• Giuliana de Toledo
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BASILISCUS PLUMIFRONS  |  Onde: América Central   |  Tamanho: 90 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

BASILISCUS PLUMIFRONS | Onde: América Central | Tamanho: 90 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

O holandês Matthijs Kuijpers (pronuncia-se algo como “Matais Cãpersh”) passou a infância cercado de animais de estimação. “Quando criança, eu tinha meu porquinho-da-índia, meu hamster, meu periquito.” Bem, essa poderia ser uma história qualquer — mas não é. “Um dia meu irmão ganhou uma cobra de um amigo do meu pai. Depois de poucos meses, ele não gostava mais dela, achava que era chata, e eu a peguei para cuidar. Então tive uma outra cobra, e outra, e outra…”, conta ele.

A paixão por bichos que amedrontam a maioria das pessoas virou também sua profissão: Kuijpers tornou-se um fotógrafo especializado em répteis e anfíbios raros. Nas últimas três décadas, diz, foram incontáveis viagens para encontrar as mais diferentes espécies pelo mundo (veja imagem abaixo). Nessas aventuras, ele afirma já ter registrado com suas lentes aproximadamente 1,5 mil espécies.

Os pontos no mapa-múndi indicam os lugares de origem dos bichos fotografados por Matthijs Kuijpers para o livro Cold Instinct (Foto: Design: Mayra Martins)

Os pontos no mapa-múndi indicam os lugares de origem dos bichos fotografados por Matthijs Kuijpers para o livro Cold Instinct (Foto: Design: Mayra Martins)

Parte desses registros já saiu em veículos como National Geographic, BBC Wildlife Magazine, The Guardian, Time Magazine e Discovery Channel. Ele selecionou 72 animais desse vasto material para serem estrelas do seu primeiro livro de fotografia, Cold Instinct (Instinto Frio, em tradução livre).

São cobras, iguanas, lagartixas, sapos e muito mais — só que nada como provavelmente você já viu se mora em uma casa afastada da cidade ou se gosta de acampar de vez em quando. Os “modelos” de Kuijpers são rigorosamente escolhidos para surpreender o olhar. Exibem cores tão deslumbrantes que é fácil imaginar que tenham saído do universo da ficção. Podem parecer minidragões encantados, sapos usados por bruxas, cobras aliadas de vilões. A mente logo conecta essas imagens a algo mágico, mas assustador. Com essa combinação de qualidades, não parece faltar público para admirar esse tipo de trabalho.

PANTHEROPHIS GUTTATUS  |  Onde: América do Norte  |  Tamanho:  60/180 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

PANTHEROPHIS GUTTATUS | Onde: América do Norte | Tamanho: 60/180 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)
É chamada de cobra-do-milho por buscar presas que se alimentam em plantações do tipo. Não tem um veneno funcional, então mata pequenos roedores por constrição (imobilizando e apertando o seu corpo).
*Tamanho médio do adulto.


Para bancar o lançamento, Kuijpers criou uma campanha de financiamento coletivo no site Kickstarter. Ele tinha como meta arrecadar US$ 12 mil (cerca de R$ 52 mil), mas acabou
recebendo muito mais: ao todo, 393 pessoas contribuíram com US$ 35.930 (R$ 155 mil) para tornar realidade o projeto. Agora o livro está aberto à venda geral pela internet — não só para os apoiadores iniciais.

Muito do encanto das imagens, claro, vem da própria natureza, mas os quase 30 anos de experiência também ajudaram o holandês a dar sua contribuição. Sua marca foi construída no minimalismo: sempre fotografa os bichos em um estúdio com fundo preto e nada mais, porque assim as cores vibram mais e os contornos ficam bem marcados. “O que resta é a beleza bizarra dos répteis e anfíbios em sua forma mais simples, sem cenários e sem distrações”, como explica na apresentação do projeto.

 RHINELLA LESCUREI  |  Onde: Guiana Francesa  |  Tamanho: 34/43 mm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

RHINELLA LESCUREI | Onde: Guiana Francesa | Tamanho: 34/43 mm* (Foto: Matthijs Kuijpers)
A espécie de sapo só foi descrita em 2007. Foi encontrada na Guiana Francesa, mas os pesquisadores acreditam que ocorra também em florestas do Suriname e do estado brasileiro do Amapá.
*Tamanho médio de, respectivamente, machos e fêmeas.


Nos bastidores, naturalmente, a coisa não é tão simples assim. Kuijpers tem dois estúdios portáteis para diferentes situações. Um é para locais extremos sem eletricidade; o outro, um pouco maior, é equipado com luzes de estúdio.

CRYPTELYTROPS INSULARIS  |  Onde: Indonésia e Timor Leste  |  Tamanho: 40 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

CRYPTELYTROPS INSULARIS | Onde: Indonésia e Timor Leste | Tamanho: 40 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)
​Esta espécie de víbora gosta de viver em árvores e tem hábitos noturnos. Alimenta-se principalmente de roedores, lagartos, aves e sapos. Também é chamada de víbora de lábios brancos.
*Tamanho médio de um adulto.

Tratadores e assistentes estão presentes, e Kuijpers se protege com luvas. Em um vídeo em que resume seu trabalho, podemos ver uma cobra tentando atacar a sua mão — felizmente protegida — enquanto segura a câmera fotográfica.

Mas, em momentos de distensão, o artista também aproveita para interagir mais à vontade com os “modelos”, o que não é difícil para quem tem diversos animais assim em casa, com o apoio da esposa e das duas filhas, conforme conta. No mesmo vídeo, Kuijpers aparece, por exemplo, completamente envolto por uma cobra-real, espécie peçonhenta natural da Índia e do sul da Ásia, enquanto se prepara, com tranquilidade, para fotografá-la.

ATHERIS HISPIDA  |  Onde: África Central  |  Tamanho: 73/53 cm*  (Foto: Matthijs Kuijpers)

ATHERIS HISPIDA | Onde: África Central | Tamanho: 73/53 cm* (Foto: Matthijs Kuijpers)

Além da função estética, Kuijpers diz acreditar que esse tipo de imagem multicolorida e atenta aos detalhes que aprendeu a criar, por gerar menos rejeição a esses animais normalmente evitados pelos humanos, nos faz refletir mais sobre a necessidade de preservação da herpetofauna — como é chamado o conjunto de répteis e anfíbios. 

A destruição do habitat, com desmatamento e introdução de novos predadores — além dos humanos, gatos selvagens são as maiores ameaças, revela —, e o tráfico são alguns dos maiores problemas para esses animais em todo o mundo. A falta de conhecimento sobre muitas das espécies é outro fator que prejudica a conservação. Estima-se que milhares desses animais nunca tenham sido sequer identificados. É preciso, portanto, prestar atenção para além das fotografias bonitas.

COLD INSTINCT Matthijs Kuijpers, US$ 72 (cerca de R$ 280), 160 págs., em inglês (Foto: Divulgação)

COLD INSTINCT Matthijs Kuijpers, US$ 72 (cerca de R$ 312), 160 págs., em inglês (Foto: Divulgação)