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Síndrome do Intestino Irritável | Colunistas

Índice

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um distúrbio funcional do trato gastrointestinal, caracterizada principalmente por dor abdominal e alterações nos hábitos intestinais, incluindo diarreia e/ou constipação sem causa definida.

Epidemiologia da Síndrome do Intestino Irritável

De acordo com a Organização Mundial de Gastroenterologia a doença atinge homens e mulheres de qualquer faixa etária e sem distinção racial, sendo que, no ocidente, é mais frequente em mulheres abaixo de 45 anos. 

Muitos pacientes (40 a 60%) que possuem SII sofrem doença psiquiátrica coexistente, como depressão ou síndrome do pânico, ou tem história de abuso sexual ou físico

É um dos transtornos intestinais mais encontrados na prática, porém ainda pouco compreendido. Sua prevalência é maior na faixa etária de 30 a 50 anos, principalmente em mulheres. A prevalência mundial alcança de 3 a 25% e no Brasil cerca de 12% da população, porém somente 30% dos pacientes procuram ajuda médica.

Etiopatogenia

Apesar da etiopatogenia ainda não ser completamente conhecida, sabe-se que é multifatorial e envolve desde aspectos fisiológicos a psicossociais, seja na primeira apresentação ou em exacerbações.

Embora todos os fatores estejam interconectados, cada um deles tem importância significativa na resposta individual à SII e estão relacionadas com a desregulação na transmissão entre o sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso entérico.

Alguns fatores que podem desencadear os sintomas são: consumo de determinados alimentos, alterações hormonais (ciclo menstrual), estresse, infecções, mudança de rotina, frustração, baixa autoestima, necessidade de aprovação social e doenças psiquiátricas (transtorno de ansiedade generalizada, transtornos de humor, transtorno do pânico e abuso de substâncias psicoativas).

Lembrando que essas causas são desencadeantes em pacientes que já têm uma predisposição intestinal com desregulação autonômica da motilidade, anormalidade da sensibilidade visceral, redução na qualidade e quantidade da microbiota intestinal ou alterações na modulação da dor e resposta neuroendócrina.

Função motora anormal

A SII compreende um distúrbio gastrointestinal da musculatura lisa com motilidade basal normal, mas com cólon hipersensível a determinados alimentos, medicamentos, hormônios e estresse. A motilidade do cólon após as refeições é maior do que o normal, justificando sintomas pós-prandiais.

Além disso, o aumento das contrações em cólon proximal em jejum, com transito rápido, podem desencadear diarreia e a redução nas contrações de cólon esquerdo estão relacionadas com a constipação. A resposta do íleo também pode estar alterada, causando contrações prolongadas e de alta pressão, gerando desconforto e dor abdominal.

Alteração na sensibilidade

Sabe-se que os nervos aferentes vagais enviam sinapses do intestino para o cérebro e a hipersensibilidade visceral anormal é uma característica importante da síndrome.

Sistema nervoso central

A famosa frase “O intestino é o segundo cérebro do corpo humano” diz muita coisa sobre a SII: o SNC modula a sensibilidade e a motricidade do intestino e o intestino modula o SNC. Mas como assim?

Com uma distensão retal, os pacientes que apresentam SII ativam o sistema límbico de forma mais intensa, o que pode ser uma explicação da hipersensibilidade. Muitos pacientes têm distúrbios psiquiátricos associados, assim como condições de estresse que estão intimamente ligadas no desencadeamento dos sintomas.

Infecção e inflamação

Alguns pacientes iniciam o quadro de sintomas persistentes após um episódio de gastroenterite ou diarreia dos viajantes. Já a inflamação do cólon de baixo grau com aumento de células T ativadas pode ser encontrada na infecção aguda ou secundária. Além de tudo, o aumento de mastócitos próximos a nervos do cólon podem ser relacionados com a dor abdominal.

Serotonina

Após alguma infecção, alguns pacientes podem apresentar células contendo serotonina com elevação do nível sérico, além da redução de transportadores dessa molécula, demonstrando que o seu excesso pode contribuir para a doença e desencadear diarreia até que ocorra a dessensibilização do receptor, com posterior constipação.

Dieta

A ingestão excessiva de determinados alimentos que contem sorbitol ou frutose podem induzir a diarreia e o timpanismo abdominal, assim como ácidos graxos de cadeia curta podem impelir contrações no íleo. A intolerância a determinado alimento pode coexistir com a síndrome, porém é rara a associação de uma verdadeira alergia.

Em alguns pacientes, ocorre redução dos sintomas com a exclusão desses alimentos da dieta e é importante destacar a presença de produtos com trigo, lácteos, ovos, nozes, leveduras e fermentativos como possíveis desencadeadores.

Genética

Alguns estudos com gêmeos já foram feitos e reforçam a vertente genética da doença, mas ainda precisam de maiores comprovações recentes e mais elaboradas.

Quadro clínico de Síndrome do Intestino Irritável

Dor abdominal é o sintoma cardinal da SII: normalmente, a dor é episódica e semelhante à cólica, mais localizada no andar inferior do abdome, mas pode ser difusa ou em qualquer localização e tende a variar a intensidade e duração.

É aliviada com a defecação e, na maioria das vezes, está relacionada com a mudança da consistência e frequência das evacuações. Raramente desperta o paciente durante o sono.

Outro sintoma importante é o distúrbio de defecação irregular, que pode ser diarreia, constipação ou mista. Entende-se como constipação na SII uma redução na frequência de evacuações, fezes duras, em síbalos, com esforço excessivo ou incapacidade de esvaziamento completo. E a diarreia é referida como aumento na frequência das fezes, de consistência mole ou aquosa, podendo eliminar muco e ser acompanhada de urgência ou incontinência fecal.

A distensão abdominal é bastante relatada pelos pacientes e pode ser visível ou não. Sintomas de refluxo gastroesofágico, como azia, regurgitação, dispepsia são percebidos por cerca de um terço dos pacientes.
Por incrível que pareça, também podem ocorrer sintomas genitourinários, como disúria, nictúria, urgência urinária, dismenorreia, dispareunia. Mas esses sintomas não serão incluídos no diagnóstico.

É de extrema importância investigar durante a consulta clínica a presença de transtornos psiquiátricos, assim como ouvir atentamente as restrições que os pacientes têm devido aos sintomas, como faltas no trabalho, desistências de lazer, preocupação excessiva com os alimentos ingeridos e redução da qualidade de vida.

Diagnóstico de Síndrome do Intestino Irritável

O diagnóstico é essencialmente clínico, através de uma boa anamnese e de um minucioso exame físico.

Exames complementares são mínimos, normalmente são solicitados para descartar diagnósticos diferenciais.

Para o correto diagnóstico da síndrome do intestino irritável, é necessário aplicar os Critérios de Roma IV (2016):

Figura 01: Critérios de Roma IV – Síndrome do Intestino Irritável
Fonte: Adaptado de Gastroenterology, 2016. Disponível em: https://theromefoundation.org/wp-content/uploads/bowel-disorders.pdf.

Além disso, foram incorporados os subtipos de SII baseados nos sintomas predominantes dos pacientes em relação ao hábito intestinal:

Figura 02: Escala de Bristol
Adaptado de: Gastroenterology, 2016. Disponível em: https://theromefoundation.org/wp-content/uploads/bowel-disorders.pdf.

SII com predominância da constipação (SII – C): mais de 25% das fezes são classificadas como Bristol 1 e 2 e menos de 25% em tipos 6 ou 7;
SII com predominância de diarreia (SII – D): mais de 25% das fezes são classificadas como Bristol 6 ou 7 e menos de 25% em tipos 1 ou 2;
SII misto (SII – M): mais de 25% são classificadas como Bristol 1 ou 2 e mais de 25% em tipos 6 ou 7.

SII não classificados: não se enquadram em nenhum dos subtipos acima.
Recomenda-se a identificação do tipo através da observação por 2 semanas com hábitos registrados diariamente, usando a “regra dos 25%”. É imprescindível que sejam descartados SINAIS DE ALARME antes de ser definido o diagnóstico de SII: História de câncer colorretal na família;
Sangramento retal sem causa documentada, como hemorroidas ou fissuras anais; Perda de peso não intencional; Anemia sem causa definida.

Exames laboratoriais

Hemograma deve ser realizado para avaliação de possíveis anemias e leucocitoses, além de proteína C-reativa (PCR); Testes sorológicos para Doença Celíaca (DC) podem ser solicitados em casos de SII-D e SII-M que tiveram falha no tratamento inicial e, assim, a endoscopia digestiva alta (EDA) associada com biópsia de duodeno deve ser realizada caso os testes indiquem possível DC; Exame parasitológico das fezes é interessante em pacientes com a forma diarreica, especialmente em regiões com altas taxas de infecções parasitológicas; A colonoscopia é indicada em pacientes acima de 50 anos na ausência de sinais de alarme e também em qualquer idade caso tenha sinais ou sintomas de alarme ou persistência da diarreia mesmo com tratamento instituído.

Tratamento de Síndrome do Intestino Irritável

Tratamento não farmacológico

Relação Médico-Paciente
Na SII, uma boa relação para o cuidado em conjunto já é um grande passo para o paciente. O profissional deve tranquilizá-lo sobre a doença e componentes que precisam ser aderidos no tratamento. Afirmar que os sintomas são reais, mas que a SII não apresenta maior risco de câncer ou morte do que na população em geral.

O tratamento será baseado nos sintomas e no tipo da síndrome de cada paciente, visto que alguns precisam do controle da diarreia, outros da melhora da constipação ou ambos. Deve ser multiprofissional, envolvendo todos os aspectos fisiológicos e psicossociais do paciente para que haja uma melhora satisfatória.

Modificações do estilo de vida Extremamente importante a inclusão de atividade física através da orientação de um educador físico, práticas da higiene do sono, redução do estresse e de sobrecargas emocionais com ajuda da psicologia e/ou psiquiatria. Assim como a reeducação alimentar ou dietas devidamente estruturadas e orientadas pelo nutricionista.

A alimentação pode contribuir para os sintomas de acordo com o paciente e com suas particularidades. É sugerido o benefício do consumo de fibras selecionadas, tendo em vista que alguns tipos podem exacerbar os sintomas, assim como a restrição do glúten mostrou-se benéfica para algumas pessoas.

Necessário também o enfoque sobre a dieta baixa em FODMAP (fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides, and polyols) que devido ao seu baixo teor de alimentos fermentativos pode ser uma ótima opção em relação a melhora dos sintomas, porém é uma dieta bem restritiva e com isso, acaba sendo difícil a aderência consistente.

A dieta baixa em FODMAP restringe o consumo de vários alimentos, dentre eles: lactose (leite e derivados), frutose (mel, uva, vinho, kiwi, suco de laranja, ameixa seca), frutanos (trigo, centeio, alho, cebola e beterraba), galactanos (feijão, lentilha, grão de bico, bebidas de soja, repolho, brócolis, pimentão, arroz, amendoim) e polióis (xilitol, sorbitol e manitol).

Já dentro da psicologia o ponto chave é que o paciente entenda sobre a síndrome e principalmente que reconheça quais são os fatores que desencadeiam ou exacerbam os sintomas. Assim, esses gatilhos podem ser evitados, contornados ou superados e isso será de extremo benefício para a evolução do quadro. Para isso, podem ser utilizados psicoterapia psicodinâmica ou interpessoal, terapia cognitivo-comportamental, hipnoterapia, meditação e outros.

Tratamento farmacológico

Para a dor abdominal, é considerado o uso de relaxantes musculares e antiespasmódicos, antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos da receptação de serotonina. Em relação à constipação, alguns laxantes, fibras e agentes de volume são indicados. O agonista de canal de cloro (lubiprostona) foi aprovado recentemente, assim como o uso de psyllium é citado no Roma IV.

A diarreia pode ser manejada através de antidiarreicos, agonistas opióides, sequestradores de ácidos biliares, probióticos para regulação da flora intestinal e antagonistas do receptor 5-HT3. O tratamento da SII medicamentoso é extremamente individual tendo em vista que precisa do envolvimento psicossocial interligado com a aderência farmacológica para ser obtido o sucesso.

A síndrome do intestino irritável é complexa, envolve diversos sistemas e alterações metabólicas ainda pouco descritas. Mas deve ser reconhecida pela sociedade e pelos médicos devido a sua alta prevalência e repercussão na qualidade de vida dos pacientes.

Mapa mental do síndrome do intestino irritável

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Autora: Isabella Schulthais, Estudante de Medicina
@isaschulthais

Referência

HALL, J.E. Tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 

SAKATA, R.K.; ISSY, A.M. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM. Dor. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008. 

VON ROENN, J.H.; Current: diagnóstico e tratamento da dor. Porto Alegre: AMGH, 2011. 


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


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