O antissemitismo de Balfour como semente para Israel | Raphael Lima

Raphael Lima de Oliveira
3 min readOct 11, 2023

Arthur Balfour, então Secretário Britânico dos Assuntos Estrangeiros, enviou a carta a seguir em 1917 para Lord Rothschild, líder da comunidade judaica no Reino Unido:

“Caro Lord Rothschild,

É com grande prazer que, em nome do governo de Sua Majestade, lhe apresento a seguinte declaração de apoio às aspirações sionistas. Essa declaração foi submetida ao gabinete e aprovada por ele:

‘O governo de Sua Majestade vê com simpatia o estabelecimento de um Lar Nacional para o Povo Judeu na Palestina e empenhará todos os esforços para facilitar a realização desse objetivo. Fica entendido que isso será feito sem prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas já existentes na Palestina, nem os direitos e status políticos dos judeus em outros países.’

Agradeço antecipadamente por encaminhar esta declaração à Federação Sionista.

Arthur James Balfour.”

Anos antes, ainda no final do século XIX, após o Congresso Sionista de Basileia (início do sionismo político), judeus estabeleceram objetivos que visavam a criação de um estado judaico na Palestina. Como resumiu Theodor Herzl em “O Estado Judeu” (página 118):

“Se quisesse resumir o Congresso de Basileia em uma fórmula, que terei o cuidado de não proferir publicamente, diria que: na Basileia, criou-se o Estado Judaico.”

Em 1917, com a Palestina sob domínio otomano e a Grande Guerra em curso, a Declaração de Balfour foi emitida pouco depois da troca de poder na região. Os palestinos se encontraram na mira do exército britânico e sob a sombra de uma promessa que favorecia o povo judeu. A notícia demorou a causar impacto devido a censura de jornais durante a Primeira Guerra Mundial, entre outros fatores.

Em 1922, a Sociedade das Nações entregou a Palestina à Grã-Bretanha, fortalecendo a influência da Declaração de Balfour. Nos termos que definiam o Mandato Britânico na região, apenas o povo judeu parecia ter conexão com a Palestina, como apontado por Rashid Khalidi, que afirma que ‘’a Agência Judaica ganhou status de órgão público e autorização para representar oficialmente a causa sionista na Sociedade das Nações’’.

Curiosamente, a postura de Balfour é paradoxal. Muitos membros do movimento sionista emigraram da Rússia devido a uma série de pogroms em diferentes partes do Império Czarista nas últimas décadas do século XIX. A Palestina serviria como lar para esses sobreviventes. No entanto, o governo de Balfour, como primeiro-ministro britânico, implementou a Lei dos Estrangeiros de 1905, destinada a impedir a imigração de refugiados judeus que fugiam do crescente antissemitismo no Império Russo para a Grã-Bretanha. Assim, o sionismo contou com o apoio de antissemitas para planta sua semente na Palestina no início do século XX.

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, o Estado de Israel, que já existia na prática, finalmente ganhou reconhecimento oficial. No entanto, esse marco histórico também marcou o início de uma tragédia para o povo palestino, conhecida como a Nakba. Nesse período, cerca de 80% da população árabe local perdeu suas casas, e mais de 700 mil pessoas se tornaram refugiadas. Até hoje, ao caminhar pelas ruas de cidades na Cisjordânia, é comum avistar inúmeras chaves como símbolo da resistência palestina. Elas representam a esperança de retornar aos lares que deixaram para trás.

Campo de refugiados em Belém, Cisjordânia

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