Coroas Reais: os símbolos de autoridade e opulência no regime monárquico! – Parte II

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Considerada o símbolo mais representativo do poder dos antigos reis e imperadores, a Coroa e os outros elementos da Regalia Real, como o Orbe e o Cetro, estavam presentes nas cerimônias de coroação dos monarcas europeus desde a Idade Média, sendo igualmente utilizadas em outras cerimônias oficiais de Estado, como na abertura anual do Parlamento no Reino Unido, ou em funerais. Soberanos também usavam coroas nos campos de batalha, para serem facilmente identificados entre suas tropas. Logo, seu uso foi acolhido em outras parte do mundo, como na América, na África e na Ásia. Seja nos retratos pintados ou nas imagens heráldicas, as joias da Regalia Real desempenhavam assim um importante papel na composição da imagem pública do monarca e de seu status “semidivino”. Atualmente, poucas monarquias, com exceção da britânica, mantém o costume de coroar seus reis e rainhas. As coroas e os demais ornamentos se tornaram principalmente elementos simbólicos de sua posição enquanto Chefes de Estado. Porém, mesmo expostas em Museus e/ou em Palácios, tais peças possuem uma história incrível para contar, envolvendo disputas familiares pelo poder, guerras e o declínio de Dinastias outrora poderosas. Nesta matéria, selecionamos algumas das Coroas mais interessantes e o contexto histórico no qual essas magníficas peças foram produzidas!

A COROA DE ISABEL I DE CASTELA

Disposta sobre uma almofada de veludo na Capela Real de Granada, na Espanha, fica a única coroa sobrevivente de Isabel I de Castela, a famosa soberana do século XV que, por meio do casamento e da guerra, conseguiu unificar um território dividido em quatro reinos. A coroa da monarca, porém, não se destaca pela presença de gemas preciosas de valor incalculável ou por um design mais extravagante. Nos anos da batalha contra os Mouros, Isabel havia penhorado muitas de suas joias pessoais para financiar o conflito. Quando ela e seu marido, Fernando I de Aragão, finalmente tomaram o Palácio de Alhambra, último reduto islâmico na Península Ibérica, em 1492, Isabel ordenara a confecção de uma nova coroa para representar essa conquista. A joia possui uma estrutura de ouro maciço com padrões em alto-relevo simbolizando a romã de Granada, um emblema que a própria monarca e seus descendentes acabariam utilizando. Algumas telas póstumas, como a de Francisco Pradilla y Ortiz, apresentam a soberana ricamente paramentada com essa coroa na cabeça. A presença de pequenos furos no aro da base indica que a joia originalmente poderia ser adornada com pérolas e/ou pedras preciosas, que teriam sido removidas nos anos subsequentes.

A COROA REAL DA ESPANHA

A coroa real da Espanha, mais conhecida como “corona tumular”. Diferentemente de outras coroas europeias, o modelo da monarquia espanhola é composto por uma armação de prata banhada em ouro, sem qualquer presença de pedras preciosas incrustadas na sua estrutura. A peça teria sido criada, de acordo com alguns historiadores, no ano de 1766 para o funeral da rainha Isabel Farnésio, mãe do rei Carlos III. Desse fato deriva o nome comum da joia, uma vez que ela supostamente repousava sobre o ataúde da soberana. Embora não possua diamantes e outras gemas, a “corona tumular” apresenta riquíssimos padrões em alto-relevo, representando as armas dos antigos reinos de Castela, Leão, Granada, Parma e Tirol, além das flores-de-lis, símbolo da Casa de Bourbon (que passou a governar a Espanha no início do século XVIII com Felipe V, pai de Carlos III). O design da joia, confeccionada pelo ourives da família real, Fernando Velasco, apresenta oito semiarcos com padrões de ramos de louro, que se erguem do aro da base e são unidos por um orbe com uma cruz grega no topo. O interior, por sua vez, é forrado com veludo carmesim.

Desde o reinado da rainha Isabel II no século XIX, a peça acabou se transformando em um símbolo do regime, uma vez que seus soberanos deixaram de ser coroados e passaram a ser aclamados, da mesma forma como acontecera aos monarcas portugueses no século XVII. Sendo assim, a peça em destaque nunca foi efetivamente usada por qualquer rei, estando presente apenas nas cerimônias de aclamação do novo monarca sobre uma almoçada de veludo ricamente ornamentada, bem como em seus funerais. Sua iconografia, portanto, está intimamente relacionada com a exaltação da monarquia espanhola e seu suposto direito divino. A última vez em que a “corona tumular” fora utilizada oficialmente data do ano de 2014, durante a proclamação do atual soberano, Felipe VI. A peça ficou em exibição de frente para o monarca recém-entronizado, ao lado do cetro real, que pertencera ao rei Felipe II da Espanha no século XVI. Atualmente, tanto a coroa quanto o cetro permanecem em exposição pública no Palácio Real de Madri.

A COROA DE LUÍS XV

A Revolução ocorrida na França no final do século XVIII não apenas fez rolar as cabeças do rei e da rainha sobre o cadafalso, como também desapareceu com a maioria das joias e símbolos que faziam referência ao Antigo Regime. Assim que Luís XVI e Maria Antonieta foram feitos prisioneiros em Paris, as chamadas Joias de Estados foram confiscadas pela Assembleia Nacional. Muitas dessas peças remontavam ao tempo de Carlos Magno. O ouro e a prata das peças foram derretidos e suas gemas vendidas separadamente. Com a restauração Bourbon em 1814, pouquíssimos emblemas sobreviveram. Miraculosamente, um deles foi a coroa do rei Luís XV, que permaneceu quase intacta. Confeccionada no ano de 1722, é a única coroa remanescente do absolutismo francês. Na época, o monarca era ainda uma criança, tendo apenas cinco anos quando sucedeu ao seu bisavô, Luís XIV, em 1715. A peça do rei-menino foi montada pelo Joalheiro da Coroa Francesa Laurent Ronde, com diversos diamantes da Coleção Real, tais como os diamantes Mazarin (legados pelo cardeal Mazarin), o famoso diamante Sancy incrustrado na flor-de-lis (símbolo da monarquia capetíngia) e o lendário Diamante Regente, mais tarde removido e usado por Napoleão I.

Centenas de outras pedras preciosas, como rubis, esmeraldas e safiras foram engastadas ao redor da coroa, que possui oito semiarcos que despontam de flores-de-lis presas ao aro, unidos por uma enorme flor-de-lis de diamantes. Seu interior é forrado com veludo carmesim, bordado com padrões em ouro. Na qualidade de primeira monarquia cristã da Europa, a França possuía no total 20 coroas reais, que eram guardadas dentro da Sala do Tesouro na Basílica de Saint-Denis. O lugar guardava coroas de soberanos famosos na história do país, como São Luís e Carlos Magno. Atualmente, a peça usada por Luís XV foi a única de seu gênero que conseguiu sobreviver, ao lado de outras peças do século XIX, como a coroa de Luís XVIII e as coroas de Napoleão I, Napoleão III e Eugénia de Montijo. Infelizmente, muitas das pedras originais da coroa de Luís XV, como o diamante Sancy, que ficava no topo da flor-de-lis, entre outras gemas, foram removidas ao longo dos anos e substituídas por cristais. O brilho que restou dela atualmente representa apenas em 1/3 daquilo que era quando o objeto fora fabricado em 1722, embora ainda ofereça aos olhos do observador um vislumbre da opulência do Antigo Regime na França. Hoje em dia, a coroa se encontra em exposição no Museu do Louvre, em Paris.

A COROA DE NAPOLEÃO I

Coroa utilizada na cerimônia de coroação de Napoleão Bonaparte como primeiro Imperador dos Franceses, ocorrida em 2 de dezembro de 1804 na Catedral de Notre Dame, em Paris. Chamada pelo monarca de “Coroa de Carlos Magno” (cuja original havia sido destruída durante a Revolução Francesa, ao lado de outras insígnias reais), a peça representava uma clara tentativa feita por Napoleão de se comparar ao famoso rei dos Francos e Sacro Imperador Romano. Assim que Bonaparte assumiu o poder e se autoproclamou imperador em 1804, ele ordenou a confecção de novas peças para compor as regalias imperiais, incluindo uma coroa. Sua armação em ouro é composta por oito semiarcos que se erguem do aro da base até o topo, unidos por um orbe com uma cruz. Mas, diferentemente de outras coroas da época, a “Coroa de Carlos Magno” não se destaca pela presença exagerada de diamantes e outras pedras preciosas. No lugar das valiosas gemas, foram engastados camafeus de conchas e cornalinas. O interior da peça, por sua vez, apresenta um gorro de veludo vermelho.

Seu resultado lembra bastante o design das coroas medievais da Europa, atendendo assim ao desejo de Napoleão de representar a si mesmo como os soberanos de outrora. Durante a cerimônia de coroação, o monarca, que também usava uma coroa de louros na cabeça, à semelhança dos antigos imperadores romanos, inverteu a tradição corrente desde os tempos de Carlos Magno, na qual um membro da Igreja deveria pousar o símbolo da realeza na cabeça do soberano. Em vez disso, o Papa Pio VI, que havia saído de Roma especialmente para essa ocasião, assistiu passivamente Napoleão retirar sua prerrogativa eclesiástica e coroar a si mesmo Imperador dos Franceses. Em seguida, ele coroou sua esposa, a Imperatriz Joséphine. O monarca utilizou a peça até a sua segunda derrota, em 1815, durante o período que ficou conhecido como o “governo dos 100 dias”. Em 1885, a Assembleia Nacional decidiu se livrar da maioria das joias reais e imperiais da França, mantendo consigo apenas algumas peças de valor histórico. A Coroa de Napoleão I foi uma delas e hoje se encontra em exposição no Museu do Louvre, em Paris.

A COROA DE EUGÉNIA DE MONTIJO

Diferentemente de seu tio, Napoleão III não providenciou para si ou para sua esposa uma cerimônia de coroação, como a que foi retratada com toda pompa e circunstância pelos pincéis de Jacques Louis-David. Contudo, o terceiro Imperador dos Franceses ordenara a confecção de duas coroas, uma para si e outra para a Imperatriz Eugénia, para simbolizar seu status como novos governantes. Criada em 1855 por ocasião da Grande Exposição Universal de Paris, quando Napoleão e Eugénia receberiam a rainha Vitória e o príncipe Albert, a coroa de Imperatriz Consorte foi confeccionada pelo joalheiro Gabriel Lemonnier. Seu design em ouro maciço apresenta as águias imperiais servindo como semiarcos. As pontas de suas asas se unem sob um orbe com uma cruz inteiramente cravejados com diamantes e esmeraldas. Um delicado padrão de penas, engastadas com as mesmas pedras preciosas, desponta da base do aro entre cada uma das águias até o topo. Na base, mais diamantes e esmeraldas foram incrustrados, enquanto seu interior é forrado com veludo carmesim. Apesar da imponência da joia, não há qualquer registro de que Eugénia a tenha utilizado publicamente. Sua função era meramente representativa.

Por volta dessa mesma época, uma coroa para Napoleão III fora feita seguindo o mesmo padrão da de sua esposa, com as águias imperiais servindo como semiarcos. Contudo, a Terceira República Francesa não quis manter a peça do Imperador, destronado em 1870 durante a guerra franco-prussiana. Em 1885, durante a venda das joias da coroa, organizada com a intenção de impedir que outro rei ou imperador dos franceses desse um golpe de estado e se apropriasse das insígnias monárquicas, a coroa de Napoleão III foi vendida e posteriormente desmontada. O que se tem hoje é uma réplica simples de como a original teria sido. Por outro lado, a peça que pertencera à Imperatriz Eugénia conseguiu sobreviver intacta. Após serem tirados do poder, os soberanos encontraram asilo na Inglaterra, sob a proteção da rainha Vitória. Embora Napoleão tenha falecido pouco tempo depois, em 1873, Eugénia sobreviveu a ele por 47 anos, falecendo em 1920. Durante esse período, sua coroa lhe fora restituída. Como seu único filho com o Imperador morrera na África do Sul em 1879, ela deixou a peça em herança para sua sobrinha, a princesa Marie-Clotilde Bonaparte. Em 1988, a coroa foi leiloada e depois disso foi doada por Roberto Polo ao Museu do Louvre, onde se encontra atualmente em exposição.

A COROA REAL DE PORTUGAL

A coroa real de Portugal, confeccionada em ouro para D. João VI do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A peça foi montada no ano de 1817, na cidade do Rio de Janeiro, na oficina de Dom António Gomes da Silva, sob encomenda do Visconde de Vila Nova da Rainha, então Guarda-joias da Coroa. Ela foi montada especialmente para a Cerimônia de Aclamação do monarca no Brasil. Sua estrutura é composta por oito arcos decorados com perlados maciços e padrões de folhas de louro nas arestas, ligados por uma esfera em cuja ponta se destaca uma cruz Latina. O aro da base, por sua vez, é igualmente decorado com moldes de folhas de louro, flores-de-lis e padrões de losangos. Já o interior, é forrado com veludo carmesim. Com efeito, as coroas mais antigas de Portugal, usadas pelos monarcas que precederam D. João IV no século XVII (ou seja, antes da União Ibérica) não chegaram intactas aos dias de hoje, exceto por suas representações iconográficas.

Sendo assim, desde que foi criada no início do século XIX, a peça em destaque é o melhor exemplo do gênero de que dispomos. Ela esteve presente em quase todas as Cerimônias de Aclamação dos monarcas portugueses, com especial atenção para D. Maria II, a princesa brasileira que se tornou rainha (em seguida, foi usada por seus filhos, D. Pedro V e D. Luís I). Não obstante, uma curiosidade a respeito dessas cerimônias é que, diferentemente da tradição corrente em outras monarquias europeias, os soberanos de Portugal não tinham a coroa posta sobre sua cabeça por um prelado da Igreja durante o momento da sagração. Em 1640, o rei D. João IV, primeiro monarca da Dinastia de Bragança, consagrou a Coroa a Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal. Por isso a joia era sempre pintada nos retratos oficiais ao lado dos reis, nunca adornando sua fronte. Atualmente, a coroa feita no Brasil se encontra em exposição no Museu do Tesouro Real, em Lisboa.

A COROA DE D. PEDRO I DO BRASIL

A coroa de D. Pedro I do Brasil, feita especialmente para sua coroação, ocorrida em 1 de dezembro de 1822, na Capela do Paço Imperial. Pesando 2,689 kg, a peça foi confeccionada em ouro 22 quilates, possuindo um formato elíptico com 36,5 cm de altura e 20 cm de diâmetro. Cerca de 639 diamantes e 227 brilhantes estavam incrustados por toda sua estrutura, cujo interior era forrado com veludo na cor verde bandeira. Mais tarde, as pedras preciosas foram removidas para a montagem da coroa de D. Pedro II, também conhecida como Coroa Diamantina. Conforme podemos observar na imagem, a coroa do primeiro imperador do Brasil é adornada com padrões em alto-relevo que representam ramos de tabaco e café entrelaçados; na base, aparecem oito escudos com as armas imperiais; no topo, uma esfera armilar serve de suporte para uma cruz pátea, representando a Imperial Ordem de Cristo. Além disso, oito semiarcos, adornados com padrões de ramos de palmeira se unem ao globo no cume da peça. Diferentemente de D. João VI, que foi Aclamado Rei, seu filho foi Coroado Imperador três meses depois de proclamar o Brasil independente de Portugal. De acordo com Lilia Scharwcz:

No Brasil, os imperadores passam a ser ungidos e sagrados numa tentativa de dar sacralidade a uma tradição cuja inspiração era antiga, mas a realização datada. Nesse movimento, ao mesmo tempo em que os monarcas ganham santidade, os santos, quando muito adorados, ganham realeza no Brasil. […] De qualquer modo, mantos imperiais convivem com mantos divinos, e o imaginário da realeza acaba permeando fortemente o catolicismo brasileiro (SCHWARCZ, 1999, p.16).

Além da cerimônia de coroação, D. Pedro I costumava usar a coroa nas Falas do Trono, quando fazia seu discurso de Abertura e Fechamento do Parlamento, entre outros eventos oficiais. Conta-se que, após a Proclamação da República em 1889, o paradeiro da peça permaneceu desconhecido até o ano de 1943, quando foi encontrada por um funcionário da Casa da Moeda. Atualmente, a joia se encontra em exposição no Museu Imperial de Petrópolis.

A COROA DE D. PEDRO II DO BRASIL

A coroa de D. Pedro II do Brasil. Também conhecida como Coroa Diamantina, a peça foi confeccionada em ouro maciço no ano de 1841, para a coroação do Imperador Menino (na época com 15 anos), ocorrida em 18 de julho. Para tanto, foram reaproveitados os 639 diamantes da coroa de seu pai, incluindo 77 pérolas naturais, que D. Pedro II também herdara de D. Pedro I e que foram incrustradas na base da joia. A Coroa Diamantina foi fabricada pelo famoso ourives estabelecido na Rua do Ouvidor, Carlos Martin, tendo ficado pronta no dia 8 de julho de 1841 (10 dias antes da coroação). Sua estrutura mede aproximadamente 31 cm de altura por 20,5 cm de diâmetro e pesa quase 2 Kg. Antes da cerimônia de coroação, ela costumava ficar em exposição dentro de um invólucro de cristal, repousando sobre uma almofada de seda branca. Seu design, por sua vez, foi inspirado na coroa de D. Pedro I, porém com algumas modificações.

Os semiarcos que se erguem da base até o topo, unidos por um orbe engastado com diamantes, possuem as arestas decoradas com padrões de folhas em alto-relevo; na base, se destacam grandes florões com diamantes engastados, enquanto pequenos ramos de tabaco e café servem de moldura para a borda da estrutura. O interior é forrado com veludo na cor verde-bandeira. Entre os anos de 1888 e 1889, a Caixa Econômica Federal avaliou a coroa de D. Pedro II em um milhão de dólares! Além da cerimônia de coroação em 1841, o imperador costumava utilizar a peça nas Falas do Trono, quando ele fazia seu discurso de Abertura e Fechamento do Parlamento brasileiro, conforme podemos observar na belíssima tela pintada por Pedro Américo, em 1872. Com a Proclamação da República em 1889, a Coroa Diamantina foi considerada uma joia importante demais e permaneceu guardada no Tesouro Nacional até o ano de 1943, quando foi movida para o Museu Imperial de Petrópolis-RJ, local onde se encontra em exposição até os dia de hoje.

A COROA DO HAVAÍ

A coroa real do Havaí, feita no ano de 1882 para a rainha consorte Kapi’olani. Uma peça idêntica (hoje restaurada), fora feita para seu marido, o rei Kalãkaua, cujo reinado se estendeu de 1874 a 1891. Confeccionada em ouro maciço, a joia era engastada com uma variedade de pedras preciosas, tais como 521 diamantes, 20 opalas, esmeraldas, 20 rubis, 54 pérolas, carbúnculo, esmalte e noz de kukui. O aro da base é decorado com padrões de folhas e uma cruz pátea no centro. Ele sustenta oito semiarcos decorados com perlados, unidos por um orbe cravejado de pérolas e encimado por uma cruz de Malta. O interior da joia, por sua vez, é forrado com veludo vermelho. Após uma viagem pela Europa, Kalãkaua queria uma cerimônia de coroação igual à dos monarcas ingleses. Ocorrido em 12 de fevereiro de 1883, nenhum recurso fora poupado para o evento, principalmente na confecção da regalia real. As coroas de rei e rainha consorte foram encomendadas em Londres. Kalãkaua foi o penúltimo soberano do Havaí. Como ele morreu sem descendência direta, o trono passou para sua irmã, Lili’uokalani, que acabaria se tornando a última monarca do país.

Em 1893, dois anos após chegar ao poder, ela foi destronada em decorrência de uma Revolução Civil, liderada por descendentes de norte-americanos, principalmente empresários, que queriam que o Havaí fizesse parte dos Estados Unidos. No ano seguinte, o país era transformado em uma República unida ao governo norte-americano. Lili’uokalani, que havia sido feita prisioneira no seu Palácio ʻIolani, abdicou formalmente ao trono em 1896, em troca de sua liberdade e da de seus seguidores. Durante o processo de mudança de regime, a coroa original do rei Kalãkaua, que havia sido utilizada apenas em uma ocasião, fora roubada, restando apenas o forro de veludo vermelho em seu cofre. A joia fora desmontada e partes dela foram encontradas numa investigação feita pouco tempo depois. Em 1925, a peça foi restaurada com pedras de vidro, onde antes havia gemas preciosas, e colocada em exposição ao lado da coroa da rainha Kapi’olani (que felizmente permaneceu intacta, como vemos na foto), no Palácio ʻIolani, no Havaí.

A COROA DE RANAVALONA III DE MADAGASCAR

A coroa da rainha Ranavalona III, última monarca de Madagascar, antes do reino africano ser conquistado pelos franceses durante o processo de expansão imperialista da Europa no final do século XIX. Como podemos observar, o símbolo de autoridade da rainha foi quase completamente desprovido de seus ornamentos, restando apenas a armação de zinco com a douração já bastante gasta pelas décadas e o forro interno de veludo vermelho, puído. Durante mais de um século, o objeto ficou em exposição no Museu do Exército em Paris, no “Les Invalides”, como uma espécie de troféu. Com efeito, a peça possuí 70 cm de altura e 35 cm de diâmetro. Sua base é decorada com padrões geométricos, cruzes-pátea e flores-de-lis. Seis semiarcos se erguem do aro ao topo, unidos por um orbe com um cocar folhas. Por 123 anos, a coroa permaneceu na França, até que um acordo entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o presidente malgaxe de Madagascar, Andry Rajoelina, resultou na devolução definitiva da peça no ano de 2020 para o antigo Palácio da rainha, o Rova, que fora renovado e transformado em Museu. Após um breve empréstimo ao Museu das Armas, em Paris, a Coroa de Ranavalona III regressou para seu país de origem, onde repousa sobre uma almofada de veludo carmesim, com o estandarte da soberana ao fundo. O retorno da joia coincidiu com o aniversário de 60 anos da Independência de Madagascar, desde que o território deixou de ser uma colônia francesa. Quando a peça finalmente chegou ao país, o presidente Rajoelina exclamou: “Cento e vinte e três anos após seu sequestro, acolheremos este símbolo de nossa soberania nacional”.

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