Datas extremas de atividade

A itinerância da Corte e a inexistência, até ao século XIV, de um arquivo régio fixo contribuíram para que os documentos emanados – ou com interesse – para a Coroa fossem conservados na chancelaria do monarca e nos cartórios de alguns dos mais importantes mosteiros do reino (Santa Cruz de Coimbra, São Vicente de Fora de Lisboa, Santa Maria de Alcobaça, entre outros)1Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 62, 65-66 (referências à chancelaria como arquivo régio); p. 63-64 (referências a mosteiros como locais de conservação de documentos régios). Nesse período, seria também possível a produção, pela chancelaria régia, de múltiplos originais de um mesmo documento como forma de assegurar a sua conservação, os quais seriam igualmente conservados em cenóbios monásticos e em outras instituições eclesiásticas como as sés ou os conventos das Ordens Militares (Ribeiro, 1819, p. 5-8; Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 64). Cfr. síntese recente em Lencart, 2021..

A primeira referência inequívoca à Torre do Tombo como estante no castelo de Lisboa data de 13672Carta de privilégio concedida pelo rei D. Fernando, 5 de abril 1367 (cit. in Tarouca,  1947, p. 15-16) referindo as condições da sua transmissão documental. Esta indicação de uma data anterior à tradicionalmente referida (1378) (Ribeiro, 1819, p. 13, ainda seguida em Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 59-62), não tem sido tida em conta nos estudos especializados, pelo que a deixamos aqui claramente expressa., embora as diferentes teses sobre a fixação do arquivo régio na cidade de Lisboa apontem para uma época anterior, que vai do reinado de D. Dinis ao reinado de D. Fernando3Fernanda Ribeiro elenca as diversas teses sobre a data de fixação do arquivo régio em Lisboa em Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 59-62..

Atualmente, esta instituição assume as funções de arquivo nacional4A partir do Decreto de 18 de março de 1911 (Diário do Governo, 1911, nº 65, p. 1214, §24)..

Documentos normativos (principais)

  • Ordenações Manuelinas, datada de 1521, com um título específico sobre o escrivão dos feitos do rei, o qual era obrigado a copiar em livros de registo as sentenças favoráveis ao rei, devendo os respetivos originais e traslados ser guardados na Torre do Tombo em «armário próprio»5OM, liv. 1, tit. 18, §2. As sentenças deveriam ser postas em « hũu almario apartado pera esto, e depois que o livro em que as Escripturas e sentenças forem registadas, como dito he, for acabado, ponha-o em a dita Torre no dito almario»..
  • Ordenações Filipinas, datadas de c. 1604, com a repetição do título específico sobre o escrivão dos feitos do rei6OF, liv. 1, tit. 23, §2..
  • Carta régia de 7 de agosto de 1621 em que determina que todas as sentenças dadas até então e as sentenças futuras em favor da Coroa fossem registadas nos «Livros da Torre do Tombo»7Ed. Silva, Collecção Chronologica, 1854-1859, vol. 3, p. 50.;
  • Alvará sobre o Arquivo do Juízo das Capelas da Coroa, datado de 23 de Maio de 1775, no qual se determina que as sentenças da incorporação de Capelas na Coroa sejam registadas no referido Juízo e também sejam registadas de verbum ad verbum no Real Archivo8Ribeiro, 1819, p. 127-128. ;

Competências

Gerais

A Torre do Tombo foi criada para custodiar a documentação régia (ou com interesse para a Coroa), nomeadamente de natureza fiscal (tombos de bens da Coroa), normativa, (regimentos), avulsa (diplomas e cartas) e os registos de chancelaria provenientes da chancelaria régia25Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 69. As conhecidas cartas de Tomé Lopes, escrivão da Torre, datada de 1526, de 1529 e 1532 detalham a preponderância da documentação régia na Torre do Tombo à época, as quais foram editadas em Pessanha, 1905..

A partir dos finais do século XIV, a instituição passou a assegurar um serviço de consulta da documentação da Coroa, nomeadamente em termo da elaboração, sob responsabilidade dos seus guardas-mores, de traslados autenticados da documentação custodiada pela instituição26Encontra-se um arrolamento exaustivo dessas certidões em Ribeiro, 1819, p. 9-25, 50-59, 133-140..

Existem evidências de que a Torre do Tombo incorporou, a partir do século XVI, documentos pertencentes a membros da família régia, a oficiais régios e outra documentação particular deixada em depósito sob autorização do monarca27Respetivamente a rainha D. Catarina e Pero d’Alcáçova Carneiro (Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 71).. As incorporações de fundos documentais prosseguiram nos séculos seguintes (nomeadamente no séc. XIX) com a integração de acervos provenientes de cartórios privados e de instituições da administração régia entretanto extintas28Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 73. .

Matéria vincular

Ao longo da história do arquivo régio, os monarcas portugueses ordenaram o registo e/ou a conservação na Torre do Tombo de documentação de natureza vincular, incluindo diplomas deixados em depósito sob autorização régia29A carta de Tomé Lopes de 1526 alude especificamente a «E as outras escrituras, assim testamentos, escaimbos, instituições de capellas, morgados, e outras quasquer escrituras que alguns reis, duques, condes prelados, e outros quaisquer dos regnos de Castela, e de França, e outras pessoas destes naturais, na dita Torre em guarda e fieldade as querião poer, avião para isso provisões dos ditos Reys, para lhe serem recebidas» (ed. Pessanha, 1905, p. 291; Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 71)..

Uma parte da documentação vincular encontra-se nos livros de registo de diplomas  régios ou de diplomas considerados importantes para a Coroa, produzidos sistematicamente pela chancelaria régia desde o reinado de D. Afonso III e enviados, à morte do monarca, para depósito na Torre do Tombo30Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 65-66. A mesma autora alude a uma carta do chanceler-mor, datada de 1761, o qual apurou a existência da tradição, segunda a qual, “(…) para a Torre do Tombo passão os Livros da chancelaria por falecimento dos Reis” (Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 68, nota 34)..

No período medieval, a partir do século XV, o aumento da documentação a conservar na Torre do Tombo levou à necessidade de «reformar» os registos de chancelaria dos reis anteriores, o que originou o desenvolvimento de campanhas de seleção documental com vista à elaboração de registos reformados (chamada «Reforma de Zurara») ou de novos registos com transcrições autenticadas («Leitura Nova») realizadas durante os reinados de D. Manuel e D. João III. Tanto a primeira, quanto a segunda salvaguardaram a cópia de documentos com matéria vincular31Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 74-75. : no caso da «reforma Zurara», o prólogo do  livro de registo reformado da chancelaria de D. Pedro I refere as tipologias documentais aí transcritas para «perpetua memoria», de entre as quais se contavam os «morgados»32A enumeração completa da tipologia documental consta da declaração de Gomes Eanes de Zurara, (ed. Ribeiro, 1819, p. 22-23).. Relativamente à «Leitura Nova», o escrivão da Torre do Tombo Cristóvão de Benavente afirmou, em relatório produzido em 1583,  que só se transcrevia para esses códices os documentos com efeito perpétuo, como as administrações de capelas33A enumeração feita dos documentos com valor perpétuo, foi editada em Dinis, 1968, p. 154..

Ainda no reinado de D. Manuel, foram objeto de registo na Torre do Tombo as sentenças favoráveis à Coroa, de acordo com as Ordenações Manuelinas (nas quais se incluíam sentenças sobre capelas e morgadios)34 OM, liv. 1, tit. 18, §2. , assim como os  tombos de capelas, confrarias e hospitais localizadas no norte litoral e no centro do reino, mandados elaborar por desembargadores «com alçada» enviados pelo monarca35Rosa, 2012, p. 251, 264, 266. .

No séc. XVII, deviam-se conservar no arquivo régio os tombos das capelas da Coroa resultantes do processo de averiguação ordenado por Tomé Pinheiro da Veiga e a sua equipa36As sentenças passadas nesse âmbito têm uma cláusula que obriga à confeção do referido tombo em três exemplares, um para a Torre do Tombo, outro para a Provedoria e um último para o administrador da capela. Veja-se, por exemplo, a sentença de 27 de Agosto de 1621 sobre a elaboração do tombo da capela instituída por Martim Pires Vieira na capela de S. Pedro em Sta. Maria de Marvila de Santarém, copiado no Livro 2 das Capelas da Coroa (TT, Feitos da Coroa, Capelas da Coroa, liv. 2, fl. 16-19v)., assim como as sentenças relativas à denúncia de capelas registadas nos Livros de Registo do Real Arquivo, estes últimos organizados em 1632 para o registo de decretos, avisos, ordens e sentenças a favor da Coroa37De acordo com a informação fornecida  na base de dados da entidade detentora: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4223346 (consul. 7.12.2020).. Nesta mesma centúria, sabe-se que a documentação avulsa dos monarcas portugueses encontrava-se organizada em gavetas, uma das quais se chamava «gaveta dos morgados», a qual integrava documentação vincular pertencente ou com interesse para a Coroa. Ao contrário de outras «gavetas» que se mantiveram até hoje, esta «gaveta dos morgados» foi, em data incerta, desmembrada numa série autónoma38Informação fornecida pela base de dados da entidade detentora do fundo Gavetas da Torre do Torre, a qual serviu de fonte para a descrição desse fundo no site do projeto Inventarq: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4185743; https://inventarq.fcsh.unl.pt/index.php/gavetas (ambos consultados no dia 7.12.2020). O inventário da Torre do Tombo, efetuado em 1776, consigna a referida documentação num apartado específico intitulado «Instituiçoens e tombos de morgados e capellas de particulares e de varias terras e sentenças a favor da Coroa» (Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 624). Em 1905, esta documentação conservava-se «numa sala de dimensões regulares, chamada da livraria» (Azevedo e Baião, 1905, p. 26). e integrada no século passado na coleção intitulada «Núcleo Antigo»39De acordo com a informação dada na base de dados da entidade detentora: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4223346 (consul. 7.12.2020). .

No séc. XIX, a Torre do Tombo foi igualmente a destinatária de uma das cópias dos registos vinculares produzido no âmbito da Lei de 30 de Julho de 1860 sobre a abolição parcial dos vínculos40Ed. Reforma dos Morgados, 1861,  tit. III, §29-30, p. 9. .

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

A Torre do Tombo era dirigida por um vedor (depois) guarda-mor que supervisionava um conjunto de oficiais composto por escrivães, guarda-menores, porteiro e um varredor, geralmente escravo43Azevedo e Baião, 1905, p. 14. Sobre a composição deste grupo de oficiais, veja-se Ribeiro, 2003, vol. 1, p. 86-90..

As funções dos seus agentes

A Torre do Tombo não dispunha de nenhum oficial específico com a competência específica de conservar documentos de natureza vincular, pelo que o registo de tais diplomas, em virtude da legislação então vigente ou de ordens dos monarcas, era efetuados pelos escrivães adscritos à instituição44Ribeiro, 1819, p. 20. .

Relações com outras instituições sobre temática vincular

A Torre do Tombo conservou documentação vincular emitida por outras instituições, como o Juízo das Capelas da Coroa45Segundo um alvará sobre o Arquivo do Juízo das Capelas da Coroa, datado de 23 de Maio de 1775. Ribeiro, 1819, p. 127-128..
O Desembargo do Paço foi responsável, a partir de 1534, pela emissão das provisões autorizando o traslado de documentação da Torre do Tombo46Como consta do seu Regimento, ed. Lião, 1569, fl. 18v. .