029: FAC-SÍMILES DO QUE NUNCA EXISTIU
heróis da tv 113 e além | minha semana | capitalismo | páginas viradas
Todo colecionador quarentão que se preze sabe que HERÓIS DA TV terminou no número 112, em fins de 1988. E que essa encarnação de 112 edições foi a segunda do título da Editora Abril.
A primeira HERÓIS DA TV (32 números, 1975-1978) trazia personagens de TV de fato, os da Hanna-Barbera. A versão de HERÓIS DA TV que estreou em 1979, a dos 112 números, era um pot-pourri de personagens da Marvel (sendo que nem todos apareciam na TV) e ajudou a lançar a Marvel na Abril.
Todo colecionador também deve saber, ou pelo menos tem anotado no seu caderninho, que a primeira série de BATMAN na Abril durou míseros dez números (1984-1985). Que HERÓIS EM AÇÃO, o pot-pourri de personagens da DC, também só chegou ao número 10 (1984-1985). Que A TEIA DO ARANHA, o segundo título do Homem-Aranha, teve 129 números (1989-2000) e que SUPERAVENTURAS MARVEL teve 176 (1982-1997).
Então que esses dias me apareceu uma foto da capa de HERÓIS DA TV 113. E da 114, da 115, da 116. E de TEIA DO ARANHA 130. E de outros números.
E mais: SUPERAVENTURAS MARVEL 177 em diante. HERÓIS EM AÇÃO 11 em diante. Daquela BATMAN, também da 11 em diante. E da primeira HERÓIS DA TV, no número 33, com Dick Vigarista, Muttley e Penélope Charmosa.
É como se lançassem as músicas inéditas que o Elvis cantou depois de morrer. Como se SEINFELD tivesse uma décima temporada e você não sabia. Como se WATCHMEN tivesse edição 13. Como se você tivesse acesso à Biblioteca do Sonhar.
Você pode chamar de fraude, mas não é exatamente uma fraude. As revistas existem. Há poucos anos, um colecionador brasileiro começou a produzir, por conta própria, as edições subsequentes destas séries da Abril dos anos 1980 e 1990.
Ele, que tem habilidade nos programas de edição e diagramação, chama as revistas de “fac-símiles”. Mas não são cópias piratas de revistas que existem - como os fac-símiles que circulam pelo mercado informal dos colecionadores, irritando muitos. São fac-símiles do que nunca existiu.
Estes “fac-símiles” entre aspas dão continuidade extra-oficial a revistas mortas. Não só na numeração. Seguem o formatinho, o design, o conteúdo, o preço (fictício) de capa na moeda de cada momento. Até repetem as propagandas da época, do Nescau, Guaraná Brahma e do Banco Comind.
As revistas estão à venda para colecionadores. São motivo para atualizar, extra-oficialmente, os controles de coleção. Elas também transitam em um terreno que provavelmente é ilegal. Mas com aquela ilegalidade carinhosa, apaixonada e respeitosa de fanfic.
Entrevistei o responsável. Como o terreno é pantanoso no quesito jurídico, vou chamá-lo pelo nome fictício de Antonio. Também não vou divulgar os links onde encontrei estas imagens e os contatos para comprar. Tenho certeza que, se você se interessa e sair perguntando para os amigos, você também consegue.
Antonio tem 42 anos e mora em Pernambuco. Ele começou a montar os “fac-símiles” há doze anos. Colecionadores queriam ver coleções de material que nunca saiu no Brasil ou que não é republicado há muito tempo: os quadrinhos de ROM, O CAVALEIRO DO ESPAÇO; as primeiras histórias do HULK; as primeiras histórias de NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO; a série do NOVA dos anos 1970; os gibis dos THUNDERCATS; a MULHER-MARAVILHA de Mike Deodato; os gibis de INDIANA JONES pela Marvel.
Antonio resolveu atender essa demanda pequena e muito específica. Começou a montar os quadrinhos artesanalmente, usando o computador e a impressora de casa. Encaderna em casa também, “com grampeador e estilete.”
Alguns dos quadrinhos que entram nas revistas de Antonio já estão na internet, traduzidos e letreirados e editados por outros fãs. Quando Antonio não encontra os quadrinhos prontos em português, ele mesmo traduz, limpa os balões, letreira e inventa as capas. Depois monta os voluminhos, que tem de 52 a 200 páginas.
Ele vende dez a vinte unidades de cada um, praticamente a preço de custo: os menores custam R$ 17, os maiores custam R$ 27. Ele não tem um controle exato do que fez, mas estima que, em 12 anos, produziu 100 títulos. Sempre com estas tiragens pequenas e preços baixos.
“São poucas edições para saudosistas”, ele diz. “Tenho vontade de colocar no Mercado Livre, mas não sei se teria saída. É algo bem segmentado.”
A ideia de dar continuidade à numeração de séries antigas da Abril é mais recente. Ele começou há menos de três anos.
“Eu procuro descobrir o que a Abril não publicou de determinada época, e como ela se encaixaria na cronologia”, ele conta. “Mais do que um simples exercício de imaginação, eu meio que banco o editor. Em HTV 113, por exemplo, eu selecionei três histórias que foram puladas na época e encaixei na edição. A partir da 114, comecei a publicar algumas sequências. Em SAM 177, fiz a mesma coisa, e dei continuidade nas edições seguintes.”
(HTV é HERÓIS DA TV. SAM é SUPERAVENTURAS MARVEL. Eu sei que você, quarentão ou cinquentão, sabe disso e se ofende com a minha explicação. Preciso explicar pros outros.)
HTV 113 e os números subsequentes trazem histórias de Thor, Vingadores, Homem de Ferro, Manto & Adaga, Flama. As de SAM trazem Justiceiro, Demolidor, Homem de Ferro e uma sequência de Vingadores inédita no Brasil. Não mais inédita, extra-oficialmente.
Do mesmo modo, os “fac-símiles” de BATMAN ou HERÓIS EM AÇÃO dão continuidade às histórias que estas revistas publicavam quando foram canceladas, conforme a cronologia original. TERROR DE DRÁCULA, um título esquecido da estreia da Abril nos gibis de heróis (11 números, 1979-1980), também ganhou sequência como se a revista não houvesse terminado.
Entre os pontos que chamam mais atenção no trabalho de Antonio estão o respeito ao formatinho dos anos 1980 (13 x 21 cm) e às lombadas: quadradas ou canoa (com grampos), conforme o jeito como a série era publicada quando morreu. Se você coloca os fac-símiles na estante junto às revistas oficiais da Abril, elas seguem o padrão.
Mais curioso ainda é que Antonio scaneou e reproduziu nas quarta capas a publicidade da época – no caso, da época em que os quadrinhos vendiam várias dezenas de milhares, às vezes centenas de milhares, a ponto de marcas comprarem espaço publicitário. Agora, a única função de reproduzir anúncios da caneta Flexgrip, do tênis Kimkol, dos primórdios da MTV ou dos Trapalhões é nostalgia.
“Algumas vezes crio umas propagandas baseadas em filmes ou eventos da época também”, diz Antonio. “Hoje estou pesquisando propagandas que saíram na Marvel e DC e ficaram inéditas no Brasil. Aí, quando é possível, eu encaixo.”
Antonio não viveu a época destes quadrinhos de heróis. “Comecei a ler quadrinhos em 1986”, ele conta. “Mas naquela época eu lia mais Turma da Mônica, Disney... Na adolescência é que fui descobrindo esses títulos mais antigos da Abril.”
Seu xodó, ele conta, é HERÓIS EM AÇÃO. “Eu conheci já na penúltima edição, com a origem da Sociedade da Justiça. Depois corri atrás das outras edições e hoje tenho completa. A primeira série de que eu fiz sequência foi BATMAN, com a 11, e em seguida fiz a 11 de HERÓIS EM AÇÃO. Sou fascinado pelo universo DC pré-Crise.”
Ele já chegou a ter coleções completas e oficiais de muita coisa, mas se desfez com o tempo. “Hoje tenho uns 300 formatinhos, se isso.”
Produzir esses “fac-símiles” não dá “lucro real”, segundo ele. As tiragens, como eu disse antes, são mínimas e os preços também. Antonio tem seu emprego e não vive de vender as revistas.
Mas ele faz isso para si ou para os outros?
“Ambos. Eu acho legal montar as edições. Tem vários tipos de fac-símile que já me pediram e não faço. De editoras atuais, por exemplo.” De exemplo das séries atuais que lhe pedem, ele falou em THE WALKING DEAD. “Até porque sairia mais caro do que o oficial e não teria sentido.”
Perguntei se ele leva essa produção como um hobby ou como uma terapia. Ou se foi questão de um dia olhar para a coleção e resolver que precisava dar continuidade.
“É tanto um hobby como uma terapia. Na realidade, decidi dar continuidade às revistas porque queria colocar no papel (literalmente) as ideias que tinha de como seriam as edições se a Abril não tivesse cancelado.”
Pelo menos uma pessoa já copiou o que Antonio faz – e tem até canal de YouTube para mostrar seus “fac-símiles”. “Ele (acho que é uma pessoa só) me perguntou sobre a ideia que tive e resolveu copiar”, diz Antonio. “Não tenho nada contra, mas não tenho ligação nenhuma com o que ele faz.”
A única maneira de você comprar um encadernado de ESQUADRÃO ATARI é nas coleções fac-similares de Antonio. O quadrinho dos anos 1980, com belíssimos desenhos do argentino José Luis García-López, não é republicado nem em português nem nenhum idioma devido a um problema com direitos. Nos “fac-símiles”, únicos no mundo, a coleção completa saiu em quatro volumes.
Se é para escolher meu xodó, fico com a continuidade de DC 2000. A revista (59 números, 1990-1994) acabou antes do anos 2000 e tinha um mix eclético de material bem escrito da DC. Nos “fac-símiles” do Antonio, ganham sequência as histórias sci-fi da L.E.G.I.Ã.O. Mas a continuidade da revista faz imaginar o que mais entraria no mix que apresentou Homem-Animal de Grant Morrison e companhia, o Starman Will Payton, Xeque-Mate, Gavião Negro e outros. De repente isso deixa de ser só imaginação.
Antonio vai continuar dando continuidade a revistgas que não existem mais. “Ontem mesmo terminei de letreirar Lanterna Verde 175, que é inédita no Brasil, a partir da tradução de um colega que também é cliente”, Antonio me contou na nossa última conversa esta semana. “É tudo artesanal, de fã para fã. E em breve teremos novidades nas coleções Marvel e DC, se Deus quiser!”
Minha semana foi bagunçada. Minha tradução mais trabalhosa na pauta é o PROJETO CAMALOTE e, dele, só consegui 85 laudas. É a terceira semana de trabalho e cheguei na metade do livro.
Entrou outro projeto grande de quadrinhos, do qual traduzi 70 páginas (de 600). Talvez saiam mais umas vinte ainda hoje.
Também traduzi 41 páginas de FEEDING GHOSTS. Densas, bem densas de texto. Esse tem mais prazo.
Também fiz últimos retoques na tradução de PROJETO PIZZA1, agora no PDF letreirado - pela Lilian Mitsunaga, que sempre faz aquele trabalho inacreditável.
Quero tentar revisar pelo menos um pedaço do PROJETO BICHANOS2 ainda hoje.
Escrevi bastante. A resenha de ESPORTE É DE MATAR, de Ben Passmore (tradução esperta do Mateus Potumati, editora Veneta, uma página acima) para a Folha de S. Paulo - que não sei quando vão publicar; dei toques finais no PROJETO WALLACE, que imagino que sai ainda este mês; e preparei o Informativo sobre ANATOMIA EXPRESSIVA PARA QUADRINHOS E NARRATIVAS, de Will Eisner, fechando meu acompanhamento editorial do livro para a WMF.
Comparsas e eu gravamos um episódio de NOTAS DOS TRADUTORES que sai no domingo.
De uma hora pra outra a semana acabou. E já é meio de março.
Os links abaixo são de trabalhos meus que foram lançados há pouco ou serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links.
As datas podem mudar.
em março
SURFISTA PRATEADO: LIBERDADE [EPIC COLLECTION], Stan Lee, John Byrne, Steve Englehart, Marshall Rogers, Joe Rubinstein, Joe Staton, Jack Kirby e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 7, James Owsley, John Buscema, Val Semeiks e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 2, Jim Zub, Roberto de la Torre, panini
A BRIGADA DOS ENCAPOTADOS, K.W. Jeter, John K. Snyder III, Dave Louapre, Dan Sweetman, Alisa Kwitney, Guy Davis, John Ney Rieber, John Ridgway, panini
LÚCIFER: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 3, Mike Carey, Peter Gross, Ryan Kelly, Dean Ormstron, Craig Hamilton, David Hahn, Ted Naifeh, panini
OS LIVROS DA MAGIA, Neil Gaiman, John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess, Paul Johnson, panini [reedição]
ZDM: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Brian Wood, Riccardo Burchielli e outros, panini [só traduzi os extras]
em abril
LADRAS, Lucie Bryon, risco [tradução com Ilustralu]
O UNIVERSO DE SANDMAN: PAÍS DOS PESADELOS vol. 2, James Tynion IV, Leandro Estherren, Patricia Delpeche, Maria Llovet, panini
VAMPIRO AMERICANO: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 5, Scott Snyder, Rafael Albuquerque, Tula Lotay, Francesco Francavilla, panini
STRANGER THINGS: KAMCHATKA, Michael Moreci e Todor Hristov, panini
SANDMAN APRESENTA VOL. 10: BRUXARIA, James Robinson, Peter Snejbjerg, Michael Zulli, Steve Yeowell, panini
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 1, Grant Morrison, Steve Yeowell, Steve Parkhouse e vários, panini
em maio
CONAN, O BÁRBARO 3, Jim Zub, Dale Eaglesham, vários, panini
SONIC ESPECIAL 30 ANOS é uma das minhas traduções que está com descontão (40%, nesse caso) na Amazon esta semana. Fiz listas de outras traduções minha com desconto aqui, aqui e aqui no Xwitter e aqui no Facebook. Se puder, compre pelos meus linls.
vem aí
LORE OLYMPUS VOL. 4, Rachel Smythe, suma
SHORTCOMINGS, Adrian Tomine, nemo
ROAMING, Mariko Tamaki/Jillian Tamaki, nversos
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
CHEW VOL. 4, John Layman e Rob Guillory, devir
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SENHOR DAS MOSCAS, Aimée de Jongh, suma
O ABOMINÁVEL SR. SEABROOK, Joe Ollmann, quadrinhos na cia.
SAPIENS VOL. 3, david vandermeulen e daniel casanave, quadrinhos na cia.
MINHA COISA FAVORITA É MONSTRO 2, Emil Ferris, quadrinhos na cia.
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
+ Adrian Tomine
+ Tom Gauld
+ Dan Clowes
+ Shaun Tan
+ Will Eisner
+ Agatha Christie
+ Guilherme Karsten
+ Oliver Jeffers
+ Mac Barnett
+ Gato Pete
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
As aquarelas assustadoras de Benjamin Flao em KILILANA SONG (tradução de Fernando Scheibe e Bruno Ferreira Castro, nemo) [amazon]
Uma prévia da HQ que Javier Rodríguez está fazendo com ZATANNA, BRING DOWN THE HOUSE (roteiro de Mariko Tamaki). Começa a sair em junho. Vi aqui.
Achei minha edição da McSWEENEY’S QUARTERLY CONCERN 33, a edição-jornalão, que tinha essa seção de quadrinhos com astros: Chris Ware, Art Spiegelman, Dan Clowes, Adrian Tomine, Erik Larsen. É de 2010, mas ainda se acha à venda.
Do Pietro Soldi. Aqui.
Da Laerte. Aqui.
Essa capa é linda. O quadrinho está em campanha no Catarse.
Você leu a virapágina, newsletter de Érico Assis. Sou jornalista e tradutor, e escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000. Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 [amazon] e 2 [amazon]. Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
Obrigado por ler e obrigado por divulgar a virapágina. Continue divulgando! Tem assinantes novos literalmente todos os dias. Quem quiser e puder paga R$ 12 por mês ou R$ 120 por ano para apoiar a continuidade da newsletter no link:
Que você vire ótimas páginas até a semana que vem.
Belo texto sobre o trabalho do “Antonio”, do qual sou cliente já há um tempo.
Eu também gostaria de entrar em contato com o Antônio, por favor. Meu email é: ruijosesantos@hotmail.com