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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO
AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL:
DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2012
2
ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO
AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL:
DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado, para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, na
Faculdade de Ciências Sociais.
Orientadora: Profª Drª Márcia Accorsi Pereira
São Paulo
2012
3
ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO
AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL:
DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado, para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, na
Faculdade de Ciências Sociais.
Aprovado em ____ de _______ de 2012.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profª Drª Márcia Accorsi Pereira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
______________________________________
Profª M.ª Márcia Calhes Paixão
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
4
AGRADECIMENTOS
À minha amada companheira Juliana por me suportar todos os dias.
Aos meus pais Márcio e Tânia por me darem o melhor desta vida, o amor
incondicional.
Às minhas irmãs Tahenee e Náhima por seu amor, companheirismo e apoio nos
momentos de dificuldade.
À minha orientadora Márcia Accorsi por ter acreditado em mim e por ter me
subvertido a cada discussão.
À Márcia Paixão por sua brilhante leitura durante o processo de produção deste
trabalho.
Ao conjunto de professores comprometidos do Curso de Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e da Universidade Católica Dom Bosco, que se
imbuíram na dura tarefa de me refinar.
Aos meus colegas de curso que me motivam a ser nobre como eles.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela providencial bolsa de estudos.
Ao Curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por
existir.
E, por fim, à Terra da Garoa, que me acolheu e que me tem proporcionado
oportunidades singulares.
5
O circo do cotidiano está armado
Cobrando ingressos bem na sua porta
O moleque na esquina tem idade do seu filho
E você nem se importa
Como você suporta?
(O Cara e a Vela)
6
RESUMO
O cotidiano é o espaço onde se dá a materialização do trabalho do/a assistente
social. No entanto, seu ritmo é determinado pelo devir da sociedade capitalista. A
intervenção qualificada requer, por parte do profissional, uma ruptura com as
práticas cotidianizadas e alienantes. Desenvolvemos esta pesquisa, a partir de uma
acumulação de angústias relacionadas a dimensão contraditória existente nesta
profissão, com a finalidade de demonstrar que, de fato, é possível efetivarmos, em
nossos espaços de trabalho – e no âmbito dos desafios cotidianos – uma atuação
competente e alinhada com o projeto ético-político-profissional do Serviço Social.
Mediante a uma entrevista com uma profissional, elencamos alguns elementos
fundamentais para a elaboração de propostas voltadas a intervenção qualificada nos
espaços cotidianos da prática. Depois de dialogar com as considerações da
entrevistada e com as ideias de pensadores da profissão e das ciências humanas,
procuramos refletir sobre como se dá a efetivação de uma prática consistente e
transformadora. Este estudo não possui o ímpeto conclusivo acerca do objeto
discutido, no entanto, procuramos problematizar e dar significado ao debate da
questão das implicações da cotidianidade na prática do/a assistente social. A ruptura
com a rotina requer competências técnico-operativas, teórico-metodológicas e ético-
políticas que podem ser expressas na atividade profissional através da formação
continuada, da prática fundamentada e do engajamento político.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ________________________________________________ 8
Capítulo I: Cotidiano: eis a questão ________________________________ 11
Capítulo II: Prática alienada, sujeito reificado_________________________ 23
Capítulo III: A intervenção qualificada ______________________________ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________ 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________ 41
ANEXOS ____________________________________________________ 43
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho é muito significativo, pois, representa o esclarecimento de
algumas angústias acumuladas durante o curso de Serviço Social. Nossa graduação
foi abalada por crises cíclicas, existenciais e profissionais. Crises existenciais porque
lidamos com conhecimentos que sacudiram nossos valores morais e modos de
pensar. Estes conhecimentos são considerados anormais pela maioria da
sociedade, tão anormais que, em diversas situações nos últimos quatro anos,
encontramo-nos em situações delicadíssimas nas quais fomos considerados loucos
e patéticos. Quando sentíamos o desejo de mudar os rumos, por estarmos “remando
contra a maré”, lembramo-nos do compromisso político com o qual nos engajamos
ao ver a realidade social com um olhar mais refinado. E, crises profissionais porque,
ao descobrir a contradição presente nesta profissão, pensamos se, de fato, era
possível realizar um trabalho social competente. Felizmente descobrimos que sim!
Mas, antes fizemos grandes esforços para entender que a transformação social vem
pela força da coletividade, e não da individualidade.
No início do quarto ano estava decidido a discutir sobre as implicações das
práticas religiosas em nossa atuação, pois, sou religioso e não podia me negar. E
ainda, ao constatar que há muitos religiosos nas salas de nosso curso, pensamos
que se realizássemos um trabalho no qual defendêssemos a ideia de que é possível
ser religioso e ao mesmo tempo um profissional comprometido com o projeto ético-
político, contribuiríamos com um tema não muito debatido nos espaços de discussão
da profissão. Porém, por meses nos debatemos com este objeto. E, por fim,
decidimos abandoná-lo. No entanto, um novo problema veio à tona: a escolha de um
novo objeto de estudo.
Quase entrando numa nova tensão acadêmica, lembramo-nos de nossas
crises cíclicas relativas à atuação do/a assistente social, e que ainda não sabíamos
ser possível fazer um trabalho qualificado nesta profissão contraditória. Foi então
que demos conta de que há possibilidades reais em nossa práxis, mas para
encontrá-las, primeiramente teríamos de elencar os limites de nossa atuação. A
9
identificação dos limites tornaria mais real a visualização das possibilidades. Como o
Serviço Social está repleto de limitações, decidimos identificá-las uma de cada vez.
Portanto, este trabalho trata das implicações das expressões da cotidianidade na
práxis profissional. Deixaremos os outros desafios para serem identificados ao longo
da jornada e trabalhados em futuros estudos acadêmicos.
No primeiro capítulo, Cotidiano: eis a questão, elencamos algumas
dificuldades encontradas no dia-a-dia do/a profissional e discutimos sobre como é
desafiador encará-las. Analisamos o Serviço Social como produto das
determinações históricas e sobre a importância de se efetivar nosso projeto
profissional nos espaços sócio-ocupacionais. Por fim, discutimos brevemente sobre
algumas atribuições do/a assistente social.
No segundo capítulo, Prática alienada, sujeito reificado, tratamos da relação
entre profissional, usuário e empregador. Tratamos da maneira como se dá a
cotidianidade em nossos espaços ocupacionais e quais as implicações de algumas
de suas expressões em nossa prática. Procuramos discutir sobre as características
fundantes do Serviço Social e como elas se dão na intervenção.
No terceiro e último capítulo, A intervenção qualificada, propomos um
aprofundamento na discussão sobre a intervenção profissional em si, dando ênfase
na relação com o sujeito. Indicamos caminhos para uma intervenção consciente,
levando em conta a dimensão genérica da profissão e do ser humano que
atendemos.
Optamos por romper com algumas práticas cartesianas na estruturação de
nosso trabalho, por isso, incluímos fragmentos da entrevista realizada com a
assistente social Haydê Mov1
, no próprio desenvolvimento dos capítulos. A
entrevista foi fundamental para a produção deste trabalho, e nos abriu novas
possibilidades de discussão e encaminhamentos.
1
Por motivos éticos a verdadeira identidade da entrevistada foi preservada.
10
Propomo-nos também a trazer o pensamento de autores não vinculados às
questões da profissão, como Morin, que trouxe conceitos genéricos que
fundamentaram e enriqueceram a discussão do objeto.
Desejamos uma boa leitura a todos que entrarem em contato com este
trabalho e esperamos que as discussões, considerações e propostas sejam
esclarecedoras e que façam sentido dentro de suas ações profissionais.
11
Capítulo I: Cotidiano: eis a questão
Um pouco de aventura liberta a
alma cativa do algoz cotidiano.
Clarice Lispector
Iniciaremos este trabalho com a árdua missão de refletir e analisar – à luz das
teorias dos autores da profissão, de autores das ciências humanas, das experiências
de uma Assistente Social que nos deu um depoimento e das experiências práticas
vividas durante nossa trajetória nos estágios exigidos pela formação – sobre uma
questão de longo alcance, inerente a trajetória do Serviço Social na sociedade e que
perpassa pela intervenção diária dos/as assistentes sociais, como num devir
dialético complexo.
De fato, seria transformador se todo profissional, no âmbito de sua
operacionalidade, a examinasse profunda e continuamente, com seriedade e espírito
de inquietação. A questão é se estamos - em nossos espaços sócio-ocupacionais e
no âmbito da opressora vida cotidiana - colocando (competentemente) nossa
profissão a serviço dos interesses históricos da classe trabalhadora, de modo que
nossas ações nos encaminhem objetivamente em direção a um resoluto
compromisso ético-político com as diretrizes e princípios de nosso projeto
profissional, no seio desta sociedade de classes.
Ao ingressar no campo de estágio percebemos o quanto a atuação do/a
profissional do Serviço Social é importante na sociedade, pois, trabalhamos
diretamente no enfrentamento das expressões da questão social, sendo assim:
[...] a questão social não é senão as expressões do processo de
formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no
cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia [...].2
A questão social é demasiadamente complexa e muitas vezes paradoxal,
tanto que, apesar de estudá-la durante quatro anos na graduação, encontramo-nos
2
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1983, p. 77.
12
muitas vezes intricados por não compreendê-la em sua minúcia. Além disso,
verificamos, na prática, o quanto a rotina pode ser massacrante e arrebatadora; não
apenas para o técnico, mas também para os usuários que procuram, nas instituições
de caráter público, privado ou nas do chamado terceiro setor, a prestação de
serviços sociais de qualidade, mas acabam encontrando um espaço subliminar de
violação de direitos. Neste caso o/a assistente social torna-se uma espécie de
“violador/a silencioso/a”.
O que estamos afirmando é que, no emaranhado das vicissitudes do
cotidiano, a prática interventiva do/a assistente social pode se tornar
imperceptivelmente nociva; considerando que a rotina possui, por essência, facetas
coisificantes. Quando isso acontece – e de fato esta é uma realidade muito presente
em nosso dia-a-dia – a prática interventiva torna-se indiferente e aquele processo de
empoderamento de consciência do sujeito de direitos, presente na dimensão
socioeducativa da profissão, não é efetivado; acarretando, assim, na concretização
do projeto ideológico da classe dominante.
Portanto, para entender o objetivo central deste trabalho será importante
considerar que esta rotina, em sua natureza, obedece aos ditames da própria vida
cotidiana, e, sem dúvidas, os/as profissionais do Serviço Social – como os das
demais áreas do saber e fazer – não estão incólumes a suas pontualidades. E, quais
são as pontualidades da vida cotidiana e como elas podem incidir negativamente no
trabalho do assistente social? Trataremos de algumas delas no decorrer deste
trabalho e tentaremos elaborar propostas para seu enfrentamento. No entanto, e
para tal, faz-se mister o aguçamento de nossa capacidade analítica de modo a
entendermos que o devir histórico-humano determina as próprias transformações
estruturais da profissão. O que estamos dizendo é que o Serviço Social se modificou
com o movimento dialético do mundo, e assim continuará com o passar do tempo.
A vida de todos nós está em constante movimento, por isso, ao analisarmos a
história da humanidade, certamente compreenderemos a dimensão das
transformações que os homens introduziram nas relações humanas e sociais.
13
A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe de
nenhuma substância além do homem, pois os homens são os
portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a
construção e transmissão de cada estrutura social.3
Os homens, que são a substância da sociedade, construíram sua própria
história, e, ao transformar o mundo, transfiguraram-se. Não é por acaso que Marx
afirma que é o ser social quem determina a consciência do homem.
Consequentemente – continuando na linha de raciocínio de Heller – “a substância da
sociedade só pode ser a história”.4
Ao homem cabe construir a história humana, por
sua vez a história o situará em seu lugar no tempo. Os homens são produto da
biografia humana que eles mesmos escreveram.
Hoje as relações humanas, demasiadamente sofisticadas, estão travestidas
de complexidades talvez nunca prefiguradas pelos antigos pensadores, tamanha a
sua amplitude e diversidade. Além disso, o universo e a natureza são apreendidos a
partir de novos paradigmas. O avançado conhecimento científico do cosmo permite
ao homem entender-se dentro dos processos naturais, por conseguinte, uma relação
mais sofisticada com a natureza proporciona avanços à humanidade, mas também
retrocessos. A humanidade provou-se hábil na arte da transformação, porém, paga
caro por sua conduta obtusa. Eis um dos grandes contrastes do devir histórico
humano.
Ora, qual a ligação dessa reflexão com o objeto desse trabalho e por que ela
é importante? Morin esclarecerá com a seguinte afirmação:
De modo que a consciência da História deve servir não só para
reconhecermos os caracteres, ao mesmo tempo determinados e
aleatórios do destino humano, mas também para nos abrirmos à
incerteza do futuro. 5
3
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, 7ed., p. 2.
4
Id., 2004, p. 2.
5
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 19ed, p. 61.
14
A consciência histórica permitiu aos profissionais do Serviço Social apreender
esta profissão como produto de interesses humanos antagônicos – o que a torna
necessariamente contraditória. Esses interesses estão materializados, desde a
revolução industrial, por uma fatídica disputa de classes na relação conflituosa entre
capital e trabalho. Guerra coloca esta contradição no cerne da gênese da profissão e
localiza sua incidência em seu processo de legitimação:
[...] há que se refletir sobre a contradição que a própria razão de ser
do Serviço Social porta, qual seja, o processo de institucionalização
da profissão é uma decorrência necessária dos interesses e
demandas das classes sociais que se antagonizam no processo
produtivo capitalista. Aqui, a contradição se localiza no fato de que o
Serviço Social, embora se constituindo em estratégia de
enfrentamento do Estado no tratamento das questões sociais e
instrumento de contenção das mobilizações populares dos
segmentos explorados, tem a sua gênese vinculada à produção
deste mesmo segmento populacional. A mesma lei geral que produz
a acumulação capitalista, para o que, necessariamente, tem que
produzir e manter uma classe da qual possa extrair um excedente
econômico, cria os mecanismos de manutenção material e ideológica
dessa classe, dentre eles o Serviço Social.6
Guerra ainda aponta que “o processo de institucionalização da profissão vem
na esteira do processo de racionalização do Estado burguês, com o intuito de
facilitar a atuação dos monopólios e, ainda, de manter suas bases de legitimação
ante as classes sociais da sociedade brasileira, para o que intervém na criação de
organizações prestadoras de serviços sociais e assistenciais”.7
Sendo assim, é
importante entender que há uma evidente contradição no cerne desta profissão, e
esta contradição é fruto das relações humanas históricas.
Por sua vez, a história é fruto das ações humanas e, posteriormente, ela
mesma será determinante para o processo de transformação daqueles que a
criaram. Por isso, afirmamos que o homem é produto da história. O Serviço Social é
produto das relações sócio-humanas ou, em outras palavras, é fruto de
necessidades contraditórias das classes sociais. Desta forma, podemos afirmar que
6
GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002, 3ed, p. 153.
7
Id., 2002, p. 152.
15
o Serviço Social também é produto dos processos históricos, e, tal como os homens,
transforma-se com o movimento do mundo.
A partir desta análise, podemos chegar a uma questão chave, e talvez óbvia:
os homens mudam com a mudança histórica do mundo. Sendo assim, as
especialidades criadas por eles transformam-se também, dada a dinamicidade da
vida. O Serviço Social é uma especialidade do mundo do trabalho humano que vêm
se transformando com o passar do tempo. Sua trajetória se dá numa proporção
definida pelas próprias determinações sociais. No entanto, quem define os aspectos
de sua caminhada são seus próprios agentes. Por isso, ao analisarmos a história da
profissão no Brasil, vemos que, num determinado momento histórico, ela passou a
caminhar rumo a um sólido compromisso com a classe trabalhadora, rompendo com
seu projeto conservador. Inicia-se, assim, a vigência de um novo projeto profissional.
E isto se deve ao protagonismo de seus agentes.
O movimento de reconceituação do Serviço Social Brasileiro – promovido por
uma parcela vanguardista de nossa categoria, nos anos 80 – permitiu um salto
histórico à profissão quando possibilitou o entendimento de que a relação
contraditória de interesses de classes, tão bem explicitada por Guerra na citação
anterior, introduziu o Serviço Social na sociedade: a história desta profissão acabou
confundindo-se com a própria trajetória da humanidade.
Desde então, abertos às incertezas do futuro, nosso conjunto profissional –
baseado na revolucionária teoria social marxiana que lhes orientou a uma intensa
renovação de suas bases conceituais e políticas – imbuiu-se no desafio de fortalecer
a classe trabalhadora, possibilitando-lhe o entendimento de sua real situação na
sociedade capitalista; auxiliando-a na compreensão de que sua precarização
material, social e de consciência é fruto de diversas determinações histórico-sociais
provenientes de um conflito desigual de classes. Iamamoto afirma:
Nesta medida, as próprias tarefas (prestação, administração de
serviços) serão conduzidas sob outra direção social, sob outra
maneira de pensar, no sentido de reverter o efeito ideológico
16
dominante, reforçando e acumulando condições para um projeto de
classe alternativo e oposto àquele para o qual o assistente social foi
convocado. 8
Estabeleceu-se, então, a vinculação da profissão com um padrão democrático
que:
favorece a ultrapassagem das limitações reais que a ordem burguesa
impõe ao desenvolvimento pleno da cidadania, dos direitos e
garantias individuais e sociais e das tendências à autonomia e à
autogestão social. [...]Cuidou-se de precisar a normatização do
exercício profissional de modo a permitir que aqueles valores sejam
retraduzidos no relacionamento entre assistentes sociais,
instituições/organizações e população, preservando-se os direitos e
deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade
diante do usuário.9
Então, orientados por um novo projeto profissional (de cunho democrático e
socialista), os assistentes sociais reiniciaram sua trajetória, mas agora em busca da
emancipação da classe trabalhadora e não de seu enquadramento político e
ideológico na sociedade do capital, tal como os antigos projetos conservadores
apregoaram.
De fato, construía-se um projeto profissional que, vinculado a um
projeto social radicalmente democrático, redimensionava a inserção
do Serviço Social na vida brasileira, compromissando-o com os
interesses históricos da massa da população trabalhadora.10
Vemos, portanto, que a introdução de um projeto alternativo emancipatório no
seio do Serviço Social redefiniu completamente seu papel na sociedade, pois,
promoveu a
negação da base filosófica tradicional, nitidamente conservadora,
que norteava a ‘ética da neutralidade’, e a afirmação de um novo
perfil do/a técnico/a, não mais um/a agente subalterno/a e apenas
executivo/a, mas um/a profissional competente teórica, técnica e
politicamente.11
8
IAMAMOTO et al. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 3ed, p. 60.
9
Código de Ética do/a Assistente Social, p. 21.
10
Código de Ética do/a Assistente Social, p. 20.
11
Código de Ética do/a Assistente Social, p. 20.
17
Por que um projeto profissional bem alinhado é significativamente importante
para a nossa profissão? Porque ele é, em outras palavras, a própria intencionalidade
da categoria, portanto, indica os caminhos a serem seguidos. No entanto, pouco
importa o caminho a seguir quando não sabemos onde queremos chegar. Por este
motivo, os projetos devem ser claros e objetivos, e devem, acima de tudo, indicar
caminhos seguros. Netto afirma que os projetos profissionais
[...] apresentam a autoimagem da profissão, elegem valores que a
legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e
funções, formulam requisitos (técnicos, institucionais e práticos) para
o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos
profissionais e estabelecem balizas de sua relação com os usuários
dos seus serviços, com outras profissões e com as organizações e
instituições, públicas e privadas.12
Considerando que os projetos profissionais estabelecem balizas de relação
entre profissional e usuário, cabe-nos indagar sobre a intencionalidade do atual
projeto profissional que parametriza e instrumentaliza a prática no exercício
profissional no Serviço Social. O diálogo com esta questão nos possibilitará
apreender com maior facilidade como o entendimento de sua estrutura pode incidir
diretamente na criação de estratégias para a suspensão da cotidianização da prática
interventiva.
Ao ser indagada sobre a maneira como pensa a relação entre profissional e
profissão na perspectiva do projeto ético-político e no sentido de se criar novas
estratégias para a constante renovação da práxis, a entrevistada assim afirmou:
Temos que subverter o Serviço Social! Aqui, nesta
universidade, todas as nossas professoras fazem isso. Tem
gente que subverte rumo a uma linha mais conservadora.
Reafirmo a importância da liberdade. Nosso projeto está
impregnado de liberdade. Temos que nos amparar nele!
Costumo dizer que ele é um aprisionamento, mas também uma
12
NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise
contemporânea. Brasília: CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999.
18
libertação. Procure por aí, qual profissão está baseada numa
perspectiva revolucionária e comprometida com outra forma de
organização social? Embora a sociedade ainda não tenha sido
transformada, nosso projeto traz consigo estes princípios como
categorias fundantes, de luta pela liberdade, de rompimento
com a exploração e com a diferença de classes. E eu acredito
que são estas coisas que produzem a desigualdade social, a
pobreza, a opressão, a discriminação e a violência. A própria
forma como a sociedade está organizada é o que produz tudo
isso. Enfim, estes são fatores que justificam a nossa profissão:
olhe a contradição!
De fato, há um projeto profissional norteador estabelecido nesta profissão,
que é fruto de uma construção coletiva histórica e que continua em constante
amadurecimento, desde a gênese do movimento de reconceituação. É, portanto, um
projeto dinâmico, não estático. Vale lembrar que sua hegemonia não se dá por conta
de uma fictícia singularidade de posições políticas no interior do conjunto profissional
– totalmente ao contrário. Talvez, atualmente, haja mais profissionais
comprometidos com projetos paralelos do que com o hegemônico. Porém, isto não é
de um todo negativo. A não adesão geral de uma categoria a um determinado
projeto expressa o que pode haver de mais importante numa profissão: o respeito
pelas diferenças, liberdades individuais de escolha e pluralidade de concepções
políticas.
Um conjunto profissional que respeita a heterogeneidade de seus agentes e
que valoriza suas diferenças permite, em seu âmago, que haja uma disputa
democrática e sadia de empreendimentos, tendo em vista que um pensamento
unânime geral é um fenômeno quase nunca visto no interior das profissões. Todo
projeto profissional possui uma finalidade, caso contrário não seria projeto, pois, não
se utilizaria de meios para a obtenção de um determinado fim.
19
Mas, afinal de contas, qual é a intencionalidade do atual projeto hegemônico
do Serviço Social? Iamamoto afirma que
os princípios éticos norteadores do projeto profissional estão
fundados no ideário da modernidade, que apresenta a questão
central da liberdade do ser social no coração da reflexão ética; ser
social que se constitui pelo trabalho e dispõe de capacidade
teleológica consciente, afirmando-se como produto e sujeito da
história.13
Nosso projeto profissional, vinculado a um projeto social de cunho socialista,
volta-se para o enfrentamento das desigualdades sociais. Trabalhamos na
perspectiva dos direitos humanos em defesa da classe trabalhadora, pois,
entendemos o proletariado como sujeito protagonista da transformação social.
Também, estamos ancorados num código de ética que nos “remete ao
enfrentamento das contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e
fundamentada teoricamente, das derivações ético-políticas do agir profissional”. 14
Perguntamos à entrevistada se ela acredita que o conhecimento adquirido
dentro das quatro paredes da universidade nos dá bagagem teórica para
efetivarmos o projeto ético-político-profissional em nossos espaços de trabalho. Ela
disse:
Precisamos entender a palavra “liberdade”. Foi dentro das
quatro paredes da universidade que pude aprender a sua
dimensão, através de disciplinas como Filosofia que estão
incluídas no próprio currículo do curso. Em meu trabalho,
proponho oficinas de dança, denominadas “dança para a
liberdade”. Este é o princípio que permeia a minha prática
como profissional do Serviço Social, ou seja, utilizo-me de
outros conhecimentos adquiridos para trazer esta ideia de
libertação, e isto eu aprendi aqui, na universidade. A
13
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais (Serviço
Social na cena contemporânea. Brasília: CFESS, ABEPSS, 2009, v. 1.
14
Código de Ética do/a Assistente Social, p. 22.
20
participação em núcleos e em discussões mais filosóficas deu-
me maior compreensão da prática do que as disciplinas mais
específicas como oficina de formação profissional. Aqui aprendi
a considerar a dimensão humana, por isso consigo
compreender a dança como uma libertação para o corpo
político. Penso desta forma porque passei por estas
experiências e reconheci que estas são categorias fundantes
dos homens.
Compartilhamos, em parte, da mesma concepção que a entrevistada. De fato,
compreendemos que a relação entre formação acadêmica e projeto profissional
materializa-se nos espaços de trabalho. A academia fornece o conhecimento teórico
conectado com a prática, possibilitando-nos a transformação da visão de homem e
de mundo. O projeto profissional indica o caminho e delimita as ações.
Direcionamento consciente é um dos resultados desta junção. Porém, cada
profissional deve decidir o modo como objetivará esta união, pois, como disse a
entrevistada, e concordo plenamente, a dimensão da liberdade está presente em
nossa práxis.
Sobre a formação acadêmica, perguntamos à entrevistada se a graduação
em Serviço Social proporcionou alguma oficina específica que lhe capacitou e
preparou para trabalhar com arte (ou com qualquer outra atividade) em sua atuação.
Ela disse o seguinte:
Minha formação contou com atividades complementares que
me proporcionaram a oportunidade entrar em contato com o
teatro, por exemplo. Meu entendimento da formação arte-
cultura pelo Serviço Social está relacionado com estas
atividades complementares. Lembro-me de uma visita ao
centro da cidade realizada com a turma no primeiro ano do
curso. Parece-me que estas são dimensões da formação,
embora estejam colocadas dentro do campo da
21
complementaridade. O assistente social pode incluir em sua
prática interventiva outras atividades, que, a princípio, não
fazem parte de sua formação específica. Tomo como exemplo
a professora Rosalina Santa Cruz, que trabalhou num projeto
chamado “Refazendo Vínculos”. Naquele espaço ela
trabalhava muito com arte. Havia oficinas de dança, trabalhos
com bonecas de gesso que eram levadas para serem vendidas
na feira, entre outras atividades. Quando iniciei meu estágio
trabalhei numa oficina com atletas e lá estava inclusa uma
dimensão da arte no trabalho. Depois trabalhei com medidas
socioeducativas de prestação de serviços à comunidade; este
era um espaço onde privilegiávamos a pintura e a dança.
Então, estas são dimensões que não estão distantes da
profissão, totalmente ao contrário, caminham lado a lado com
ela. Estes também são nossos papéis como assistentes
sociais, e por que não? Creio que há um discurso controverso
dentro da profissão sobre a questão das práticas terapêuticas.
Hoje, há uma corrente teórica que afirma que toda prática na
área da saúde é terapêutica. O conceito de terapêutico é muito
abrangente. Estamos envolvidos em trabalhos
multidisciplinares na área da saúde, portanto, também
realizamos trabalho terapêutico. Há uma dinâmica de cuidado a
partir do momento em que um indivíduo procura um serviço
que tenha a ver com a questão da terapêutica. Não há como
negar esta dinâmica; depende muito da consciência daquilo
que você está fazendo.
Há um grande debate nos espaços de discussão da profissão sobre o que é e
o que não é atribuição do assistente social. Entendemos que a liberdade é
fundamental, no entanto, há um limite dentro de nossa atuação. Oficinas de dança,
pintura, artesanato e terapia são instrumentos importantes para a condução de um
grupo e podem proporcionar momentos de suspensão aos envolvidos. Mas, somos
22
levados a acreditar que o/a assistente social não é contratado/a para dançar ou
cuidar da saúde mental. Vemos, então, o quanto o trabalho multidisciplinar é
importante em nossa prática. O/A assistente social não pode limitar o sujeito às suas
práticas, deve, pois, proporcionar a efetivação de outras atividades aos usuários,
mas, é claro, envolvendo outros agentes que darão conta de trabalhar mais
qualificadamente com outras dimensões profissionais e humanas.
Para rebater esta afirmação, alguns poderiam perguntar: e se o/a assistente
social possui uma segunda formação acadêmica, por exemplo, em artes cênicas?
Bem, esta é uma questão complicada. Não possuímos respostas fechadas. No
entanto, somos levados a pensar que quem exerce dupla função no espaço
ocupacional deve receber duplo salário e, para tal, faz-se necessária uma dupla
contratação. Pensamos desta maneira, no entanto, estamos abertos para a
discussão.
23
Capítulo II: Prática alienada, sujeito reificado
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
Carlos Drumond de Andrade
No que concerne às práticas interventivas da profissão, preocupa-me,
impreterivelmente neste trabalho, a relação entre assistente social e usuário, e de
que forma o “algoz cotidiano” pode interferi-la negativamente. Entendemos por
cotidiano “[...] o espaço modelado (pelo Estado e pela produção capitalista) para
erigir o homem em robô: um robô capaz de consumismo dócil e voraz, de eficiência
produtiva e que abdicou sua condição de sujeito, cidadão”.15
Nossa entrevistada expressou a seguinte concepção acerca de sua definição
de cotidiano:
Creio que tenha relação com a reprodução de práticas
repetitivas dentro da dimensão cronológica do tempo. O
cotidiano, na verdade, é o transcorrer das reproduções no
tempo em que elas acontecem. Você deve projetar a ideia de
cotidiano para o tempo, e é neste tempo que as pessoas
vivem. Vulgarmente falando, eu diria que o cotidiano é o “dia-a-
dia”. E o que é este dia-a-dia? São as vinte e quatro horas
transcorridas que sempre se repetem.
Como assistentes sociais, devemos encarar o cotidiano como:
[...] o ‘chão’ onde se dá a produção e a reprodução das relações
sociais. E, pois, ele aparece não como ‘diáfano’ em suas reais
dimensões, mas encoberto, mistificado por formas sociais através
das quais aquelas relações se expressam. Assim, a apreensão do
concreto do cotidiano supõe o seu desvelamento. E isto exige que o
15
CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed.
24
profissional supere os traços empiristas e pragmáticos que têm
marcado historicamente a sua ação.16
Pensando na relação entre homem e cotidiano, Heller afirma:
A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem
participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua
individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em
funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas capacidades
intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos,
paixões, ideias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades
se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente,
que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua
intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e
receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver
inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-
los em toda sua intensidade.17
Nosso cotidiano está repleto de pontualidades, as quais precisamos
identificar. Desta forma estaremos mais preparados para compreender qual a
dimensão da cotidianidade em nossa prática profissional. Uma pontualidade comum
pode ser a falta de tempo para atender uma grande demanda de usuários. Porém,
vale ressaltar que cada espaço sócio-ocupacional possui suas especificidades, por
isso, entendemos que a cotidianidade se expressa de modos diferentes, ou seja,
varia de acordo com as determinações de cada local de trabalho.
Solicitamos à entrevistada que comentasse sobre alguma pontualidade
presente em seu trabalho. Ela disse:
Faço atendimentos individuais todos os dias. Não consigo
enxergá-los como iguais entre si porque cada pessoa é
singular e possui suas próprias necessidades. O atendimento é
determinado pela demanda que o usuário traz. Por exemplo,
quase todos os dias faço acompanhamentos do Programa
16
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez,
1991, 3ed.
17
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, 7ed., p. 17.
25
Bolsa-Família. Porém, faço-o porque sempre há beneficiários
para atender. Estes acompanhamentos são uma exigência da
minha gerência. Em nossa região, temos aproximadamente
duzentas e cinquenta pessoas cadastradas neste programa.
Mas, também atendemos demandas espontâneas e, nestes
atendimentos, identificamos pessoas que necessitam de
acompanhamento para o programa. Bem, já que você tocou
nesta questão das pontualidades, eu diria que, na prática,
tenho uma dimensão de rompimento com a rotina. Por
exemplo, não consigo imaginar que um atendimento possa ser
igual ao outro.
Há um grande perigo em se realizar as mesmas atividades todos os dias
porque, se desatentos, acabamos caindo numa rotina massacrante. Neste sentido,
perguntamos à entrevistada de que forma ela percebe isso em sua atuação. A
resposta foi a seguinte:
Não percebo isto dessa forma. Minha colega de trabalho, que
também é assistente social, poderia falar com mais propriedade
sobre esta reprodução. Creio que esta questão tem relação
com a criação de estratégias, em alguns momentos precisamos
ir pelas marginalidades. No entanto, frequentemente preciso
prestar contas dos acompanhamentos que realizo, como o do
Programa Bolsa-Família. Esta ação é feita com a ajuda de um
consolidado, que é uma planilha repleta de números. Isto não
significa que a utilização deste instrumento seja uma forma de
reprodução, ou seja, aqueles números não podem ser apenas
informações que constam num papel. Por exemplo, a
assistente social que trabalha comigo fica concentrada na
busca ativa das gestantes, ou seja, seu trabalho se resume no
monitoramento das gestantes que não comparecem aos
atendimentos. Não sei como ela encara esta situação. Eu não
26
me permito cair nessa reprodução. Há um aprendizado
implicado em cada atendimento. Procuro sempre utilizar
minhas experiências, por exemplo: às vezes trabalho com o
corpo, às vezes com as palavras. Em alguns momentos brigo,
e assim vai. Creio que seja por este motivo que estou há quatro
anos neste emprego, ou seja, apesar de todos os desafios
institucionais gozo de liberdade para agir. Na verdade há uma
rotina. Entro no trabalho ao meio dia e saio às cinco horas da
tarde, às vezes mais tarde. Tenho que bater ponto, tenho que
estar lá todos os dias. Existe uma rotina, eu sempre preciso
prestar contas do meu trabalho.
O/A “profissional da cotidianidade” não consegue aguçar nem realizar todas
as suas capacidades porque o próprio cotidiano não lhe dá tempo nem
possibilidades para tal. Em vista disso, há uma grande necessidade de constantes
suspensões, por isso, entendemos que o desvelamento do cotidiano encoberto é um
desafio deveras enredado. No entanto,
[...] o assistente social, pelo seu contato direto com as múltiplas
expressões cotidianas da vida dos setores populares, dispõe de
condições potencialmente privilegiadas para captá-las, recorrendo a
uma bagagem teórica instrumental que o qualifica para o exercício
desta tarefa.18
Vemos então que possuímos, em nossa formação teórica e prática, bagagem
necessária para enfrentar as implicações das expressões da vida cotidiana. Como
agente político articulador, o/a assistente social “presta serviços e/ou administra
serviços sociais que são a base material a partir da qual desenvolve uma ação
ideológica, política e educativa.19
” E, no que tange as suas relações de trabalho,
entendemos que
18
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez,
1991, 3ed.
19
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez,
1991, 3ed.
27
[...] a prestação de serviços por parte do assistente social é mediada
por uma relação institucional, que legitima o Serviço Social e o
profissionaliza, incorporando-o ao mercado de trabalho através de
um contrato de compra e venda de sua força de trabalho
assalariada.20
Portanto, cabe ao/a assistente social capacitar-se para atuar num contexto de
contradições econômico-sociais, tornado-se capaz de efetivar medidas eficientes
para seu enfrentamento, tendo como horizonte norteador os valores e princípios de
seu código de ética. Desta forma, pressupomos que estará preparado para analisar
criticamente e responder qualificadamente às demandas sociais que lhe serão
apresentadas no dia-a-dia em seu espaço sócio-ocupacional, contemplando, de fato,
seu “compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”.21
As considerações acima nos dão respaldo teórico, ainda que de modo
sucinto, para uma reflexão que se faz necessária na realidade da atuação do/a
assistente social. Refiro-me sobre o desafio de se romper com a “cotidianização” de
sua prática interventiva, ou seja, cabe ao profissional, comprometido com o
entendimento e apreensão da realidade concreta do sujeito social, tornar suas
demandas objeto de sua profunda curiosidade política, palco de sua ativa interação;
de modo que a relação entre profissional e usuário seja uma sólida ocasião de
reconhecimento de direitos políticos, sociais e humanos, e não uma mera
reprodução das relações sociais. O indivíduo atendido é sujeito síntese de múltiplas
determinações sociais, portanto, deve ser tratado como ser humano e não como
objeto. Carvalho nos fornece algumas pistas que contribuem para a compreensão do
processo de ruptura com a cotidianização na prática. “A intensidade de uma grande
paixão, um grande amor, o trabalho livre e prazeroso, uma intensa motivação do
homem pelo humano genérico resultam na suspensão do cotidiano”.22
“Trabalho livre e prazeroso”, não será ilusão? Numa sociedade capitalista a
luta pelo trabalho prazeroso pressupõe uma ruptura com o trabalho alienante,
20
IAMAMOTO et AL. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed,
p. 55.
21
Código de Ética do Assistente Social, p.24.
22
CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed.
28
aquele em que não nos reconhecemos. A “ditadura do capital” impõe ao trabalhador
uma rotina de trabalho pautada numa lógica agressiva de produtividade: o lucro é a
meta final – ou primeira, como quiser – e, em busca deste objetivo, “quem o realiza”
não é tão importante quanto “o que se realiza” muito menos quanto a forma “como
se realiza”. Nesta lógica, o grande viabilizador do lucro, que é o trabalhador, torna-se
objeto descartável e o valor de sua força de trabalho, é menor que a própria
mercadoria que ele mesmo produz. Guerra afirma:
Em outras palavras, as dificuldades postas à intervenção profissional,
embora adquirindo feições específicas, obedece à lógica de
constituição da sociedade capitalista, na qual a inversão da
aparência fenomênica em essência, a substituição do conteúdo pela
forma, a transformação do essencial em acessório, são condições
necessárias à sobrevivência dessa ordem social.23
Estamos incluídos nesta lógica, partindo do pressuposto de que o Serviço
Social também é trabalho. Somos contratados para realizar um trabalho, ou melhor,
para prestar um serviço social de caráter público ou privado. O empregador, que nos
assalaria, espera que nos submetamos às exigências de sua instituição, no entanto,
e na maioria das vezes, tais exigências transversais aos nossos princípios e
diretrizes profissionais. Os usuários dos serviços prestados pela instituição esperam
que atendamos suas demandas por completo, entretanto, os recursos são escassos.
A situação é complexa, pois, precisamos do trabalho para viver, portanto, não
podemos descartar as imposições da instituição, muito menos desconsiderar as
necessidades dos usuários porque constituem nosso próprio objeto de trabalho.
Sendo assim, é compreensível o fato de que muitos de nós acabamos por perder a
sensibilidade profissional: nosso compromisso ético-político é secularizado e a
compreensão da intencionalidade de nosso projeto profissional é esquecida. Nesta
lógica de produtividade quem realiza o trabalho social, ou seja, nós, não somos
respeitados porque o que importa mesmo é que o que se realiza, ou seja, a meta a
ser atingida, portanto, o conteúdo do trabalho é substituído por sua forma. “Como se
realiza” o trabalho é um fator extremamente importante, porém, devemos alinhar
23
GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002, 3ed., p. 158.
29
nossa prática ao modus operandi da instituição empregadora? Esta é uma
indagação importante. Iamamoto relembra-nos de algumas características fundantes
de nossa prática profissional:
A prática do Serviço Social tem, pois as seguintes
características:
 está socialmente determinada em seus traços fundamentais,
 é também produto de seus agentes profissionais,
 é histórica e mutável,
 exige permanentes redefinições frente às mudanças da
questão social – a situação de vida da classe trabalhadora,
sua capacidade de organização e luta –, assim como das
diferentes maneiras de pensar e agir junto dela, definidas
pelas relações de dominação.24
Em meio a estes limites impostos por um mercado de trabalho dinâmico e
exigente e pelas peculiares complexidades das expressões da questão social é que
se torna possível fazer de nossa prática diária um momento de suspensão da rotina.
Porém, não há uma receita pronta para tal. Depende das variações e das
determinações do espaço sócio-ocupacional, dos sujeitos envolvidos e do próprio
desenvolvimento interno da profissão:
As respostas do agente profissional às demandas sociais, embora
condicionadas fundamentalmente pelas variáveis sociais objetivas –
determinado momento conjuntural, determinada instituição –,
dependem também do grau de desenvolvimento interno da profissão.
Tais respostas são também um produto criado pelos assistentes
sociais, estando condicionadas per estes agentes.25
As condições objetivas impostas pelo empregador, pelo movimento da
sociedade capitalista em que vivemos e por outras determinações objetivas,
materializadas no cotidiano profissional de todos nós, muito determinam nossas
ações, mas o compromisso político com a causa – que não pode ser medido – é
também fator determinante. Ao fazer tal afirmação, não pretendemos individualizar o
problema da falta de comprometimento profissional, pois, como já mencionado, há
24
IAMAMOTO et al. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed.,
p. 60.
25
Id, 1991, p. 60-61.
30
outras determinações, no entanto, a forma como conduzimos nossas ações depende
também do quanto a apreendemos e nos envolvemos politicamente com ela.
Em referência às ações profissionais, vale retificar que “tais respostas são
também um produto criado pelos assistentes sociais, estando condicionadas por
estes agentes”.26
Uma atuação alinhada com o projeto ético-político da profissão
requer o conhecimento e o compromisso com os padrões gerais de atuação que
estão contidos nas leis, códigos e demais ferramentas que fundamentam nossa
profissão, que dão base e sustentação para as ações específicas que cada
profissional aplicará em seu espaço de trabalho. Sendo assim, os padrões
específicos de atuação são definidos pelo próprio profissional, pois, dependem das
determinações específicas de sua realidade ocupacional.
26
IAMAMOTO et AL. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed,
p. 61.
31
Capítulo III: A intervenção qualificada
Cobre-nos o cotidiano com seu manto pesado
Sob o qual nos debatemos
Gesto insano, ato desarvorado.
Espelho implacável das nossas desventuras
Das mazelas que temos
E das que desconhecemos.
Úrsula Avner
Até o presente momento propomo-nos a fazer uma macro-análise da
finalidade social da profissão na sociedade em função do entendimento de nosso
objeto de estudo que é a prática cotidiana. Para tanto, contextualizamos a inserção
do Serviço Social na atual conjuntura e refletimos sobre os desafios que as próprias
circunstâncias sociais impõem à realidade profissional, com destaque para a relação
empregador-profissional-usuário. Agora, faremos uma análise mais específica sobre
a intervenção qualificada no dia-a-dia do profissional.
A intervenção qualificada requer, por parte do profissional, competências
teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas. Seria imaturo acreditar
que tais competências podem ser apreendidas somente na academia, entre quatro
paredes; tão somente na prática desprovida de conhecimento teórico. A qualificação
profissional é fruto de uma junção coordenada entre todas as competências exigidas
pela profissão, sendo assim, consideramos que o/a assistente social necessita de
esforço diligente e consciente para atingir seu pleno potencial, de modo que cumpra
sua verdadeira função na sociedade, tendo em vista a sua relativa autonomia no
interior das instituições.
O/A assistente social comprometido/a não pode analisar uma situação-
problema com soluções pré-programadas na mente, pois, estará comprometendo a
qualidade de sua atuação que, de fato, é permeada por diversas possibilidades
reais, mas invisíveis a olhos nus. Faz-se necessário, portanto, um exercício diário de
identificação com os sujeitos atendidos. Morin esclarece brilhantemente esta
questão:
Há um conhecimento que é compreensível e está fundado sobre a
comunicação e a empatia – simpatia, mesmo – intersubjetivas.
32
Assim, compreendo as lágrimas, o sorriso, o riso, o medo, a cólera,
ao ver o ego alter como alter ego, por minha capacidade de
experimentar os mesmos sentimentos que ele. A partir daí,
compreender comporta um processo de identificação e de projeção
de sujeito a sujeito. Se vejo uma criança em prantos, vou
compreendê-la não pela medição do grau de salinidade de suas
lágrimas, mas por identificá-la comigo e identificar-me com ela. A
compressão, sempre intersubjetiva, necessita de abertura e
generosidade.27
O exemplo das lágrimas da criança é magnífico. Alerta-nos para que não
caiamos na armadilha tecnicista de compreensão do outro. A verdadeira
compreensão requer uma troca entre as partes envolvidas, no entanto, esta troca
requer a identificação. E, como posso ver o “ego alter” como “alter ego”, ou seja,
como posso ver-me no outro e o outro ver-se em mim? Nós, assistentes sociais,
precisamos de maior abertura paradigmática. Isto significa que não é inteligente nos
prendermos as certezas que nos impedirão de perceber que, na maioria das vezes,
nossa visão é impiedosamente incerta.
Ao nos abrirmos para as incertezas da prática entenderemos que as
possibilidades para uma intervenção qualificada não serão enxergadas ao mero
acaso, o profissional deve exercitar sua capacidade cognitiva de apreensão da
realidade a fim de transpor as paredes divisórias do real aparente. O real aparente é
uma armadilha certeira que está pronta para agarrar o agente político descuidado,
desprovido da visão de homem e de mundo (totalizadora), aquela que não cede às
inflexões alienantes da opressora vida cotidiana. Conforme Carvalho:
É característica igualmente da vida cotidiana a sua imediaticidade e o
pensamento manipulador. No plano da cotidianidade o útil é o
verdadeiro, porque este é o critério de eficácia. O critério de validez
no cotidiano é o da funcionalidade.28
Portanto, uma intervenção qualificada requer desprendimento de ações
imediatistas vinculadas a um pensamento restrito e fechado. Nem sempre as coisas
e as situações oferecerão uma utilidade prática ou uma resposta rápida. O
imediatismo é o grande inimigo das atitudes ponderadas advindas da reflexão. No
27
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, 19ed., p. 93.
28
CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. Cortez, 1996, 4ed.
33
entanto, diariamente é requerida ao/a técnico/a, como trabalhador/a assalariado/a, a
tomada de decisões rápidas que atendam as necessidades dos usuários na mesma
medida em que respondam as exigências do empregador.
Dentre tantos desafios, é preciso ponderar urgentemente sobre como
podemos tornar-nos profissionais comprometidos com a qualidade de nossa
intervenção, tendo em vista que a realidade objetiva do usuário apresenta-se de tal
forma que não é percebida como um complexo, um todo dinâmico que perpassa por
sua historicidade e vai muito além do sentido natural das coisas. Barroco afirma:
O indivíduo é um ser que, na sua particularidade, expressa as
determinações da sua singularidade e genericidade, mas a relação
entre essas determinações nem sempre aparece ao indivíduo como
tal.29
É importante salientar que essas determinações também não se mostram tão
facilmente para os sujeitos que precisam compreender estes indivíduos, ou seja, nós
assistentes sociais. Este é um dos grandes desafios de nossa atuação: entender o
sujeito, que (à rigor) não se apreende, para intervirmos em sua realidade objetiva, de
modo a fortalecer seu protagonismo a fim de que se torne o agente transformador de
sua própria objetividade humana, e conceda a si mesmo o direito de decidir os
rumos de sua própria trajetória. Não será num simples atendimento de alguns
minutos que alcançaremos este objetivo.
Está enganado o profissional que acredita poder transformar um indivíduo;
apenas podemos proporcionar-lhes momentos de sensibilização, ou de suspensão
da realidade. Podemos, através de constantes reflexões e mediações – e temos
propriedade para tal –, possibilitar-lhe a revogação da visão subalterna de si mesmo.
E como isto pode ser feito? Não há uma resposta exata. Depende muito das
condições proporcionadas pela instituição empregadora, depende da abertura do
próprio sujeito e, também, da competência do assistente social ao manusear alguns
instrumentos mediadores para a sua intervenção. Por exemplo: um assistente social
atento, ao conduzir uma oficina de reflexão sobre o mundo trabalho para jovens de
29
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia Social e Reflexão Ética. São Paulo: 1996, p. 74.
34
uma comunidade periférica marcada pela violência, poderia levá-los a uma peça
teatral onde as questões do trabalho sejam tratadas de forma lúdica e humorística,
proporcionando interação entre plateia e atores. Esta atividade poderia ser
indescritivelmente mais eficaz do que o despender de horas e horas dentro de uma
sala, na abissal tentativa de explicar a complexidade da função do trabalho na
sociedade capitalista para um grupo de adolescentes dispersos que, se absorverem
um terço de suas explicações fizeram muito. Este profissional utilizou a arte como
mediação para a sua prática profissional. Ele certamente proporcionou um momento
de suspensão da cotidianidade para estes jovens e para si mesmo, pois, permitiu-se
sair de seu “massacrante espaço ocupacional de todos os dias”.
As necessidades objetivas dos sujeitos devem ser atendidas: a cesta básica
deve ser entregue, a carteira de trabalho precisa ser feita etc. No entanto, como
agentes políticos articuladores de conhecimento – e não somente de informações –
podemos propiciar momentos de reflexão aos sujeitos, de modo que consigam ver a
si mesmos e sua própria condição com um olhar mais crítico e analítico.
Solicitamos a nossa entrevistada que apontasse uma maneira qualificada de
conduzir a dimensão socioeducativa de nossa prática profissional, no âmbito da
cotidianidade, de modo libertador e emancipatório. Ela disse:
Há uma dimensão processual nisso. Creio que o verdadeiro
trabalho socioeducativo deve possuir continuidade. Tenho um
vínculo muito forte com os usuários com que trabalho, e isso
faz uma grande diferença, o vínculo é fundamental. Não se
trata de um vínculo institucional, é algo que vem da confiança.
E isto requer disponibilidade por parte do profissional. Por isso,
o trabalho socioeducativo deve ser processual. Você acaba
percebendo as mudanças dos sujeitos dentro dos processos. O
vínculo tem uma inauguração, que é o “encontro”. Este
encontro não pode acabar num atendimento. Precisamos
estabelecer elos de comunicação, de tal forma que, ao assistir
um vídeo interessante na internet, envio para o usuário que
35
está em constante contato comigo, pois, a mensagem pode lhe
ser útil. Eu sofro às vezes! São muitas pessoas para pensar e
se comunicar. Neste sentido, sentimos a transformação
acontecendo nos sujeitos ao nosso redor, e em nós mesmos.
E, de fato, as pessoas não são mais as mesmas, corporal e
emocionalmente. Acabamos presenciando diversas mudanças:
de divórcios à abertura para novas relações, mudança de
relacionamento entre mãe e filha, reestruturação familiar,
mudança de posicionamento político. Por exemplo, temos um
grupo de dança no qual começamos uma discussão sobre
preferências políticas. Havia muitas posições extremamente
reacionárias por parte dos integrantes. No entanto, no
desenrolar das atividades percebemos uma grande mudança.
Nenhuma ideia foi imposta ao grupo, a transformação veio a
partir de processos reflexivos. O interessante é que estes
processos ocorrem conosco também, mas, é claro, depende de
nossa disposição para a mudança. Sou levada a crer que um
grande desafio é a resistência do outro, e até aonde
conseguimos insistir, reconhecendo seus limites.
Nem todos os profissionais podem proporcionar atividades lúdicas, ou outras
atividades, a seus usuários, ou melhor, são poucos os que gozam deste privilégio.
Por isso, e como dito anteriormente, a efetivação de uma prática significativa e
sensibilizadora é ocasionada por uma confluência de determinações objetivas, que
vão das práticas institucionais à abertura pessoal dos indivíduos atendidos. Netto,
citando Lukács, explica que há algumas formas de objetivação capazes de superar a
cotidianidade, uma delas é a arte. Ele afirma:
As suspensões que engendram estas objetivações, contudo, não
cortam com a cotidianidade (insuprimível e ineliminável) – são,
justamente, “suspensões da cotidianidade”. Elas – que permitem aos
indivíduos, via homogeneização, assumirem-se como seres humano-
genéricos – não podem ser contínuas: estabelecem um circuito de
retorno à cotidianidade; ao efetuar este retorno, o indivíduo enquanto
36
tal comporta-se cotidianamente com mais eficácia e, ao mesmo
tempo, percebe a cotidianidade diferencialmente: pode percebê-la
como espaço compulsório de humanização (de enriquecimento e
ampliação do ser social). Está contida aqui, nitidamente, uma
dialética de tensões: o retorno à cotidianidade após uma suspensão
(seja criativa, seja fruidora) supõe a alternativa de um indivíduo mais
refinado, educado (justamente porque se alçou à consciência
humano-genérica) [...].30
No exemplo acima citamos a arte – objetivação humana – como mediação
para a nossa prática, porém, há outras. O mais importante é estarmos cientes de
que, como agentes desta profissão, e colocando em pauta a dimensão
socioeducativa de nossa profissão, podemos articular estas “suspensões da
cotidianidade” a que Netto se refere. Barroco afirma:
No âmbito da vida cotidiana o indivíduo se socializa, aprende a
responder às necessidades práticas imediatas, assimila hábitos,
costumes e normas de comportamento. Ao incorporar tais
mediações, vincula-se à sociedade, reproduz o desenvolvimento
humano-genérico, mas as formas dessa incorporação caracterizam-
se por uma dinâmica voltada à singularidade, não à genericidade.31
Este é um dos caminhos para o qual devemos voltar todos os nossos
esforços profissionais: a genericidade humana. No entanto, é muito importante
estarmos cientes da própria genericidade de nossa prática. Quando nos ocupamos
em atividades demasiadamente rotineiras perdemos a compreensão da essência de
nosso trabalho, que é homogeneizador. Homogeneizador no sentido de que a
intervenção qualificada é fruto de objetivações que se convergem para formar um
corpo de atuação sincronizado. Este corpo de atuação é formado por diversos
membros que são igualmente importantes, mas cumprem funções diferentes e
extremamente profícuas para seu bom funcionamento. Citaremos duas.
Uma atuação sincronizada requer, por parte de seu agente, a reflexão ética
ou filosófica. Brites afirma:
30
NETTO, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed., p. 70.
31
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia Social e Reflexão Ética. São Paulo: 1996, p. 74.
37
A reflexão ética é um dos instrumentos que permitem a compreensão
dos limites e possibilidades de atuação profissional frente aos
desafios colocados pela modernidade, na medida em que indaga
sobre a realização objetiva dos valores que assumem.32
Um pouco de reflexão ética todos os dias é determinante, pois, alarga a visão
interventiva do profissional e fortalece-lhe o compromisso com a prática
emancipadora. Isto significa que, ao iniciar mais um dia de trabalho, o/a assistente
social voltará seus esforços intelectuais para o desvelamento da condição humana.
Por que o sujeito é o que é? Por que ele age como age? Por que ele pensa
como pensa? Estas são algumas boas perguntas para se realizar a cada
atendimento, visita domiciliar ou em qualquer atividade promovida pelo/a
profissional. Porém, limitá-las a realidade do outro é insuficiente, precisamos aplicá-
las a nós também. Esta atitude filosófica – de desejar compreender não apenas as
coisas como são, mas por que são o que são – pode ser transformadora. Um
profissional comprometido com sua prática entende que cada dia deve ser
encerrado com uma boa autoavaliação, dentro da perspectiva da reflexão ética.
Certamente seu próximo dia de trabalho será mais interessante, porque verá os
resultados de suas ações com olhos mais refinados.
Uma atuação sincronizada pressupõe, também, por parte de seu agente, a
visão crítica. Ainda citando Brites:
A complexidade da dinâmica do real requer do profissional uma visão
crítica que lhe possibilite uma compreensão da totalidade, que
apreenda os limites e possibilidades para uma ação transformadora.
Quando mencionamos a visão crítica e a ação transformadora não
pretendemos assumir a mudança social somente a partir da
profissão, mas enfatizar a competência do assistente social, cuja
prática possui uma dimensão ético-política. Ser competente requer
um domínio teórico-metodológico, visão crítica e compromisso
social.33
32
BRITES et AL. Serviço Social e Ética: Convite a uma Nova Práxis. São Paulo: Cortez, 2005, 6ed.,
p. 123.
33
Id, 2005, p. 125.
38
Por que a visão crítica é uma competência vital para a prática qualificada?
Porque possibilitará ao profissional uma constante indignação que lhe encaminhará
para o rompimento com o status quo institucional. Portanto, reflexão ética e visão
crítica são elementos fundantes para uma ação emancipatória, promovendo assim,
uma sincronia de competências na atuação, o que colocará o/a assistente social em
consonância com a intencionalidade de seu projeto. Brites continua:
Assim, sabemos que não basta a fundamentação teórico-
metodológica para imediatizarmos uma ação transformadora, a
reflexão ética fará justamente a mediação entre esse saber teórico-
metodológico e os limites e possibilidades, decorrentes das relações
valorativas do homem em sociedade, para a prática profissional.
Enquanto inserido no processo de reprodução das relações sociais, o
assistente social competente deve ter claros a conotação política de
sua prática profissional e as possibilidades e limites para uma ação
comprometida.34
A atuação do/a assistente social possui, em sua essência, três dimensões: a
ética, a política e a profissional. A qualidade de sua intervenção é resultante de uma
prática humano-genérica, a qual compreende uma formação acadêmica de
qualidade, o direcionamento de um projeto profissional consolidado e, sem dúvidas,
o compromisso do agente ativo com a causa que se dispôs a defender. O Serviço
Social é uma especialidade do mundo do trabalho humano, mas se engana quem
pensa que é só isso. O Serviço Social é um caminho tortuoso, trilhado por quem
está disposto a andar sobre pedras e espinhos, é uma profissão que requer um tipo
de engajamento fundamentado, direcionado e politizado; requer uma prática
consciente, ousada e, sempre subversiva.
34
BRITES et AL. Serviço Social e Ética: Convite a uma Nova Práxis. São Paulo: Cortez, 2005, 6ed.,
p. 125.
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática do/a assistente social está permeada por intensos e extensos
desafios, e a sua superação está intrinsecamente condicionada a um preparo
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo por parte do profissional.
Estas são dimensões que, se bem trabalhadas durante a trajetória individual de cada
agente e valorizadas na coletividade do conjunto profissional, certamente farão do
Serviço Social uma profissão mais efetiva dentro sociedade.
A efetivação de nosso projeto ético-político-profissional se dá na atuação
cotidiana. O cotidiano, o espaço da vida de todos nós, possui uma dimensão
material – que compreende os espaços no qual nossas ações se dão – e uma
dimensão imaterial – que compreende o tempo no qual nossas ações acontecem –.
Não há como fugir da vida cotidiana, ela é inerente a história e a vida humana.
Na sociedade capitalista o cotidiano é massacrante, reificador e
desumanizador. Seu ritmo é imposto pela organização econômica da sociedade e
não pela escolha individual dos sujeitos humanos que o vive. O homem é objeto e
seu valor é determinado pela sua capacidade de produção através da venda de sua
força de trabalho.
Neste sentido, e pensando no modelo social em que vivemos, o cotidiano e
suas expressões nos são apresentados como um chão de trabalho desnivelado. A
rotina é uma das expressões da cotidianidade, e o/a assistente social desatento/a e
despreparado/a pode sucumbir a suas inflexões alienantes. Os desafios se fazem
presentes em nossa atuação. Somos exigidos de todos os lados: pelo empregador,
pelas demandas da classe que nos comprometemos a defender, por nossas
necessidades pessoais, pela necessidade de constante atualização profissional,
pelas lutas de nossa categoria etc. Somos, muitas vezes, renegados por um
mercado de trabalho parametrizado pela lógica da produtividade. Dentre tantas
exigências, alguns de nós sucumbimos de modo a perdermos completamente a
força ética e o compromisso político de nossa atuação. Sendo assim, nossas ações
40
tornam-se esvaziadas e insignificantes, pois, na lógica da produção, o trabalho tende
a possuir apenas um valor comercial, e não social.
Há muitas limitações, porém, há possibilidades. A prática reificadora no
Serviço Social pode ser superada. Nosso dia-a-dia profissional, ao invés de rotineiro,
pode ser relevante e significativo. Para isso, precisamos estar em constante
formação e engajados na luta política. Estas atividades são por si só
transformadoras. O encontro com o conhecimento teórico e o embate político
proporcionam momentos de suspensão da cotidianidade, de forma que, ao
retornarmos a ela depois de momentos de sensibilização, estaremos mais refinados
e educados; assim, observaremos o mundo ao nosso redor de forma diferente.
Neste sentido, todo/a assistente social comprometido/a pode proporcionar a si
mesmo/a momentos de autoavaliação. A autoavaliação requer reflexão ética e visão
crítica. Estas são atitudes que nos fazem entender que tanto nosso trabalho quanto
os sujeitos com quem nos dispomos a trabalhar – a classe trabalhadora – são
determinados por uma gama de objetivações sociais. Esta compreensão é vital,
pois, permite-nos desconfiar de nosso olhar profissional e pessoal, e nos faz
entender que as coisas não são como aparentam ser e que não seriam o que são
se, de fato, uma pequena parcela da sociedade – a detentora dos meios de
produção – estivesse disposta a abrir mão de seus interesses individuais e egoístas.
Na medida em que nos permitirmos a aberturas paradigmáticas, romperemos
com as certezas que nos fazem cegos e que nos impossibilitam entender que tudo
está em movimento, portanto, como profissionais do Serviço Social, não podemos
ser os únicos a permanecer estagnados no embate político, na formação acadêmica
e na vida profissional.
41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia social e reflexão ética. São Paulo: s.n,
1996.
BRITES, Cristina Maria; BONETTI, Dilséia Adeodata. (Org.). Serviço Social e ética:
convite a uma nova práxis. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; NETTO, José Paulo. Cotidiano:
conhecimento e crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
CÓDIGO DE ÉTICA DO/A ASSISTENTE SOCIAL. Lei 8.662/93 de regulamentação
da profissão. – 10ª. ed. rev. e atual. – [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social,
[2012]. 60 páginas “Atualizado em 13/03/1993, com alterações introduzidas pelas
Resoluções CFESS n. 290/94, 293/94, 333/96 3 594/11.
GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do serviço social. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2002.
HELLER, Agnes 1929 - O cotidiano e a história. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2004.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social: direitos sociais e competências
profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. 760 p. (Publicação: Conselho
Federal de Serviço Social – CFESS, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social – ABEPSS. V. 1)
IAMAMOTO, Marilda Vilela et al. Serviço social crítico: problemas e
perspectivas: um balanço latino-americano / Centro Latinoamericano de Trabajo
Social: [tradução José Paulo Netto]. – 3. ed. – São Paulo : Cortez : [Lima, Peru] :
CELATS, 1991.
IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo:
Cortez, 1983.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
MOV, Haydê. Entrevista concedida a Aslan Rodrigues do Nascimento Bogado.
São Paulo, SP, 30 nov. 2012.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. 7. ed. São Paulo,
Cortez, 2009.
NETTO, José Paulo; CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Cotidiano:
conhecimento e crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
42
NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social
frente à crise contemporânea. In: Crise contemporânea, questão social e Serviço
Social. Capacitação em Serviço Social e política social. Brasília:
CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999.
43
ANEXOS
Entrevista
(30/11/12)
44
Aslan: Qual o significado da palavra “cotidiano” para você?
Haydê Mov: Creio que tenha relação com a reprodução de práticas repetitivas
dentro da dimensão cronológica do tempo. O cotidiano, na verdade, é o transcorrer
das reproduções no tempo em que elas acontecem.
Aslan: Neste trabalho definimos o cotidiano como aquele espaço modelado no qual
nossa vida acontece, e não há como fugir disso. No entanto, você está trazendo o
cotidiano numa perspectiva mais cronológica.
Haydê Mov: Isso. Você deve projetar a ideia de cotidiano para o tempo, e é neste
tempo que as pessoas vivem. Vulgarmente falando, eu diria que o cotidiano é o “dia-
a-dia”. E o que é este dia-a-dia? São as vinte e quatro horas transcorridas que
sempre se repetem.
Aslan: O cotidiano do/a Assistente Social está repleto de pontualidades, as quais
ele/a precisa identificar. Desta forma estará mais preparado/a para compreender
qual a dimensão da cotidianidade em sua prática profissional. Uma pontualidade
comum pode ser a falta de tempo para atender uma grande demanda de usuários.
Porém, vale ressaltar que cada espaço sócio-ocupacional possui suas
especificidades, por isso, sou levado a pensar que a cotidianidade se expressa de
formas diferentes, ou seja, varia de acordo com as determinações de cada local de
trabalho. Fale-me sobre uma pontualidade presente em seu trabalho.
Haydê Mov: Atendimentos individuais. Isto é algo que faço todos os dias.
Aslan: Como são estes atendimentos?
Haydê Mov: Não consigo enxergá-los como iguais entre si porque cada pessoa
singular e possui sua própria necessidade. O atendimento é determinado pela
demanda que o usuário traz. Por exemplo, quase todos os dias faço
45
acompanhamento do Programa Bolsa-Família. Porém, faço todos os dias porque
sempre há beneficiários para atender.
Aslan: Mas este acompanhamento é uma exigência do empregador?
Haydê Mov: Sim. De minha gerência. Em nossa região, temos aproximadamente
duzentas e cinquenta pessoas cadastradas neste programa. Mas, também
atendemos demandas espontâneas e, nestes atendimentos identificamos pessoas
que necessitam de acompanhamento para o programa. Bem, já que você tocou
nesta questão das pontualidades, eu diria que, na prática, tenho uma dimensão de
rompimento com a rotina. Por exemplo, não consigo imaginar que um atendimento
possa ser igual ao outro.
Aslan: Fale-me sobre outra pontualidade.
Haydê Mov: São tantas! Trabalhamos com o Programa Mãe Paulistana. Fazemos
acompanhamento das gestantes, mas não me identifico muito com este trabalho.
Aslan: Então, percebo que acompanhamento de programas é uma verdadeira
realidade em seu espaço sócio-ocupacional. Esta é a sua principal função?
Haydê Mov: Sim.
Aslan: Há um grande perigo em se realizar as mesmas atividades todos os dias
porque, se desatentos, acabamos caindo numa rotina massacrante. Como você
percebe e lhe dá com isso?
Haydê Mov: Não percebo isto dessa forma. Minha colega de trabalho, que também
é assistente social, poderia falar com mais propriedade sobre esta reprodução. Creio
que esta questão tem relação com a criação de estratégias, em alguns momentos
precisamos ir pelas marginalidades. No entanto, frequentemente preciso prestar
contas dos acompanhamentos que realizo, como o do Programa Bolsa-Família. Esta
46
ação é feita com a ajuda de um consolidado, que é uma planilha repleta de números.
Isto não significa que a utilização deste instrumento seja uma forma de reprodução,
ou seja, aqueles números não podem ser apenas informações que constam num
papel. Por exemplo, a assistente social que trabalha comigo fica concentrada na
busca ativa das gestantes, ou seja, seu trabalho se resume no monitoramento das
gestantes que não comparecem aos atendimentos. Não sei como ela encara esta
situação. Eu não me permito cair nesta reprodução. Há um aprendizado implicado
em cada atendimento. Procuro sempre utilizar minhas experiências, por exemplo: às
vezes trabalho com o corpo, às vezes com as palavras. Em alguns momentos brigo,
e assim vai. Creio que seja por este motivo que estou há quatro anos neste
emprego, ou seja, apesar de todos os desafios institucionais gozo de liberdade para
agir.
Aslan: Você está me dizendo que não permite cair na rotina, certo?
Haydê Mov: Não. Na verdade há uma rotina. Entro no trabalho ao meio dia e saio
às cinco horas da tarde, às vezes mais tarde. Tenho que bater ponto, tenho que
estar lá todos os dias. Existe uma rotina, eu sempre preciso prestar contas do meu
trabalho.
Aslan: Bem, deixando um pouco de lado às exigências institucionais e falando sobre
a sua atuação específica como profissional do Serviço Social. Você está dizendo
que procura fugir das mesmices do dia-a-dia, certo?
Haydê Mov: Falando sobre o atendimento, que é uma das atividades mais
presentes no meu trabalho; procuro não encará-lo como uma mesmice. Além dos
grupos que formamos que estão dentro do fluxo do trabalho e das prerrogativas do
SUS, diversas pessoas me procuram diariamente; estas são as demandas
espontâneas. São atendimentos de múltiplas expressões.
Aslan: Ótimo! Então me fale sobre as estratégias que você tem criado para fazer
com que estes atendimentos sejam realizados de forma diferente, de modo que sua
47
intervenção na realidade objetiva destes sujeitos não seja rotineira. Você me disse
que sua colega de trabalho tem mecanizado sua prática. Em quais pontos a sua
práxis se difere da dela?
Haydê Mov: Percebo o quanto a dimensão política do corpo é importante. Uma de
minhas estratégias é a abordagem do corpo. Outra é o manuseio da palavra como
instrumento de acontecimento. Sempre utilizo poesias. Tenho comigo livros.
Aproprio-me das ferramentas da internet. Por exemplo, atendo muitas pessoas em
situação de rua, elas são provenientes de diversas regiões do país e, em sua
maioria, estão longe de sua terra natal há muito tempo. Durante nossas conversas
pergunto sobre seu local de nascimento, em seguida procuramos, nas ferramentas
da internet, informações sobre suas cidades. Isto toca profundamente suas
memórias emocionais e fortalece vínculos com suas raízes. Pensando noutro
exemplo, já tivemos grupos de contadores de histórias, de dança e de orientação
sobre plantas medicinais. Dependendo do caso, faço encaminhamentos para grupos
orientados por outros profissionais.
Aslan: Estas atividades são atribuições do/a assistente social?
Haydê Mov: Sim.
Aslan: Durante a graduação em Serviço Social você participou de alguma oficina
específica que lhe capacitou para trabalhar com arte nos espaços sócio-
ocupacionais?
Haydê Mov: Minha formação contou com atividades complementares que me
proporcionaram a oportunidade entrar em contato com o teatro, por exemplo. Meu
entendimento da formação arte-cultura pelo Serviço Social está relacionado às
atividades complementares. Lembro-me de uma visita ao centro da cidade realizada
com a turma no primeiro ano do curso. Parece-me que estas são dimensões da
formação, embora estejam colocadas dentro do campo da complementaridade.
48
Aslan: Você acredita que o profissional pode incluir em sua prática interventiva
outras atividades que, a princípio, não fazem parte de sua formação específica em
Serviço Social?
Haydê Mov: Sim. Tomo como exemplo a professora Rosalina Santacruz, que
trabalhou num projeto chamado “Refazendo Vínculos”. Naquele espaço ela
trabalhava muito com arte. Havia oficinas de dança, trabalhos com bonecas de
gesso que eram levadas para serem vendidas na feira, entre outras atividades.
Quando iniciei meu estágio trabalhei numa oficina com atletas e lá estava inclusa
uma dimensão da arte no trabalho. Depois trabalhei com medidas socioeducativas
de prestação de serviços à comunidade; este era um espaço aonde privilegiávamos
a pintura e a dança. Então, estas são dimensões que não estão distantes da
profissão, totalmente ao contrário, caminham lado a lado com ela. Estes também
são nossos papéis como assistentes sociais, e por que não? Creio que há um
discurso controverso dentro da profissão sobre a questão das práticas terapêuticas.
Hoje, há uma corrente teórica que afirma que toda prática na área da saúde é
terapêutica. O conceito de terapêutico é muito abrangente. Estamos envolvidos em
trabalhos multidisciplinares na área da saúde, portanto, também realizamos trabalho
terapêutico. Há uma dinâmica de cuidado a partir do momento em que um indivíduo
procura um serviço que tenha a ver com a questão da terapêutica. Não há como
negar esta dinâmica; depende muito da consciência daquilo que você está fazendo.
Aslan: Percebi que, para a descotidianização de sua prática interventiva, você tem
se apropriado de atividades que vão para além daquelas que estão dentro de nossa
própria bagagem profissional, que, a meu ver, não abrange todos os conhecimentos
e práticas das outras áreas do saber; e nem deveria.
Haydê Mov: Eu diria mais. Esta é a única forma pelo qual podemos sair destes
mecanismos quadrados da profissão.
49
Aslan: Você acredita que o conhecimento adquirido dentro das quatro paredes da
universidade nos dá bagagem teórica para efetivamos o projeto ético-político-
profissional em nossos espaços de trabalho?
Haydê Mov: Precisamos entender a palavra “liberdade”. Foi dentro das quatro
paredes da universidade que pude aprender a sua dimensão, através de disciplinas
como Filosofia que estão incluídas no próprio currículo do curso. Em meu trabalho,
proponho oficinas de dança, denominadas “dança para a liberdade”. Este é o
princípio que permeia a minha prática como profissional do Serviço Social, ou seja,
utilizo-me de outros conhecimentos adquiridos para trazer esta ideia de libertação, e
isto eu aprendi aqui, na universidade. A participação em núcleos e em discussões
mais filosóficas deu-me maior compreensão da prática do que as disciplinas mais
específicas como oficina de formação profissional. Aqui aprendi a considerar a
dimensão humana, por isso consigo compreender a dança como uma libertação
para o corpo político. Penso desta forma porque passei por estas experiências e
reconheci que estas são categorias fundantes dos homens.
Aslan: Você acredita que há uma dimensão socioeducativa em nossa práxis
profissional?
Haydê Mov: Sim.
Aslan: Ambos entendemos que as necessidades objetivas dos sujeitos devem ser
atendidas, ou seja, a cesta básica deve ser entregue. No entanto, como agentes
políticos articuladores de conhecimento, e não somente de informações, podemos
propiciar momentos de reflexão aos sujeitos, de modo que consigam ver a si
mesmos e sua própria condição com um olhar mais crítico e transformador. Então,
no âmbito da cotidianidade, diga-me de que forma podemos conduzir a dimensão
socioeducativa de nossa prática de modo libertador e emancipatório.
Haydê Mov: Há uma dimensão processual nisso. Creio que o verdadeiro trabalho
socioeducativo deve possuir continuidade. Tenho um vínculo muito forte com os
50
usuários com que trabalho, e isso faz uma grande diferença, o vínculo é
fundamental. Não se trata de um vínculo institucional, é algo que vem da confiança.
E isto requer disponibilidade por parte do profissional. Por isso, o trabalho
socioeducativo deve ser processual. Você acaba percebendo as mudanças dos
sujeitos dentro dos processos. O vínculo tem uma inauguração, que é o “encontro”.
Este encontro não pode acabar num atendimento. Precisamos estabelecer elos de
comunicação, de tal forma que, ao assistir um vídeo interessante na internet, envio
para o usuário que está em constante contato comigo, pois, a mensagem pode lhe
ser útil. Eu sofro às vezes! São muitas pessoas para pensar e se comunicar. Neste
sentido, sentimos a transformação acontecendo nos sujeitos ao nosso redor, e em
nós mesmos. E, de fato, as pessoas não são mais as mesmas, corporal e
emocionalmente. Acabamos presenciando diversas mudanças: de divórcios à
abertura para novas relações, mudança de relacionamento entre mãe e filha,
reestruturação familiar, mudança de posicionamento político. Por exemplo, temos
um grupo de dança no qual começamos uma discussão sobre preferências políticas.
Havia muitas posições extremamente reacionárias por parte dos integrantes. No
entanto, no desenrolar das atividades percebemos uma grande mudança. Nenhuma
ideia foi imposta ao grupo, a transformação veio a partir de processos reflexivos. O
interessante é que estes processos ocorrem conosco também, mas, é claro,
depende de nossa disposição para mudar. Sou levada a crer que um grande desafio
é a resistência do outro, e até aonde conseguimos insistir, reconhecendo seus
limites.
Aslan: O que você pensa sobre a relação entre profissional e profissão, no sentido
da criação de novas estratégias para a constante renovação da práxis?
Haydê Mov: Temos que subverter o Serviço Social! Aqui, nesta universidade, todas
as nossas professoras fazem isso. Tem gente que subverte rumo a uma linha mais
conservadora.
Aslan: Precisamos recriar constantemente a profissão?
51
Haydê Mov: Reafirmo a importância da liberdade.
Aslan: O que você tem a dizer sobre nosso projeto-ético-político?
Haydê Mov: Ele está impregnado pela dimensão da liberdade. Temos que nos
amparar nele! Costumo dizer que ele é um aprisionamento, mas também uma
libertação. Procure por aí, qual profissão está baseada numa perspectiva
revolucionária e comprometida com outra forma de organização social? Embora a
sociedade ainda não tenha sido transformada, nosso projeto traz consigo estes
princípios como categorias fundantes, de luta pela liberdade, de rompimento com a
exploração e com a diferença de classes. E eu acredito que são estas coisas que
produzem a desigualdade social, a pobreza, a opressão, a discriminação e a
violência. A própria forma como a sociedade está organizada é o que produz tudo
isso. Enfim, estes são fatores que justificam a nossa profissão: olhe a contradição!
Pensando em todas estas afirmações, creio não estar contra os princípios e
diretrizes de nosso código de ética.

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Desafios da prática cotidiana

  • 1. 1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL: DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2012
  • 2. 2 ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL: DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Faculdade de Ciências Sociais. Orientadora: Profª Drª Márcia Accorsi Pereira São Paulo 2012
  • 3. 3 ASLAN RODRIGUES DO NASCIMENTO BOGADO AS IMPLICAÇÕES DA COTIDIANIDADE NA PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL: DESAFIOS DA INTERVENÇÃO QUALIFICADA NO SERVIÇO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Faculdade de Ciências Sociais. Aprovado em ____ de _______ de 2012. BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Profª Drª Márcia Accorsi Pereira Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ______________________________________ Profª M.ª Márcia Calhes Paixão Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
  • 4. 4 AGRADECIMENTOS À minha amada companheira Juliana por me suportar todos os dias. Aos meus pais Márcio e Tânia por me darem o melhor desta vida, o amor incondicional. Às minhas irmãs Tahenee e Náhima por seu amor, companheirismo e apoio nos momentos de dificuldade. À minha orientadora Márcia Accorsi por ter acreditado em mim e por ter me subvertido a cada discussão. À Márcia Paixão por sua brilhante leitura durante o processo de produção deste trabalho. Ao conjunto de professores comprometidos do Curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade Católica Dom Bosco, que se imbuíram na dura tarefa de me refinar. Aos meus colegas de curso que me motivam a ser nobre como eles. À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela providencial bolsa de estudos. Ao Curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por existir. E, por fim, à Terra da Garoa, que me acolheu e que me tem proporcionado oportunidades singulares.
  • 5. 5 O circo do cotidiano está armado Cobrando ingressos bem na sua porta O moleque na esquina tem idade do seu filho E você nem se importa Como você suporta? (O Cara e a Vela)
  • 6. 6 RESUMO O cotidiano é o espaço onde se dá a materialização do trabalho do/a assistente social. No entanto, seu ritmo é determinado pelo devir da sociedade capitalista. A intervenção qualificada requer, por parte do profissional, uma ruptura com as práticas cotidianizadas e alienantes. Desenvolvemos esta pesquisa, a partir de uma acumulação de angústias relacionadas a dimensão contraditória existente nesta profissão, com a finalidade de demonstrar que, de fato, é possível efetivarmos, em nossos espaços de trabalho – e no âmbito dos desafios cotidianos – uma atuação competente e alinhada com o projeto ético-político-profissional do Serviço Social. Mediante a uma entrevista com uma profissional, elencamos alguns elementos fundamentais para a elaboração de propostas voltadas a intervenção qualificada nos espaços cotidianos da prática. Depois de dialogar com as considerações da entrevistada e com as ideias de pensadores da profissão e das ciências humanas, procuramos refletir sobre como se dá a efetivação de uma prática consistente e transformadora. Este estudo não possui o ímpeto conclusivo acerca do objeto discutido, no entanto, procuramos problematizar e dar significado ao debate da questão das implicações da cotidianidade na prática do/a assistente social. A ruptura com a rotina requer competências técnico-operativas, teórico-metodológicas e ético- políticas que podem ser expressas na atividade profissional através da formação continuada, da prática fundamentada e do engajamento político.
  • 7. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ________________________________________________ 8 Capítulo I: Cotidiano: eis a questão ________________________________ 11 Capítulo II: Prática alienada, sujeito reificado_________________________ 23 Capítulo III: A intervenção qualificada ______________________________ 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________ 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________ 41 ANEXOS ____________________________________________________ 43
  • 8. 8 INTRODUÇÃO Este trabalho é muito significativo, pois, representa o esclarecimento de algumas angústias acumuladas durante o curso de Serviço Social. Nossa graduação foi abalada por crises cíclicas, existenciais e profissionais. Crises existenciais porque lidamos com conhecimentos que sacudiram nossos valores morais e modos de pensar. Estes conhecimentos são considerados anormais pela maioria da sociedade, tão anormais que, em diversas situações nos últimos quatro anos, encontramo-nos em situações delicadíssimas nas quais fomos considerados loucos e patéticos. Quando sentíamos o desejo de mudar os rumos, por estarmos “remando contra a maré”, lembramo-nos do compromisso político com o qual nos engajamos ao ver a realidade social com um olhar mais refinado. E, crises profissionais porque, ao descobrir a contradição presente nesta profissão, pensamos se, de fato, era possível realizar um trabalho social competente. Felizmente descobrimos que sim! Mas, antes fizemos grandes esforços para entender que a transformação social vem pela força da coletividade, e não da individualidade. No início do quarto ano estava decidido a discutir sobre as implicações das práticas religiosas em nossa atuação, pois, sou religioso e não podia me negar. E ainda, ao constatar que há muitos religiosos nas salas de nosso curso, pensamos que se realizássemos um trabalho no qual defendêssemos a ideia de que é possível ser religioso e ao mesmo tempo um profissional comprometido com o projeto ético- político, contribuiríamos com um tema não muito debatido nos espaços de discussão da profissão. Porém, por meses nos debatemos com este objeto. E, por fim, decidimos abandoná-lo. No entanto, um novo problema veio à tona: a escolha de um novo objeto de estudo. Quase entrando numa nova tensão acadêmica, lembramo-nos de nossas crises cíclicas relativas à atuação do/a assistente social, e que ainda não sabíamos ser possível fazer um trabalho qualificado nesta profissão contraditória. Foi então que demos conta de que há possibilidades reais em nossa práxis, mas para encontrá-las, primeiramente teríamos de elencar os limites de nossa atuação. A
  • 9. 9 identificação dos limites tornaria mais real a visualização das possibilidades. Como o Serviço Social está repleto de limitações, decidimos identificá-las uma de cada vez. Portanto, este trabalho trata das implicações das expressões da cotidianidade na práxis profissional. Deixaremos os outros desafios para serem identificados ao longo da jornada e trabalhados em futuros estudos acadêmicos. No primeiro capítulo, Cotidiano: eis a questão, elencamos algumas dificuldades encontradas no dia-a-dia do/a profissional e discutimos sobre como é desafiador encará-las. Analisamos o Serviço Social como produto das determinações históricas e sobre a importância de se efetivar nosso projeto profissional nos espaços sócio-ocupacionais. Por fim, discutimos brevemente sobre algumas atribuições do/a assistente social. No segundo capítulo, Prática alienada, sujeito reificado, tratamos da relação entre profissional, usuário e empregador. Tratamos da maneira como se dá a cotidianidade em nossos espaços ocupacionais e quais as implicações de algumas de suas expressões em nossa prática. Procuramos discutir sobre as características fundantes do Serviço Social e como elas se dão na intervenção. No terceiro e último capítulo, A intervenção qualificada, propomos um aprofundamento na discussão sobre a intervenção profissional em si, dando ênfase na relação com o sujeito. Indicamos caminhos para uma intervenção consciente, levando em conta a dimensão genérica da profissão e do ser humano que atendemos. Optamos por romper com algumas práticas cartesianas na estruturação de nosso trabalho, por isso, incluímos fragmentos da entrevista realizada com a assistente social Haydê Mov1 , no próprio desenvolvimento dos capítulos. A entrevista foi fundamental para a produção deste trabalho, e nos abriu novas possibilidades de discussão e encaminhamentos. 1 Por motivos éticos a verdadeira identidade da entrevistada foi preservada.
  • 10. 10 Propomo-nos também a trazer o pensamento de autores não vinculados às questões da profissão, como Morin, que trouxe conceitos genéricos que fundamentaram e enriqueceram a discussão do objeto. Desejamos uma boa leitura a todos que entrarem em contato com este trabalho e esperamos que as discussões, considerações e propostas sejam esclarecedoras e que façam sentido dentro de suas ações profissionais.
  • 11. 11 Capítulo I: Cotidiano: eis a questão Um pouco de aventura liberta a alma cativa do algoz cotidiano. Clarice Lispector Iniciaremos este trabalho com a árdua missão de refletir e analisar – à luz das teorias dos autores da profissão, de autores das ciências humanas, das experiências de uma Assistente Social que nos deu um depoimento e das experiências práticas vividas durante nossa trajetória nos estágios exigidos pela formação – sobre uma questão de longo alcance, inerente a trajetória do Serviço Social na sociedade e que perpassa pela intervenção diária dos/as assistentes sociais, como num devir dialético complexo. De fato, seria transformador se todo profissional, no âmbito de sua operacionalidade, a examinasse profunda e continuamente, com seriedade e espírito de inquietação. A questão é se estamos - em nossos espaços sócio-ocupacionais e no âmbito da opressora vida cotidiana - colocando (competentemente) nossa profissão a serviço dos interesses históricos da classe trabalhadora, de modo que nossas ações nos encaminhem objetivamente em direção a um resoluto compromisso ético-político com as diretrizes e princípios de nosso projeto profissional, no seio desta sociedade de classes. Ao ingressar no campo de estágio percebemos o quanto a atuação do/a profissional do Serviço Social é importante na sociedade, pois, trabalhamos diretamente no enfrentamento das expressões da questão social, sendo assim: [...] a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...].2 A questão social é demasiadamente complexa e muitas vezes paradoxal, tanto que, apesar de estudá-la durante quatro anos na graduação, encontramo-nos 2 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1983, p. 77.
  • 12. 12 muitas vezes intricados por não compreendê-la em sua minúcia. Além disso, verificamos, na prática, o quanto a rotina pode ser massacrante e arrebatadora; não apenas para o técnico, mas também para os usuários que procuram, nas instituições de caráter público, privado ou nas do chamado terceiro setor, a prestação de serviços sociais de qualidade, mas acabam encontrando um espaço subliminar de violação de direitos. Neste caso o/a assistente social torna-se uma espécie de “violador/a silencioso/a”. O que estamos afirmando é que, no emaranhado das vicissitudes do cotidiano, a prática interventiva do/a assistente social pode se tornar imperceptivelmente nociva; considerando que a rotina possui, por essência, facetas coisificantes. Quando isso acontece – e de fato esta é uma realidade muito presente em nosso dia-a-dia – a prática interventiva torna-se indiferente e aquele processo de empoderamento de consciência do sujeito de direitos, presente na dimensão socioeducativa da profissão, não é efetivado; acarretando, assim, na concretização do projeto ideológico da classe dominante. Portanto, para entender o objetivo central deste trabalho será importante considerar que esta rotina, em sua natureza, obedece aos ditames da própria vida cotidiana, e, sem dúvidas, os/as profissionais do Serviço Social – como os das demais áreas do saber e fazer – não estão incólumes a suas pontualidades. E, quais são as pontualidades da vida cotidiana e como elas podem incidir negativamente no trabalho do assistente social? Trataremos de algumas delas no decorrer deste trabalho e tentaremos elaborar propostas para seu enfrentamento. No entanto, e para tal, faz-se mister o aguçamento de nossa capacidade analítica de modo a entendermos que o devir histórico-humano determina as próprias transformações estruturais da profissão. O que estamos dizendo é que o Serviço Social se modificou com o movimento dialético do mundo, e assim continuará com o passar do tempo. A vida de todos nós está em constante movimento, por isso, ao analisarmos a história da humanidade, certamente compreenderemos a dimensão das transformações que os homens introduziram nas relações humanas e sociais.
  • 13. 13 A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura social.3 Os homens, que são a substância da sociedade, construíram sua própria história, e, ao transformar o mundo, transfiguraram-se. Não é por acaso que Marx afirma que é o ser social quem determina a consciência do homem. Consequentemente – continuando na linha de raciocínio de Heller – “a substância da sociedade só pode ser a história”.4 Ao homem cabe construir a história humana, por sua vez a história o situará em seu lugar no tempo. Os homens são produto da biografia humana que eles mesmos escreveram. Hoje as relações humanas, demasiadamente sofisticadas, estão travestidas de complexidades talvez nunca prefiguradas pelos antigos pensadores, tamanha a sua amplitude e diversidade. Além disso, o universo e a natureza são apreendidos a partir de novos paradigmas. O avançado conhecimento científico do cosmo permite ao homem entender-se dentro dos processos naturais, por conseguinte, uma relação mais sofisticada com a natureza proporciona avanços à humanidade, mas também retrocessos. A humanidade provou-se hábil na arte da transformação, porém, paga caro por sua conduta obtusa. Eis um dos grandes contrastes do devir histórico humano. Ora, qual a ligação dessa reflexão com o objeto desse trabalho e por que ela é importante? Morin esclarecerá com a seguinte afirmação: De modo que a consciência da História deve servir não só para reconhecermos os caracteres, ao mesmo tempo determinados e aleatórios do destino humano, mas também para nos abrirmos à incerteza do futuro. 5 3 HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, 7ed., p. 2. 4 Id., 2004, p. 2. 5 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 19ed, p. 61.
  • 14. 14 A consciência histórica permitiu aos profissionais do Serviço Social apreender esta profissão como produto de interesses humanos antagônicos – o que a torna necessariamente contraditória. Esses interesses estão materializados, desde a revolução industrial, por uma fatídica disputa de classes na relação conflituosa entre capital e trabalho. Guerra coloca esta contradição no cerne da gênese da profissão e localiza sua incidência em seu processo de legitimação: [...] há que se refletir sobre a contradição que a própria razão de ser do Serviço Social porta, qual seja, o processo de institucionalização da profissão é uma decorrência necessária dos interesses e demandas das classes sociais que se antagonizam no processo produtivo capitalista. Aqui, a contradição se localiza no fato de que o Serviço Social, embora se constituindo em estratégia de enfrentamento do Estado no tratamento das questões sociais e instrumento de contenção das mobilizações populares dos segmentos explorados, tem a sua gênese vinculada à produção deste mesmo segmento populacional. A mesma lei geral que produz a acumulação capitalista, para o que, necessariamente, tem que produzir e manter uma classe da qual possa extrair um excedente econômico, cria os mecanismos de manutenção material e ideológica dessa classe, dentre eles o Serviço Social.6 Guerra ainda aponta que “o processo de institucionalização da profissão vem na esteira do processo de racionalização do Estado burguês, com o intuito de facilitar a atuação dos monopólios e, ainda, de manter suas bases de legitimação ante as classes sociais da sociedade brasileira, para o que intervém na criação de organizações prestadoras de serviços sociais e assistenciais”.7 Sendo assim, é importante entender que há uma evidente contradição no cerne desta profissão, e esta contradição é fruto das relações humanas históricas. Por sua vez, a história é fruto das ações humanas e, posteriormente, ela mesma será determinante para o processo de transformação daqueles que a criaram. Por isso, afirmamos que o homem é produto da história. O Serviço Social é produto das relações sócio-humanas ou, em outras palavras, é fruto de necessidades contraditórias das classes sociais. Desta forma, podemos afirmar que 6 GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002, 3ed, p. 153. 7 Id., 2002, p. 152.
  • 15. 15 o Serviço Social também é produto dos processos históricos, e, tal como os homens, transforma-se com o movimento do mundo. A partir desta análise, podemos chegar a uma questão chave, e talvez óbvia: os homens mudam com a mudança histórica do mundo. Sendo assim, as especialidades criadas por eles transformam-se também, dada a dinamicidade da vida. O Serviço Social é uma especialidade do mundo do trabalho humano que vêm se transformando com o passar do tempo. Sua trajetória se dá numa proporção definida pelas próprias determinações sociais. No entanto, quem define os aspectos de sua caminhada são seus próprios agentes. Por isso, ao analisarmos a história da profissão no Brasil, vemos que, num determinado momento histórico, ela passou a caminhar rumo a um sólido compromisso com a classe trabalhadora, rompendo com seu projeto conservador. Inicia-se, assim, a vigência de um novo projeto profissional. E isto se deve ao protagonismo de seus agentes. O movimento de reconceituação do Serviço Social Brasileiro – promovido por uma parcela vanguardista de nossa categoria, nos anos 80 – permitiu um salto histórico à profissão quando possibilitou o entendimento de que a relação contraditória de interesses de classes, tão bem explicitada por Guerra na citação anterior, introduziu o Serviço Social na sociedade: a história desta profissão acabou confundindo-se com a própria trajetória da humanidade. Desde então, abertos às incertezas do futuro, nosso conjunto profissional – baseado na revolucionária teoria social marxiana que lhes orientou a uma intensa renovação de suas bases conceituais e políticas – imbuiu-se no desafio de fortalecer a classe trabalhadora, possibilitando-lhe o entendimento de sua real situação na sociedade capitalista; auxiliando-a na compreensão de que sua precarização material, social e de consciência é fruto de diversas determinações histórico-sociais provenientes de um conflito desigual de classes. Iamamoto afirma: Nesta medida, as próprias tarefas (prestação, administração de serviços) serão conduzidas sob outra direção social, sob outra maneira de pensar, no sentido de reverter o efeito ideológico
  • 16. 16 dominante, reforçando e acumulando condições para um projeto de classe alternativo e oposto àquele para o qual o assistente social foi convocado. 8 Estabeleceu-se, então, a vinculação da profissão com um padrão democrático que: favorece a ultrapassagem das limitações reais que a ordem burguesa impõe ao desenvolvimento pleno da cidadania, dos direitos e garantias individuais e sociais e das tendências à autonomia e à autogestão social. [...]Cuidou-se de precisar a normatização do exercício profissional de modo a permitir que aqueles valores sejam retraduzidos no relacionamento entre assistentes sociais, instituições/organizações e população, preservando-se os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade diante do usuário.9 Então, orientados por um novo projeto profissional (de cunho democrático e socialista), os assistentes sociais reiniciaram sua trajetória, mas agora em busca da emancipação da classe trabalhadora e não de seu enquadramento político e ideológico na sociedade do capital, tal como os antigos projetos conservadores apregoaram. De fato, construía-se um projeto profissional que, vinculado a um projeto social radicalmente democrático, redimensionava a inserção do Serviço Social na vida brasileira, compromissando-o com os interesses históricos da massa da população trabalhadora.10 Vemos, portanto, que a introdução de um projeto alternativo emancipatório no seio do Serviço Social redefiniu completamente seu papel na sociedade, pois, promoveu a negação da base filosófica tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a ‘ética da neutralidade’, e a afirmação de um novo perfil do/a técnico/a, não mais um/a agente subalterno/a e apenas executivo/a, mas um/a profissional competente teórica, técnica e politicamente.11 8 IAMAMOTO et al. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 3ed, p. 60. 9 Código de Ética do/a Assistente Social, p. 21. 10 Código de Ética do/a Assistente Social, p. 20. 11 Código de Ética do/a Assistente Social, p. 20.
  • 17. 17 Por que um projeto profissional bem alinhado é significativamente importante para a nossa profissão? Porque ele é, em outras palavras, a própria intencionalidade da categoria, portanto, indica os caminhos a serem seguidos. No entanto, pouco importa o caminho a seguir quando não sabemos onde queremos chegar. Por este motivo, os projetos devem ser claros e objetivos, e devem, acima de tudo, indicar caminhos seguros. Netto afirma que os projetos profissionais [...] apresentam a autoimagem da profissão, elegem valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam requisitos (técnicos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem balizas de sua relação com os usuários dos seus serviços, com outras profissões e com as organizações e instituições, públicas e privadas.12 Considerando que os projetos profissionais estabelecem balizas de relação entre profissional e usuário, cabe-nos indagar sobre a intencionalidade do atual projeto profissional que parametriza e instrumentaliza a prática no exercício profissional no Serviço Social. O diálogo com esta questão nos possibilitará apreender com maior facilidade como o entendimento de sua estrutura pode incidir diretamente na criação de estratégias para a suspensão da cotidianização da prática interventiva. Ao ser indagada sobre a maneira como pensa a relação entre profissional e profissão na perspectiva do projeto ético-político e no sentido de se criar novas estratégias para a constante renovação da práxis, a entrevistada assim afirmou: Temos que subverter o Serviço Social! Aqui, nesta universidade, todas as nossas professoras fazem isso. Tem gente que subverte rumo a uma linha mais conservadora. Reafirmo a importância da liberdade. Nosso projeto está impregnado de liberdade. Temos que nos amparar nele! Costumo dizer que ele é um aprisionamento, mas também uma 12 NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise contemporânea. Brasília: CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999.
  • 18. 18 libertação. Procure por aí, qual profissão está baseada numa perspectiva revolucionária e comprometida com outra forma de organização social? Embora a sociedade ainda não tenha sido transformada, nosso projeto traz consigo estes princípios como categorias fundantes, de luta pela liberdade, de rompimento com a exploração e com a diferença de classes. E eu acredito que são estas coisas que produzem a desigualdade social, a pobreza, a opressão, a discriminação e a violência. A própria forma como a sociedade está organizada é o que produz tudo isso. Enfim, estes são fatores que justificam a nossa profissão: olhe a contradição! De fato, há um projeto profissional norteador estabelecido nesta profissão, que é fruto de uma construção coletiva histórica e que continua em constante amadurecimento, desde a gênese do movimento de reconceituação. É, portanto, um projeto dinâmico, não estático. Vale lembrar que sua hegemonia não se dá por conta de uma fictícia singularidade de posições políticas no interior do conjunto profissional – totalmente ao contrário. Talvez, atualmente, haja mais profissionais comprometidos com projetos paralelos do que com o hegemônico. Porém, isto não é de um todo negativo. A não adesão geral de uma categoria a um determinado projeto expressa o que pode haver de mais importante numa profissão: o respeito pelas diferenças, liberdades individuais de escolha e pluralidade de concepções políticas. Um conjunto profissional que respeita a heterogeneidade de seus agentes e que valoriza suas diferenças permite, em seu âmago, que haja uma disputa democrática e sadia de empreendimentos, tendo em vista que um pensamento unânime geral é um fenômeno quase nunca visto no interior das profissões. Todo projeto profissional possui uma finalidade, caso contrário não seria projeto, pois, não se utilizaria de meios para a obtenção de um determinado fim.
  • 19. 19 Mas, afinal de contas, qual é a intencionalidade do atual projeto hegemônico do Serviço Social? Iamamoto afirma que os princípios éticos norteadores do projeto profissional estão fundados no ideário da modernidade, que apresenta a questão central da liberdade do ser social no coração da reflexão ética; ser social que se constitui pelo trabalho e dispõe de capacidade teleológica consciente, afirmando-se como produto e sujeito da história.13 Nosso projeto profissional, vinculado a um projeto social de cunho socialista, volta-se para o enfrentamento das desigualdades sociais. Trabalhamos na perspectiva dos direitos humanos em defesa da classe trabalhadora, pois, entendemos o proletariado como sujeito protagonista da transformação social. Também, estamos ancorados num código de ética que nos “remete ao enfrentamento das contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das derivações ético-políticas do agir profissional”. 14 Perguntamos à entrevistada se ela acredita que o conhecimento adquirido dentro das quatro paredes da universidade nos dá bagagem teórica para efetivarmos o projeto ético-político-profissional em nossos espaços de trabalho. Ela disse: Precisamos entender a palavra “liberdade”. Foi dentro das quatro paredes da universidade que pude aprender a sua dimensão, através de disciplinas como Filosofia que estão incluídas no próprio currículo do curso. Em meu trabalho, proponho oficinas de dança, denominadas “dança para a liberdade”. Este é o princípio que permeia a minha prática como profissional do Serviço Social, ou seja, utilizo-me de outros conhecimentos adquiridos para trazer esta ideia de libertação, e isto eu aprendi aqui, na universidade. A 13 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais (Serviço Social na cena contemporânea. Brasília: CFESS, ABEPSS, 2009, v. 1. 14 Código de Ética do/a Assistente Social, p. 22.
  • 20. 20 participação em núcleos e em discussões mais filosóficas deu- me maior compreensão da prática do que as disciplinas mais específicas como oficina de formação profissional. Aqui aprendi a considerar a dimensão humana, por isso consigo compreender a dança como uma libertação para o corpo político. Penso desta forma porque passei por estas experiências e reconheci que estas são categorias fundantes dos homens. Compartilhamos, em parte, da mesma concepção que a entrevistada. De fato, compreendemos que a relação entre formação acadêmica e projeto profissional materializa-se nos espaços de trabalho. A academia fornece o conhecimento teórico conectado com a prática, possibilitando-nos a transformação da visão de homem e de mundo. O projeto profissional indica o caminho e delimita as ações. Direcionamento consciente é um dos resultados desta junção. Porém, cada profissional deve decidir o modo como objetivará esta união, pois, como disse a entrevistada, e concordo plenamente, a dimensão da liberdade está presente em nossa práxis. Sobre a formação acadêmica, perguntamos à entrevistada se a graduação em Serviço Social proporcionou alguma oficina específica que lhe capacitou e preparou para trabalhar com arte (ou com qualquer outra atividade) em sua atuação. Ela disse o seguinte: Minha formação contou com atividades complementares que me proporcionaram a oportunidade entrar em contato com o teatro, por exemplo. Meu entendimento da formação arte- cultura pelo Serviço Social está relacionado com estas atividades complementares. Lembro-me de uma visita ao centro da cidade realizada com a turma no primeiro ano do curso. Parece-me que estas são dimensões da formação, embora estejam colocadas dentro do campo da
  • 21. 21 complementaridade. O assistente social pode incluir em sua prática interventiva outras atividades, que, a princípio, não fazem parte de sua formação específica. Tomo como exemplo a professora Rosalina Santa Cruz, que trabalhou num projeto chamado “Refazendo Vínculos”. Naquele espaço ela trabalhava muito com arte. Havia oficinas de dança, trabalhos com bonecas de gesso que eram levadas para serem vendidas na feira, entre outras atividades. Quando iniciei meu estágio trabalhei numa oficina com atletas e lá estava inclusa uma dimensão da arte no trabalho. Depois trabalhei com medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade; este era um espaço onde privilegiávamos a pintura e a dança. Então, estas são dimensões que não estão distantes da profissão, totalmente ao contrário, caminham lado a lado com ela. Estes também são nossos papéis como assistentes sociais, e por que não? Creio que há um discurso controverso dentro da profissão sobre a questão das práticas terapêuticas. Hoje, há uma corrente teórica que afirma que toda prática na área da saúde é terapêutica. O conceito de terapêutico é muito abrangente. Estamos envolvidos em trabalhos multidisciplinares na área da saúde, portanto, também realizamos trabalho terapêutico. Há uma dinâmica de cuidado a partir do momento em que um indivíduo procura um serviço que tenha a ver com a questão da terapêutica. Não há como negar esta dinâmica; depende muito da consciência daquilo que você está fazendo. Há um grande debate nos espaços de discussão da profissão sobre o que é e o que não é atribuição do assistente social. Entendemos que a liberdade é fundamental, no entanto, há um limite dentro de nossa atuação. Oficinas de dança, pintura, artesanato e terapia são instrumentos importantes para a condução de um grupo e podem proporcionar momentos de suspensão aos envolvidos. Mas, somos
  • 22. 22 levados a acreditar que o/a assistente social não é contratado/a para dançar ou cuidar da saúde mental. Vemos, então, o quanto o trabalho multidisciplinar é importante em nossa prática. O/A assistente social não pode limitar o sujeito às suas práticas, deve, pois, proporcionar a efetivação de outras atividades aos usuários, mas, é claro, envolvendo outros agentes que darão conta de trabalhar mais qualificadamente com outras dimensões profissionais e humanas. Para rebater esta afirmação, alguns poderiam perguntar: e se o/a assistente social possui uma segunda formação acadêmica, por exemplo, em artes cênicas? Bem, esta é uma questão complicada. Não possuímos respostas fechadas. No entanto, somos levados a pensar que quem exerce dupla função no espaço ocupacional deve receber duplo salário e, para tal, faz-se necessária uma dupla contratação. Pensamos desta maneira, no entanto, estamos abertos para a discussão.
  • 23. 23 Capítulo II: Prática alienada, sujeito reificado Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. Carlos Drumond de Andrade No que concerne às práticas interventivas da profissão, preocupa-me, impreterivelmente neste trabalho, a relação entre assistente social e usuário, e de que forma o “algoz cotidiano” pode interferi-la negativamente. Entendemos por cotidiano “[...] o espaço modelado (pelo Estado e pela produção capitalista) para erigir o homem em robô: um robô capaz de consumismo dócil e voraz, de eficiência produtiva e que abdicou sua condição de sujeito, cidadão”.15 Nossa entrevistada expressou a seguinte concepção acerca de sua definição de cotidiano: Creio que tenha relação com a reprodução de práticas repetitivas dentro da dimensão cronológica do tempo. O cotidiano, na verdade, é o transcorrer das reproduções no tempo em que elas acontecem. Você deve projetar a ideia de cotidiano para o tempo, e é neste tempo que as pessoas vivem. Vulgarmente falando, eu diria que o cotidiano é o “dia-a- dia”. E o que é este dia-a-dia? São as vinte e quatro horas transcorridas que sempre se repetem. Como assistentes sociais, devemos encarar o cotidiano como: [...] o ‘chão’ onde se dá a produção e a reprodução das relações sociais. E, pois, ele aparece não como ‘diáfano’ em suas reais dimensões, mas encoberto, mistificado por formas sociais através das quais aquelas relações se expressam. Assim, a apreensão do concreto do cotidiano supõe o seu desvelamento. E isto exige que o 15 CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed.
  • 24. 24 profissional supere os traços empiristas e pragmáticos que têm marcado historicamente a sua ação.16 Pensando na relação entre homem e cotidiano, Heller afirma: A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá- los em toda sua intensidade.17 Nosso cotidiano está repleto de pontualidades, as quais precisamos identificar. Desta forma estaremos mais preparados para compreender qual a dimensão da cotidianidade em nossa prática profissional. Uma pontualidade comum pode ser a falta de tempo para atender uma grande demanda de usuários. Porém, vale ressaltar que cada espaço sócio-ocupacional possui suas especificidades, por isso, entendemos que a cotidianidade se expressa de modos diferentes, ou seja, varia de acordo com as determinações de cada local de trabalho. Solicitamos à entrevistada que comentasse sobre alguma pontualidade presente em seu trabalho. Ela disse: Faço atendimentos individuais todos os dias. Não consigo enxergá-los como iguais entre si porque cada pessoa é singular e possui suas próprias necessidades. O atendimento é determinado pela demanda que o usuário traz. Por exemplo, quase todos os dias faço acompanhamentos do Programa 16 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed. 17 HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, 7ed., p. 17.
  • 25. 25 Bolsa-Família. Porém, faço-o porque sempre há beneficiários para atender. Estes acompanhamentos são uma exigência da minha gerência. Em nossa região, temos aproximadamente duzentas e cinquenta pessoas cadastradas neste programa. Mas, também atendemos demandas espontâneas e, nestes atendimentos, identificamos pessoas que necessitam de acompanhamento para o programa. Bem, já que você tocou nesta questão das pontualidades, eu diria que, na prática, tenho uma dimensão de rompimento com a rotina. Por exemplo, não consigo imaginar que um atendimento possa ser igual ao outro. Há um grande perigo em se realizar as mesmas atividades todos os dias porque, se desatentos, acabamos caindo numa rotina massacrante. Neste sentido, perguntamos à entrevistada de que forma ela percebe isso em sua atuação. A resposta foi a seguinte: Não percebo isto dessa forma. Minha colega de trabalho, que também é assistente social, poderia falar com mais propriedade sobre esta reprodução. Creio que esta questão tem relação com a criação de estratégias, em alguns momentos precisamos ir pelas marginalidades. No entanto, frequentemente preciso prestar contas dos acompanhamentos que realizo, como o do Programa Bolsa-Família. Esta ação é feita com a ajuda de um consolidado, que é uma planilha repleta de números. Isto não significa que a utilização deste instrumento seja uma forma de reprodução, ou seja, aqueles números não podem ser apenas informações que constam num papel. Por exemplo, a assistente social que trabalha comigo fica concentrada na busca ativa das gestantes, ou seja, seu trabalho se resume no monitoramento das gestantes que não comparecem aos atendimentos. Não sei como ela encara esta situação. Eu não
  • 26. 26 me permito cair nessa reprodução. Há um aprendizado implicado em cada atendimento. Procuro sempre utilizar minhas experiências, por exemplo: às vezes trabalho com o corpo, às vezes com as palavras. Em alguns momentos brigo, e assim vai. Creio que seja por este motivo que estou há quatro anos neste emprego, ou seja, apesar de todos os desafios institucionais gozo de liberdade para agir. Na verdade há uma rotina. Entro no trabalho ao meio dia e saio às cinco horas da tarde, às vezes mais tarde. Tenho que bater ponto, tenho que estar lá todos os dias. Existe uma rotina, eu sempre preciso prestar contas do meu trabalho. O/A “profissional da cotidianidade” não consegue aguçar nem realizar todas as suas capacidades porque o próprio cotidiano não lhe dá tempo nem possibilidades para tal. Em vista disso, há uma grande necessidade de constantes suspensões, por isso, entendemos que o desvelamento do cotidiano encoberto é um desafio deveras enredado. No entanto, [...] o assistente social, pelo seu contato direto com as múltiplas expressões cotidianas da vida dos setores populares, dispõe de condições potencialmente privilegiadas para captá-las, recorrendo a uma bagagem teórica instrumental que o qualifica para o exercício desta tarefa.18 Vemos então que possuímos, em nossa formação teórica e prática, bagagem necessária para enfrentar as implicações das expressões da vida cotidiana. Como agente político articulador, o/a assistente social “presta serviços e/ou administra serviços sociais que são a base material a partir da qual desenvolve uma ação ideológica, política e educativa.19 ” E, no que tange as suas relações de trabalho, entendemos que 18 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed. 19 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed.
  • 27. 27 [...] a prestação de serviços por parte do assistente social é mediada por uma relação institucional, que legitima o Serviço Social e o profissionaliza, incorporando-o ao mercado de trabalho através de um contrato de compra e venda de sua força de trabalho assalariada.20 Portanto, cabe ao/a assistente social capacitar-se para atuar num contexto de contradições econômico-sociais, tornado-se capaz de efetivar medidas eficientes para seu enfrentamento, tendo como horizonte norteador os valores e princípios de seu código de ética. Desta forma, pressupomos que estará preparado para analisar criticamente e responder qualificadamente às demandas sociais que lhe serão apresentadas no dia-a-dia em seu espaço sócio-ocupacional, contemplando, de fato, seu “compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”.21 As considerações acima nos dão respaldo teórico, ainda que de modo sucinto, para uma reflexão que se faz necessária na realidade da atuação do/a assistente social. Refiro-me sobre o desafio de se romper com a “cotidianização” de sua prática interventiva, ou seja, cabe ao profissional, comprometido com o entendimento e apreensão da realidade concreta do sujeito social, tornar suas demandas objeto de sua profunda curiosidade política, palco de sua ativa interação; de modo que a relação entre profissional e usuário seja uma sólida ocasião de reconhecimento de direitos políticos, sociais e humanos, e não uma mera reprodução das relações sociais. O indivíduo atendido é sujeito síntese de múltiplas determinações sociais, portanto, deve ser tratado como ser humano e não como objeto. Carvalho nos fornece algumas pistas que contribuem para a compreensão do processo de ruptura com a cotidianização na prática. “A intensidade de uma grande paixão, um grande amor, o trabalho livre e prazeroso, uma intensa motivação do homem pelo humano genérico resultam na suspensão do cotidiano”.22 “Trabalho livre e prazeroso”, não será ilusão? Numa sociedade capitalista a luta pelo trabalho prazeroso pressupõe uma ruptura com o trabalho alienante, 20 IAMAMOTO et AL. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed, p. 55. 21 Código de Ética do Assistente Social, p.24. 22 CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed.
  • 28. 28 aquele em que não nos reconhecemos. A “ditadura do capital” impõe ao trabalhador uma rotina de trabalho pautada numa lógica agressiva de produtividade: o lucro é a meta final – ou primeira, como quiser – e, em busca deste objetivo, “quem o realiza” não é tão importante quanto “o que se realiza” muito menos quanto a forma “como se realiza”. Nesta lógica, o grande viabilizador do lucro, que é o trabalhador, torna-se objeto descartável e o valor de sua força de trabalho, é menor que a própria mercadoria que ele mesmo produz. Guerra afirma: Em outras palavras, as dificuldades postas à intervenção profissional, embora adquirindo feições específicas, obedece à lógica de constituição da sociedade capitalista, na qual a inversão da aparência fenomênica em essência, a substituição do conteúdo pela forma, a transformação do essencial em acessório, são condições necessárias à sobrevivência dessa ordem social.23 Estamos incluídos nesta lógica, partindo do pressuposto de que o Serviço Social também é trabalho. Somos contratados para realizar um trabalho, ou melhor, para prestar um serviço social de caráter público ou privado. O empregador, que nos assalaria, espera que nos submetamos às exigências de sua instituição, no entanto, e na maioria das vezes, tais exigências transversais aos nossos princípios e diretrizes profissionais. Os usuários dos serviços prestados pela instituição esperam que atendamos suas demandas por completo, entretanto, os recursos são escassos. A situação é complexa, pois, precisamos do trabalho para viver, portanto, não podemos descartar as imposições da instituição, muito menos desconsiderar as necessidades dos usuários porque constituem nosso próprio objeto de trabalho. Sendo assim, é compreensível o fato de que muitos de nós acabamos por perder a sensibilidade profissional: nosso compromisso ético-político é secularizado e a compreensão da intencionalidade de nosso projeto profissional é esquecida. Nesta lógica de produtividade quem realiza o trabalho social, ou seja, nós, não somos respeitados porque o que importa mesmo é que o que se realiza, ou seja, a meta a ser atingida, portanto, o conteúdo do trabalho é substituído por sua forma. “Como se realiza” o trabalho é um fator extremamente importante, porém, devemos alinhar 23 GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002, 3ed., p. 158.
  • 29. 29 nossa prática ao modus operandi da instituição empregadora? Esta é uma indagação importante. Iamamoto relembra-nos de algumas características fundantes de nossa prática profissional: A prática do Serviço Social tem, pois as seguintes características:  está socialmente determinada em seus traços fundamentais,  é também produto de seus agentes profissionais,  é histórica e mutável,  exige permanentes redefinições frente às mudanças da questão social – a situação de vida da classe trabalhadora, sua capacidade de organização e luta –, assim como das diferentes maneiras de pensar e agir junto dela, definidas pelas relações de dominação.24 Em meio a estes limites impostos por um mercado de trabalho dinâmico e exigente e pelas peculiares complexidades das expressões da questão social é que se torna possível fazer de nossa prática diária um momento de suspensão da rotina. Porém, não há uma receita pronta para tal. Depende das variações e das determinações do espaço sócio-ocupacional, dos sujeitos envolvidos e do próprio desenvolvimento interno da profissão: As respostas do agente profissional às demandas sociais, embora condicionadas fundamentalmente pelas variáveis sociais objetivas – determinado momento conjuntural, determinada instituição –, dependem também do grau de desenvolvimento interno da profissão. Tais respostas são também um produto criado pelos assistentes sociais, estando condicionadas per estes agentes.25 As condições objetivas impostas pelo empregador, pelo movimento da sociedade capitalista em que vivemos e por outras determinações objetivas, materializadas no cotidiano profissional de todos nós, muito determinam nossas ações, mas o compromisso político com a causa – que não pode ser medido – é também fator determinante. Ao fazer tal afirmação, não pretendemos individualizar o problema da falta de comprometimento profissional, pois, como já mencionado, há 24 IAMAMOTO et al. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed., p. 60. 25 Id, 1991, p. 60-61.
  • 30. 30 outras determinações, no entanto, a forma como conduzimos nossas ações depende também do quanto a apreendemos e nos envolvemos politicamente com ela. Em referência às ações profissionais, vale retificar que “tais respostas são também um produto criado pelos assistentes sociais, estando condicionadas por estes agentes”.26 Uma atuação alinhada com o projeto ético-político da profissão requer o conhecimento e o compromisso com os padrões gerais de atuação que estão contidos nas leis, códigos e demais ferramentas que fundamentam nossa profissão, que dão base e sustentação para as ações específicas que cada profissional aplicará em seu espaço de trabalho. Sendo assim, os padrões específicos de atuação são definidos pelo próprio profissional, pois, dependem das determinações específicas de sua realidade ocupacional. 26 IAMAMOTO et AL. Serviço Social crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1991, 3ed, p. 61.
  • 31. 31 Capítulo III: A intervenção qualificada Cobre-nos o cotidiano com seu manto pesado Sob o qual nos debatemos Gesto insano, ato desarvorado. Espelho implacável das nossas desventuras Das mazelas que temos E das que desconhecemos. Úrsula Avner Até o presente momento propomo-nos a fazer uma macro-análise da finalidade social da profissão na sociedade em função do entendimento de nosso objeto de estudo que é a prática cotidiana. Para tanto, contextualizamos a inserção do Serviço Social na atual conjuntura e refletimos sobre os desafios que as próprias circunstâncias sociais impõem à realidade profissional, com destaque para a relação empregador-profissional-usuário. Agora, faremos uma análise mais específica sobre a intervenção qualificada no dia-a-dia do profissional. A intervenção qualificada requer, por parte do profissional, competências teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas. Seria imaturo acreditar que tais competências podem ser apreendidas somente na academia, entre quatro paredes; tão somente na prática desprovida de conhecimento teórico. A qualificação profissional é fruto de uma junção coordenada entre todas as competências exigidas pela profissão, sendo assim, consideramos que o/a assistente social necessita de esforço diligente e consciente para atingir seu pleno potencial, de modo que cumpra sua verdadeira função na sociedade, tendo em vista a sua relativa autonomia no interior das instituições. O/A assistente social comprometido/a não pode analisar uma situação- problema com soluções pré-programadas na mente, pois, estará comprometendo a qualidade de sua atuação que, de fato, é permeada por diversas possibilidades reais, mas invisíveis a olhos nus. Faz-se necessário, portanto, um exercício diário de identificação com os sujeitos atendidos. Morin esclarece brilhantemente esta questão: Há um conhecimento que é compreensível e está fundado sobre a comunicação e a empatia – simpatia, mesmo – intersubjetivas.
  • 32. 32 Assim, compreendo as lágrimas, o sorriso, o riso, o medo, a cólera, ao ver o ego alter como alter ego, por minha capacidade de experimentar os mesmos sentimentos que ele. A partir daí, compreender comporta um processo de identificação e de projeção de sujeito a sujeito. Se vejo uma criança em prantos, vou compreendê-la não pela medição do grau de salinidade de suas lágrimas, mas por identificá-la comigo e identificar-me com ela. A compressão, sempre intersubjetiva, necessita de abertura e generosidade.27 O exemplo das lágrimas da criança é magnífico. Alerta-nos para que não caiamos na armadilha tecnicista de compreensão do outro. A verdadeira compreensão requer uma troca entre as partes envolvidas, no entanto, esta troca requer a identificação. E, como posso ver o “ego alter” como “alter ego”, ou seja, como posso ver-me no outro e o outro ver-se em mim? Nós, assistentes sociais, precisamos de maior abertura paradigmática. Isto significa que não é inteligente nos prendermos as certezas que nos impedirão de perceber que, na maioria das vezes, nossa visão é impiedosamente incerta. Ao nos abrirmos para as incertezas da prática entenderemos que as possibilidades para uma intervenção qualificada não serão enxergadas ao mero acaso, o profissional deve exercitar sua capacidade cognitiva de apreensão da realidade a fim de transpor as paredes divisórias do real aparente. O real aparente é uma armadilha certeira que está pronta para agarrar o agente político descuidado, desprovido da visão de homem e de mundo (totalizadora), aquela que não cede às inflexões alienantes da opressora vida cotidiana. Conforme Carvalho: É característica igualmente da vida cotidiana a sua imediaticidade e o pensamento manipulador. No plano da cotidianidade o útil é o verdadeiro, porque este é o critério de eficácia. O critério de validez no cotidiano é o da funcionalidade.28 Portanto, uma intervenção qualificada requer desprendimento de ações imediatistas vinculadas a um pensamento restrito e fechado. Nem sempre as coisas e as situações oferecerão uma utilidade prática ou uma resposta rápida. O imediatismo é o grande inimigo das atitudes ponderadas advindas da reflexão. No 27 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, 19ed., p. 93. 28 CARVALHO, Maria de Brant. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. Cortez, 1996, 4ed.
  • 33. 33 entanto, diariamente é requerida ao/a técnico/a, como trabalhador/a assalariado/a, a tomada de decisões rápidas que atendam as necessidades dos usuários na mesma medida em que respondam as exigências do empregador. Dentre tantos desafios, é preciso ponderar urgentemente sobre como podemos tornar-nos profissionais comprometidos com a qualidade de nossa intervenção, tendo em vista que a realidade objetiva do usuário apresenta-se de tal forma que não é percebida como um complexo, um todo dinâmico que perpassa por sua historicidade e vai muito além do sentido natural das coisas. Barroco afirma: O indivíduo é um ser que, na sua particularidade, expressa as determinações da sua singularidade e genericidade, mas a relação entre essas determinações nem sempre aparece ao indivíduo como tal.29 É importante salientar que essas determinações também não se mostram tão facilmente para os sujeitos que precisam compreender estes indivíduos, ou seja, nós assistentes sociais. Este é um dos grandes desafios de nossa atuação: entender o sujeito, que (à rigor) não se apreende, para intervirmos em sua realidade objetiva, de modo a fortalecer seu protagonismo a fim de que se torne o agente transformador de sua própria objetividade humana, e conceda a si mesmo o direito de decidir os rumos de sua própria trajetória. Não será num simples atendimento de alguns minutos que alcançaremos este objetivo. Está enganado o profissional que acredita poder transformar um indivíduo; apenas podemos proporcionar-lhes momentos de sensibilização, ou de suspensão da realidade. Podemos, através de constantes reflexões e mediações – e temos propriedade para tal –, possibilitar-lhe a revogação da visão subalterna de si mesmo. E como isto pode ser feito? Não há uma resposta exata. Depende muito das condições proporcionadas pela instituição empregadora, depende da abertura do próprio sujeito e, também, da competência do assistente social ao manusear alguns instrumentos mediadores para a sua intervenção. Por exemplo: um assistente social atento, ao conduzir uma oficina de reflexão sobre o mundo trabalho para jovens de 29 BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia Social e Reflexão Ética. São Paulo: 1996, p. 74.
  • 34. 34 uma comunidade periférica marcada pela violência, poderia levá-los a uma peça teatral onde as questões do trabalho sejam tratadas de forma lúdica e humorística, proporcionando interação entre plateia e atores. Esta atividade poderia ser indescritivelmente mais eficaz do que o despender de horas e horas dentro de uma sala, na abissal tentativa de explicar a complexidade da função do trabalho na sociedade capitalista para um grupo de adolescentes dispersos que, se absorverem um terço de suas explicações fizeram muito. Este profissional utilizou a arte como mediação para a sua prática profissional. Ele certamente proporcionou um momento de suspensão da cotidianidade para estes jovens e para si mesmo, pois, permitiu-se sair de seu “massacrante espaço ocupacional de todos os dias”. As necessidades objetivas dos sujeitos devem ser atendidas: a cesta básica deve ser entregue, a carteira de trabalho precisa ser feita etc. No entanto, como agentes políticos articuladores de conhecimento – e não somente de informações – podemos propiciar momentos de reflexão aos sujeitos, de modo que consigam ver a si mesmos e sua própria condição com um olhar mais crítico e analítico. Solicitamos a nossa entrevistada que apontasse uma maneira qualificada de conduzir a dimensão socioeducativa de nossa prática profissional, no âmbito da cotidianidade, de modo libertador e emancipatório. Ela disse: Há uma dimensão processual nisso. Creio que o verdadeiro trabalho socioeducativo deve possuir continuidade. Tenho um vínculo muito forte com os usuários com que trabalho, e isso faz uma grande diferença, o vínculo é fundamental. Não se trata de um vínculo institucional, é algo que vem da confiança. E isto requer disponibilidade por parte do profissional. Por isso, o trabalho socioeducativo deve ser processual. Você acaba percebendo as mudanças dos sujeitos dentro dos processos. O vínculo tem uma inauguração, que é o “encontro”. Este encontro não pode acabar num atendimento. Precisamos estabelecer elos de comunicação, de tal forma que, ao assistir um vídeo interessante na internet, envio para o usuário que
  • 35. 35 está em constante contato comigo, pois, a mensagem pode lhe ser útil. Eu sofro às vezes! São muitas pessoas para pensar e se comunicar. Neste sentido, sentimos a transformação acontecendo nos sujeitos ao nosso redor, e em nós mesmos. E, de fato, as pessoas não são mais as mesmas, corporal e emocionalmente. Acabamos presenciando diversas mudanças: de divórcios à abertura para novas relações, mudança de relacionamento entre mãe e filha, reestruturação familiar, mudança de posicionamento político. Por exemplo, temos um grupo de dança no qual começamos uma discussão sobre preferências políticas. Havia muitas posições extremamente reacionárias por parte dos integrantes. No entanto, no desenrolar das atividades percebemos uma grande mudança. Nenhuma ideia foi imposta ao grupo, a transformação veio a partir de processos reflexivos. O interessante é que estes processos ocorrem conosco também, mas, é claro, depende de nossa disposição para a mudança. Sou levada a crer que um grande desafio é a resistência do outro, e até aonde conseguimos insistir, reconhecendo seus limites. Nem todos os profissionais podem proporcionar atividades lúdicas, ou outras atividades, a seus usuários, ou melhor, são poucos os que gozam deste privilégio. Por isso, e como dito anteriormente, a efetivação de uma prática significativa e sensibilizadora é ocasionada por uma confluência de determinações objetivas, que vão das práticas institucionais à abertura pessoal dos indivíduos atendidos. Netto, citando Lukács, explica que há algumas formas de objetivação capazes de superar a cotidianidade, uma delas é a arte. Ele afirma: As suspensões que engendram estas objetivações, contudo, não cortam com a cotidianidade (insuprimível e ineliminável) – são, justamente, “suspensões da cotidianidade”. Elas – que permitem aos indivíduos, via homogeneização, assumirem-se como seres humano- genéricos – não podem ser contínuas: estabelecem um circuito de retorno à cotidianidade; ao efetuar este retorno, o indivíduo enquanto
  • 36. 36 tal comporta-se cotidianamente com mais eficácia e, ao mesmo tempo, percebe a cotidianidade diferencialmente: pode percebê-la como espaço compulsório de humanização (de enriquecimento e ampliação do ser social). Está contida aqui, nitidamente, uma dialética de tensões: o retorno à cotidianidade após uma suspensão (seja criativa, seja fruidora) supõe a alternativa de um indivíduo mais refinado, educado (justamente porque se alçou à consciência humano-genérica) [...].30 No exemplo acima citamos a arte – objetivação humana – como mediação para a nossa prática, porém, há outras. O mais importante é estarmos cientes de que, como agentes desta profissão, e colocando em pauta a dimensão socioeducativa de nossa profissão, podemos articular estas “suspensões da cotidianidade” a que Netto se refere. Barroco afirma: No âmbito da vida cotidiana o indivíduo se socializa, aprende a responder às necessidades práticas imediatas, assimila hábitos, costumes e normas de comportamento. Ao incorporar tais mediações, vincula-se à sociedade, reproduz o desenvolvimento humano-genérico, mas as formas dessa incorporação caracterizam- se por uma dinâmica voltada à singularidade, não à genericidade.31 Este é um dos caminhos para o qual devemos voltar todos os nossos esforços profissionais: a genericidade humana. No entanto, é muito importante estarmos cientes da própria genericidade de nossa prática. Quando nos ocupamos em atividades demasiadamente rotineiras perdemos a compreensão da essência de nosso trabalho, que é homogeneizador. Homogeneizador no sentido de que a intervenção qualificada é fruto de objetivações que se convergem para formar um corpo de atuação sincronizado. Este corpo de atuação é formado por diversos membros que são igualmente importantes, mas cumprem funções diferentes e extremamente profícuas para seu bom funcionamento. Citaremos duas. Uma atuação sincronizada requer, por parte de seu agente, a reflexão ética ou filosófica. Brites afirma: 30 NETTO, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez, 1996, 4ed., p. 70. 31 BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia Social e Reflexão Ética. São Paulo: 1996, p. 74.
  • 37. 37 A reflexão ética é um dos instrumentos que permitem a compreensão dos limites e possibilidades de atuação profissional frente aos desafios colocados pela modernidade, na medida em que indaga sobre a realização objetiva dos valores que assumem.32 Um pouco de reflexão ética todos os dias é determinante, pois, alarga a visão interventiva do profissional e fortalece-lhe o compromisso com a prática emancipadora. Isto significa que, ao iniciar mais um dia de trabalho, o/a assistente social voltará seus esforços intelectuais para o desvelamento da condição humana. Por que o sujeito é o que é? Por que ele age como age? Por que ele pensa como pensa? Estas são algumas boas perguntas para se realizar a cada atendimento, visita domiciliar ou em qualquer atividade promovida pelo/a profissional. Porém, limitá-las a realidade do outro é insuficiente, precisamos aplicá- las a nós também. Esta atitude filosófica – de desejar compreender não apenas as coisas como são, mas por que são o que são – pode ser transformadora. Um profissional comprometido com sua prática entende que cada dia deve ser encerrado com uma boa autoavaliação, dentro da perspectiva da reflexão ética. Certamente seu próximo dia de trabalho será mais interessante, porque verá os resultados de suas ações com olhos mais refinados. Uma atuação sincronizada pressupõe, também, por parte de seu agente, a visão crítica. Ainda citando Brites: A complexidade da dinâmica do real requer do profissional uma visão crítica que lhe possibilite uma compreensão da totalidade, que apreenda os limites e possibilidades para uma ação transformadora. Quando mencionamos a visão crítica e a ação transformadora não pretendemos assumir a mudança social somente a partir da profissão, mas enfatizar a competência do assistente social, cuja prática possui uma dimensão ético-política. Ser competente requer um domínio teórico-metodológico, visão crítica e compromisso social.33 32 BRITES et AL. Serviço Social e Ética: Convite a uma Nova Práxis. São Paulo: Cortez, 2005, 6ed., p. 123. 33 Id, 2005, p. 125.
  • 38. 38 Por que a visão crítica é uma competência vital para a prática qualificada? Porque possibilitará ao profissional uma constante indignação que lhe encaminhará para o rompimento com o status quo institucional. Portanto, reflexão ética e visão crítica são elementos fundantes para uma ação emancipatória, promovendo assim, uma sincronia de competências na atuação, o que colocará o/a assistente social em consonância com a intencionalidade de seu projeto. Brites continua: Assim, sabemos que não basta a fundamentação teórico- metodológica para imediatizarmos uma ação transformadora, a reflexão ética fará justamente a mediação entre esse saber teórico- metodológico e os limites e possibilidades, decorrentes das relações valorativas do homem em sociedade, para a prática profissional. Enquanto inserido no processo de reprodução das relações sociais, o assistente social competente deve ter claros a conotação política de sua prática profissional e as possibilidades e limites para uma ação comprometida.34 A atuação do/a assistente social possui, em sua essência, três dimensões: a ética, a política e a profissional. A qualidade de sua intervenção é resultante de uma prática humano-genérica, a qual compreende uma formação acadêmica de qualidade, o direcionamento de um projeto profissional consolidado e, sem dúvidas, o compromisso do agente ativo com a causa que se dispôs a defender. O Serviço Social é uma especialidade do mundo do trabalho humano, mas se engana quem pensa que é só isso. O Serviço Social é um caminho tortuoso, trilhado por quem está disposto a andar sobre pedras e espinhos, é uma profissão que requer um tipo de engajamento fundamentado, direcionado e politizado; requer uma prática consciente, ousada e, sempre subversiva. 34 BRITES et AL. Serviço Social e Ética: Convite a uma Nova Práxis. São Paulo: Cortez, 2005, 6ed., p. 125.
  • 39. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática do/a assistente social está permeada por intensos e extensos desafios, e a sua superação está intrinsecamente condicionada a um preparo teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo por parte do profissional. Estas são dimensões que, se bem trabalhadas durante a trajetória individual de cada agente e valorizadas na coletividade do conjunto profissional, certamente farão do Serviço Social uma profissão mais efetiva dentro sociedade. A efetivação de nosso projeto ético-político-profissional se dá na atuação cotidiana. O cotidiano, o espaço da vida de todos nós, possui uma dimensão material – que compreende os espaços no qual nossas ações se dão – e uma dimensão imaterial – que compreende o tempo no qual nossas ações acontecem –. Não há como fugir da vida cotidiana, ela é inerente a história e a vida humana. Na sociedade capitalista o cotidiano é massacrante, reificador e desumanizador. Seu ritmo é imposto pela organização econômica da sociedade e não pela escolha individual dos sujeitos humanos que o vive. O homem é objeto e seu valor é determinado pela sua capacidade de produção através da venda de sua força de trabalho. Neste sentido, e pensando no modelo social em que vivemos, o cotidiano e suas expressões nos são apresentados como um chão de trabalho desnivelado. A rotina é uma das expressões da cotidianidade, e o/a assistente social desatento/a e despreparado/a pode sucumbir a suas inflexões alienantes. Os desafios se fazem presentes em nossa atuação. Somos exigidos de todos os lados: pelo empregador, pelas demandas da classe que nos comprometemos a defender, por nossas necessidades pessoais, pela necessidade de constante atualização profissional, pelas lutas de nossa categoria etc. Somos, muitas vezes, renegados por um mercado de trabalho parametrizado pela lógica da produtividade. Dentre tantas exigências, alguns de nós sucumbimos de modo a perdermos completamente a força ética e o compromisso político de nossa atuação. Sendo assim, nossas ações
  • 40. 40 tornam-se esvaziadas e insignificantes, pois, na lógica da produção, o trabalho tende a possuir apenas um valor comercial, e não social. Há muitas limitações, porém, há possibilidades. A prática reificadora no Serviço Social pode ser superada. Nosso dia-a-dia profissional, ao invés de rotineiro, pode ser relevante e significativo. Para isso, precisamos estar em constante formação e engajados na luta política. Estas atividades são por si só transformadoras. O encontro com o conhecimento teórico e o embate político proporcionam momentos de suspensão da cotidianidade, de forma que, ao retornarmos a ela depois de momentos de sensibilização, estaremos mais refinados e educados; assim, observaremos o mundo ao nosso redor de forma diferente. Neste sentido, todo/a assistente social comprometido/a pode proporcionar a si mesmo/a momentos de autoavaliação. A autoavaliação requer reflexão ética e visão crítica. Estas são atitudes que nos fazem entender que tanto nosso trabalho quanto os sujeitos com quem nos dispomos a trabalhar – a classe trabalhadora – são determinados por uma gama de objetivações sociais. Esta compreensão é vital, pois, permite-nos desconfiar de nosso olhar profissional e pessoal, e nos faz entender que as coisas não são como aparentam ser e que não seriam o que são se, de fato, uma pequena parcela da sociedade – a detentora dos meios de produção – estivesse disposta a abrir mão de seus interesses individuais e egoístas. Na medida em que nos permitirmos a aberturas paradigmáticas, romperemos com as certezas que nos fazem cegos e que nos impossibilitam entender que tudo está em movimento, portanto, como profissionais do Serviço Social, não podemos ser os únicos a permanecer estagnados no embate político, na formação acadêmica e na vida profissional.
  • 41. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROCO, Maria Lucia Silva. Ontologia social e reflexão ética. São Paulo: s.n, 1996. BRITES, Cristina Maria; BONETTI, Dilséia Adeodata. (Org.). Serviço Social e ética: convite a uma nova práxis. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; NETTO, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1996. CÓDIGO DE ÉTICA DO/A ASSISTENTE SOCIAL. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. – 10ª. ed. rev. e atual. – [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, [2012]. 60 páginas “Atualizado em 13/03/1993, com alterações introduzidas pelas Resoluções CFESS n. 290/94, 293/94, 333/96 3 594/11. GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do serviço social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. HELLER, Agnes 1929 - O cotidiano e a história. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. 760 p. (Publicação: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS. V. 1) IAMAMOTO, Marilda Vilela et al. Serviço social crítico: problemas e perspectivas: um balanço latino-americano / Centro Latinoamericano de Trabajo Social: [tradução José Paulo Netto]. – 3. ed. – São Paulo : Cortez : [Lima, Peru] : CELATS, 1991. IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1983. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. MOV, Haydê. Entrevista concedida a Aslan Rodrigues do Nascimento Bogado. São Paulo, SP, 30 nov. 2012. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2009. NETTO, José Paulo; CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Cotidiano: conhecimento e crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
  • 42. 42 NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise contemporânea. In: Crise contemporânea, questão social e Serviço Social. Capacitação em Serviço Social e política social. Brasília: CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999.
  • 44. 44 Aslan: Qual o significado da palavra “cotidiano” para você? Haydê Mov: Creio que tenha relação com a reprodução de práticas repetitivas dentro da dimensão cronológica do tempo. O cotidiano, na verdade, é o transcorrer das reproduções no tempo em que elas acontecem. Aslan: Neste trabalho definimos o cotidiano como aquele espaço modelado no qual nossa vida acontece, e não há como fugir disso. No entanto, você está trazendo o cotidiano numa perspectiva mais cronológica. Haydê Mov: Isso. Você deve projetar a ideia de cotidiano para o tempo, e é neste tempo que as pessoas vivem. Vulgarmente falando, eu diria que o cotidiano é o “dia- a-dia”. E o que é este dia-a-dia? São as vinte e quatro horas transcorridas que sempre se repetem. Aslan: O cotidiano do/a Assistente Social está repleto de pontualidades, as quais ele/a precisa identificar. Desta forma estará mais preparado/a para compreender qual a dimensão da cotidianidade em sua prática profissional. Uma pontualidade comum pode ser a falta de tempo para atender uma grande demanda de usuários. Porém, vale ressaltar que cada espaço sócio-ocupacional possui suas especificidades, por isso, sou levado a pensar que a cotidianidade se expressa de formas diferentes, ou seja, varia de acordo com as determinações de cada local de trabalho. Fale-me sobre uma pontualidade presente em seu trabalho. Haydê Mov: Atendimentos individuais. Isto é algo que faço todos os dias. Aslan: Como são estes atendimentos? Haydê Mov: Não consigo enxergá-los como iguais entre si porque cada pessoa singular e possui sua própria necessidade. O atendimento é determinado pela demanda que o usuário traz. Por exemplo, quase todos os dias faço
  • 45. 45 acompanhamento do Programa Bolsa-Família. Porém, faço todos os dias porque sempre há beneficiários para atender. Aslan: Mas este acompanhamento é uma exigência do empregador? Haydê Mov: Sim. De minha gerência. Em nossa região, temos aproximadamente duzentas e cinquenta pessoas cadastradas neste programa. Mas, também atendemos demandas espontâneas e, nestes atendimentos identificamos pessoas que necessitam de acompanhamento para o programa. Bem, já que você tocou nesta questão das pontualidades, eu diria que, na prática, tenho uma dimensão de rompimento com a rotina. Por exemplo, não consigo imaginar que um atendimento possa ser igual ao outro. Aslan: Fale-me sobre outra pontualidade. Haydê Mov: São tantas! Trabalhamos com o Programa Mãe Paulistana. Fazemos acompanhamento das gestantes, mas não me identifico muito com este trabalho. Aslan: Então, percebo que acompanhamento de programas é uma verdadeira realidade em seu espaço sócio-ocupacional. Esta é a sua principal função? Haydê Mov: Sim. Aslan: Há um grande perigo em se realizar as mesmas atividades todos os dias porque, se desatentos, acabamos caindo numa rotina massacrante. Como você percebe e lhe dá com isso? Haydê Mov: Não percebo isto dessa forma. Minha colega de trabalho, que também é assistente social, poderia falar com mais propriedade sobre esta reprodução. Creio que esta questão tem relação com a criação de estratégias, em alguns momentos precisamos ir pelas marginalidades. No entanto, frequentemente preciso prestar contas dos acompanhamentos que realizo, como o do Programa Bolsa-Família. Esta
  • 46. 46 ação é feita com a ajuda de um consolidado, que é uma planilha repleta de números. Isto não significa que a utilização deste instrumento seja uma forma de reprodução, ou seja, aqueles números não podem ser apenas informações que constam num papel. Por exemplo, a assistente social que trabalha comigo fica concentrada na busca ativa das gestantes, ou seja, seu trabalho se resume no monitoramento das gestantes que não comparecem aos atendimentos. Não sei como ela encara esta situação. Eu não me permito cair nesta reprodução. Há um aprendizado implicado em cada atendimento. Procuro sempre utilizar minhas experiências, por exemplo: às vezes trabalho com o corpo, às vezes com as palavras. Em alguns momentos brigo, e assim vai. Creio que seja por este motivo que estou há quatro anos neste emprego, ou seja, apesar de todos os desafios institucionais gozo de liberdade para agir. Aslan: Você está me dizendo que não permite cair na rotina, certo? Haydê Mov: Não. Na verdade há uma rotina. Entro no trabalho ao meio dia e saio às cinco horas da tarde, às vezes mais tarde. Tenho que bater ponto, tenho que estar lá todos os dias. Existe uma rotina, eu sempre preciso prestar contas do meu trabalho. Aslan: Bem, deixando um pouco de lado às exigências institucionais e falando sobre a sua atuação específica como profissional do Serviço Social. Você está dizendo que procura fugir das mesmices do dia-a-dia, certo? Haydê Mov: Falando sobre o atendimento, que é uma das atividades mais presentes no meu trabalho; procuro não encará-lo como uma mesmice. Além dos grupos que formamos que estão dentro do fluxo do trabalho e das prerrogativas do SUS, diversas pessoas me procuram diariamente; estas são as demandas espontâneas. São atendimentos de múltiplas expressões. Aslan: Ótimo! Então me fale sobre as estratégias que você tem criado para fazer com que estes atendimentos sejam realizados de forma diferente, de modo que sua
  • 47. 47 intervenção na realidade objetiva destes sujeitos não seja rotineira. Você me disse que sua colega de trabalho tem mecanizado sua prática. Em quais pontos a sua práxis se difere da dela? Haydê Mov: Percebo o quanto a dimensão política do corpo é importante. Uma de minhas estratégias é a abordagem do corpo. Outra é o manuseio da palavra como instrumento de acontecimento. Sempre utilizo poesias. Tenho comigo livros. Aproprio-me das ferramentas da internet. Por exemplo, atendo muitas pessoas em situação de rua, elas são provenientes de diversas regiões do país e, em sua maioria, estão longe de sua terra natal há muito tempo. Durante nossas conversas pergunto sobre seu local de nascimento, em seguida procuramos, nas ferramentas da internet, informações sobre suas cidades. Isto toca profundamente suas memórias emocionais e fortalece vínculos com suas raízes. Pensando noutro exemplo, já tivemos grupos de contadores de histórias, de dança e de orientação sobre plantas medicinais. Dependendo do caso, faço encaminhamentos para grupos orientados por outros profissionais. Aslan: Estas atividades são atribuições do/a assistente social? Haydê Mov: Sim. Aslan: Durante a graduação em Serviço Social você participou de alguma oficina específica que lhe capacitou para trabalhar com arte nos espaços sócio- ocupacionais? Haydê Mov: Minha formação contou com atividades complementares que me proporcionaram a oportunidade entrar em contato com o teatro, por exemplo. Meu entendimento da formação arte-cultura pelo Serviço Social está relacionado às atividades complementares. Lembro-me de uma visita ao centro da cidade realizada com a turma no primeiro ano do curso. Parece-me que estas são dimensões da formação, embora estejam colocadas dentro do campo da complementaridade.
  • 48. 48 Aslan: Você acredita que o profissional pode incluir em sua prática interventiva outras atividades que, a princípio, não fazem parte de sua formação específica em Serviço Social? Haydê Mov: Sim. Tomo como exemplo a professora Rosalina Santacruz, que trabalhou num projeto chamado “Refazendo Vínculos”. Naquele espaço ela trabalhava muito com arte. Havia oficinas de dança, trabalhos com bonecas de gesso que eram levadas para serem vendidas na feira, entre outras atividades. Quando iniciei meu estágio trabalhei numa oficina com atletas e lá estava inclusa uma dimensão da arte no trabalho. Depois trabalhei com medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade; este era um espaço aonde privilegiávamos a pintura e a dança. Então, estas são dimensões que não estão distantes da profissão, totalmente ao contrário, caminham lado a lado com ela. Estes também são nossos papéis como assistentes sociais, e por que não? Creio que há um discurso controverso dentro da profissão sobre a questão das práticas terapêuticas. Hoje, há uma corrente teórica que afirma que toda prática na área da saúde é terapêutica. O conceito de terapêutico é muito abrangente. Estamos envolvidos em trabalhos multidisciplinares na área da saúde, portanto, também realizamos trabalho terapêutico. Há uma dinâmica de cuidado a partir do momento em que um indivíduo procura um serviço que tenha a ver com a questão da terapêutica. Não há como negar esta dinâmica; depende muito da consciência daquilo que você está fazendo. Aslan: Percebi que, para a descotidianização de sua prática interventiva, você tem se apropriado de atividades que vão para além daquelas que estão dentro de nossa própria bagagem profissional, que, a meu ver, não abrange todos os conhecimentos e práticas das outras áreas do saber; e nem deveria. Haydê Mov: Eu diria mais. Esta é a única forma pelo qual podemos sair destes mecanismos quadrados da profissão.
  • 49. 49 Aslan: Você acredita que o conhecimento adquirido dentro das quatro paredes da universidade nos dá bagagem teórica para efetivamos o projeto ético-político- profissional em nossos espaços de trabalho? Haydê Mov: Precisamos entender a palavra “liberdade”. Foi dentro das quatro paredes da universidade que pude aprender a sua dimensão, através de disciplinas como Filosofia que estão incluídas no próprio currículo do curso. Em meu trabalho, proponho oficinas de dança, denominadas “dança para a liberdade”. Este é o princípio que permeia a minha prática como profissional do Serviço Social, ou seja, utilizo-me de outros conhecimentos adquiridos para trazer esta ideia de libertação, e isto eu aprendi aqui, na universidade. A participação em núcleos e em discussões mais filosóficas deu-me maior compreensão da prática do que as disciplinas mais específicas como oficina de formação profissional. Aqui aprendi a considerar a dimensão humana, por isso consigo compreender a dança como uma libertação para o corpo político. Penso desta forma porque passei por estas experiências e reconheci que estas são categorias fundantes dos homens. Aslan: Você acredita que há uma dimensão socioeducativa em nossa práxis profissional? Haydê Mov: Sim. Aslan: Ambos entendemos que as necessidades objetivas dos sujeitos devem ser atendidas, ou seja, a cesta básica deve ser entregue. No entanto, como agentes políticos articuladores de conhecimento, e não somente de informações, podemos propiciar momentos de reflexão aos sujeitos, de modo que consigam ver a si mesmos e sua própria condição com um olhar mais crítico e transformador. Então, no âmbito da cotidianidade, diga-me de que forma podemos conduzir a dimensão socioeducativa de nossa prática de modo libertador e emancipatório. Haydê Mov: Há uma dimensão processual nisso. Creio que o verdadeiro trabalho socioeducativo deve possuir continuidade. Tenho um vínculo muito forte com os
  • 50. 50 usuários com que trabalho, e isso faz uma grande diferença, o vínculo é fundamental. Não se trata de um vínculo institucional, é algo que vem da confiança. E isto requer disponibilidade por parte do profissional. Por isso, o trabalho socioeducativo deve ser processual. Você acaba percebendo as mudanças dos sujeitos dentro dos processos. O vínculo tem uma inauguração, que é o “encontro”. Este encontro não pode acabar num atendimento. Precisamos estabelecer elos de comunicação, de tal forma que, ao assistir um vídeo interessante na internet, envio para o usuário que está em constante contato comigo, pois, a mensagem pode lhe ser útil. Eu sofro às vezes! São muitas pessoas para pensar e se comunicar. Neste sentido, sentimos a transformação acontecendo nos sujeitos ao nosso redor, e em nós mesmos. E, de fato, as pessoas não são mais as mesmas, corporal e emocionalmente. Acabamos presenciando diversas mudanças: de divórcios à abertura para novas relações, mudança de relacionamento entre mãe e filha, reestruturação familiar, mudança de posicionamento político. Por exemplo, temos um grupo de dança no qual começamos uma discussão sobre preferências políticas. Havia muitas posições extremamente reacionárias por parte dos integrantes. No entanto, no desenrolar das atividades percebemos uma grande mudança. Nenhuma ideia foi imposta ao grupo, a transformação veio a partir de processos reflexivos. O interessante é que estes processos ocorrem conosco também, mas, é claro, depende de nossa disposição para mudar. Sou levada a crer que um grande desafio é a resistência do outro, e até aonde conseguimos insistir, reconhecendo seus limites. Aslan: O que você pensa sobre a relação entre profissional e profissão, no sentido da criação de novas estratégias para a constante renovação da práxis? Haydê Mov: Temos que subverter o Serviço Social! Aqui, nesta universidade, todas as nossas professoras fazem isso. Tem gente que subverte rumo a uma linha mais conservadora. Aslan: Precisamos recriar constantemente a profissão?
  • 51. 51 Haydê Mov: Reafirmo a importância da liberdade. Aslan: O que você tem a dizer sobre nosso projeto-ético-político? Haydê Mov: Ele está impregnado pela dimensão da liberdade. Temos que nos amparar nele! Costumo dizer que ele é um aprisionamento, mas também uma libertação. Procure por aí, qual profissão está baseada numa perspectiva revolucionária e comprometida com outra forma de organização social? Embora a sociedade ainda não tenha sido transformada, nosso projeto traz consigo estes princípios como categorias fundantes, de luta pela liberdade, de rompimento com a exploração e com a diferença de classes. E eu acredito que são estas coisas que produzem a desigualdade social, a pobreza, a opressão, a discriminação e a violência. A própria forma como a sociedade está organizada é o que produz tudo isso. Enfim, estes são fatores que justificam a nossa profissão: olhe a contradição! Pensando em todas estas afirmações, creio não estar contra os princípios e diretrizes de nosso código de ética.