18 jan, 2024 - 11:55 • Lusa
A associação Quebrar o Silêncio apoiou 718 homens vítimas de violência sexual em sete anos de atividade, tendo registado um aumento de casos em que a violência acontece em idade adulta, situações em que procurar ajuda é particularmente difícil.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da associação, que se dedica a apoiar homens vítimas de violência sexual, adiantou que só em 2023 recebeu 124 novos pedidos de ajuda por parte de homens e rapazes sobreviventes, "o que representou uma média mensal de 15 novos pedidos de ajuda no primeiro semestre".
Entre os pedidos de ajuda que chegam à associação, Ângelo Fernandes apontou que se tem verificado "um aumento gradual nos últimos anos de homens que foram abusados em idade adulta".
Estes casos apresentam "algumas especificidades", nomeadamente quando a questão é procurar ajuda ou denunciar, já que "ainda existe muito a crença de que homem que é homem não pode ser vítima de violência sexual", disse.
O presidente da associação explicou que muitas das situações acontecem em contexto de relações de intimidade, em que o abuso é levado a cabo por uma pessoa próxima e de confiança da vítima, salientando que há também denúncias de abusos em contexto de serviços de saúde, por exemplo, em consultas ou tratamentos.
Foi o que aconteceu a João (nome fictício), 37 anos, que conta como, durante várias consultas de osteopatia, se viu obrigado a ficar nu em todas as sessões e era alvo de toques inapropriados por parte do osteopata.
"Era um cenário muito estranho", recorda, admitindo que nunca apresentou queixa junto das autoridades e que a procura de ajuda tem sido uma jornada que, com o apoio da Quebrar o Silêncio, tornou possível falar sobre o assunto.
João compreende como o seu caso pode causar estranheza a quem ouve, que não compreenderá como se sujeitou várias vezes à situação e não reagiu no imediato, mas tem para si a convicção de que o facto de ter também sido abusado ainda em criança e de ter guardado para si esse episódio pode ajudar a explicar, desde logo na reação de pânico de quem se vê a passar novamente por um trauma que achava esquecido.
Já António (nome fictício), 46 anos, que dá o seu testemunho por escrito, relata como nunca esperou ser vítima de abusos sexuais "numa aula de grupo de ginásio, onde estão várias pessoas presentes".
"Foi exatamente isso que me aconteceu. A meio da aula, num exercício de alongamentos, o professor veio corrigir a minha postura. O problema foi que ele começou a tocar-me mais do que era esperado e a posicionar-se atrás de mim. Achei estranho pois não era necessário ele estar cada vez mais colado ao meu corpo. Aos poucos fui tentando afastar a minha cara da dele, mas isso só fez com que ele forçasse a sua pélvis contra as minhas nádegas. Não sabia o que mais podia fazer", contou, acrescentando que "as outras pessoas na aula não disseram nada".
Refere ainda que decidiu contactar a Quebrar o Silêncio para pedir ajuda e depois de ter tentado denunciar a situação junto do ginásio, que diz que "não demonstrou abertura" para o escutar "nem qualquer tipo de empatia".
Ângelo Fernandes explicou que nestes, como em casos semelhantes, o abusador faz-se valer do seu estatuto e do seu poder para abusar, partilhando de um sentimento de impunidade e de segurança bastante alto, chamando a atenção para a necessidade de "cada vez mais trabalhar a empatia".
"A esmagadora maioria das vítimas, numa situação destas, paralisa, congela. Ou seja, as pessoas muitas vezes têm expectativa de que a vítima pode reagir ou fugir dizendo alguma coisa ou até mesmo lutar fisicamente para tentar parar o abuso, mas a maioria congela", apontou.
O responsável sublinha que o facto de a vítima não reagir não representa qualquer forma de consentimento: "Estamos a falar de uma reação natural do cérebro, que faz com que as pessoas paralisem".
Segundo Ângelo Fernandes, os pedidos de ajuda que chegam à associação por parte de homens vítimas de abusos em idade adulta representam já cerca de 10% do total de apoios e acredita que vão continuar a aumentar.
Sustenta a sua convicção no facto de, em 2020, a associação ter registado apenas dois casos, número que aumentou para 12 em 2023.
Acrescentou que é um dos objetivos para 2024 trabalhar no sentido de "desocultar esta realidade", demonstrando que estes casos também acontecem a homens adultos e que é preciso que consigam reconhecer o abuso e que peçam ajuda.