadro 3 - Quantidade de parlamentares de acordo com o país ........................ 64
LISTA DE SIGLAS
AIG
American International Group.
ACP
Estados da África, do Caribe e do Pacífico.
Benelux
Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
CECA
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
CED
Comunidade Europeia de Defesa.
CEE
Comunidade Econômica Europeia.
CEEA
Comunidade Europeia da Energia Atômica.
CEI
Comunidade dos Estados Independentes.
ECB
European Central Bank.
ECU
European Currency Unit.
EERP
European Economic Recovery Plan.
EFTA
European Free Trade Association.
EU
European Union.
FED
Federal Reserve System.
FMI
Fundo Monetário Internacional.
GSE
Government-Sponsored Enterprises.
HIF
Hipótese da Instabilidade Financeira.
MBS
Mortgage-Backed Securities.
NEI
Nova Economia Institucional.
OECE
Organização Europeia de Cooperação Econômica.
OI
Organização Internacional.
OTAN
Organização do Tratado do Atlântico Norte.
PE
Parlamento Europeu.
PIB
Produto Interno Bruto.
PIIGS
Portugal, Ireland, Italy Greece e Spain.
QE
Quantitative easing.
REDER
Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
RFA
Repúplica Federal da Alemanha.
SEBC
Sistema Europeu de Bancos Centrais.
SGP
Stability and Growth Pact.
SME
Sistema Monetário Europeu.
TEC
Tarifa Externa Comum.
TUE
Tratado da União Europeia.
UE
União Europeia.
UEM
União Econômica Monetária.
UEO
União da Europa Ocidental.
VEI
Velha Economia Institucional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1
1. A NOVA E A VELHA ECONOMIA INSTITUCIONAL ......................................... 4
1.1. A velha economia institucional ............................................................................. 4
1.2. A nova economia institucional ............................................................................ 12
1.2.1. Instituições econômicas extrativistas e inclusivas ....................................... 15
2. ENTENDENDO A CRISE DE 2008 ...................................................................... 19
2.1 O aparecimento do capital financeiro: diferentes visões ................................. 20
2. 2 Minsky e o caráter instável do sistema capitalista ......................................... 25
2.3 O processo de internacionalização do capital financeiro ................................ 28
2.4 A crise financeira internacional de 2008 nos EUA ........................................... 33
2.5 Os impactos da crise financeira internacional na Europa ............................... 38
3. INSTITUIÇÕES EUROPEIAS ................................................................................ 50
3.1. União Europeia: princípios, evolução e consolidação .................................... 50
3.1.1 A Comissão Europeia ........................................................................................ 57
3.1.2 O Tribunal de Justiça da União Europeia ....................................................... 57
3.1.3 O Conselho de Ministros ................................................................................... 58
3.1.4 O Conselho Europeu ......................................................................................... 59
3.1.5 O Tribunal de Contas ......................................................................................... 60
3.1.6 O Banco Central Europeu ................................................................................. 61
3.1.7 O Parlamento Europeu ...................................................................................... 63
3.2 Uma breve história do pós II Guerra Mundial: comparações de
especificidades entre Grécia e Alemanha ................................................................ 64
3.3 O risco moral existente entre Alemanha e Grécia............................................ 68
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 78
ANEXOS ........................................................................................................................ 83
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, intitulado de “O papel da nova economia
institucional na União Europeia: o problema do risco moral entre Alemanha e
Grécia", tem como objetivos analisar, com o suporte do viés institucionalista, a
crise financeira de 2008 e explicar o caso de risco moral desenvolvido entre a
Alemanha e a Grécia como consequência da crise acima citada.
O tema deste trabalho foi escolhido por basicamente três motivos. O
primeiro diz respeito a sua inegável atualidade e relevância mundial, uma vez
que foi capaz de alterar as relações entre os países europeus; o segundo diz
respeito à constante preocupação da autora para que pessoas comuns, ou
seja, não economistas, possam, de maneira clara, mas ainda completa,
entender como um complexo contexto “de fora” pode afetar as suas realidades;
já o terceiro motivo, também parte da convicção de que, mesmo com todas as
diferenças existentes entre as realidades brasileira e europeia, um bom
entendimento da dinâmica e das estruturas da União Europeia, bloco que se
caracteriza por sua integração econômica, política e social, poderia servir de
inspiração - ou não - para o desenvolvimento de instituições inclusivas que
possibilitassem um desenvolvimento mais igualitário do Brasil e do conjunto da
América Latina.
Ainda que não tenha tido a sua origem no continente europeu, mas
sim nos Estados Unidos, a crise financeira de 2008 continua a desafiar as
autoridades
europeias
até
os
dias
de
hoje.
Desafios
estes
que,
necessariamente, precisam ser enfrentados de maneiras diferentes às das
demais regiões uma vez que, diferentemente de todos os demais blocos
econômicos, a União Europeia se diferencia por não ser apenas um bloco
econômico, mas, também um bloco político e social. Ao permitir que entre os
seus países membros haja, também, uma integração monetária, cultural e
social, novos desafios para uma convivência harmoniosa começam a ficar cada
vez mais desafiadores.
2
O que antes poderia ser resolvido ou atenuado com uma medida
independente e soberana do país, hoje já não é mais possível na região da
Europa. Na sua atual estrutura, as negociações e os diálogos se tornam
essenciais para as tomadas de decisões, mas, em tempos de crise, essa
postura de cooperação e mútua ajuda é perdida ao passo que o individualismo
começa a ganhar força. É a partir desta situação de perda de confiança,
credibilidade e de não boa vontade dos membros para com os mesmos que o
presente trabalho buscará, baseando-se na corrente institucionalista, entender
o porquê disto ocorrer.
Partindo do problema exposto acima, o trabalho ao longo da sua
argumentação visará responder principalmente a duas questões, que são:
1. Os diferentes tamanhos de economia dos países membros da UE
fazem com que exista uma hierarquia no bloco?
2. As medidas tomadas pelas instituições mantedoras da viabilidade do
bloco econômico europeu são neutras ou apresentam alguma influência da
Alemanha, maior potência do bloco?
Para tanto, serão utilizados os métodos observacional e estruturalista.
Enquanto que o primeiro, ao analisar os fatos que já ocorreram ou que estão
ocorrendo no momento é capaz de possibilitar um alto grau de precisão, o
segundo buscará interligar os vários acontecimentos para, então, no seu
conjunto tentar entender o que ele significa. Os dois métodos foram utilizados
em maior ou em menor grau em todos os capítulos e, enquanto que no primeiro
destaca-se uma preferência pelo método observacional, no terceiro houve uma
preferência pelo método estruturalista. Já no segundo capítulo, percebe-se um
equilíbrio entre as duas metodologias adotadas e, por isso, justifica-se a sua
maior densidade no que diz respeito aos conteúdos analisados.
O primeiro capítulo, intitulado de “A nova e a velha economia
institucional”, ao seguir uma tendência mais observacional adquire uma
característica também mais histórica. Sendo o seu objetivo a explicação da
corrente institucionalista juntamente com a sua evolução ocorrida até os dias
3
de hoje, ele foi dividido em duas grandes seções nomeadas de “A velha
economia institucional” e “A nova economia institucional” e, no caso da
segunda seção, esta também se dividiu em mais uma subseção, nomeada de
“Instituições econômicas extrativistas e inclusivas”.
O segundo capítulo, intitulado de “Entendendo a crise de 2008”, por
estar bem equilibrado entre as duas metodologias utilizadas, acabou por ser o
mais extenso de todos os capítulos deste trabalho. Separado em cinco seções
– nomeadas de “O aparecimento do capital financeiro: diferentes visões”,
“Minsky e o caráter instável do sistema capitalista”, “O processo de
internacionalização do capital financeiro”, “A crise financeira internacional de
2008 nos EUA” e “Os impactos da crise financeira internacional na Europa” cada uma delas tentará, individualmente, explicar a evolução de cada um dos
assuntos abordados em seus títulos, enquanto que, no todo, o capítulo será
capaz de oferecer ao leitor a oportunidade de entender o contexto na qual a
crise europeia se desenvolveu.
Por último, tem-se o capítulo “Instituições europeias” que, com o uso de
várias subdivisões, tem como foco o entendimento de apenas uma região: a
Europa. Enquanto que a sua primeira seção, nomeada de “União Europeia:
princípios, evolução e consolidação”, oferecerá ao leitor uma visão geral das
funções das principais instituições que viabilizam o funcionamento do bloco
europeu, a sua segunda seção, chamada de “Uma breve história do pós II
Guerra Mundial: comparações de especificidades entre Grécia e Alemanha”,
terá, como seu próprio nome diz, não uma preferência histórica e,
consequentemente, cronológica da história destes dois países, mas sim o
destaque de certos aspectos tidos como essenciais para o entendimento do
problema do risco moral, explicado na última seção deste capítulo e intitulado
de “O risco moral existente entre Alemanha e Grécia”.
Com o fim da leitura deste trabalho espera-se que o leitor possa melhor
compreender o processo que levou a economia europeia à sua atual situação
e, sobretudo, a entender os motivos que levam às autoridades econômicas do
bloco europeu a tomarem decisões muitas vezes tidas como autoritárias,
excessivas e irredutíveis.
4
1. A NOVA E A VELHA ECONOMIA INSTITUCIONAL
Neste capítulo será apresentada a evolução histórica da corrente
institucionalista de forma que, ao final da sua leitura, seja possível responder
os seguintes questionamentos:
1. Quais são seus principais representantes?
2. Quais as suas principais críticas?
3. Por que os seus objetivos de análise se alteraram tanto ao longo do
tempo?
Para a seção que explica a Velha Economia Institucional (VEI) será
utilizada a obra que deu origem a esta corrente, ou seja, o livro de Thorstein
Veblen, publicado em 1889, e intitulado A teoria da classe ociosa – Um estudo
econômico das instituições (1965) e, através do uso de citações e
interpretações, buscara-se evidenciar as premissas básicas usadas para a
formulação da corrente institucionalista.
Já para a seção e subseções referentes à explicação da Nova
Economia Institucional, foco deste trabalho, serão usados essencialmente
Douglass North1 (2001), para mostrar a mudança de foco ocorrida na corrente
institucionalista, e Daron Acemoglu e James Robinson (2012), para
exemplificação.
1.1. A velha economia institucional
Conhecida como velha economia institucional ou simplesmente VEI,
esta corrente econômica busca entender a relação entre os conceitos de
instituição, hábitos, regras e sua evolução, tornando explícito o vínculo
existente entre as especificidades históricas e a abordagem evolucionária
(CONCEIÇÃO, 2002, p.5). Seus principais representantes são: Thorstein
1
Economista estadunidense contemplado com o Nobel de Economia em 1993. Seus estudos
em história econômica aplicados à teoria e métodos quantitativos possibilitaram importantes
explicações sobre mudanças econômicas e institucionais.
5
Veblen (1857-1929), Wesley C. Mitchell (1874-1948) e John Rogers Commons
(1862-1945).
Sendo Veblen o fundador dos conceitos incorporados pela Velha
Economia Institucional, o mesmo buscou em sua principal obra, A Teoria da
Classe Ociosa – Um estudo econômico das instituições, mostrar como que a as
classes sociais que vivem acima do nível de subsistência não são capazes de
aproveitar o excesso que possuem, mas, de maneira contrária, o desperdiçam
com o intuito de ratificar a sua riqueza. A esta confirmação da riqueza, dá-se o
nome consumo conspícuo e o autor descreve-o como sendo:
[O consumo improdutivo de bens é] honorífico,
principalmente porque é uma marca de proeza e um requisito
da dignidade humana; secundariamente, torna-se tal consumo
por si mesmo substancialmente honorífico, especialmente no
caso das coisas mais desejáveis. (VEBLEN, 1965, p. 75).
Veblen ressalta o fato de o consumo conspícuo ser capaz de tornar o
vício um sintoma de status ao afirmar que, devido aos seus altos preços, o
consumo de intoxicantes e narcóticos, por exemplo, fazem destes produtos
honoríficos.
A diferença cerimonial na alimentação se observa
principalmente quanto ao uso de bebidas intoxicantes e de
narcóticos. Estes artigos de consumo são dispendiosos e
portanto nobres e honoríficos. [...] Desse modo, a embriaguez e
as outras consequências patológicas do livre uso de tais
estimulantes tendem a se tornar honoríficos, porque são
também o sinal do status superior daqueles que têm a
capacidade econômica para usá-los. (VEBLEN, 1965, p. 76).
Uma vez confirmada a preferência do indivíduo em bens mais
dispendiosos, a classe ociosa buscará um modo de vida que respeite a sua
condição financeira. Daí surge a necessidade de se consumir os bens de
maneira adequada e correta ou, como Veblen (1965, p. 80) descreve em sua
obra, consumir com “boa maneira”, uma vez que “as boas maneiras e os
modos de vida refinados são sinais de conformidade com a norma de ócio e de
consumo conspícuos”.
6
O teórico aponta para um fato em comum à praticamente todas as
classes ociosas existentes nas mais diversas sociedades: nenhuma delas têm
funções industriais, ou seja, não participam de uma relação dependente que
envolva trabalho e salário, e assim, divide a classe ociosa em, pelo menos,
quatro subgrupos: governamental, bélico, religioso e esportivo. Segundo o
autor:
As ocupações são diferentes dentro da classe ociosa,
mas todas elas têm uma característica comum – não são
ocupações industriais. Estas ocupações não-industriais das
classes altas são em linhas gerais de quatro espécies –
ocupações governamentais, guerreiras, religiosas e esportivas.
(VEBLEN, 1965, p.20).
Assim como o ócio, a propriedade é um elemento da estrutura social e
existe desde a civilização bárbara quando os guerreiros, ao capturarem as
mulheres de seus inimigos, instituíam casamentos-propriedades a fim de se
vangloriar. Para Veblen (1965), o aparecimento de uma classe ociosa coincide
com o início da propriedade uma vez que as duas não passam de
consequência da vontade dos homens ressaltarem as suas proezas.
Partindo desta situação de casamento-propriedade, o conceito de
posse passa a se expandir de tal modo que chega à apropriação de coisas, ou,
em outras palavras, de bens. Ainda segundo o autor:
O motivo que está na base da propriedade é a
emulação; e esse mesmo motivo continua ativo no
desenvolvimento posterior tanto da própria instituição a que
deu causa como daqueles traços da estrutura social a que se
liga esta instituição da propriedade. (VEBLEN, 1695, p. 39).
Se, para o leitor, pode parecer estranho a ordem dos acontecimentos
citados acima, ou seja, a apropriação de uma pessoa antevir à apropriação de
um bem, no âmbito histórico não. Desde os primórdios das civilizações, o ser
humano muitas vezes fora visto como um mero objeto e, alguns exemplos
disso são a própria civilização bárbara - citada por Veblen em sua obra -, o
tratamento dado pelos gregos e romanos para com os povos conquistados e a
7
própria colonização sofrida pela África por diferentes países europeus no
período imperialista do capitalismo. Segundo o autor (VEBLEN, 1965, p. 62):
(...) existem razões para afirmar que a instituição da
propriedade começou com a propriedade dos seres humanos,
especialmente mulheres. Os incentivos para a aquisição de tal
propriedade foram aparentemente: 1 – a inclinação para o
domínio e a coerção; 2 – a utilidade de escravos como prova
da proeza de seu dono; 3 – a utilidade de seus serviços.
Uma vez o conceito de posse tendo adquirido familiaridade às
sociedades, a visão de propriedade passa a evoluir. Se antes, evidenciava-se a
fase de aquisição e apropriação, agora, a sociedade passa a buscar uma
apropriação organizada em uma comunidade.
Com a evolução e ascensão do capitalismo, a acumulação de capital
passou a ser vista como o objetivo central desse sistema e, logo, a posse de
bens passa a assumir o principal papel na comparação feita entre os
indivíduos. Como Veblen descreve abaixo, já não é mais a estima e reputação
que evidenciará as façanhas de um indivíduo, mas sim os seus bens materiais
e a sua busca insaciável para se ter cada vez mais.
(...) a acumulação de bens toma cada vez mais o lugar
de troféus obtidos em façanhas predatórias, como o índice
convencional de prepotência e de sucesso. Deste modo, com o
crescimento de uma indústria normal, a posse da riqueza se
torna relativamente mais importante e mais eficaz como a base
costumeira de estima e reputação. (VEBLEN, 1965, p. 41).
E com isto, o autor chega a uma pessimista conclusão acerca da
intrínseca característica de não saciedade do ser humano ao afirmar:
Pela sua própria natureza, o desejo de riqueza nunca
se extingue em indivíduo algum; e evidentemente está fora de
questão uma saciedade da sociedade do desejo geral ou
médio da riqueza. Nenhum aumento geral, igual ou “justa” que
seja a sua distribuição, levará mesmo de longe ao
estancamento das necessidades individuais, porque o
fundamento de tais necessidades é o desejo de cada um de
sobrepujar todos os outros na acumulação de bens. (VEBLEN,
1965, p. 44).
8
A partir do momento em que esta classe ociosa passa a se tornar mais
poderosa, uma série de medidas é tomada por esta para assegurar os seus
privilégios. Entretanto, ao invés de as classes inferiores se oporem a isto, elas
apenas a aceitam e buscam, a todo custo, alcançar alguma participação no
ambiente da classe mais abastada, levando, assim, a uma disputa das
subclasses e a um aumento da desigualdade.
É então que Veblen começa a notar uma série de importantes
condições necessárias para o mantimento de uma classe ociosa no poder e,
destas condições têm-se origem a corrente institucionalista.
Para ele, as regras da respeitabilidade, ou seja, os hábitos da classe
ociosa, considerados aceitáveis pelas demais camadas inferiores deveriam
estar de acordo com uma série de fatores que não são atemporais. Fatores
esses que são: (1) circunstâncias econômicas, (2) tradições e (3) o grau de
maturidade de uma determinada sociedade para incorporar um novo costume
ao seu cotidiano. Uma vez que as classes não ociosas percebam que os
principais fundamentos da sua vida cotidiana não estão mais de acordo com os
fundamentos propostos pela classe dominante, esta já não conseguirá manter
seu poder de influência.
As regras da respeitabilidade devem, então, adaptarse às circunstâncias econômicas, às tradições e ao grau de
maturidade espiritual de uma determinada classe, cujo
esquema de vida pretende regular. Deve-se notar
especialmente que, independentemente da força de sua
autoridade e da veracidade quanto aos requisitos fundamentais
da respeitabilidade na época da sua instituição, uma
observância formal específica, não pode, em circunstância
alguma, se manter em vigor se, com o correr do tempo ou na
sua transmissão a uma classe pecuniária menos favorecida, se
verificar que se opõe aos princípios fundamentais de decência
entre os povos civilizados, isto é, à serventia no sentido de uma
equiparação individual no sucesso pecuniário. (VEBLEN, 1965,
p. 106).
Como forma de teste para saber se as novas normas postas pela
classe dominante serão ou não absorvidas pelas demais classes, tem-se como
exemplos as tendências de modas, que o autor descreveu como “expressão da
9
cultura pecuniária”, e os gostos das classes inferiores, sendo este sempre
determinado pelos gostos da classe ociosa e do dispêndio conspícuo.
Dito isto, percebe-se que até mesmo uma classe dominante precisa
obedecer a certas condições para se manter no poder; condições estas típicas
de uma sociedade e de um determinado tempo. Uma vez não respeitadas, a
menos que seja usada a força, não há como uma classe dominante se manter
no poder.
Mas se não o uso da força, qual o instrumento usado por classes
dominantes para se manter no poder? A resposta, apesar de simples, é difícil
de ser explicada e, até hoje, há debates que tentam definir este complexo
instrumento, chamado instituição.
Assim como Darwin em sua teoria sobre a evolução das espécies,
Veblen (1965, p.177) acreditava que o convívio do Homem em sociedade só
era possível graças ao processo de adaptação seletiva. Para ele, o
desenvolvimento das estruturas sociais é uma seleção natural das instituições.
É através de um processo contínuo de seleção adaptativa que
acontece a separação e exclusão das instituições menos dominantes com
consequente ascensão das instituições hegemônicas. Este processo torna-se
essencial para a evolução do progresso que, concebido nas instituições e no
caráter humano, possibilita uma seleção dos hábitos mentais considerados
adequados pela classe dominante e uma mudança forçada dos indivíduos das
demais camadas para um ambiente repleto de novas instituições mais
modernas e capazes de agir com as regras de convivência de um determinado
tempo.
Sendo as instituições representações das relações humanas por parte
da classe dominante, este processo de seleção adaptativa, necessariamente,
tem de ser continuo já que, caso não fosse, a evolução das estruturas sociais
teria se estagnado devido a não adequabilidade dos hábitos de uma
determinada sociedade em um determinado momento da história.
A este respeito, veja o que os contemporâneos economistas Daron
Acemoglu e James Robinson afirmam:
10
[...] as instituições políticas conferem às elites o poder
político de selecionar aquelas instituições econômicas com
menos restrições ou forças contrárias. Permitem também que
elas estruturem as futuras instituições políticas e sua evolução.
(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012, p. 64).
Seja qual for o período histórico em que uma determinada sociedade
se encontra as instituições sempre tenderão ao encontro dos interesses de
uma classe hegemônica dominante entre as várias existentes. Em outras
palavras: as instituições não são neutras e agem de acordo com os interesses
da classe dominante.
Como são a representação de hábitos, costumes e de tudo aquilo
considerado adequado em uma sociedade num determinado momento
histórico, as instituições devem constantemente sofrer mudanças. Note que
aqui, o desenvolvimento das instituições é visto como o desenvolvimento da
sociedade. Ao afirmar que “a situação de hoje modela as instituições de
amanhã”, Veblen (1965, p. 179) chama a atenção para a constante mudança
mental que ocorre na opinião humana sobre as coisas. O que antes era
adequado e correto, amanhã pode ser considerado inadequado e ultrapassado.
As instituições de hoje sempre serão resultado das instituições de
ontem só que, agora, já adaptadas às circunstâncias passadas. Sendo assim,
as instituições nunca estarão totalmente de acordo com as exigências do
presente e, portanto, ao apresentarem esse atraso em sua constituição,
precisarão constantemente de mudanças. Diz Veblen (1965, p. 180):
Um passo rumo ao desenvolvimento, já por si constitui
uma mudança de situação a exigir uma nova adaptação; tornase, com efeito, um ponto de partida para um novo passo rumo
ao ajustamento, e assim por diante, interminavelmente.
Entretanto, Veblen ressalta a demora que pode haver para o
reajustamento dos hábitos mentais das pessoas nas instituições. Apenas
quando houver uma mudança mental das várias classes da sociedade e
quando a pressão social de não adequabilidade das normas, outrora
consideradas adequadas, não atenderem às necessidades da população é que
as instituições serão alteradas. Isto ocorre porque os hábitos mentais do
11
homem tendem a persistir indefinidamente, de tal modo que o mesmo se
caracterize como conservador.
No
caso
das
comunidades
industriais
modernas,
a
natureza
econômica, ou seja, os interesses econômicos, são fundamentais para ditar o
ritmo das mudanças, que só ocorrerão quando as pressões internas e externas
da sociedade atingirem níveis insustentáveis à classe dominante. Aqui, a
facilidade de reajustamento das instituições para o desenvolvimento da
estrutura social dependerá (1) do grau de liberdade que os membros desta
mesma sociedade têm para reivindicar mudanças e (2) dos interesses da
classe ociosa que, ligada às forças econômicas, se mostrará um empecilho ao
progresso das estruturas sociais e instituições.
Mesmo com todos os empecilhos e demora que levam para a total
mudança de uma instituição, Veblen não considera a estagnação de uma
instituição como algo benéfico uma vez que uma instituição estagnada torna-se
sinônimo de uma sociedade estagnada. Ainda assim, ele ressalta que as
instituições nunca estarão integralmente adaptadas à sociedade em que estão
inclusas devido ao caráter conservador dos indivíduos.
Entende-se por caráter conservador, ou fator de inércia social, os
hábitos mentais dos homens que, apesar de conviverem em seu tempo e com
os seus costumes, carregam em si ideologias que não pertencem ao seu
tempo de existência, mas sim, ao costume herdado de gerações e,
consequentemente, de instituições passadas. Para Veblen (1965, p. 180),
“estas instituições assim herdadas, esses hábitos mentais, pontos de vista,
atitudes e aptidões mentais, ou seja lá o que for, são, portanto, um elemento
conservador”. É válido observar que os ajustamentos e trocas de instituições
ocorrem apenas quando a atual situação se torna insustentável e, no caso
específico das sociedades industriais modernas, estas mudanças respeitarão,
principalmente, aos interesses econômicos. Aqui, a classe dominante assume
a sua posição conservadora e, nas palavras de Veblen (1965, p. 186), “o papel
da classe ociosa na evolução social consiste em retardar o movimento e
conservar o que é obsoleto” de tal modo que os homens da classe econômica
dominante não cederão às mudanças tão facilmente justamente por saberem
12
dos riscos que elas podem trazer consigo no que diz respeito ao mantimento
da ordem vigente.
Portanto, a Velha Economia Institucional se mostra, ainda que antiga,
totalmente de acordo com os atuais debates existentes acerca de como
mudanças de posturas e decisões tomadas por instituições que gerem países
podem iniciar, acelerar, postergar ou suprimir o processo de progresso de uma
determinada sociedade ou, como discutido mais à frente neste trabalho, de um
determinado bloco econômico (União Europeia) em tempos de crise.
1.2. A nova economia institucional
Para Douglass North (2001, p. 13), “las instituciones son las reglas del
juego en una sociedad o, más formalmente, son las limitaciones ideadas por el
hombre que dan forma a la interacción humana”.
Assim como Thorstein Veblen, Douglass North acredita que as
mudanças institucionais acompanham o desenvolvimento histórico das
sociedades de acordo com as necessidades que surgem e, portanto, podem
divergir de país para país.
Enquanto que a Velha Economia Institucional (VEI) parte do ponto em
que as instituições são vistas como um reflexo defasado dos hábitos de uma
determinada sociedade e, dessa maneira, nunca estão de total acordo com
sociedade vigente, a Nova Economia Institucional (NEI) considera as
instituições como as “regras do jogo”. Logo, para Douglass North, como o
principal representante da Nova Economia Institucional, as instituições são
organizações que não apenas refletem, mas, também, estruturam novas
instituições (humanas, políticas, sociais e econômicas) de modo que ajudam a
moldar novas sociedades.
Ainda segundo o autor, as mudanças institucionais são o que
determinam o modo como a evolução de sociedades ocorre ao longo do tempo.
Sem o estudo das instituições torna-se impossível compreender mudanças
históricas. Diferentemente da visão institucionalista clássica (VEI) explicada na
seção anterior, a Nova Economia Institucional (NEI) irá priorizar o impacto que
13
as instituições têm no âmbito do desempenho econômico. Como consequência
desta mudança de enfoque, buscou-se na Nova Economia Institucional, a toda
hora, relacionar instituições com economia política e com história econômica
(NORTH, 2001, p. 13).
Em sua obra intitulada Instituciones, cambio institucional y desempeño
econômico (2001), North chama a atenção para a importância do cumprimento
das regras estabelecidas pelas as instituições vigentes e atenta-se para a
necessidade de um severo monitoramento e penalização dos indivíduos que
não respeitarem as “reglas del juego”. Isto porque, quando não respeitadas,
cria-se um ambiente de insegurança e de acuamento dos demais indivíduos
participantes da sociedade que respeitam as normas. Comparando ao
regulamento de um jogo, o autor afirma:
Preseguiendo com la analogia de lós deportes, tomada
em su conjunto, las normas formales e informales y el tipo y la
eficacia de su obligatoriedad determinan la índole total del
juego. Como consecuencia, algunos equipos tienen éxito (ló
cual les da uma cierta mala fama) de violar continuamente las
normas, con ló que intimidan al equipo contrario. El resultado
de esa estrategia dependerá obviamente de la efectividad del
monitoreo y de la severidad del castigo. (NORTH, 2001, p. 145).
Se, em conjunto, o autor deixa clara a importância de instituições que
tenham regras bem definidas e com participantes que saibam qual o seu
devido papel no desenvolvimento da sociedade, separadamente, ele não
esquece o caráter individualista do ser humano na busca dos seus próprios
interesses e afirma que o mesmo saberá usar suas próprias estratégias para
aumentar a sua vantagem, desde que sempre respeitando as normas já préestabelecidas (NORTH, 2001, p. 15).
É na Nova Economia Institucional que uma importante característica
das instituições modernas aparece com mais clareza: a capacidade do homem
de conseguir harmonizar e tornar possível a interação humana em situações
que, sozinhos, os indivíduos não conseguiriam estabelecer devido aos conflitos
de interesses.
14
Note que, ao definir as instituições já levando em conta as limitações
que os seres humanos têm para interagir harmonicamente entre si (NORTH,
2001, p. 16), o enfoque teórico institucionalista tende a se afastar do viés da
teoria econômica neoclássica, que pressupõe racionalidade plena. Já sabendo
que as instituições são formadas por pessoas que, individualmente, têm entre
si um objetivo em comum, a corrente institucionalista buscará uma base teórica
que explique e comprove a conduta humana. É então que, para o alcance de
tal objetivo, passa a se utilizar do estudo dos custos de transação.
Apesar de não ser o foco deste capítulo, ou mesmo deste trabalho,
analisa-los mais profundamente, entende-se por custos de transação os custos
que os agentes econômicos se defrontam toda vez que precisam recorrer ao
mercado para negociar, elaborar ou cumprir um contrato e, dentre seus
principais representantes, tem-se Oliver Williamson, mundialmente conhecido
pelos seus trabalhos de teoria da firma e custos de transação.
Prosseguindo no entendimento do que é uma instituição para a escola
institucionalista, adentra-se na discussão sobre a diferença entre instituições
formais e informais. Enquanto que a primeira diz respeito às normas
preestabelecidas que definem o comportamento humano, a segunda diz
respeito aos códigos de conduta. Entretanto, é válido ressaltar que, apesar
desta divisão, nada impede que as instituições informais complementem as
ações das instituições formais de modo que, caibam as duas determinarem a
índole, isto é, a aplicação igualitária, das regras estabelecidas.
É então que uma nova separação deve ser considerada entre o que
são instituições e o que são organizações, ou organismos. Como já explicado
anteriormente, as instituições nada mais são que limitações idealizadas pelos
homens que, organizadas, possibilitam uma interação humana. Do mesmo
modo, as organizações – ou organismos – também possibilitam uma estrutura
e uma interação humana (NORTH 2001, p. 15), entretanto, elas são criadas
posteriormente à criação das instituições como uma consequência da mesma.
Em outras palavras: se as instituições determinam as regras do jogo, coube às
organizações determinarem as estratégias dos jogadores deste jogo que, aqui,
é o mercado.
15
Como principais exemplos de organizações têm-se: partidos políticos,
Senados, agências reguladoras, empresas, sindicatos, cooperativas, igrejas,
clubes, associações, escolas e universidade e a principal característica destes
organismos é o conjunto de grupos de indivíduos que, a partir de um objetivo
em comum, se organizam para poder obtê-lo mais rapidamente.
Como North (2001) explicou em sua obra, é através da modelagem das
organizações que se torna possível analisar as estruturas de governo e,
consequentemente, a evolução de ambos (organizações e governos). Aqui, o
marco institucional - objetivo do livro de North - são os organismos existentes
de um determinado período histórico e sua evolução, ou seja, a interação
existente entre instituições e organismos.
Ainda que diferente em alguns aspectos da Velha Economia
Institucional, a Nova Economia Institucional continuou com a sua essência de
buscar entender os conflitos de interesse e, para tanto, ela adicionou à teoria
econômica
novos
conceitos,
sendo
exemplos
dessa
contribuição
a
racionalidade limitada e o oportunismo.
1.2.1. Instituições econômicas extrativistas e inclusivas
Com o embasamento teórico de North visto anteriormente e com os
exemplos de Daron Acemoglu e James Robinson apresentados na obra Por
que as nações fracassam (2012), o presente trabalho passará, a partir desta
seção, a focar nas instituições econômicas uma vez que, somadas às
instituições políticas, estas formam o marco institucional básico para se iniciar o
processo de evolução e desenvolvimento de qualquer sociedade. Antes de ser
explicada esta interação entre os dois tipos de instituições, segue a definição
dada por Acemoglu e Robinson (2012, p. 63) para as instituições políticas: “As
instituições políticas definem quem são os detentores de poder na sociedade e
para que fins ele pode ser utilizado”.
Na busca de maximizar seus lucros, as instituições econômicas terão,
por meio de uma demanda induzida no sistema educacional, aumentos de
produtividade seguidos de crescimento econômico. É então que, somadas com
16
as instituições políticas, o desenvolvimento de uma nação passa a ocorrer. A
este continuo e demorado processo de desenvolvimento Douglass North (2001,
p. 20) diz:
Conforme evolucionaban los organismos económicos
y aprovechaban estas oportunidades, no sólo se volvieron más
eficientes (véase Chandler, 1977), sino que gradualmente
alteraron el marco institucional. Y no más se altero el marco
político y judicial (la Enmienda Decimocuarta, Munn v. Illinois);
al finalizar el siglo XIX bbbtambién se modificaron la estructura
de lós derechos de propriedad (la Ley Sherman).
De acordo com Acemoglu e Robinson (2012) as instituições
econômicas inclusivas são aquelas capazes de criar mercados inclusivos, ou
seja, que possibilitam a qualquer pessoa a realização de uma determinada
atividade econômica onde o seu talento individual melhor se adapte. As
instituições econômicas inclusivas têm como característica uma estrutura que
cria condições igualitárias para estes mesmos indivíduos e, assim, geram
oportunidades para todos. Também, as instituições econômicas inclusivas ao
longo do tempo tendem a reduzir cada vez mais os privilégios das elites já que,
ao coibir os monopólios e buscar a livre concorrência, limitam o grau de
concentração que estas possuem.
Para ser considerada uma instituição econômica inclusiva, uma série
de pré-requisitos deve ser respeitada. Entre eles (a) a segurança da
propriedade privada; (b) um sistema jurídico imparcial; (c) livre entrada de
novas empresas no mercado; (d) livre escolha da sua profissão e, por último,
mas não menos importante, (d) uma série de serviços públicos que possibilitem
condições de igualdade para as pessoas poderem realizar seus contratos.
Obviamente é sabido que um sistema jurídico imparcial é impossível de
ser obtido pelo fato dele se utilizar como referência algum conceito que, para
quem o redigiu, já é considerado certo e que, consequentemente, qualquer
outra ideia contrária a sua ou muito diferente daquela considerada como
normal pela lei será considerada errada; do mesmo modo, a livre entrada de
novas empresas no mercado também muitas vezes não se mostra possível
pelo fato de que, em alguns mercados específicos como, por exemplo, o
17
automobilístico, o elevado custo inicial para a entrada de uma determinada
empresa já se caracteriza como um empecilho para a entrada de mais um
concorrente.
Desta maneira deve-se evidenciar que, apesar de não serem perfeitas,
estes pré-requisitos devem ser o mais abrangentes e igualitários possíveis para
que o progresso da sociedade e dos indivíduos que a compõe seja mais
inclusivo.
As instituições econômicas inclusivas são forjadas em dois fatores
essenciais: tecnologia e educação. Isto porque, em quase todos os casos, o
crescimento
econômico
sustentável
vem
acompanhado
de
melhorias
tecnológicas e aumento de produtividade. “(...) são a educação e as
competências da força de trabalho que geram o conhecimento científico sobre
o qual se ergue o nosso progresso e que permite a adaptação e a adoção
dessas tecnologias nas mais diversas linhas de negócio” (ACEMOGLU e
ROBINSON, 2012, p. 61).
Por outro lado, as instituições econômicas exclusivas são o oposto das
instituições econômicas inclusivas e, logo, se caracterizam pelo seu caráter
altamente concentrador de privilégios entre as classes mais abastadas. Ainda
segundo Acemoglu e Robinson (2012, p 61), as instituições econômicas
exclusivas têm como finalidade a “extração de renda e da riqueza de um
segmento da sociedade para benefício de outro”.
Esta definição descrita acima em muito se assemelha com a visão tida
por Thorstein Veblen (explicada na seção 1.1.) quando o mesmo se referia às
disputas entre as classes dominantes.
Nas instituições econômicas exclusivas, o baixo nível educacional
passa a ser explicado pela incapacidade das instituições econômicas que, não
capazes de proverem os devidos incentivos aos pais, fazem com que estes não
se tornem aptos a educarem seus filhos de maneira inclusiva, ou seja,
maximizando todo o seu talento individual para uma determinada atividade.
Uma vez iniciado este ciclo vicioso, torna-se extremamente difícil quebrá-lo ainda que não impossível.
18
Citados no livro Por que as nações fracassam (2012), são exemplos de
instituições econômicas inclusivas as instituições encontradas nos Estados
Unidos, na Coreia do Sul e Inglaterra que, apesar de terem algum tipo de
diferenças entre si, foram capazes de estimular a participação das massas em
atividades econômicas capazes de fazer o melhor uso possível dos seus
talentos e habilidades. Retirados do mesmo livro citado anteriormente, são
exemplos de instituições econômicas exclusivas a elite do Partido Comunista
da Coreia do Norte, os latifundiários de cana-de-açúcar da Barbados colonial, o
governo somali, que não é capaz de assegurar a ordem, e a quaisquer outras
formas de organização colonial voltada para a exploração, como a ocorrida nos
países colonizados por espanhóis, ingleses, holandeses e portugueses.
Como se percebe, as instituições econômicas são formuladas por
sociedades e estas são formadas por pessoas. Entretanto, estas mesmas
pessoas que são capazes de erguer e moldar países têm diferentes interesses
e objetivos e, dependendo de quais são estes, passam a impô-los através do
uso da força (física, política ou econômica). Destas vontades surgirão
instituições e organismos que definirão o futuro das próximas gerações.
Por este motivo, é tão importante estudar as instituições. É através
delas que se pode analisar de fato como um determinado país ficou mais ou
menos avançado em relação ao outro e, como objetivo deste trabalho, tentar
entender o caminho que levou a determinadas instituições econômicas e
politicas do continente europeu a adotarem medidas que, para muitos, são
consideradas tão severas.
19
2. ENTENDENDO A CRISE DE 2008
O objetivo deste capítulo será explicar não só a Crise Financeira
Internacional de 2008, mas, também, verificar as suas causas que, de acordo
com Belluzzo (2009), tiveram seu início nos anos de 1980 com a
internacionalização do capital financeiro. Entretanto, para que o entendimento
da crise financeira de 2008 seja mais completo, optou-se por adicionar três
seções que expliquem fatores antecessores e pertinentes ao objeto de estudo.
A primeira seção explicará o entendimento que as principais correntes
econômicas têm acerca do capital financeiro já que, foi através de um longo e
complexo movimento deste, que se chegou ao estouro da bolha nos Estados
Unidos; na segunda seção será explicado o pensamento de Hyman Philip
Minsky, economista estadunidense, pós-keynesiano e um dos nomes mais
citados na elaboração de teses plausíveis para o entendimento da crise
(NATÁRIO, 2009). Por último, foi escolhido acrescentar a seção “O processo
de internacionalização do capital financeiro”, que também buscará explicar o
movimento de migração dos capitais financeiros para fora dos Estados Unidos,
local de origem da crise.
Só, então, quando o leitor estiver apto a compreender os principais
motivos que levaram a economia global para sua atual situação, é que a crise
financeira de 2008 em si começará a ser citada e explicada, agora não mais
como causa, mas sim, como consequência de um longo processo iniciado
décadas antes via desregulamentação econômica e globalização financeira
(NATÁRIO, 2009).
É importante ressaltar que, de maneira semelhante ao Capítulo 1 que
explicou a evolução da corrente institucionalista, as seções 2.4 e 2.5 que,
respectivamente, explicarão as crises nos Estados Unidos e Europa, buscarão
narrar cronologicamente a evolução da crise de 2008. Esta decisão foi tomada
porque foi a partir da crise de 2008, que uma série de mudanças institucionais
passaram a ocorrer no continente europeu. Também, é válido ressaltar que não
é de modo algum interesse deste trabalho analisar, ainda que possível, as
20
instituições
americanas,
mas
sim
apenas
possibilitar
uma
maior
contextualização do cenário internacional vigente para que o leitor possa
melhor compreender as mudanças ocorridas na Europa.
2.1 O aparecimento do capital financeiro: diferentes visões
De acordo com a visão marxista, o capital financeiro é conhecido como
a forma mais avançada do dinheiro e pode ser entendido como o dinheiro que
se valoriza. Enquanto que o dinheiro tem como finalidade a obtenção de
mercadorias através do circuito M - D - M, o capital tenta aumentar o seu
próprio montante de modo que a mercadoria, antes vista como a menor forma
da riqueza, já não seja o seu objetivo.
Se, para o dinheiro, a mercadoria era o começo e fim, ou seja,
produção e consumo, para o capital, ela é apenas uma parte intermediária do
processo de circulação na economia. Afirmar isso é dizer que o foco da
dinâmica capitalista mudou: se antes o que importava era a obtenção de
mercadorias para o consumo, agora ela já não passa de mais uma etapa do
processo de acumulação por mais dinheiro.
Acumulação esta que, conforme Marx (1982) observou no Volume I de
O Capital deve ser contínua já que, quando o capital para de buscar o aumento
do seu montante, ele volta a ser dinheiro.
Perceber essa alteração na dinâmica do processo de acumulação
capitalista foi essencial para compreender o surgimento do capital financeiro
que, de modo espiral, sempre buscou o aumento do seu montante. Também,
para a corrente marxista, há uma diferença funcional dos tipos de capitais.
Enquanto que o capital industrial é considerado produtivo por ser capaz de
gerar bens e serviços, o capital financeiro não. Para esta corrente, o capital
financeiro não se atrela ao processo produtivo, mas sim ao processo D - M - D',
onde a última parte D', ou seja, seu objetivo final, refere-se à obtenção da maisvalia.
Como Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani explicaram em sua obra
intitulada O que é capital fictício e a sua crise (2009, p. 28), “(...) da mesma
21
forma que o capital comercial, a divisão do trabalho levou a que um grupo de
capitalistas se especializasse na atividade de adiantar dinheiro tanto para os
capitalistas produtores de mercadoria como para aqueles envolvidos com a
atividade comercial”.
Para que este adiantamento de dinheiro possa ocorrer é necessário
que o emprestador tenha “antes reunido uma quantidade de dinheiro
substantiva sob a forma de entesouramento” (MARQUES e NAKATANI, 2009,
p. 28). Uma vez que esse pré-requisito é alcançado, o detentor do capitaldinheiro, até então só entesourado, passa a oferecer o mesmo para capitalistas
industriais ou atacadistas a fim de receber, ao final do prazo, um valor
acrescido, ou seja, juros.
Ainda segundo estes autores, um dos grandes insights de Marx foi
perceber que, apesar de o capitalista detentor do capital-dinheiro financiar o
processo produtivo, o mesmo não participa dele já que, para este, o montante
emprestado outrora é apenas um complemento do ato realizado por ele sem
nem ao menos se dar ao trabalho de produzir algo. É apenas quando o
tomador
do
empréstimo
produz
a
sua
determinada
mercadoria
e,
consequentemente, a sua mais-valia, que parte desta é cedida sob a forma de
juros como uma maneira de retribuir o financiamento da produção.
Embora citado em sua principal obra, Marx não foi capaz de elaborar
ao longo dos seus escritos uma explicação completa daquilo que ele entedia
como capital fictício. Seus escritos acerca deste tipo de capital foram
basicamente sobre as suas formas de aparecimento na economia via capital
bancário, dívida pública, capital acionário e, posteriormente, via derivativos.
Entretanto, é válido ressaltar que esta carência se justifica pela falta de tempo
do escritor, que faleceu em 1883, e teve o seu terceiro volume de O Capital
organizado pelo amigo Friedrich Engels (MARQUES e NAKATANI, 2009). Foi
apenas com a ascensão das ideias de Rudolf Hilferding2 que, essa visão de
capital financeiro pode, do ponto de vista marxista, ser melhor desenvolvida.
2
Economista austríaco. Nasceu em 10 de agosto de 1877. Formado em medicina pela
Universidade de Viena, Hilferding sempre teve um apreço aos estudos econômicos e, ainda
durante a sua formação na faculdade, já escrevia estudos econômicos e sociais. Desde os
22
De mesma corrente teórica, Rudolf Hilferding foi mais que além da
simples analise e crítica sobre os escritos de Marx; ele foi capaz de
complementar a visão marxista através de ideia aceitas e estudadas até hoje.
Em
suas principais obras,
Böhm-Bawerks Marx-Kritik
(1904) e
Das
Finanzkapital (1910), foram abordados aspectos que até então Marx apenas
havia citado superficialmente ou nem mesmo considerado em suas obras
(HILFERDING, 1985). Ao escrever sobre cartéis, monopolização, expansão
das sociedades por ações, concentração de riqueza, imperialismo, conflitos
entre potências, recorrência de crises econômicas, papel das classes
trabalhadoras, entre outros temas, Hilferding sempre buscou refutar a visão
marginalista, que explica os preços relativos das mercadorias através das
preferências individuais dos consumidores. Na sua visão, as relações de troca
são baseadas no valor-trabalho como produto de uma relação socialmente
determinada (CARNEIRO, 2003). Em seu livro O Capital Financeiro, o autor fez
um estudo marxista sobre as principais características do capitalismo moderno
e, através da divisão dos vinte e cinco capítulos do livro em cinco grandes
partes, pôde chegar à conclusão de que o sistema capitalista sofre
transformações já pré-determinadas.
Semelhante à Marx, Hilferding começa sua análise acerca do capital
financeiro pela a sua origem, ou seja, através da junção do capital industrial e
bancário por intermediação do crédito. A partir do momento em que as
transações comerciais da economia passam a ser realizadas pelo crédito, a
produção fica cada vez mais dependente de instituições bancárias e, uma vez
que o capital bancário e suas instituições passam a dominar o processo de
financiamento das indústrias, Hilferding começa a analisar a crescente
expansão das sociedades por ação como “mecanismo viabilizador de uma
seus quinze anos era integrante da Associação dos Estudantes Socialistas. Com o advento da
Primeira Guerra Mundial, em 1915 Hilferding foi incorporado ao exército austríaco e passou o
resto da guerra como médico da frente australiana. Ao longo de sua vida assumiu importantes
cargos nos principais partidos políticos da Áustria e Alemanha, entretanto, com a ascensão de
Hitler ao poder, Hilferding passou a se isolar na Dinamarca, Suíça e França, respectivamente.
Em 11 de fevereiro de 1941, Hilferding foi entregue pelo governo Pétain às autoridades alemãs
estabelecidas em Paris que, posteriormente, informaram o seu suicídio.
23
forma específica do crédito de capital”, objeto central de seus estudos
(CARNEIRO, 2003, p. 22).
Se, antes, o capitalista industrial possuía a propriedade e gestão dos
meios de produção, agora, ele só é responsável pela posse de ações que lhe
garante uma participação sobre o lucro. Nesse estágio de desenvolvimento do
capitalismo, a organização e a propriedade de uma indústria já não têm mais
relação direta entre si e, quando os capitais monetários, ou seja, ações, ficam
majoritariamente concentradas em bancos, os interesses destes dois capitais
(industrial e bancário) tornam-se apenas um: o capital financeiro (CARNEIRO,
2003, p.23-4).
Ainda segundo Carneiro (2003), novos problemas de concentração
surgirão mais fortes e mais difíceis de serem quebrados. Empresas cada vez
maiores demandarão um maior montante de crédito para as suas produções e,
ao longo do processo de concentração, ocorrerá o surgimento de cartéis e de
bancos cada vez mais poderosos. Desta concentração, cada vez mais
volumosa e poderosa, Hilferding chega à conclusão daquilo que foi a sua
grande contribuição intelectual para as ciências econômicas: a teoria do
imperialismo, que pode ser definida como “a perspectiva de um capitalismo
organizado (planejado) no qual o imperialismo e a subordinação do Estado aos
interesses da classe dominante são algumas das evidências mais palpáveis”
(CARNEIRO, 2003, p. 24).
Cabe observar que, apesar de não citar o ponto de vista institucional, a
principal atribuição de Hilferding, ou seja, a teoria do imperialismo, pode ser
analisada através deste ponto de vista.
Como seria possível planejar ou moldar um sistema econômico como o
capitalismo que, sempre tão dinâmico e indiferente àquilo que é considerado
certo ou errado para as pessoas, age por si só e apenas pelos seus próprios
interesses? A resposta, já vista no Capítulo 1 deste trabalho, é clara: através
das instituições que compõem o Estado.
Como justificaram Maryse Farhi, Daniela Magalhães Prates, Maria
Cristina Penino de Freitas e Marcos Antônio Macedo Cintra (2009, p. 135) em
um artigo da Revista de Economia Política:
24
A própria dinâmica concorrencial bancária tende a
promover uma subestimação dos riscos e a busca de novos
produtos e instrumentos que permitam contornar os limites
impostos pela regulamentação. Reconhecer esses limites não
implica que os governos devam abrir mão da sua função
essencial de regular a atividade bancária e financeira, mesmo
que esse seja, como bem destaca Minsky, um jogo perdido,
pois os banqueiros têm muito mais a ganhar do que os
burocratas do banco central.
Foi na quinta e última parte da sua principal obra, O capital financeiro,
que Hilferding conseguiu apontar para uma relação direta existente entre as
economias centrais - altamente expansivas e imperialistas - e o capital
financeiro ao demonstrar que, por intermediação do Estado, o processo de
cartelização era capaz de “estimular o protecionismo no âmbito nacional e a
pressionar pela abertura de oportunidades de investimento em países ou
regiões estrangeiras” (CARNEIRO, 2003, p. 25).
Ainda segundo Carneiro, outra importante conclusão de Hilferding diz
respeito à recorrência e inevitabilidade das crises capitalistas. De certo modo
semelhante à visão minskyana, que será explicada na próxima seção,
Hilferding chegou à conclusão de que, por mais que cartéis e monopólios
sejam capazes de regular a quantidade e preços de venda, é impossível evitar
para sempre a superprodução, característica inerente das economias
capitalistas (Ibid, 2003).
Mudando de visão, mas não de objeto a ser estudado, para os
economistas da escola mainstream neoclássica, o ponto de partida de toda a
sua teoria vem das expectativas racionais e, portanto, o capital financeiro seria
um reflexo de mercados financeiros eficientes enquanto que, suas crises,
seriam uma anomalia passageira. Como notado por Bresser Pereira (2009, p.
134) “Para ela [escola neoliberal] os mercados são sempre eficientes, ou, pelo
menos, mais eficientes do que qualquer intervenção corretiva do Estado, e,
portanto, podem perfeitamente ser autorregulados”.
Esta visão neoclássica foi fortemente criticada nos períodos que
sucederam aos devastadores impactos da crise financeira de 2008 no mundo e
ela mostrou-se, senão ineficiente, pelo menos incompleta para com esta
25
situação. Novamente, mais um apontamento de Bresser-Pereira (2009, p. 134)
acerca da incompletude da escola neoclássica:
(...)sabemos que esse tipo de teoria econômica não foi
utilizado tanto pelos formuladores de política econômica nos
governos quanto pelos analistas macroeconômica nas
empresas e nos jornais e publicações especializadas. Não
foram utilizados porque a pressuposição neoclássica de
mercados eficientes dispensa qualquer política econômica a
não ser a de ajuste fiscal; o resto deve ser liberalizado,
desregulado, já que os mercados seriam autorregulados. Como
os governos e os analistas precisavam orientar sua política
monetária, continuaram a usar o instrumental keynesiano de
forma pragmática.
Por este motivo opta-se neste trabalho pelo não aprofundamento da
análise da teoria neoclássica e, devido à melhor adequabilidade, passa a
utilizar-se da teoria de Hyman Philip Minsky para explicar o objeto de estudo
deste capítulo: a crise financeira.
2. 2 Minsky e o caráter instável do sistema capitalista
Ainda que em vida Hyman Philip Minsky já fosse um importante e
influente economista, o seu reconhecimento pleno só foi obtido quando o
mercado financeiro, a partir de 2008, oficializou a importância da leitura de
suas obras para o entendimento da crise do mercado de hipotecas.
Seguindo uma linha de pensamento pós-keynesiana ao longo de sua
carreira, Minsky desenvolveu importantes teorias para explicar o caráter
inerente e intrínseco de instabilidade do sistema capitalista e, foi através desta
premissa, que ele conseguiu “prever” a explosão da securitização imobiliária e,
também, o fim dos financiamentos com taxas subprime em 2008.
Primeiramente, deve-se entender o que consiste a Hipótese da
Instabilidade Financeira desenvolvida por Minsky. Comumente conhecida como
HIF, a Hipótese da Instabilidade Financeira considera como caráter intrínseco
do sistema capitalista moderno a incerteza dos agentes econômicos e, a partir
do funcionamento regulador dos mercados em tempos de estabilidade, o
26
próprio sistema capitalista cria endogenamente uma estrutura (neste caso,
financeira) que resulta em crise (NATÁRIO, 2009).
Foi a partir de um ciclo econômico positivo, ou seja, de expansão, que
Minsky conseguiu desenvolver a sua Hipótese de Instabilidade Financeira.
Para ele, um momento de expansão e crescimento econômico acompanha um
“padrão de financiamento robusto” e, numa situação em que tudo está
funcionando bem, as atitudes mais arriscadas passam a ser mais bem
remuneradas. Consequentemente, estas mesmas atitudes mais arriscadas
acabam levando a um clima de euforia e, como resultado, as “margens de
segurança”, ou seja, os limites sobre o que é razoável ou não, acabam sendo
relaxadas para um nível em que a tendência de crescimento torne-se
especulativa (NATÁRIO, 2009, p. 14).
No entendimento de Minsky, ainda que o equilíbrio seja obtido,
qualquer que seja o motivo, este mesmo equilíbrio não poderá ser sustentado
por um longo período de tempo uma vez que as próprias ações das forças
endógenas acarretarão em um novo desequilíbrio ou, como Lourenço (2006, p.
13) expressou: “A mera sustentação do equilíbrio afetará o grau de confiança
dos agentes em suas previsões, o que acabará, retroalimentando a formação
de expectativas e, por esta via, deslocando o equilíbrio para alhures”.
Em muitos casos, a situação de euforia pode levar a uma situação
conhecida como Efeito Ponzi, ou seja, uma situação em que a incapacidade de
se cumprir as obrigações financeiras é causada pela insuficiência dos recursos
capitados pelos ativos de um determinado país (BERTELLA e JUNIOR, 2013).
Apesar de ainda não ser o momento de comparações, uma vez que o objetivo
deste
capítulo
é
oferecer
os
arcabouços
necessários
para
futuras
comparações, já é possível perceber que foi este o caso em que a Grécia se
encontrou no ápice da recessão europeia.
Quando as variáveis endógenas do próprio sistema são tidas como as
causadoras de novos desequilíbrios assume-se o caráter instável que o
sistema capitalista leva dentro de si. Como forma de detê-lo da sua
autodestruição ou bruscas e inesperadas mudanças, aparece a necessidade
27
de decisões políticas e instituições econômicas que possam, de maneira
organizada, atenuar o momento de instabilidade econômica.
De maneira semelhante à visão de Thorstein Veblen vista no capítulo
um, Minsky deixou evidente a sua base institucionalista de impossibilidade de
uma análise econômica completa sem a devida consideração das instituições
vigentes em um determinado tempo e, tampouco, não se esqueceu de
considerar em sua teoria de instabilidade financeira a temporalidade e o poder
que
instituições
responsáveis
pelas
políticas
monetária
e
fiscal
e
regulamentação têm para amenização de momentos de crise.
Em seu livro Estabilizando uma economia instável (2010), Minsky
argumenta que, constantemente, os formuladores de política econômica
tendem a adotar uma série de medidas arrojadas para resolver desequilíbrios
econômicos, esquecendo-se de verificar o sistema institucional ou até mesmo a
necessidade de intervenções políticas. Isto ocorre porque estes mesmos
formuladores de política econômica (policy makers) consideram, de maneira
simplista, que os problemas enfrentados são resultados de erros ou choques e,
assim, acabam por não questionar se a real causa do problema analisado é um
problema estrutural do próprio sistema capitalista (MINSKY, 2010, p. 385).
Ainda segundo Minsky, este equivocado diagnóstico do problema é um
erro gravíssimo, pois se conseguindo obter resultados temporariamente
satisfatórios, ele acaba por omitir e por não deixar que o real problema
existente do sistema capitalista seja diagnosticado.
Admitindo que a falha é inerente ao sistema capitalista, devido a seus
processos de investimento e financiamento, Minsky acredita, conforme citação
abaixo, que apenas reformas institucionais e estruturais podem de fato alterar
tendências de instabilidade e, que, ainda que elas não sejam permanentes - já
que instituições refletem posições e opiniões de uma determinada época - são
estas reformas que melhor possibilitam um desenvolvimento mais estável e
igualitário de uma sociedade.
28
A política econômica de hoje é uma colcha de
retalhos. Cada mudança destinada a corrigir alguma falha
apresenta efeitos colaterais que afetam adversamente algum
outro aspecto da vida econômica e social. Cada intervenção
em especial leva a outras intervenções. Se quisermos melhorar
com base no que temos atualmente, temos que embarcar
numa esfera de reformas institucionais e estruturais que irão
interromper as tendências rumo à instabilidade e inflação. A
teoria padrão, por outro lado, não nos oferece qualquer
direcionamento a esse respeito; os problemas estão além dos
domínios de relevância dessa teoria. Uma nova era de reforma
não pode ser simplesmente uma série fragmentada de
mudanças (...). (MINSKY, 2010, p. 388).
2.3 O processo de internacionalização do capital financeiro
Vivendo em um mundo cada vez mais conectado, o processo de
internacionalização do capital financeiro não foi resultado de apenas uma única
mudança significativa, mas sim do somatório de várias outras que, encadeadas
em uma teia global, puderam ganhar forma para chegar à atual situação.
De acordo com Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani (2009, p. 50-7),
a hegemonia do capital financeiro na economia contemporânea se deu por
vários motivos, mas dois destes foram decisivos. São eles: (1) o papel
assumido
pelos
Estados
Unidos
e
Inglaterra
na
desregulamentação,
desintermediação e descompartimentalização dos mercados financeiros
nacionais e (2) o aparecimento de políticas que tinham como objetivo o
aumento
da
concentração
dos
fundos
líquidos.
Juntos,
estes
dois
acontecimentos ficaram conhecidos como a revolução conservadora e,
liderados por Ronald Reagan e Margareth Tatcher, levaram ao aumento da
“liberdade das instituições financeiras de escolher onde e como operar” (FILHO
e PAULA, 2012, p. 22).
Além destes, outros fatores que também tiveram influência no processo
de internacionalização do capital financeiro foram: a criação da city de Londres,
o aparecimento do offshore3, o fim do Bretton Woods, o uso de taxas de
câmbio flexíveis, o aparecimento de novos instrumentos financeiros como, por
3
Em termos financeiros, offshore é uma empresa que tem a sua contabilidade em um país
diferente daquele em que ele exerce a sua atividade.
29
exemplo, os derivativos e as swaps, a desregulamentação e, finalmente, a
integração.
No momento em que termina o acordo de Bretton
Woods, instala-se a desregulamentação e a liberação dos
movimentos e fluxos de capitais por todo o mundo. Assim, com
o fim do regime de taxas fixas de câmbio, os fluxos de capitais
foram gradativamente desregulados, até a plena liberalização
por quase todo o mundo, formando mercados integrados de
moedas e capitais, que, com o avanço das redes de
computadores, permitiram a realização de negócios entre
vários países quase em tempo real. (MARQUES E NAKATANI,
p. 57, 2009).
Ainda que não tão explorado na obra de Rosa Maria e Paulo Nakatani,
o rompimento gradual do marco jurídico Glass-Steagall Act foi um dos
principais fatores que levaram à integração e centralização dos recursos
financeiros por grandes instituições. Símbolo da preocupação existente após o
estouro da Grande Depressão, o Glass-Steagall Act, também conhecido como
Banking Act of 1933, foi um ato jurídico posto em prática pelo presidente
americano Franklin D. Roosevelt. Originalmente, ele era parte do New Deal,
programa de caráter keynesiano que atribuiu ao governo estadunidense um
importante papel na recuperação da economia estadunidense nos anos de
1930, e proibiu a participação de bancos comerciais em áreas de investimento
financeiro. Como expresso no artigo Glass-Steagall Act (1933) do jornal The
New York Times, Roosevelt e sua equipe visavam evitar a propagação de
novas crises, restaurar a confiança pública nas práticas bancárias e,
principalmente, evitar um novo colapso como o ocorrido em outubro de 1929.
Se, inicialmente, o Glass-Steagall Act se mostrou importante e legitimo,
com o passar do tempo e com o advento de novas poderosas instituições, o
governo americano começou a sofrer pesadas críticas de bancos em seu
Congresso para uma maior flexibilização da lei. Essa pressão foi, enfim,
encerrada em 1999 quando o Gramm-Leach-Bliley Act foi aprovado e revogou
a validade das medidas do Glass-Steagall Act.
Com a não obrigatoriedade de atuação das instituições norteamericanas em apenas certos segmentos de negócios, o leque de novas
oportunidades destas companhias em produtos financeiros recém-criados fez
30
com que a estabilidade obtida na Era de Ouro do Capitalismo fosse desfeita e
passasse, então, a ficar cada vez mais instável. Como observado por
Kindleberger (2007, p. 111), não apenas o fim do Glass-Steagall Act, mas
muitos dos atos tomados a favor de uma desregulamentação e integração do
capital não foram feitas de maneira arbitrária pelos governos dos países. Eles
foram produtos de uma “especialização institucional que cresceu no setor
privado sem planejamento e decisões significativas”.
A centralização dos lucros não reinvestidos e a acumulação de dinheiro
em poupanças levaram, durante as décadas de 1950 e 1960, à consolidação
da acumulação financeira nestes dois países (Estados Unidos e Inglaterra).
Somado com o suporte dado pelos próprios governos para aumentar a
capitalização de pessoas comuns, ou seja, a aumentar a poupança, e com a
reciclagem feita em cima dos petrodólares4, empréstimos passaram a ser feitos
aos países subdesenvolvidos e, com um posterior e inesperado aumento da
taxa de juros em 1979 (política Volcker), fez-se com que estes mesmos países
devedores ficassem impossibilitados de pagarem as suas dívidas. Como única
alternativa, novos empréstimos, quando concedidos, passaram a ser feitos pelo
Fundo Monetário Internacional, que, como condição necessária para efetivar os
empréstimos, cobrava dos países a adoção de medidas recessivas que
culminaram na década de 1980 a estagnação de inúmeros países.
Por parte dos países desenvolvidos, a situação não era diferente. O
endividamento
também
era
crescente
e
tão
considerável
quanto
o
endividamento dos países em desenvolvimento. Isto porque durante este
período, o fraco desempenho das receitas tributárias, o pífio crescimento das
suas economias e a alta inflação foram agravados pelo fato da impossibilidade
de contenção de gastos sociais uma vez que, ainda com os resquícios dos
impactos da II Guerra Mundial, os governos não ousariam – e nem a população
comum aceitaria – mudanças sociais que diminuíssem o bem-estar. Como
4
Termo usado para representar o dinheiro, ou seja, dólares, usados nas transações de compra e venda de
petróleo. Com a crise do petróleo em 1973, há o substancial aumento do preço de seu barril e boa parte
desse excesso obtido pelos produtores passa a buscar novas opções de investimentos.
31
alternativa, não restou outra opção do que, senão, o endividamento
generalizado dos países europeus.
Como observado por Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani (2009, p.
56), “a constituição de um mercado de obrigações aberto aos investidores
estrangeiros permitiu o financiamento dos déficits mediante a colocação de
bônus do Tesouro e outros compromissos da dívida no mercado financeiro”.
A este processo de abertura das obrigações dos governos ao
financiamento internacional dá-se o nome de securitização. Observando a
figura abaixo, vê-se a evolução da emissão de títulos para financiamento da
dívida pública e chama-se a atenção para o aumento de emissão de papéis na
década de 1980 para as economias emergentes e desenvolvidas.
FIGURA 1 - “DÍVIDA PÚBLICA E SUA RESOLUÇÃO: ECONOMIAS
AVANÇADAS E MERCADOS EMERGENTES, 1900-2011”.
FONTE: Bertella e Junior (2013, p.6).
Em um cenário como este foi apenas uma questão de tempo para
haver o beneficiamento dos investidores institucionais, ou seja, seguradoras,
32
fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação e bancos que administrassem
sociedades de investimento. A partir deste momento, o que antes não era tão
comum passa a se tornar uma das formas mais comuns de financiamento dos
gastos estatais.
Por meio de pessoas físicas ou jurídicas, estas instituições fazem a sua
capitalização e, no caso das empresas, estas agora passam a ter a sua
organização voltada não mais para a produção, mas sim, para a uma
governança corporativa que, ampliando os poderes de acionistas, prioriza o
aumento de seus dividendos e lucros (MARQUES E NAKATANI, 2009). Veja o
que Kindleberger (2007, p. 106) diz a respeito:
(...) Os bancos entraram em outros campos, tais como
aconselhamento de investimentos, consultoria de negócios e
design e instalação de computadores, enquanto companhias
financeiras e até firmas varejistas entraram de várias formas
em atividades bancárias, incluindo transferência eletrônica,
emissão de catão de crédito e relações com imóveis.
Em um plano micro, empresas cada vez maiores buscam mais
vantagens para aumentarem seus lucros e, para alcançarem seus objetivos,
estas não se mostram preocupadas com quais medidas deverão ser tomadas.
Já, em um plano macro, os próprios países ora buscam se protegerem, ora
tirarem proveito da situação. Foi neste cenário de quase vale-tudo que as
instituições (públicas e privadas) passaram a ter uma fundamental participação
na prevenção, organização, contribuição ou, como no caso da crise de 2008,
amenização das instabilidades do sistema capitalista.
Ainda como uma última comprovação de que foi o processo de
desregulamentação generalizado a partir da década de 1980 que fez com que
a crise financeira de 2008 se espalhasse pelo mundo, utiliza-se de exemplo
outras crises ocorridas nos Estados Unidos e Japão durante as décadas de
1960/70 que, embora também imobiliárias, não tiveram mecanismos e forças
suficientes para se espalhar pelo mundo:
33
Nos EUA, apesar da falência da maioria dos bancos
de poupança, a economia não sofreu uma recessão de origem
bancária. Isto foi possível porque a separação entre os
diversos segmentos do mercado evitou aquela primeira etapa
de contágio. Com isso, não se formou uma crise generalizada
de confiança e o mercado de capitais se manteve de pé, como
principal fonte de financiamento dos investimentos. Essa
convivência pacífica com a crise bancária só não foi possível
no Japão porque não havia (e não há) um modelo de
financiamento fortemente apoiado em mercado de capitais – e
sim em bancos. Em grande parte por isto, o contágio foi ainda
menor e, embora o país tenha sofrido uma longa recessão, sua
crise bancária não se converteu em crise sistêmica
internacional. O mundo, literalmente, assistiu à crise japonesa
de longe, com preocupação, mas sem ser arrastado por ela.
(HERMANN, 2009, p. 139).
2.4 A crise financeira internacional de 2008 nos EUA
Uma vez explicado nas seções anteriores quais fatores levaram o
capital financeiro ao centro da dinâmica capitalista, o ponto de partida desta
nova etapa do trabalho será uma descrição objetiva de como a crise financeira
de 2008 se desencadeou no mercado de subprime e de como ela se espalhou
para o resto do mundo.
De maneira unanime, todos os grandes economistas acreditam que o
“elemento detonador” da crise financeira de 2008 foi a “exaustão do ciclo de
altas dos imóveis nos Estados Unidos” (RESENDE, 2013, p. 118). Com uma
necessidade cada vez maior de bancos e instituições buscarem novos
mercados para aumentarem os seus lucros, a procura de novos segmentos
atingiu a parcela de baixa renda dos Estados Unidos através do mercado
financeiro imobiliário de maior risco, conhecido como subprime.
Estes empréstimos aos mais pobres eram feitos numa situação que
Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula (2012, p. 3) chamaram de
“exploração financeira” já que, uma vez confirmado o empréstimo, este era feito
com taxas de juros variáveis, ou seja, baixas no começo, mas com seguidas
elevações conforme o tempo ia passando. Consequentemente, em um
determinado momento os indivíduos tomadores de empréstimos não poderiam
arcar com as suas dívidas e, então, um processo de calotes em massa se
iniciaria.
34
Com a situação de desaquecimento do PIB estadunidense a partir de
2006, uma pequena parcela da população americana já neste primeiro
momento de alerta ficou sem condições de pagar as suas obrigações e,
embora percebido por pouquíssimos estudiosos, este era o primeiro sinal de
que o risco do crédito era algo para se preocupar.
Servindo como alternativa para diminuir os riscos, a securitização
destes ativos apenas os escondeu. Enquanto que as instituições continuaram
com os seus empréstimos de alto risco (subprime) como se tudo estivesse em
perfeito funcionamento, estes ativos passaram a ser também comprados por
investidores de diferentes nacionalidades que, de maneira indireta e sem
nenhum
controle
de
regulamentação
pelas
autoridades
econômicas,
possibilitaram a criação de novos instrumentos financeiros.
Como visto na seção 2.2, esse movimento crescente de euforia e
especulação
ocorrido
com
os
papeis
de
maior
risco
na
economia
estadunidense foi de acordo com os escritos de Minsky sobre a dinâmica das
crises financeiras e, quando a percepção de calote generalizado, enfim, foi
confirmada e se tornou explicita, uma reação em cadeia começou.
Investidores
e
instituições
que
detinham
papéis
semelhantes
começaram a querer se desfazer deles e, quando tentaram vendê-los, estes
perceberam que não conseguiriam realizar a sua vontade pelo fato de todos os
demais investidores estarem tendo a mesma tomada de decisão. Neste ponto,
percebe-se um evidente funcionamento da lei da oferta: os preços dos títulos
despencam pela grande oferta no mercado e, como agravante, os detentores
destes papéis começam a perceber que, além dos juros, eles não conseguiriam
nem mesmo repassar para frente os seus papeis sem um grande prejuízo.
Como Fernando José Cardim de Carvalho sinalizou em seu artigo Entendendo
a recente crise financeira global (2012, p. 26), “A tentativa de se livrar deles
[títulos], de qualquer forma, foi o suficiente para fazer o valor desses papéis no
mercado cair vertiginosamente”.
Foi nesta fase de queda dos preços das ações que ocorreu um dos
piores momentos da crise: o da crise patrimonial para as empresas, ou seja,
quando as obrigações a pagar (passivos) das empresas superaram os seus
35
direitos de receber (ativos). Em outras palavras: a incapacidade do
cumprimento das obrigações financeiras foi causada pela insuficiência dos
recursos capitados pelos ativos. Como visto anteriormente na seção 2.2 deste
trabalho, este fenômeno é conhecido como o Efeito Ponzi.
Com a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008
houve, além da paralização das operações interbancárias, o aumento da
desconfiança de modo generalizado e global. A opção do governo
estadunidense de deixar que uma instituição tão grande como o Lehman
Brothers falisse, serviu como catalizador de uma crise sistêmica capaz de
aprofundar os efeitos da crise iniciada no mercado subprime. De nada adiantou
que, um dia após o anúncio de falência do Lehman Brothers, o governo dos
Estados Unidos assumisse o salvamento da American International Group
(AIG) ou lançasse a implementação de um pacote (Troubled Asset Relief
Program) de US$700 bilhões para dar solvência aos bancos. A insegurança
dos investidores e a desconfiança já dominavam o mercado mundial e uma
nova luta começou a ser travada: a do crescente desemprego na economia
estadunidense. Analisando a Figura 2 que segue abaixo é possível notar que, a
partir de janeiro de 2008 até meados de 2010, a taxa de desemprego dos
Estados Unidos mais do que dobrou e que, só depois de 2011, como
consequência do quantitative easing, é que a taxa de desemprego voltou a
decair:
FIGURA
2
-
TAXA
DE
DESEMPREGO
DOS
(PERCENTUAL SOBRE A FORÇA DE TRABALHO).
FONTE: tradingeconomics (19/12/2014).
ESTADOS
UNIDOS
36
Como exposto por Maryse Farhi (2012, p. 35) em seu artigo intitulado
Double Dip: a recuperação econômica em questão: “(...), a desconfiança dos
investidores nos sistemas financeiros se espalhou, resultando em movimentos
de pânico nos mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de crédito, em
âmbito global”.
É interessante notar que, neste momento de profunda crise, a visão
neoclássica foi duramente criticada por não considerar em sua teoria a
irracionalidade dos agentes econômicos – mesmo quando se confirmou o
empréstimo irresponsável de crédito para aqueles que não poderiam pagar.
Também, foi neste período que as agências de rating foram forte e duplamente
criticadas. Primeiro porque não advertirem o mercado sobre os riscos destes
empréstimos tão perigosos e, segundo, porque não exerceram o seu papel de
indicar fidedignamente a qualidade dos ativos das instituições e bancos. Como
é sabido, muitos dos ativos possuíam notas máximas na hora em que a crise
estourou.
Lidando com um mercado desregulado e internacionalizado como
nunca antes, todas as empresas financeiras dos Estados Unidos estavam, em
maior ou menor grau, expostas a um risco de falência. Como solução
temporária, o governo estadunidense conseguiu, após difíceis negociações
com o seu Congresso, aprovar o Plano Paulson, que garantia a compra dos
ativos que as instituições e bancos não conseguiam vender como forma de
garantir a estabilização dos preços dos ativos, o fim das falências e a volta dos
empréstimos pelos bancos para normalizar o crédito (FILHO e PAULO, 2012).
Como o último resultado não foi alcançado, ou seja, o crédito não foi
retomado, a percepção de que a crise era muito mais grave começou a chegar
aos demais países de maneira mais evidente e, a partir deste ponto, uma série
de medidas mais heterodoxas passou a ser tomada pelo governo dos Estados
Unidos para conseguir recuperar o nível de emprego. Dentre elas, a principal
medida adotada pelo Federal Reserve (FED) – o Banco Central Americano –
foi o quantitative easing que, de acordo com o site do Bank of England, pode
ser definido como “an unconventional form of monetary policy where a Central
37
Bank creates new money electronically to buy financial assets, like government
bonds”5.
Tratando-se de uma medida heterodoxa, o quantitative easing, ou
afrouxamento monetário, foi a resposta dada pelo Federal Reserve para
reativar a economia americana posteriormente às reduções das taxas de juros,
que se mostraram ter sido em vão. Conforme observado na Figura 3 abaixo,
percebe-se que durante o período de queda da taxa de juros (final de 2007 até
meados de 2009, quando esta passa a se manter estável), o produto
estadunidense apresenta uma desaceleração. Foi apenas a partir de 2010 que
esta tendência começou a mudar, em muito graças ao primeiro pacote do
quantitative easing (Q1), lançado no final de 2008.
FIGURA 3 - TAXA DE JUROS (FDTR) E PIB AMERICANO (WGPUS).
FONTE: tradingeconomics (19/12/2014).
O
quantitative
easing
buscou
aumentar
a
demanda
e,
consequentemente, baixar a taxa de juros dos títulos de longo prazo (uma vez
que a taxa nominal de juros de curto prazo já estava bem próxima de zero).
Com isto, o governo americano tentou estimular o crescimento econômico
aumentando a liquidez.
Dividido em três pacotes (Q1, Q2 e Q3), cada parte do afrouxamento
monetário contou com “unique characteristics” como descreveu Norbert J.
“Política monetária não convencional onde o Banco Central cria, eletronicamente, dinheiro
para comprar ativos financeiros como, por exemplo, títulos do governo”.
5
38
Michel e Stephen Moore no artigo intitulado Quantitative Easing, The Fed’s
Balance Sheet, and Central Bank Insolvency (04/12/2014), publicado no site da
The Heritage Foundation.
A primeira etapa do quantitative easing, conhecida como Q1, ocorreu
em dezembro de 2008 e priorizou a compra de papéis de longo prazo no valor
de US$100 bilhões para os papéis GSE (government-sponsored enterprises) e
US$500 bilhões em MBS (mortgage-backed securities). A segunda etapa
iniciou-se em novembro de 2010 e, conhecida como Q2, consistiu na compra
de papéis de longo prazo totalizando US$600 bilhões divididos em parcelas
mensais de US$75 bilhões para papéis com prazos de maturidade entre dois e
dez anos. Já a última etapa do quantitative easing (Q3) aconteceu em
setembro de 2012 quando o FED anunciou compras mensais no valor de
US$85 bilhões também para títulos de longo prazo sem uma data pré-definida
de término.
Com a melhora do nível de desemprego, com a retomada do
crescimento e com o mantimento da taxa de juros em 0,25% ao ano, a
economia americana parece, enfim, estar começando a se recuperar da crise
do subprime. Esta visão otimista ficou evidente com o pronunciamento feito em
outubro 2014 por Janet Yellen, presidente do FED, anunciando a última parcela
de compras de títulos, ou seja, o fim do quantitative easing (Q3) nos Estados
Unidos.
Embora a crise esteja, aparentemente, controlada e bem administrada
nos Estados Unidos, para a região da União Europeia a crise financeira de
2008 agravou não só a sua situação econômica, que já não ia bem, mas
também os seus problemas de caráter cultural e social que colocaram em risco
a mais avançada forma de integração econômica criada pelo homem até hoje,
a União Europeia.
2.5 Os impactos da crise financeira internacional na Europa
Como explicado anteriormente, esta crise financeira não foi a primeira
crise deste tipo a ocorrer. Nos anos de 1970 e 1980, os Estados Unidos e
39
Japão se viram em situações parecidas, entretanto, estas crises, também
imobiliárias, puderam ser melhores administradas pelo fato de, naquela época,
ainda haver uma regulamentação dos bancos por segmentos e, portanto, ser
possível proteger a economia num todo de um efeito cascata. A este respeito
veja o que Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula (2012, p. 2)
afirmam:
A novidade na crise atual é que temos uma crise das
finanças desregulamentadas, ou seja, um mundo livre, de
crescente globalização das relações comerciais entre países e
da complacência com vários instrumentos financeiros
sofisticados. Somente isso explica por que uma crise em um
subsegmento do setor imobiliário norte-americano (subprime)
acabou resultando em uma crise mundial de grandes
proporções.
Se, num primeiro momento, o estouro da crise financeira afetou apenas
o desempenho da economia estadunidense, após a falência do Lehman
Brother, ela começou a se espalhar pelo mundo e, no caso da Europa, ela
conseguiu agravar uma situação que já vinha se deteriorando há tempos.
Como notado por Maryse Farhi (2012), os primeiros sintomas da crise
chegando à Europa foram sentidos pelos países do Báltico (Lituânia, Estônia e
Letônia) e Islândia que, altamente dependentes de empréstimos internacionais,
obtiveram, na década de 1990, crescimento acelerado e, vinte anos depois, se
encontraram com recessões que ultrapassavam os 10% a.a. Ainda segundo
Maryse Farhi, no ano de 2009, o PIB da Letônia, em termos reais, retraiu em
18,8% enquanto que o produto da Estônia e Lituânia retraiu 15,7% e 11%,
respectivamente.
Ainda que no ano seguinte estes países tenham obtido uma
considerável melhora da sua situação econômica e, no caso da Letônia, esta
tenha se juntado à zona do euro em 1º de janeiro de 2011, a grande oscilação
sofrida por estes países de menor importância era apenas o início de uma crise
de crédito e confiança que se arrasta até hoje no continente europeu.
40
Antes de se iniciar a explicação da crise nos países europeus é
importante fazer uma distinção entre os diferentes tipos de economias
existentes no
continente.
Como
Joachim
Becker e
Johannes
Jäger
descreveram em seu artigo intitulado Development trajectories in the crisis in
Europe (2010, p. 7-8), dois tipos principais de regime de acumulação podiam
ser achados na Europa ocidental antes da crise: o dos países com uma
acentuada financeirização (marked financialization) e a dos países com uma
forte
tendência
de
acumulação
via
superávits
externos
(extraverted
accumulation) - embora estes últimos tenham em sua economia alguma
presença elementos financeiros.
Segundo esses autores, entende-se por alto grau de financeirização
países que tenham: (1) uma considerável participação do setor financeiro em
seus PIB`s, (2) uma considerável capitalização no mercado de ações e (3) que
suas dívidas privadas sejam crescentes (BECKER e JÄGER, 2010, p. 8).
Também, uma quarta característica dos países com acentuada financeirização
é a redução da participação do setor industrial no PIB destes países.
Os principais representantes do grupo dos países com uma acentuada
financeirização são: Reino Unido, Irlanda, os países do Benelux (Holanda,
Bélgica, Luxemburgo), Espanha, Dinamarca, Grécia, França e Portugal e,
embora todos estes países tenham em comum o alto nível de dependência
financeira na sua economia, cada um deles apresenta diferenças entre si. Por
exemplo: enquanto que a financeirização francesa é tipicamente uma função
que cabe à elite, na Espanha ela é uma função bem popular entre as mais
diversas classes sociais. Já o segundo tipo de países, como os próprios
autores admitiram, caracteriza-se por ser um pequeno grupo na Europa
Ocidental constituído de basicamente três países: Alemanha, Áustria e Suécia.
De maneira parecida com os Estados Unidos, o Reino Unido viu a sua
economia cair de rendimento a partir do estouro da crise financeira de 2008.
Como já explicado na seção 2.3, o governo britânico foi um dos pioneiros no
que diz respeito à perda de regulamentação financeira e ao aparecimento de
novos instrumentos financeiros. Somado com o fato de a Grã Bretanha ter uma
política que aprecie a libra esterlina, esta mesma política, tão benéfica ao setor
41
financeiro, começou a impactar negativamente o setor industrial uma vez que,
barateando os produtos externos, incentivou-se o aumento das importações e,
consequentemente, reduziu-se a participação da indústria na participação do
seu PIB. Continuando com Joachim Becker e Johannes Jäger (2010), entre os
anos de 1999 e 2008, a participação da indústria no PIB britânico caiu de
24,9% para 17,3% e, quando a crise de fato revelou a sua imensidão, o cenário
já não era favorável para a economia britânica.
De maneira análoga, os mesmos problemas de aumento da
participação do setor financeiro com redução da participação industrial no total
do PIB ocorreram, em maior ou menor grau, para todos os países que
compõem o grupo dos marked financialization e, quando a tendência de alta
dos preços das ações começou a se desfazer, o crédito, outrora abundante,
passou a sofrer uma série de restrições. Novamente, como o ocorrido nos
Estados Unidos, muitas das instituições financeiras donas de papeis do
subprime não apenas não teriam acesso ao crédito como, também, não seriam
capazes de honrar com as suas dívidas. Deste modo, a reação em cadeia foi
apenas uma questão de tempo para que a crise financeira iniciada nos Estados
Unidos também se espalhasse para o continente europeu.
Como assinalado por muitos na época, um dos principais agravadores
da crise financeira europeia foi causado endogenamente pela própria União
Europeia, que demorou na tomada de decisões eficientes para atenuar os
efeitos da crise. Acerca desta demora, veja o que Joachim Becker e Johannes
Jäger (2010, p.17) dizem a respeito:
Even if the rescue package required authorization by
the EU commission, the EU reacted relatively late. Moreover,
the EU confined itself to the elaboration of a rather general
framework. The process of finding a common position was
rather cumbersome and dominated by large West EU member
states6.
6
“Ainda que o pacote de resgate requeresse autorização da Comissão da União Europeia, a
reação da União Europeia foi relativamente tardia. Além do mais, a União Europeia limitou a si
mesma na elaboração de um quadro bastante geral. O processo de descoberta de uma
posição comum foi em muito dificultado e centralizado pelos grandes países do Oeste da União
Europeia”.
42
Para os autores, a primeira reunião para uma discussão em conjunto
da crise na Europa ocorreu apenas em 4 de outubro de 2008 quando o então
presidente do Conselho Europeu, Nicolas Sarcozy, reuniu-se apenas os
representantes dos quatro países europeus que compunham a mesa do G-8
(França, Alemanha, Itália e Grã Bretanha). Posteriormente, em 12 de outubro
de 2008, começou-se a organizar pelos países membros da zona do euro um
pacote de resgate para os membros que se encontravam em maior dificuldade,
mas, novamente, essa medida foi duramente criticada por não incluir na mesa
de discussão países do leste e do centro europeu que, apesar de fazerem
parte da União Europeia, não se encontravam inclusos na zona do euro.
Anteriormente à tomada de decisões conjuntas, a preocupação
individual dos governos europeus era de tranquilizar os mercados garantindo o
seu pagamento e a sua solvência. Para isto, uma série de intervenções foram
feitas
em
grandes
instituições
financeiras
pelos
governos
europeus
individualmente. Entretanto, esta postura adotada pelos países passou a ser
vista como uma socialização das perdas e uma forte pressão popular foi posta
em cima dos seus governantes. Como Belluzzo (2012, p.144) expressou:
A crise europeia é uma aula sobre a privatização dos
ganhos e socialização das perdas. Diante do colapso dos
preços dos ativos, os bancos centrais foram compelidos a
tomar medidas de provimento de liquidez e de capitalização
dos bancos encalacrados em créditos irrecuperáveis. Para
curar a ressaca da bebedeira imobiliária, os governos
engoliram o estoque de dívida privada e expeliram uma
montanha de títulos públicos.
Para piorar a situação, uma série de regras limitando o gasto fiscal dos
países membros da União Europeia dificultavam as alternativas de amenização
dos impactos da crise. Com a impossibilidade do uso da política monetária,
devido ao fato de esta não estar mais nas mãos de autoridades monetárias
nacionais, mas sim do Banco Central Europeu, e da impossibilidade legal do
uso de uma política keynesiana via aumento do déficit público, a única saída
encontrada pelos governos europeus foi a da austeridade fiscal que, conforme
43
esperado, causou estragos sociais, políticos e econômicos capazes de colocar
em dúvida a viabilidade da União Europeia.
Segundo relatório divulgado em julho de 2009 pela Comissão Europeia
e intitulado Economic Crisis in Europe: Causes, Consequences and
Responses, esta crise que afetou a economia global não tinha precedentes na
história do pós II Guerra Mundial e, particularmente no caso europeu, a perda
real do PIB europeu chegou em 4% só em 2009.
Em dezembro de 2008 um plano de recuperação para a Europa,
conhecido como EERP (European Economic Recovery Plan) foi lançado com o
objetivo de restaurar e reformar, principalmente, o setor bancário através da
retomada da confiança e crédito que, como observado na Figura 4 abaixo,
diminuiu drasticamente a partir de 2008 quando o ambiente de pânico se
espalhou pelas mais diversas esferas da economia global com o anuncio de
falência do Lehman Brothers.
FIGURA 4 - BANK LENDING TO PRIVATE ECONOMY IN THE EURO AREA,
2000-20097.
FONTE: European Comission (2009, p. 22).
Entretanto, este plano se mostrou ineficiente, uma vez que a confiança
e credibilidade não conseguiram ser restabelecidas na economia europeia, e os
7
“Empréstimos bancários para a economia privada na zona do euro, 2000-2009”.
44
países membros do bloco europeu continuaram a apresentar resultados
decepcionantes para as suas economias ao longo dos anos seguintes.
O ano de 2009 foi especialmente difícil para as economias europeias e,
conforme Anexo A, comprova-se que praticamente todas as economias do
bloco apresentaram recessão. Enquanto que o produto da Alemanha contraiu
em 5,6%, o PIB do Reino Unido, Itália, Espanha, Portugal, França, Holanda,
Irlanda e Grécia contraíram, respectivamente, 4,3%, 5,5%, 3,6%, 3%, 2,9%,
3,3%, 6,4 e 4,4%. Juntos, os países da União Europeia neste mesmo ano
tiveram um crescimento negativo, ou seja, uma retração econômica de
aproximadamente 4,4%.
Foi a partir de 2009 que a situação social na Europa começou a se
deteriorar de maneira mais clara. Esta piora ficou evidente em meados de 2010
quando os impactos da retração do ano anterior, somados às políticas
contracionistas, começaram a surtir efeitos nos níveis de emprego. Conforme
Anexo B, no ano de 2013 muitos dos países e membros do bloco europeu
bateram recordes na sua parcela de população desempregada e, em países
como Espanha e Grécia, a taxa de desemprego entre cidadãos com idade
entre 15 e 74 anos encerrou o ano com percentuais superiores a 25% da sua
população total.
Mesmo durante o ano seguinte, ou seja, 2014, a taxa de desemprego
no continente europeu continuou a ficar acima dos dois dígitos e um novo
problema começou a ganhar atenção dos estudiosos e autoridades
econômicas: o da queda dos preços, comumente conhecida como deflação.
Sendo um problema que apareceu recentemente, ainda é difícil
analisar o que realmente ocorre com os níveis de preços na Europa, mas de
modo geral, os primeiros indícios de uma crescente preocupação com os
baixos níveis de inflação já começam a aparecer no atual cenário. Na Figura 5,
complementada pelo Anexo C, tem-se alguns dados que mostram a evolução
dos preços ao longo do tempo no continente europeu:
45
FIGURA 5 - INFLAÇÃO ANUAL (%) NA ZONA DO EURO E NA UE.
FONTE: Eurostat (18/01/2015).
Se, a partir de 2012, a tendência dos preços foi de queda, em
dezembro de 2014 o risco de deflação começou a ganhar uma maior
preocupação. Conforme publicação do site da Eurostat em 16 de janeiro de
2015, o mês de dezembro de 2014 na zona do euro foi marcado por uma
inflação negativa de -0,2%, abaixo dos 0,3% obtidos em novembro, e sinalizou
o nível mais baixo desde setembro de 2009. Já na União Europeia, a inflação
correspondente em dezembro de 2014 foi de -0,1% e também ficou abaixo dos
0,3% obtidos no mês anterior.
Como pode ser observado na Figura 6, os índices negativos de preços
na Europa atingiram dezesseis países da União Europeia sendo Grécia (-2,5%)
e Bulgária (-2%) os mais prejudicados. Ainda segundo publicação da Eurostat
(16/01/2015), os grandes contribuidores para a queda geral dos preços no
continente europeu foram: a recente queda dos preços dos combustíveis para
transportes (-0,53%), a queda dos preços dos óleos combustíveis usados para
o aquecimento domiciliar, comumente conhecidos como heating oil, (-0,17%) e
a queda do setor de telecomunicações (-0,88%).
46
FIGURA 6: INFLAÇÃO ANUAL (%) EM DEZEMBRO DE 2014.
FONTE: Eurostat (18/01/2015).
Como notado por Fernando Fernandez, professor da escola de
negócios IE Business School de Madri, em uma entrevista dada ao Jornal Valor
Econômico em 17/04/2014:
O Banco Central Europeu não sabe ao certo o que
fazer em relação ao problema da deflação. Reconhece que é
um problema, reconhece que a queda dos preços podem
provocar incertezas e prolongar a recessão econômica muito
além do que se deseja, mas, ao mesmo tempo, não tem muito
claro quais são as políticas econômicas que podem evitar um
período deflacionário.
Uma vez que esta tendência de queda generalizada dos preços seja
confirmada, a crise na Europa pode se estender ainda mais. Na página oficial
da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já
é possível encontrar estudos e artigos sobre o risco da deflação na Europa.
Dentre eles, um artigo preparado em outubro de 2014 pelo Departamento
Econômico da OCDE e intitulado de Europe’s deflation risk há a afirmação de
que “the OECD does not see deflation taking hold in the euro area, but the risk
has risen”8.
Os resultados de uma deflação em uma região já marcada pelo baixo
crescimento econômico e pela alta taxa de desemprego tomariam proporções
perigosas tanto para o consumo quanto para o investimento. Se pelo lado do
8
“A OCDE não enxerga a inflação se alastrando na zona do euro, mas o seu risco tem
aumentado”.
47
consumo a demanda diminuiria devido às expectativas dos agentes para novas
quedas de preços, pelo lado da oferta o investimento seria igualmente reduzido
já que, também esperando novas quedas nos preços, ele seria adiado mais e
mais. Além disso, como notado no artigo da OCDE, os resultados de uma
deflação nas contas públicas teriam impactos significativos já que a queda de
preços leva a um aumento da taxa real de juros e, consequentemente, a um
aumento real da dívida.
Afirmando que, por hora, há duas alternativas para o controle da
deflação na Europa, Fernando Fernandez em sua entrevista ao Jornal Valor
Econômico (13/01/2015) cita o mantimento de uso de medidas heterodoxas e o
reconhecimento de que a deflação é um problema institucional.
Enquanto que a primeira medida já foi em muito foi usada no começo
da crise pelos Bancos Centrais e, posteriormente, pelo Banco Central Europeu,
quando estes começaram a aumentar a liquidez e a reduzir a taxa de juros a
fim de garantir a mesma, a segunda opção de uma mudança institucional seria
mais complicada de ser feita já que envolveria o reconhecimento de falhas em
como a união monetária foi formulada. Para Fernando Fernandez (13/01/2015),
é necessário “estabelecer um sistema bancário único europeu para que o
dinheiro se movimente livremente de um país para o outro”, ou seja, é
necessário acabar com os spreads cobrados entre os empréstimos dos
diferentes países de um mesmo bloco econômico. Entretanto, esta não é
apenas uma decisão econômica e depende muito mais de medidas políticas
por parte das autoridades governamentais.
Em 22 de janeiro de 2015 foi anunciado um novo pacote de estímulo
para a economia da zona do euro através da injeção de dinheiro na economia
europeia via compra de ativos, sendo estes na sua maioria compra de títulos
públicos. Esta medida, comumente conhecida como quantitative easing
(afrouxamento monetário) é reconhecida como um dos motivos que levaram à
recuperação da economia americana, vista na seção 2.4 deste trabalho e,
assim como no caso dos Estados Unidos, esta decisão só foi tomada pelo
Banco Central Europeu por este já não ter mais como baixar mais a taxa de
juros. Além disso, conforme reportagem publicada no site da BBC Brasil
48
(27/01/2015), o uso de um afrouxamento monetário no continente europeu foi
posto em prática como uma tentativa de evitar o risco da deflação ao mesmo
tempo em que tenta retomar o crescimento na região.
Sendo ainda cedo para verificar se esta medida heterodoxa será
suficiente ou não para dar fôlego à economia da zona do euro, as primeiras
apostas não parecem ser muito positivas. Em um artigo publicado no site oficial
do Fórum Econômico Mundial de 2015 e intitulado Why the Eurozone needs
more than QE (01/02/2015), o professor Martin Feldstein da Universidade de
Harvard apontou interessantes aspectos acerca desta última tomada de
decisão feita pelas autoridades monetárias. Para ele, a antecipação do QE pelo
mercado foi capaz de acelerar a queda do valor do euro e, com isto, dar
margem para os países membros da zona do euro aumentarem os seus saldos
da balança comercial através do aumento das exportações. Também, foi
notado que, devido ao fato de agora se ter uma moeda mais desvalorizada, os
produtos importados passariam a ficar mais caros para a população e,
consequentemente, o problema da deflação passaria a ser, senão erradicado,
pelo menos atenuado.
Entretanto, Martin Feldstein notou neste mesmo artigo que as
economias dos países europeus enfrentam duas especificades divergentes das
particularidades da economia estadunidense quando as suas autoridades
monetárias resolveram implementar a primeira fase do quantitative easing no
fim de 2008.
A primeira diz respeito à impossibilidade do aumento da demanda
agregada através do uso de medidas keynesianas que levariam ao aumento
dos déficits fiscais dos países: “[…] the major eurozone countries’ large national
debts preclude using traditional Keynesian policies – increased spending or
reduced taxes – to raise demand through increased budget deficits”.
E a segunda diz respeito ao nível da taxa de juros. Enquanto que nos
Estados Unidos o QE quando posto em prática foi capaz de baixar,
momentaneamente, a taxa de juros de longo prazo para forçar a compra de
ações no momento presente e, assim, retomar o ritmo da economia, na
49
Europa, tanto a taxa de curto prazo como a taxa de juros de longo prazo já
estão em níveis muito baixos.
Analisando o decorrer da crise nos Estados Unidos e Europa é
interessante notar como que as políticas adotadas, apesar de semelhantes,
foram tomadas em momentos distintos. Enquanto que os Estados Unidos, país
de origem da crise, conseguiu demonstrar as primeiras evidências de
recuperação da sua economia através do uso de medidas heterodoxas, a
Europa, presa em seu próprio jogo institucional cheio de regras e normas, não
permitiu aos países membros da União Europeia uma maior liberdade sobre
quais instrumentos deveriam ser usados e, por isso, ainda se encontra lutando
para sair dessa desconfortável situação.
Como consequência, a economia americana segue fazendo avanços
significativos ao conseguir abaixar o nível de desemprego e ao fazer o seu
produto crescer enquanto que a região da Europa se encontra, senão longe,
um tanto quanto distante de alcançar a estabilidade que tinha outrora. Com
níveis de desemprego ainda muito altos e com a desconfiança ainda presente
nos ambientes político e econômico, a União Europeia terá que, além de uma
longa jornada para conseguir atenuar os impactos econômicos e sociais
trazidos à tona a partir de 2008, aprender a lidar com novos desafios, sendo o
da deflação e do Grexit9, o mais iminentes deles.
9
Termo formado da junção das palavras Greece (Grécia) e exit (saída) e usado para se referir
a uma possível saída da Grécia do bloco da União Europeia e zona do euro.
50
3. INSTITUIÇÕES EUROPEIAS
Enquanto que nos dois primeiros capítulos buscou-se oferecer ao leitor
uma base sobre a corrente institucionalista e a crise financeira internacional
iniciada nos EUA passando, posteriormente, para a Europa, neste terceiro
capítulo todos os assuntos, outrora vistos separadamente, convergirão,
simultaneamente, para uma única região: a União Europeia.
Dividido em três seções para melhor explicar as recentes mudanças
sofridas no continente europeu, a primeira delas, intitulada “União Europeia:
princípios,
evolução
e
consolidação”,
explicará
o
funcionamento
das
instituições base da União Europeia (Comissão Europeia, Tribunal de Justiça
da União Europeia, Conselho de Ministros, Conselho Europeu, Tribunal de
Contas, Banco Central e o Parlamento Europeu); na segunda seção, nomeada
de “Uma breve história do pós II Guerra Mundial: comparações de
especificidades entre Grécia e Alemanha”, específicos acontecimentos
históricos de cada um destes países serão discutidos como fatores essenciais
para o pleno entendimento da diferença existente entre estes dois diferentes
membros do mesmo bloco econômico. Será nesta parte do trabalho que se
buscará explicar as especificidades políticas, econômicas e institucionais dos
dois países, mas principalmente do da Grécia. Já na terceira e última seção,
intitulada “O risco moral existente entre Alemanha e Grécia” encerra-se, então,
o terceiro capítulo discutindo sobre o atual problema de risco moral entre
Alemanha e Grécia no que concerne, principalmente, à dificuldade do
pagamento das dívidas públicas.
3.1. União Europeia: princípios, evolução e consolidação
Foi apenas em 1994 que, através da integração monetária, a União
Europeia conseguiu completar o seu último estágio evolutivo para se tornar a
51
integração econômica total10 como é conhecida até os dias de hoje. Entretanto,
a formação das bases da União Europeia (UE) remonta aos tempos da II
Guerra Mundial e, como em qualquer evolução institucional, demorou anos
para se aprimorar, se transformar e, então, se consolidar.
Como visto no Capítulo 1 deste trabalho, a definição de Douglas North
(2001) para a Nova Economia Institucional é de “regras do jogo” ou, definindo
mais formalmente, é uma sociedade capaz de formalizar as suas limitações por
meio de acordos que possibilitam, então, a interação humana. No caso da
União Europeia, esta definição perfeitamente se encaixou em muito devido ao
contexto histórico que a região europeia se encontrava quando as primeiras
ideias de uma região integrada começaram a surgir: a do pós-guerra.
Com o fim da II Guerra Mundial um novo ambiente político, agora
focado na cooperação e integração, emergiu na mentalidade europeia.
Obviamente, esta nova interpretação foi resultado dos devastadores estragos
da guerra e, a partir de então, um novo entendimento geral de que se fosse
possível tomar medidas que pudessem evitar uma nova guerra, estas deveriam
ser desenvolvidas e postas em prática. Foram destes princípios de cooperação,
integração e mútua ajuda que começaram a aparecer as primeiras regras de
um novo jogo, intitulado anos mais tarde de União Europeia.
Ainda que moldada por um pensamento puro e verdadeiro de não
deixar que os horrores da II Guerra Mundial ocorressem novamente, é
importante relembrar que a criação de novas instituições no período pós-guerra
só foi de fato possível graças aos vantajosos interesses econômicos, objetivo
central do sistema capitalista. E, de fato, no caso europeu, a presença desta
característica não foi exceção.
Desta maneira, mais uma vez, o viés institucionalista, que na Nova
Economia Institucional busca priorizar os impactos das instituições no âmbito
do desempenho econômico, se adéqua ao entendimento da formação dos
pilares da União Europeia. Ao mesmo tempo, é válido também ressaltar que,
10
Uma integração econômica total é caracterizada quando seus países membros adotam uma
moeda comum, unificam a sua política fiscal e monetária e dividem o controle da política
econômica entre si.
52
embora sejam os interesses econômicos a força motriz da evolução das
instituições, de nada impede que estas mesmas instituições, criadas com um
propósito puramente econômico, não possam se desenvolver como instituições
justas, igualitárias e inclusivas. Como expresso por Karine de Souza Silva e
Rogério Santos da Costa em seu livro Organizações Internacionais de
Integração Regional: União Europeia, Mercosul e UNASUL (2013, p. 50-1) se,
inicialmente, estas instituições emergentes foram criadas para atender fins
econômicos, posteriormente, estas mesmas instituições “passaram a receber
demandas de diversas índoles, como educação, saúde, meio ambiente, direitos
humanos, etc”.
Adotando o nome União Europeia apenas em 1993 com a assinatura
dos países membros do Tratado de Maastricht11, o seu nascimento formal
ocorreu em 1950 quando Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, França e
Alemanha (Os Seis) se juntaram para organizar uma instituição supranacional
com os propósitos de (1) reerguer a economia, (2) afastar o perigo do
socialismo e (3) evitar novos conflitos (COSTA e SILVA, 2013). Em um
documento intitulado Declaração de 9 de maio de 1950, Jean Monnet 12 moldou
os primeiros contornos do que décadas depois representaria o maior nível de
integração feita pelo homem até o presente momento.
Pelo fato de ter-se levado mais de cinquenta anos para a total
unificação financeira, social e monetária da União Europeia como esta é
conhecida hoje e, pelo fato deste trabalho não querer focar na sua evolução
cronológica de eventos isolados, mas sim, na evolução histórica de formação e,
principalmente, de funcionamento de específicas e essenciais instituições que
11
Conhecido como o Tratado da União Europeia (TUE), o Tratado de Maastricht foi um acordo
o
que começou a entrar em vigor em 1 de novembro de 1993. Apesar de ter introduzido
importantes inovações para o grupo europeu e, principalmente, para as suas instituições, que
naquela época começavam a se mostrar defasadas das reais necessidades da sociedade
europeia, a sua ratificação foi resultado de muita discussão e tensão nos parlamentos de cada
país membro, sendo o ápice desta tensão a reprovação do Tratado pelo referendo popular
realizado em 2 de junho de 1992 na Dinamarca. Apenas em 18 de maio de 1993 que, mediante
mudanças (principalmente na área da defesa), o Tratado de Maastricht foi aceito pela
população dinamarquesa. De acordo com OLIVEIRA (2000, p. 117-120) ele “constituiu o mais
importante instrumento de reformas dos Tratados fundadores da Comunidade”.
12
Jean Monnet foi um político francês que ficou mundialmente conhecido como “o arquiteto da
construção comunitária” e que teve um papel decisivo para a formulação dos pilares da União
Europeia na década de 1950 (COSTA e SILVA, 2013).
53
possibilitam a circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, foi decidido
introduzir a este trabalho um quadro cronológico (Anexo D), retirado do livro de
Pascal Fontaine, A União Europeia (1995), que retrata, individualmente, os
principais eventos, acordos econômicos e políticos que possibilitaram a
maturação do bloco econômico europeu.
Antes de se iniciar a descrição do funcionamento das principais
instituições da União Europeia, algumas ressalvas devem ser feitas sobre os
ideais jurídico-políticos, presentes em todas elas. Também, é importante deixar
claro que as instituições acima citadas como a base da União Europeia não
são as únicas instituições do bloco europeu, mas sim as que exercem maior
poder para tomar decisões e manter o bloco em pleno funcionamento. Como
notado por Karine de Souza Silva e Rogério Santos da Costa (2013) uma série
de órgãos consultivos, órgãos financeiros e de agências como, por exemplo, o
Comitê Econômico Social, o Comitê das Regiões e o Banco Europeu de
Investimentos, também existem para facilitar a administração do bloco europeu.
Entende-se por ideais jurídico-políticos o acesso e ingerência de
instituições supranacionais em um determinado país que, de modo consciente,
abre mão de parte da sua autonomia e garante, juridicamente, a validade desta
nova situação a fim de promover uma maior liberalização do comércio entre os
países membros e uma maior participação dos países membros no comércio
internacional (COSTA e SILVA, 2013). No caso da evolução institucionalista da
União Europeia como um todo, o seguinte trabalho adotará como marco inicial
desta trajetória a assinatura do Tratado de Paris13 em 18 de abril 1951 e, como
encerramento da sua analise no que concerne a consolidação das suas
instituições do modo em que estas são conhecidas até hoje, a assinatura do
Tratado de Lisboa14 em 13 de dezembro 2007. Observe o que Karine de Souza
Silva e Rogério Santos da Costa (2013, p. 65) dizem a respeito da formulação
13
O Tratado de Paris foi o tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(CECA). Seu objetivo era criar os primeiros fundamentos de uma unidade europeia pacífica e
próspera (How the European Union Works, 2014).
14
O Tratado de Lisboa foi um tratado que simplificou os métodos de votação da União
Europeia, criou novos cargos (como, por exemplo, o do Presidente do Conselho Europeu),
além de ter introduzido novas estruturas que possibilitaram uma ascensão do bloco como um
ator global de importância fundamental (How the European Union Works, 2014).
54
de uma Organização Internacional supranacional que serviu como base para o
contorno dos princípios da União Europeia:
O meio idealizado pelo mentor do Plano Shuman para
alcançar os fins propostos era a integração consubstanciada
juridicamente através da formação de uma Organização
Internacional supraestatal. Mas essa OI [Organização
Internacional] não se limitaria a promover a cooperação entre
os seus membros. Ela receberia parcelas de soberania os
Estados para administrar interesses comuns de maneira mais
eficaz. Tratava-se de um novo modelo que patenteava, desde
logo, um perfil diferenciado, inusitado.
Ainda que não seja o foco deste trabalho discutir individualmente cada
um dos acordos, demonstrados no quadro de Pascal Fontaine (Anexo D),
chama-se a atenção para a crescente quantidade de acordos comerciais feitos
durante o processo de aprofundamento e integração dos países. Foi apenas
através da fusão de interesses econômicos comuns que se tornou possível
estruturar, política e juridicamente, instituições capazes de administrar várias
soberanias simultaneamente. Dentre estas novas instituições emergentes, as
consideradas essenciais neste trabalho são: a Comissão Europeia, o Tribunal
de Justiça da União Europeia, o Conselho de Ministros, o Conselho Europeu, o
Tribunal de Contas, o Banco Central Europeu e o Parlamento Europeu que,
conforme expresso por Karine de Souza Silva e Rogério Santos da Costa
(2013, p. 121), possibilitaram na sua criação não apenas a organização da
situação interna, mas, também, a organização da situação externa no que diz
respeito às negociações comerciais e interações entre os países.
As Instituições da União Europeia (UE) nasceram para
viabilizar a concretização dos objetivos da organização
internacional que estão encaixados em amplo leque que
comporta tanto ações de caráter interno como externo.
Assim como na visão institucionalista, estas instituições acima citadas
como essenciais para o funcionamento do bloco econômico europeu aparecem
em certos momentos atrasadas em relação a uma fidedigna representação e
adequabilidade das reais situações do seu tempo vigente. Entretanto, as suas
55
várias transformações e melhorias ocorridas ao longo do tempo são uma
mostra de que instituições não só podem, mas devem sofrer constantes
mudanças se não quiserem ser consideradas ultrapassadas, inadequadas e,
muitas vezes, taxadas como um fator retardador do progresso.
Por ter-se assumido que as instituições base da União Europeia
sofreram melhorias ao longo do tempo para melhor se adequar às situações
vigentes – sendo o Tratado de Lisboa o mais recente e significativo deles -,
pode-se considerar, portanto, que todas estas instituições acima citadas se
classificam como organizações inclusivas, uma vez que respeitaram os quatro
fundamentos básicos, vistos outrora no Capítulo 1, para se considerar uma
instituição inclusiva (segurança da propriedade privada, sistema jurídico
imparcial; livre entrada de novas empresas e livre escolha da profissão e série
de serviços públicos que possibilitam condições de igualdade).
No caso específico da União Europeia, as suas instituições chamam
ainda mais atenção pelo fato de elas não lidarem apenas com divergentes
interesses de diferentes classes sociais de um único país, mas sim pelo fato
dela lidar e negociar com interesses de países que culturalmente são diferentes
entre si e que, ainda que com todas as adversidades encontradas na sua
administração e gestão, continua mantendo unido 28 países. O Quadro 1
abaixo mostra os atuais membros da União Europeia com as suas respectivas
datas de adesão ao bloco:
56
QUADRO 1 – CALENDÁRIO DE ADESÃO DOS PAÍSES MEMBROS DA UE.
Alemanha
Bélgica
França
Itália
Luxemburgo
Holanda
Dinamarca
Irlanda
Reino Unido
Grécia
Espanha
Portugal
Áustria
Finlândia
1952
1952
1952
1952
1952
1952
1973
1973
1973
1981
1986
1986
1995
1995
Suécia
Chipre
Eslováquia
Eslovénia
Estónia
Hungria
Letônia
Lituânia
Malta
Polônia
República Tcheca
Bulgária
Roménia
Croácia
1995
2004
2004
2004
2004
2004
2004
2004
2004
2004
2004
2007
2007
2013
FONTE: europa.eu (18/01/2015).
Por tais razões descritas acima, a União Europeia representa o maior
estágio de interação econômica, social, política e cultural que o homem já foi
capaz de organizar e, portanto, se bem estudada, ela pode servir como
referência para a criação e melhoria de muitos outros blocos econômicos que
ainda se encontram em discussão, em processo de implantação ou em pleno
impasse. Entretanto, ainda que usado como referência, o bloco econômico
europeu não pode ser simplesmente “copiado e colado” em outra realidade que
também busque o sucesso do seu bloco econômico. Como a corrente
institucionalista já adiantou ao leitor no Capítulo 1, “a situação de hoje modela
as instituições de amanhã” (VEBLEN, 1965, p. 179) e, portanto, o
desenvolvimento histórico das sociedades de acordo com as suas próprias
necessidades devem divergir de país para país. Novamente, a ressalva de que
as especificidades históricas, culturais e econômicas de um determinado país
devem ser consideradas na implementação de qualquer acordo econômico é
essencial para que este se torne um dia eficiente.
Agora cabe saber se, em cenários de dificuldade como, por exemplo,
os enfrentados em 2005 durante a recusa de uma Constituição para a Europa e
dos impactos econômicos e sociais da crise financeira de 2008, o continente
57
europeu e suas instituições continuarão evoluindo para melhor se adaptarem
aos novos desafios ou se eles passarão a adotar medidas compulsórias que,
além de estarem se mostrando ineficientes, mostram-se contrárias aos ideais
que originaram o bloco há mais de meio século. Para tanto, começa-se a
analisar individualmente as principais funções das sete instituições bases da
União Europeia.
3.1.1 A Comissão Europeia
Desde a década de 1960, a Comissão Europeia já era considerada
formalmente uma Instituição e, hoje, ela também é conhecida como o motor da
integração já que cabe a ela “[...] trabalhar para garantir aos Estados-Membros
a certeza de que seus pares estão sujeitos às mesmas prerrogativas e deveres
[...]” (COSTA e SILVA, 2013, p. 152).
Oscilando seus poderes entre as esferas legislativa e executiva, a
Comissão Europeia expressa o interesse geral da União Europeia e, entre as
suas principais funções têm-se: a ratificação de acordos internacionais de
comércio, a representação do bloco mediante organizações internacionais, a
de gestor de missões diplomáticas, a de negociador com demais países no que
diz respeito às futuras inclusões de novos países na União Europeia. Apesar
de orquestrar estas e muitas outras funções, como notado por Karine de Souza
Silva e Rogério Santos da Costa (2013, p, 151):
A Comissão exerce uma espécie de poder legislativo
delegado através da iniciativa de atos normativos – decisões,
diretivas, regulamentos, recomendações, e pareceres – que
são deliberados pela forma colegiada, já que suas
competências, legalmente atribuídas, pertencem ao coletivo
dos seus membros.
3.1.2 O Tribunal de Justiça da União Europeia
O Tribunal de Justiça da União Europeia exerce o poder jurisdicional do
bloco europeu e, conforme exposto no guia The European Union explained:
How the EU Works (2014, p.24), cabe a ele assegurar uma interpretação
58
igualitária para todas as partes sob qualquer que seja as circunstâncias.
Também é dever do Tribunal de Justiça da União Europeia conferir a
legalidade das ações tomadas pelas demais instituições da União Europeia e
assegurar que os países membros irão cumprir com as suas obrigações.
Ele é formado por um juiz de cada país membro e por seis advogadosgerais e, por ser responsável pelo julgamento de muitos processos, é dividido
em duas partes: o Tribunal Geral e o Tribunal da Função Pública Europeia.
Enquanto que o primeiro cuida de ações particulares como, por exemplo,
pessoas físicas, empresas e algumas organizações, a segunda cuida das
pendências ocorridas entre as instituições da UE.
A criação de um Tribunal de Justiça Europeu se deu em 1952 e foi
fundamentada pela visão de que este deveria ser implementado como uma
“tentativa de garantir a aplicação uniforme do Direito no espaço comum”
(COSTA e SILVA, 2013, p. 153). Em outras palavras: a criação de um Tribunal
de Justiça da União Europeia nasce para evitar futuros problemas causados
pela falta de um julgamento igualitário entre os países membros do bloco e,
portanto, exerce papel fundamental para o mantimento dos pilares da União
Europeia.
3.1.3 O Conselho de Ministros
O Conselho de Ministros, também conhecido como Conselho da União
Europeia, é formado por um ministro de cada país membro do bloco europeu.
Estes se reúnem para adotarem uma legislação e assegurar uma coordenação
das políticas do bloco. Entretanto, os membros não são permanentes uma vez
que, cada vez que o Conselho se reúne, o país membro decide enviar o
ministro responsável pelo domínio político do tema que será discutido.
Com a exceção do encontro dos ministros dos negócios estrangeiros –
que é presidido pelo alto representante para os negócios estrangeiros e pela
política de segurança – as demais reuniões do conselho são presididas de
maneira rotativa pelo ministro de um determinado país membro e, até o
59
momento, a lista de presidentes já está estipulada para junho de 2020, como
pode ser observado no Quadro 2 abaixo:
QUADRO 2 – PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS.
Presidência do Conselho de Ministros
Ano
Jan-Jun
Jul-Dez
2014
Grécia
Itália
2015
Letônia
Luxemburgo
2016
Holanda
Eslováquia
2017
Malta
Reino Unido
2018
Estônia
Bulgaria
2019
Áustria
Romênia
2010
Finlândia
FONTE: How The European Union Works (2014, p. 15).
Dividido em dez diferentes tipos de Conselhos (1. Assuntos
estrangeiros; 2. Assuntos gerais; 3. Assuntos financeiros e econômicos; 4.
Assuntos de justiça; 5. Assuntos de emprego, política social, saúde e consumo;
6. Competitividade; 7. Transporte, comunicações e energia; 8. Agricultura e
pesca; 9. Meio ambiente; e 10. Educação, juventude, cultura e esportes), o
Conselho dos Ministros sempre buscará atingir os seus objetivos que, de
acordo com o site da União Europeia, são:
- Aprovar a legislação da UE;
- Coordenar as políticas econômicas gerais dos países da UE;
- Assinar acordos entre a UE e países terceiros;
- Aprovar o orçamento anual da UE;
- Definir as políticas externa e de defesa da EU; e
- Coordenar a cooperação entre os tribunais e as forcas policiais dos
países da EU.
3.1.4 O Conselho Europeu
Considerado como instituição apenas em 2009 com a ratificação do
Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu tem como objetivo impulsionar
politicamente a integração e definir as prioridades da União Europeia. É
60
considerado o nível mais alto no que diz respeito a criação de políticas
econômicas (policymaking) e seus encontros são conhecidos como summit, ou
seja, encontros de alto escalão. Sua sede é em Bruxelas e, há encontros
semestrais para a discussão das suas prioridades.
Seus poderes circulam apenas na área executiva do bloco econômico
europeu e, por isso, ele tem uma grande influência nas demais instituições
bases da União Europeia (COSTA e SILVA, 2013). Atualmente, ele é formado
pelos chefes de Estado dos governos membros, pelo presidente da Comissão
Europeia e pelo seu presidente, Donald Tusk, que assumiu a presidência em 1o
de dezembro de 2014 e tem previsão para o fim do seu mandato em 31 de
maio de 2017.
Apesar ter tido a sua oficialização como instituição há pouco tempo, o
Conselho Europeu exerce suas funções desde 1961, quando foi realizada a
sua primeira reunião em Paris. Ainda que naquela época o Conselho Europeu
tivesse um status de órgão intergovernamental, ele já vinha mostrando
importância no que dizia respeito aos interesses dos países membros.
De acordo com o site oficial da União Europeia (29/12/2014), suas
principais funções são:
- Definir as direções e as prioridades políticas gerais; e
- Resolver assuntos que devido a sua sensibilidade ou complexibilidade
só podem ser resolvidos a partir de um âmbito intergovernamental.
3.1.5 O Tribunal de Contas
Criado em 1975 e com sede em Luxemburgo, o Tribunal de Contas da
União Europeia, como o seu próprio nome já indica, tem como objetivo
fiscalizar as finanças comunitárias garantindo uma boa gestão financeira.
Inicialmente, ele era considerado um órgão auxiliar, mas com a reforma
que o Tratado de Maastricht fez em 1992, ele foi elevado ao nível de uma
instituição - ainda que, de acordo com Karine de Souza Filho e Rogério Santos
da Costa (2013, p. 177), não tivesse havido mudanças substanciais nas suas
funções exercidas.
61
Esta elevação de nível em muito pode ser explicada pelo aumento da
preocupação que os países passaram a ter acerca das contas públicas. Entre
os seus representantes escolhem-se sempre indivíduos que outrora já tenham
trabalhado com fiscalização e/ou tenham conhecimento neste assunto (COSTA
e SILVA, 2013, p. 177-8).
Exercendo um poder administrativo, não cabe ao Tribunal de Contas
impor sanções para os países da União Europeia, entretanto, o mesmo divulga
frequentes relatórios de auditoria das contas públicas dos países-membros
para as Comissões e governos dos países europeus.
De maneira semelhante ao Banco Central Europeu, como uma
instituição econômica que busca a eficácia, o Tribunal de Contas deve ser
completamente independente das outras instituições, ainda que mantenha
contato com todas elas.
3.1.6 O Banco Central Europeu
Com sua sede estabelecida em Frankfurt, Alemanha, o Banco Central
Europeu tem como função assegurar a estabilidade dos preços e fazer a
gestão do euro a partir da definição e execução das políticas econômica e
monetária. Apesar de ter sido estabelecido em 1º de junho de 1998, o Banco
Central Europeu exerceu desde a sua criação um papel central para o
aprofundamento das relações econômicas dos países europeus. Considerado
como o capitão do eurosystem team coube a ele, em apenas sete meses,
conduzir a política monetária dos primeiros países que aderiram à união
monetária (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda,
Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal) como forma de dar continuidade ao
Tratado de Maastricht, marco da integração econômica. Para evitar posteriores
dúvidas, uma importante observação deve ser feita neste ponto do trabalho:
apesar de ter sido criado em 1999, o euro só passou a entrar, fisicamente, em
circulação em 1º de janeiro de 2002. Antes disso, ele era usado apenas para
referência cambial e transações internacionais.
62
Com uma atuação nos vinte e oito países da União Europeia independentemente de o país utilizar ou não o euro - o Banco Central faz parte
do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC).
Como descrito no site oficial da União Europeia (29/12/2014), por se
tratar de uma instituição “completamente independente”, o Banco Central
Europeu não pode receber instruções de qualquer outra instituição ou órgão.
The purpose of the European Central Bank (ECB) is to
maintain monetary stability in the euro area by ensuring low and
stable consumer price inflation. Stable prices and low price
inflation are considered vital for sustained economic growth as
they encourage enterprises to invest and create more jobs —
thus raising living standards for Europeans. The ECB is an
independent institution and takes its decisions without seeking
or taking instructions from governments or other EU institutions.
(EUROPEAN COMISSION, 2014, p. 26)15.
Sua estrutura atualmente é dividida em três partes: a da Comissão
Executiva, a do Conselho do Banco Central Europeu e a do Conselho Geral.
Enquanto que a Comissão Executiva é responsável pela gestão executiva do
banco, cabe ao Conselho do Banco Central Europeu definir a política monetária
e fixar as taxas de juros e ao Conselho Geral participar no suporte para a
adesão de futuros novos membros.
Dentre as suas principais funções, listadas no site da União Europeia
(29/12/2014), encontram-se:
- A responsabilidade pela fixação das taxas de juros;
- A administração das reservas de divisas com consequente
mantimento das taxas de câmbio em níveis aceitáveis;
- A supervisão das instituições e mercados financeiros; e
- O acompanhamento da evolução dos preços;
15
“O propósito do Banco Central Europeu é de manter a estabilidade monetária na área do
euro através do asseguramento de baixos e estáveis preços de inflação para o consumidor.
Preços estáveis e baixa inflação são tidos como vitais para o mantimento do crescimento
econômico como medida de encorajamento dos empresários para investir e, então, criar mais
empregos - deste modo, aumentando o nível de vida dos europeus. O BCE é uma instituição
independente e toma as suas decisões sem visar receber instruções de governos e quaisquer
outras instituições da EU”.
63
3.1.7 O Parlamento Europeu
Representa os cidadãos e utiliza-se do voto direto dos indivíduos com
mais de 18 anos (e, no caso da Áustria, 16) para escolher os seus
representantes.
O Parlamento Europeu conhecido como hoje é uma junção da
Assembleia Parlamentar da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA)
e da Assembleia Parlamentar, conjunto das antigas Comunidade Econômica
Europeia (CEE) e Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA). A
primeira reunião de um único Parlamento Europeu ocorreu em 1958 e,
atualmente, a sua sede se encontra em três regiões: Estrasburgo, Bruxelas e
Luxemburgo (COSTA e SILVA, 2013).
Atualmente, o Parlamento Europeu é composto por 750 eurodeputados
e seu presidente. Cada um deles tem um mandato de cinco anos e eles devem
estar reunidos um dos sete grupos existentes do PE (Grupo do Partido Popular
Europeu, Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no
Parlamento Europeu, Grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela
Europa, Grupo dos Verdes ou Aliança Livre Europeia, Conservadores e
Reformistas Europeus, Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia ou
Esquerda Nórdica Europeia e Europa da Liberdade e da Democracia) ou a
algum outro grupo independente (COSTA e SILVA, 2013).
Seguindo
critérios
demográficos,
a
quantidade
mínima
de
parlamentares é seis e, como observado no Quadro 3, que representa a
quantidade de parlamentares obtida por país membro em 2014, não há
nenhum país que tenha um número inferior a este. Também, para facilitar a
votação de projetos e leis, há atualmente a permanência de vinte Comissões
que, divididas entre temas, realizam temas e pesquisas sobre um determinado
assunto.
64
QUADRO 3 – QUANTIDADE DE PARLAMENTARES DE ACORDO COM O
PAÍS.
Alemanha
Áustria
Bélgica
Bulgária
Chipre
Croácia
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Grécia
96
18
21
17
6
11
13
13
8
54
6
13
74
21
Holanda
Hungria
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Polônia
Portugal
Reino Unido
República Tcheca
Romênia
Suécia
26
21
11
73
8
11
6
6
51
21
73
21
32
20
FONTE: How The European Union Works, 2014, p. 9
De acordo com o site da União Europeia (29/12/2014), suas principais
funções são:
- Debater e aprovar a legislação da EU juntamente com o Conselho
Europeu;
- Exercer controle sobre instituições menores, nomeadas Comissões; e
- Debater e aprovar o orçamento da União Europeia, também,
juntamente com o Conselho Europeu.
3.2 Uma breve história do pós II Guerra Mundial: comparações de
especificidades entre Grécia e Alemanha
Membro do que seria futuramente conhecida como União Europeia, a
Grécia teve a sua oficial entrada na Comunidade Econômica Europeia (CEE)
em 1º de janeiro de 1981 quando, posteriormente à entrada de Portugal e da
Espanha em 1986, simbolizou uma nova era de estabilidade no continente
europeu via consolidação de
sistemas democráticos e da restauração do
Estado de Direito (COSTA e SILVA, 2013, p. 94). Enquanto que a sua
solicitação para a entrada na Comunidade Europeia se deu em junho de 1975,
65
ou seja, um ano após o fim da sua ditadura, foi apenas depois de seis anos
que, em 1º de janeiro de 1981, a Grécia passaria a ser oficialmente o mais
novo integrante do grupo da CEE. Como notado por Oliveira (2000, p. 108),
esta espera de seis anos ocorreu devido a sua transação política para uma
democracia parlamentarista e marcou o fim das ditaduras e redemocratização
dos países do Sul da Europa.
De acordo com Karine de Souza Silva e Rogério Santos da Costa
(COSTA e SILVA, 2013, p. 94), juntamente com Espanha e Portugal, a entrada
da Grécia ao bloco econômico europeu não apenas tinha o caráter de reinstalar
e consolidar sistemas democráticos na Europa, mas de, também, controlar
novos tipos de fluxos comerciais – principalmente no mar Mediterrâneo - e de
intensificar o comércio com outras regiões, sendo os principais exemplos dessa
intensificação, a região do Magreb (Marrocos, Argélia e Tunísia) e a África
Subsaariana.
Especificamente no caso da Grécia, o país vivenciou após o fim da II
Guerra Mundial uma séria de instabilidades políticas que ficaram marcadas
pelo enfrentamento entre os partidos conservador e socialista. Posteriormente,
juntas militares, apoiadas pelo partido conservador e pelo governo dos Estados
Unidos,
instalaram
por
anos
uma
ditadura
no
país.
Este
período,
correspondente entre os anos de 1967 e 1974, foi marcado por muitas revoltas
e golpes de Estado e ficou conhecido como a ditadura dos coronéis.
Do lado da Alemanha, a história do seu pós II Guerra é bem conhecida
e estudada e, em muitos aspectos, vai de encontro com a própria história da
evolução da União Europeia vista na seção anterior.
Com o fim da II Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida pelas quatro
potências vencedoras (EUA, França, Inglaterra e União Soviética) em quatro
zonas de ocupação que, devido às divergências entre os Aliados para se obter
uma política econômica que satisfizesse a todos, ficou até 1947, quando houve
a instauração do Plano Marshall na Europa16, sendo submetida ao que a
16
Plano Marshall: plano de ajuda para a reconstrução da Europa oferecido pelos EUA em
1947. Ao todo, o Plano Marshall liberou para o continente europeu uma quantia de 17 bilhões
de dólares e o seu objetivo consistia na compra de combustíveis, máquinas, veículos, matérias-
66
Deutsche Welle17 (04/01/2015) chamou de “quatro ações prioritárias na
Alemanha”. Estas eram: (1) desnazificar, (2) desmilitarizar, (3) descentralizar a
economia e (4) reeducar os alemães para a democracia. Como afirmado por
Oliveira (2000, p. 89), a introdução do Plano Marshall em território alemão só
se deu em 1949, ano em que a Alemanha ingressou na Organização Europeia
de Cooperação Econômica (OECE) e as quatro zonas de ocupação passaram
a ficar limitadas em apenas duas: o lado ocidental capitalista e o lado oriental
socialista. A partir de então a parte ocidental capitalista, contemplada com a
ajuda do Plano Marshall, começou a se reerguer e a se recuperar,
principalmente, a partir do desenvolvimento industrial e, já em 1950, a
Alemanha passou a fazer parte do Conselho da Europa, embrião da União
Europeia. Décadas mais tarde, com a queda do Muro de Berlim em 9 de
novembro de 1989 e com o andamento para o colapso soviético, a Alemanha
pode, finalmente se reunificar e, ao apoiar incondicionalmente a entrada dos
países do leste Europeu à UE já nos anos 2000, ela conseguiu juntamente com
o bloco econômico europeu, se consolidar com uma potência global. (COSTA e
SILVA, 2013, p. 114-5).
Ainda que não tão conhecida como a história de reunificação e
recuperação alemã no pós II Guerra Mundial, a história da Grécia no seu pósguerra chama a atenção pelas rápidas mudanças e pelo pouco tempo de
adaptação que as estruturas política e econômica tiveram no seu período de
redemocratização e, pelos motivos acima explicados, seis anos após a sua
mudança de forma de governo, a Grécia já se encontrava presa a um bloco
econômico que, embora trouxesse muitos benefícios econômicos, não foi
capaz de oferecer tempo suficientemente necessário para a própria população
grega e, consequentemente, para as suas próprias instituições e economia se
adequarem a sua nova situação política.
Como argumentado por Pantelis Sklias e Georios Maris (2013, p. 3) em
um estudo intitulado The political dimension of the Greek financial crisis, a crise
primas, alimentos, fertilizantes etc. Foi posto em prática devido à preocupação estadunidense
de que o comunismo poderia se espalhar pelo continente europeu (OLIVEIRA, 2000).
17
Deutsche Welle: empresa de radiodifusão alemã com sede em Berlim e que tem por missão
levar à Alemanha as notícias ocorridas na Europa e no mundo promovendo a troca de cultura.
67
na Grécia significou não apenas a má gestão das finanças públicas, mas
também a ausência de um modelo de governança mais abrangente que, então,
levou ao declínio econômico e à perda de competitividade. Para estes autores,
a atual crise na Grécia só será de fato bem analisada quando passar a ser vista
como resultado de uma construção institucional inadequada e de uma
decepcionante performance política durante os últimos 30 anos.
In order to capture the contemporary economic and
political reality in Greece, the Greek crisis should be analysed
as the result of inadequate institutional building and poor
political performance during the last 30 years. (MARIS e
SKLIAS, 2013, p. 5).
Segundo seu estudo, uma série de fatores teve participação essencial
para o desenvolvimento da crise na Grécia e, entre eles, os que mais chamam
a atenção são: o populismo e a corrupção.
Proveniente de um período ditatorial, os autores argumentaram que a
política desses governantes buscava o seu fortalecimento através de medidas
econômicas que muitas vezes não serviriam como soluções definitivas.
Somado ao caráter corrupto e oportunista da classe dominante, mesmo após o
fim da ditadura, estas ações – já perpetuadas na mentalidade grega –
continuaram a ser reproduzidas nos anos seguintes pelos vários governos.
Especificamente no viés econômico, os autores consideraram entre estas
principais medidas perpetuadas ao longo dos anos foram: a imprudente
expansão econômica baseada na manipulação do Estado e dos seus recursos
sem uma devida e estável cobrança tributária e o uso da contabilidade criativa,
classificada como um problema tipicamente de países em desenvolvimento.
Desta maneira, é possível notar que se, externamente, ao longo dos
anos a evolução das instituições gregas seguiu um caminho que ratificasse
uma união supranacional da União Europeia, internamente, a política adotada
pelas autoridades econômicas gregas implicou na gradual perda de dinamismo
econômico. De acordo com Karine de Souza Silva e Rogério Santos da Costa
(2013, p. 95-6), se quando inclusa na CEE, a economia grega consegui “dar
fôlego à economia europeia”, com o passar do tempo, o alargamento do bloco
68
europeu acabou por trazer uma série de problemas de desequilíbrios internos comumente conhecidas como regiões deprimidas - que afetaram áreas
consideradas essenciais para a economia grega como, por exemplo, a pesca, a
agricultura e a própria legislação trabalhista.
Se, por um lado, a sua presença de fato foi importante para simbolizar
o estabelecimento de uma nova fase no continente europeu, a negligência
ocorrida pelos dois lados do acordo para a sua aceitação no bloco europeu não
pode ser desconsiderada. Enquanto que os líderes europeus corriam contra o
tempo para pacificar um continente europeu capitalista, as autoridades gregas
não se esforçaram para corrigir falhas intrínsecas pertencentes à sua
sociedade.
Com a consolidação da paz e do sistema capitalista na Europa, a
negligência mais uma vez continuou a se perpetuar pelas duas partes do
contrato firmado em 1981. A piora das contas públicas grega e dos demais
países europeus pertencentes do acrônimo PIIGS18 foi, ano após ano,
acompanhada pelas autoridades europeias e por seus inúmeros relatórios
econômicos e, mesmo assim, até o estouro da crise de 2008, nenhuma medida
efetiva foi de fato tomada para corrigir os desequilíbrios destes países.
No caso da Alemanha, por esta já ter, desde o começo, se
reestruturado de acordo com os fundamentos que Monnet idealizou na década
de 1950 para a Europa, esta pode, ao longo do tempo, obter vantagens que
outros países, com menos tempo de adaptação, não tiveram. Com o passar do
tempo e com a junção de várias situações – sendo as principais: a crise
financeira iniciada nos Estados Unidos e a inadequabilidade das instituições e
suas normas para todos os países da União Europeia – culmina-se, então, no
atual problema de risco moral existente entre a Alemanha e a Grécia.
3.3 O risco moral existente entre Alemanha e Grécia
Considerado atual e presente nos mais diversos tipos de situações, o
risco moral é um assunto normalmente incluso em livros de microeconomia,
18
Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain)
69
ainda que as suas analises não se limitem a este campo da economia. Como
exposto por Pindyck e Rubinfeld (2012, p. 601), ele pode ocasionar desvios de
eficiência de mercado e, assim como a seleção adversa, o risco moral está
incluso no tema de informações assimétricas.
Entende-se por informações assimétricas situações em que uma das
partes de um determinado acordo não tem acesso a toda informação
disponível. Em outras palavras: “alguma das partes possuem mais informações
do que outras” (PINDYCK e RUBINFELD, 2002, p. 601).
O problema do risco moral é uma consequência da informação
assimétrica e, diferentemente da seleção adversa, que considera a cobrança
de um prêmio antes de um acordo ser selado, o risco moral ocorre
posteriormente ao fechamento de um contrato. Na sua analise há a separação
dos membros do contrato em duas partes: a parte do principal e a parte do
agente. Entende-se por principal a parte do contrato que precisa de mais
comprovações para se sentir mais seguro acerca do objetivo estabelecido
outrora com o fechamento do contrato e, por agente, entende-se a parte que
deve atingir os objetivos do principal. Juntos, agente e principal representam o
problema da relação agente-principal (PINDYCK e RUBINFELD, 2002, p. 617).
É relevante ressaltar que, conforme exposto por Pindyck e Rubinfeld
(2002, p. 601) em seu livro Microeconomia, “as informações assimétricas
explicam a razão de muitos arranjos institucionais que ocorrem em nossa
sociedade”.
Isto porque, percebendo o risco de que algo pode não ser
cumprido por uma das partes do contrato, as decisões tomadas pela parte
prejudicada passam a ser feitas com o objetivo de ratificar o que antes havia
sido estabelecido.
Outra característica que diz respeito ao tema da informação
assimétrica é associada ao envio de sinais e este pode ser entendido como
uma comprovação/garantia que o agente que dispõe de mais informação
oferece ao agente menos informado, ou seja, ao principal, como maneira de
assegurar a sua credibilidade em relação à qualidade do seu produto qualquer que seja este.
70
No presente trabalho será utilizado como exemplificação das partes de
um contrato já fechado dois países europeus, membros de um mesmo bloco
econômico e com opostas situações econômicas. São eles: Alemanha e
Grécia.
Também,
deve-se
deixar
claro
que
será considerado
como
tratado/acordo a entrada destes dois países na União Europeia e,
consequentemente todas as normas, regras e leis usadas para todos os países
membros do bloco, sendo as principais delas já explicadas na parte 3.1 deste
capítulo.
Uma especial atenção será dada às cláusulas do Pacto de Estabilidade
Fiscal, assinado em Bruxelas em 02 de março de 2012, quando os países
membros da União Europeia – com a exceção do Reino Unido e República
Tcheca – o assinaram a fim de equilibrar as contas públicas e evitar futuras
crises de dívida.
Representando cada um destes países os dois tipos de economias
existentes no continente europeu (marked financialization e extraverted
accumulation), Alemanha e Grécia atualmente são os dois representantes mais
latentes de antagônicas situações existentes entre economias de um mesmo
bloco econômico. Enquanto que o primeiro, ainda que com suas dificuldades,
está cumprido aquilo proposto nos acordos de responsabilidade fiscal, o
segundo mal consegue rolar a sua dívida pública.
Entende-se por responsabilidade fiscal os vários acordos confirmados
pelos países membros do grupo europeu para manter o equilíbrio fiscal e,
assim, uma boa gestão das suas contas. No caso da União Europeia, a mais
recente e significativa mudança ocorreu em 2012 com a assinatura do Pacto de
Estabilidade Fiscal, que começou a entrar em vigor em 1º de janeiro de 2013.
Tendo seu conteúdo aprovado pelo Conselho Europeu, esta instituição seguiu
executando a sua função de definir as prioridades do bloco europeu e, assim,
consolidou a preocupação dos governos para com os seus níveis de
endividamento. De acordo com site oficial da Comissão Europeia: “the Stability
and Growth Pact (SGP) is a set of rules designed to ensure that countries in the
European Union pursue sound public finances and coordinate their fiscal
71
policies”19 (05/02/2015) e, entre as suas principais considerações, tem-se a
fixação de um teto de 3% para o déficit do PIB anual e a multa até 0,2% do PIB
para aqueles países que não o cumprirem. Obviamente, a multa não é aplicada
como primeira alternativa de punição e, anteriormente a ela, uma série de
sanções econômicas são tomadas como maneira de advertência.
Como exposto na reportagem do G1 (05/02/2015) “este novo tratado foi
exigido por Berlim em troca de manter sua solidariedade financeira com os
países mais frágeis da Eurozona” e, portanto, significou uma mudança de
postura da Alemanha para com os países que não conseguirem alcançar as
regras pré-estabelecidas no Pacto de Estabilidade Fiscal, além de, em última
instância, poder significar o fim do auxílio alemão às economias europeias.
Como sabido, não foi este o caso e, especificamente na Grécia, esta se
submeteu a pesados cortes no seu orçamento para reforçar o seu
comprometimento na melhoria das contas públicas e, então, tentar restaurar a
sua credibilidade no mercado. Foi apenas dessa maneira que o governo grego
pode receber desde 2009 dois pacotes de socorro financeiro.
Pondo este acontecimento na perspectiva do risco moral, percebe-se
que a Alemanha, país em melhor situação econômica e maior credora do
governo grego, assumiu o papel de principal, enquanto que a Grécia assumiu
papel de agente.
A exigência de que não apenas a Grécia, mas de que todos os demais
países em pior situação econômica se comprometessem a assinar acordos que
ratificassem a sua boa vontade no mantimento da boa gestão das contas
públicas para não prejudicar o funcionamento do resto do bloco foi a maneira
de a Alemanha se sentir, senão mais otimista, pelo menos mais segura para
realização de novos resgates aos países mais endividados, tidos como
essenciais para a manutenção da zona do euro e da União Europeia.
Novamente, no caso específico da Grécia, esta ajuda necessariamente
implicou no corte de milhares de empregos e uma forte recessão econômica,
19
“O Pacto de Estabilidade Fiscal é uma série de regras intencionalmente propostas para
assegurar que os países membros da União Europeia busquem uma sólida finança pública e
uma coordenação das suas políticas fiscais”.
72
entretanto, como participante do bloco econômico e, consequentemente, como
signatária dos seus acordos, não restou outra opção de que senão aceitar.
Enquanto que a Alemanha, através do uso de uma política econômica
que busca essencialmente superávits, está conseguindo recuperar a sua
economia, a Grécia, sem opções de políticas monetária e cambial, tenta se
recuperar as suas finanças através do uso de uma rígida e forçada política
fiscal contracionista. Como notou Philip Arestis em seu artigo intitulado A
tragédia grega e a crise na zona do euro, presente no livro A crise financeira
internacional: origens, desdobramentos e perspectivas:
A política econômica conservadora da zona do euro é
responsável não somente pela perda de competitividade da
economia grega (pelo menos parcialmente), como também
pelo mal desempenho exportador da Europa. Isto ocorre em
virtude de o Banco Central Europeu (BCE) preocupar-se
unicamente com o controle da inflação, inclusive em tempos de
severa recessão e alto desemprego (como os dos dias atuais).
(FILHO e PAULA, 2010, p. 86).
Atualmente,
sabe-se
que
a
Grécia
tem
uma
dívida
de
aproximadamente €320 bilhões e que boa parte dessa quantia foi emprestada
por bancos alemães, públicos e privados. Por este motivo, cabe ao governo
alemão, também pressionado pela sua própria população, tentar ao máximo
controlar a situação da economia grega e garantir o seu pagamento.
Com
a
vitória
do
partido
de
esquerda
radical
Synaspismós
Rizospastikís Aristerás, comumente conhecido como Syriza, uma nova etapa
de incerteza surgiu no continente europeu. O candidato vencedor, Aléxis
Tsípras, desde a sua campanha já deixava claro que não aceitaria mais as
políticas de austeridade impostas pelo programa de socorro da União Europeia
e Fundo Monetário Internacional e, desde o seu primeiro dia de governo em 26
de janeiro de 2015, começou a correr contra o tempo para uma renegociação
dos termos cobrados para futuros novos resgates.
Depois de muitas discussões e fortes tensões para se saber se a
Grécia permaneceria ou não na União Europeia e na zona do euro, faltando
pouco mais de uma semana para o vencimento do segundo programa de
73
ajuda, que expiraria em 28/02/2015, um novo acordo foi fechado entre os
membros dos governos alemão, grego e Troika20.
Este acordo, embora muito comemorado pelo mercado e pelas próprias
autoridades europeias, não significou e nem significará uma solução definitiva
para o caso da Grécia, mas o começo de mais uma etapa de iminentes
negociações. Sendo o novo acordo apenas uma extensão, por mais quatro
meses, da ajuda financeira à Grécia, ele teve o intuito de, além de garantir a
solvência do governo grego, tentar acalmar o mercado e as pessoas comuns
do ambiente de incerteza, claramente comprovada pela maciça retirada de
dinheiro dos bancos gregos e que já começava a pôr em risco a liquidez do seu
sistema financeiro. Além disso, as próprias farpas trocadas entre os vários
ministros durante as negociações do último pacote de resgate deixaram claro
que, mais que economicamente, a crise financeira de 2008 no continente
europeu se tornou uma crise de cunho político e que, portanto, para ser de fato
resolvida, precisará de acordos e alianças políticas entre agentes políticos de
distintas ideologias e nacionalidades.
20
Comitê constituído pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário
Internacional.
74
CONCLUSÃO
Preocupada não apenas com fatores puramente econômicos, mas,
também, com as causas e funcionamento de uma determinada instituição, a
visão institucionalista possibilita uma análise não apenas conjuntural, mas
estrutural do seu tema de estudo. Para tanto, ela busca principalmente nos
arranjos políticos - resultado das mais diversas relações históricas, culturais e
sociais de um povo - as reais causas de um problema e, por isso, se mostra
melhor capacitada para oferecer uma explicação mais precisa acerca da crise
financeira de 2008 no continente europeu.
Foi através do estudo dos arranjos políticos e das instituições
europeias que a corrente institucionalista conseguiu evidenciar uma forte
centralização econômica e política na estrutura das suas principais instituições
ao longo do tempo. Esta tendência centralizadora, além de ir contra aos
interesses iniciais do bloco europeu, possibilitou cada vez mais uma menor
liberdade dos seus membros para reivindicações de mudanças e, com a
chegada da crise financeira em meados de 2009 no continente europeu,
culminou-se, então, em uma situação onde a organização vigente não mais se
mostrava capaz para enfrentar os problemas que surgiam.
É, portanto, correto afirmar que a crise iniciada nos Estados Unidos,
resultado de um longo processo de internacionalização do capital, só se
transformou na crise da Europa devido (1) às especificidades da sociedade
europeia e (2) da maneira pela qual as suas instituições estavam organizadas.
Assumindo a premissa de Minsky para com a inevitabilidade de crises
do sistema capitalista, as instituições europeias falharam por justamente não
permitirem uma devida “margem de liberdade”, ou seja, soberania, aos países
enquanto nações individuais quando a economia já não se encontrava em
períodos de ciclos econômicos positivos.
Considerada robusta e vista como sinônimo de modelo de sucesso no
que diz respeito a integração, a União Europeia persistiu ao longo de mais de
sessenta anos com o equivocado pensamento de que, por mais difícil que se
75
fosse uma situação, juntos, os países membros poderiam encontrar uma
solução. Foi a partir deste pensamento de união, pilar da união europeia, que o
bloco europeu passou a adquirir um caráter cada vez mais rígido e austero
entre os seus membros. Estruturadas em uma formação onde qualquer tipo de
déficit no que se refira às contas públicas fosse cada vez mais repudiado, a UE
e a zona do euro criaram uma falsa sensação de proteção e os interesses
econômicos passaram a reger os interesses políticos.
Se, aparentemente, ela se mostrava preparada para até mesmo o pior
dos cenários, a crise financeira de 2008 se mostrou diferente de todas as
demais justamente pelo seu caráter não centralizador do seu poder de alcance.
Ainda que em diferentes intensidades, todos os países e regiões do mundo
foram mais ou menos afetados por ela e no caso da Europa, uma região central
e de estrema importância para o capital mundial, não seria exceção. Neste
contexto de internacionalização, rígida estruturação institucional para com a
administração das contas públicas e centralização das decisões econômicas
em instituições supranacionais que a crise na Europa se sustentou e emergiu.
Quando ela mostrou a sua verdadeira magnitude, a União Europeia, então com
vinte e oito membros, não conseguiu achar rapidamente uma solução única e
eficaz que satisfizesse a todos os seus membros.
Árduas para todas as partes envolvidas, as medidas contracionistas
postas em prática tiveram um maior peso nos países do acrônimo PIIGS que,
política e economicamente, já apresentavam falhas internas e únicas de
organização adquiridas pelas suas especificidades históricas.
No caso da Grécia e Alemanha, esta diferença entre os tipos de
economia pertencentes a cada uma delas (marked financialization e
extraverted accumulation, respectivamente) culminou em uma situação que
teóricos chamam de Risco Moral. A Alemanha, país em relativa melhor
situação econômica e, portanto, com maior poder de barganha, assumiu o
papel do principal e, por isso, obteve um poder de decisão que, teoricamente e
por definição dos ideais bases da EU (cooperação, integração e mútua ajuda)
não poderia ocorrer; já a Grécia, necessitando do auxílio financeiro e sem
opções de financiamento, assumiu a posição de agente e passou a ceder cada
76
vez mais na tomada de decisões do bloco europeu. Desta situação de “malestar entre os países”, ou seja, das suas diferenças econômicas, é que se
chegou a uma não oficial, mas evidente, polarização e hierarquização da UE.
Assumida a posição de liderança em um bloco econômico que em
teoria não deveria ter um único líder, é fato que a Alemanha também herdou a
difícil responsabilidade de manter um continente unido - muitas vezes através
do uso de medidas não tão populares assim. Com a padronização e
centralização das políticas fiscal e monetária no Banco Central Europeu, o
caráter independente das suas decisões é perdido quando a crise se chega na
Europa. Utilizando-se da sua relativa vantagem, Alemanha e, em menor grau,
Reino Unido, França e Holanda, passam a exercer uma hegemonia em relação
aos demais países e a pressioná-los a aceitar e aprovar em seus parlamentos
suas medidas de contenção da crise.
Entretanto, é importante notar a recente tendência de mudança e
diminuição das suas atuais vantagens para com os outros membros do bloco
europeu. Enquanto que, no começo da crise, a Alemanha se beneficiava,
sobretudo, do crescimento acelerado da economia chinesa para obter
superávits na sua balança de pagamentos, agora, com a esperada diminuição
do seu ritmo de crescimento para os próximos anos, até mesmo a economia
alemã passará a enfrentar maiores dificuldades para a manutenção do seu
crescimento econômico nos próximos anos.
Não se limitando apenas à esfera econômica uma série de outros
problemas secundários que emergiram da crise de 2008 começam a ganhar
força. Enquanto que a incerteza sobre a permanência da Grécia no bloco ainda
está em pauta e é dificultada pela rivalidade política dos governantes que
negociam os termos de um acordo de resgate, o risco da deflação já começa a
levar às autoridades políticas à adoção de medidas preventivas.
Mudanças nos diferentes âmbitos da sociedade europeia devem ser
feitas o quanto antes. Economicamente, os países precisam readquirir parte da
sua autonomia, sendo a política fiscal a mais urgente delas; politicamente, os
ideais jurídico-políticos precisam ser revistos e a volta do equilíbrio entre as
decisões dos membros tem de ser retomada o quanto antes; já socialmente, o
77
ressentimento entre as populações de uma nação para com as outras,
representadas em seus governos e no tratamento dos líderes uns para com os
outros, seja o maior e mais difícil desafio a ser superado.
Tendo sido organizadas ao longo do tempo de maneira cada vez mais
rígida e centralizadora, as instituições europeias já não são mais capazes de
permitir uma competição justa entre os seus membros e de, tampouco, criar
incentivos para o desenvolvimento igualitário na região.
Assumir essa falha estrutural não é de modo algum fácil e, por toda a
incerteza e temor do desconhecido, representadas em uma possível saída da
Grécia da União Europeia e do seu posterior impacto no continente europeu, é
que se faz de todo o esforço feito ainda justificável.
78
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83
ANEXOS
ANEXO A – Taxa de crescimento do volume do PIB (variação percentual em
relação ao ano anterior).
União Europeia
Zona do euro
Alemanha
Áustria
Bélgica
Bulgária
Chipre
Croácia
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Grécia
Holanda
Hungria
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Polônia
Portugal
Reino Unido
República Tcheca
Romênia
Suécia
2006 2007 2008
3,4 3,1 0,5
3,2
3
0,5
3,7 3,3 1,1
3,4 3,6 1,5
2,6
3
1
6,5 6,9 5,8
4,5 4,9 3,6
4,8 5,2 2,1
3,8 0,8 -0,7
8,3 10,7 5,4
5,7 6,9 3,3
4,2 3,8 1,1
10,4 7,9 -5,3
4,1 5,2 0,7
2,4 2,4 0,2
5,8 3,5 -0,4
3,8 4,2 2,1
4
0,5 0,9
5,5 4,9 -2,6
2
1,5
-1
11,6 9,8 -3,2
7,4 11,1 2,6
4,9 6,5 0,5
1,8
4
3,3
6,2 7,2 3,9
1,6 2,5 0,2
3
2,6 -0,3
6,9 5,5 2,7
8,1 6,9 8,5
4,7 3,4 -0,6
2009
-4,4
-4,5
-5,6
-3,8
-2,6
-5
-2
-7,4
-5,1
-5,3
-7,8
-3,6
-14,7
-8,3
-2,9
-4,4
-3,3
-6,6
-6,4
-5,5
-14,2
-14,8
-5,3
-2,5
2,6
-3
-4,3
-4,8
-7,1
-5,2
2010
2,1
2
4,1
1,9
2,5
0,7
1,4
-1,7
1,6
4,8
1,2
0
2,5
3
2
-5,4
1,1
0,8
-0,3
1,7
-2,9
1,6
5,1
3,5
3,7
1,9
1,9
2,3
-0,8
6
FONTE: Eurostat (13/01/2015).
2011
1,7
1,6
3,6
3,1
1,6
2
0,3
-0,3
1,2
2,7
0,6
-0,6
8,3
2,6
2,1
-8,9
1,7
1,8
2,8
0,6
5
6,1
2,6
2,2
4,8
-1,8
1,6
2
1,1
2,7
2012
-0,4
-0,7
0,4
0,9
0,1
0,5
-2,4
-2,2
-0,7
1,6
-2,6
-2,1
4,7
-1,5
0,3
-6,6
-1,6
-1,5
-0,3
-2,3
4,8
3,8
-0,2
2,5
1,8
-3,3
0,7
-0,8
0,6
-0,3
2013
0
-0,5
0,1
0,2
0,3
1,1
-5,4
-0,9
-0,5
1,4
-1
-1,2
1,6
-1,2
0,3
-3,9
-0,7
1,5
0,2
-1,9
4,2
3,3
2
2,5
1,7
-1,4
1,7
-0,7
3,4
1,3
84
ANEXO B – Taxa de desemprego (%)
União Europeia
Zona do euro
Alemanha
Áustria
Bélgica
Búlgaria
Chipe
Croácia
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Grécia
Holanda
Hungria
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
Dez/13 Jan/14 Fev/14 Mar/14 Abr/14 Mai/14 Jun/14 Jul/15 Ago/14 Set/14
10,6
10,6
10,5
10,4
10,3
10,3
10,2
10,1
10,1
10
11,8
11,8
11,8
11,7
11,6
11,6
11,5
11,6
11,5
11,5
5,1
5,1
5,1
5
5
5
5
5
5
5
5,1
5
5
4,9
4,9
5
5,1
5
5
5,1
8,4
8,4
8,4
8,4
8,4
8,4
8,4
8,6
8,6
8,6
12,8
12,5
12,2
12
11,7
11,6
11,5
11,5
11,5
11,5
16,5
15,7
15,7
16,2
16,1
16
16,1
16,2
16,3
16,3
17,1
17,4
17,5
17,5
17,3
17,1
16,9
16,9
16,8
16,7
7,1
7
7
6,6
6,4
6,4
6,5
6,6
6,6
6,5
14
13,9
13,8
13,7
13,5
13,4
13,3
13,2
13,1
12,9
9,9
10,2
10,3
10,1
9,7
9,5
9,5
9,6
9,7
9,7
25,6
25,5
25,2
25,1
24,9
24,7
24,5
24,3
24,2
24,1
8,5
8,3
7,9
7,7
7,8
7,4
7,3
7,5
7,6
7,4
8,4
8,4
8,4
8,5
8,5
8,6
8,6
8,6
8,7
8,8
10,2
10,1
10,1
10,1
10,1
10,1
10,2
10,3
10,4
10,3
27,3
27,2
27,2
27,1
27
26,9
26,7
26,3
26,3
26
7
7,1
7,3
7,2
7,2
7
6,8
6,7
6,6
6,5
8,7
8,1
7,9
7,8
8
8,1
8,1
7,9
7,6
7,3
12,1
12,1
12,1
11,9
11,8
11,7
11,5
11,3
11,2
11,1
12,5
12,7
12,7
12,6
12,6
12,6
12,5
12,8
12,7
12,9
11,5
11,4
11,4
11,4
10,8
10,8
10,8
10,7
10,7
10,7
11,3
11,5
11,6
11,6
11,5
11,4
11,4
10,3
9,8
9,7
(continua)
85
ANEXO B – Taxa de desemprego (%) (continuação)
Dez/13 Jan/14 Fev/14 Mar/14 Abr/14 Mai/14 Jun/14 Jul/15 Ago/14 Set/14
Luxemburgo
6
6
6
6
6
6
6
6
6
6
Malta
6,5
6,2
6,1
6
6
6,1
6
6,1
6
5,9
Polônia
10
9,9
9,8
9,6
9,4
9,2
9
8,8
8,6
8,5
Portugal
15,2
15,1
15,1
14,9
14,6
14,3
14,1
13,9
13,5
13,3
Reino Unido
7,1
6,9
6,7
6,6
6,4
6,3
6,2
6
5,9
5,9
República Tcheca
6,7
6,7
6,6
6,6
6,4
6,1
6,1
5,9
6
5,8
Romênia
7
7
7
7
6,9
6,9
7
6,8
6,8
6,7
Suíça
8
8,2
8,1
8
8,1
7,8
8
7,8
8
7,7
FONTE: Eurostat (13/01/2015).
86
ANEXO C – Taxa de inflação anual (%)
União Europeia
Zona do euro
Alemanha
Áustria
Bélgica
Búlgaria
Chipre
Croácia
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Grécia
Holanda
Hungria
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
2,5 2,1 2,3 2,3 2,3 2,4 3,7
1
2,1 3,1 2,6 1,5
2,3 2,1 2,2 2,2 2,2 2,2 3,3 0,3 1,6 2,7 2,5 1,3
1,4
1
1,8 1,9 1,8 2,3 2,8 0,2 1,2 2,5 2,1 1,6
1,7 1,3
2
2,1 1,7 2,2 3,2 0,4 1,7 3,6 2,6 2,1
1,6 1,5 1,9 2,5 2,3 1,8 4,5
0
2,3 3,4 2,6 1,2
5,8 2,3 6,1
6
7,4 7,6
12
2,5
3
3,4 2,4 0,4
2,8
4
1,9
2
2,2 2,2 4,4 0,2 2,6 3,5 3,1 0,4
2,5 2,4 2,1
3
3,3 2,7 5,8 2,2 1,1 2,2 3,4 2,3
2,4
2
0,9 1,7 1,9 1,7 3,6 1,1 2,2 2,7 2,4 0,5
3,5 8,4 7,5 2,8 4,3 1,9 3,9 0,9 0,7 4,1 3,7 1,5
7,5 5,7 3,7 2,5 2,5 3,8 5,5 0,9 2,1 2,1 2,8 1,9
3,6 3,1 3,1 3,4 3,6 2,8 4,1 -0,2
2
3,1 2,4 1,5
3,6 1,4
3
4,1 4,4 6,7 10,6 0,2 2,7 5,1 4,2 3,2
2
1,3 0,1 0,8 1,3 1,6 3,9 1,6 1,7 3,3 3,2 2,2
1,9 2,2 2,3 1,9 1,9 1,6 3,2 0,1 1,7 2,3 2,2
1
3,9 3,4
3
3,5 3,3
3
4,2 1,3 4,7 3,1
1
-0,9
3,9 2,2 1,4 1,5 1,7 1,6 2,2
1
0,9 2,5 2,8 2,6
5,2 4,7 6,8 3,5
4
7,9
6
4
4,7 3,9 5,7 1,7
4,7
4
2,3 2,2 2,7 2,9 3,1 -1,7 -1,6 1,2 1,9 0,5
2,6 2,8 2,3 2,2 2,2
2
3,5 0,8 1,6 2,9 3,3 1,3
2
2,9 6,2 6,9 6,6 10,1 15,3 3,3 -1,2 4,2 2,3
0
0,3 -1,1 1,2 2,7 3,8 5,8 11,1 4,2 1,2 4,1 3,2 1,2
(continua)
87
ANEXO C – Taxa de inflação anual (%) (continuação)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Luxemburgo
2,1 2,5 3,2 3,8
3
2,7 4,1
0
2,8 3,7 2,9 1,7
Malta
2,6 1,9 2,7 2,5 2,6 0,7 4,7 1,8
2
2,5 3,2
1
Polônia
1,9 0,7 3,6 2,2 1,3 2,6 4,2
4
2,7 3,9 3,7 0,8
Portugal
3,7 3,3 2,5 2,1
3
2,4 2,7 -0,9 1,4 3,6 2,8 0,4
República Tcheca 1,4 -0,1 2,6 1,6 2,1
3
6,3 0,6 1,2 2,1 3,5 1,4
Romênia
22,5 15,3 11,9 9,1 6,6 4,9 7,9 5,6 6,1 5,8 3,4 3,2
Suécia
1,9 2,3
1
0,8 1,5 1,7 3,3 1,9 1,9 1,4 0,9 0,4
Reino Unido
1,3 1,4 1,3 2,1 2,3 2,3 3,6 2,2 3,3 4,5 2,8 2,6
FONTE: Eurostat (12/01/2015).
88
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1946-1954)
1946
19 de setembro
Criação de um Conselho da Europa
1948
17 de março
16 de abril
Assinatura do Tratado de Bruxelas instituindo a União
Ocidental.
Criação da Organização Europeia de Cooperação
Econômica (OECE).
1949
4 de abril
5 de maio
Assinatura em Washington do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN).
Assinatura do Estatuto do Conselho da Europa.
1950
Robert Schuman, ministro francês dos Negócios
Estrangeiros, propõe num discurso inspirado por Jean
9 de maio
Monnet, por em comum os recursos do carvão e do
aço da França e da República Federal da Alemanha
numa organização aberta aos outros países.
26 de outubro
René Pleven expõe um plano de exército europeu.
1951
Os Seis (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, França
18 de abril
e Alemanha) assinam em Paris o tratado que institui a
Comunidade do Carvão e do Aço (CECA).
1952
27 de maio
Assinatura em Paris do tratado que institui a
Comunidade Europeia de Defesa (CED).
1954
Embora tenha sido ratificado pelos Parlamentos dos
30 de agosto
seus cinco parceiros, a Assembleia Nacional francesa
rejeita o tratado sobre a CED (319 votos contra 264).
89
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1955-1961)
1955
Reunidos em conferência em Messina, os ministros dos
1 e 2 de junho
Negócios Estrangeiros dos Seis decidem estender a
integração europeia à economia.
1957
25 de março
Assinatura em Roma dos tratados que instituem a CEE
e a EURATOM.
1958
1 de janeiro
Entra em vigor o Tratado de Roma
1960
Assinatura da Convenção de Estocolmo, criando, por
4 de janeiro
iniciativa do Reino Unido, a Associação Europeia de
Comércio Livre (EFTA).
O general De Gaulle propõe, durante uma conferência
5 de setembro
de
imprensa,
especializados
o
estabelecimento
subordinados
aos
de
organismos
governos
e
a
organização de um referendo europeu.
1661
A França apresenta aos seus parceiros um projeto de
tratado (Plano Fouchet) criando uma união de Estados
2 de novembro
indissolúvel, gozando de personalidade jurídica e
baseada no respeito da personalidade dos povos e dos
Estados membros.
90
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1962-1967)
1962
O general De Gaulle declara numa conferência de
imprensa que não pode haver outra Europa senão a
15 de maio
dos Estados e crítica o conceito de supranacionalidade,
o que provoca a demissão de cinco ministros MRP
(democratas-cristãos).
30 de julho
Entrada em vigor da política comum entre os Seis.
1963
O general De Gaulle anuncia, no decorrer de uma
14 de janeiro
conferência de imprensa, que a França põe o seu veto
à entrada do Reino Unido na CEE.
Assinatura, em Yaoundé, da convenção entre a CEE e
20 de julho
18 países africanos e Malgache, que entrará em vigor
em 1 de junho de 1964.
1965
Assinatura do tratado de fusão dos executivos das três
Abril
Comunidades,
instituindo
um
Conselho
e
uma
Comissão únicos. Entrará em vigor em 1 de julho de
1967.
1966
A França aceita retomar o seu lugar no Conselho em
29 de janeiro
contrapartida da manutenção da regra da unanimidade
sempre que “interesses muito importantes” entejam em
jogo.
1967
Numa conferência de imprensa, o general De Gaulle
27 de novembro
pronuncia-se de novo contra a adesão do Reino Unido
ao Mercado Comum.
91
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1968-1972)
1968
Eliminação, com um ano e meio de avanço, dos últimos
1 de julho
direitos aduaneiros intracomunitários (15%) para os
produtos industriais e estabelecimento da Tarifa
Externa Comum (TEC).
Assinatura em Arusha do acordo de associação entre a
26 de julho
CEE e três países do leste africano (Quênia, Uganda e
Tanzânia). Este acordo será renovado em 24 de
setembro de 1969.
10 de setembro
Relatório Werner sobre a união europeia monetária.
1969
Assinatura, em Yaoundé, da nova Convenção de
29 de julho
associação entre a CEE e os Estados africanos e
Malgache.
1970
Assinatura, em Luxemburgo, do tratado que permite o
22 de abril
financiamento progressivo das Comunidades por meio
de recursos próprios e sobre a extensão dos poderes
de controle do Parlamento Europeu.
Abertura, em Luxemburgo, das negociações com os
30 de julho
quatro países candidatos à adesão (Dinamarca, Reino
Unido, Irlanda e Noruega).
1972
Assinatura, em Bruxelas, dos tratados de adesão dos
22 de janeiro
novos membros da CEE (Dinamarca, Reino Unido,
Irlanda e Noruega).
Constituição da “serpente” monetária. Os Seis decidem
24 de abril
limitar a 2,25% as margens de flutuação das suas
moedas em relação ao dólar.
92
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1974-1978)
1974
Segunda Cimeira de Paris, onde os nove chefes de
Estado
9 e 10 de dezembro
e
de
governo
decidem
reunir-se
regularmente em conselho europeu (três vezes por
ano) propondo eleger a Assembleia Europeia por
sufrágio universal e criar o Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (REDER).
1975
Assinatura do tratado que reforça os poderes
22 de julho
orçamentais da Assembleia Europeia e que cria
um Tribunal de Contas Europeu. Entra em vigor
em 1 de junho de 1977.
1977
28 de julho
A
Espanha
apresenta
a
sua
adesão
às
Comunidades Europeias.
1978
Cimeira de Brema. A França e a RFA propõem um
6 e 7 de julho
relançamento
da
cooperação
monetária
pela
criação de um Sistema Monetário Europeu (SME)
que substituirá a “serpente”.
93
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1979-1981)
1979
Início do funcionamento do SME. O ECU (European
13 de março
Currency Unit), composto a partir de uma cesta de
moedas nacionais, torna-se a unidade de
conta
europeia.
28 de maio
Assinatura da ata de adesão da Grécia à Comunidade.
Primeira eleição por sufrágio universal dos 410 membros
7-10 de junho
da Assembleia Europeia. A taxa de participação média é
de 60%.
Assinatura em Lomé, da segunda convenção (Lomé II)
31 de outubro
entre a CEE e 58 Estados da África, do Caribe e do
Pacífico (ACP).
1981
1 de janeiro
Passagem da Europa dos Nove para a Europa dos Dez
com a inclusão da Grécia na Comunidade.
94
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1984-1986)
1984
Adoção do programa Espirit de investigação e
28 de fevereiro
desenvolvimento no domínio das técnicas de
informação.
Segundas
14 e 17 de junho
eleições
europeias.
Pierre
Pflimlin
(democrata-cristãos, França) é eleito, em 24 de
julho, presidente do Parlamento Europeu.
No Conselho Europeu de Fontainebleau, os Dez,
pondo fim a um contencioso que durava desde
25 e 26 de junho
1979, chegam a um acordo sobre o montante da
compensação a conceder à Grã-Bretanha para
atenuar a sua contribuição para o orçamento
europeu.
Assinatura no Togo da Terceira Convenção de
8 de dezembro
Lomé entre os Dez e 66 países da África, do Caribe
e do Pacífico (ACP).
1985
Em Hanover (RFA), os 18 países europeus
5 e 6 de novembro
participam do Projeto Eureka de cooperação
tecnológica, adotando o texto da carta e pondo-se
de acordo sobre 10 projetos precisos.
Conselho Regional em Luxemburgo: Os Dez
24 de dezembro
concordam rever o Tratado de Roma e relançar a
integração europeia pela redação de um “Ato Único
Europeu”.
1986
1 de janeiro de
17 e 18 de janeiro
Entrada oficial da Espanha e de Portugal na
Comunidade Europeia.
Assinatura em Luxemburgo do Ato Único Europeu.
95
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1987-1990)
1987
14 de abril
Candidatura da Turquia à CEE.
13 de maio
Adesão da Espanha ao SME.
1 de julho
Entrada do Ato Único.
26 de outubro
Adoção em Haia de uma plataforma comum sobre
segurança.
1988
25 de junho
Reconhecimento mútuo CEE-COMECON
14 de novembro
Adesão da Espanha e de Portugal à UEO.
1989
Janeiro
18 de junho
Renovação por quatro anos da presidência de Jacques
Delors na Comissão.
Terceira eleição por sufrágio universal direto do
Parlamento Universal.
17 de julho
Candidatura da Áustria à CEE.
9 de novembro
Queda do Muro de Berlim.
9 de dezembro
O
Conselho
Europeu
de Estrasburgo
decide a
convocação de uma conferência intergovernamental.
1990
18 de março
29 de maio
Primeiras eleições livres na RFA.
Assinatura dos acordos que instituem o Banco Europeu
de Reconstrução e Desenvolvimento.
19 de junho
Assinatura dos Acordos de Schengen.
3 de novembro
Unidade alemã.
Abertura
8 de dezembro
em
Roma
das
conferências
intergovernamentais sobre a União Econômica e
Monetária e sobre a União Política.
96
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1991-1992)
1991
1 de julho
21 DE outubro
9 e 10 de dezembro
23 de outubro
Candidatura da Suécia à CEE.
Acordo
sobre
a
constituição
do
Espaço
Econômico Europeu.
Conselho Europeu de Maastricht.
Reconhecimento pela CEE da Comunidade dos
Estados Independentes (CEI).
1992
7 de fevereiro
18 de março
Assinatura
do
tratado
sobre
a
união
em
Maastricht.
Candidatura da Finlândia à CEE.
Assinatura do tratado que instituiu o Espaço
2 de maio
Econômico Europeu entre os países da CEE e da
EFTA.
3 de junho
20 de junho
26 de junho
20 de setembro
Referendo na Dinamarca sobre Maastricht (50,7%
de não).
Vitória do sim no referendo da Irlanda sobre
Maastricht.
Conselho Europeu de Lisboa.
Aprovação na França do referendo sobre o
Tratado de Maastricht (51,4%).
19 de outubro
Conselho Europeu de Birmingham.
20 de novembro
Adesão da Grécia à UEO.
25 de novembro
Candidatura da Noruega à CEE.
6 de novembro
Rejeição por referendo da Suíça ao tratado EEE.
11 e 12 de dezembro
Conselho Europeu em Edinburgh.
97
ANEXO D – Evolução cronológica dos principais eventos que possibilitaram a
maturação da EU (1993-1994)
1993
1 de janeiro
1 de fevereiro
18 de maio
21 e 22 de julho
2 de agosto
Entrada em vigor do Mercado Único.
Abertura das negociações de adesão à CEE com a
Áustria, a Suécia, a Finlândia e a Noruega.
Segundo referendo na Dinamarca. O Tratado de
Maastricht é ratificado (56,8%).
Conselho Europeu de Copenhague.
Alargamento das margens de flutuação do SME para
15%.
29 de outubro
Conselho Europeu de Bruxelas (I).
1 de novembro
Tratado de Maastricht entra em vigor.
10 de dezembro
Conselho Europeu de Bruxelas (II).
1994
1 de janeiro
30 de março
1 de abril
9-12 de junho
24 e 25 de junho
Criação do Instituto Monetário Europeu, segunda
fase da UEM.
Acordo sobre adesão à União Europeia da Áustria,
Finlândia, Suécia e Noruega.
Candidatura da Hungria à União Europeia.
Eleições
do
Parlamento
universal.
Conselho Europeu em Corfu.
FONTE: FONTAINE. Pascal, 1995.
Europeu
por sufrágio