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Ciclos de Vida

e Aspectos
Biopsicossociais

Prof.a Adriana Lobo Müller


Prof.a Camile Haslinger
Prof.a Vanderléia Batista Biss

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Adriana Lobo Müller
a

Prof.a Camile Haslinger


Prof.a Vanderléia Batista Biss

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

M958c

Müller, Adriana Lobo

Ciclos de vida e aspectos biopsicossociais. / Adriana Lobo Müller;


Camile Haslinger; Vanderléia Batista Biss. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

263 p.; il.

ISBN 978-65-5663-519-4
ISBN Digital 978-65-5663-520-0

1. Processos biopsicossociais. - Brasil. I. Müller, Adriana Lobo.


II. Haslinger, Camile. III. Biss, Vanderléia Batista. IV. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.

CDD 612

Impresso por:
Apresentação
Olá, acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de Ciclos de Vida e
Aspectos Biopsicossociais! Este livro didático tem como propósito auxiliá-lo
em seus estudos. Para realizar o estudo proposto, você deve organizar o seu
tempo para ler atentamente os textos, responder às autoatividades que são
propostas e buscar informações complementares.

A disciplina de Ciclos de Vida e Aspectos Biopsicossociais busca


compreender os principais processos do desenvolvimento humano do
período pré-natal até a morte, identificando como e por que as capacidades
dos indivíduos vão se diferenciando e entendendo a sequência de mudanças
biológicas, cognitivas, psicossociais e seus desdobramentos ao longo do
ciclo vital. Assim, busca subsídios para a compreensão do ser humano, o
que poderá contribuir para a construção de estratégias que possibilitem
intervenções que beneficiem o desenvolvimento dos sujeitos que serão
atendidos por você.

Cabe mencionar que, ao estudar o desenvolvimento humano, você


se depara com explicações para fatos vivenciados em sua própria história,
o que pode dificultar o distanciamento necessário para a compreensão da
teoria, produzindo equívocos. Para tanto, é importante que você realize uma
leitura reflexiva e crítica do conteúdo, mantendo uma postura investigativa,
atenta e dialógica.

Assim, para auxiliá-lo nesse processo de construção de conhecimento,


elaboramos este material com textos e autoatividades. Na Unidade 1, nós
abordaremos os conceitos básicos do desenvolvimento humano e seus
principais aspectos históricos e socioculturais; bem como você conhecerá
os principais modelos teóricos do desenvolvimento humano. Da mesma
forma, serão discutidos os processos biopsicossociais característicos do
período pré-natal, neonatal e da infância; refletindo a importância e a
implicação da atuação do profissional de saúde nas diferentes fases do
desenvolvimento infantil.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos os processos biopsicossociais


da adolescência, adultez e do envelhecimento. Por fim, na Unidade 3,
discutiremos as problemáticas contemporâneas em torno dos diferentes
períodos do ciclo de vida, incluindo a infância, adolescência, adultez e
envelhecimento, e aprenderemos como essas problemáticas refletem no
fazer profissional dos profissionais de saúde.
Esperamos que você, ao final da disciplina, seja capaz de identificar
e explicar os processos de mudanças sociais, cognitivas, emocionais, físicas,
perceptuais, de linguagem e moral ocorridos na infância, adolescência, vida
adulta e velhice, bem como de reconhecer as possibilidades de aplicação de
todo esse conhecimento em sua prática profissional.

Desejamos uma ótima leitura!

Prof.a Adriana Lobo Müller


Prof.a Camile Haslinger
Prof.a Vanderléia Batista Biss

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA............ 1

TÓPICO 1 — QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO...... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 DESENVOLVIMENTO HUMANO: CONCEITOS BÁSICOS E ASPECTOS HISTÓRICOS .......4
2.1 DOMÍNIOS DO DESENVOLVIMENTO ..................................................................................... 5
2.2 PERÍODOS DO CICLO DE VIDA................................................................................................. 5
2.3 INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO............................................................................... 7
2.4 CONTEXTOS DO DESENVOLVIMENTO................................................................................... 8
2.5 ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO DO CICLO DE VIDA........................................ 13
3 QUESTÕES TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO........................................... 15
3.1 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET.................................................................. 17
3.2 TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY......................................................................... 19
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 23

TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL


E NEONATAL................................................................................................................ 25
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 25
2 DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL............................................................................................. 25
2.1 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL.................................................................. 26
2.2 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS NO PERÍODO PRÉ-NATAL.................................................. 28
2.2.1 Fatores maternos................................................................................................................... 28
2.2.2 Fatores paternos.................................................................................................................... 33
2.2.3 Rede de apoio ....................................................................................................................... 33
2.3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GRAVIDEZ.......................................................................... 34
2.4 GESTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO VÍNCULO AFETIVO MÃE-BEBÊ-PAI............ 35
2.5 ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL........................................................................................ 36
3 NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NEONATAL............................................................ 37
3.1 TRANSIÇÃO PARA A PARENTALIDADE . ............................................................................ 38
3.2 PARTO............................................................................................................................................. 40
3.3 PERÍODO NEONATAL................................................................................................................ 42
3.4 AMAMENTAÇÃO......................................................................................................................... 44
3.5 DEPRESSÃO PÓS-PARTO........................................................................................................... 44
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 47
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 48

TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA.............................................. 51


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 51
2 PRIMEIRA INFÂNCIA...................................................................................................................... 51
2.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA PRIMEIRA INFÂNCIA . ............................................... 52
2.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA PRIMEIRA INFÂNCIA ...................................... 56
2.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA.................................. 60
3 SEGUNDA INFÂNCIA..................................................................................................................... 66
3.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA SEGUNDA INFÂNCIA ............................................... 66
3.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA SEGUNDA INFÂNCIA . .................................... 68
3.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA SEGUNDA INFÂNCIA ................................ 71
4 TERCEIRA INFÂNCIA ..................................................................................................................... 73
4.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA TERCEIRA INFÂNCIA ................................................ 74
4.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA TERCEIRA INFÂNCIA ...................................... 75
4.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA TERCEIRA INFÂNCIA ................................ 78
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 81
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 84
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 89

UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA


ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO................................... 97

TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA.................................. 99


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 99
2 TRANSIÇÃO DA INFÂNCIA PARA A ADOLESCÊNCIA..................................................... 100
3 IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS DESPERTADAS NA ADOLESCÊNCIA............................ 105
4 RELAÇÕES FAMILIARES E ADOLESCÊNCIA......................................................................... 107
5 ESCOLHA PROFISSIONAL.......................................................................................................... 109
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 112
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 115

TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ.............................................. 117


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 117
2 IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS NA VIDA ADULTA............................................................... 117
3 PARENTALIDADE, CONJUGALIDADE E CONFIGURAÇÕES FAMILIARES ............... 121
4 PERMANÊNCIA E/OU SAÍDA DO JOVEM ADULTO DA CASA PATERNA................... 125
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 129
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 131

TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO......................... 133


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 133
2 STATUS DE IDOSO E AS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS NO PROCESSO DO
ENVELHECIMENTO....................................................................................................................... 134
3 TRANSTORNOS MENTAIS, ORGÂNICOS E DEMÊNCIAS LIGADAS AO
PROCESSO DO ENVELHECIMENTO ....................................................................................... 138
4 MORTE E O MORRER: ASPECTOS QUE ENVOLVEM A TERMINALIDADE................. 145
5 SUICÍDIO E O ENVELHECIMENTO ......................................................................................... 150
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 155
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 162
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 165

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 167
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA
CONTEMPORANEIDADE.................................................................................. 171

TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA...... 173


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 173
2 BEBÊS EM RISCO PSÍQUICO PARA DESENVOLVIMENTO DE AUTISMO .................. 173
2.1 O QUE É O AUTISMO ............................................................................................................... 174
2.2 PROTOCOLO IRDI ................................................................................................................... 177
2.3 M- CHAT- R.................................................................................................................................. 179
3 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) NA
INFÂNCIA......................................................................................................................................... 182
3.1 HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO DIAGNÓSTICO DO TRANSTORNO DO
DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE ..................................................................... 182
3.2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E
HIPERATIVIDADE...................................................................................................................... 185
3.3 TRATAMENTO PARA O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E
HIPERATIVIDADE...................................................................................................................... 187
4 SAÚDE MENTAL E MEDICALIZAÇÃO DA VIDA................................................................. 189
4.1 MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA........................................................................................ 192
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 195
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 196

TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA


ADOLESCÊNCIA....................................................................................................... 199
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 199
2 AUTOMUTILAÇÃO ....................................................................................................................... 200
3 BULLYING E CYBERBULLYING NA ADOLESCÊNCIA.......................................................... 207
3.1 BULLYING NA ADOLESCÊNCIA............................................................................................ 208
3.2 CYBERBULLYING NA ADOLESCÊNCIA............................................................................... 214
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 221
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 223

TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA


ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO..................................................................... 225
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 225
2 USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA VIDA ADULTA........... 226
2.1 ATENÇÃO INTEGRAL A PESSOAS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO ASSOCIADO
AO USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS (SPA)................................................................ 230
2.1.1 Redução de danos............................................................................................................... 233
2.1.2 Interface entre determinantes sociais da saúde e uso problemático de álcool
e outras drogas.................................................................................................................... 234
3 SEXUALIDADE NA VELHICE ..................................................................................................... 240
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 248
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 253
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 255

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 257
UNIDADE 1 —

O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO E A INFÂNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• discutir os conceitos básicos do desenvolvimento humano e seus


principais aspectos históricos e socioculturais;
• conhecer os principais modelos teóricos do desenvolvimento humano;
• identificar os processos biopsicossociais característicos do período Pré-
Natal e Neonatal;
• compreender os processos biopsicossociais característicos das fases de
desenvolvimento de crianças;
• refletir sobre a importância e a implicação da atuação do profissional de
saúde nas diferentes fases do desenvolvimento infantil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO

TÓPICO 2 – ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO


PRÉ-NATAL E NEONATAL

TÓPICO 3 – ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO


HUMANO

1 INTRODUÇÃO
Somos hoje, exatamente, como éramos há um ano? E há cinco anos? E
há dez anos? Sim, mudamos! E o que mudou? Por que mudamos? O que foi
necessário para que as mudanças ocorressem? Essas e outras perguntas os
estudos do desenvolvimento humano procuram responder, o que será abordado
e discutido no Tópico 1.

Iniciaremos apresentando os conceitos básicos do desenvolvimento


humano, seus domínios e os períodos do ciclo de vida. Da mesma forma,
discutiremos as principais influências no desenvolvimento e os vários contextos
em que ocorrem. Você verá que cada sociedade e cultura tem uma forma específica
de lidar com os diferentes períodos do ciclo de vida. Como exemplo, você sabia
que nem sempre as crianças foram cuidadas e consideradas como diferentes
dos adultos? Sim, a infância foi inventada! Essas influências refletem quanto
o desenvolvimento humano é complexo, influenciado por múltiplos fatores e
inserido em um contexto, sendo necessário considerar o indivíduo em interação
com o seu meio, abrangendo o desenvolvimento humano nos âmbitos individual
e coletivo, e suas relações com a saúde, a cognição, os comportamentos e os
vínculos sociais.

Por fim, abordaremos uma visão geral das principais perspectivas


teóricas que formam a base do desenvolvimento humano. Você conhecerá os
diferentes modelos de pensar e compreender o desenvolvimento, suas limitações
e implicações para atuação do profissional. Bons estudos!

3
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO: CONCEITOS BÁSICOS E


ASPECTOS HISTÓRICOS
Carlos e Júlia estavam grávidos de seu primeiro filho. Como muitos pais
iniciantes, estavam ansiosos e com muitas dúvidas de como promover os cuidados
de seu futuro filho. Se questionavam sobre os cuidados básicos de alimentação,
higiene e saúde; e até do que fazer quando o bebê chorar e como saber que ele está
se desenvolvendo bem. São perguntas como essas que impulsionaram os estudos
sobre o desenvolvimento humano, os quais procuram entender as mudanças e
processos no decorrer da vida, compreendendo a constituição do sujeito e fatores
necessários para seu desenvolvimento.

As pesquisas sobre desenvolvimento humano objetivam: descrever


características comuns aos seres humanos em determinada faixa etária, através
de estudos com grandes grupos em que estabelecem médias e normas para tais
características; explicar quais fatores influenciam determinados comportamentos,
por exemplo: como a linguagem é adquirida e o que explica a sua aquisição
tardia para algumas crianças; prever comportamentos futuros, com análises de
probabilidades de fatores que influenciam no desenvolvimento humano e por
fim, intervir no desenvolvimento com a oferta de terapêuticas adequadas a cada
problemática (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Os resultados das pesquisas sobre o desenvolvimento humano têm


aplicações em diversos campos, como educação e saúde, e além de indicar
características comuns de cada idade, também pode elucidar aquilo que é
singular em cada um de nós (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001; PAPALIA;
FELDMAN, 2013). É importante salientar que o estudo sobre o desenvolvimento
humano teve a biologia, genética, antropologia e sociologia como pioneiros, mas
a interdisciplinaridade tem sido contemplada quase desde o início, incluindo
outras áreas como psicologia, psiquiatria, ciência da família, educação, medicina
e história (PAPALIA; FELDMAN, 2013, BARROS; COUTINHO, 2020). Dessa
forma, a compreensão do desenvolvimento humano pode ajudar as pessoas a
entender e lidar com as transições da vida: a mulher que volta ao trabalho depois
de sair da maternidade, a criança em seu primeiro dia na escola, o adolescente
que entra no mercado de trabalho, a pessoa que muda de carreira, a viúva ou o
viúvo lidando com sua perda, alguém que enfrenta uma doença terminal.

Mas o que seria o desenvolvimento humano? O desenvolvimento


humano é definido como processos de transformação e estabilidade ao longo
da vida do indivíduo, que ocorrem de maneira dinâmica e progressiva e afetam
nosso crescimento corporal, a maturação de nossos órgãos, os processos de
aprendizagem, nosso psiquismo e o modo como nos relacionarmos socialmente
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). A seguir, estudaremos as principais influências do
desenvolvimento, suas fases e dimensões e seus principais aspectos históricos e
socioculturais.

4
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

2.1 DOMÍNIOS DO DESENVOLVIMENTO


O estudo do desenvolvimento humano é divido em três principais
domínios: físico, cognitivo e psicossocial. O desenvolvimento físico é caracterizado
pelo crescimento do corpo e do cérebro, pelo desenvolvimento de habilidades
motoras e sensoriais e por aspectos de saúde (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Um
exemplo do desenvolvimento físico são as mudanças na forma e características
do corpo que ocorrem na puberdade, como o surgimento de pelos e seios em
adolescentes do sexo feminino.

Aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, raciocínio


e criatividade compõem o desenvolvimento cognitivo (PAPALIA; FELDMAN,
2013). A aquisição da linguagem na infância é um exemplo do desenvolvimento
cognitivo. Por sua fez o desenvolvimento psicossocial envolve a interação do
indivíduo com o social, englobando características da pessoa e do seu contexto,
como emoções, personalidade e relações sociais (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
A forma como uma criança interage com seus colegas da escola representa um
exemplo do desenvolvimento psicossocial.

Consideremos os domínios físico, cognitivo e psicossocial separadamente


apenas por uma questão didática, ao compreendê-los é necessário pensá-los de
forma unificada. Dessa forma, os desenvolvimentos físico, cognitivo e psicossocial
estão interligados, se afetando mutuamente, um dano em um domínio pode
provocar um dano nos outros domínios. Por exemplo, uma criança com frequentes
infecções no ouvido poderá desenvolver mais lentamente a linguagem do que
outra que não tem esse problema físico, por sua vez, o atraso na linguagem pode
dificultar sua interação social e afetar os sentimentos de autovalor.

De fato, as capacidades física e cognitiva podem causar danos ao


desenvolvimento psicossocial, além de contribuir significativamente para a autoestima
e afetar a aceitação social e a escolha profissional. Por sua vez, o desenvolvimento
psicossocial pode afetar o funcionamento cognitivo e físico, sem conexões sociais
significativas, a saúde física e mental terá problemas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

2.2 PERÍODOS DO CICLO DE VIDA


Outro aspecto importante sobre a compreensão do desenvolvimento
humano, refere-se ao fato de ser estudado através dos ciclos de vida. A esse respeito,
Papalia e Feldman (2013) alertam que essa divisão é uma construção social, pois
não é natural, é determinado por uma cultura ou uma sociedade. Assim, as autoras
salientam que “não há nenhum momento objetivamente definível em que uma
criança se torna adulta ou um jovem torna-se velho. De fato, o próprio conceito
de infância pode ser visto como uma construção social” (PAPALIA; FELDMAN,
p. 38). Historicamente, os conceitos de infância, adolescência, adultos e velhice
foram influenciados pelos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais de
cada sociedade (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

5
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Barros e Coutinho (2020) corroboram com essa perspectiva ao afirmarem


que há sempre que se demarcar sob que perspectiva histórica as definições são
realizadas, já que tais fronteiras assumem contornos distintos em diferentes
momentos. A infância como é percebida hoje, com cuidado e proteção, sendo
considerada uma fase peculiar do desenvolvimento humano, nem sempre
existiu. Até o século XV – a criança era representada como um “adulto em
miniatura”, convivendo no meio dos adultos e tendo funções parecidas com esses
(ARIÉS, 1981). Dessa forma, podemos pensar a infância como uma invenção da
modernidade, que ocorreu nas sociedades ocidentais.

Ao longo desse livro, dividiremos o desenvolvimento em oito períodos do


ciclo de vida geralmente aceitos nas sociedades industriais ocidentais, conforme
descritos no Quadro 1. Contudo, é importante saber que as faixas etárias indicadas
são sempre estimativas, não podendo ser consideradas de forma radical, universal
ou absoluta, representam uma construção social.

QUADRO 1 – ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO NO CICLO DE VIDA

Estágio do desenvolvimento Faixa etária aproximada


Período pré-natal Concepção ao nascimento
Primeira infância Nascimento aos 3 anos
Segunda infância 3 aos 6 anos
Terceira infância 6 aos 11 anos
Adolescência 11 aos 20 anos
Início da Vida Adulta 20 aos 40 anos
Vida Adulta Intermediária 40 aos 65 anos
Vida Adulta Tardia 65 anos em diante

FONTE: A autora

Esses períodos são marcados por padrões, aquilo que é comum cada
fase vivenciar, e por individualidades, que dizem respeito ao modo como cada
indivíduo irá vivenciar o período da sua vida (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Por exemplo, é comum que na adolescência todos passem por mudanças
corporais relacionadas às características sexuais secundárias, como crescimento
dos órgãos sexuais e pelos, mas a forma como cada adolescente lida com essas
transformações é singular.

Além disso, embora existam diferenças individuais na maneira como


as pessoas lidam com eventos e questões características de cada período, certas
necessidades básicas precisam ser satisfeitas e certas tarefas precisam ser
dominadas para que ocorra um desenvolvimento normal (PAPALIA; FELDMAN,
2013). Nesse víeis, para conseguir andar todas as crianças inicialmente precisam
ser estimuladas, nutridas e desenvolver tarefas motoras anteriores, como

6
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

conseguir manter a cabeça erguida e ficarem de pé, bem como necessitam que
ocorra o crescimento e fortalecimento do tronco. Apesar de cada uma vivenciar
isso de forma singular, sem o domínio dessas tarefas, sem estímulos e alimentação
adequada, não passariam por esse estágio do desenvolvimento.

2.3 INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO


Quais aspectos influenciam os processos de desenvolvimento? O que faz
com que nos tornemos quem somos? Os estudos do desenvolvimento humano
abordam o desenvolvimento como algo complexo, influenciado por múltiplos
fatores, verificando tanto influências internas ao indivíduo, quanto influências
externas, relacionadas a interação do indivíduo com o seu meio (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Nesse contexto, o indivíduo não é passivo ao meio no qual
está inserido, ao mesmo tempo em que é influenciado por esse meio o influencia
também, por meio de suas características e interações.

As influências internas são caracterizadas pela hereditariedade e pelo


processo de maturação do indivíduo. A hereditariedade refere-se aos traços ou
características herdadas dos pais biológicos, ou seja, é a carga genética que estabelece
o potencial de desenvolvimento de determinados aspectos (PAPALIA; FELDMAN,
2013). Destaca-se que esses fatores não determinam sozinho as características do
indivíduo, há pesquisas que indicam que a inteligência seja fortemente influenciada
por aspectos genéticos, mas seu desenvolvimento vai depender dos estímulos do
meio em que a pessoa vive, como a estimulação parental, a educação, a influência
dos amigos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Assim, na atualidade, a ciência está interessada em compreender os efeitos conjuntos
da hereditariedade e ambiente ao invés de discutir qual é o mais importante no
desenvolvimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O crescimento e a maturação dos órgãos também são bases biológicas


consideradas influências internas do desenvolvimento, pois modificam a
relação que temos com o mundo. A experiência de engatinhar é diferente da
experiência de andar e correr, e cada uma dessas mudanças é possibilitada
pelo crescimento, como altura e estabilização do esqueleto (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2001).

NOTA

Maturação orgânica refere-se ao aparecimento de novas capacidades


funcionais de um órgão.

7
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Muitas mudanças típicas da primeira e da segunda infância, como a


capacidade de andar e falar, estão vinculadas à maturação do corpo e
do cérebro – o desdobramento de uma sequência natural de mudanças
físicas e padrões de comportamento. À medida que as crianças se
tornam adolescentes e depois adultos, diferenças individuais nas
características inatas e na experiência de vida passam a desempenhar
um papel mais importante. Durante a vida toda, porém, a maturação
continua influenciando certos processos biológicos como, por exemplo,
o desenvolvimento do cérebro (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 42).

Em relação às influências externas são consideradas o ambiente no qual


o indivíduo está inserido, as experiências que ele vivencia nesse meio e suas
aprendizagens (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Entre as influências ambientais
estão a relação com a família, os aspectos culturais e históricos mais abrangentes
e também, as condições socioeconômicas às quais estamos expostos (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2001; PAPALIA; FELDMAN, 2013). Discutiremos essas
influências no subtópico a seguir, ao abordarmos os contextos do desenvolvimento.

2.4 CONTEXTOS DO DESENVOLVIMENTO


Contextos diversos interagem ao longo do ciclo vital e, quando resultam
em conexões positivas, podem promover o desenvolvimento e contribuir em uma
melhor qualidade de vida para as pessoas e as sociedades nas quais estão inseridas
(POLETTO; KOLLER, 2008). Para compreender esse processo de interação entre
o indivíduo e alguns importantes ambientes de desenvolvimento, como família
e escola, discutiremos inicialmente o Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner
(BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). Bronfenbrenner formulou sua teoria
como crítica ao modelo tradicional da época, considerando que as pesquisas
experimentais da época conduziam experimentos elegantes, porém colocando
a criança em ambientes artificiais e restritos, focalizavam apenas a pessoa em
desenvolvimento sem a devida consideração das múltiplas influências dos
contextos em que os sujeitos viviam, impossibilitando uma compreensão real do
desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996).

Para Bronfenbrenner, o desenvolvimento é influenciado por características


ambientais e individuais que se relacionam mutuamente, sendo importante na
sua análise considerar todo o sistema bioecológico que envolve o indivíduo, o qual
dependente de quatro dimensões que interagem entre si, denominadas de “Modelo
ppct” – Processo, Pessoa, Contexto e Tempo (BRONFENBRENNER, 2005). Os
processos proximais são as interações que a pessoa estabelece com o seu meio, por
exemplo, uma criança brincando com um objeto, uma professora ensinando um
aluno ou alguém realizando uma leitura. De acordo com Bronfenbrenner e Morris
(1998), a exposição aos processos proximais pode contribuir com a competência,
caracteriza-se pelo desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e capacidade, ou
com a disfunção, a qual se refere a dificuldades em manter o controle e a integração
do comportamento nas situações e está relacionada a ambientes desfavoráveis ou
desorganizados, como por exemplo com a vivência de violência.

8
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

No segundo núcleo, Pessoa, Bronfenbrenner (1996) denota a relevância dos


fatores biológicos e genéticos no desenvolvimento, vinculados a características
individuais da pessoa em desenvolvimento. A pessoa é analisada através de suas
características determinadas biopsicologicamente e aquelas construídas na sua
interação com o ambiente, sendo essas construídas em uma relação dialética, na
qual são produtoras e produtos do desenvolvimento, pois influenciam a forma,
a força, o conteúdo e a direção dos processos proximais e, ao mesmo tempo,
são resultado da interação conjunta destes elementos (WENDT, 2006). Entre as
características da pessoa estão o temperamento, comportamento, modo de lidar
com as emoções, experiências, aparência, personalidade, idade, gênero, etnia,
entre outros (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998).

Tais características da pessoa são incorporadas dentro do contexto, que é o


terceiro núcleo do Modelo Bioecológico. O contexto se refere ao meio ambiente global
no qual o indivíduo está inserido e se desenrolam os processos de desenvolvimento,
o qual deve ser concebido por um conjunto de estruturas concêntricas, contidas uma
dentro da outra, sendo dividido em quatro subsistemas que interferem mutuamente
entre si e afetam conjuntamente o desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER,
1996). É importante destacar que estes subsistemas não são fixos, são dotados de
dinamismo e ocorrem simultaneamente, sendo que podem mudar com o tempo,
bem como uma estrutura pertencente a um subsistema pode pertencer a outro. Os
quatro subsistemas são: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema
(BRONFENBRENNER, 2005).

O microssistema é o ambiente imediato, no qual ocorrem as interações face


a face da pessoa em desenvolvimento com seu ambiente, abrangendo atividades,
papéis e relações interpessoais experiências pela pessoa nos ambientes em que
estabelece relações imediatas, como as relações que a criança estabelece com a
família, escola, amigos, vizinhos, entre outros (BRONFENBRENNER, 2005).
O mesossistema envolve a relação entre dois ou mais ambientes nos quais a
pessoa participa ativamente, por exemplo, a relação entre escola e família ou
vizinhos e família (BRONFENBRENNER, 2005). O exossistema corresponde às
relações entre dois ou mais ambientes, nos quais a pessoa em desenvolvimento
não tem contato direto com um dos ambientes, mas este influencia diretamente
seu desenvolvimento, por influenciar seus processos no contexto imediato
(BRONFENBRENNER, 2005). Um exemplo de exossistema no desenvolvimento
de crianças e adolescente é a relação entre a família e o local de trabalho ou a
rede de amigos dos genitores. Por fim, o macrosistema diz respeito ao padrão de
ideologia, valores e organização das instituições sociais comuns a uma cultura ou
subcultura, englobando a economia, formas de organização de uma sociedade,
as leis, os costumes, as religiões, que estão presentes na vida de uma pessoa e
influenciam seu desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996).

O cronosistema, quinto subsistema, refere-se às influências do tempo


no desenvolvimento da pessoa e as mudanças que ocorrem ao longo do
tempo no ambiente, considerando a história transgeracional da família e dos
grupos sociais (BRONFENBRENNER, 2005). O cronosistema é considerado de

9
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

maneira abrangente, envolvendo as mudanças do próprio indivíduo, como o


atributo do crescimento humano (idade cronológica), bem como as mudanças
históricas relacionadas à sociedade e à família da pessoa em desenvolvimento
(BRONFENBRENNER, 1996). O tempo é um elemento fundamental na constituição
e análise dos processos proximais, visto que o impacto desenvolvimental das
pessoas em interação é alterado ao longo dos anos.

A partir da teoria bioecológica, a pessoa em desenvolvimento deve ser


compreendida de maneira ampla e sistêmica, levando em conta a ecologia em que
se desenvolvem (DE ANTONI; KOLLER, 2001). Por exemplo, ao considerarmos
o impacto do abuso sexual no desenvolvimento de crianças devemos além de
identificar as consequências para a própria criança que vivenciou a violência,
verificar as relações mais próximas dessa criança; as relações que indiretamente a
influenciam; a rede de apoio social, a rede de serviços destinadas ao atendimento
de criança em situação de violência sexual; a cultura envolvendo o abuso sexual
infantojuvenil, entre outros aspectos. Todos esses incluídos no modelo PPCT
conforme representado na Figura 2.

FIGURA 2 – DIAGRAMA DOS NÍVEIS DO AMBIENTE DE UMA CRIANÇA EM SITUAÇÃO DE


ABUSO SEXUAL A PARTIR DA TEORIA BIOECOLÓGICA DE BRONFENBRENNER

FONTE: A autora

A abordagem ecológica do desenvolvimento humano é útil ao permitir


que o desenvolvimento possa ser entendido de maneira contextualizada
e contemplando a interação de múltiplos fatores, podendo evitar visões

10
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

estereotipada e reducionistas ao compreender o desenvolvimento humano. Para


tanto, utilizamos, igualmente, os fatores de risco e proteção e a capacidade de
resiliência da pessoa em desenvolvimento.

Resiliência é a capacidade que a pessoa tem de enfrentar e de superar


situações adversas e de crises (YUNES; SZYMANSKI, 2001). Rutter (1999) pondera
que resiliência é um processo psicológico, não apenas uma característica individual
ou um traço da pessoa. Assim, a capacidade de resiliência de uma pessoa deve
ser avaliada a partir da interação dinâmica entre as características individuais e a
complexidade do contexto no qual ela está inserida (CECCONELLO, 2003). Para
tanto os processos de resiliência exigem a compreensão dinâmica e interacional
dos fatores de risco e de proteção (POLETTO; KOLLER, 2008).

Os fatores de risco se referem a eventos negativos de vida, que quando


presentes, aumentam a probabilidade de a pessoa apresentar problemas físicos,
sociais ou emocionais em seu desenvolvimento (POLETTO; KOLLER, 2008).
Alguns fatores de risco ao desenvolvimento infantil são: divórcio dos pais,
vivência de violência, pobreza, desastres e catástrofes naturais, guerras e morte
de um dos pais. Ressalta-se que esses fatores não devem ser concebidos de
maneira estática, pois, a presença dele não significa necessariamente um dano
ao desenvolvimento, o que é mediado pela resiliência e os fatores de proteção
(POLETTO; KOLLER, 2008). Por exemplo, nem todas crianças que vivenciam
o divórcio dos pais apresentam consequências negativas ao desenvolvimento,
o queira depender do modo como elas lidarão com a situação, com a forma
que ocorreu o divórcio, como os pais estão lidando, qual o apoio que ela está
recebendo, entre outros fatores.

Fatores de proteção são as influências que podem modificar, melhorar ou


alterar as respostas pessoais a determinados fator de risco ou situação adversa
(POLETTO; KOLLER, 2008). Esses fatores devem ser analisados apenas em
relação aos fatores de risco, pois seu papel é o de modificar a resposta em situações
adversas, mais do que favorecer diretamente o desenvolvimento. Alguns fatores
de proteção fundamentais são os atributos disposicionais das pessoas, como
características pessoais que favorecem seu desenvolvimento, por exemplo,
inteligência, capacidade de lidar com as emoções; a rede de apoio social, com
recursos individuais e institucionais, esse suporte social pode ser escola, amigos,
serviços de saúde; a coesão familiar, que se refere à capacidade da família em
lidar com conflitos sem violência e atender às necessidades de seus membros; a
presença de pelo menos um adulto interesse pela criança, e a presença de laços
afetivos no sistema familiar e/ou em outros contextos (POLETTO; KOLLER, 2008).

Definir efetivamente o que é ou não risco e proteção é algo complexo, que


requer uma análise ecológica do evento, dos processos, do momento histórico
e da pessoa (POLETTO; KOLLER, 2008). Dessa forma, quando analisamos o
desenvolvimento de uma pessoa para evitar preconceitos e visões estereotipadas
e reducionistas, devemos levar em consideração as características dos contextos
dos quais essa pessoa participa direta ou indiretamente, e as relações que

11
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

estabelecem nesses ambientes. Além disso, deve-se compreender seu momento


desenvolvimental e suas características individuais, para verificar suas
fragilidades e potencialidades. A seguir, apresentaremos alguns aspectos dos
contextos que exercem influência sobre o desenvolvimento humano.

A convivência em família é nossa primeira experiência de socialização, estudos


ponderam a importância das relações intrafamiliares e das experiências vividas na
infância, neste contexto, para o funcionamento psicológico ao longo do ciclo vital
(POLETTO; KOLLER, 2008). Para compreender como as famílias funcionam é preciso
refletir sobre suas transformações, modo de funcionamento, funções que lhe são
atribuídas e ainda os papéis que são exercidos por cada membro, de acordo com o
contexto histórico e cultural (DESSEN; SILVA NETO, 2000).

As configurações familiares têm se modificado ao longo dos anos. De


uma família rural bastante numerosa em que todos ajudavam nos afazeres da
propriedade familiar, hoje encontramos, nos centros urbanos, famílias com
menos membros em que pai e mãe exercem atividades profissionais fora de casa
e os filhos passam o dia na escola (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Outros fatores
associados à mudança nas configurações familiares são o aumento no número
de divórcios, a constituição de famílias com padrasto e madrasta, enteados;
famílias com convivência ou não com avós, tios e primos, as chamadas famílias
multigeracionais e famílias de casais homoafetivos (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Todas essas mudanças, não alteram o impacto dessas relações em


nosso desenvolvimento, pois é através da família que somos apresentados aos
costumes e regras sociais e aos modos como nos relacionamos com os outros. É
também na família que são realizados os primeiros cuidados com o ser humano
que nasce, esses cuidados tanto físicos como psíquicos influenciarão todo nosso
desenvolvimento futuro, conforme veremos a seguir ao estudarmos as teorias
sobre desenvolvimento humano (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Por fim,
vale salientar que a família é “um grupo tão importante que, na sua ausência,
dizemos que a criança ou o adolescente precisam de uma “família substituta” ou
devem ser abrigados em uma instituição que cumpra as funções [...] de cuidado
e de transmissão dos valores e normas culturais [...]” (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2001, p. 249 grifos do autor).

As condições socioeconômicas as quais somos expostos também


influenciam nosso desenvolvimento, estando relacionadas ao tipo de moradia,
ao acesso à assistência médica, nutricional, níveis de escolaridade, atividades
laborais, acesso a saneamento básico, desigualdade na distribuição de renda, entre
outras (BARATA, 2009; PAPALIA; FELDMAN, 2013). A prolongada exposição
à pobreza é historicamente associada a prejuízos no bem-estar físico, cognitivo
e psicossocial. Seus efeitos podem ser indiretos, relacionando-se com o estresse
causado nos pais e seus impactos no exercício da parentalidade (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). No lado oposto, a riqueza é associada a melhores níveis de
saúde, qualidade de vida, esperança de vida ao nascer até o envelhecimento e
menor mortalidade em todas as idades e por qualquer causa (BARATA, 2009).

12
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Apesar dessas correlações entre pobreza e riqueza, é importante não


generalizar e reduzir a problemática a uma questão linear de causa e efeito. Sobre
isso, Papalia e Feldman (2013), apresentam estudos em que crianças de famílias
ricas podem ter menos contatos significativos com os pais por estes serem muito
ocupados e sofrerem um excesso de pressão para que tenham sucesso no futuro,
enquanto algumas crianças de famílias pobres podem realizar mais refeições
conjuntamente, além de frequentarem atividades comunitárias, como a igreja,
com seus pais ou cuidadores. Assim, a pobreza é percebida como um fator de
risco e não como uma causa de dano ao desenvolvimento.

Ainda em relação às influências do meio no desenvolvimento humano,


há o componente cultural e o étnico. Cultura se refere às tradições, valores,
linguagem, leis e atitudes compartilhadas por grupos sociais. Já “um grupo
étnico consiste em pessoas unidas por determinada cultura, ancestralidade,
religião, língua ou origem nacional, tudo isso contribuindo para formar um senso
de identidade, atitudes, crenças e valores comuns” (PAPALIA; FELDMAN, 2013,
p. 45). Essas influências configuram-se nas composições familiares, sua condição
socioeconômica, o tipo de alimentação que ingerem, o modo de socialização,
as brincadeiras infantis, o tipo de profissão e na visão de mundo, todos fatores
fundamentais para o nosso desenvolvimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

É importante ressaltar que o termo raça não encontra bases biológicas


que justifique qualquer tipo de segregação entre seres humanos (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). A esse respeito, Barata (2009, p. 57), afirma que “a análise das
características genéticas da espécie não mostra qualquer indicador seguro da
existência de raças ou subespécies humanas”. Porém, há um consenso do uso do
termo raça como uma construção social que, pautada em uma ideologia social de
inferioridade, fomenta práticas discriminatórias e depreciativas que resultam em
desvantagens econômicas, exclusão social, segregação espacial, desvalorização
cultural e enfraquecimento de poder político. “A segregação significa restrição
das possibilidades de acesso a oportunidades de educação e emprego, resultando
em inserção social desvantajosa e ausência de mobilidade social” (BARATA,
2009, p. 66). Nesse contexto, o termo raça, é considerado uma variável que tem
potencial de influenciar no desenvolvimento humano.

2.5 ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO DO CICLO DE


VIDA
Até o momento vimos que para compreender o desenvolvimento humano,
precisamos estar atentos há muitas variáveis, sendo elas as características
herdadas geneticamente, os processos de crescimentos e maturação e ainda os
fatores ambientais como família, cultura e condições socioeconômicas. Todas
essas variáveis, também precisam ser compreendidas considerando o momento
histórico, a faixa etária de cada pessoa e ainda estarmos atentos para as variações
individuais, pois como já foi dito, cada ser humano é único.

13
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Considerando a importância de todos esses aspectos, Papalia e Feldman


(2013), apresentam os estudos de Paul B. Baltes, Smith, Lindenberger, Staudinger
e Bluck que organizaram sete princípios para compreender a teoria do
desenvolvimento do ciclo de vida, que serão apresentados no quadro a seguir:

QUADRO 2 – PRINCÍPIOS PARA ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO NOS CICLOS DE VIDA

O desenvolvimento é um processo vitalício de mudança, ou seja,


inicia com a fecundação e finaliza apenas com a morte do indivíduo.
1- O desenvolvimento é Estamos em constante processo de desenvolvimento! Cada período
vitalício. do ciclo de vida é afetado pelo que aconteceu antes e afetará o que
está por vir. Cada período tem características e valores únicos.
Nenhum período é mais ou menos importante que outro.
Ocorre ao longo de múltiplas dimensões (biológica, psicológica
2- O desenvolvimento é
e social), que se interagem e podem se desenvolver em ritmos
multidimensional.
diferentes.
Enquanto as pessoas ganham em uma área, podem perder em outra,
3- O desenvolvimento é às vezes ao mesmo tempo. Exemplo: na adolescência há um aumento
multidirecional. da habilidade física e coordenação motora, por outro lado, verifica-se
um declínio na capacidade em aprender uma nova língua.
O processo de desenvolvimento é influenciado tanto pela biologia
4- Influências relativas de quanto pela cultura, mas o equilíbrio entre essas influências se
mudanças biológicas e altera. Habilidades biológicas, como acuidade sensorial, força e
culturais sobre o ciclo coordenação muscular, tornam-se mais fracas com a idade, mas
de vida. apoios culturais, tais como educação, relacionamentos e ambientes
tecnologicamente adequados à idade, podem ajudar a compensar.
Os indivíduos escolhem como “investir” seus recursos de tempo,
energia, talento, dinheiro e apoio social de várias maneiras. Os
recursos podem ser usados para o crescimento; conservação ou
5- O desenvolvimento recuperação, ou para lidar com a perda quando a conservação e a
envolve mudança na recuperação não forem possíveis. A alocação de recursos para essas
alocação de recursos. três funções muda ao longo da vida. Na infância e no início da vida
adulta, a maior parte dos recursos é direcionada para o crescimento;
na velhice, para a regulação da perda. Na meia-idade, a alocação é
mais equilibrada entre as três funções.
Muitas capacidades, como a memória, a força física e a resistência,
podem ser aperfeiçoadas com o treinamento e a prática, mesmo
6- O desenvolvimento
em idade avançada. Mas, até mesmo nas crianças, a plasticidade
revela plasticidade.
tem limites que em parte dependem das várias influências sobre o
desenvolvimento.
7- O desenvolvimento Cada pessoa se desenvolve em múltiplos contextos – circunstâncias
é influenciado pelo ou condições definidas em parte pela maturação e em parte pelo
contexto histórico e tempo e lugar. Os seres humanos não apenas influenciam, mas
cultural. também são influenciados pelo contexto histórico-cultural.

FONTE: Adaptado de Papalia e Feldman (2013, p. 51)

Agora que já conhecemos o campo de estudo do desenvolvimento


humano, estudaremos as teorias sobre o desenvolvimento humano.

14
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

3 QUESTÕES TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO


Teorias são conjuntos de ideias e afirmações logicamente relacionadas
que procuram transmitir uma noção geral sobre um determinado tema, a fim
de produzir conhecimento e previsões. Nesse contexto, uma teoria científica
do desenvolvimento humano se refere ao conjunto de conceitos com o objetivo
de descrever e explicar o desenvolvimento, possibilitando intervir e prever os
comportamentos que podem ocorrer em certas condições (PAPALIA; FELDMAN,
2013). Assim, as teorias são a base para a compreensão dos fenômenos,
permitindo um maior controle sobre eles. A partir de uma perspectiva teórica
podemos compreender o que é necessário para que um bebê se desenvolva de
maneira saudável, com esse conhecimento os profissionais de saúde constroem
intervenções junto a bebês e desenvolvem políticas de prevenção, visando evitar
possíveis danos no seu desenvolvimento.

A pesquisa se refere a uma investigação ou indagação minuciosa, que tem


por finalidade a descoberta de novos conhecimentos, utilizando métodos, técnicas
e procedimentos científicos (GIL, 2008). A pesquisa requer uma comprovação dos
fatos, já a teoria se sustenta por explicações lógicas dos fatos. Teoria e pesquisa
estão amplamente interligadas e refletem o modo de fazer ciência. As teorias
sustentam e dão direcionamentos para as pesquisas, bem como as teorias surgem
por meio das pesquisas e são testadas por elas. Nessa relação, as teorias podem
ser refutadas pelas pesquisas, verificando-se que à medida que a ciência evoluiu,
as teorias do desenvolvimento humano foram se modificando para acomodar
novas descobertas.

Dessa forma, no decorrer da história, constatam-se várias teorias que


procuram explicar e compreender o desenvolvimento humano, sendo que
várias delas são conflitantes entre si. Cada teoria reflete as perspectivas de seus
autores e o momento histórico e social da época, sendo necessário uma avaliação
crítica sobre elas. De modo mais amplo, as teorias do desenvolvimento humano
pautam-se em três racionalidades iniciais, são elas: inatismo, ambientalismo e o
interacionismo. Essas racionalidades estão sustentadas em três perguntas gerais:
(1) as pessoas são ativas ou passivas em seu desenvolvimento, ou seja, podemos
influenciar nosso próprio desenvolvimento ou somos totalmente influenciados
pelo meio em que vivemos?; (2) o desenvolvimento é influenciado por questões
biológicas ou ambientais?; (3) o desenvolvimento é contínuo, ocorrendo de forma
gradual e cumulativo, ou descontínuo, sendo desencadeado de forma abrupto ou
irregular, por meio de estágios? (BEE; BOYD, 2011).

Na concepção inatista, o fator biológico determina o desenvolvimento


humano e o ambiente exerce pouca influência, podendo apenas acelerar ou
desacelerar o desenvolvimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, possuímos
um papel ativo em nosso desenvolvimento, o qual ocorre por processos
genéticos, hereditários e maturacionais. Para o inatismo o desenvolvimento
seria uma sequência progressiva de estágios em direção à plena maturação
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Um estágio depende do desenvolvimento de

15
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

diferentes habilidades e estruturas, bem como está amplamente interligado com


o estágio anterior, o desenvolvimento é comparado à subida de uma escada,
para chegar ao topo necessito subir um degrau de cada vez. Um teórico inatista
ao estudar o desenvolvimento humano, focaliza sua atenção em questões do
próprio indivíduo, como suas características pessoais, temperamento, fatores
biológicos, maturacionais e subjetivos. Encontramos sua expressão em alguns
pensadores, como o filósofo francês Jean Jacques Rousseau, o qual afirmava que
as crianças nascem como “bons selvagens”, se desenvolvendo conforme suas
próprias tendências naturais positivas, se não forem corrompidas pela sociedade
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

NOTA

O temperamento é a base da personalidade, sendo seu aspecto mais estável,


caracterizado pelas diferenças individuais ao longo do desenvolvimento, incluindo
fatores biológicos e psicológicos, por exemplo, o fato de uma pessoa ser mais retraída ou
extrovertida (ELSE-QUEST, HYDE, GOLDSMITH, VAN HULLE, 2006).

Contrário a esta teoria está o ambientalismo, que pressupõe que o


desenvolvimento humano é resultado das nossas experiências ao longo da vida,
a partir de nossa interação com o meio ambiente em que estamos inseridos. Nesse
modelo, o desenvolvimento sempre é governado pelos mesmos processos, e ao
conhecer esses processos podemos prever comportamentos posteriores a partir
dos anteriores, permitindo certo “controle” sobre o desenvolvimento (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Deste modo, o desenvolvimento seria uma subida de uma
rampa e ao estudá-lo focaria nas relações sociais dos indivíduos, no modo como
o ambiente intervém sobre ele, sendo o indivíduo passivo, produto de suas
experiências de vida.

No interacionismo temos uma relação entre os dois modelos, o


desenvolvimento humano é desencadeado tanto por fatores biológicos quanto
ambientais, o indivíduo é produto e produtor de seu desenvolvimento.
O desenvolvimento está na relação entre sujeito e objeto, o sujeito possui
potencialidades e características próprias que devem ser favorecidas pelo meio
para se desenvolver. Posso ter uma habilidade genética para música, mas se o
meio não me proporcionar condições para desenvolver essa habilidade, como
o contato com a música, jamais serei um músico. Assim, ao mesmo tempo em
que somos influenciados pelo ambiente em que estamos inseridos, influenciamos
esse ambiente. Ao estudar o desenvolvimento humano, esses teóricos procuram
compreender os múltiplos fatores que influenciam o desenvolvimento humano,
biológicos e ambientais. E para você o desenvolvimento é influenciado por
questões biológicas, ambientais ou ambas?

16
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

E
IMPORTANT

As pesquisas atuais sobre desenvolvimento humano apresentam uma visão


interacionalista, considerando que o desenvolvimento é influenciado por características
internas e externas ao indivíduo, que se relacionam de forma bidirecional: as pessoas
modificam seu meio, assim como são modificadas por ele.

A partir do exposto, destacaremos as teorias do desenvolvimento


humano de Jean Piaget e Vygotsky, dada a importância de suas proposições para
a compreensão do desenvolvimento humano.

3.1 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET


Jean Piaget (1896-1980) foi um biólogo, filósofo e psicólogo suíço que
aos 11 anos publicou seu primeiro artigo científico sobre um pardal albino. Já
adulto, realizou pesquisas em laboratórios de Psicologia experimental, entre
elas com Alfred Binet que, através de testes de inteligência, tentava descobrir
o funcionamento do desenvolvimento intelectual. Sua tarefa era classificar as
respostas em certas e erradas, mas Piaget inovou, pois queria entender os processos
de raciocínio que levavam a um erro ou a um acerto (GOMES; BELLINI, 2009).

O método clínico de Piaget combinava observação com indagação


flexível. Ao perguntar por que as crianças respondiam as perguntas
da maneira como o faziam, ele percebeu que crianças da mesma idade
cometiam tipos semelhantes de erro em lógica. Assim, por exemplo,
ele descobriu que uma criança típica de 4 anos acreditava que moedas
ou flores eram mais numerosas quando dispostas em filas do que
quando empilhadas. A partir de suas observações acerca de seus
próprios filhos e de outras crianças, ele criou uma abrangente teoria
do desenvolvimento cognitivo (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 65,
grifo do autor).

A teoria de Jean Piaget também é denominada epistemologia genética,


pois estudou as raízes dos processos de aquisição do conhecimento, seus limites
e possibilidades e seu desenvolvimento. Assim, o centro de seu trabalho é o
conhecimento, a cognição. Nesse processo, para Piaget, o indivíduo adquire
conhecimento, se desenvolvendo, por meio de sua interação com o meio, sendo
uma teoria interacionista. Esse desenvolvimento acontece por meio de estágios
do desenvolvimento, não ocorrendo de forma linear, mas por meio de saltos e
rupturas. Cada estágio representa uma lógica das estruturas mentais, que seria
uma forma de pensar, a qual será superada por um estágio superior que apresenta
outra lógica do conhecimento (PÁDUA, 2009)

17
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Essa mudança de um estágio para outro ocorre por meio da maturação


biológica, da atividade, das experiências sociais e da equilibração. A maturação
biológica são mudanças biológicas geneticamente programadas, por exemplo,
o crescimento cerebral que ocorre durante a primeira infância (SILVA et
al., 2015). Nesse processo, Piaget ressalta que o indivíduo só recebe um
determinado conhecimento se estiver preparado para recebê-lo. A atividade se
refere à capacidade do indivíduo de agir sobre o ambiente e aprender com ele,
como exemplo uma criança que ao brincar com um jogo aprende suas regras.
As experiências sociais são as interações sociais e o aprendizado que elas
proporcionam (SILVA et al., 2015). E por fim há o processo de equilibração, que
possibilita a adaptação do indivíduo ao meio.

Dessa forma, as interações, por meio da atividade e experiências sociais,


provocam a desequilibração. Esta levará ao processo de equilibração, que
envolve a adaptação, acomodação e assimilação, o que possibilitará ampliação
no desenvolvimento do pensamento caso o indivíduo esteja num processo de
maturação que permita a acomodação. O processo de adaptação é a tendência
das pessoas de se adaptarem ao seu ambiente, que ocorre pelos processos de
assimilação e a acomodação. A assimilação ocorre quando as pessoas tentam
compreender algo novo, encaixando-o naquilo que o sujeito já sabe, ou seja,
incorporando para si elementos que pertencem ao meio. A acomodação é quando
o indivíduo modifica seus esquemas existentes para responder a uma nova
situação e se adequar às necessidades, o que pode ocorrer através da busca de
novas informações para acomodá-las aos esquemas existentes ou pela criação de
outro esquema que acomode adequadamente a nova informação (PÁDUA, 2009).

Observamos a figura a seguir para compreender o processo de equilibração.


Uma criança ao ver um cavalo pela primeira vez, aponta para ele e diz “cachorro”.
Neste caso, ocorreu um processo de assimilação, por não conhecer o cavalo, a
similaridade entre o cavalo e o cachorro, (ambos possuem quatro patas, um rabo,
pescoço, nariz molhado) faz com que um cavalo passe por um cachorro, visto a
pouca variedade e qualidade de informação acumulada pela criança que ainda
não é suficiente para ela diferenciar os dois animais. Se um adulto intervém e
corrige, "não, aquilo não é um cachorro, é um cavalo", a criança poderá acomodar
aquele estímulo a uma nova estrutura cognitiva, criando assim um novo esquema,
um novo conceito. Terá assim, um esquema para o conceito de cachorro e outro
para o conceito de cavalo.

18
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

FIGURA 3 – FIGURA CAVALO OU CACHORRO

FONTE: <https://cerebromente.org.br/n12/mente/construtivismo.htm>. Acesso em: 10 ago. 2020.

Esse processo de equilibração leva o sujeito a um estado superior em relação


ao estado inicial, exigindo formas de pensar e se comportar mais complexas, o
que possibilitará a mudança de estágio no desenvolvimento. Sua teoria divide o
desenvolvimento em quatro períodos ou estágios, a saber:

1° período: sensório-motor (0 a 2 anos);


2° período: pré-operatório (2 a 7 anos);
3° período: operações concretas (7 a 11 ou 12 anos);
4° período: operações formais (11 ou 12 anos em diante) (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2001).

Segundo Piaget, todos nós passamos por todos os períodos, nessa


sequência, mas dependendo das características biológicas e do ambiente, o início
e término de cada período, difere de uma pessoa para outra. Assim, vale lembrar
que as faixas etárias descritas em cada período, são aproximações e não idades fixas
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Discutiremos as principais características
de cada estágio do desenvolvimento ao abordamos o desenvolvimento cognitivo
na infância e na adolescência.

3.2 TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY


Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo russo que
realizou diversas pesquisas na área do desenvolvimento humano focalizando na
relação entre os processos sociais e culturais e o desenvolvimento cognitivo da
criança. Dessa forma, como Jean Piaget, Vygotsky percebia o desenvolvimento
humano como resultado da interação entre aspectos biológicos e maturacionais
e os estímulos do meio, sendo uma teoria interacionista. Contudo, os estudos
de Piaget eram direcionados na relação do sujeito com o objeto físico, enquanto
Vygotsky destaca a relação intersubjetiva, isto é, a troca entre as pessoas. Assim, a
teoria vygotskiana é chamada de sócio-histórica (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2001). Vejamos a seguir, os fundamentos de sua teoria.

19
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

A Teoria sócio-histórica compreende o funcionamento psicológico a partir


das dimensões sociais, culturais e individuais. Assim, um de seus pressupostos
básicos é que o homem se difere de outros animais pelos processos superiores, que
incluem comportamento consciente, pensamento, linguagem, memória, atenção
voluntária, os quais possuem sua origem nas relações sociais (SILVA et al., 2015).
Portanto, o ser humano constitui-se na sua relação com o outro. Nesse processo
de troca com o meio, o qual ocorre durante toda a vida, o indivíduo internaliza as
formas culturais e as transforma (SILVA et al., 2015). Portanto, o indivíduo é ativo
em sua construção, sendo que ao mesmo tempo que é influenciado pelo meio o
influencia e o transforma.

O desenvolvimento do humano, do mesmo modo, é construído sobre


o plano das interações por meio do aprendizado. Cabe mencionar que para
Vygotsky, o ser humano aprende com qualquer sujeito, desde um professor,
pai ou mãe, até com uma criança da mesma idade. Por meio das atividades
compartilhadas a criança internaliza os modos de pensar da sociedade, cujos
hábitos passam a ser os seus (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nesse processo,
Vygotsky dá ênfase especial à linguagem, como um meio essencial para aprender
e pensar sobre o mundo (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A linguagem permite
que a criança dialogue, converse e interage com outras pessoas, possibilitando
expressar seu pensamento, e quando a linguagem é utilizada como meio de
comunicação pensamento e linguagem se associam, o pensamento torna-se
verbal e a fala racional (SILVA et al., 2015). Assim, a partir da linguagem, a criança
adquire novas formas de pensar, agir e se organizar.

Vygotsky define dois níveis de desenvolvimento: o Desenvolvimento


Real; e o Desenvolvimento Potencial. O nível de desenvolvimento real
caracteriza por aquilo que o sujeito já possui, já aprendeu e sabe fazer. O Nível
de desenvolvimento potencial é aquilo que a criança é capaz de realizar, porém
ainda precisa de ajuda para fazê-lo, é o que ela irá fazer. Entre esses dois níveis
está a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que se é a distância entre aquilo
que o indivíduo é capaz de fazer sozinho e aquilo que ele realiza com a ajuda de
outras pessoas, ou seja, está no meio entre os dois níveis de desenvolvimento
(SILVA et al., 2015). A instrução sensível e eficaz visa desenvolver a ZDP e devem
aumentar em complexidade na medida em que as habilidades da criança são
aperfeiçoadas, deixando cada vez a criança como responsável pela atividade,
por exemplo, quando um adulto ensina uma criança a boiar primeiro ele apoia
a criança na água e depois vai soltando-a aos poucos à medida que ela relaxa o
corpo e vai conseguindo permanecer sobre a água (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

20
TÓPICO 1 —QUESTÕES BÁSICAS NO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

FIGURA 3 – ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Zona de Zona de Zona de


Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento
Real Proximal Potencial

FONTE: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/15/8/breve-estudo-sobre-lev-vygotsky-
e-o-sociointeracionismo>. Acesso em: 17 mar. 2021.

A imagem auxilia a compreender os conceitos. Podemos pensar a Zona de


Desenvolvimento Real como o saber atual da criança, a zona de desenvolvimento
potencial como o saber a ser alcançado e a Zona de Desenvolvimento Proximal
como o processo de mediação para alcançar o saber, é o lugar no qual as
aprendizagens são construídas. Por exemplo: o engatinhar em uma criança que
está aprendendo a andar seria a Zona de Desenvolvimento Real, o andar sozinha,
a Zona de Desenvolvimento Potencial, e o adulto segurar a mão da criança para
lhe ensinar andar seria a Zona de Desenvolvimento Proximal.

Diante do exposto, para Vygotsky nos desenvolvemos por meio de nossa


relação com o outro e com o outro temos possibilidade de produzir mais do que
sozinho. A teoria de Vygotsky tem importantes implicações para a educação,
sendo que ele defendia uma interação direta com o professor em sala de aula e
entre os alunos, sendo papel do professor não dar respostas prontas, mais sim de
mediar seus alunos a irem à busca do conhecimento e solucionar os problemas
propostos, sempre os auxiliando (SILVA et al., 2015). Na área da saúde, podemos
refletir esses aspectos para políticas de educação em saúde. Além disso, pelos
pressupostos da Teoria sociocultural ressalta-se a relevância de conhecermos o
contexto social e cultural no qual o sujeito está inserido ao pensarmos sobre seu
desenvolvimento.

21
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Desenvolvimento humano é o estudo científico de processos de mudança e


estabilidade no decorrer do ciclo de vida.

• O estudo do desenvolvimento humano procura descrever, explicar, prever e,


intervir no desenvolvimento.

• O desenvolvimento humano é determinado por múltiplos fatores, sofrendo


influências internas e externas ao indivíduo.

• Os três principais domínios do desenvolvimento são o físico, o cognitivo e o


psicossocial. Cada um deles afeta os demais.

• O desenvolvimento humano pode ser dividido por períodos, que é uma


construção social.

• A teoria é usada para organizar e explicar dados e gerar hipóteses que possam
ser testadas pela pesquisa.

• As teorias do desenvolvimento humano pautam-se em três racionalidades


iniciais, são elas: inatismo, ambientalismo e o interacionismo.

• Para a Epistemologia Genética de Jean Piaget, o desenvolvimento ocorre por


meio de mudanças qualitativas no pensamento entre a primeira infância e a
adolescência, a partir de um processo maturacional e da interação da criança
com o meio.

• Vygotsky desenvolveu a Teoria sócio-histórica, que considera a interação social


central para o desenvolvimento cognitivo.

22
AUTOATIVIDADE

1 As pesquisas, a partir de observações e construções teóricas, vêm elaborando


leis ou princípios gerais sobre o desenvolvimento humano. Em relação aos
princípios é possível afirmar:

I- O desenvolvimento da criança é multidimensional, sendo determinado


por domínios que se afetam mutuamente. Os domínios são: físico-motor;
cognitivo e psicossocial.
II- O desenvolvimento da criança é integral, as várias relações estão inter-
relacionadas.
III- O desenvolvimento processa-se quando a criança interage com as pessoas
e com o ambiente. Portanto, o desenvolvimento independe de estimulação
do meio dada a criança.
IV- O desenvolvimento se processa de forma contínua, se inicia no período
pré-natal desde a concepção e continua por toda a vida.

Estão CORRETAS:
a) ( ) I, II e IV.
b) ( ) I e II.
c) ( ) II, III e IV.
d) ( ) I e III.

2 O De acordo com Vygotsky, o desenvolvimento é um processo que se dá


de fora para dentro, visto que no processo de ensino-aprendizagem ocorre
a apropriação da cultura e o consequente desenvolvimento do indivíduo.
Considerando a teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano,
analise o caso a seguir:

Matheus, quatro anos, ganhou um quebra-cabeças de seu pai, Gustavo


e, juntos, montaram todo o jogo. O menino montou praticamente todas as
peças, mas o pai o auxiliou em alguns momentos, encaixando corretamente
uma peça ou encontrando a que a criança necessitava. Caso Mateus estivesse
montando o quebra-cabeças sozinho, dificilmente conseguiria fazê-lo.
A diferença entre o que Matheus consegue fazer sozinho e o que é capaz de
fazer com ajuda do pai é definido por Vygotsky como:

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Discurso privado.
b) ( ) Aprendizado colaborativo.
c) ( ) Zona de desenvolvimento potencial.
d) ( ) Zona de desenvolvimento proximal.

23
3 Existem várias teorias do desenvolvimento humano em Psicologia,
dentre as quais se destaca a de Jean Piaget. Definida como Epistemologia
Genética, a teoria de Jean Piaget tem a perspectiva de maturação biológica,
com ênfase na experiência como elemento essencial ao desenvolvimento
da aprendizagem. De acordo com a Teoria de Piaget, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A teoria de Piaget é ambientalista.


( ) As interações, por meio da atividade e experiências sociais, provocam a
desequilibração, a qual levará o sujeito ao processo de equilibração, que
envolve a adaptação, acomodação e assimilação.
( ) O processo de adaptação é a tendência das pessoas de se adaptarem ao
seu ambiente, que ocorre pelos processos de assimilação e a acomodação.
( ) Para Piaget, o processo de assimilação consiste na modificação das
estruturas do sujeito para se adaptar ao meio.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F– F.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – V – F– V.
d) ( ) F – F – V– V.

4 O que é desenvolvimento humano e para que servem seus estudos?

5 As teorias refletem as perspectivas de seus autores e o momento histórico


e social da época, sendo necessário uma avaliação crítica sobre elas. De
modo mais amplo, as teorias do desenvolvimento humano pautam-se em
três racionalidades: inatismo, ambientalismo e o interacionismo. Descreva e
defina essas três racionalidades.

24
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E


NEONATAL

1 INTRODUÇÃO
Quando começa uma vida? O que é preciso para um bebê se desenvolver?
Quais são as mudanças que a vinda de um bebê desencadeia na família? No Tópico
2, discutiremos essas questões, abordando o período inicial do ciclo de vida que
envolve a gravidez, o parto e o puerpério. Nesse período, a família representa
o contexto primário em que se dá o desenvolvimento do bebê, passando por
intensas mudanças com a chegada do novo membro familiar, sendo necessário o
cuidado ao casal grávido.

Assim, no Subtópico 2, nós estudaremos o período pré-natal e o


desenvolvimento inicial da vida. Abordaremos a gestação, as influências
maternas, paternas e sociais ao desenvolvimento do feto, bem como intervenções
interdisciplinares desse período, visando ao desenvolvimento saudável da gravidez.

No Subtópico 3 discutiremos as mudanças na família com a chegada do


bebê e o desafio do casal em conciliar a conjugalidade com a parentalidade, criando
novos enredos para inserir o bebê à família. Abordaremos o processo do parto,
suas implicações para a saúde da mãe e do bebê e na construção do vínculo mãe-
bebê-pai. O puerpério será evidenciado e estudaremos aspectos desse período,
como a amamentação e a depressão pós-parto. Por fim, refletiremos sobre as
características de um bebê e suas necessidades básicas para se desenvolver.

2 DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL
A vida se inicia com a fecundação, no momento em que um espermatozoide
penetra em um óvulo, formando uma única célula, o zigoto, e iniciando um
processo de reprodução celular e desenvolvimento, que terminará apenas com o
fim da vida. As mudanças que ocorrem da concepção ao nascimento constituem
o período pré-natal, o qual corresponde ao desenvolvimento da gestação.

A idade gestacional, que se refere ao tempo de gestação, é geralmente


contada a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual da futura mãe e dura
entre 37 e 41 semanas. Bebês que nascem anterior ao período de 37 semanas são
considerados prematuros ou pré-termos. Já os bebês nascidos após 41 semanas
são pós-maduro (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A gestação inicia com diversas

25
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

mudanças e sinais no corpo da mulher, que passa por transformações para


receber o novo ser. Entre os primeiros sinais e sintomas da gravidez estão: mamas
ou mamilos sensíveis e inchados, fadiga, necessidade de tirar mais cochilos,
sangramento leve ou cólicas, desejos por comida, náusea com ou sem vômito,
vontade frequente de urinar, leves dores de cabeça frequentes, constipação,
variações de humor, fraqueza e tontura, e aumento na temperatura basal do
corpo. Cabe mencionar que esses sinais não são exclusivos da gravidez, e que se
deve levar em conta a singularidade de cada mulher ao serem analisados.

Os sintomas fisiológicos e psicossomáticos vivenciados pela mulher na


gestação são bem conhecidos e difundidos no senso comum, mas será que o homem
também poderia ter sintomas parecidos durante a gravidez de seu filho? Várias
pesquisas descrevem sinais e sintomas psicossomáticos que aparecem em alguns
pais durante a gestação de sua parceira (BUSTAMANTE, 2005; MALDONADO,
2002; BRAZ; GOETZ, 2011). Esses sintomas podem ser fisiológicos ou de ordem
emocional e entre eles estão: maior sensibilidade com relação a crianças; alterações
de humor; dores estomacais e de dente; enjoos e diarreia; e, desejo de consumirem
alimentos estranhos ao seu hábito alimentar (BRAZ; GOETZ, 2011). Ao conjunto
desses sinais e sintomas denomina-se Síndrome de Couvade. Todavia essa
síndrome não representa uma psicopatologia, não causa dano à vida e saúde do
homem e serve para sinalizar os fenômenos que acometem o pai na gestação de seu
filho (BRAZ; GOETZ, 2011).

NOTA

Sintomas psicossomáticos se referem a sintomas de ordem emocional que


geram consequências físicas no corpo.

2.1 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL


O desenvolvimento pré-natal acontece em três etapas identificadas por
mudanças específicas dentro do organismo em desenvolvimento: período
germinal, período embrionário e período fetal (BEE; BOYD, 2011). Durante esses
três períodos há a transformação do zigoto unicelular em embrião e depois em
feto. Esse processo ocorre de acordo com os princípios cefalocaudal e próximo-
distal, ou seja, o crescimento e desenvolvimento motor ocorrem de cima para
baixo e do centro para a periferia do corpo (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Dessa
forma, inicialmente, ocorre o desenvolvimento da cabeça e tronco e por último
dos membros, bem como os órgãos, braços e pernas, se desenvolvem antes dos
dedos das mãos e dos pés.

26
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

O Período Germinal ocorre da fecundação até aproximadamente a


segunda semana da gestação, quando o zigoto se divide, vai se transformando e é
implantado na parede do útero. Nesse período, igualmente, células especializadas
formarão o saco amniótico, a placenta e o cordão umbilical. O saco amniótico é uma
membrana de líquido que envolve o embrião, permitindo que ele se movimente e o
protegendo. A placenta possibilita a passagem de oxigênio, nutrientes e dejetos
entre a mãe e o embrião. Ela está conectada ao embrião pelo cordão umbilical.
Deste modo, todo esse sistema visa proteger o embrião e possibilitar a troca
entre ele e o corpo da mãe, permitindo sua nutrição e excreção. Ressalta-se que
os sistemas circulatórios da mãe e do embrião não estão diretamente ligados;
essa troca ocorre por difusão através das paredes do vaso sanguíneo (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Tal aspecto é de extrema importância e visa proteger o embrião
de possíveis contaminações que afetam o corpo da mãe.

O Período Embrionário se refere entre a 2ª a 8ª semana de gestação,


quando os órgãos e os principais sistemas do corpo vão se formando – digestório,
respiratório e nervoso. Esse é um período crítico, no qual o embrião se encontra
muito vulnerável a influências do ambiente, correndo maiores riscos de ser afetado
e desencadear má formação. Devido a isso, essa é a etapa do desenvolvimento
pré-natal na qual ocorre maior incidência de aborto espontâneo, que acontece
quando o embrião não consegue desenvolver, o que é comum em anomalias
cromossômica, alcoolismo e uso de drogas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O Período Fetal é a fase final da gestação e ocorre a partir da 8ª semana


de gestação até o nascimento. Os órgãos e sistemas formados no período anterior
se diferenciam e se desenvolvem em termos anatômicos e funcionais, pode-se
dizer que nessa fase ocorre o crescimento e refinamento de todos os sistemas.
Além disso, as primeiras células ósseas são formadas e se evidencia o crescimento
rápido do feto, de tal de tal forma que se torna possível perceber seus movimentos.
Dessa forma, os fetos não são passivos, interagem com o mundo exterior e por
cerca da 26ª semana podem ouvir e sentir o que acontece no mundo exterior
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

DICAS

O documentário “Tudo sobre a Gravidez”, da Discovery Channel, demonstra


as mudanças que ocorrem na mulher durante a gravidez e o desenvolvimento do embrião\
feto. Você pode assistir no link: https://www.youtube.com/watch?v=ecU9Df8oqZI.

27
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

2.2 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS NO PERÍODO PRÉ-NATAL


Verifica-se que o desenvolvimento pré-natal apresenta certa regularidade
e previsibilidade de desenvolvimento, ocorrendo a partir de etapas fixas e com
intervalos de tempo. No entanto, essa sequência não é imune às modificações ou
influências externas, uma vez que fatores do ambiente podem ter efeitos sobre
esse processo, apresentando riscos ao desenvolvimento pré-natal. O agente
ambiental que pode interferir no desenvolvimento pré-natal normal e causar
danos é denominado teratógeno. As principais manifestações da ação de um
agente teratogênico são: morte do feto, malformações, retardo de crescimento
intrauterino e deficiências funcionais (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2013).

Esses agentes representam fatores de risco ao desenvolvimento, podendo


ou não causar um dano, sendo que nem todos os riscos ambientais, são igualmente
nocivos a todos os fetos. Assim, o Teratógeno é mediado pela existência de outros
fatores de proteção, bem como o tempo de exposição, a dose, duração e interação
com outros fatores teratogênicos também podem fazer diferença (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

O conhecimento sobre os agentes teratogênicos é fundamental ao


profissional de saúde, a fim de que esse possa esclarecer e orientar os pais grávidos
sobre práticas inapropriadas durante a gestação, tais como: medicalização sem
consentimento do médico, consumo de álcool, cigarros e ausência de medidas
profiláticas para doenças com potencial teratogênico. Tais orientações são
realizadas no acompanhamento pré-natal. A seguir, abordaremos os principais
fatores Teratógenos.

2.2.1 Fatores maternos


Considerando que o ambiente pré-natal é o corpo da mãe, praticamente
tudo o que influencia o bem-estar da genitora, da dieta ao humor, pode alterar
o ambiente do feto e afetar seu desenvolvimento. Assim, o cuidado com a saúde
da mãe e seu bem-estar contribui com o desenvolvimento saudável do feto.
Entre os principais fatores maternos que influenciam o pré-natal estão: nutrição,
atividade física e trabalho pesado, medicamentos, Álcool e Drogas, HIV/AIDS
e outras doenças, idade materna e estresse (BEE, BOYD, 2011; PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

A mãe é a única fonte de nutrição do feto em desenvolvimento, assim a


qualidade de sua alimentação é fundamental para o desenvolvimento pré-natal. O
ganho de peso de uma mulher durante a gestação varia, segundo recomendações
atuais mulheres abaixo do peso deveriam ganhar entre 13 e 18 quilos; aquelas com
peso normal, entre 11 e 16 quilos; e mulheres obesas, apenas de 5 a 9 quilos. Se a
mulher não ganhar peso suficiente, provavelmente o bebê terá seu crescimento
retardado no útero, o nascimento será prematuro, ele sofrerá durante o trabalho

28
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

de parto ou morrerá ao nascer. Já uma mulher com peso excessivo corre o risco
de ter um bebê grande que precisará nascer por parto induzido ou cesariana
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

A saúde física da mãe também irá afetar o desenvolvimento fetal.


Atividade física e exercícios regulares leves são indicados, pois evitam a
constipação e melhoram a respiração, a circulação, o tônus muscular e a
elasticidade da pele, o que contribui para uma gravidez mais confortável e
um parto mais fácil e seguro. Por outro lado, exercícios pesados e intensos,
condições de trabalho exaustivas, fadiga ocupacional e longas horas de trabalho
podem estar associados a um maior risco de nascimento prematuro ou aborto
espontâneo (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Considerando que nenhum medicamento é isento de toxicidade à


mãe ou ao feto, o uso de medicamentos durante a gestação pode gerar risco
teratogênico, como aborto, morte ou malformações congênitas (ROCHA;
BEZERRA; LIMA; COSTA, 2013). Verificam-se mais de 30 tipos de medicamentos
que são considerados teratogênicos e devem ser evitados na gravidez, entre esses
estão a aspirina, alguns antidepressivos e antibióticos (PAPALIA; FELDMAN,
2013). Desse modo, a medicalização associada ao uso irracional na gravidez, por
exemplo, através da automedicação, deve ser considerada um problema de saúde
pública. Tal questão se torna mais relevante no contexto brasileiro, uma vez que
o sistema de saúde por vezes é precário e o uso de medicamentos sem prescrição
médica acaba por ser uma necessidade, pelo difícil acesso à unidade de saúde
(ROCHA; BEZERRA; LIMA; COSTA, 2013).

O consumo de álcool, cigarro e outras drogas durante a gestação pode


desencadear inúmeros efeitos negativos no desenvolvimento do feto, sendo
piores quando associados. O consumo do álcool durante a gestação pode
acarretar em Síndrome Fetal Alcoólica, que é caracterizada por retardo no
crescimento, malformações da face e do corpo e transtornos do sistema nervoso
central, ocasionando danos tanto no funcionamento neurológico quanto no
comportamental do bebê, e isso pode afetar as primeiras interações sociais com a
mãe, que são essenciais para o desenvolvimento do bebê (PAPALIA; FELDMAN,
2013). Ressalta-se que mesmo o consumo social moderado de bebida alcoólica
pode causar prejuízos, o que se intensifica com o aumento do uso (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

No Brasil, uma pesquisa realizada Rio de Janeiro com 537 grávidas


identificou que 40,6% das mulheres consumiram álcool durante algum período da
gravidez e que 10,1% fizeram uso da bebida durante toda a gestação (MORAES;
REICHENHEIM, 2007). Algumas complicações referentes à SAF desaparecem
após o nascimento; outros persistem no decorrer do desenvolvimento do bebê,
verificando retardo mental, problemas comportamentais e de aprendizagem e a
hiperatividade na primeira infância (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

29
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

O uso de cigarro na gestação é associado a bebês com baixo peso,


aumenta o risco de aborto espontâneo, atraso no crescimento, parto natimorto,
problemas respiratórios, neurológicos, cognitivos e comportamentais (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Alguns estudos evidenciam que o uso da maconha na gestação
pode resultar em defeitos congênitos, baixo peso no nascimento, sintomas
parecidos com abstinência (tremores e choros excessivos) no nascimento e
maior risco de transtorno de atenção e problemas de aprendizagem no futuro
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). O uso de cocaína, igualmente, apresenta problemas
ao feto, sendo relacionado ao aborto espontâneo, retardo no crescimento, parto
prematuro, baixo peso no nascimento, cabeça pequena, defeitos congênitos e
desenvolvimento neurológico deficiente (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Deste
modo, é necessário que no acompanhamento pré-natal os genitores sejam
esclarecidos dessas questões e recebam acompanhamento adequado em saúde
mental caso se verifique uso abusivo de substância psicoativa pela gestante.

Algumas doenças que a mãe possui ou possa contrair na gestação, em


um determinado período gestacional, podem afetar o desenvolvimento do
feto através de três mecanismos principais: danos à placenta, como ocorre em
alguns vírus, outras têm moléculas suficientemente pequenas que passam pela
placenta; e, ainda, há outras doenças em que a ação sobre o bebê ocorre durante
o nascimento, na passagem pelo canal vaginal, quando tem contato direto com o
corpo da mãe (GERRIG; ZIMBARDO, 2005). Entre as doenças de maior risco para
o desenvolvimento pré-natal estão a rubéola, toxoplasmose, diabete, síndrome
da imunodeficiência adquirida (AIDS), o herpes genital e a sífilis. Ressalta que
dependendo do período da gravidez a doença afeta o feto de formas diferentes,
podendo ou não trazer consequências ao seu desenvolvimento.

Nesse contexto, rubéola afeta o desenvolvimento do feto de acordo


com o período gestacional. Se uma mãe contrair rubéola no primeiro trimestre
gestacional, provavelmente (50% de probabilidade), a criança apresentará retardo
mental, danos nos olhos, ouvidos ou coração. Já no terceiro trimestre de gestação
essa probabilidade cai para 8%, visto que os órgãos já estão formados (GERRIG;
ZIMBARDO, 2005).

A toxoplasmose, causada por um parasita alojado no corpo de bovinos,


ovelhas e porcos e no trato intestinal de gatos, podem produzir, especialmente no
segundo e no terceiro trimestres da gravidez, danos ao cérebro do feto, distúrbio
visual grave ou cegueira, convulsões ou aborto espontâneo, parto de natimorto ou
morte do bebê (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Após o nascimento, o bebê poderá
apresentar infecção nos olhos, perda de audição e distúrbios de aprendizagem
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Como forma de prevenção, a gestante não deve
comer carne crua ou malpassada, deve lavar as mãos e toda superfície onde a
carne crua foi manuseada, descascar frutas e legumes crus ou lavá-los muito bem,
não deve cavar terra de jardim onde fezes de gato podem estar enterradas, e caso
tenham gatos verificar se o animal não tem a doença e evitar contato com suas
fezes (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

30
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

Mães com diabetes são de três a quatro vezes mais propensas de terem
filhos com um amplo espectro de defeitos de nascimento (CORREA et al., 2008),
sendo que para se prevenir precisam ter certeza de que os níveis de glicose de seu
sangue estão sob controle antes de engravidar e fazer acompanhamento médico
durante a gestação (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E
METABOLOGIA, 2008). Algumas Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)
podem causar danos ao desenvolvimento fetal, como o herpes genital que pode
ocasionar encefalite, baço dilatado, coagulação inadequada do sangue; e a sífilis
que pode causar danos ao sistema nervoso central, nos dentes e ossos (BEE;
BOYD, 2011; PAPALIA; FELDMAN, 2013).

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é uma doença


causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), o qual atinge o sistema
imunológico. A mulher portadora do HIV pode transmitir o vírus para seu
bebê durante a gestação, pela passagem de vírus pela placenta, no momento
do parto pela exposição do bebê ao sangue e secreções maternas e durante a
amamentação, já que o vírus pode ser encontrado no leite materno. Para evitar a
transmissão ao bebê, a gestante necessita de acompanhamento e administração
pré-natal do medicamento ZIDOVUDINA – conhecido como AZT, junto
com outros antiretrovirais para reduzir a transmissão. O risco de transmissão
pode ser reduzido ainda pela opção da cesariana e promovendo alternativas à
amamentação natural (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Com esses cuidados, o risco
de transmissão é menor que 2%, mas não é nulo, assim, o casal deve decidir em
conjunto sobre a gravidez, discutindo todas as possibilidades com o médico, bem
como receber acompanhamento pré-natal adequado com equipe interdisciplinar
promovendo as medidas de prevenção.

A gravidez é um período de intensas transformações, sendo natural algum


grau de tensão e preocupações, porém, quando intensa a ansiedade e o estresse, estão
associados a danos no desenvolvimento fetal. O estresse e a ansiedade durante a
gravidez podem estar associados a recém-nascidos com temperamento mais ativo
e irritável, à falta de atenção em bebês e à afetividade negativa ou transtornos
comportamentais na segunda infância (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Além disso, o
estresse crônico pode resultar em parto prematuro e na redução do funcionamento do
sistema imunológico da mãe (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Desse modo, a vivência
de altos níveis de ansiedade e estresse na mãe afeta o nível de atividade do bebê e
aumenta o risco desde desenvolver distúrbios psicológicos.

A idade materna é apontada pela literatura como um fator teratogênico,


no qual se verifica um risco para o desenvolvimento pré-natal a gravidez de mães
mais velhas (acima de 35 anos) ou mães adolescentes (BEE; BOYD, 2011; PAPALIA;
FELDMAN, 2013). No entanto, esse fator deve ser avaliado com cuidado,
sendo mediado por fatores culturais, pelo estado geral de saúde da gestante e o
acompanhamento pré-natal recebido. A gestação de mães com mais de 35 anos
está associada à possibilidade de apresentar pressão arterial alta, sangramentos,
maior probabilidade de aborto, parto prematuro, crescimento fetal retardado,
natimortos e anomalias cromossômicas como a síndrome de Down (BEE; BOYD,
2011; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
31
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Já as mães adolescentes tendem a ter bebês prematuros e de baixo peso


(BEE; BOYD, 2011; PAPALIA; FELDMAN, 2013). Entretanto, tal fenômeno deve
ser analisado com cuidado e levando em conta múltiplos fatores, verificando
posições distintas na literatura no que se refere às causas e consequências da
gravidez na adolescência. É importante mencionar que a problematizarão da
gravidez na adolescência é recente, e muitas vezes está associada a questões
morais, culturais e socioeconômicas, visto que até o fim dos anos 1950, a gestação
durante a adolescência era naturalizada e até incentivada (CHALEM et al., 2007;
STEINBERG, 1996).

Os autores que observam a gravidez na adolescência como um problema


ressaltam questões biológicas relacionadas a complicações na gestação e no
parto, como maior risco de anemia e diabetes materna, baixo peso do bebê,
cesárea e partos prematuros (GOLDENBERG; FIGUEIREDO; SILVA, 2005). Em
termos sociais, a gestação precoce é vinculada a consequências desfavoráveis
ao desenvolvimento pessoal e profissional das mães e da criança, como evasão
escolar e inserção precoce e pouco qualificada das mães ao mercado de trabalho
(FONSECA; ARAUJO, 2004; SILVA; TONETE, 2006). Além disso, a gravidez na
adolescência envolve a vivência de dois momentos do desenvolvimento humano
permeado por mudanças: o tornar-se mãe e o ser adolescente (BARICHELLO;
DIAS, 2011). Assim, a gravidez, nessa fase de desenvolvimento, prejudicaria a
vivência de experiências e diminuiria as oportunidades do adolescente.

Por outro lado, algumas pesquisas evidenciam a maternidade na


adolescência com significados positivos, tanto para a adolescente como para a
família. Nesse contexto, consideram que em termos biológicos a adolescência não
implica maiores riscos gestacionais, desde que se receba o acompanhamento pré-
natal adequado (MAGALHÕES et al., 2006). Do mesmo modo, denotam que a
vivência de gravidez na adolescência pode fazer parte de um projeto de vida,
visando alcançar reconhecimento, autonomia econômica e emocional da família
de origem, o que possibilitaria o alcance de um lugar social à adolescente: ser mãe
(BARICHELLO; DIAS, 2011). A gravidez na adolescência ainda pode influenciar
a convivência harmônica com a família, uma vez que é percebida como algo bom,
um objetivo a ser alcançado, uma bênção divina, sendo considerada uma parte da
identidade feminina (RANGEL; QUEIROZ, 2008).

Na esfera da saúde pública verifica-se a predominância de um discurso


moralista e normativo que considera a gravidez na adolescência um fator de risco
social, associada muitas vezes à pobreza e falta de acesso aos serviços de saúde
(BARICHELLO; DIAS, 2011). Contudo, cabe aos profissionais de saúde evitar
generalizações, acolhendo cada gestação em sua singularidade, considerando
o contexto social e cultural da adolescente, bem como seus desejos e fatores
que implicaram a gravidez, a fim de acolhê-la sem preconceitos e julgamentos.
Conforme ressalta Pantoja (2003), se faz necessário pensar que na história de vida do
ser humano não existe uma única adolescência, mas sim adolescências, relacionadas
com questões do social e do contexto em que o adolescente está inserido.

32
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

2.2.2 Fatores paternos


Assim como as mães, os pais podem produzir agentes teratógenos durante
a gestação, tanto pelo espermatozoide, quando pela sua interação e relação com
a mãe. A exposição ao chumbo, maconha, fumaça de tabaco, álcool, radiação
em grande quantidade, pesticidas ou altos níveis de ozônio podem resultar em
espermatozoides anormais ou de baixa qualidade (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Pais mais velhos podem ser uma fonte significativa de defeitos congênitos e
homens que fumam têm maior probabilidade de transmitir anomalias genéticas
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Além disso, a exposição passiva da gestante
à fumaça do pai tem sido associada ao baixo peso no nascimento, infecções
respiratórias, morte súbita do lactente e câncer na infância e na vida adulta
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Da mesma forma, o pai é um importante agente da rede de apoio


da gestante, sendo que a relação entre os genitores no período de gravidez
irá contribuir com o modo como a gestante lidará com a gravidez. Conforme
Winnicott (2001), a mãe precisa se sentir amada em sua relação com o pai da
criança e com a própria família para atender às necessidades do bebê. Portanto,
é primordial que o pai seja inserido e participe do acompanhamento pré-natal.

2.2.3 Rede de apoio


A rede de apoio é definida como o conjunto de relações consideradas
significativas e que são capazes de oferecer ajuda e apoio em momentos de crise
(SLUZKI, 1997). Ela é uma das chaves centrais para o bem-estar, pois influencia
no cuidado com a saúde e na adaptação às situações de crise, podendo contribuir
como ponto de apoio e viabilizar maior adaptação nas circunstâncias da vida,
como na gravidez, parto e puerpério (SLUZKI, 1997; CALDAS; SILVA; BÖING;
CREPALDI; CUSTÓDIO, 2013). Estão incluídas na rede apoio do casal grávidos
todas as pessoas com as quais eles possuem uma relação significativa, o qual
compreende a família nuclear, família extensa e todo conjunto de vínculos
interpessoais (SLUZKI, 1997). Cabe mencionar que essa rede inclui todos os
serviços e profissionais que irão prestar o atendimento à família durante o pré-
natal, por exemplo, a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Centro de referência
de Assistência Social (CRAS).

Pesquisas evidenciam que o suporte da rede de apoio tem um grande


impacto na forma como os genitores lidam com as vivências físicas e emocionais
da gestação (PACHECO et al., 2005); bem como ressaltam ser fundamental
a presença do pai ou de alguém importante para a mulher (mãe, irmã, tia) no
momento do parto (RELVAS, LOURENÇO, 2006). Desse modo, a rede de apoio
pode auxiliar os genitores a enfrentar todas as mudanças significativas da gestação,
contribuindo com menores índices de estresse e ansiedade. Assim, considera-
se importante acionar a rede de apoio para auxiliar no desempenho da função
materna e paterna. Os profissionais que atendem à família, enquanto membro

33
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

da rede de apoio, assumem o papel de identificar e acionar a rede de interações


da gestante, bem como intervir através de apoio aos genitores (CALDAS; SILVA;
BÖING; CREPALDI; CUSTÓDIO, 2013).

2.3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GRAVIDEZ


A gestação de um filho é considerada um período delicado para saúde
mental dos pais, por desencadear mudanças complexas em diversos âmbitos:
fisiológico, socioeconômico, familiar e psicológico (CALDAS; SILVA; BÖING;
CREPALDI; CUSTÓDIO, 2013). Nesse contexto, a mãe vivencia profundas
mudanças em seu próprio corpo para se adaptar ao novo ser. Com o aumento
da família há o aumento de castos financeiros para prover o sustento do bebê,
e a família precisa passar por mudanças socioeconômicas. Tanto o pai e a mãe
passam a vivenciar novos papéis sociais, agora além de homem e mulher, são
pai e mãe. A vivência desse novo papel é um momento que proporciona um
maior contato dos pais com sua própria infância, podendo desencadear inúmeras
lembranças. Todas essas mudanças geram ansiedades e desafios, medos e anseios
em conseguir assumir esse novo papel e em relação ao desenvolvimento do bebê.

Pedreira e Leal (2015) denotam a gestação como um período de elevado


nível de ansiedade referente ao desenvolvimento do bebê ao longo da gravidez;
ao parto e preocupações após o parto. A ansiedade no decorrer da gestação está
centralizada ao desenvolvimento saudável do bebê e medo de aborto ou danos
ao feto (BRAZELTON; CRAMER, 2004). Tal receio pode ser intensificado em
mulheres com histórico de abortos espontâneos. A ansiedade referente ao parto
pode estar relacionada à vivência de dores (FIGUEIREDO; COSTA; PACHECO,
2002), medo de não identificar os sinais de trabalho de parto e da morte da
gestante ou bebê durante o parto (BRAZELTON; CRAMER, 2004). Após o parto
a ansiedade está direcionada pela responsabilidade de cuidar do bebê e exercer
o novo papel social. Dessa forma, Stern (1997) ressalta que a ansiedade dos
genitores reflete a pressão sentida em serem bons pais, tendo a competência de
gerar, de cuidar e de nutrir outro ser.

As transformações vivenciadas pelos genitores representam uma


possibilidade de níveis de amadurecimento e crescimento pessoal ou podem
desencadear uma patologia aos pais que predominará na relação com a criança
(MALDONADO, 2002). Por exemplo, sentimentos de exclusão no pai, no qual o
bebê é visto como um rival, podendo surgir conflitos na relação conjugal, relações
extraconjugais ou uso abusivo de álcool.

Diante desse contexto, a gravidez constitui um período crítico de


transição no ciclo vital da família, suscitando novas adaptações, reorganizações
intrapsíquicas e interpessoais (MALDONADO, 2002). Entretanto, cada pessoa
irá reagir a esse período de forma única, de acordo com a personalidade,
circunstâncias em que ocorreu a gravidez, relação entre o casal, repercussões que
a nova situação desencadeou, entre outros fatores (BORTOLETTI, 2007).

34
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

2.4 GESTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO VÍNCULO


AFETIVO MÃE-BEBÊ-PAI
Ao nascer um bebê é totalmente dependente de outro ser, não conseguindo
se desenvolver e sobreviver sozinho. Dessa forma, a disposição de alguém que
exerça o cuidado desse bebê é fundamental para seu desenvolvimento, o que é
facilitado e mediado pelo vínculo entre mãe-bebê-pai. O vínculo afetivo entre
pais e filhos é considerado o mais intenso dos laços humanos, sendo a base para
todas as relações interpessoais subsequentes do bebê e da visão que a criança tem
de si (KLAUS; KENNELL, 1992). Como esse vínculo se desenvolve? O vínculo é
formado a partir da interação dos pais com o bebê, o que inicia durante a gravidez
e se dará principalmente pelas expectativas dos pais referentes ao bebê, que
possibilitam a construção de um bebê imaginário; pelo planejamento para recebê-
lo, como escolha de nome, arrumação do quartinho; e pela interação através da
barriga da mãe.

A construção de vínculo entre mãe e o feto é facilitada, uma vez que eles
estão em constante interação durante a gestação, compartilhando sentimentos
e sensações por meio da descarga neuro-hormonal de substâncias fisiológicas
que tais emoções provocam na mãe (CALDAS; SILVA; BÖING; CREPALDI,
CUSTÓDIO, 2013). Nesse contato direto, o vínculo vai sendo construído e
estabelecido de diversas formas durante o período pré-natal, podendo ser
estimulado por meio de conversas da mãe com o bebê. Nessas conversas é
possível contar histórias e experiências do dia a dia vivenciadas pela mãe, e
cantar canções de ninar, com as quais o bebê irá se identificar após o nascimento.
Wilheim (2006) ressalta que os momentos estressores e de perturbação emocional
durante a gravidez podem ser mediados por conversas tranquilizadoras entre a
mãe com o seu bebê, as quais têm o objetivo de devolver no bebê a sensação de
segurança, otimismo e esperança; reforçar a permanência do vínculo entre ambos
e permite ao bebê significar a experiência de vida intraútero.

As questões biológicas que facilitam o vínculo entre mãe-pai não acontecem


entre pai e filho, tornando esse vínculo mais lento, o qual costuma se efetivar
gradualmente após o nascimento e no decorrer do desenvolvimento da criança
(CALDAS; SILVA; BÖING; CREPALDI; CUSTÓDIO, 2013). Considerando a
importância do vínculo pai-bebê, é relevante permitir e estimular o pai a interagir
com o bebê durante a gestação, favorecendo assim o desenvolvimento do vínculo
afetivo. Esse vínculo pode ser estimulado na inclusão do pai no acompanhamento
pré-natal e na promoção de orientações, por exemplo, estimulando-o a conversar
com o feto que está na barriga da mãe, o qual reconhecerá sua voz após o
nascimento. Na ausência do pai, este vínculo pode ocorrer com a pessoa mais
próxima da mãe.

35
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

2.5 ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL


O acompanhamento pré-natal pode ser caracterizado como um programa
de assistência voltado ao período da gestação, a vim de garantir o melhor
desenvolvimento do feto e reduzir taxas de mortalidade materna e do bebê.
Historicamente, o atendimento pré-natal foi realizado pela medicina e pela
enfermagem, tendo um foco quase que exclusivo à gestante. No Brasil, esse
modelo de assistência passou por intensas mudanças com a implantação do
Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), instituído pelo
Ministério da Saúde em 1 de junho de 2000 (Portaria/GM n° 569, de 01/06/2000).

O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN)


constitui-se numa resposta às necessidades de atenção específica à gestante, ao
recém-nascido e à mulher no período pós-parto, a fim de reduzir altas taxas
de morbimortalidade materna e perinatal, assegurar o acesso, a melhoria da
cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto,
puerpério e neonatal (BRASIL, 2002). Além disso, o Programa tem como base o
direito à cidadania e à humanização dos serviços de saúde prestados à mulher,
assegurando como dever dos profissionais de saúde o atendimento com dignidade
à mulher, seus familiares e o recém-nascido, criando um ambiente acolhedor
e adotando condutas hospitalares que rompem com o tradicional isolamento
imposto à mulher e respeitem seu corpo e suas escolhas (BRASIL, 2002).

Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), a atenção


básica, caracteriza pela Estratégia de Saúde da Família é responsável pela
identificação e localização das gestantes no território, atendimento ambulatorial
de pré-natal, e identificação de gestantes de alto risco para encaminhamentos
aos serviços de referência (BRASIL, 2010). Essas ações devem ser desenvolvidas
com uma visão integral da gestação, levando em conta os aspectos clínicos,
socioeconômicos e emocionais (BRASIL, 2010). Para tanto, de uma ação mediada
por médicos e enfermeiros passou a exigir o trabalho em equipe multidisciplinar,
com atuação interdisciplinar, tendo o envolvimento dos seguintes profissionais:
psicólogo, neurologista, cardiologista, endocrinologista, nefrologista, cirurgião
geral, clínico geral, ultrassonografista, enfermeiro, assistente social, farmacêutico,
nutricionista e neurocirurgião.

NOTA

O trabalho interdisciplinar requer a resolução conjunta dos problemas por


meio da integração dos diferentes saberes de cada área profissional (MORE; CREPALDI;
QUEIROZ; WENDT; CARDOSO, 2004).

36
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

Diante dessas questões, Correa e Oliveira (1999) pontuam que o pré-natal


apresenta os seguintes objetivos:

• Diagnosticar ou confirmar enfermidades maternas, assim como realizar o


tratamento.
• Acompanhar a evolução da gravidez.
• Diagnosticar e tratar intercorrências clínicas referentes à gravidez.
• Recomendar medidas preventivas.
• Preparar a gestante para o parto e o aleitamento.

Assim, o acompanhamento pré-natal tem um importante papel na


garantia do desenvolvimento saudável da mãe e do bebê durante a gestação,
podendo atuar em intervenções preventivas, bem como na promoção e cuidado
de saúde. Para tanto, é necessário que o profissional avalie as implicações das
condições clínicas e obstétricas da gestação; conheça a psicodinâmica própria
da gravidez; favoreça o vínculo mãe-bebê-família; identifique, potencialize e
desenvolva suportes na rede de apoio da gestante (CALDAS; SILVA; BÖING;
CREPALDI; CUSTÓDIO, 2013). Dessa forma, a assistência pré-natal poderá dar
ao bebê a melhor chance possível de chegar ao mundo em boas condições para
enfrentar os desafios da vida fora do útero (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

3 NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NEONATAL


O nascimento inaugura a vivência de uma parentalidade ativa, quando
o bebê passa de fato existir. Dessa forma, todas as mudanças iniciadas no
período pré-natal, conforme discutimos no tópico anterior, são efetivadas com o
nascimento do bebê, e o casal tem que se reestruturar para inserir o novo integrante
na família. Nessa etapa, os pais se deparam com o bebê real e suas características,
vivenciando um confronto com o bebê imaginário, aquele construído durante
a gestação, envolvendo todas as expectativas de como seria seu bebê (FLECK;
PICCININI, 2013).

Tal aspecto se torna relevante para construção do vínculo entre bebê-pais,


visto que em situação nas quais o bebê imaginário se difere muito do bebê real
há dificuldades dos genitores em se relacionar e aceitar o bebê. De acordo com
Rosa e Gil (2017), o confronto entre o bebê real e o imaginário pode desencadear
confusão emocional nos pais, estranhamento do bebê e impacto na relação entre
eles, visto às características do filho serem tão distintas do bebê imaginário. Isso
pode ocorrer em situações em que o bebê nasce com alguma deficiência ou doença
ou ainda tenha que permanecer em UTI Neonatal. Nesses casos, se faz necessário
que o profissional possa acolher os sentimentos dos pais e abordar o luto pelo
bebê imaginário, possibilitando a construção de vínculo entre a criança e seus
pais. Além disso, essa fase é mediada por mudanças na rotina e no ritmo familiar,
inaugurando um novo ciclo de vida familiar, o que discutiremos a seguir.

37
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

3.1 TRANSIÇÃO PARA A PARENTALIDADE


A família é o contexto mais importante para o desenvolvimento do bebê,
que pode ser definida como um sistema aberto, em constante transformação,
o qual se adapta a diferentes ciclos evolutivos, autorregulado por regras e que
está interação com outros sistemas (ANDOLFI, 1996). De acordo com Carter
e McGoldrick (1995), o ciclo de vida familiar é composto por cinco estágios,
conforme segue:

• 1° estágio: jovens solteiros;


• 2° estágio: novo casal;
• 3° estágio: famílias com filhos pequenos;
• 4° estágio: famílias com filhos adolescentes;
• 5° estágio: lançando os filhos e seguindo em frente;
• 6° estágio: famílias no estágio tardio de vida.

A transição para a parentalidade se refere à passagem entre o segundo


estágio para o terceiro estágio, sendo considerada a fase de aquisição da família,
que corresponde à união do casal, a construção da vida a dois e a experiência
da parentalidade, o que provoca transformações intensas e profundas na família
nuclear e ampliada (MACARINI; CREPALDI; VIEIRA, 2016). Esse estágio
inicia com a chegada do bebê e é responsável por transformar o casal em pais,
modificando as relações e rotinas entre os membros do casal e também com a
família extensa (MEYNCKENS-FOUREZ, 2000). Assim, além de homem e mulher,
o casal passa a desenvolver o papel de mãe e pai, precisam incluir a criança nessa
relação, mas sem deixar de ser um casal, bem como deve ser criada uma fronteira
que permita o acesso da criança a ambos os genitores (MINUCHIN, 1982).

A parentalidade se refere ao modo como cada casal irá desenvolver o


papel de pai e mãe, como cuidam e se relacionam com o bebê. Esse processo
de transição exige dos genitores aceitação do novo membro familiar e ajuste
para criar espaço para o filho e para os papéis de pais; cooperação por meio de
constantes negociações para desempenhar as tarefas de educação e cuidado com
o bebê, nas tarefas financeiras e domésticas; e reorganização dos laços existentes
com relação ao poder interpessoal e ao grau de aproximação emocional de sua
relação (MENEZES; LOPES, 2007).

Para tanto, os pais passam a desempenhar diferentes tarefas no que se


refere ao cuidado e educação da criança, as quais, muitas vezes, representam
um desafio, podendo ser a demanda de ajuda que as famílias buscam em um
profissional de saúde. Entre as principais mudanças desse período estão: a
descoberta de novos sentimentos durante a gravidez e após o nascimento,
sentimentos de ambivalência de ter um filho e seguir a vida profissional e pessoal,
vivência da maturidade, novas rotinas em virtude das necessidades do filho,
divisão da atenção entre o bebê e parceiro (BERTHOUD, 2002).

38
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

Dessa forma, a parentalidade pode ser considerada como produto do


parentesco biológico e do tornar-se pai e mãe, não sendo um processo inato,
embora a crença do senso comum de “amor materno incondicional”. Assim,
ninguém nasce pai ou mãe, mas se tornam pai e mãe a partir de sua relação com
o bebê. Conforme Jager e Bottoli (2011), por meio das experiências de cuidado
com o bebê, os genitores não somente vivem em estreita relação com o bebê, mas
também se tornam mãe e pai de seu bebê. Esse papel, igualmente, é influenciado
pela cultura, sendo que atualmente percebe-se uma maior participação do pai nos
cuidados do bebê, o qual na nossa sociedade, marcada por uma cultura patriarcal,
foi designado por muito tempo como papel da mulher (JAGER; BOTTOLI, 2011).

Na transição para parentalidade, igualmente, pode ocorrer uma


aproximação com a família extensa, a qual incluí avós e tios, sendo que os
membros da família extensa podem contribuir com os cuidados parentais, como
oferecer ajuda e acolhimento ao casal, o que pode facilitar o processo de transição
e diminuir o estresse (MACARINI; CREPALDI; VIEIRA, 2016). Da mesma forma,
podem ocorrer negociações hierárquicas de poder com os membros da família
extensa, com o objetivo de manter ou substituir hábitos e costumes educacionais
presentes nas gerações anteriores (MACARINI; CREPALDI; VIEIRA, 2016). Como
por exemplo, quando os familiares impõem seu modo de educar e cuidar do
bebê, não permitindo aos genitores desenvolver sua autonomia nesse processo.
Quando isso ocorre ao invés da família extensa representar um apoio, ela pode
contribuir pelo aumento do estresse desse período.

Nesse sentido, a parentalidade será construída por meio da experiência


que cada um dos genitores teve na sua infância e no seu meio, porém com a
possibilidade de uma nova combinação que será determinada pela geração atual
através das negociações entre o casal (MACARINI; CREPALDI; VIEIRA, 2016).
Dessa forma, Andolfi (2019, p. 40) ressalta que

Nascer é como ser catapultado em um livro já preenchido com


personagens e histórias, é como estabelecer um contato com uma
realidade cujas regras já estão parcialmente escritas. Nossa presença
criará algumas mudanças no enredo e no final, mas nunca seremos
capazes de nos separar das páginas que precedem nossa entrada na
cena e, inevitavelmente, seremos influenciados por essas páginas das
quais somos filhos.

Considerando a complexidade do processo de transição da parentalidade,


as pesquisas verificam que o conflito conjugal aumenta desde a gravidez até os
18 meses após o nascimento do bebê (JAGER; BOTTOLI, 2011). Contudo, cada
casal atravessa esse período de uma forma singular e única, na qual pode ocorrer
a diminuição da satisfação conjugal ou o aumento do companheirismo e da
parceria entre o casal (MENEZES; LOPES, 2007). Verifica-se que os casais que
têm mais satisfação conjugal antes do nascimento do primeiro filho tendem a
ter mais satisfação conjugal durante e depois da transição. Além disso, fatores
como a comunicação e o apoio emocional entre o casal, o envolvimento paterno
com os cuidados do bebê e a satisfação com a divisão dos trabalhos domésticos
podem influenciar a satisfação conjugal durante a transição para a parentalidade
(MENEZES; LOPES, 2007).
39
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

3.2 PARTO
O parto é o momento do primeiro contato entre os pais e o bebê,
sendo vivido de forma mais intensa pela mãe, no qual as expectativas e as
ansiedades que acompanharam a gestação se tornam real, confirmando medo
ou esperança desse momento. O parto já é antecipado durante a gravidez
através de expectativas, e continua sendo referido após sua conclusão, na forma
de lembranças e sentimentos que acompanham a mãe, fazendo parte de sua
história (CUNHA; SANTOS; GONÇALVES, 2012). Desse modo, ele representa
um momento de extrema importância para construção de vínculo entre mãe e
bebê. Em nossa sociedade, o parto geralmente é relacionado com a dor e como
um momento desagradável, o que pode gerar angústia e ansiedade na mulher,
refletindo sobre o bebê e prejudicando o vínculo entre eles (CUNHA; SANTOS;
GONÇALVES, 2012).

O método mais comum de parto é o parto vaginal, que ocorre em três


etapas: (1) dilatação do colo do útero; (2) descida do bebê em direção ao canal
vaginal e sua saída por completo do corpo da mãe; e (3) expulsão do cordão
umbilical e da placenta (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Uma alternativa é o parto
cesariano, que pode ser usado para remover cirurgicamente o bebê do útero
através de uma incisão no abdômen da mãe (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Qual
tipo de parto seria o mais indicado?

A Organização Mundial da Saúde preconiza que o parto cirúrgico


(cesariana) deve ser uma das condutas menos frequentemente, sugere índice de
cesárea de 15%, a qual deve ser utilizada apenas quando tiver indicações clínicas
claras, que apresentam risco de vida para a mãe ou para o bebê (OMS, 2000).
Igualmente, deve-se respeitar o corpo da mulher e seu protagonismo nesse
momento, devendo prioritariamente, respeitar a escolha da mãe sobre o parto,
após ter recebido todas as informações sobre o assunto (OMS, 2000). E como
estamos no Brasil?

A pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Fiocruz (2014), revela que


a cesariana é realizada em 52% dos nascimentos, sendo que, no setor privado,
o valor é de 88%, o que expõem desnecessariamente as mulheres e os bebês aos
riscos de efeitos adversos no parto e nascimento. Entre as gestantes que tiveram
parto normal, houve predominância de um modelo de atenção medicalizado,
com intervenções excessivas e uso de procedimentos que, provocam dor e
sofrimento desnecessários quando utilizados sem indicação clínica, como o
uso de medicamento para acelerar as contrações. O estudo aponta que quase
70% das brasileiras deseja um parto normal no início da gravidez. Entretanto,
poucas foram apoiadas em sua preferência pelo parto normal. Esses dados estão
representados na Figura 4.

40
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

FIGURA 4 – COMO NASCEM OS BEBÊS NO BRASIL

Como nascem os bebês no Brasil


Mais de 50% são por cirurgias cesarianas. Na rede privada, o número chega quase a 90%

As intervenções
O número de cesarianas As cesarianas costumam ser marcadas
mais que triplicou nas com antecedência. Nos partos normais, Deram à luz deitadas de costas, o
que torna a expulsão mais difícil
últimas quatro muitas mulheres sofrem intervenções que
décadas os tornam mais dolorosos
Não puderam se alimentar durante
o trabalho de parto
Cesariana Vaginal sem
com trabalho intervenção Sofreram episiotomia um corte na
de parto região do períneo para facilitar a
saída do bebê

Receberam ocitocina, um hormônio


que aumenta as contrações e torna
o parto mais doloroso
Cesariana
sem trabalho Vaginal com
de parto intervenção Sofreram empurrões na barriga
para forçar a saida do bebê

FONTE: <https://epoca.globo.com/vida/vida-util/saude-e-bem-estar/noticia/2015/01/entenda-
bnovas-regrasb-do-governo-para-incentivar-o-bparto-normalb.html>. Acesso em: 18 mar. 2021.

Segundo os pesquisadores, o número excessivo de cesarianas no Brasil


pode estar relacionado a uma cultura de que o procedimento é a melhor maneira
de se ter um filho, visto o parto normal ser realizado com muitas intervenções e
dor. Igualmente, verifica-se uma influência do pré-natal na decisão das mulheres
pelo tipo de parto, no qual as amigas e os familiares também influenciam
(FIOCRUZ, 2014). Tendo em vista tal contexto, cabe aos profissionais de saúde
desenvolver modelos de atenção ao parto e nascimento que tornam o parto mais
confortável e menos doloroso, os quais incluem métodos não farmacológicos para
alívio da dor, estímulo à movimentação, liberdade para se alimentar e posição
verticalizada na hora de parir (FIOCRUZ, 2014).

Cunha, Santos e Gonçalves (2012) denotam a importância do parto


humanizado, que preconiza o atendimento centrado na mulher, ou seja, a
possibilidade de a mulher escolher dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo
ela vai querer ficar com o bebê no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua
companhia ou se ela vai querer se alimentar e beber líquidos durante o trabalho
de parto. Nessa perspectiva, a mulher se torna a protagonista do seu parto e
personagem principal da construção de sua maternidade, o que é de extrema
relevância para a construção de vínculo saudável entre mãe-bebê. Assim, nesse
momento tão delicado e especial, cabe aos profissionais orientar mulher, acolher
suas ansiedades e respeitar suas decisões e escolhas, possibilitando a essa ser
protagonista de seu parto.

41
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Entre as complicações do parto estão a prematuridade, a pós-maturidade e


os bebês natimortos. A prematuridade ou bebê pré-termo se refere ao nascimento
com idade gestacional inferior a 37 semanas, sendo muito pré-termo os bebês
nascidos entre 33 e 28 semanas e extremamente pré-termo os nascidos com idade
gestacional inferior a 28 semanas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2015). Em virtude de complicações no desenvolvimento, grande parte desses
bebês permanecem em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), o que
dificulta o contato direto com os pais e a possibilidade deles levarem o bebê para
casa após o nascimento. Deste modo, a prematuridade pode desencadear angústias
e sofrimentos nos genitores; intensificar o confronto entre o bebê imaginário e o
bebê real, ter um impacto negativo no estabelecimento da relação mãe-pai-bebê
e culminar no sentimento de incapacidade de desenvolver as funções parentais
(ROSA; GIL, 2017). Para diminuir os riscos de consequências para o bebê e pais,
as pesquisas ponderam que a presença dos pais junto ao seu filho na UTIN pode
minimizar as experiências estressoras do bebê, fortalecer o vínculo mãe-pai-bebê
e diminuir ansiedades e angústias dos genitores (ROSA; GIL, 2017).

A pós-maturidade ou bebê pós-maduro se caracteriza pelo nascimento


com idade gestacional superior a 42 semanas, o que pode ocasionar complicações
no parto, riscos de danos cerebrais ou morte (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Atualmente, tal condição tem sido evitada pela indução do parto ou uso da
cesariana. Natimortos são uma trágica união de opostos – nascimento e morte –
que pode acontecer na 20ª semana de gestação ou após. A morte fetal em alguns
casos é diagnosticada na fase pré-natal; em outros durante o trabalho de parto.
No mundo inteiro, em torno de 3,2 milhões de fetos nascem mortos anualmente
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

3.3 PERÍODO NEONATAL


O período neonatal ou puerpério são as primeiras quatro semanas de vida,
é um tempo de transição do útero, onde o feto é totalmente sustentado pela mãe,
para uma existência independente (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Caracteriza por
período delicado ao desenvolvimento do bebê, no qual ele se encontra em total
dependência de seus pais ou de quem exerce a função de cuidado. E como seria
um bebê ao nascer?

De acordo Papalia e Feldman (2013), ao nascer os bebês pesam entre 2,5


a 4,5 kg, medem entre 45 a 55 centímetros, possuem cabeça grande (um quarto
do comprimento do corpo) e um queixo recuado, que facilita a amamentação.
Ao nascer, os ossos do crânio do bebê ainda não se fundiram; eles não estarão
completamente unidos até o 18° mês, o que facilita o parto e pode contribuir com
que a cabeça do bebê seja alongada e malformada inicialmente. As regiões da
cabeça onde os ossos ainda não se uniram são as fontanelas ou pontos macios,
que estão cobertas por uma membrana rígida, exigindo um cuidado com cabeça
do bebê nesse período (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

42
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

Todos os sistemas e funções do bebê devem operar por conta própria


cerca de 4 a 6 horas depois do parto. O bebê já irá contar com um sistema
circulatório, seu sangue circula inteiramente dentro do seu corpo, os batimentos
cardíacos são rápidos e irregulares, e a pressão arterial só se estabiliza por volta
do décimo dia de vida. A maioria dos bebês começa a respirar quando entra em
contato com o ar, porém seus pulmões têm apenas um décimo da quantidade
de alvéolos pulmonares que têm os adultos, o que os fazem ser mais suscetíveis
a apresentar problemas respiratórios. Ao nascerem, os bebês instintivamente
sugam para ingerir o leite, que é digerido por suas secreções gastrintestinais e
excluídos músculos dos esfíncteres que se abrem automaticamente; o bebê só
desenvolverá o controle dos esfínctere mais tarde. Além disso, os bebês saudáveis
não prematuros são capazes de manter temperatura de seus corpos constante
após o nascimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O olho do recém-nascido é capaz de observar a 20 cm de distância, é muito


sensível à luz e vê em três dimensões. O bebê gira seus olhos e logo a sua cabeça em
direção a estímulos sonoros. Os bebês possuem um “relógio” interno que regula
seus ciclos diários de alimentação, sono e eliminação, e possivelmente até seu
humor, os quais são inatos e altamente individuais. A maioria dos recém-nascidos
passa em torno de 75% do seu tempo (até 18 horas por dia) dormindo, mas acorda
a cada 3 ou 4 horas, dia e noite, para se alimentar. Começando no primeiro mês,
os períodos de sono noturno aumentam, à medida que o bebê fica mais acordado
durante o dia e precisa de menos sono (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Mas do que o bebê precisará para se desenvolver? Winnicott ressalta que


um bebê não pode existir sozinho, mas é parte de uma relação, pois apesar de já
nascer com um aparado biológico esse só irá se desenvolver na presença de um
ambiente suficientemente bom, no qual tenha alguém que exerça seus cuidados,
sua maternagem, o que é feito por quem ocupa a função materna (MONTEIRO,
2003). Para que a mãe consiga exercer esses cuidados é necessário que ela esteja
vinculada ao filho de uma maneira simbiótica inicialmente, na qual lhe permite
colocar as necessidades do bebê em primeiro lugar, em detrimento de suas. Para
tanto, Winnicott pontua que a mãe suficientemente boa teve estar devotada ao seu
filho, sendo essa uma adaptação sensível e ativa às necessidades de sua criança
(MONTEIRO, 2003).

Assim, no período neonatal deve estar presente um estágio psicológico na


mãe, ou em quem ocupa seu lugar, denominado de preocupação materna primária, que
seria um estado de fusão emocional entre mãe e bebê, que dura algumas semanas
após o nascimento do bebê (MONTEIRO, 2003). Destaca-se que a mãe é capaz de
atender às necessidades do bebê se se sente amada em sua relação com o pai da
criança e com a própria família (MONTEIRO, 2003). Assim, podemos pensar o pai e
a família com a função de apoio e sustentação a mãe para que ela exerça seu papel.

Diante do exposto, podemos pensar que para se desenvolver um bebê


precisa muito mais do que moradia, alimentação e cuidados de higiene, precisa
para além disso, de afeto e de um outro que se coloque à disposição para exercer
seus cuidados e com o qual esteja fortemente vinculado.

43
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

3.4 AMAMENTAÇÃO
A amamentação é fundamental para a saúde física e psíquica infantil,
sendo um processo que além de proporcionar a nutrição fortalece o vínculo
entre mãe e bebê. Dessa forma, as pesquisas denotam que a amamentação pode
reduzir a mortalidade e proteger contra infecções, bem como contribui com o
desenvolvimento psicomotor, cognitivo e afetivo infantil (CUNHA; SANTOS;
GONÇALVES, 2012). Do mesmo modo, é um marco importante para a formação
do vínculo mãe-bebê (CUNHA; SANTOS; GONÇALVES, 2012). Considerando
essas questões, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) e a Organização Pan-
Americana da Saúde (OPAS), em consonância com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), enfatizam o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida
da criança, sendo complementado com outros alimentos até os dois anos de idade
(BRASIL, 2002).

Entretanto, a amamentação não é um processo inato e várias mulheres


não conseguem amamentar por fatores biológicos e emocionais, sendo que para
que ela exerça suas funções, é preciso que a amamentação seja um processo
de escolha da mãe e um momento prazeroso para mãe e bebê. Cunha, Santos
e Gonçalves (2012) afirmam que o convencimento ou imposição do ato de
amamentar pode trazer sentimentos de angústia e de frustração àquelas mulheres
que, por diferentes motivos internos ou externos, encontram-se impossibilitadas
de amamentar. Além disso, quando a mãe percebe a amamentação como uma
obrigação, a amamentação pode trazer mais prejuízos do que benefícios para a
díade mãe-bebê (CUNHA; SANTOS; GONÇALVES, 2012).

Nesse cenário, podemos pensar que a amamentação deve ser estimulada


pelos profissionais de saúde, considerando seus inúmeros benefícios. Por
outro lado, ao orientar as mães é necessário considerar o que significa o ato de
amamentar para cada mulher e estar atento para a experiência vivida por ela, de
modo que a mesma expresse sua opção sobre amamentar ou não, pautada em seu
desejo e independente das pressões sociais a que está sujeita (CUNHA; SANTOS;
GONÇALVES, 2012).

3.5 DEPRESSÃO PÓS-PARTO


Como vimos, os primeiros dias, após o parto, são marcados por uma
série de emoções e diversas expectativas e adaptações para inserir o bebê à
família, essa turbulência de sentimentos e mudanças pode desencadear em
uma instabilidade emocional na mãe, que se altera entre euforia e depressão.
Conforme Fernandes e Cotrin (2013) essa fase inicial do nascimento do bebê
torna-se muito propícia ao surgimento de problemas emocionais que incluem a
tristeza puerperal e a depressão pós-parto.

44
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO PERÍODO PRÉ-NATAL E NEONATAL

A tristeza puerperal é um distúrbio transitório de humor, que pode variar


de algumas horas até uma ou duas semanas, caracterizado por um curto período
de emoções voláteis que atinge grande parte das novas mães e, normalmente,
tem remissão espontânea (KAPLAN; SADOCK, 1999). A depressão pós-parto
é um transtorno depressivo que associado ao nascimento do bebê, que provoca
alterações emocionais como irritabilidade, choro frequente, sentimentos de
desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual,
transtornos alimentares e do sono, a sensação de ser incapaz de lidar com novas
situações, bem como queixas psicossomáticas (FERNANDES; COTRIN, 2013). As
principais diferenças diagnósticas entre a tristeza puerperal e Depressão pós-parto
são evidenciadas no quadro a seguir:

QUADRO 3 – DIFERENÇAS DOS DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS PUERPERAIS

TRISTEZA PUERPERAL DEPRESSÃO PÓS-PARTO


Distúrbio psíquico Transtorno psíquico de moderado a
CONCEITO
leve e transitório. severo com início insidioso.
PREVALÊNCIA 50 a 80%. 10 a 15%.
Inicia-se no 3° até o 4° dia Início insidioso na 2ª a 3ª semana
MANIFESTAÇÃO
do puerpério. do puerpério.
Choro, flutuação de humor, Tristeza, choro fácil, desalento,
irritabilidade, fadiga, tristeza, abatimento, labilidade, anorexia,
SINTOMAS insônia, dificuldade de náuseas, distúrbios de sono, insônia
concentração, ansiedade inicial e pesadelo, ideias suicidas,
relacionada ao bebê. perda do interesse sexual.
Desenvolve-se lentamente em
semanas ou meses, atingindo assim
CURSO E Remissão espontânea de uma
um limiar; o prognóstico está
PROGNÓSTICO semana a dez dias.
intimamente ligado diagnóstico
precoce e intervenções adequadas.

FONTE: Fernandes e Cotrin (2013)

Tanto a tristeza puerperal quanto a depressão pós-parto podem fazer com


que a mãe evite o contato com as pessoas e com seu bebê, por vezes, evitando
realizar os cuidados dele, como trocar a fralda ou amamentá-lo (FERNANDES;
COTRIN, 2013). Além disso, estudos denotam que as crianças de mães
deprimidas podem apresentar no decorrer de seu desenvolvimento: problemas
comportamentais, como perturbações de sono e ataques de raiva; atraso no
desenvolvimento cognitivo, podendo vir a falar mais tarde ou apresentar
dificuldades de aprendizagem; problemas de socialização como dificuldades em
estabelecer relações afetivas estáveis e fazer amigos; problemas emocionais como
apresentar baixa autoestima, revelando-se mais ansiosas e medrosas, passivas e
dependentes; e possuem maiores riscos de desenvolver depressão no decorrer de
seu ciclo de vida (CARIFETE, 2009).

45
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

E
IMPORTANT

Na depressão pós-parto dificilmente há riscos de a mãe cometer algo contra seu


bebê, como uma agressão, visto que os sentimentos são direcionados a ela, aumentando
o risco de essa cometer suicídio, situações de mães que matam ou machucam seus bebês
estão relacionadas a casos extremos e graves de psicose pós-parto.

Assim, a depressão pós-parto materna representa um fator de risco ao


desenvolvimento do bebê, o que se agrava nos casos nos quais não tenha alguém
que ocupe o lugar de cuidado ao bebê, como o companheiro ou alguém da família.
Portanto, é necessário conhecermos esses problemas emocionais relacionados
com o período puerpério, a fim de proceder ao cuidado e apoio necessário
à mãe, para que não afete o vínculo entre ela e o bebê, e consequentemente o
desenvolvimento de seu filho.

46
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O desenvolvimento pré-natal ocorre em três períodos da gestação: o germinal,


o embrionário e o fetal.

• Os fetos não são passivos, interagem dentro do corpo da mãe, são capazes de
ouvir, exercitar a discriminação sensorial, aprender e lembrar.

• O organismo em desenvolvimento pode ser muito afetado por um ambiente


pré-natal. Essas influências são conhecidas como agentes teratógeno e incluem
fatores maternos, paternos e da rede de apoio dos pais.

• A gestação de um filho é considerada um período de intensas mudanças


para uma família em diversos âmbitos: fisiológico, socioeconômico, familiar e
psicológico. Essas mudanças são intensificadas com o nascimento do bebê.

• O vínculo entre um bebê e seus cuidadores é fundamental para seu


desenvolvimento, o qual já começa a ser desenvolvido durante a gestação.

• O acompanhamento pré-natal de alta qualidade logo no início da gestação é


essencial para o desenvolvimento saudável do feto e da mãe, sendo realizado
por uma equipe interdisciplinar.

• O período neonatal é um tempo de transição entre a vida intrauterina e a vida


extrauterina.

• No nascimento, os sistemas circulatório, respiratório, digestivo, de eliminação


e de regulação da temperatura tornam-se independentes da mãe.

• Complicações do parto incluem pré-maturidade, pós-maduro e nascimento de


natimorto.

• Um bebê não pode existir sozinho, mas é parte de uma relação.

• A amamentação é fundamental para a saúde física e psíquica infantil.

• A fase inicial do nascimento do bebê é propícia ao surgimento de problemas


emocionais que incluem a tristeza puerperal e a depressão pós-parto,
os quais podem afetar o vínculo entre mãe-bebê e, consequentemente o
desenvolvimento infantil.

47
AUTOATIVIDADE

1 Leia atentamente as assertivas sobre o desenvolvimento pré-natal:

I- Há evidências de forte influência hereditária em transtornos mentais como


esquizofrenia, autismo, alcoolismo e depressão. Todas elas costumam ser
comuns entre os membros de uma família e mostrar maior concordância
entre gêmeos monozigóticos do que entre gêmeos dizigóticos. Entretanto,
a hereditariedade sozinha não produz tais transtornos; uma tendência
herdada pode ser ativada por fatores ambientais.
II- O feto responde à voz, às batidas cardíacas e às vibrações do corpo da
mãe, o que sugere que pode ouvir e sentir. A familiaridade com a voz da
mãe pode ter uma função evolucionista de sobrevivência: ajudar os recém-
nascidos a localizar a fonte de alimento.
III- No período germinal ocorre o aparecimento das primeiras células ósseas.
Durante esse período, o feto cresce rapidamente até cerca de 20 vezes seu
comprimento anterior, e os órgãos e sistemas do corpo tornam-se mais
complexos.
IV- Pesquisas indicam que alterações no bem-estar da mãe, sua dieta e o seu
humor não exercem influências significativas para o bebê, que tem na
placenta, o ambiente fetal necessário para sua proteção.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) I e II.
b) ( ) III e IV.
c) ( ) I, II e IV.
d) ( ) Todas as afirmações estão corretas.

2 Jeniffer, casada há cinco anos com Mário, deu à luz, há duas semanas,
a Amanda, a segunda filha do casal, que já tinha um filho. Devido a
complicações na gestação, a bebê nasceu prematura, com 26 semanas e,
imediatamente após o parto, foi internada na UTI neonatal do hospital.
Com base no caso, julgue os próximos itens, relativos ao período pré-natal
e neonatal e às intervenções nesse contexto.

I- O profissional de saúde responsável por atender à família deverá


considerar, em sua intervenção, o momento evolutivo do bebê e as
questões psíquicas que envolvem a realização de internação neonatal.
II- Prematuridade, assim como possíveis psicopatologias no meio familiar,
pode constituir fator de risco para o desenvolvimento normal e saudável
do bebê.
III- Cabe ao profissional realizar grupos de apoio que auxiliam a diminuir
ansiedade nas UTIs neonatais, os quais devem ser realizados apenas com
as mães acompanhantes dos bebês internados, considerando as mães
como as únicas responsáveis pelo cuidado do bebê.

48
IV- Ampla rede de apoio e de recursos emocionais para lidar com situações
inesperadas são fatores de proteção que podem auxiliar os genitores a
vivenciarem o período neonatal, sendo uma das intervenções possíveis o
fortalecimento da rede de apoio de pais com bebês em UTIs neonatais.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmações II e IV estão corretas.
b) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmações I, II, IV estão corretas.
d) ( ) Todas as afirmações estão corretas.

3 Alice, no 4° dia do puerpério, procurou o ESF de seu bairro relatando


apresentar choro fácil, irritabilidade, tristeza e hipersensibilidade, o que
estava dificultando a ela realizar os cuidados do bebê. O manejo dos
profissionais de saúde foi orientá-la sobre a transitoriedade dos sintomas,
bem como procuraram acolher Alice e a estimularam manifestar seus
sentimentos e a aceitação de apoio de seu companheiro e familiares. O
enunciado refere-se à(ao):

a) ( ) Depressão pós-parto.
b) ( ) Transtorno de ansiedade.
c) ( ) Psicose pós-parto.
d) ( ) Tristeza puerperal.

4 O objetivo do acompanhamento pré-natal é “assegurar o desenvolvimento


da gestação, permitindo o parto de um recém-nascido saudável, sem
impacto para a saúde materna, inclusive abordando aspectos psicossociais
e as atividades educativas e preventivas” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
Descreva as principais ações realizadas na assistência pré-natal.

5 A transição para a parentalidade corresponde a união do casal, a


construção da vida a dois e a experiência da parentalidade, o que provoca
transformações intensas e profundas na família nuclear e ampliada
(MACARINI; CREPALDI; VIEIRA, 2016). Descreva três adaptações
importantes dos genitores para a construção da parentalidade.

49
50
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

1 INTRODUÇÃO
Você tem lembranças de sua infância? Como você era quando criança?
Pensava da mesma forma que pensa hoje? Tinha as mesmas características? As
mesmas habilidades? O que foi importante para você se desenvolver? Abordaremos
essas perguntas no Tópico 3, discutindo os principais aspectos biopsicossociais
da infância. A infância é de extrema importância ao desenvolvimento humano,
considerada a base para o desenvolvimento e deixando marquinhas para toda
nossa vida. Ao discutirmos esse tópico, o convidamos a revisitar sua infância e
entrar em contato com a criança que existe dentro de você!

Ao explorarmos os aspectos biopsicossociais da infância, dividiremos


a infância em estágios do desenvolvimento e cada estágio será abordado de
acordo com os diferentes domínios discutidos no Tópico 1. Assim, primeiro
focalizaremos a primeira infância, enfatizando seu desenvolvimento físico,
cognitivo e psicossocial, o que será igualmente abordado sobre a segunda infância,
Subtópico 3, e a terceira infância, Subtópico 4.

Por fim, é importante recordamos que, embora utilizamos essa divisão


de forma didática, os domínios estão interligados, uma mudança num domínio
provoca muitas outras nos restantes. Da mesma forma, não há padrões de
desenvolvimento iguais em todos os seres humanos, cada criança possui
semelhanças com outras crianças em alguns aspectos, mas é única em outros
aspectos. O processo de desenvolvimento da criança é singular, situado num
contexto histórico e cultural, que lhe proporcionam as suas primeiras experiências
de vida.

2 PRIMEIRA INFÂNCIA
Nesse subtópico abordaremos as principais características do
desenvolvimento humano na primeira infância, entre o nascimento aos três
anos. É possível notar como os três primeiros anos são extremamente ricos para
o desenvolvimento humano. De uma posição passiva, passamos a agir sobre
o mundo e para isso, o crescimento físico, a maturação, o desenvolvimento da
inteligência e as condições do meio em que vivemos, são fundamentais.

51
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

2.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA PRIMEIRA INFÂNCIA


Como vimos no Tópico 1, o desenvolvimento físico se caracteriza pelos
padrões de crescimento típico do corpo e do cérebro e pelo desenvolvimento das
habilidades sensoriais e motoras (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Ele é influenciado
por questões biológicas e ambientais, incluindo alimentação, hábitos de sono
e repouso, atividade física, estado de saúde, vivência de violência e influências
psicológicas e emocionais (BEE; BOYD, 2011). Nesse aspecto, é importante
destacar o trabalho infantil, que é naturalizado em nossa região, mas que pode
afetar o desenvolvimento físico da criança, visto que pelo seu corpo ainda está
em desenvolvimento, esse não está pronto para exercer atividades pesadas e
movimentos repetitivos, podendo dificultar o crescimento e causar lesões. O
cansaço, distúrbios de sono, irritabilidade, alergia e problemas respiratórios
também estão na lista das consequências físicas do trabalho infantil.

Assim como acontece antes do nascimento, o desenvolvimento físico


ocorre por meio de dois princípios o cefalocaudal e o próximo-distal. Por meio
do princípio cefalocaudal o desenvolvimento ocorre de cima para baixo, e
através do próximo-distal de dentro para fora. Dessa forma, as partes superiores
do corpo desenvolvem-se antes das partes inferiores, por exemplo, a cabeça se
desenvolve primeiro em relação às pernas; e as partes do corpo próximas ao
centro desenvolvem-se antes das extremidades, os órgãos se desenvolvem antes
dos dedos. Além disso, conforme o desenvolvimento físico ocorre, muda tanto a
forma como o tamanho do corpo, conforme a Figura 5, a cabeça torna-se menor
relativamente ao resto do corpo, a proporção do tronco é mais estável, mudando
sua forma e se fortalecendo, à proporção crescente das pernas é quase exatamente
o inverso da proporção decrescente da cabeça (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

FIGURA 5 – MUDANÇAS DE PROPORÇÃO NO CORPO HUMANO DURANTE O CRESCIMENTO

FONTE: Papalia e Feldnam (2013 (p. 147)

52
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

A primeira infância é o período no qual a criança cresce mais rápido,


especialmente durante os primeiros meses. À medida que o bebê cresce, forma e
proporção também se alteram, a proporção da cabeça em relação ao corpo diminui,
o tronco de um aspecto redondo se fortalece, permitindo maior sustentação do
corpo e a possibilidade de conseguir andar. A dentição começa a aparecer por
volta dos três ou quatro meses, mas o primeiro dente talvez apareça somente
entre o quinto e o nono mês, ou mesmo depois. Ao completar seu primeiro ano de
vida, o bebê geralmente tem entre seis e oito dentes e aos 2,5 anos, já possui todos
os 20 dentes (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

No nascimento, como vimos no Tópico 2, a amamentação é o principal


alimento, o que deve continuar pelo menos até o primeiro ano de vida. A
amamentação é uma fórmula enriquecida com ferro, baseada em leite de vaca
ou proteína de soja, e que contenha suplementos de vitaminas e sais minerais.
Com um ano de idade, o bebê pode passar a tomar leite de vaca. A partir dos
seis meses, os pediatras recomendam que sejam introduzidos, gradualmente,
alimentos sólidos enriquecidos com ferro, geralmente começando com os cereais
e sucos de frutas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Outro aspecto importante do desenvolvimento é o crescimento


cerebral, o qual é um processo que dura a vida toda e que é fundamental para
o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. O sistema nervoso central,
composto pelo cérebro, a medula espinhal e a uma rede periférica crescente
de nervos, é quem coordena a interação do bebê com o mundo (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). No nascimento, o mesencéfalo e a medula, localizadas na
parte inferior do crânio e ligadas à medula espinhal, são as mais desenvolvidas,
visto que possuem a função de regular as funções vitais, como frequência
cardíaca, respiração, atenção, sono, vigília, eliminação e movimento da cabeça
e do pescoço, tarefas que um recém-nascido já consegue realizar (BEE; BOYD,
2011). A parte menos desenvolvida do cérebro no nascimento é o córtex cerebral,
que é a parte mais externa do cérebro, a substância cinzenta torcida que encobre
o mesencéfalo onde ocorreram as sinapses, sendo essa região a sede da atividade
mental, envolvida na percepção, no movimento corporal, no pensamento e na
linguagem (BEE; BOYD; 2011; PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Ao nascer, o cérebro tem somente de um quarto a um terço de seu volume


adulto definitivo. O surto de crescimento do cérebro, que começa por volta do
terceiro trimestre da gestação e continua até pelo menos o quarto ano de vida, é
importante para o desenvolvimento das funções neurológicas e está associado ao
rápido desenvolvimento do cérebro, especialmente do córtex cerebral (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Outro processo que contribuem para o crescimento cerebral
é a sinaptogênese, que se refere ao processo de criar conexões (sinapses) entre
neurônios, que são as células cerebrais (BEE; BOYD, 2011). No início da vida o
cérebro produz mais neurônios e sinapses do que o necessário, aqueles que não
são utilizados ou não funcionam bem aos poucos vão deixando de existir, o que
se inicia durante o período pré-natal e continua após o nascimento, ajudando a

53
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

criar um sistema nervoso eficiente (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Portanto, os


primeiros meses parecem ser um período sensível para a retenção de sinapses; a
complexidade neural que não é retida nesses primeiros anos não se desenvolve
novamente mais tarde, sendo importante a estimulação visual e auditiva do bebê,
por meio da linguagem (BEE; BOYD, 2011).

Um segundo processo crucial no desenvolvimento neuronal é a


mielinização, que melhora a comunicação neural. A mielinização é mais rápida
durante os primeiros dois anos de vida e continua em um ritmo mais lento
durante toda a infância e a adolescência, seguindo os princípios céfalo-caudais
e próximo-distais (BEE BOYD, 2011). Conforme Papalia e Feldman (2013, s.p.),

Em algumas partes do cérebro, a mielinização começa


aproximadamente na metade da gestação e continua até a vida
adulta em outras. As vias neurais relacionadas ao sentido do tato –
o primeiro sentido a se desenvolver – são mielinizadas em torno do
nascimento. A mielinização das vias neurais visuais, que amadurecem
mais lentamente, começa no nascimento e continua durante os cinco
primeiros meses de vida. As vias relacionadas à audição podem
começar a ser mielinizadas já no quinto mês de gestação, mas o
processo só é concluído por volta dos 4 anos. As partes do córtex que
controlam a atenção e a memória só estarão plenamente mielinizadas
no início da vida adulta. A mielinização do hipocampo, uma estrutura
localizada nas entranhas do lobo temporal e que desempenha um
papel fundamental na memória, continua aumentando até pelo menos
os 70 anos.

NOTA

Mielinização é o processo de revestimento das vias neurais com uma


substância gordurosa (mielina) que permite maior rapidez de comunicação entre as células.

O desenvolvimento cerebral é de extrema importância para o


desenvolvimento de habilidades motoras, as quais não precisam ser ensinadas
ao bebê, mas se faz necessário que o sistema nervoso central, músculos e ossos
estejam preparados e que o ambiente ofereça as devidas oportunidades para a
exploração e a prática (PAPALIA; FELDMAN, 2013). O desenvolvimento motor
é um processo contínuo, dinâmico e multifatorial de interação entre o bebê e o
ambiente, que ocorre por marcos, uma sequência geneticamente programada,
evoluindo de habilidades simples para as mais complexas. Sendo assim, antes de
aprender a caminhar o bebê atinge outras habilidades menos complexas, como
erguer a cabeça e engatinhar.

54
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Nesse aspecto é importante pensarmos que há um processo de maturação


necessário na aquisição de habilidades motoras, mas se o bebê não for estimulado
pelo ambiente não terá o desenvolvimento. Como exemplo, os bebês que nasciam
a cerca de 50 anos, ficavam na penumbra por pelo menos sete dias, demoravam a
abrir os olhos; havia o costume de enfaixar todo o corpo dos bebês e, assim, eles
demoravam mais para desenvolver os movimentos. Hoje, em virtude do processo
de estimulação, a bebê tem desenvolvido os movimentos mais rápidos. Deste
modo, podemos afirmar que fatores ambientais, inclusive padrões culturais,
podem afetar o ritmo de desenvolvimento motor. Além disso, a aquisição de
habilidades motoras determina a forma pela qual a criança conhece e se relaciona
com o mundo, influenciando seu desenvolvimento como um todo. Uma criança
que começa a andar passa a explorar ativamente o seu ambiente, tentando
conhecê-lo em detalhes, tenta pegar tudo o que está em seu campo visual, o que
trará implicações no seu relacionamento com os cuidadores.

Nos primeiros 24 meses de vida, os avanços físicos-motores são


impressionantes, o bebê passa de movimentos descoordenados e reflexos para
com dois anos conseguir correr. O Quadro 4 descreve as principais conquistas
motoras ao longo da primeira infância.

QUADRO 4 – HABILIDADES MOTORAS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Menor de 1 mês: 1 mês a menor 2 MESES: 4 MESES:


que 2 meses:
• Reflexo de Moro. • Fixa o olhar no rosto • Responde ao
• Reflexo • Vocaliza. do examinador ou examinador.
cócleo-palpebral. • Esperneia da mãe. • Segura objetos.
• Reflexo de sucção. alternadamente • Segue objeto na • Emite sons.
• Braços e pernas • Sorriso social. linha média. • Sustenta a cabeça.
flexionados. • Abre as mãos. • Reage ao som.
• Mãos fechadas. • Eleva a cabeça.
6 MESES: 9 MESES: 12 MESES: 15 MESES:

• Alcança um • Brinca de esconde • Imita gestos. • Executa gestos a


brinquedo. –achou. • Faz pinça. pedido.
• Leva objetos a boca. • Transfere objetos • Jargão. • Coloca blocos na
• Localiza o som. de uma mão para • Anda com apoio. caneca.
• Rola. outra. • Produz uma
• Duplica sílabas. palavra.
• Senta sem apoio. • Anda sem apoio.
18 MESES: 24 MESES: 2 anos e meio:

• Identifica 2 objetos. • Tira roupa. • Anda na ponta dos pés e salta.


• Rabisca • Constrói torre de 3 • Empurra um brinquedo.
espontaneamente. cubos. • Corre, galopa e requebra ao ritmo de uma
• Produz 3 palavras. • Aponta 2 figuras. música.
• Anda para trás. • Chuta a bola. • É capaz de transportar um objeto frágil.

FONTE: Adaptado de Figueiras, Souza, Rios e Benguigui (2005)

55
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Por fim, um aspecto importante do desenvolvimento na primeira


infância é o controle dos esfíncteres, o qual é adquirido gradativamente, e cada
criança o desenvolve no seu próprio tempo. O controle esfincteriano depende
da maturidade do sistema nervoso e o desfralde deve iniciar quando a criança
tem maturidade física e emocional para isso, o que alguns autores pontuam ser
a partir dos 2 anos ou 2 anos e meio (DIAS; CORREIA; MARCELINO, 2013). Um
dos sinais é a capacidade de subir 5 ou mais degraus de uma escada sem se apoiar
em nada, ou permanecer com as fraldas por um bom tempo limpas e fazer xixi de
uma vez, e não de pouco a pouco.

2.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA PRIMEIRA


INFÂNCIA
O desenvolvimento cognitivo se caracteriza pelo pensamento em sentido
mais amplo, envolve inteligência, aprendizagem, memória e linguagem, fatos e
conceitos, percepção e pressupostos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Como vimos no
Tópico 1, ele é influenciado por fatores internos e externos ao indivíduo, sendo os
aspectos do ambiente que possibilitam o desenvolvimento cognitivo o incentivo para
explorar o ambiente; a supervisão do desenvolvimento de habilidades cognitivas
e sociais básicas; os elogios às realizações; a orientação para a prática e para a
expansão de habilidades; a proteção contra desaprovação imprópria, provocações
e punições; o enriquecimento da comunicação e responsividade; a orientação e
limitação do comportamento (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Cecconello, De Antoni
e Koller (2003) ressaltam que as práticas que envolvem a punição, como o bater
e proferir ameaças e insultos, podem resultar na inibição dos comportamentos
infantis reprimidos pelos pais, porém eliciam sentimentos negativos nas crianças,
inibindo a produção de comportamentos, devido à ansiedade gerada por elas
mesmas ou por sua ameaça.

NOTA

Responsividade diz respeito ao comportamento dos pais que visam, através do


afeto, do apoio emocional e da comunicação, promover o desenvolvimento da autonomia
da criança, facilitando a autoafirmação e a individualidade dos filhos.

56
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Há diferentes abordagens que estudam o desenvolvimento cognitivo,


discutiremos a abordagem piagetiana, já discutida no Tópico 1. De acordo
com Piaget, a criança entre o nascimento até os dois anos está no período de
desenvolvimento denominado sensório-motor. Nesse estágio, os bebês aprendem
sobre si mesmos e sobre o mundo mediante suas atividades sensoriais e motoras,
é um mundo vivido, precisam sentir e perceber o mundo para compreendê-lo.
As descrições de suas características iniciam com os reflexos no recém-nascido e
sua capacidade de sugar, que a partir da segunda semana de vida, se torna mais
coordenada e em seguida, o bebê deixa de sugar apenas para mamar e passa a
sugar outras partes do seu corpo, como mãos, pés e outros objetos que encontra.
Em seguida, observa-se a capacidade de o bebê virar a cabeça em direção a um
som e fixar o olhar para algo em movimento. Entre os três e os seis meses, surge a
capacidade de segurar e manipular objetos (SOUZA; WECHSLER, 2014).

Em termos de desenvolvimento cognitivo esse período, por ser anterior à


linguagem, caracteriza-se pela inteligência prática, isto é, pela inteligência posta
em ação. Assim, conforme o bebê vai se desenvolvendo, o processo de exploração
e conquista do mundo que o cerca, será através da percepção e dos movimentos,
por exemplo: ele será capaz de mostrar o que quer apontando para o objeto ou
levando para uma atividade que quer realizar, mas não explicando verbalmente.
A partir dos nove meses, começa a adquirir as noções de meio e fim e terá a
capacidade de utilizar objetos, por exemplo: ele descobre que para a lata de
bolacha, que está em cima de uma mesa, ficar mais próxima, ele pode puxar a
toalha (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).

Em relação à noção espacial, essa percepção é desenvolvida próximo aos


dois anos, quando passa a reconhecer “o espaço do próprio corpo, ou o espaço
visual, para ver que é possível, por exemplo, que o seu corpo passe entre duas
cadeiras sem esbarrar” (SOUZA; WECHSLER, 2014, p. 137). Nesse período, o fator
físico tem grande influência no desenvolvimento, pois o acelerado crescimento
(muscular e ósseo) e a maturação neurológica, possibilitarão que o bebê sente,
ande e assim, explore mais seu ambiente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).

Outro aspecto relevante desse período é a transição entre a percepção de


si e do mundo. No início desse período, para o bebê o mundo é uma extensão
de seu próprio corpo, conforme ocorre o desenvolvimento de sua inteligência,
ele começa a perceber que é um entre tantos outros elementos do mundo. “Isso
permite que a criança, por volta de um ano, admita que um objeto continue a
existir mesmo quando ela não o percebe, isto é, o objeto não está no seu campo
visual, mas ela continua a procurá-lo ou a pedi-lo porque sabe que ele continua
existindo” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 125).

Papalia e Feldman (2013) apresentam uma síntese do período sensório


motor que será exposta no quadro a seguir:

57
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

QUADRO 5 – SUBESTÁGIOS DO PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR

Subestágio Idade Descrição


Os bebês exercitam seus reflexos inatos e obtêm algum
Uso de reflexos Nascimento controle sobre eles. Não coordenam as informações dos
até 1 mês sentidos. Não agarram um objeto para o qual estejam
olhando.
Os bebês repetem comportamentos agradáveis que
primeiro ocorrem ao acaso (como sugar o dedo). As
2. Reações
atividades são focadas em seu corpo e não nos efeitos do
circulares
1 a 4 meses comportamento sobre o ambiente. Fazem as primeiras
primárias
adaptações adquiridas; ou seja, sugam diferentes objetos
de maneira diferente. Começam a coordenar a informação
sensorial e agarrar objetos.
Os bebês tornam-se mais interessados no ambiente;
3. Reações repetem ações que produzem resultados interessantes
circulares 4 a 8 meses (como agitar um chocalho) e prolongam experiências
secundárias interessantes. As ações são intencionais, mas inicialmente
não orientadas para uma meta.
O comportamento é mais deliberado e proposital
(intencional) à medida que os bebês coordenam esquemas
4. Coordenação previamente aprendidos (como olhar para um chocalho
de esquemas 8 a 12 meses e agarrá-lo) e usam comportamentos previamente
secundários aprendidos para atingir suas metas (como atravessar a
sala engatinhando para pegar um brinquedo desejado).
Podem antecipar eventos.
As crianças demonstram curiosidade e experimentação;
variam propositadamente suas ações para ver os
5. Reações resultados (agitando diferentes chocalhos para ouvir os
circulares 12 a 18 meses sons). Exploram ativamente seu mundo para determinar
terciárias o que é novidade sobre um objeto, evento ou situação.
Experimentam novas atividades e fazem uso da tentativa
e erro para resolver problemas.
Agora que as crianças já podem representar eventos
mentalmente, não estão mais limitadas à tentativa e erro
para resolver problemas. O pensamento simbólico permite
6. Combinações
18 a 24 meses pensar sobre eventos e antecipar suas consequências
mentais
sem precisar recorrer sempre à ação. Elas começam a
demonstrar insights. Sabem usar símbolos como gestos e
palavras, e sabem fingir.

FONTE: Adaptado de Papalia e Feldnam (2013, p. 177)

Esse estágio culmina com o aparecimento da linguagem, marcando o


desenvolvimento do pensamento simbólico. Inicialmente, o choro é o único
modo de comunicação dos bebês. Em torno do segundo mês, aparecem os
arrulhos vogais, que são a emissão de gritinhos e sons de vogais como “ahhh...”.
O balbucio que se refere a repetição de consoantes com vogais, tal como, “dadada
ou mamama” aparece em torno do sexto mês. No oitavo mês, se observam os
gestos significativos, como apontar em direção a algo que queira e dar tchau,

58
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

bem como o bebê começa a compreender algumas palavras, como “não” e o seu
próprio nome (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Essas fases são conhecidas como a
Linguagem Pré-linguística. A primeira palavra surge entre os 10 e os 14 meses,
dando início a fala linguística. A partir dos 18 meses aproximadamente, a criança
começa a formar as primeiras frases. Por volta dos dois anos, a criança amplia
consideravelmente o seu vocabulário, gosta de aprender palavras novas, inventa
novas palavras, nomeia objetos familiares e é capaz de conversar, sendo o período
em que se verifica o maior enriquecimento do vocabulário (DIAS; CORREIA;
MARCELINO, 2013).

Por fim, é importante pensarmos sobre o desenvolvimento da memória.


Será que um bebê tem memória desenvolvida? Qual é a lembrança mais
remota que você tem sobre a sua vida? Nessa fase, alguns aspectos da memória
se desenvolvem. A memória implícita, relacionada a hábitos e habilidades,
se desenvolve no começo da primeira infância. Durante a segunda metade
do primeiro ano, o córtex pré-frontal e circuitos associados desenvolvem a
capacidade para a memória de trabalho. A memória explícita que é intencional e
consciente, de fatos, nomes e eventos, se desenvolve no final da primeira infância,
em virtude da maturação do hipocampo, uma estrutura localizada no interior
dos lobos temporais, e do desenvolvimento de estruturas corticais coordenadas
pela formação do hipocampo, o que torna possível a memória de longa duração
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, no começo da primeira infância as
lembranças são relativamente fugazes e dificilmente você se recorda de algo que
aconteceu quando você tinha menos de três anos, pois as estruturas responsáveis
pelo armazenamento da memória de longo prazo não estão plenamente formadas.

NOTA

Memória implícita: recordação inconsciente, geralmente de hábitos e


habilidades; às vezes chamada de memória de procedimentos ou procedural.

Memória explícita: memória intencional e consciente, geralmente de fatos, nomes


e eventos.

Memória de trabalho: armazenamento de curto prazo de informações que estão


sendo ativamente processadas.

59
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

2.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA PRIMEIRA


INFÂNCIA
“O meu filho nunca sorriu. O senhor acha isso normal, doutor? Uma
criança de 7 anos que nunca sorriu?” A pergunta de Luísa, mãe de
Pedro, foi uma das mais duras que o psiquiatra infantil Fabio Barbirato
teve que escutar em 20 anos de profissão. Balão de São João, presente
de Dia das Crianças, Papai Noel do shopping, bloco de Carnaval, férias
escolares, passeio no parque: nenhuma situação corriqueira, que faria
qualquer criança gargalhar, era capaz de trazer um sorriso ao rosto do
filho. Luísa entrou desolada no Ambulatório de Psiquiatria Infantil da
Santa Casa da Misericórdia, no Rio de Janeiro. Depois de cumprir um
périplo por postos de saúde e hospitais, ouvir diferentes médicos e
diagnósticos desencontrados, ela estava ali, diante de Fabio. Naquela
manhã nublada, Luísa era a síntese de sentimentos contraditórios:
desilusão e esperança; cansaço e expectativa. O filho sentado ao seu
lado, de cabeça baixa, alheio à conversa dos adultos. Não era um caso
simples. Pedro carregava um histórico que já seria bastante pesado
para qualquer adulto, ainda mais para uma criança. Antes dos 4 anos,
havia tentado se atirar da varanda da avó. Aos 5, ameaçou passar na
frente de um ônibus em movimento (BARBIRATO; DIAS, 2019, p. 30).

Como podemos explicar os comportamentos de Pedro? Uma compreensão


possível é entender seu desenvolvimento psicossocial. O desenvolvimento
psicossocial é constituído pela interação entre a personalidade, caracterizada
pela forma singular e relativamente duradouro de uma pessoa sentir, reagir e
se comportar, e pelo social, que são às mudanças nos relacionamentos com os
outros (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, ao estudarmos o desenvolvimento
psicossocial das crianças de 0 a 3 anos descreveremos sobre as principais
características para o desenvolvimento da noção do eu e, da formação de
relacionamentos significativos e efetivos com outras pessoas.

Emoção é uma sequência complexa de reações a um estímulo do meio,


incluindo a avaliação cognitiva, mudanças subjetivas, mudanças fisiológicas,
impulsos para ação, e comportamentos direcionados a ter um efeito sobre um
estímulo que iniciou a reação (PLUTCHIK, 1982). Por exemplo, ao ver uma cobra
(estímulo) uma pessoa avalia como algo perigoso (avaliação cognitiva), ocorre
a aceleração dos seus batimentos cardíacos (mudanças fisiológicas) e ela sai
correndo. Dessa forma, as emoções são importantes para nossa proteção, bem
como sinalizam como o meio interfere sobre nós, sendo um guia por permitir aos
indivíduos avaliar o perigo, ativar comportamentos, comunicar-se e se conectar
aos outros. O padrão característico de reações emocionais é um elemento básico
da personalidade, o qual começa a se desenvolver durante a primeira infância
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

As pessoas diferem no modo e na intensidade que sentem emoções, de


como reagem às emoções e o que causa suas emoções. Além disso, a cultura
influencia o modo de lidarmos com as emoções, isto é, algumas emoções são

60
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

encorajadas e outras não aceitam (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Por exemplo, a


tristeza em nossa cultura muitas vezes é percebida como sinônimo de fraqueza. E
como se dá essa demonstração na primeira infância? Um bebezinho tem emoção?

Já no nascimento o bebê apresenta sinais de contentamento, interesse e


aflição, por meio de respostas difusas e reflexas à estimulação sensorial ou a
processos internos. Aproximadamente aos seis meses, esses estados emocionais
iniciais se transformam em emoções: alegria, surpresa, tristeza, repugnância,
e depois raiva e medo, as quais passam a serem reações a eventos que têm
significado para o bebê. As emoções autoconscientes, como o constrangimento,
a empatia e a inveja, surgem entre os 15 e 24 meses com o desenvolvimento
da autoconsciência, que é a compreensão cognitiva de se ter uma identidade
reconhecível, separada e diferente do resto de seu mundo. A autoconsciência
permite que a criança se perceba como o foco da atenção, identifica-se com outras
pessoas ou deseja o que outra pessoa tem. Por volta dos três anos, a criança torna-
se mais capacitada para avaliar seus próprios pensamentos e atitudes com relação
àquilo que é considerado socialmente apropriado, desenvolvendo emoções
autoavaliadoras como orgulho, culpa e vergonha (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Cabe mencionar que na primeira infância, a regulação emocional é realizada na
relação com seus cuidadores, sendo que a criança tem dificuldades de lidar e
controlar suas emoções.

Outro aspecto importante do desenvolvimento psicossocial é a


constituição da personalidade. O desenvolvimento da personalidade é
descrito por diferentes vertentes teóricas da psicologia; aqui enfatizaremos a
Teoria psicossocial de Erik Erikson (1902-1994). A teoria do desenvolvimento
psicossocial de Erikson abrange oito estágios ao longo do ciclo de vida,
que serão abordados nos tópicos apropriados deste livro. Erikson foi um
psicanalista alemão que modificou e ampliou a teoria freudiana, enfatizando
influências culturais e históricas no desenvolvimento da personalidade e
estendo o desenvolvimento da personalidade por todo o ciclo de vida. Cada
estágio envolve aquilo que Erikson chamou de crise na personalidade, isto é,
a existência de um conflito que sua resolução culminaria no desenvolvimento
da personalidade. A resolução do conflito de cada fase requer o equilíbrio entre
uma tendência positiva e uma tendência negativa correspondente, na qual deve
predominar a qualidade positiva, porém é necessário um pouco da qualidade
negativa para um desenvolvimento ideal. Embora cada conflito nunca venha
a desaparecer completamente, caso o indivíduo responda à crise de maneira
positiva; ele consegue enfrentar com sucesso os conflitos dos próximos estágios
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O primeiro estágio do desenvolvimento se refere à confiança básica


versus desconfiança básica, que vai do nascimento a um ano. Nesse primeiro
estágio, o bebê precisa desenvolver um equilíbrio entre confiança, que lhe permite
formar relacionamentos íntimos, e desconfiança, que lhe permite proteger-se.
Se predominar a confiança, como deveria, a criança desenvolve a “virtude” da

61
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

esperança, passa acreditar que poderá satisfazer suas necessidades e desejos no


mundo e nos seus relacionamentos com os outros. Se predominar a desconfiança,
a criança verá o mundo como hostil e imprevisível e terá dificuldade para
estabelecer relacionamentos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Erikson acreditava
que o comportamento do cuidador principal (geralmente a mãe) é essencial para
a resolução do conflito desse estágio, sendo que as crianças que desenvolvem
um senso de confiança firme são aquelas cujos pais são afetuosos e respondem
previsivelmente e com segurança (BEE; BOYD, 2011).

No segundo estágio do desenvolvimento, entre os 2 e 3 anos, ocorre o


conflito entre autonomia versus vergonha e dúvida. Em virtude das novas
habilidades adquiridas, como andar e falar, a criança nessa fase terá maior
mobilidade para desenvolver um senso de independência ou autonomia. Se os
esforços de independência da criança não forem cuidadosamente conduzidos
pelos pais e ela experimentar fracassos repetidos, os resultados podem ser
vergonha e dúvida. Alguma dúvida é necessária para que ela entenda quais
comportamentos são aceitáveis e quais não são, quais são seguros e quais são
perigosos, mas o ideal é na predominância da autonomia (BEE; BOYD, 2011).

Já o desenvolvimento social tem início com o estabelecimento de um


relacionamento emocional íntimo entre o bebê e seu principal cuidador, o qual
será a base para o desenvolvimento das relações interpessoais futuras da criança,
podendo determinar o modo como a criança se relacionará com o outro. Para
refletimos sobre esse aspecto, é importante conhecermos a Teoria do Apego.
Desenvolvida por John Bowlby e Mary Ainsworth, a Teoria do Apego é o grande
marco contemporâneo na Psicologia do Desenvolvimento, mudando a visão
sobre o desenvolvimento infantil. Ao invés de um bebê passivo que necessitava
apenas de satisfação de suas necessidades fisiológicas básicas como alimentação e
higiene, passou-se a compreender a criança como um organismo ativo, buscando
a atenção do cuidador e também com necessidades emocionais como proteção,
carinho, contato, reconhecimento (REIS, 2019). Assim, Bowlby percebeu que para
além de necessidades fisiológicas, um bebê tem necessidades emocionais, que
precisam ser atendidas para que ele se desenvolva de uma maneira saudável.

Dessa forma, a qualidade da relação do bebê com sua principal figura


cuidadora passou a ser vista como fundamental para o equilíbrio emocional e
o desenvolvimento das habilidades de regulação emocional, pois o vínculo
proporcionará ao bebê experimentar sentimentos de confiança e sensação de
segurança e bem-estar, sendo de importância vital para seu desenvolvimento
(REIS, 2019). É essencial para a saúde mental do bebê que ele e sua figura de
apego sintam-se fortemente identificados dentro de uma relação calorosa, de
modo que o bebê sente que é objeto de prazer e orgulho para a sua mãe, e a mãe
sente uma expansão de sua própria personalidade na personalidade de seu filho
(BOWLBY, 2006).

62
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Portanto, um recém-nascido necessita desenvolver um relacionamento


com, pelo menos, um cuidador primário para que seu desenvolvimento social e
emocional ocorra bem. O bebê tem um aparato inato para responder a estímulos
sociais, e se utiliza dele para garantir a proximidade com a mãe, desde o início da
vida (REIS, 2019). Recém-nascidos formam vínculos se há alguém para interagir
com eles, até mesmo se maltratados. Cabe mencionar, que esse vínculo é um
processo que se estabelece de forma dual e gradual, no qual mãe e bebê participam
ativamente, sendo que o bebê o influenciam por suas reações e temperamento. A
partir da formação do vínculo surge o Sistema de Apego, que tem a função de
aproximar a criança da figura de apego, a fim de obter proteção e apoio emocional.
O Sistema de Apego é ativado toda vez que existe uma quebra no equilíbrio entre
o organismo e o ambiente, com alguma espécie de ameaça para a sobrevivência,
o que gera reações na criança, visando a aproximação da figura de apego, que
ao se aproximar estabelece o equilíbrio e o sistema é desativado (REIS, 2019).
Por exemplo, Lucas está sozinho em seu quartinho, se sente assustado, começa a
chorar, sua mãe se aproxima, ele agarra-se a ela, se sente protegido, olha para ela,
sorri e balbucia.

Quando um bebê começa a engatinhar e a andar, ele precisa das figuras


de apego como uma base segura para explorar o ambiente e voltar em seguida.
Assim, o sistema de apego se torna uma base segura para que a criança explore
e conheça o ambiente, ao perceber uma ameaça nesse ambiente a criança pode
buscar pela figura de apego. As reações dos pais frente à busca de vínculo da
criança levam ao desenvolvimento de padrões de apego; estes, por sua vez, levam
aos modelos internos de funcionamento, que irão guiar as percepções individuais,
emoções, pensamentos e expectativas em relacionamentos futuros.

O desenvolvimento do apego ocorre na primeira infância e determinará


a forma da criança perceber e se relacionar com o mundo e com os outros,
contudo, esse sistema é flexível, passível de alteração durante toda a vida. No
nascimento até oito semanas é a fase de pré-apego, na qual a criança ainda não
demonstra preferência por uma figura de apego específica. Dos dois aos oito
meses é a fase de formação do apego, a criança começa a distinguir os cuidadores
e pessoas próximas. Até os dois anos ocorre a definição do apego, que envolve
comportamento mais ativo da criança, com busca de aproximação da figura de
apego (REIS, 2019).

Pesquisas realizadas pela psicóloga do desenvolvimento Mary Ainsworth


nas décadas de 1960 e 1970, reforçaram os conceitos da Teoria do Apego e
introduziram o conceito de Base Segura, permitindo identificar padrões de apego
em recém-nascido e posteriormente em adultos. Suas pesquisas foram empíricas,
utilizando o Protocolo de “Situação Estranha”, principalmente na Escócia e
Uganda (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Ainswoth identificou cinco formas de
apego, conforme descritos no quadro a seguir.

63
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

QUADRO 6 – HABILIDADES MOTORAS NA SEGUNDA INFÂNCIA

Tipo de Apego Criança Cuidador


Usa o cuidador como uma base
Reage de forma apropriada, rápida e
segura para exploração. Protesta
consistente com as necessidades da
Apego contra a partida do cuidador e busca
criança. Ele conseguiu formar com
Seguro proximidade. Pode ser confortada por
sucesso um vínculo paternal seguro
estranhos, mas prefere claramente o
com a criança.
cuidador.
Pegajoso, incapaz de lidar com Excessivamente protetor da criança,
Apego
a ausência do cuidador. Procura não permitindo a tomada de riscos que
Ansioso
garantias constantemente. levam aos passos da independência.
Pouca troca afetiva em jogo. Pouca
ou nenhuma irritação com a partida
do cuidador, resposta pobre ou não
visível ao seu retorno, ignorando ou
Pequena ou nenhuma resposta à
Apego afastando-se sem qualquer esforço
irritação da criança. Desencoraja o
Evitativo para manter contato, se segurada. Trata
choro e encoraja a independência.
o estranho de forma semelhante ao
cuidador. A criança sente que não há
Apego; portanto a criança é rebelde e
tem baixa autoestima e autoimagem.
Incapaz de usar o cuidador como uma
base segura, busca proximidade antes
que a separação ocorra. Irrita-se com Inconsistente entre respostas
Apego a separação com ambivalência, raiva, apropriadas e negligentes. Geralmente,
Ambivalente- relutância a aconchegar-se ao cuidador. irá reagir apenas depois do aumento
Resistente Preocupa-se com a disponibilidade do comportamento de apego do
do cuidador, buscando contato, mas recém-nascido.
resistindo furiosamente quando é
alcançado.
Estereótipos como se sentisse frio ou
Comportamento assuntado, intrusão,
balançasse ao retorno. Falta de estratégia
afastamento, negatividade, confusão
de apego coerente demonstrada por
Apego de papéis, erros de comunicação
comportamentos contraditórios e/ou
Desorganizado afetiva e maus-tratos. Frequentemente
desorientados, como aproximar-se, mas
associado a muitas formas de abuso
com se, mas com se, mas com o rosto
contra a criança.
virado.

FONTE: Adaptado de Ainsworth, Bowlby, 1991

O Apego Seguro prematuro parece ter uma função protetora duradoura,


pois crianças com Apego Seguro comparadas com aquelas com Apego Inseguro
mostram-se mais competentes socialmente com seus pares. Crianças com apego
inseguro, particularmente evitativas, são vulneráveis ao risco familiar. O padrão
mais preocupante é o Desorganizado, cerca de 80% dos recém-nascidos que
sofreram maus-tratos tornam-se desorganizados, sendo mais propensos a reação
de agressividade ou evitação de vínculos sociais, bem como a se tornarem pais
abusadores (WAINER, 2016).

64
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Diante do exposto, podemos perceber que a família tem um papel


fundamental no desenvolvimento infantil na primeira infância, pais e cuidadores
que forneçam doses boas de afeto, carinho, segurança, conforto emocional e
capacidade de acalmar as ansiedades e impulsividades da criança, possibilitam
que a criança crie “base segura” para toda sua vida, no que se refere ao modo
como lidará com os outros e sua estabilidade emocional (WAINER, 2016). Assim,
é importante que os pais consigam satisfazer as necessidades da criança de
cuidado, afeto, de aceitação e pertencimento, supridas por demonstração de afeto
e validação das emoções.

Cabe mencionar que a família, igualmente, contribui com a construção


da personalidade da criança, ao fornecerem modelos de como lidar, tanto em
termos comportamentais como afetivos, com situações estressantes (WAINER,
2016). No primeiro ano, o bebê humano tem a tendência natural a se ligar a uma
pessoa preferencial, após, gradativamente, novas figuras de apego vão entrando
em cena, como irmãos e avós (REIS, 2019).

Além da família, o interesse por outra criança aumenta ao longo da primeira


infância, especialmente após os doze meses. Nesse período, ocorre o ato de brincar
paralelo, as crianças brincam sozinhas, mas mantêm um profundo interesse no que as
outras crianças estão fazendo (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Entre os 15/18 meses, há
a brincadeira social simples, as crianças se envolvem em atividades similares, falam,
sorriem ou trocam brinquedos entre si (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Por volta dos
dois anos, iniciam os jogos simbólicos, aqueles que envolvem o faz de conta, a fantasia
e a imaginação, que são de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo e
social. Na primeira infância, a criança gosta da companhia de outras crianças, mas tem
dificuldade em se relacionar com elas, podendo ocorrer comportamentos como briga
por brinquedos ou morder o amigo (DIAS; CORREIA; MARCELINO, 2013).

DICAS

O documentário “O começo da vida” (2016), dirigido por Estela Renner foi


gravado em nove países e conta com a participação de especialistas na área da infância e
de pais de crianças até dois anos. Nesse material, você poderá ver os aspectos fundamentais
para o desenvolvimento humano nos primeiros mil dias de vida e como esse período é
determinante para a vida adulta.

65
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

3 SEGUNDA INFÂNCIA
Na segunda infância, período entre os 3 aos 6 anos, a criança está fazendo
uma mudança lenta de bebê dependente para criança independente. A criança
passa a se movimentar facilmente, se comunicar mais e mais claramente, têm um
senso cada vez maior de si como uma pessoa separada com qualidades específicas
e têm os rudimentos das habilidades cognitivas e sociais que permitem interagir
mais completamente e com sucesso com seus pares (BEE; BOYD, 2011). Essas
novas habilidades permitem que a criança deixe de usar a si mesma como a única
estrutura de referência e se torne menos ligada a aparências físicas, não precisa
mais do mundo físico para poder pensar sobre ele. Neste subtópico discutiremos
como é uma criança na segunda infância.

3.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA SEGUNDA INFÂNCIA


Na segunda infância, as crianças emagrecem e crescem rapidamente,
mas num ritmo diferente. Com aproximadamente três anos, começam a perder
a forma roliça característica dos bebês e desenvolvem a aparência mais esguia e
atlética da infância. À medida que os músculos abdominais se desenvolvem, a
barriga se fortalece, bem como o tronco, os braços e as pernas ficam mais longos.
A cabeça ainda é relativamente grande, mas as outras partes do corpo continuam
a se amoldar e aos poucos as proporções corporais se tornam similares às de um
adulto (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O crescimento muscular e esquelético progride, cartilagens transformam-se


em ossos a uma taxa mais rápida do que antes e os ossos se tornam mais rígidos,
tornando a criança mais forte e proporcionando a proteção dos órgãos internos
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Essas mudanças, comandadas pelo cérebro e sistema
nervoso, permitem o desenvolvimento de habilidades motoras e a criança começa
a demonstrar uma preferência por usar a mão direita ou esquerda (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). A criança, igualmente, fica mais saudável pelo aumento da
capacidade dos sistemas respiratório, circulatório e imunológico (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

As crianças entre os 3 aos 6 anos necessitam dormir menos do que antes


e têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios do sono, como despertar
noturno frequente ou falar durante o sono. As principais causas dos distúrbios do
sono são: ativação acidental do sistema de controle motor do cérebro; despertar
incompleto de um sono profundo; respiração desordenada ou movimentos
agitados das pernas. Além disso, podem estar associados a ansiedade de separação
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Na maioria dos casos, os distúrbios geralmente
desaparecem. Porém problemas persistentes podem ser sinal de um distúrbio
emocional, psicológico ou neurológico que precisa ser examinado (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Entre os principais distúrbios do sono estão os pesadelos,
sonambulismo e o terror noturno.

66
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

NOTA

Terror noturno é o despertar abrupto da criança no início da noite de um sono


profundo em um estado de agitação, que pode gritar e sentar na cama, ofegante e com os
olhos arregalados. Contudo ela não está realmente acordada, se acalma rapidamente, e na
manhã seguinte não se lembra do episódio.

Outro problema comum nesse período é a enurese, relacionada a urinação


na cama ou na roupa, e a encoprese, que se refere ao defecar na cama ou na roupa,
após a criança já ter adquirido o controle dos esfíncteres. Cerca de 10 a 15% das
crianças de 5 anos, mais comumente os meninos, urinam na cama regularmente
e mais da metade superam a condição por volta dos 8 anos sem ajuda especial.
Quando isso ocorre as crianças (e seus pais) necessitam ser tranquilizados de que
pode ser um problema comum, e a criança não deve ser culpada nem punida
pelo comportamento. A enurese que persiste além das idades de 8 a 10 anos pode
ser um sinal de problemas de saúde, autoestima baixa ou de outros problemas
psicológicos, como ser um sinal de vivência de violência, e deve ser olhada e
avaliada com cuidado (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Em relação ao crescimento do cérebro, aos três anos, o cérebro tem


aproximadamente 90% do peso adulto. Já a densidade das sinapses no córtex
pré-frontal atinge um pico aos quatro anos. Dos 3 aos 6 anos, há um crescimento
rápido nas áreas frontais, as quais regulam o planejamento e organização de
ações. Da mesma forma, ocorre a mielinação progressiva das fibras no corpo
caloso, estrutura que tem a função de mediar as informações entre os hemisférios
direito e esquerdo do cérebro (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, a transmissão
de informação de um hemisfério ao outro passa ocorrer de forma mais rápida
e integrada. Igualmente, ocorre o amadurecimento da formação reticular, que
aumenta a capacidade da criança de prestar atenção, e do hipocampo que melhora
a memória (BEE, BOYD, 2011).

O desenvolvimento das áreas sensoriais e motoras do córtex cerebral


permite uma melhor coordenação, proporcionando avanços nas habilidades
motoras grossas e finas. Crianças em idade pré-escolar fazem grandes avanços
nas habilidades motoras grossas, as quais se referem aos grandes músculos,
como correr, pois, como vimos, seus ossos e músculos estão mais fortes e sua
capacidade pulmonar é maior. Do mesmo modo, há a aquisição das habilidades
motoras finas, que envolvem a coordenação olhos-mãos e dos pequenos músculos,
o que permite às crianças pequenas assumirem mais responsabilidades por seus
cuidados pessoais e desenvolverem novas habilidades, como pegar pequenos
objetos com as pontas dos dedos, segurar o lápis corretamente e desenhar
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

67
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Na segunda infância, o desenvolvimento físico floresce melhor em


brincadeiras livres, ativas e não estruturadas. No Quadro 7 estão descritos os
principais avanços nas habilidades motoras da segunda infância.

QUADRO 7 – HABILIDADES MOTORAS NA SEGUNDA INFÂNCIA

3 anos 4 anos 5 anos


Tem um controle mais Pode arrancar, girar e parar
Não sabe girar ou parar de
eficiente do ato de parar, efetivamente
repente ou rapidamente.
arrancar e girar. em jogos.
Pode correr e dar um
Pode saltar uma distância de Pode saltar uma distância de
salto à distância de 71 a 91
38 a 60 centímetros. 60 a 84 centímetros.
centímetros.
Pode descer uma escadaria Pode descer uma longa
Pode subir uma escadaria sem
alternando os pés se estiver escadaria sem ajuda,
ajuda, alternando os pés.
apoiada. alternando os pés.
Pode saltitar usando uma
série de saltos irregulares, Pode saltitar de quatro a seis Pode saltitar facilmente uma
com a adição de algumas passos com um único pé. distância de cinco metros.
variações.

FONTE: Adaptado de Papalia e Feldnam (2013, p. 250)

3.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA SEGUNDA


INFÂNCIA
A criança entre 2 e 7 anos de idade, conforme Piaget, se encontra no estágio
pré-operatório, no qual ocorre a transição entre a inteligência sensório-motora
e a inteligência simbólica. Como vimos, no final do período sensório-motor há
uma mudança qualitativa na estruturação do pensamento que influencia na
mudança de uma inteligência prática, em que é preciso manipular um objeto para
compreendê-lo, para o pensamento simbólico, isto é, a capacidade de imaginar,
lembrar e pensar em coisas futuras.

Sobre a função simbólica, Papalia e Feldman (2013, p. 26, grifo do autor),


apresentam o seguinte exemplo que facilita a compreensão desse conceito:

“Quero sorvete!”, anuncia Juanita, de 4 anos, andando com dificuldade


porta adentro, fugindo do quintal quente e empoeirado. Ela não
viu nada que pudesse ter acionado esse desejo – nenhuma porta de
geladeira aberta, nenhum comercial de televisão. Ela não precisa mais
desse tipo de estímulo sensorial para pensar em algo. Ela se lembra
do sorvete, de seu frescor e sabor, e intencionalmente o procura. Essa
ausência de estímulos sensoriais ou motores caracteriza a função
simbólica: a capacidade de usar símbolos, ou representações mentais
– palavras, números ou imagens para as quais uma pessoa atribui um
significado.

68
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

A função simbólica também contribuirá para o desenvolvimento da


fantasia e das brincadeiras de faz conta, assim a criança poderá imaginar que
uma caixa de fósforo é um carrinho ou uma vassoura em cavalo. Nessa fase,
ela já consegue distinguir que isso é brincadeira e não realidade (SOUZA;
WECHSLER, 2014).

Outra característica infantil descrita por Jean Piaget é o egocentrismo,


que não se relaciona com egoísmo, mas sim como uma incapacidade de pensar o
mundo pela perspectiva de outra pessoa. A criança fala como se o que ela estivesse
pedindo ou avisando fosse óbvio para os outros, como se todos pensassem
exatamente como ela (SOUZA; WECHSLER, 2014). Como exemplo, pode-se citar
uma criança que possui 10 carrinhos e ao pedir algum fala: “Quero o carrinho”,
como se você soubesse quais entre os 10 ela quer. Outro exemplo do egocentrismo
é apresentado por La Taille, Oliveira e Dantas (1992) ao relatar que a criança nesse
período, ao andar acredita que as nuvens estão a seguindo.

A irreversibilidade também está presente nesse período e se caracteriza


pela incapacidade de reverter o pensamento, por exemplo: “não entender que
a bola (de massa de modelar) transformada em salsicha pode ser novamente
transformada em bola e que a água do copo que foi colocada na taça pode retornar
à taça” (GOULART, 2005, p. 59 apud SOUZA; WECHSLER, 2014, p. 139).

O desenvolvimento cognitivo nesse período apresenta características


específicas, pois apesar do pensamento simbólico ter se aprimorado, seu repertório
verbal ainda é imitativo, e a criança não tem compreensão dos números (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Em um exemplo clássico, se você apresentar duas
fileiras com o mesmo número de fichas, mas em os espaçamentos entre as fichas
em cada fileira forem diferentes, a criança nesse período entenderá que a fileira
em que as fichas estão mais espaçadas entre si tem mais fichas, pois ocupam mais
espaço na superfície (SOUZA; WECHSLER, 2014).

Assim, constata-se que o indivíduo apenas leva em conta a questão


visual, e não tem a constituição de número, de quantidade exata. Isto
ocorre aproximadamente aos quatro anos, idade em que a criança tem o
pensamento intuitivo baseado na percepção, não possuindo respostas
totalmente lógicas (são na realidade pré-lógicas, pois a criança não
realiza o processo de reflexão exato) (SOUZA; WECHSLER, 2014, p.
140, grifo do autor).

DICAS

Para demonstrar esses aspectos imaturos do pensamento da criança nesse


estágio, Piaget realizou Testes de vários tipos de conservação. Você pode assistir um
exemplo desse teste no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=soi4ZNtfc-s.

69
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Além disso, como aspecto do pensamento da criança nesse estágio, verifica-


se o animismo. La Taille, Oliveira e Dantas (1992) descrevem o animismo como
uma característica desse período que consiste na atribuição de vida e sentimentos
a objetos inanimados, por exemplo: o bichinho de pelúcia está triste. Em relação
ao pensamento moral, a criança ainda se encontra na fase denominada anomia,
a qual discutimos ao abordarmos a primeira infância. Ao final deste estágio, o
pensamento da criança começa a assumir a forma de operações concretas, quando
surgem noções temporais, espaciais, de velocidade e ordem, constituídas as bases
para o pensamento lógico característico do final do desenvolvimento cognitivo
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Na segunda infância, as crianças melhoram a atenção e a rapidez e


eficiência com que processam as informações; e começam a formar memórias de
longo prazo, em virtude do crescimento cerebral descrito anteriormente. Contudo,
crianças pequenas ainda não se lembram tão bem, pois tendem a concentrar-se
em detalhes exatos de um evento, deixam de notar aspectos importantes de uma
situação e não conseguem impor o controle sobre suas respostas (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Nessa fase, as crianças tendem a recordar das situações com alto
impacto emocional; de eventos em que realizam alguma atividade; e de situações
vivenciadas que posteriormente são compartilhadas na família e relatadas pelos
pais, pois ao contar uma situação o adulto filtra as informações, o que a criança
nessa idade ainda possui dificuldades de fazer (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Nesse período, a linguagem será uma das grandes responsáveis no processo


de desenvolvimento, pois possibilitará outras formas de socialização e expressão de
seus pensamentos (SOUZA; WECHSLER, 2014). A esse respeito, Bock, Furtado e
Teixeira (2001, p. 102), afirmam que “a interação e a comunicação entre os indivíduos
são, sem dúvida, as consequências mais evidentes da linguagem. Com a palavra, há
possibilidade de exteriorização da vida interior e, portanto, a possibilidade de corrigir
ações futuras. A criança já antecipa o que vai fazer”. O desenvolvimento da linguagem
é seguido da fase dos “por quês” em que a criança busca por explicações convincentes
sobre o mundo. Geralmente essa fase se inicia por volta dos cinco anos e meio de idade
(SOUZA; WECHSLER, 2014).

Igualmente, se verifica nessa fase a presença do Discurso Particular, que


se refere ao fato da criança falar alto consigo mesmo, sem nenhuma intenção
de comunicar-se com os outros, o que aumenta quando a criança está tentando
solucionar problemas ou realizar tarefas difíceis. Piaget percebia esse aspecto
da linguagem na segunda infância como um sinal de imaturidade cognitiva,
já Vygotsky o denota como uma forma especial de comunicação da infância,
a qual auxilia as crianças a lidarem com dificuldades e emoções (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

Por fim, cabe mencionar que as crianças têm a linguagem, leitura e escrita
melhor se os pais apresentarem desafios conversacionais para os quais elas estão
preparadas, usarem um vocabulário rico, centralizarem as conversas à mesa de
jantar nas atividades do dia a dia e em eventos passados e lerem para ela (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

70
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

3.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA SEGUNDA


INFÂNCIA
A capacidade de entender e regular, ou controlar, os próprios sentimentos
é um dos avanços importantes da segunda infância, que auxilia as crianças a guiar
seu comportamento e contribui para sua capacidade de conviver com os outros
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nessa idade, as crianças passam a compreender
as emoções, elas entendem que alguém que consegue o que quer ficará feliz, e
alguém que não consegue ficará triste (PAPALIA; FELDMAN, 2013). As emoções
autodirigidas, como culpa, vergonha e orgulho, normalmente se desenvolvem ao
final do terceiro ano, porém mesmo crianças um pouco mais velhas geralmente não
possuem a sofisticação cognitiva para reconhecer essas emoções e o que as causa
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Por outro lado, as crianças na segunda infância não entendem que podem
ter reações emocionais contrárias ao mesmo tempo (PAPALIA; FELDMAN,
2013), assim, se a criança sente raiva de alguma atitude sua, naquele momento
ela considerada que sente raiva de você apenas, não compreendendo que apesar
da raiva pode gostar de uma pessoa. Tal limitação pode contribuir com alguns
comportamentos impulsivos de crianças diante das emoções, como dizer que
odeio os pais diante de um conflito.

O autoconceito se refere à imagem que o sujeito tem de si próprio e


aquilo que acredita ser nos diferentes contextos e tarefas em que se envolve, o
que influencia os sentimentos do sujeito em relação a si próprio e a orienta as
suas ações (PAPALIA; FELDMAN, 2013). O autoconceito começa a formar-se na
fase dos primeiros passos, à medida que a criança desenvolve a autoconsciência,
contudo, observam-se mudanças importantes na segunda infância. Aos 4 anos,
a criança está na primeira fase do autoconceito, apresentando representações
únicas e unidimensionais sobre si (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, sua
visão sobre si é constituída por frases soltas, que não se conectam, ou é isso ou
aquilo, exemplo, Eu gosto de pizza, Eu sou muito forte. Por volta dos 5 ou 6 anos,
a criança passa para a segunda fase, as associações representativas, realizando
associações lógicas entre os diferentes aspectos de si mesmo., exemplo eu posso
correr rápido e posso subir bem alto. Todavia, sua imagem de si mesmo ainda é
expressa em termos totalmente positivos de tudo ou nada, ou ela é boa ou ruim.

Já a autoestima é a parte autoavaliativa do autoconceito, o julgamento


que a criança faz sobre seu valor geral. Na segunda infância, a autoestima não
se baseia necessariamente na realidade, as crianças aceitam o julgamento dos
adultos e o acolhem de modo dicotômico, eu sou bom ou eu sou mau. Da mesma
forma, interpretam o fracasso como sinal de que são “ruins”, podendo apresentar
baixa autoestima, sentir vergonha e desistir rápido das coisas, o que até a idade
adulta. Considerando esses aspectos da autoestima e do autoconceito, é essencial
que nessa fase se evite proferir ofensas e xingamentos as crianças, visto que
devido seus recursos a criança tende a interpretar qualquer crítica como uma
verdade absoluta sobre ela, o que irá influência sua visão sobre si e o modo dela
se relacionar com o outro.
71
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Em relação a personalidade, Erikson denota que a criança está no estágio


Iniciativa versus Culpa, o qual marca uma divisão entre a parte da personalidade
que permanece criança, cheia de exuberância e ansiosa por experimentar
coisas novas e testar novos poderes, e a parte que está se tornando adulta, que
constantemente examina a propriedade dos motivos e das ações. Crianças que
aprendem a regular esses impulsos conflitantes desenvolvem a “virtude” do
propósito, a coragem de imaginar e buscar metas sem serem indevidamente
inibidas pela culpa ou pelo medo da punição, desenvolvendo a capacidade de
iniciativa (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Referente às relações sociais, a família ainda é um dos principais contextos,


verificando o surgimento de novas necessidades. Na segunda infância a criança
começa a se tornar mais autônoma, decorrente do aprimoramento das habilidades
motoras, da linguagem e da cognição, exigindo dos pais que na sua relação com elas
consigam articular autonomia e o estabelecimento de limites realistas (WAINER,
2016). O estabelecimento de limites é de extrema importância para que a criança
saiba até onde pode ir e o que pode fazer, lhe dá um direcionamento, bem como
lhe prepara para viver em sociedade e enfrentar os desafios futuros. Contudo,
cabe mencionar que ele deve ser estabelecido de forma assertiva, respeitando a
individualidade da criança, acolhendo seus sentimentos, e sem fazer uso de punição
física ou ameaças, as quais podem desencadear reações de medo nas crianças e
distanciamento dos pais, entre outras consequências.

Nessa fase, o relacionamento com irmãos e colegas torna-se mais importante,


sendo que praticamente todas as atividades e questões de personalidade e do
desenvolvimento características dessa idade envolvem as relações com os pares,
com outras crianças. Do mesmo modo, o brincar torna-se a principal atividade da
segunda infância. Nessa fase aparece os jogos simbólicos, aqueles que envolvem
o faz de conta, a fantasia e a imaginação (CORDAZZO; VIEIRA, 2007). Com o
faz de conta a criança pode expressar sentimentos, experimentar vivências, e é
por meio dele que a criança pode ativamente reproduzir uma cena que, em sua
vida, vive passivamente (WINNICOTT, 2000). Além disso, o brincar possibilita
o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial (CORDAZZO; VIEIRA, 2007).
Nesse sentido, o brincar e, sobretudo, brincar de faz de conta, é um sinal de saúde
mental, a criança que não brinca revela que algo pode não estar bem.

No mais, algumas questões importantes da segunda infância são a


agressividade e os medos. Entre 2 anos e meio e 5 anos, é comum as crianças
brigarem nos jogos sociais por brinquedos e pelo controle de espaço, expressando
comportamentos agressivo na relação com o outro. Contudo, verifica-se que essa
agressão é um passo necessário no desenvolvimento social, sendo que as crianças
que mais brigam tendem a ser as mais sociáveis e competentes (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Tal comportamento deve ser analisado considerando as
diferenças individuais e o contexto no qual a criança está inserida, bem como tende
a alterar com o desenvolvimento da criança, à medida que a criança desenvolve
mais o autocontrole e torna-se mais capacitada para se expressar verbalmente.

72
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Medos passageiros são comuns na segunda infância, muitas crianças


entre 2 e 4 anos têm medo de animais, aos 6 anos, é mais provável que tenham
medo do escuro, outros medos comuns são de tempestades, médicos e criaturas
imaginárias. Os medos nessa fase têm origem, principalmente em fantasias e
na tendência a confundir aparência com realidade, sendo que é provável que
sintam medo de coisas que lhe pareçam assustadoras, como o bicho papão, de
algo capaz de causar um grande dano, como um incêndio. Os medos podem
originar-se de experiências pessoais, como a vivência de um acidente, ou de
se tomar conhecimento das experiências de outras pessoas, como ouvir uma
história assustadora. É tão normal quanto adequado que crianças pequenas
tenham medo, também é normal que esses medos desapareçam com a idade,
quando a criança consegue distinguir melhor o real do imaginário e passa a
dominar novas habilidades. Os pais podem ajudar a evitar os medos dos filhos
proporcionando um senso de confiança e cautela, sem ser muito protetores, pela
superação de seus próprios medos irreais, e ajudando a criança a expressar seus
sentimentos sem julgamento e a acolhendo, de forma a tranquilizá-la (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

DICAS

O documentário “Tarja Branca” (2014), dirigido por Cacau Rhoden é um


manifesto sobre a importância do brincar e da ludicidade para a constituição humano.
No filme, você poderá se aproximar da importância e da beleza da brincadeira para o
desenvolvimento humano.

4 TERCEIRA INFÂNCIA
Quais são as principais características de uma criança entre os 6 aos 11
anos? Que mudanças que ela vivencia? Qual sua forma de pensar e se relacionar?
Essas questões discutiremos neste tópico. A terceira infância, comparada com
as fases anteriores, é um período de mudanças graduais e não tão intensas.
Assim, observam-se habilidade física crescente, mudanças na forma de pensar e
compreender o mundo e um maior papel do grupo de iguais. A seguir abordamos
com maior detalhe essas mudanças.

73
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

4.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO NA TERCEIRA INFÂNCIA


O crescimento durante a terceira infância é consideravelmente mais
lento em comparação com as fases anteriores, as crianças crescem de 5 a 7,5
centímetros por ano entre os 6 e os 11 anos e adquirem aproximadamente o dobro
do peso. Para que isso ocorra, necessitam de uma dieta variada e em média de
2.400 calorias diárias na idade escolar – mais para crianças mais velhas e menos
para crianças mais novas. Nesse período, as necessidades de sono diminuem de
aproximadamente 11 horas por dia aos 5 anos de idade para pouco mais de 10
horas aos 9 anos e cerca de 9 horas aos 13 anos (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Em relação ao desenvolvimento motor há um salto qualitativo nas


habilidades motores, pois a criança passa ter um maior domínio corporal, adquire
as noções do todo e das partes de seu corpo, a partir daí, vai ampliando sua
imagem corporal (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A aquisição da imagem corporal
é de extrema importância, pois permite que a criança tenha um maior controle de
seu corpo e de seus movimentos, sua imagem corporal passa ser antecipatória, o
que permite que a criança programe suas ações antes de executá-los (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Em virtude dessa mudança qualitativa, a criança adquire
novas habilidades como andar com um pé só, pular corda, participar de jogos de
futebol, andar de bicicleta entre outros.

NOTA

Imagem corporal é a representação mental que cada indivíduo faz de seu


próprio corpo.

Nesse período, o desenvolvimento das habilidades motoras é facilitado


pela inserção da criança no ensino fundamental e por atividades de esporte.
Conforme Papalia e Feldman (2013), as brincadeiras durante o recreio promovem
o desenvolvimento da agilidade e a competência social e favorecem o ajustamento
à escola. As brincadeiras que se destacam são as impetuosas, que envolvem
lutar, chutar e às vezes perseguição, com frequência acompanhada por risadas e
gritos. Além disso, a inserção da criança em esportes e outras atividades físicas
contribuem com a melhora das habilidades motoras, traz benefícios para a saúde
imediatos e de longo prazo e podem ser um fator de inclusão social (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

74
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

As mudanças na estrutura e no funcionamento do cérebro estão


relacionadas aos avanços cognitivos que discutiremos no próximo subtópico.
Durante todo esse período ocorrem a mielinização gradual das áreas de associação,
que possibilitam o aumento da velocidade e a eficiência dos processos cerebrais
e da capacidade de filtrar informações (BEE; BOYD, 2011; PAPALIA; FELDMAN,
2013). Ocorrem surtos importantes de crescimento cerebral entre as idades de
6 e 8 anos e novamente entre as idades de 10 e 12 anos. Em torno dos 8 anos
ocorre a lateralização total da percepção espacial e, melhoras no funcionamento
da formação reticular e do hipocampo. Aos 9 anos inicia-se o amadurecimento do
pré-frontal (BEE; BOYD, 2011).

A taxa de mortalidade nesse período é a mais baixa de todo o ciclo vital,


porque a duração de infecções respiratórias e outros problemas tende a diminuir
bastante. No Brasil, o que mais mata criança nessa idade é, nessa ordem: acidentes
de trânsito, violência interpessoal e afogamentos (IBGE, 2016). Tal dado exige
o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção e orientação aos pais,
as quais podem ser desenvolvidas pelos serviços de saúde em articulação com
outras áreas, como a assistência social e segurança pública.

4.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA TERCEIRA


INFÂNCIA
De acordo com Piaget, a criança na terceira infância se encontra no Estágio
Operatório-Concreto, sendo capaz de realizar operações a partir de materiais
concretos, desenvolver noções espaciais e a capacidade de raciocinar o mundo
de maneira mais lógica e adulta (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Dessa forma, esse
período, que corresponde dos 7 aos 11 anos aproximadamente, é caracterizado pelo
avanço nas capacidades de compreensão de conceitos matemáticos como número,
peso, e volume e também pela expansão nos modos se relacionar, superando o
egocentrismo característico dos períodos anteriores (SOUZA; WECHSLER, 2014).
Por outro lado, a maneira de pensar das crianças nesse estágio é ainda limitada a
situações reais no aqui e no agora (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

“A noção de conservação da substância do objeto (comprimento e


quantidade) surge no início do período; por volta dos 9 anos, surge a noção de
conservação de peso; e, ao final do período, a noção de conservação do volume”
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 105). A dominação dos conceitos de
tempo e número, possibilita a interiorização de ações, o que significa que a
criança consegue realizar operações mentalmente. Por exemplo, se mostrarmos
para uma criança várias varetas de tamanhos diferentes, ela consegue identificar,
sem precisar colocar as varetas lado a lado, qual é a maior e a menor (LA TAILLE;
OLIVEIRA; DANTAS, 1992).

75
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

O desenvolvimento do pensamento permite que a criança consiga


compreender as relações de causa e efeito, meio e fim e assim desenvolve o
pensamento reversível; entender a sequência de ideias e eventos e compreender
a ideais por dois pontos de vista ao mesmo tempo (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2001).

Essas evoluções cognitivas também aparecem na substituição do


egocentrismo pela capacidade de cooperação, pois ao conseguir agregar pontos
de vistas diferentes, consegue estabelecer uma nova forma de se relacionar
(SOUZA; WECHSLER, 2014).

A cooperação é uma capacidade que vai se desenvolvendo ao longo deste


período e será um facilitador do trabalho em grupo, que se torna cada vez mais
absorvente para a criança. Elas passam a elaborar formas próprias de organização
grupal, em que as regras e normas são concebidas como válidas e verdadeiras,
desde que todos as adotem e sejam a expressão de uma vontade de todos.
Portanto, novas regras podem surgir, a partir da necessidade e de um “contrato”
entre as crianças (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 105, grifo do autor).

Papalia e Feldman (2013, p. 325), descrevem outros avanços cognitivos


presentes nesse período que serão apresentados no quadro a seguir.

QUADRO 8 – AVANÇOS COGNITIVOS NO PERÍODO OPERATÓRIO CONCRETO

Capacidade Exemplo
Daniela pode usar um mapa ou um desenho para auxiliar na procura de
Pensamento um objeto escondido e fornecer as indicações aos outros para que o objeto
espacial seja encontrado. Ela é capaz de ir para a escola e voltar, consegue calcular
distâncias e avaliar quanto tempo precisaria para ir de um lugar para outro.
Helena é capaz de classificar objetos em categorias, tais como forma, cor ou
Categorização ambas. Ela sabe que uma subclasse (rosas) tem menos membros que a classe
da qual ela faz parte (flores).
Seriação e Dominique consegue resolver problemas indutivos e dedutivos e sabe que
inferência as conclusões indutivas (com base em determinadas premissas) são menos
transitiva corretas que as conclusões dedutivas (baseadas em premissas gerais).
Filipe, aos 7 anos, sabe que se uma bola de barro for enrolada em forma
de salsicha, continua tendo a mesma quantidade de barro (conservação de
Conservação substância). Aos 9, acha que a bola e a salsicha têm o mesmo peso. Só no
início da adolescência ele entenderá que elas deslocam a mesma quantidade
de líquido, se colocadas em um recipiente com água.

FONTE: Adaptado de Papalia e Feldman (2013, p. 325)

76
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Referente ao desenvolvimento as crianças na terceira infância


se encontram na fase moral heterônoma, que vai entre os 5 e 11 anos
aproximadamente, e se caracteriza pela compreensão de regras como imutáveis.
As crianças entendem que as regras são tradições e muitas vezes acreditam
que sua origem é divina, mística. “Nessa fase a criança julga a ação como boa
ou não com base nas consequências dos atos, sem uma análise mais ampla
e sem considerar as intenções do autor da ação” (FINI, 1991, p. 60). Assim,
independentemente da intenção em realizar algo, se a pessoa for punida pela
sua ação, a criança entende que ela estava errada, mesmo que tenha sido um
acidente. Como exemplo, vamos imaginar a seguinte situação: uma criança
de seis anos vê alguém quebrando um copo ao tentar roubá-lo enquanto outra
pessoa quebra cinco copos ao tentar ajudar alguém a guardá-los. Nessa fase de
julgamento, a criança julgará como mais errado aquele que quebrou os cincos
copos, pois não considera a intenção e nem as condições atenuantes de quem
quebrou os copos (FINI,1991).

Souza e Wechsler (2014) esclarecem que as crianças nessa fase seguem


regras por medo de punição, mas se não tiver um adulto que as oriente, podem
confundir as regras e virar um caos. As autoras também afirmam que

Os sujeitos de aproximadamente sete anos de idade privilegiam o


sentimento de justiça e geralmente estão de acordo com a ideia de
que se alguém cometer algo errado deve ser castigado, e ainda são
heterônomos, possuindo interesses em atividades grupais e regradas,
mas ainda não possuem autonomia para tomar suas próprias decisões,
acreditam que as regras morais são imutáveis, ou seja, não podem ser
modificadas (SOUZA; WECHSLER, 2014, p. 141).

O desenvolvimento cerebral que vimos que ocorre nessa fase,


principalmente relacionado ao hipocampo, possibilita o aumento da quantidade
de informação que as crianças podem manter na memória de trabalho, permitindo
o pensamento complexo e o planejamento dirigido ao objetivo. Crianças em idade
escolar, igualmente, conseguem concentrar-se por mais tempo do que crianças
mais novas e podem focalizar-se na informação que necessitam e desejam
enquanto filtram informações irrelevantes (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Esses
avanços trazem ganhos significativos para a memória como um todo.

As crianças em idade escolar são mais capazes de compreender e


interpretar comunicações verbais e escritas e conseguem fazer-se entender
melhor. Para tanto, usam cada vez mais verbos específicos, aprendem o múltiplo
significado das palavras, uso de metáforas e figura de linguagem. Os ganhos
no desenvolvimento cognitivo permitem que elas agora olham o significado de
uma sentença como um todo, compreendendo frases por completo. Por outro
lado, algumas construções, como as que começam com entretanto e embora, só se
tornam comuns na adolescência (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

77
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

4.3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NA TERCEIRA


INFÂNCIA
O crescimento cognitivo que ocorre durante a terceira infância permite
à criança compreender seus próprios sentimentos e das outras pessoas, regular
ou controlar melhor suas emoções e responder ao sofrimento emocional alheio.
Por volta dos 7 ou 8 anos, as crianças passam a compreender os sentimentos de
vergonha e orgulho, e têm uma ideia mais clara da diferença entre culpa e vergonha.
Nesse período, as crianças também conseguem verbalizar emoções conflitantes,
e quando os pais respondem com desaprovação ou punição, podem responder
com emoções como raiva e medo, o que pode prejudicar seu ajustamento social
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Em virtude da diminuição do egocentrismo, discutido anteriormente,


a criança na terceira infância tende a tornar-se mais empática e mais inclinada
ao comportamento pró-social. Crianças pró-sociais agem com facilidade em
situações sociais, conseguem lidar com emoção negativa e com os problemas de
forma construtiva. Para desenvolver esse comportamento é importante que os
pais reconheçam os sentimentos de dor de seus filhos e os ajudem a focar-se na
solução da fonte do problema, bem como estimulem a empatia, o desenvolvimento
pró-social e as habilidades sociais (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

NOTA

As habilidades sociais são aquelas que ajudam as pessoas a expressar seus


desejos, sentimentos e atitudes nas relações sociais, de forma que respeitam seus próprios
direitos e os direitos dos outros.

Na terceira infância os julgamentos sobre si tornam-se mais conscientes,


realistas, equilibrados e abrangentes, visto que crianças desenvolvem autoconceitos
amplos e inclusivos que integram vários aspectos da sua identidade. Assim, a
criança passa a comparar sua identidade real (aquilo que ela acredita ser) com
sua identidade ideal (aquilo que gostaria de ser), e sabe julgar sua medida em
certos padrões sociais em comparação com outros (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Igualmente, ocorrem avanços na autoestima, a criança se torna mais realista,
seu senso de valor pessoal passa a ser moldado pela internalização dos padrões
parentais e sociais (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, os pais e as relações
sociais têm grande influência nas crenças de uma criança sobre sua competência,
sendo que vivencia de violência psicológica, por meio de xingamentos ou a
vivencia de bullying pode contribuir significativa para a construção de baixa
autoestima. Da mesma forma, é necessário que os pais e professores reconheçam
as qualidades das crianças e possam valorizar suas conquistas.

78
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

Referente à personalidade, a criança de 6 a 12 anos, de acordo com


Erikson, se encontra no estágio Produtividade versus Inferioridade. A tarefa
desse período é desenvolver o repertório de habilidades que a sociedade exige,
no qual a escola tem um papel fundamental. Com base no desenvolvimento de
habilidades a criança poderá se sentir produtiva ou inferior. Se a criança não
desenvolve as habilidades esperadas, ela desenvolverá um senso de inferioridade,
se sentindo incapaz. Entretanto, o equilíbrio é importante, a criança deve ter
sucesso suficiente para obter um senso de competência, mas não deve colocar
tanta ênfase na competência a ponto de o fracasso ser inaceitável (BEE; BOYD,
2011). A escola e os esportes são cenários para a aprendizagem de habilidades
intelectuais, motoras e sociais. No entanto, nesses contextos algumas crianças são
repreendidas, ridicularizadas ou rejeitadas em suas iniciativas e, assim, podem
desenvolver um sentimento de inferioridade, de não se sentirem boas o suficiente,
o que as torna incapazes de cumprir as demandas dos próximos estágios de vida.

Nesse período, há uma ampliação dos contextos da criança, a escola passa


ter um papel fundamental e há um aumento no papel dos amigos, visto que a
criança costuma ser exposta a um grupo maior de crianças do que antes. Em
virtude das novas habilidades operacionais, conforme discutido anteriormente,
suas amizades passam a ser baseadas na confiança recíproca, interesses comuns e
na convivência (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Por outro lado, há a separação dos
grupos por gênero. Aparecem as amizades mais duradouras que continuam ao
longo desses anos e, às vezes, se perpetuam pela vida adulta (BEE; BOYD, 2011).
Nessa fase, há uma mudança na forma de brincar, os jogos simbólicos começam
a reduzir porque se aproximam cada vez mais do real, o símbolo passa a ser
uma representação imitativa da realidade. Dessa forma, como a se priorizar e
estruturar os jogos de regras, que têm um ponto de partida próximo aos seis anos
e vai até o início da adolescência (CORDAZZO; VIEIRA, 2007).

Diante do exposto, na terceira infância outras demandas ganham


destaques, tais como: inserção no grupo e aceitação pelos pares, desempenho
e autoeficácia (WAINER, 2016). Assim, por meio das relações sociais a criança
precisa desenvolver visão positiva de si, autoconfiança e amor próprio (WAINER,
2016). Nesse processo, a família ainda continua tendo um papel importante, uma
vez que a família protetiva proporciona o alicerce necessário para a socialização
(POLETTO; KOLLER, 2008).

Em relação à família é importante mencionar que sua constituição


está baseada em relacionamentos e na qualidade das inter-relações, e não
simplesmente em sua estrutura (POLETTO; KOLLER, 2008). Assim, atualmente
encontramos várias estruturas familiares, famílias divorciadas, monoparentais,
homoafetivas e de recassadas, contudo, não é essa estrutura que influencia
o desenvolvimento da criança, mas sim a capacidade da família em lidar com
conflitos e modo de se relacionar. De acordo Bronfenbrenner (1996), os fatores
que favorecem o desenvolvimento e o bem-estar de crianças e adolescentes são:
a coesão familiar, comunicação, qualidade do relacionamento entre pais e filhos,
envolvimento paterno na educação da criança e práticas educativas envolvendo
afeto, reciprocidade, estabilidade, confiança e equilíbrio de poder.

79
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

E
IMPORTANT

Cuidado ao utilizar o termo família desestruturada, pois ele expressa preconceito


e reducionismo à família a sua estrutura. Como vimos, não é a estrutura da família que deve
ser avaliada, e sim sua funcionalidade.

Os transtornos emocionais e comportamentais comuns entre crianças


na terceira infância incluem transtornos da conduta, transtornos de ansiedade
e depressão infantil, os quais serão abordados na Unidade 3 (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Nessa fase, igualmente, deve ficar atendo a presença de
estressores precoce, que podem gerar sequelas psicológicas que aumentam
significativamente as chances de crianças ou adolescentes desenvolverem
comportamentos psicopatológicos na vida adulta (WAINER, 2016). Os principais
tipos de estresse precoce aos quais as crianças são expostas são as diversificadas
formas de negligências e de violências oriundas, sobretudo, da família e de
pessoas da convivência próxima à criança (WAINER, 2016). Cabe aos profissionais
de saúde estar atentos a essas questões, a fim de intervir de modo a garantir a
proteção integral da criança. Tal intervenção deve ser realizada em articulação
com a rede de serviços de cada município, podendo acionar o Conselho Tutelar e
órgãos de Segurança Pública.

NOTA

Era uma vez uma família, é um desenho animado sem palavras, que apresenta
a história de uma família e os desafios cotidianos que pais, cuidadores e responsáveis
enfrentam na criação e educação dos filhos. O objetivo é discutir as crenças, opiniões e
atitudes que os adultos apresentam diante do castigo físico e humilhante e nos convida a
olhar a criança como um sujeito de direitos. FONTE: promundo.org.br.

80
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

COMO AJUDAR CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE


VIOLÊNCIA SEXUAL? O PAPEL DAS REDES DE PROTEÇÃO E DE
ATENDIMENTO

Jean Von Hohendorff


Naiana Dapieve Patias

A Violência Sexual (VS) contra crianças e adolescentes é um problema


de saúde pública que costuma produzir consequências na vida das vítimas e
afeta milhões de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. As consequências
da VS contra crianças e adolescentes indicam a necessidade de atendimento às
vítimas. Este é garantido por meio da notificação da ocorrência da VS mediante
suspeita ou confirmação de sua ocorrência conforme o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA; BRASIL, 1990). A notificação é obrigatória para profissionais
das áreas de saúde e educação conforme o Artigo 13 do ECA (BRASIL, 1990)
e seu descumprimento acarreta em sanção administrativa. É somente por meio
da notificação, que deve ser feita preferencialmente ao Conselho Tutelar, que
os devidos encaminhamentos para atendimento médico e psicossocial serão
garantidos, sendo este um direito das vítimas (BRASIL, 1990).

As redes de proteção e de atendimento contam com diferentes serviços


dos âmbitos da saúde, assistência social e justiça. É necessário que os profissionais
tenham conhecimento da configuração das redes em seu município e que essa
rede seja realmente integrada e que planeje ações conjuntas. Infelizmente,
estudos vêm evidenciando a precariedade dessas redes (consultar DESLANDES;
CAMPOS, 2015, PALUDO; VEJA, 2015; SANTOS; COSTA; SILVA, 2011). Tal
precariedade diz respeito à infraestrutura dos serviços (DESLANDES; CAMPOS,
2015), à multiplicidade de intervenções repetidas (SANTOS et al., 2011) e à falta
de acolhimento das vítimas e familiares pelos profissionais (PALUDO; VEJA,
2015, SANTOS et al., 2011).

A ação coordenada das redes é um desafio devido ao número de serviços


envolvidos, os quais estão em diferentes setores (ver Figura 3). Estes serviços
são regidos por diretrizes do ECA, Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
do Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Judiciário (BRASIL, 1990, 2004;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). A união de diferentes disciplinas (e.g., saúde,
assistência social, educação, direito) requer que o trabalho seja interdisciplinar.
No entanto, as especificidades de cada disciplina podem se tornar empecilho ao
trabalho coordenado diante da dificuldade de entendimento entre profissionais
de áreas distintas. Devido a isso, é necessário que todos os profissionais das
redes tenham conhecimento específico sobre o seu papel nessa rede, mas também
busquem conhecimento sobre demais disciplinas, tendo uma visão ampla e geral
ao invés de específica à sua atuação.

81
UNIDADE 1 — O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A INFÂNCIA

Denúncia
Julgamento
Ministério
Juizado
Público

Notificação
Suspeita ou Notificação
Conselho Tutelar
confirmação Delegacia
Disque 100
PROTEÇÃO

Médico
Hospital geral SUS
UBS

Psicossocial
CREAS
Encaminhamentos Acolhimento
SUAS
institucional
Programas
comunitários/
Escola

Psicológico/
Psiquiátrico SUS
CAPSi
ATENDIMENTO

Figura 3. Fluxograma básico das redes de proteção e de atendimento aos casos de violência sexual
contra crianças e adolescentes. Fonte: Adaptado de Hohendorff, Habigzang, & Koller (2014).

É importante que todos os profissionais responsáveis pelos atendimentos


das vítimas tenham capacitação para realizá-los. Infelizmente, a VS é um tema pouco
abordado nos cursos de graduação (GONÇALVES; FERREIRA, 2002), resultando
na necessidade de os profissionais buscarem conhecimento em cursos, livros,
artigos e demais atividades que preencham esta lacuna. Os profissionais devem ter
conhecimentos sobre aspectos éticos relacionados à sua profissão, desenvolvimento
típico e atípico na infância e adolescência, dinâmica da VS e suas consequências, bem
como acerca da legislação (HABIGZANG; KOLLER, 2011).

Todos os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes (e.g.,


professores, conselheiros tutelares, médicos, psicólogos) devem buscar sempre
estar disponíveis para escutá-las, pois é comum que as vítimas iniciem diálogos
com o objetivo de verificar se podem confiar na pessoa a quem ela está inclinada
a revelar. Diante disso, é importante que todos os profissionais que trabalham ou
possuam algum tipo de contato com uma criança ou adolescente saibam como
agir diante da revelação ou da suspeita de uma VS.

82
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA INFÂNCIA

A revelação pode ocorrer a qualquer momento e, por isso, os profissionais


precisam estar preparados em relação ao que podem e devem falar e fazer diante
destes casos. Além disso, é importante que o profissional também saiba o que
deve e o que não deve fazer quando há suspeita de VS.

Acreditar no relato da criança/adolescente: Quando a revelação ocorrer,


é necessário acreditar no relato da criança ou adolescente e verbalizar isso –
“Eu quero que tu saibas que eu acredito em ti”. Nunca questionar a criança/
adolescente sobre sua vestimenta e seu comportamento, sinalizando que ela não
tem culpa sobre o ocorrido. Dessa forma, deve ser explicado à vítima que ela não
tem culpa alguma pelo que ocorreu tendo em vista que este sentimento é muito
frequente. Ainda, deve-se agradecer sua confiança por ter revelado algo tão
íntimo. A empatia, ou seja, se colocar no lugar da vítima buscando compreender
sua situação, deve estar presente durante toda a conversa.

Não prometer sigilo e notificar: Não se deve prometer sigilo, pois a


situação deve ser notificada ao Conselho Tutelar. A necessidade de notificação
é explicada à vítima, pois deve-se preparar a vítima para esse procedimento. A
analogia com super-heróis pode ser utilizada, explicando-se à vítima de que os
conselheiros tutelares são super-heróis dos direitos das crianças e adolescentes.
Em seguida, deve-se perguntar à vítima sobre para quem ela poderia contar o
ocorrido (e.g., familiar, pessoa próxima), a fim de que essa pessoa ofereça apoio e
realize a notificação (HOHENDORFF; HABIGZANG, 2014). Caso isto não ocorra,
o profissional tem a obrigação de fazê-la conforme o ECA (BRASIL, 1990). A
notificação pode ser feita de forma presencial, no CT mais próximo ao local que
o profissional trabalha, pelo Disque 100, de maneira anônima ou não, ou ainda
pelo aplicativo “Proteja Brasil”. Importante destacar que, após a notificação, cabe
ao profissional acompanhar o caso. Deve-se acompanhar a criança/adolescente
vítima e sua família, buscando certificar-se se teve acesso à rede de atendimento e
proteção e verificar se os encaminhamentos médico e psicossocial, determinados
pelo ECA, foram realizados (HOHENDORFF; HABIGZANG, 2014).

Não faça papel de detetive: o profissional que receber a revelação não


deve questionar a criança sobre detalhes da VS, tais como “o que”, “como”,
“quem” e “onde”. Deixar a criança/adolescente livre para falar é o mais importante.
Deve-se ter o cuidado para não sugestionar a criança/adolescente e não a
confundir em seu relato. Por isso, é importante não fazer questionamentos sobre
as situações ocorridas.

Finalizando a conversa: ao final da conversa, é necessário verificar como


a vítima se sente, assegurando-se que está em condições de voltar para sua
rotina. Aconselha-se encerrar a conversa abordando algum tópico neutro (e.g.,
alguma atividade de interesse da criança), sem relação com a violência sexual
(HOHENDORFF; HABIGZANG, 2014).
FONTE: HOHENDORFF, J. V.; PATIAS, N. D. Violência sexual contra crianças e adolescentes:
identificação, consequências e indicações de manejo. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n. 49, p. 239-
257, jan./jun. 2017.

83
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O corpo de uma criança cresce muito mais durante o primeiro ano de vida;
o crescimento prossegue em ritmo acelerado, mas decrescente, ao longo dos
três primeiros anos. Esse crescimento ocorre de acordo com os princípios
cefalocaudal e próximo-distal.

• Na primeira infância a criança se encontra no estágio sensório-motor proposto


por Piaget, é um mundo vivido. Eles progridem de reações circulares
primárias para secundárias e terciárias, e finalmente para o desenvolvimento
da capacidade de representação.

• A aquisição da linguagem é um aspecto importante do desenvolvimento


cognitivo na primeira infância. Antes de pronunciar sua primeira palavra, o
bebê utiliza gestos. A primeira palavra costuma surgir entre 10 e 14 meses,
dando início à fala linguística.

• Segundo Erikson, os bebês nos primeiros 18 meses de idade estão no primeiro


estágio de desenvolvimento da personalidade, confiança básica versus
desconfiança. Uma assistência sensível, responsiva e coerente é a chave para o
êxito na resolução desse conflito. O segundo estágio de Erikson diz respeito à
autonomia versus vergonha e dúvida.

• Pesquisa constatou a existência de cinco padrões de apego: seguro, ansioso,


evitativo, ambivalente (resistente) e desorganizado-desorientado. Os padrões
de apego podem depender do temperamento do bebê, bem como da qualidade
da educação dos filhos, e podem apresentar implicações de longo prazo para
o desenvolvimento. Assim, na primeira infância os pais exercem um papel
fundamental.

• O crescimento físico continua durante as idades de 3 a 6 anos, porém mais


lentamente do que durante a primeira infância. Nesse período, desenvolvimento
cerebral continua regularmente, o que afeta o desenvolvimento motor. As
crianças progridem rapidamente na aquisição de habilidades motoras grossas
e finas, desenvolvendo sistemas de ação mais complexos.

• Na segunda infância as crianças se encontram no estágio pré-operatório. Um


avanço importante é a função simbólica que permite que as crianças reflitam
sobre as pessoas, objetos e eventos que não estão fisicamente presentes. Já a
centração impede as crianças pré-operatórias de entenderem os princípios da
conservação. Sua lógica também pode ser limitada pela irreversibilidade e por
se concentrarem em estados em vez das transformações.

84
• Segundo Erikson, o conflito de desenvolvimento na segunda infância é o de
iniciativa versus culpa. A resolução bem-sucedida desse conflito resulta em
virtude do propósito.

• O autoconceito e a autoestima na segunda infância tendem a ser global e


irrealista, refletindo a aprovação dos adultos. Já a capacidade de entender e
regular, ou controlar, os próprios sentimentos é um dos avanços importantes
da segunda infância.

• O desenvolvimento físico é menos rápido na terceira infância do que nos anos


anteriores. Contudo, existem grandes diferenças na altura e no peso, bem
como mudanças na estrutura e funcionamento cerebral sustentam os avanços
cognitivos.

• Na terceira infância, a criança está na fase operatória concreta, são menos


egocêntricas do que antes e mais competentes para tarefas que requerem
raciocínio lógico, mas o raciocínio é amplamente limitado ao aqui e ao agora.

• Na terceira infância, de acordo com Erikson, a principal fonte de autoestima


é como a criança vê sua competência produtiva. Essa virtude se desenvolve
por meio da resolução do quarto conflito psicossocial – produtividade versus
inferioridade.

• O grupo de pares torna-se mais importante na terceira infância, o qual geralmente


consiste de crianças de idade, sexo, etnia e nível socioeconômico semelhante e que
vivem próximas umas das outras ou que vão juntas para a escola.

CHAMADA

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85
AUTOATIVIDADE

1 O Desenvolvimento Físico se refere aos padrões de crescimento típico


do corpo e do cérebro e ao desenvolvimento das habilidades sensoriais
e motoras. Considerando as informações apresentadas, assinale a opção
correta em relação às principais características do desenvolvimento físico
na infância:

a) ( ) De acordo com o princípio próximo-distal, o crescimento ocorre de


cima para baixo (da cabeça para os pés). Considerando que o cérebro
cresce muito rapidamente antes do nascimento, a cabeça do recém-
nascido é desproporcionalmente grande.
b) ( ) Na segunda infância há um rápido desenvolvimento do cérebro,
especialmente do córtex frontal e um aumento progressivo de
mielinação, o que permite que a transmissão de informação ocorra
de forma mais rápida e se evidencia uma melhora no planejamento e
organização de ações, culminando em avanços na habilidade motora.
c) ( ) O desenvolvimento físico ocorre por marcos, os quais não possuem
interação entre si e são influenciados por fatores externos e internos do
indivíduo.
d) ( ) Na primeira infância, a criança apresenta um grande desenvolvimento
na habilidade motora fina e grossa, bem como a imagem corporal passa
ser antecipatória, o que permite que ela desenvolva atividades como
pular corda, participar de jogos de futebol e andar em linha reta com
uma perna só.

2 Na teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik H. Erikson cada estágio


da vida apresenta uma tarefa ou um desafio principal relacionado ao "eu"
e aos outros, e com o qual as pessoas devem lidar de alguma maneira. A
partir da informação apresentada, avalie as afirmações a seguir relacionada
a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial:

I- Erikson, assim como Freud e Piaget, propôs uma teoria que abrange apenas
os estágios iniciais do curso de vida, desde o nascimento até a adolescência.
II- Na visão de Erikson, o amadurecimento desempenha um papel
relativamente pequeno na sequência de estágios. Muito mais importantes
são as demandas culturais comuns a crianças de uma determinada idade.
III- Cada estágio, então, centraliza-se em um conflito, ou tarefa social,
particular. Por isso, Erikson chamava seus estágios de psicossociais. A
resolução desse conflito está em desenvolver um equilibro.
IV- A primeira tarefa (ou primeiro estágio) ocorre durante o primeiro ano de
vida, quando a criança deve desenvolver um senso de identidade básica
frente ao mundo e em sua capacidade de afetar os eventos à sua volta.

86
É CORRETO o que se afirma em:
a) ( ) I, II e III.
b) ( ) III e IV.
c) ( ) I e II e IV
d) ( ) II e III.

3 A uma criança de 5 anos é mostrada o desenho de dois trens em trilhos


paralelos, e é informado que ambos saíram da mesma estação e chegaram
ao mesmo destino. O primeiro trem saiu às 8 horas, e o segundo saiu às
10 horas. O segundo trem chegou ao destino antes do primeiro. Diante da
pergunta “Por que o segundo trem chegou antes?”, a criança respondeu
que o motivo é que ele percorreu um trajeto mais curto. Essa resposta indica
que a criança se encontra no estágio:

a) ( ) Sensório-motor.
b) ( ) Pré-operatório.
c) ( ) Operatório concreto.
d) ( ) Operatório formal.

4 John Bowlby foi um psicanalista que estudou o desenvolvimento infantil


e criou a teoria do apego, a qual denota o apego como essencial para o
desenvolvimento humano, sendo que para além da satisfação de suas
necessidades fisiológicas básicas como alimentação e higiene, a criança tem
necessidades emocionais como proteção, carinho, contato, reconhecimento,
entre outras. Defina apego para Bowlby e caracterize o apego seguro.

5 Na terceira infância, de acordo com Piaget a criança se encontra no


estágio Operatório-Concreto. Descreva as principais características do
desenvolvimento cognitivo desse estágio de desenvolvimento.

87
88
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96
UNIDADE 2 —

CUIDADO AOS ASPECTOS


BIOPSICOSSOCIAIS DA
ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E
ENVELHECIMENTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• proporcionar reflexões pertinentes ao processo de desenvolvimento do


ciclo humano nas diferentes fases da vida, envolvendo a adolescência,
adultez e envelhecimento;
• refletir sobre aspectos do desenvolvimento biopsicossocial na
adolescência, através de um olhar psicodinâmico;
• compreender como ocorrem as diferentes transições que envolve o adulto
jovem na contemporaneidade e as implicações frente aos papéis por ele
exercido;
• desenvolver um olhar de cuidado e compreensão diante da população
idosa, considerando as mudanças que vêm com o passar dos anos, devido
ao processo do envelhecimento.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

TÓPICO 2 – ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

TÓPICO 3 – ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

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98
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! No Tópico 1, nós estudaremos os aspectos biopsicossociais
que envolvem a adolescência e suas profundas transformações. Por isso,
iniciaremos com a apresentação de conceitos sobre a adolescência considerando
o viés da psicologia para embasar nosso olhar e estudos. A transição da infância
para a adolescência é um momento de grande transformação na vida desse
indivíduo, mudanças importantes ocorrem devido a questões hormonais e
também psicológicas. Muitas dúvidas e incertezas permeiam esse momento.

Em seguida, estudaremos as implicações emocionais que são despertadas


na adolescência, como esse momento é visto através do olhar de alguns autores
e como esse olhar pode contribuir para que de alguma forma, esse jovem se sinta
acolhido mediante tantas mudanças. Serão abordadas também questões sobre as
crises que ocorrem nesse momento do desenvolvimento, juntamente com alguns
fatores importantes de cuidado e proteção, como a depressão e ansiedade.

Na sequência, estudaremos o importante papel da família na vida desse


adolescente e quanto o apoio dos pais contribui para o seu bom desempenho e
desenvolvimento. A família sempre terá sua marca valiosa na construção desse
indivíduo, e quanto mais acolhido ele for por sua família, mais confiante com
relação ao seu futuro estará.

E por fim, abordaremos aspectos relacionados à escolha profissional,


sendo necessário que o adolescente assuma uma postura ativa frente a suas
decisões e vontades, considerando o que de fato é importante a ele. Esse momento
é carregado de grandes conflitos internos e externos, já que a sua escolha
reverberará na sua vida e de seus familiares, o que pode gerar sentimentos como
ansiedade e angústia.

99
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

2 TRANSIÇÃO DA INFÂNCIA PARA A ADOLESCÊNCIA


Caro acadêmico! Iniciaremos nossos estudos referentes a Unidade 2,
ampliando nosso olhar com relação à adolescência e suas transformações. Como
você pôde ver anteriormente na Unidade 1, sobre o desenvolvimento infantil
e suas transformações, daremos continuidade, mas agora falando mais sobre a
adolescência e suas infinitas, possibilidades e implicações.

As transições fazem parte dos diversos momentos de vida de um
sujeito, dando indícios de muitas mudanças, transformações e aquisições de
novas habilidades. No decorrer dos anos, estudos mostram que existem fases
do desenvolvimento humano que denotam mais ou menos implicações e
investimentos dos indivíduos envolvidos no processo.

A forma com que os indivíduos ser relacionam, a interação entre eles,


que por vezes são complexas, dinâmicas e multifacetadas, os fatores históricos,
contexto social e cultural, determinam muito de sua personalidade de também a
forma como enfrenta alguma adversidade ou problema em sua vida.

O desenvolvimento humano desde o seu princípio pode ser visto de


diversas formas, mas se pode perceber que algumas pessoas são mais moldáveis
e influenciáveis que outras. Nesta perspectiva de desenvolvimento, a transição da
infância para a adolescência é como um divisor de águas na vida desse indivíduo,
já que são duas etapas muito importantes e constituintes da personalidade e
relações sociais.

As primeiras manifestações ocorrem ainda na infância, quando a criança,


com o passar dos anos, vai descobrindo habilidades e demonstrando ou não
interesse em algumas atividades. O processo de identificação também ocorre
neste período, necessitando de orientação com relação as dúvidas que podem
surgir. A criança já não tem mais a certeza com relação ao que gosta, brinca mas
sente-se envergonhada por isso, começa a sentir que gosta de algum menino ou
menina e também sente algum desconforto, seu corpo já não é mais o mesmo
(MERVAL, 1996).

As mudanças ocorrem de forma acelerada, o corpo vem sendo


modificado, física e psicologicamente. Esse processo pode despertar na criança
e no adolescente, sentimentos de desconforto e desconhecimento do seu
próprio corpo, já com as mudanças corporais, muitos se sentem pressionados e
questionados sobre esse processo.

As meninas demonstram um cuidado maior com a aparência, com o


corpo, sendo muitas vezes, influenciada por olhares externos. Elas esperam ser
vistas de forma positiva, sendo esse um fator de grandes frustrações, porque nem
sempre é assim. A busca por um corpo ideal, levando em consideração o que é
modelo para a sociedade, acaba, muitas vezes, fazendo essa menina se esconder
e desencadear alguns sintomas emocionais e físicos por perceber que é aceita.

100
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

Por essa não identificação com o corpo, muitas adolescentes acabam por usar
roupas largas, fazer dietas sem tempo determinado, sendo prejudiciais à saúde
(MERVAL, 1996).

Com relação à idade cronológica, referindo-se somente ao número de


anos que tem decorrido desde o nascimento da pessoa, portanto não é um índice
de desenvolvimento biológico, psicológico e social, pois ela por si só não causa o
desenvolvimento. A idade é meramente um marcador aproximado do processo
que influencia o comportamento ao longo do tempo.

Nessa transição da infância para a adolescência, Sheffer (2008) faz algumas


diferenciações entre meninos e meninas. Para as meninas, é marcada pela
maturação sexual, que se inicia entre os 9 a 10 anos, quando os seios começam a
crescer, os pelos pubianos aparecem, a maturação dos órgãos genitais também
acorre nesse período, para que posteriormente, possa ser utilizado para acomodar
um feto durante a gravidez.

Aos 12 anos para 13 anos a menina atinge a Menarca, que é a sua primeira
menstruação. Com esse novo momento de vida, ela passa a ter a sua primeira
menstruação. Muitas mudanças corporais são visíveis, sendo, muitas vezes,
motivos de grandes angústias e medos, já que é algo totalmente desconhecido a
ela, necessitando de orientação e cuidado (MERVAL, 1996).

NTE
INTERESSA

Menarca: considerada também como a primeira menstruação e que pode


ser considerada como um critério de maturidade sexual para a menina, mas não é a única
mudança fisiológica importante que ocorre nesse período de vida (MARVEL, 1996).

Para os meninos, a maturação sexual começa por volta dos 11 ou 12 anos


com o aumento dos testículos e aparecimento de pelos pubianos. Por volta dos
14 anos a 15 anos o pênis encontra-se completamente desenvolvido, atingindo
a puberdade, sendo capaz de gerar filhos. O aparecimento da barba também é
notável nessa fase, sendo individual de cada um. Os pelos começam a crescer
pelo corpo durante essa etapa de vida. A voz também muda nesse momento, com
o engrossamento del. Ocorre devido ao crescimento da laringe e o alongamento
das cordas vocais (MERVAL, 1996).

As diferenças da maturação física e sexual entre meninas e meninos


podem variar, dependendo da estrutura corporal e outros fatores associados a
questões de ordem biológica. Um exemplo disso, é que algumas meninas iniciarão

101
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

o processo de maturação aos 8 para 9 anos de idade e outra aos 12 para 13 anos de
idade, sendo um fator normal. Da mesma forma para meninos, alguns tem essa
maturação antes e outro depois, mas não representa alguma anormalidade.

O amadurecimento diz muito da evolução e da forma como a transição


da infância para a adolescência em ganhado espaço em nossa sociedade. Os
cuidados recebidos por esses indivíduos nesse momento tão importante de seu
desenvolvimento, faz com que tenham uma saúde mais equilibrada, mudanças
na alimentação e cuidados com o corpo marcam fortemente esse processo. Os
adolescentes contemporâneos, conseguem atingir índices maiores de qualidade
de vida e também da própria maturação ligada ao crescimento que seus pais,
sendo um fator importante para a melhora de níveis de relações sociais, cognitivas
e psicológicas.

A puberdade é um momento importante de vida desse adolescente,


mas que vem carregado de grandes transformações, ocasionando impactos
psicológicos nesses indivíduos. Para meninas e meninos essa transição é vista
e vivida de formas distintas. Muitas meninas gostam de si, de corpo e forma, já
outras, tende a não aceitação, negando seu corpo e assim desencadeando diversos
sintomas, ansiosos e depressivos. Os meninos tendem a aceitar mais a sua forma
corporal, sendo mais positivo que as meninas nesse critério. Para as meninas
a menarca é um momento importante, porém antigênico, para os meninos por
vezes é irrelevante, não se dando conta das mudanças, por consequência, falam
menos sobre as mudanças do corpo e até da sexualidade (MERVAL, 1996).

As mudanças físicas e sexuais que vem com o amadurecimento nesta


fase, faz com que se sintam diferentes das outras pessoas, podendo aproximar
ou afastar do convívio social. Esse fator também pode gerar impactos e grandes
mudanças no adolescente. Shaffer (2008) diz que em muitas sociedades existem
os ritos de passagem, que têm o objetivo de informar a toda comunidade que a
criança se tornou adulto.

Em nossa sociedade o que mais podemos perceber nesse processo de


transição, é que o adolescente entre os 11 aos 13 anos, pode se afastar mais de seus
pais, acreditando serem mais independentes. Muitas vezes conflitos são gerados
devido a pequenas situações que fazem parte desse momento, que para alguns
estudiosos é visto também como um momento de crise.

Esses conflitos podem ter origem a questões da dinâmica familiar e


da rotina, como organização da casa, cama desarrumada, cumprimento com
relação a horários e a deveres escolares e música alta, são alguns dos fatores.
As mudanças com relação hormonal podem contribuir para essas mudanças e
conflitos, considerando que muitas dessas mudanças ocorrem devido a oscilação
de humor, ansiedade e também a comportamentos depressivos, que podem levar
ao isolamento social.

102
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

Mesmo que com esse período de transição exista a distância entre pais e
filhos, ao final dessa fase, eles voltam a se reaproximar, já que o então adolescente,
estará mais maduro para compreender suas atribuições e responsabilidades e os
pais também com esse período, mudaram sua forma de pensar e ver seus filhos,
considerando e respeitando tais transformações.

O amadurecimento como visto anteriormente é individual, considerando


muitas questões de ordem social, biológica e emocional. Considerando isso, é
importante mencionar que meninos que amadurecem antes aproveitam mais
as vantagens sociais dessa fase de vida, do que meninos que amadurecem mais
tardiamente. Com relação ao amadurecimento tardio, pode ser um gerador de
ansiedade, impulsividade, intolerâncias e insegurança, sendo menos atraentes
que os demais. Os meninos que amadurecem antes, apresentam maior segurança,
interações sociais mais agradáveis, são mais comunicativos e espontâneos.
Apresentam-se de forma mais adequada e normalmente são aqueles que tiram
melhores notas e apresentam um melhor desempenho acadêmico.

Para as meninas, a maturação precoce pode ser vista como uma
desvantagem. Shaffer (2008) menciona que o processo de amadurecimento em
algumas meninas pode ocasionar extroversão e menor popularidade, comparado
a outras colegas, que podem gerar maior índice de ansiedade e sintomas
depressivos. Muitas dessas meninas, com a maturação mais precoce não se
identificam com os colegas de sua idade, procurando e sendo procuradas por
companhias de mais idade, o que pode ser um fator de preocupação, já que
muitas vezes se afastam das atividades acadêmicas, para adentrar em atividades
menos desejáveis e que podem interferir futuramente em suas escolas, como
fumar, beber, usar drogas e sexo.

Algumas consequências da maturação precoce podem perdurar por


muito tempo e outras duradouras, já que as escolhas anteriores interferirão na
vida adulta. Muitas das meninas acabam por abandonar os estudos devido ao
seu desempenho inferior, já outras terão muito sucesso, dependendo de fatores
internos e de conduta. Com o passar do tempo, as meninas com maturação precoce
acabam sendo admiradas por aquelas que amadureceram mais tardiamente, já
que são admiradas por grupo e também por pares.

As mudanças biológicas da puberdade refletem em grandes mudanças


hormonais, que despertam tanto em meninos como em meninas, o desejo sexual,
através da produção do andrógeno. Shaffer (2008) diz que os jovens precisam
aprender a lidar e expressar seus sentimentos sexuais, e que muitas vezes, sentem
dificuldade, não tendo abertura para isso com familiares.

Toda cultura terá uma forma de ver e vivenciar a sexualidade. Algumas


falarão de forma mais aberta com as crianças e adolescentes, a fim de clarificar e
esclarecer as dúvidas, acreditando que são importantes o cuidado e a orientação.
Para outras, a sexualidade ainda é vista como um tabu, aonde não se fala sobre
a sexualidade, o que pode muitas vezes, despertar no adolescente curiosidade e
maior interesse.
103
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Devido à dificuldade dos pais em falarem sobre a sexualidade com


seus filhos, muitas vezes deixam ao encargo da própria criança e adolescente
se deparem com tal demanda. O desconhecimento das crianças e adolescentes
atrelado com o desejo sexual que vem sendo constituído com o passar dos anos,
pode colocar esses indivíduos em situações de perigos, como exposições na
internet, por exemplo, que podem ser evitadas.

Muitas vezes, a escola assume esse papel de orientação e cuidado com


os adolescentes, através do cuidado com relação à educação sexual, a fim de
amenizar agravos à saúde dos adolescentes, em especial. Através de palestras,
oficinas, encontros com profissionais da área da saúde, ofertam a essa população
orientações importantes sobre essa etapa de vida, doenças sexualmente
transmissíveis, uso de preservativos, como forma também de evitar uma gravidez
não desejada (MERVAL, 1996).

De uma forma em geral, os jovens tendem inicialmente, a se sentirem


envergonhados com as explicações, justamente por terem como referência de
sexualidade, algo negativo, não permitido, misterioso. Mas como acabam por
se identificar, utilizam esse espaço como forma de tirar suas dúvidas e fazer
associações importantes para o seu desenvolvimento. Muitas vezes, esses
momentos de aprendizado em conjunto com demais colegas, escola e profissionais
da área da saúde, serão as únicas orientações nessa fase, por esse motivo, a escola
tem grande importância na vida desses adolescentes (MERVAL, 1996).

Muitos adolescentes têm relacionamentos amorosos de forma precoce,


necessitando de orientações e cuidado. Iniciam a vida sexual também de forma
precoce, sendo um fator importante de saúde pública.

O amadurecimento relacionado a questões sexuais, pode estar ligado a


questões sociais, familiares e culturais. No sentido social, o adolescente necessita
ser aceito pelo grupo, sentimento de pertencimento grupal. Com relação ao
contexto familiar, pode estar relacionado a questões econômicas, vulnerabilidade
de vínculos sociais e também da falta de compreensão por parte dos próprios
pais, em relação à sexualidade. No âmbito cultural leva-se em conta a aquilo que
por muitos anos vem sendo perpetuado, em que o olhar para questões sexuais é
vedado (SHAFFER,2008).

Quanto mais orientado e acolhido o adolescente estiver, mais consciente


estará conseguindo diferenciar o que de fato é importante a ele em cada fase de
sua vida. Deixar de falar sobre aspectos que fazem parte do desenvolvimento
na adolescência e da transição que acontece neste momento, não coloca nem o
indivíduo em questão e nem sua família em um lugar seguro.

A passagem da infância para a adolescência desperta diferentes sensações


e mudanças, sejam elas físicas, cognitivas e psicológicas, e é por esse motivo, que
o olhar atento às necessidades neste momento de vida, refletirá nas escolhas e
decisões futuras. Trabalhar de forma preventiva, sempre será uma opção em
todos os momentos, independentemente do contexto e população envolvida.

104
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

3 IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS DESPERTADAS NA


ADOLESCÊNCIA
A adolescência é um momento importante no clico vital que faz viver
sentimentos, dúvidas, desafios e muitas perguntas, relacionamentos intensos,
buscas por ideais e direitos. Um constante questionar-se sobre o que está posto,
em busca de uma resposta que satisfaça até o próximo desafio.

O trabalho com adolescentes impõe ao indivíduo um significativo


trabalho psíquico de ressignificação de sua própria história. Acompanhar o
dinamismo e a complexidade que se faz presente nessa idade de vida exige que
os profissionais ampliem seu olhar e abrangem os vários aspectos que permeiam
a adolescência (SHAFFER,2008).

Adolescentes existem desde muito tempo, mas a entrada do conceito


adolescência no contexto cultural é bem mais recente. O que define o processo
de transição da infância para a adolescência é a dependência. Com o passar do
tempo o adolescente vai criando relações e destas, percebe-se mais independente
social e emocionalmente com relação aos pais.

DICAS

Uma indicação muito importante: sempre que sentir necessidade de leis que
embasam o olhar com relação ao adolescente, procure no ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.

A conquista da adolescência como espaço do ciclo vital, com peculiaridades


específicas do desenvolvimento humano, contou com grande participação da
escola, do papel que essa desempenha na iniciação social, diante da transição da
vida infantil para a vida adulta (SHAFFER, 2008).

Muitos questionamentos e dúvidas ocupam espaço privilegiado na vida


dos adolescentes, que vêm de forma consciente e intensa. Assim, em meio a um
turbilhão de desejos, sentimentos e medos, os jovens fazem uma profunda reflexão
de seu mundo interno e experiências vividas até então, buscando encontrar uma
forma de lidar com as mudanças que estão ocorrendo no presente momento.

Esse momento não é um processo fácil, já que diz muito sobre si e também
a forma com que casa adolescente irá conduzir esse momento, deixando sua
identidade infantil. Esse processo pode ser visto como doloroso, prazeroso,
assustado, desejado, temido, fascinante. As ambiguidades de sentimentos,

105
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

denotam a dimensão da crise de identidade do adolescente, que já não é mais uma


criança, mas também não é um adulto, que não deseja perder os privilégios da
infância, mas que deseja mais independência e autonomia (RAPPAPORT, 1982).

As crises na adolescência são comuns, bem como nas demais etapas


de vida. Elas não dizem respeito a algo negativo, ruim, nocivo, mas sim a um
conjunto de vivências carregadas de incertezas e dificuldades, que fazem dessa
fase da vida um momento importante e decisivo. O que ocorre neste momento do
ciclo vital, fazem com o os indivíduos reflitam sobre situações marcantes de sua
própria existência (SHAFFER, 2008).

As crises fazem parte da vida e tem o objetivo de fazer crescer. Na


adolescência tem a finalidade de promover o autoconhecimento, transformações
e possibilitar relações antes não vivenciadas.

O adolescente necessitará passar por essas crises para que consiga fazer
suas escolhas dentro do contexto em que vive. Necessitando definir identidades
que envolvem aspectos sexuais, profissionais e ideológicas em cada uma dessas
fases, implicará decisões para que posteriormente consiga enfrentar sua realidade.

Muitas vezes, as crises que os adolescentes irão passar, despertam nos pais,
conflitos por eles, vividos na adolescência. Os conflitos podem ser suportados ou
não pelos pais. Nesta perspectiva, é importante que os laços entre pais e filhos
estejam sempre favoráveis, a fim de ser ponte para os sentimentos despertados
no contexto familiar (SHAFFER, 2008).

A cada crise que o adolescente vivencia, vai construindo sobre si, um


sentimento de superação e força, já que precisou neste período, trabalhar com
lutos diários, que dizem respeito a perdas e mudança em sua vida e rotina. As
crises psicossociais despertam sentimentos de confiança e consciência sobre si e
sobre o mundo.

Considerando as crises psicossociais, o autor Erikson (1971) organizou sua


teoria de acordo com cada estágio de vida e evolução do ciclo vital humano. A partir
dos estudos de Freud, ele relaciona as etapas psicossociais do desenvolvimento.

Considerando a fase da crise na adolescência, Erikson denomina de


Intimidade versus Confusão de Papéis, que para Freud seria a etapa da fase genital.

Para ele, a identidade se configura em três áreas fundamentais de definição,
sendo elas a identidade sexual, que é a fase fálica, onde a segurança do papel
sexual permitirá estabelecer as escolhas com relação aos relacionamentos futuros
e saudáveis. A identidade profissional está relacionada com a performance
e realização do trabalho, dando ao indivíduo a capacidade de pertencer a um
determinado grupo e sendo valorizado por ele. A identidade ideológica diz de uma
permanente reconstrução interna, acerca do mundo e de seus posicionamentos
(SHAFFER,2008).

106
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

De acordo com Erikson (1976), a adolescência é um regenerador vital no


processo de evolução social, dando ao indivíduo a segurança necessária para as
etapas posteriores, que exigirão deste adolescente importantes decisões.

Neste período, os pais passam a exigir dos filhos certa independência na


tomada de decisões e na resolução de problemas e conflitos. Por outro lado, os
adolescentes podem apresentar certa insegurança, por não se sentirem preparados
para esse momento e também para responsabilidades.

Essas cobranças, por parte dos pais, podem ocasionar além de


sentimento de insegurança, ansiedade e sintomas depressivos. Hoje em dia é
comum adolescentes apresentarem sintomas ansiosos depressivos devido às
transformações que ocorrem devido à idade.

Além de sintomas ansiosos e depressivos é comum os adolescentes se


automutilarem e se autoagredirem. Através de arranhões, cortes, interferência
no processo de cicatrização, golpear-se, perfurar-se com agulhas, provocar
queimaduras tanto com fogo ou com produtos químicos, são algumas das formas
de manifestação. Nem sempre representam uma ideação suicida, sendo na sua
maioria, como forma de expressar o que sentem.

DICAS

Série: My Mad Fat Diary

É difícil representar a depressão, uma doença tão particular para cada um,
mas My Mad Fat Diary consegue fazer isso de maneira exemplar pelos olhos de Rae, uma
adolescente acima do peso que sofre de uma profunda depressão. 

Vale a pena assistir!

4 RELAÇÕES FAMILIARES E ADOLESCÊNCIA


Como pudemos ver anteriormente, a adolescência vem carregada de
grandes transformações, em que será necessário que o indivíduo modifique alguns
comportamentos para conseguir se adaptar a esse novo momento de sua vida.

Com a saída da infância e entrada na adolescência as relações familiares


são abaladas, com questionamentos que o adolescente fará de seus pais, de seus
códigos de valores, de seu estilo de vida, de seus hábitos sexuais e sociais, de
sua fé, de sua etiologia. Esses questionamentos criam um ambiente de tensão
intrafamiliar, porque é feito de maneira agressiva, desorganizada, por uma

107
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

personalidade que esta desestruturada, que está numa situação de busca de


si mesma. A adolescência dos filhos, faz os pais reviverem as suas. Revivem
conflitos de sua própria adolescência seus relacionamentos traumáticos com os
seus pais e suas indefinições e indecisões quanto à escolha profissional.

Para Aberastury e Knobel (1984) conforme os filhos vão crescendo


despertam nos pais que que a sua juventude também está chegando ao fim,
preparando-se para viver outra fase de suas vidas, uma fase mais madura.
Dependendo da postura do filho diante esse momento de transição que também
acontece na vida dos pais, conflitos familiares podem ser instalados. O sentimento
de incompreensão pode ser manifestado de ambos os lados.

DICAS

Em casos em que existem muitos conflitos familiares, é necessário que todos


os envolvidos nesse contexto sejam acolhidos e cuidados. A psicoterapia é uma ótima
maneira de auxiliar nesses momentos.

Seguindo nesse mesmo olhar, Rappaport (1982) diz que em famílias onde
existe um processo de compressão maior, famílias mais afetuosas, equilibradas,
saudáveis do ponto de vista psicológico, mesmo existindo conflitos e crises, o
bom relacionamento acaba por superar esses momentos de maior tensão, fazendo
com que o adolescente se sinta acolhido, encontrando seu lugar no mundo,
conseguindo definir suas prioridades, uma conduta pessoal e ética, encontre seus
pares, uma profissão, uma série de elementos que lhe permitirão solucionar a
crise de identidade.

Nesse momento, é comum o adolescente dar mais importância para o seu
grupo de amigos, devido a ser uma fase de busca, de procura, de desestruturação
de discussões frequentes com os pais. Entre os seus amigos ele sentirá mais
compreendido, amado, a vontade para expressar suas incongruências, suas
inconsistências de personalidade, suas incertezas em relação ao futuro, suas
críticas aos pais e à sociedade em geral poderão ser discutidas.

Na adolescência, os grupos de amigos, grupos afins, podem ser


considerados como uma etapa intermediaria, de transição, entre a vida infantil,
centralizada na família e a vida adulta autônoma e independente. Os grupos
juvenis costumam ter normas e costumes próprios, muitas vezes em completo
desacordo com os padrões adotados pela família. Dentre essas inconformidades,
estão o jeito de se vestir, com roupas bem diferentes, linguagem própria,
músicas preferidas.

108
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

Apesar da revolta que os adolescentes manifestam contra imposições


de horários e de regras de conduta por seus pais, considerados ultrapassados,
“caretas, quadrados”, o adolescente precisa de limites. Quando os jovens têm pais
excessivamente permissivos, que não colocam limites e não exigem explicações,
chegam a e saem a hora que querem. As imposições e limites colocados pelos pais,
servem como referencial para que o jovem encontre seu próprio caminho. Ele
poderá não concordar, mas pelos menos terá um limitador para as suas condutas.

Com relação aos valores morais, quando esses são estabelecidos de


maneira firme na infância, eles tendem a prevalecer na idade adulta. Em suma,
um jovem que tiver uma infância saudável em termos psicológicos, que tiver
uma família onde se sinta aceito e amado, poderá sentir angustias e dificuldades
durante a adolescência, mas dificilmente se tornará um viciado ou delinquente.

Para tanto, é muito importante que os pais sejam orientados para esse
momento, para conseguir solucionar os conflitos familiares da melhor maneira
possível, prevenindo comportamentos delinquentes, vícios, prevenindo
transtornos depressivos e ansiosos nos filhos adolescentes, que estão passando
por momentos decisivos em suas vidas, como por exemplo, a escola profissional,
que é o que veremos a seguir.

5 ESCOLHA PROFISSIONAL

NTE
INTERESSA

E o mundo a me exigir decisões para as quais não estou preparada.


Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos, mas
também de decisões sobre a melhor forma de se ser.

(Clarice Lispector).

A escolha profissional oportuniza a inserção do estudante no mercado de


trabalho. Percebe-se que nesses últimos anos, o mercado de trabalho, encontra-se
mais competitivo, considerando as mudanças ocorridas na economia mundial e
dos avanços tecnológicos, que repercutem no trabalho contemporâneo.

Por esses fatos e demais variáveis que influenciam na escolha o momento


da tomada de decisão em relação a que profissão seguir pode gerar muita
ansiedade, pois se devem alinhar interesses, aspirações, medos e exigências
familiares, sociais e do mercado de trabalho. Com isso, a escolha profissional se
torna impactante e requer muitas vezes intervenções de profissionais capacitados.
Diante disso, a orientação profissional configura-se como um espaço de atividades
que possui conhecimentos teóricos e práticos a fim de auxiliar o processo de
escolha profissional e o planejamento de projetos futuros.
109
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

NTE
INTERESSA

A Orientação Profissional – OP, configura-se como um espaço de atividades


que possui conhecimentos teóricos e práticos a fim de auxiliar o processo de escolha
profissional e o planejamento de projetos futuros.

A escolha profissional não se restringe apenas no período da adolescência,


podendo ser relacionando com as decisões profissionais e mudanças de carreira
ao longo de toda a trajetória do indivíduo. Mas as dificuldades que se mostram
mais evidentes na adolescência estão relacionadas quando o indivíduo se depara,
pela primeira vez, com a necessidade de escolher uma profissão a seguir ou
iniciar-se no mercado de trabalho (MOURA, 2011).

Para Junqueira (2010) o período dedicado à escolha profissional do


adolescente é o mesmo em que ele se encontra: um processo de descobertas de si e
de definições de sua identidade. São diversos fatores que influenciam na tomada
de decisão, desde os conscientes ou inconscientes dos processos de identificação
até a percepção de si que se mostra em construção, interesses e habilidades que
atuam na escolha profissional.

Conforme afirma Moura (2011), a decisão sobre uma profissão, na


sociedade em que vivemos, mostra-se mais complicada também pela presença de
inúmeras alternativas ocupacionais a serem consideradas na escolha.

Para Silva (2016) a maturidade vocacional encontra-se relacionado


com a capacidade para enfrentar as diversas situações de um estágio de vida,
para tomar decisões de carreira e enfrentar os acontecimentos que a sociedade
considera pertinentes ao desenvolvimento do indivíduo. Moura (2011) diz que
a adaptabilidade de carreira insere os conceitos de planeamento, exploração e
tomada de decisão, realizando um balanço entre as informações e alternativas,
com o intuito de alcançar um curso de ação satisfatório com o qual o indivíduo
poderá se comprometer.

A Orientação profissional – OP, conforme Moura (2011) possui como


principal objetivo o trabalho com o orientando para que ele possa realizar a escolha
de forma mais assertiva sobre seu futuro profissional, por meio de informações
sobre seus interesses e suas habilidades.

Estudos evidenciam que OP pode auxiliar no planejamento do projeto


de vida, possui um bom papel de medição e facilitação e encontra-se qualificado
para a sua atuação, podendo ser individual ou em um grupo de indivíduos,
que participam ativamente da elaboração e construção de seu projeto de vida
(SILVA, 2016).

110
TÓPICO 1 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA

Para Junqueira e Melo (2014) trabalhar com OP com adolescentes, é


efetivamente abordar aspectos sobre o autoconhecimento e o conhecimento da
realidade onde estão inseridos, para uma tomada de decisão madura.

Em conformidade, Junqueira (2014) consideram relevante aspectos da


maturidade para a escolha profissional, tendo a necessidade de identificar nos
processos iniciais da orientação, para que o adolescente possa ser conduzido para
conseguir desenvolvê-la, já que no processo de escolha de uma profissão, estão
envolvidos diferentes fatores, sejam eles pessoais, culturais e sociais. Com isso, a
identificação, o reconhecimento e a valorização de suas características, aptidões
e habilidades, valores e necessidades, contribuem de forma significativa para a
tomada de decisão.

As dificuldades enfrentadas em relação a decisão profissional podem ser


minimizadas a partir de vivencias sobre a realidade de cada profissão, à medida
que as pessoas adquirem conhecimentos sobre si, suas características, seus valores
e as profissões (SILVA, 2014). Portanto, na medida que o indivíduo conhece suas
motivações, pode lhe auxiliar nas escolhas e no planejamento da orientação
profissional, favorecendo por meio do autocuidado, a tomada de decisão. Torna-
se importante reiterar que o processo de tomada de decisão envolve aspectos
de ordem emocional, social e cultural, além da maturidade de casa indivíduo
no processo de escolha. Na medida em que o sujeito conhece seus valores, suas
aptidões, suas competências e seus desejos, e consegue refletir dobre eles, esse
processo se torna mais assertivo e válido.

111
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• As transições fazem parte dos diversos momentos de vida de um sujeito,


dando indícios de muitas mudanças, transformações e aquisições de novas
habilidades.

• O desenvolvimento humano desde o seu princípio pode ser visto de diversas


formas, mas pode-se perceber que algumas pessoas são mais moldáveis e
influenciáveis que as outras.

• As mudanças ocorrem e de forma acelerada, o corpo vem sendo modificado,


física e psicologicamente. Esse processo pode despertar na criança e no
adolescente, sentimentos de desconforto e desconhecimento do seu próprio
corpo, já com as mudanças corporais, muitos se sentem pressionados e
questionados sobre esse processo.

• As meninas demonstram um cuidado maior com a aparência, com o corpo,


sendo muitas vezes, influenciadas por olhares externos. Elas esperam ser vistas
de forma positiva, sendo esse um fator de grandes frustrações, porque nem
sempre é assim.

• A transição da infância para a adolescência para as meninas, é marcada pela


maturação sexual, que se inicia entre os 9 a 10 anos, quando os seios começam a
crescer, os pelos pubianos aparecem, a maturação dos órgãos genitais também
acorre nesse período, para que posteriormente, possa ser utilizado para
acomodar um feto durante a gravidez.

• Aos 12 anos para 13 anos a menina atinge a Menarca, que é a sua primeira
menstruação.

• Para os meninos, a maturação sexual começas por volta dos 11 ou 12 anos com
o aumento dos testículos. Seguindo pelo aparecimento de pelos pubianos.
Por volta dos 14 a 15 anos o pênis encontra-se completamente desenvolvido,
atingindo a puberdade, sendo capaz de gerar filhos. O aparecimento da barba
também é notável nessa fase, sendo individual de cada um. Os pelos começam
a crescer pelo corpo durante essa etapa de vida. A voz também muda nesse
momento, com o engrossamento. Isso ocorre devido ao crescimento da laringe
e o alongamento das cordas vocais.

• As diferenças da maturação física e sexual entre meninas e meninos podem


variar, dependendo da estrutura corporal e outros fatores associados a questões
de ordem biológica.

112
• O amadurecimento diz muito da evolução e da forma como a transição da
infância para a adolescência em ganhado espaço em nossa sociedade.

• A puberdade é um momento importante de vida desse adolescente, mas que


vem carregado de grandes transformações, ocasionando impactos psicológicos
nesses indivíduos. Para meninas e meninos essa transição é vista e vivida de
formas distintas. Muitas meninas gostam de si, de corpo e forma, já outras,
tende a não aceitação, negando seu corpo e assim desencadeando diversos
sintomas, ansiosos e depressivos. Os meninos tendem a aceitar mais a sua
forma corporal, sendo mais positivo que as meninas nesse critério.

• A adolescência é um momento importante no ciclo vital que faz viver


sentimentos, dúvidas, desafios e muitas perguntas, relacionamentos intensos,
buscas por ideais e direitos. Um constante questionar-se sobre o que está posto,
em busca de uma resposta que satisfaça até o próximo desafio.

• Esse momento não é um processo fácil, já que diz muito sobre si e também
a forma com que casa adolescente irá conduzir esse momento, deixando sua
identidade infantil. Esse processo pode ser visto como doloroso, prazeroso,
assustado, desejado, temido e fascinante.

• As crises fazem parte da vida e tem o objetivo de fazer crescer. Na adolescência


tem a finalidade de promover o autoconhecimento, transformações e possibilitar
relações antes não vivenciadas.

• A cada crise que o adolescente vivencia, vai construindo sobre si, um


sentimento de superação e força, já que precisou neste período, trabalhar com
lutos diários, que dizem respeito a perdas e mudança em sua vida e rotina. As
crises psicossociais despertam sentimentos de confiança e consciência sobre si
e sobre o mundo.

• Considerando a fase da crise na adolescência, Erikson denomina de Intimidade


versus Confusão de Papéis, que para Freud seria a etapa da fase genital.

• De acordo com Erikson (1976) a adolescência é um regenerador vital no


processo de evolução social, dando ao indivíduo a segurança necessária para
as etapas posteriores, que exigirão deste adolescente importantes decisões.

• Com a saída da infância e entrada na adolescência as relações familiares são


abaladas, quando os questionamentos que o adolescente fará de seus pais, de
seus códigos de valores, de seu estilo de vida, de seus hábitos sexuais e sociais,
de sua fé, de sua etiologia.

• A adolescência dos filhos faz os pais reviverem as suas. Revivem conflitos de


sua própria adolescência seus relacionamentos traumáticos com os seus pais e
suas indefinições e indecisões quanto à escolha profissional.

113
• É comum o adolescente dar mais importância para o seu grupo de amigos,
devido a ser uma fase de busca, de procura, de desestruturação de discussões
frequentes com os pais. Entre os seus amigos ele sentirá mais compreendido,
amado, à vontade para expressar suas incongruências, suas inconsistências de
personalidade, suas incertezas em relação ao futuro, suas críticas aos pais e à
sociedade em geral poderão ser discutidas.

• É muito importante que os pais sejam orientados para esse momento, para
conseguir solucionar os conflitos familiares da melhor maneira possível,
prevenindo comportamentos delinquentes, vícios, prevenindo transtornos
depressivos e ansiosos nos filhos adolescentes, que estão passando por
momentos decisivos em suas vidas.

• A escolha profissional oportuniza a inserção do estudante no mercado de


trabalho. Percebe-se que nesses últimos anos, o mercado de trabalho, encontra-
se mais competitivo, considerando as mudanças ocorridas na economia mundial
e dos avanços tecnológicos, que repercutem no trabalho contemporâneo.

• A decisão sobre uma profissão, na sociedade em que vivemos, mostra-se mais


complicada também pela presença de inúmeras alternativas ocupacionais a
serem consideradas na escolha.

• A Orientação profissional – OP, possui como principal objetivo o trabalho com


o orientando para que ele possa realizar a escolha de forma mais assertiva
sobre seu futuro profissional, por meio de informações sobre seus interesses e
suas habilidades.

• Na medida que o indivíduo conhece suas motivações, pode lhe auxiliar nas
escolhas e no planejamento da orientação profissional, favorecendo por meio
do autocuidado, a tomada de decisão.

114
AUTOATIVIDADE

1 Assinale V para verdadeiro e F para falso.

( ) A puberdade é um período na evolução humana em que o indivíduo


passa de um ser assexuado para ser sexuado.
( ) É na puberdade que o indivíduo se torna biologicamente capaz de
reproduzir sua espécie.
( ) A menarca é a primeira menstruação da menina, sendo um fator importante
para a maturação sexual e emocional.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) V, V, F.
b) ( ) F, V, V.
c) ( ) F, V, F.
d) ( ) V, V, V.

2 O desenvolvimento humano desde o seu princípio pode ser visto de diversas


formas, mas pode-se perceber que algumas pessoas são mais moldáveis
e influenciáveis que outras. Nesta perspectiva de desenvolvimento, a
transição da infância para a adolescência é como um divisor de águas na vida
desse indivíduo, já que são duas etapas muito importantes e constituintes
da personalidade e relações sociais. Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As mudanças corporais são mais perceptíveis nas meninas, já que as


alterações hormonais são mais intensas nessa população.
b) ( ) Os meninos tendem a amadurecer mais tardiamente que as meninas
devido a serem mais introspectivos.
c) ( ) As diferenças da maturação física e sexual entre meninas e meninos
podem variar, dependendo da estrutura corporal e outros fatores
associados a questões de ordem biológica.
d) ( ) Os meninos sofrem mais preconceito nesta fase, por serem mais
imaturos e menos desenvolvido fisicamente.

3 Erikson acreditava que os seres humanos enfrentavam oito principais crises


ou conflitos durante a vida e que casa conflitos surge em um momento
específico, ditado tanto pela maturação biológica quanto pelas demandas
sociais que as pessoas em desenvolvimento devem enfrentar. Com relação
ao estágio específico da adolescência, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Autonomia versus vergonha e dúvida.


b) ( ) Iniciativa versus culpa.
c) ( ) Identidade versus confusão de papéis.
d) ( ) Identidade versus isolamento.

115
4 A adolescência é um momento importante no ciclo vital que faz viver
sentimentos, dúvidas, desafios e muitas perguntas, relacionamentos intensos,
buscas por ideais e direitos. Um constante questionar-se sobre o que está posto,
em busca de uma resposta que satisfaça até o próximo desafio. A partir dessa
descrição, quais são as crises que envolvem a adolescência?

5 Por que o suporte familiar é importante principalmente na fase da


adolescência?

116
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! No Tópico 2, nós estudaremos os aspectos biopsicossociais
que envolvem a adultez e suas profundas transformações. Por isso, iniciaremos
com a apresentação de conceitos sobre as implicações emocionais na vida adulta,
considerando o viés da psicologia para embasar nosso olhar e estudos. A transição
da adolescência para a idade adulta é um momento de grande transformação
na vida desse indivíduo, mudanças importantes ocorrem devido a questões
socioemocionais, familiares, de carreira e culturais. Muitas dúvidas e incertezas
permeiam esse momento.

Em seguida, nós estudaremos a parentalidade, conjugalidade e


configurações familiares, visto que esse momento é muito importante e decisivo
na vida dos envolvidos. A constituição familiar, o nascimento dos filhos e
consequentemente as responsabilidades atribuídas a essa função parental, vem
carregada de sentimentos ambíguos.

E por fim, abordaremos aspectos relacionados à permanência e/ou saída


do jovem adulto da casa paterna, considerando as variáveis para esse processo,
dentre eles a dependência financeira e emocional, tanto por parte dos pais que
buscam formas para manter os filhos em casa por mais tempo e também dos
próprios filhos, em assumirem uma postura de independência frente aos pais e a
também a sociedade.

2 IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS NA VIDA ADULTA


Caro acadêmico! Dando continuidade aos nossos estudos referentes
à Unidade 2, estudaremos agora as implicações emocionais na vida adulta e
também das atribuições voltadas a esse jovem adulto. Desejamos a você ótimos
estudos e reflexões.

Com o passar dos anos percebemos as transformações trazidas pelo


próprio desenvolvimento. A passagem da adolescência para a vida adulta implica
mudanças importantes com relação ao estatuto do jovem adulto, dentre elas, a
consolidação da identidade pessoal e social do sujeito. A escolha profissional e
a entrada no mercado de trabalho e definições de papéis familiares, demarcam
muito bem, essa nova fase de vida, passando da juventude para a idade adulta.

117
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Atualmente, “ser adulto” diz de um lugar de exercício contínuo de


responsabilidades e deveres, expectativas e motivações. Observando pelo aspecto
emocional e psicológico, o adulto em seu contexto, é atravessado por inúmeros
desafios, necessitando dar conta das demandas que, muitas vezes, vão para além,
do que consegue naquele momento.

A busca por uma boa colocação no mercado de trabalho pode ser um


dispositivo para instabilidades emocionais e ansiedades, já que da mesma forma
que a sociedade pressiona para buscar esse status, o próprio adulto também se
coloca neste lugar de cobranças. A constituição familiar é outro fator importante
a ser considerado, em que os papéis parentais vão sendo desenvolvidos e/ou
aperfeiçoados, mas que muitas vezes são adiados devido às escolhas de vida
desse jovem adulto.

Conforme Cória-Sabini (2001), cada sociedade apresenta aos seus


elementos um sistema de padrões de comportamento para cada idade, em que o
indivíduo passa por uma regulagem social, que opera desde o nascimento até a
morte, fazendo parte do ciclo biológico. Com isso os sujeitos, através das normas
sociais, vão adquirindo novas habilidade e aprendizagem de novas respostas e
atitudes frente a eventos que acontecem ao seu entorno.

A aprendizagem requerida para essa fase de vida pode ocorrer em três


momentos. Em um primeiro momento, ainda antes de atingir o patamar etário,
o indivíduo observa os elementos de um determinado grupo e se coloca contra
ou a favor às normas de condutas prescritas para aquela idade. Em um segundo
momento, já dentro da faixa etária, ele sofre pressões sociais, mas que a partir
de sua experiência ativa e contínua, reestrutura seu olhar sobre a vida e sobre si
mesmo, levando em consideração padrões pessoais, sociais e históricos vigentes
no momento. Como um terceiro momento, o indivíduo passa a refletir sobre
normas sociais e se apropria de um conjunto de valores, que servirão de guia para
a autoavaliação e avaliação com relação as condutas de outras pessoas (CÓRIA-
SABINI, 2001).

À sequência para os acontecimentos de vida, estariam ligadas questões


culturais. Pensando em sociedades industrializadas e modernas, como um
primeiro passo, seria a conclusão de ensino fundamental, médio, técnico e superior,
estabilidade profissional, casamento, filhos e aposentadoria. Neste sentido, Dessen
e Junior (2005), dizem que a existência de períodos no ciclo de vida, fazem com
que o indivíduo adquira uma espécie de relógio interior, que demonstra se os
acontecimentos de vida estão ocorrendo ou não dentro do período adequado
e também desejado por ele. Cada pessoa é responsável pelos acontecimentos
de sua vida, já que leva em consideração aquilo que realmente faz sentido, sem
uma ordem exata de acontecimentos, já que o relógio interior diz muito mais de
autoconhecimento, do que acabar algo, em um determinado tempo.

118
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

Andrade (2010) diz que o “ser adulto” está ligado às escolhas,


responsabilidades de seus próprios atos, decisão sobre suas crenças e
estabelecimento de relações igualitárias com os pais. Ser capaz de negociar e
reconstruir um relacionamento entre pais e filhos é um indicador de maturidade
psicológica, que aponta para a conquista da autonomia.

O “ser adulto” é um estatuto que não corresponde à estabilidade, plenitude,


mas a ambiguidade e ambivalência de sentimentos e emoções. Por um lado, o jovem
assume uma imagem idealizada de vida adulta, com representações positivas sobre
ela, e por outro lado, não parecem querer entrar rapidamente e totalmente na idade
adulta, já que ser adulto, está associado aos papéis normativos, regras (REITZLE, 2006).

Para Guerreiro e Abrantes (2004), a transição de papéis para a vida adulta


acontece em dois momentos. Em um primeiro momento, caracteriza-se pela
liberdade, pelas experiências e pela ausência de compromissos. Em um segundo
momento, caracteriza-se pela responsabilidade, estabilidade e compromissos. A
vivência de uma transição para a idade adulta “livre” contrasta com as atitudes
relativas à vida adulta, considerada rotineira, aborrecida e desinteressante.

Shaffer (2005), nos seus relatos, com relação à teoria do desenvolvimento


psicossocial de Erikson, os seres humanos enfrentam oito principais crises ou
conflitos durante a vida. Cada conflito surge em um momento específico, que se
refere tanto à maturação biológica, quanto a demandas sociais, enfrentadas pelas
pessoas em seu desenvolvimento. Cada crise deve ser resolvida com sucesso,
para preparar uma resolução satisfatória para a crise seguinte.

Erikson acreditava que muitos dos conflitos sociais e dilemas pessoais


lembrados pelas pessoas, poderiam ser observados e antecipados, já que se
tratava de situações da vida cotidiana. Ele acreditava que os problemas de
adolescentes e jovens adultos são diferentes daqueles enfrentados por mais com
filhos pequenos, ou idos enfrentando a aposentadoria, sentimentos de inutilidade
e a morte iminente (SHAFFER, 2005).

O estágio do desenvolvimento psicossocial de Erikson, referente à vida


adulta, que acontece entre os 20 aos 40 anos, denomina-se Intimidade versus
Isolamento. Ela preconiza que a principal tarefa deste estágio é a formação de
fortes laços de amizade e alcançar um sentimento de amor e companheirismo
(ou identidade compartilhada) com outras pessoas. Sentimentos de solidão e
isolamento provavelmente levarão à inabilidade de formar amizades e relações
íntimas. Agentes sociais básicos são amantes, companheiros, cônjuges e amigos
íntimos (de ambos os sexos).

Para a teoria Freudiana, esse estágio corresponde à fase genital, que


ocorre a partir dos 12 anos, quando a puberdade desperta novamente as pulsões
sexuais. O adolescente deve agora aprender a expressar essas pulsões de maneiras
socialmente aceitáveis. Se o desenvolvimento ocorreu de modo saudável, a pulsão
madura se satisfaz por meio do casamento e na criação de filhos.

119
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Corroborando com a teoria de Erikson e Freud, Cória-Sabini (2001) traz


que a tarefa mais importante do ego neste período, é encontrar o equilíbrio entre
a estabilidade e o avançar para o futuro, buscar novos caminhos, esforçando-se
para fazer novas descobertas, investir em si mesmo e na vida das pessoas que
dependem mais diretamente dele, como a família, amigos e colegas.

Cada fase é desafiadora, mas que o ao final de cada uma delas, que as
pessoas consigam construir um mundo interior, permitindo estar satisfeitas
consigo mesmas e com a vida que decidiram construir.

Para Carter e McGoldrick (1995), o ciclo vital da família é caracterizado por


seis estágios: (1) saindo de casa, (2) o novo casal, (3) famílias com filhos pequenos,
(4) famílias com adolescentes, (5) lançando os filhos e seguindo em frente e (6)
famílias no estágio tarde de vida.

Para Cerveny e Berthoud (2008), o ciclo vital da família brasileira é


mais retardado, e é descrito em quatro fases: (1) fase de aquisição (formação
da família com filhos pequenos), (2) família com adolescentes, (3) fase madura
e (4) fase última. Para ambos os autores, cada fase possui desafios específicos
do desenvolvimento individual, que se estabelecem a partir de cada membro e
também as necessidades de cada grupo familiar.

As alterações que caracterizam o processo de desenvolvimento, que


culminam na aquisição do estatuto social do adulto, conforme McGoldrick
(2012), são próprias da etapa, que irão influenciar nas demais. Progressivamente,
o envolvimento com as escolhas e os compromissos vão sendo crescentes,
abrindo espaço para o exercício dos papeis de adulto, assim como a aquisição da
independência emocional, psicológica, social e residencial em relação aos pais.

A estrada para a vida adulta é cada vez mais longa e a tarefa de “ser
adulto”, do ponto de vista psicológico e social, é cada dia mais exigente, podendo
ser muitas vezes, adiada pelo jovem adulto, como a permanência por mais tempo
na casa paterna. Outro fator importante também a ser levado em consideração,
diz a respeito à tomada de decisões, aonde o jovem adulto, necessita de uma posta
responsável frente as suas escolhas, o que também pode ser um fator gerador de
ansiedade e angústias, já que ao mesmo tempo, que faz planos, tem sonhos, existe
a incerteza se realmente conseguirá almejar e concretizar.

O desenvolvimento psicológico, assim como o amadurecimento são


questões importantes de reflexão, já que possibilitarão a esse adulto em transição,
perceber o que melhor se adapta em seus anseios. Por mais que pareça claro que
as tomadas de decisões relativas ao desempenho de papéis de adulto, elas se
inscrevem num processo mais amplo de desenvolvimento ao longo do ciclo vital,
o desenvolvimento psicológico interage com as condições sociais, abrindo espaço
para que esse jovem adulto faça escolhas e senta-se confortável em transitar por
essas diversos papéis, sem sentir-se pressionado.

120
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

3 PARENTALIDADE, CONJUGALIDADE E CONFIGURAÇÕES


FAMILIARES
Há mais de meio século, a Psicologia se dedica a estudos que envolvem
a maternidade e suas implicações para o desenvolvimento emocional do
filho, para a conjugalidade e para a própria mulher. Nas últimas décadas, a
paternidade também ser tornou foco recorrente de estudos antropológicos,
filosóficos e psicológicos. O aumento do interesse pelo papel do pai na família
e na sociedade e da mulher no mercado de trabalho e assumindo novas
funções, abriram precedentes para estudos voltados à parentalidade e às novas
configurações familiares.

Os fenômenos relacionados à família na contemporaneidade, questionam


sobre as mudanças e as permanências nesse lugar. Ainda se vê o modelo clássico
de família, mas que a cada dia, se percebe um crescente na pluralidade de olhares
para as novas configurações parentais, para além do modelo tradicional de pai,
mãe e filhos.

A pluralidade que envolve os arranjos familiares, não diz respeito somente


pela diversidade de sua configuração, mas também pelos novos desafios que os
casais enfrentam na sua caminhada pelo alcance da parentalidade, que melhor se
adapte às necessidades e desejos enquanto família.

A tarefa de proteger, educar e cuidar dos filhos tem aberto espaço para
controversas que atravessam esse processo. Podemos destacar alguns fatores
como o divórcio, as novas tecnologias de reprodução humana, o conhecimento
sobre as novas formas de concepções que dizem respeito à parentalidade, bem
como à educação dos filhos, aliadas à dupla jornada de trabalho do pais, carreira
profissional, exigências e valores morais e éticos da sociedade, acarretando ainda
mais na tomada de decisão em ter ou filhos, em constituir ou não uma família, em
efetivamente exercer ou não a parentalidade.

Por mais que a família tenha se tornado uma temática complexa de ser
investigada na sua totalidade, ela ainda continua sendo um lugar de importância
e referência para as pessoas. A família é a primeira instituição social, e é nela que
as constituições de ética, caráter, valores e decisões se estabelecem primeiramente.
A parentalidade, conjugalidade e configurações familiares atuais, sempre serão
um campo inesgotável de conhecimento, já que a cada dia, experienciamos novos
olhares e novas formas de constituir famílias.

121
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

NTE
INTERESSA

A parentalidade, conjugalidade e configurações familiares atuais, sempre serão


um campo inesgotável de conhecimento, já que a cada dia, experienciamos novos olhares
e novas formas de constituir famílias.

A dinâmica das relações conjugais altera-se em função de fatores culturais


e socioeconômicos e do momento do processo civilizatório (OSÓRIO, 2002). Para
Wagner (2011), a coexistência de configurações familiares e estruturas familiares
tem se ampliado não somente no conceito de família, mas também em suas
implicações na sociedade, concedendo, assim, a criação de novos paradigmas
explicativos que podem dar conta dessa complexidade. Essas mudanças ocorridas
na estrutura e configuração familiar estão relacionadas diretamente à evolução
da sociedade e vice-versa.

A parentalidade é uma fase na qual o sujeito é confrontado com


transformações identificatórias profundas. O conceito de parentalidade centra-se
na possibilidade de os genitores se tornarem pais e mães, por meio de um processo
complexo que implica níveis conscientes e inconscientes (KRUEL; LOPES, 2011).

Para Houzel (2004), a parentalidade consiste na capacidade psicológica


de exercer a função parental, sendo uma construção, não iniciando somente
com o nascimento da criança. Ao assumir seus papéis parentais, o pai e a mãe
possibilitam a criança um desenvolvimento saudável.

Para Solis-Ponton (2004), a parentalidade é o estudo dos vínculos de


parentesco e processos psicológicos que nas relações familiares se desenvolvem,
sendo necessária preparação e aprendizagem, já que com o passar dos anos, foi se
diferenciando. Com isso, traz a assimetria das relações pais e filhos, que quando
interiorizadas, serão como referência organizadora das representações do mundo
e suas relações.

Pode-se dizer que a parentalidade organiza o pensamento dos pais diante


de si mesmos e de seus filhos, da mesma forma, como cada membro da família,
entende sua função. Pensando assim, a parentalidade corresponde a um tipo de
estrutura que se instala e evolui com o desenvolvimento do indivíduo e do grupo
familiar, sendo processo de vir a ser, de filiação e parentificação.

Conforme nos diz Houzel (2004), a designação de parentalidade, pode


ser entendida como algo que transcende ter filhos, ser genitor e ser designado
como pai ou mãe. Para alcançar a parentalidade é preciso tornar-se pai e mãe,

122
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

o que se faz por intermédio de um processo complexo, que implica níveis


conscientes e inconscientes de funcionamento mental, envolvendo elementos
como o surgimento de lembranças do passo, das relações parentais, da infância.
A parentalidade parece com uma função a ser exercida pessoalmente e não um
lugar reservado ou um estado (HURSTEL, 1999).

Conforme nos diz Wagner (2002), as novas configurações familiares


vêm apontando a desintegração da família tradicional e a reorganização dos
papéis sociais, tanto do homem como da mulher, influenciando diretamente na
organização dos papéis de pai e mãe dentro do contexto familiar.

O modelo de família organizado com base na hierarquia, regido pela


severidade de princípios, é substituído por formas diferentes de organização,
não deixando espaço para o autoritarismo do antigo pai provedor, que exercia
domínio sobre o grupo. A mulher de modo submisso realizava os afazeres da casa
e o cuidado com os filhos, como ocupação exclusiva. Embora tais transformações
repercutam na concepção de paternidade, existem ainda, no imaginário social,
marcas da estrutura tradicional (GOMES, 2004).

Segundo Osório (2002), a família é a unidade básica da interação social.


A palavra família não designa uma instituição padrão, fixa e invariável, pois ela
adota formas e mecanismos diversificados, variando conforme as distintas épocas
históricas e fatores sociopolíticos morais e psicológicos diferentes.

Cabe pensar que com essas modificações e transformações no contexto


familiar contemporâneo, abre-se espaço para construir-se e reinventar-se o papel
do pai não somente como provedor, mas também como um homem com uma nova
postura, uma paternidade que acolhe e convive com o processo de transformação,
em que o pai transita entre valores novos e arcaicos, questionando-se sobre o
distanciamento imposto por determinações culturais através de várias gerações
(GOMES, 2004).

Na contemporaneidade, muitos homens apresentam algumas dificuldades


em relação aos seus próprios sentimentos e, por vezes, no que tange à realização
efetiva do papel de pai. Por mais que a paternidade seja vivida de forma mais
intensa, a sociedade quer uma melhor atuação desse homem em relação aos seus
filhos e sua família (GOMES, 2001).

Conforme nos diz Zornig (2010): “Os arranjos familiares não dependem
somente da parentalidade, mas sim do desejo entre casais de estabelecerem
relações íntimas” (p. 455), as quais são mantidas em um espaço privado e
dependem somente do desejo de cada indivíduo. Porém, quando o casal almeja ter
filhos, o espaço público invade o espaço privado da conjugalidade, organizando e
definindo as relações de parentesco e as responsabilidades dos pais dessa criança.

123
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

DICAS

Sugestão de Curta-metragem: Vida Maria.

A narrativa de Márcio Ramos se passa no interior do sertão do nordeste brasileiro


e conta a história de três gerações de mulheres de uma mesma família.

Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4.

Compreendendo inúmeros aspectos que se relacionam com a realidade


psíquica de cada um dos pais, principalmente as transformações psíquicas que
são produzidas em cada um deles no decorrer da gestação e do pós-parto, bem
como nos cuidados parentais e nas trocas estabelecidas entre os pais e a criança.

Segundo Houzel (2004), a parentalidade distingue-se em três eixos.


O primeiro é “o exercício da parentalidade” como uma função que define e
organiza os laços de parentesco e transmissão de regras e valores de um grupo
social. O segundo é “a experiência da parentalidade”, ou seja, as modificações
psíquicas que se produzem nos pais no decorrer do processo de transição para
a parentalidade. E o terceiro é “a prática da parentalidade”, englobando todo o
campo de cuidados, como interações afetivas e fantasmáticas entre os pais e seu
filho (HOUZEL, 2004).

A família, segundo Nicoletti (2012), sempre ocupou um lugar privilegiado


no desenvolvimento humano e na história da psicanálise, em que sua função é a
de imprimir a noção de limite no ser em desenvolvimento. É no seio da família
que se desenrolam os primeiros contatos com a díade prazer-realidade, sendo,
no seu interior, que se descobre a barreira existente entre o querer e o ter, em
meio aos vínculos intersubjetivos, que se inicia a trajetória do desenvolvimento
do indivíduo. “Onde somente o pai e a mãe no contexto de uma família podem
libertar o ser humano da sua própria natureza, criando condições adequadas para
que ele possa construir seus próprios limites psíquicos e sociais” (NICOLETTI,
2012, p. 69).

As relações de paternidade e maternidade criadas mediante as intervenções


da ciência não possuem, como determinante, somente as questões biológicas
como fonte única de parentesco, considera também a importância da autonomia,
da vontade e da responsabilidade como elementos constituintes da paternidade,
que devem sobrepor-se a qualquer vínculo sanguíneo (QUEIROZ, 2001).

O vínculo nas configurações familiares é um fator importante e constituinte.


Conforme nos diz EIguer (2012), os laços entre os membros da família são muito
afetivos, e se ajudam com grande solicitude. Estar em família e vincular-se, faz

124
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

parte da constituição como pessoa, como sujeito, indivíduo e é a partir desse


aspecto e dessas configurações, que encontram suas motivações individuais. Ter
uma família é sinônimo de retorno, independente dela ser biológica ou afetiva, a
segurança, conforto e plenitude que encontram neste meio, faz com o indivíduo
tenha condições de fazer suas escolhas.

Conforme nos diz Gutfreind (2010, p. 28), “vida nenhuma começa sem
história. Sem ela, a vida não avança, não encontra duração, continuidade. É narrando
que a vida se transmite e permanece, seja nos escritos, seja na transmissão oral”.

Para Farinati (2009) ter filhos é uma parte fundamental do projeto de vida
da maioria dos casais, constituindo um passo para o alcance da maturidade e o
cumprimento de um importante papel social, ser pai e ser mãe. Quando o casal
decide ter um filho e a reprodução parece impossível, esse projeto pode tornar-se
ainda o mais importante de suas vidas, fazendo com que enfrentem os obstáculos
que surgem ao longo do processo e utilizem recursos pessoais para dar conta
dessa experiência (SOUZA, 2009).

Conforme Gutfreind (2010, p. 67): “Para sermos pai e mãe efetivamente,


precisamos estar em dia com as nossas próprias histórias. Somos pai e mãe
porque podemos transmitir raízes que geram troncos, que geram galhos, que
geram frutos. Geramos e transmitimos porque podemos contar”.

Diante disso, podemos pensar que a parentalidade, conjugalidade e


configurações familiares caminham juntas. Uma depende da outra para sustentar-se.

4 PERMANÊNCIA E/OU SAÍDA DO JOVEM ADULTO DA


CASA PATERNA
A vida é marcada por muitos processos de transformações, e com eles as
transições de fases que correspondem ao ciclo vital do desenvolvimento humano
acontecem. A primeira transição importante é do período da infância para
a adolescência, quando o corpo modifica e as mudanças que acontecem serão
significantemente importantes para a próxima fase. Em seguida, a adolescência
para a vida adulta desperta nos indivíduos sentimentos de ambiguidades, já
que vem carregada de grandes transformações, que partem desde as mudanças
corporais como também emocionais e psicológicas.

O jovem adulto é desafiado dentro de seu status ou estatuto, arriscar-se


para buscar novas possibilidades, consolidando sua identidade pessoal e social
perante a sociedade e sua família. Com esse movimento de mudança, o jovem
adulto assume sua posição atual, sinalizando o final de uma fase do ciclo vital
e início de outro, deixando a adolescência ou juventude de lado e assumindo
um lufar muito importante, que a partir desse momento, dependerá muito e
exclusivamente dele.

125
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Conforme Andrade (2010), esse momento de vida característico a todos,


basicamente requer desse indivíduo que assuma algumas responsabilidades,
dentre elas a saída do jovem adulto da casa paterna, o exercício de uma atividade
profissional, constituição de uma família, interação social e comunitária. Mas em
contraponto, existe o jovem que prolongará seus estudos, apresentando certa
dependência quanto aos cuidados por parte dos pais, instabilidade profissional que
dificulta a inserção no mercado de trabalho, como consequência, permanecendo
na casa paterna sem previsão de buscar sua autonomia.

Conforme estudos e leituras atuais, pode-se perceber que nos dias atuais é
muito comum essa forma de configuração, os extremos. Aqueles que saem muito
cedo da casa dos pais e por outro lado, os que vão ficando e por lá permanecem
(CAVALLI, 1997).

Os jovens são incentivados pelos pais a investir seu tempo e dedicação


nos estudos, pensando em um futuro de sucesso, que possibilitará grandes
realizações, tanto de pessoas, profissionais e sociais. Como consequência, a
entrada no mercado de trabalho acontecerá mais tardiamente.

A continuidade dos estudos não garante ao jovem, ascensão no mercado


de trabalho, visto que seu progresso com relação a sua carreira profissional
dependerá muito de sua força de vontade para que na prática seja visto e
reconhecido pelo trabalho exercido.

Para Cavalli (1997) em alguns países europeus é comum esse prolongamento


com relação aos estudos, um percurso extenso que provoca o afastamento do
mercado de trabalho e por consequência a dependência financeira com relação
aos pais. Algumas famílias acreditam que esse processo de dependência é
importante, já que ainda não apresentam condições econômicas de manter seus
gastos e ter qualidade de vida.

Pensando nesse processo de dependência encontra-se uma demanda


importante a ser refletida, que envolve a postura do jovem adulto que decide
muitas vezes acomodar-se no conforto da casa paterna, usufruindo de todas as
regalias que encontra, postergando para um futuro distante ou permanente, a
saída de casa.

Muitos jovens adultos já se encontram com carreiras consolidadas, com


alto grau de ascensão no mercado de trabalho, mas que por uma questão de
escolha ficam morando com os pais, decidindo não assumir um relacionamento
estável, já que com isso, precisarão assumir tantas outras responsabilidades.

Considerando o percurso histórico, nos anos 1960 e 1970, o movimento de


saída da casa dos pais era intenso, os jovens quando alcançavam a maioridade,
buscavam sua independência e autonomia, constituíam família e entravam

126
TÓPICO 2 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADULTEZ

no mercado de trabalho, a fim de ter subsídio para sua sobrevivência, alguns


estudavam em paralelo às outras necessidades principais (ANDRADE, 2010).

Nesse panorama, Guerreiro e Abrante (2004) referem que se pode


perceber que a capacitação profissional nos dias de hoje, é um fator importante
para grandes conquistas profissionais. Quando maior o conhecimento adquirido
em formações, maior será o reconhecimento. Diante de tantas tecnologias, é
importante a capacitação profissional para desempenhar bem a sua função.

Muitas famílias apoiam o jovem adulto nesse percurso acadêmico, sendo


grandes incentivadores para continuar a estudar, mesmo trabalhando. O que
pode denotar um maior controle sobre as escolhas desse jovem adulto, já que
por mais que tenha autonomia e independência profissional e financeira, está
residindo com os pais, e as opiniões podem interferir na vida desse indivíduo.

Para Andrade (2010), muitos adultos jovens tornam-se imaturos


emocionalmente, com dificuldade de expressar sua opinião e desejo com relação
as suas escolhas, apresentam dificuldade de enfrentar realidade e assumir suas
responsabilidades. Com isso, os pais assumem o papel e essa função, infantilizando
o filho e tornando-o dependente dos seus cuidados.

Conforme nos traz Nascimento (2008), os caminhos para a vida adulta


dizem respeito a assumir papéis de adulto, abrindo portas para a constituição de
uma família e para a entrada em uma carreira profissional, considerando que a
forma como esse jovem se adapta a essas muitas, influenciará na maneira como
seguirá a sua vida.

A transição para a vida adulta pode ser vista, segundo Nascimento (2008,
p. 6), “como um processo associado com passagens sociais e demográficas, tais
como: do sistema educacional para o mercado de trabalho ou da casa dos pais
para uma casa própria, para o início de uma união ou para o início da procriação”.

O período de transição para a vida adulta, remete a questões importantes


relacionadas à independência financeira, quando esse jovem adulto consegue
se manter não dependendo mais de seus pais. Mas muitas vezes, conforme
Nascimento (2008), o prolongamento dos estudos e a demora a encontrar um
emprego fixo fazem com que o jovem adulto retarde a saída da casa dos pais.

Em contraponto, a permanência do jovem adulto na casa paterna,


percebemos o movimento dos pais, que possibilitam a saída dos filhos de casa,
precisando se haver com a falta diária e com o vazio de não ter mais a companhia
do filho na rotina familiar. Para isso, Sartori e Zilberman (2008) a síndrome do
ninho vazio parece estar ligada a questões culturais, onde existe um sofrimento
instalado com a saída do filho de casa paterna, sendo necessário ressignificar esse
momento, já que por muitos anos, a família, os pais priorizaram o cuidado com
relação aos filhos.

127
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

DICAS

Sugestão de leitura: artigo sobre a Síndrome do Ninho Vazio.

https://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n3/v36n3a05.pdf.

Independente do caminho que esse jovem escolher, em permanecer ou sair


da casa dos pais, ambos implicarão um momento decisivo na vida desse sujeito, já
que será cobrado tanto pela sua família, sociedade e também por ele próprio.

DICAS

Sugestão de leitura do artigo: Geração canguru, os jovens que escolheram não


sair da casa dos pais.

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/05/politica/1496687911_980154.html.

128
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A passagem da adolescência para a vida adulta implica mudanças importantes


com relação ao estatuto do jovem adulto, entre elas, a consolidação da
identidade pessoal e social do sujeito.

• A busca por uma boa colocação no mercado de trabalho, muitas vezes, pode
ser um dispositivo para instabilidades emocionais e ansiedades, já que da
mesma forma que a sociedade pressiona para buscar esse status, o próprio
adulto também se coloca neste lugar de cobranças.

• O “ser adulto” está ligado às escolhas, responsabilidades de seus próprios


atos, decisão sobre suas crenças e estabelecimento de relações igualitárias com
os pais. Ser capaz de negociar e reconstruir um relacionamento entre pais e
filhos é um indicador de maturidade psicológica, que aponta para a conquista
da autonomia.

• Erikson acreditava que muitos dos conflitos sociais e dilemas pessoais


lembrados pelas pessoas, poderiam ser observados e antecipados, já que se
tratava de situações da vida cotidiana.

• O estágio do desenvolvimento psicossocial de Erikson, referente à vida adulta,


que acontece entre os 20 e 40 anos, denomina-se Intimidade versus Isolamento.

• Para a teoria Freudiana, esse estágio corresponde à fase genital, que ocorre a
partir dos 12 anos, onde a puberdade desperta novamente as pulsões sexuais.

• O ciclo vital da família é caracterizado por seis estágios: (1) saindo de casa, (2) o
novo casal, (3) famílias com filhos pequenos, (4) famílias com adolescentes, (5)
lançando os filhos e seguindo em frente e (6) famílias no estágio tarde de vida.

• O ciclo vital da família brasileira é mais retardado, e é descrito em quatro fases:


(1) fase de aquisição (formação da família com filhos pequenos), (2) família
com adolescentes, (3) fase madura e (4) fase última. Para ambos os autores,
cada fase possui desafios específicos do desenvolvimento individual, que
se estabelecem a partir de cada membro e também as necessidades de cada
grupo familiar.

• A pluralidade que envolve os arranjos familiares, não diz respeito somente


pela diversidade de sua configuração, mas também pelos novos desafios que
os casais enfrentam na sua caminhada pelo alcance da parentalidade, que
melhor se adapte à necessidade e desejo enquanto família.

129
• A parentalidade, conjugalidade e configurações familiares atuais, sempre serão
um campo inesgotável de conhecimento, já que a cada dia, experienciamos
novos olhares e novas formas de constituir famílias.

• A parentalidade consiste na capacidade psicológica de exercer a função


parental, sendo uma construção, não iniciando somente com o nascimento da
criança. Ao assumir seus papéis parentais, o pai e a mãe possibilitam à criança
um desenvolvimento saudável.

• As novas configurações familiares vêm apontando a desintegração da família


tradicional e a reorganização dos papéis sociais, tanto do homem como da
mulher, influenciando diretamente na organização dos papéis de pai e mãe
dentro do contexto familiar.

• A parentalidade distingue-se em três eixos. O primeiro é “o exercício da


parentalidade” como uma função que define e organiza os laços de parentesco e
transmissão de regras e valores de um grupo social. O segundo é “a experiência
da parentalidade”, ou seja, as modificações psíquicas que se produzem nos
pais no decorrer do processo de transição para a parentalidade. E o terceiro
é “a prática da parentalidade”, englobando todo o campo de cuidados, como
interações afetivas e fantasmáticas entre os pais e seu filho.

130
AUTOATIVIDADE

1 O jovem adulto é desafiado dentro de seu status ou estatuto, a arriscar-se para


buscar novas possibilidades, consolidando sua identidade pessoal e social
perante a sociedade e sua família. Com relação às transformações, neste
momento de vida, quais são os desafios enfrentados por esse jovem adulto:

I- Saída da casa paterna.


II- Competitividade mercado de trabalho.
III- Constituição de uma nova família.
IV- Escolha por uma religião para guiar seus próximos passo.

a) ( ) I, II, e IV estão corretas.


b) ( ) Todas as assertivas estão corretas.
c) ( ) I, II e III estão corretas.
d) ( ) I e III estão corretas.

2 Erikson acreditava que os seres humanos enfrentavam oito principais crises


ou conflitos durante a vida e que casa conflitos surge em um momento
específico, ditado tanto pela maturação biológica quanto pelas demandas
sociais que as pessoas em desenvolvimento devem enfrentar. Com relação
ao estágio específico o jovem adulto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Autonomia versus vergonha e dúvida.


b) ( ) Iniciativa versus culpa.
c) ( ) Identidade versus confusão de papéis.
d) ( ) Intimidade versus isolamento.

3 Com relação à parentalidade e os três eixos que a denominam, assinale a


alternativa CORRETA:

I- O primeiro é “o exercício da parentalidade” como uma função que define


e organiza os laços de parentesco e transmissão de regras e valores de um
grupo social.
II- O segundo é “a experiência da parentalidade”, ou seja, as modificações
psíquicas que se produzem nos avós no decorrer do processo de transição
para a parentalidade.
III- E o terceiro é “a prática da parentalidade”, englobando uma parte do
campo de cuidados, como interações afetivas e fantasmáticas entre os pais
e seu filho.

a) ( ) I, II e III estão corretas.


b) ( ) Somente a I está correta.
c) ( ) I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as assertivas estão incorretas.

131
4 Para Cerveny e Berthoud (2008), o ciclo vital da família brasileira é mais
retardado, e é descrito em quatro fases. Cite-as:

5 Descreva o conceito de parentalidade de acordo com o que foi estudado.

132
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! No tópico 3, nós estudaremos os aspectos biopsicossociais
que envolvem o envelhecimento e suas profundas transformações. Por isso,
iniciaremos com a apresentação de conceitos sobre o status de idoso e as
implicações psicológicas no processo do envelhecimento considerando o viés
da psicologia para embasar nosso olhar e estudos. A transição que permeia o
processo do envelhecimento é um momento de grandes transformações na vida
do idoso, mudanças importantes relacionadas à forma como esse indivíduo se
percebe e percebe seu meio.

Em seguida, estudaremos os transtornos mentais, orgânicos e demências


ligados ao processo do envelhecimento, que através do embasamento teórico,
possamos diferenciá-los, contribuindo ainda mais na construção de nosso
conhecimento. Com o passar dos anos, a maioria dos indivíduos vai perdendo
funções cognitivas importantes, podendo, muitas vezes, dificultar na autonomia
e independência de atividades diárias, necessitando de auxilia e suporte familiar
e da rede de apoio.

Na sequência, estudaremos a morte e o morrer e os aspectos que envolvem a


terminalidade. Essa temática vem sendo estudada cada dia mais, ganhando espaço
nas diferentes áreas da medicina. É necessário olhar para a morte, como forma de
valorizar a vida. Quanto mais afastados estivermos da morte, mais sofreremos.
Trabalharemos também os estágios do luto, a fim de refletirmos e entendermos mais
sobre essa caminhada que em algum momento, iremos atravessar.

E por fim, abordaremos aspectos relacionados ao suicídio e ao


envelhecimento, como forma de ampliar nosso olhar para o cuidado da saúde
mental dos idosos. Existe um crescente significativo, entre os idosos que cometem
suicídio, principalmente, no Brasil. Os fatores que levam a esse ato, são diversos,
eis alguns deles: a depressão, a falta de autonomia, sentimentos negativos e
de inferioridade e doenças terminais. Como forma de proteção e prevenção, é
necessário acolher e proteger esses idosos, sendo a família e a rede de apoio as
principais formas de acesso.

133
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

2 STATUS DE IDOSO E AS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS


NO PROCESSO DO ENVELHECIMENTO
Caro acadêmico! Dando continuidade aos nossos estudos referentes a
Unidade 2, estudaremos agora, o status do idoso e as implicações psicológicas no
processo do envelhecimento. Desejo a você ótimos estudos e reflexões.

A etapa de vida, caracterizada como velhice, está ligada a aspectos


cronológicos, biológicos, sociais e psicológicos, fortemente ligada à cultura em que
esse sujeito idoso está inserido. O olhar para o processo do envelhecimento tem
ganhado espaço e se fazendo cada mais importante. As implicações emocionais
e/ou psicológicas nesse processo, fomentam diversas pesquisas e estudos sobre a
temática e por ser ampla, não se esgota em possibilidades.

O envelhecimento se refere a um processo. A velhice é uma fase da vida.


Os idosos, por sua vez, são os indivíduos designados assim a partir de critérios
socialmente construídos. Segundo Beauvoir (1976), a velhice, assim como a morte,
costuma parecer uma realidade distante para o homem. Dessa forma, a velhice
e a morte ganham um caráter abstrato para o indivíduo por certo tempo. Talvez
seja a velhice, entre todas as realidades, aquela cuja noção puramente abstrata
mantemos durante maior lapso de tempo.

Em todo o mundo, o número de pessoas com 60 anos ou mais está


crescendo mais rapidamente do que o de qualquer outra faixa etária. A pessoa
mais velha, na maioria das vezes, é definida como idosa quando chega aos 60 anos,
independentemente de seu estado biológico, psicológico e social (BEAUVOIR, 1976).

A população de idosos tem crescido muito nos últimos anos. Nesta


perspectiva, a Organização Mundial da Saúde (World Health Organizativo –
WHO, 2005), salienta um crescente de 7,3% das pessoas com 60 anos ou mais,
entre os anos de 1980 a 2000, destes, totalizando mais de 14,5 milhões em 2000. O
Brasil, até 2025, será o sexto país em número de idosos. Estima-se que, até 2025,
120 países terão alcançado taxas de fertilidade total abaixo do nível de reposição
(média de fertilidade de 2,1 crianças por mulher). Atualmente, 70 países já
possuem taxa de fertilidade menor que o nível de reposição, sendo que em 1975
apenas 22 países possuíam esse índice (WHO, 2005).

Conforme especialistas que estudam o processo do envelhecimento,


existem três grupos que denominam pessoas mais velhas/idosas. Dentre ele: os
idosos jovens, os idosos velhos e os idosos mais velhos.

O termo “idosos jovens” geralmente se refere a pessoas de 65 a 74 anos,


que costumam estar ativas, cheias de vida e vigorosas. Os “idosos velhos”, de 75
a 84 anos, e os idosos mais velhos, “idosos mais velhos” de 85 anos ou mais, são
aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem
ter dificuldade para desempenhar algumas atividades da vida diária (PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006).

134
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

O processo de envelhecimento é uma experiência heterogênea, vivida como


uma experiência individual. Algumas pessoas, aos 60 anos, já apresentam alguma
incapacidade; outras estão cheias de vida e energia aos 85 anos (BEE, 1997).

Conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde, que é


baseada na idade cronológica, na qual a definição de idoso inicia aos 65 anos nos
países desenvolvidos e aos 60 anos nos países em desenvolvimento. No Brasil, de
acordo com o Estatuto do Idoso (2003), as pessoas com idade igual ou superior
a 60 anos são reconhecidas como idosas. Entretanto, alguns direitos como a
gratuidade no transporte coletivo público urbano e semiurbano só é concedida
aos maiores de 65 anos.

NOTA

O Estatuto do idoso vem com a finalidade de proteger e fazer valer os direitos


das pessoas idosas. Esse é o site de acesso ao estatuto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2003/l10.741.htm.

O envelhecimento não é algo determinado pela idade cronológica, mas é


consequência das experiências passadas, da forma como se vive e se administra a
própria vida no presente e de expectativas futuras. Neri (2005) faz uma integração
entre as vivências pessoais e o contexto social e cultural e nele estão envolvidos
diferentes aspectos: biológico, cronológico, psicológico e social.

Com relação à idade cronológica, referindo-se somente ao número de


anos que têm decorrido desde o nascimento da pessoa, portanto, não é um
índice de desenvolvimento biológico, psicológico e social, pois ela por si só não
causa o desenvolvimento. A idade é meramente um marcador aproximado do
processo que influencia o comportamento ao longo do tempo. Nesta mesma
direção, tem-se a idade biológica, que é definida pelas modificações corporais e
mentais que ocorrem ao longo do processo de desenvolvimento e caracterizam
o processo de envelhecimento humano, que pode ser compreendido como um
processo que se inicia antes do nascimento do indivíduo e se estende por toda a
existência humana.

Levando em consideração a idade social, Neri (2005) define pela obtenção


de hábitos e status social pelo indivíduo para o preenchimento de muitos papéis
sociais ou expectativas em relação às pessoas de sua idade, em sua cultura e em
seu grupo social. Um indivíduo pode ser mais velho ou mais jovem dependendo
de como ele se comporta dentro de uma classificação esperada para sua idade
em uma sociedade ou cultura particular. Ela também se relaciona com as idades
cronológica e psicológica.

135
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Para Neri (2005), a idade social diz respeito à avaliação do grau de


adequação de um indivíduo ao desempenho dos papéis e dos comportamentos
esperados para as pessoas de sua idade, num dado momento da história de cada
sociedade. Socialmente, pode-se inferir que a pessoa é definida como idosa a partir
do momento em que deixa o mercado de trabalho, isto é, quando se aposenta e
deixa de ser economicamente ativa. A sociedade atribui aos aposentados o rótulo
de improdutivos e inativos.

Com relação ao conceito de idade psicológica, diz respeito à relação que


existe entre a idade cronológica e às capacidades psicológicas, tais como percepção,
aprendizagem e memória, as quais prenunciam o potencial de funcionamento
futuro do indivíduo. A idade psicológica, está muito mais ligada à percepção
subjetiva da idade, dependendo muito, da forma como cada pessoa avalia a
presença ou a ausência de determinantes biológicos, sociais e psicológicos do
envelhecimento com outras pessoas de sua idade (NERI, 2005).

Saber superar as adversidades determina o nível de adaptação a mudanças


e a crises próprias do processo de envelhecimento (WHO, 2005, p. 27). “Homens
e mulheres que se preparam para a velhice e se adaptam a mudanças fazem um
melhor ajuste em sua vida depois dos 60 anos”. Estudos atuais sugerem que os
idosos podem apresentar uma imensa capacidade de se adaptar a novas situações
e de pensar estratégias que sirvam como fatores protetores.

O conceito de resiliência trabalhado por muitos autores contemporâneos,


e que vem de encontro ao que foi exposto no parágrafo acima, pode ser definido
como a capacidade de recuperação e manutenção do comportamento adaptativo,
mesmo quando ameaçado por um evento estressor. Neste sentido, podemos
caracterizar como o potencial para mudança, os fatores e eventos vividos pelos
idosos, que são indispensáveis para um envelhecimento bem-sucedido.

Nesta mesma perspectiva, Neri (2001, p. 43) refere que “a maneira como
cada indivíduo avalia em si mesmo a presença ou a ausência de marcadores
biológicos, sociais e psicológicos da idade, com base em mecanismos de
comparação sociais mediadas por normas etárias”.

Conforme nos diz Messy (1999), a Velhice não tem somente relação com a
idade cronológica, mas refere-se também a um estado de espírito. Há “velhos” de
vinte anos, como jovens de oitenta. Trata-se de uma questão de generosidade de
sentimentos, mas também de uma maneira de conservar em si, o olhar da criança
que já se foi.

O velho é o outro, em quem não nos reconhecemos. A imagem da velhice


parece uma imagem fora do espelho, imagem que nos apanha quando é antecipada
e produz uma impressão de inquietante estranheza. Aproximar-se da velhice, para
captar seu sentido, é evocar em nós, o termo da morte. Ninguém no fundo, crê na
própria morte, mesmo que inconscientemente, negamos nossa mortalidade.

136
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

O envelhecimento não é a velhice, assim como uma viagem não se reduz


a uma etapa. O envelhecimento é um processo irreversível, que se inscreve no
tempo. Começa com o nascimento e acaba com a morte do indivíduo.

A palavras envelhecimento (“vieillissement” em francês) começa com a


palavra (“vie”), que significa vida. Messy (1999), a partir dessa descrição diz que os
significados são inseparáveis, salvo se congelássemos o tempo ou se viajássemos
ao volante de uma máquina que nos permitiria retroceder nele. Envelhecemos
como vivemos, porque só realmente envelhece, quem vive e está vivo até lá.

O envelhecimento exprime ao mesmo tempo uma ideia de perda e outra


de aquisição. Na sociedade atual, a juventude é vista como aquisição e a velhice
como déficit, perda. Mas em muitas sociedades a velhice é vista como um fator
positivo, como aquele que detém o saber por todos os anos vividos, por conquistas
e pelo conhecimento prático. Isso dá uma garantia ao indivíduo em questão, olha-
se com mais dignidade e encorajamento, já que em contraponto, existe o olhar de
preconceito, de não se mais útil e incoerente com o hoje.

As atitudes sociais em relação à velhice, conforme Neri (2007), influenciam


as práticas em relação aos idosos, por sua vez, as atitudes de cada um em relação
a si mesmo, influenciam na autoavaliação de competência e valor pessoal, que
dizem respeito aos seus comportamentos. Goffman (1963) salienta como um
atributo ou uma identidade social que marca pessoas e grupos, pode ser fator
de desvalorização, independente do que foi feito por esse indivíduo até então.
A discriminação pelo critério etário afeta diretamente o status social, o bem-estar
psicológico e até mesmo a saúde física dos excluídos.

Pensando sobre o preconceito e estereótipos resultantes de falsas crenças


a respeito da competência e da produtividade dos idosos, que se apresentam com
a discriminação social por critério de idade, questões econômicas, incapazes e
improdutivos da sociedade, os idosos passam a valer menos nos processos de
trocas sociais, não tendo acesso à mesma quantidade de recursos garantidos aos
jovens e adultos capazes e produtores dos bens e serviços (MERCADANTE, 1996).

Os preconceitos apresentam-se de diversas formas, dentre eles, ainda por


serem pobres, gordos, negros, homossexuais, deficientes físicos, entre outros.
Muitos são discriminados simplesmente por serem velhos, pelo critério etário.
Mesmo aqueles que não passaram por discriminação social, poderão sofrer
alguma rejeição, simplesmente pelo fato de fazer parte de uma sociedade onde a
juventude é supervalorizada.

O artigo 27 do Estatuto do Idoso (Presidência da República, 2003),


preconiza que é vedada a discriminação por idade e que os idosos têm prioridade
em concursos públicos e na ocupação de vagas. No artigo 3° assegura absoluta
prioridade ao idoso no que tange à efetivação dos seus direitos. Como atendimento
imediato e individualizado independente de seu poder econômico.

137
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Envelhecer já não é visto como um aspecto totalmente negativo para


algumas pessoas. Algumas afirmam que envelhecer é um privilégio. Associado
a isso, Neri (2007) referência que nesse período, muitos idosos melhoram
sensivelmente suas condições, devido aos progressos nos últimos anos. Desde
1960, vem ocorrendo um aumento sem precedentes na visibilidade social dos
idosos, um dos fatores, é o próprio aumento da população idosa, levando a
uma maior preocupação das instituições sociais que os atendem, considerando
fortemente os direitos das pessoas idosas.

Na atualidade, o status de velho não segue mais o modelo de seus pais


e avós, sendo descrito como um momento satisfatório da vida. Essa construção
social é vista como positiva, sinalizando que a sociedade tem olhado para o
processo de envelhecimento, como decorrência dos anos vividos, atribuídos ao
conhecimento, experiências e não somente a questões negativas.

Mas, mesmo com essas evoluções, muitas vezes, os atributos positivos


aos idosos podem mascarar avaliações negativas e confundi-lo e também as
instituições sociais e de cuidado. Um dos prejuízos é induzir falsas crenças e criar
falsas expectativas aos idosos. Devido a isso, alguns idosos podem acreditar ter
mais problemas de ordem física, como de memória do que realmente apresenta
e sentir-se inferiorizado ou desinteressado diante de novos desafios intelectuais.
Podem acreditar ter mais disposição física e sexual do que realmente tem e
ocorrerem o risco de frustrações, de exposições ao ridículo ou de adoecimento.

Outro fator importante citado por autores dessa temática, refere-se à


naturalização do preconceito com os idosos. Diante das formas de tratamento
que aparentemente são carinhosos, mas denigrem e afetam a identidade do idoso.
Dentre elas: “velhinho”, “vovozinha”, “tia”, aparecem como forma de preconceito
velado os termos: “idade legal”, “maior idade”, “melhor idade”. Essas formas de
denominação, podem ser vistas também como rejeição à velhice.

3 TRANSTORNOS MENTAIS, ORGÂNICOS E DEMÊNCIAS


LIGADAS AO PROCESSO DO ENVELHECIMENTO
A velhice é natural e cultural, acontece da forma como cada cultura a vê
e significa. Nesta perspectiva, afirma-se que é natural e inevitável, porque todos
envelhecem. A velhice é vista como um processo comum a todos os seres vivos,
ocorrendo uma série de transformações, quanto no corpo como na mente do
indivíduo que envelhece.

A velhice é um fenômeno biológico, orgânico do ser idoso, apresentando


suas particularidades, o organismo entra em declínio e as necessidades
básicas antes realizadas pelo próprio indivíduo, precisam ser feitas por outras
pessoas, familiares e/ou cuidadores. O envelhecimento carrega por si só, uma
grande expectativa, mediante a aproximação da terminalidade e morte, onde o
crescimento e maturação chega ao seu termo.
138
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

Os cabelos brancos vão se tornando cada vez mais ralos, embranquecem, a


pele enruga, afina, fica mais frágil, perde a elasticidade, ocorre a perda da arcada
dentaria e com isso o rosto do idoso modifica. A atrofia muscular e a esclerose
das articulações provocam problemas de locomoção. Os ossos ficam mais frágeis,
esponjosos suscetíveis a fraturas, principalmente no fêmur, devido ao peso do corpo,
locomoção e acidentalmente quedas.

Existem mais fatores associados ao processo de declínio, vindo com o


envelhecimento, dentre eles, a audição, muitas vezes chegando à surdez, a visão
em que a capacidade de discriminação de eventos declina, o tato e o paladar
apresentam menos acuidade que antes.

Para Mercadante (1996), a velhice, assim como todas as condições


humanas, tem uma dimensão existencial, que é modificada na relação do
indivíduo com o mundo e com o tempo, sua relação com o mundo e com a
sua própria história. Na sociedade, o velho tem seu lugar e seu papel levando
em conta suas características comportamentais individuais, precisando se haver
com questões do processo do envelhecimento, limitações e preconceitos.

DICAS

O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – IV)


é um manual elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) desde 1953. É
utilizado por profissionais da saúde para definir como é feito o diagnóstico de transtornos
mentais. Vale a pena a leitura!

Com o avanço dos anos, o idoso se depara com muitas perdas significativas,
o surgimento das doenças, crônicas deteriorando sua saúde, a viuvez, morte de
amigos, filhos e parentes próximos, ausência de papéis sociais que o fazem se
sentir valorizado, isolamento social crescente, dificuldades financeiras que afetam
sua autoestima, podendo ser gerador de crise (HOLMES, 1997).

A forma como cada idoso reagirá aos contratempos de sua caminhada,


dependem de mecanismos internos e externos de enfrentamento. É como os
idosos enfrentarem perdas com coragem, lançando mão da criatividade para
superar os eventos mais graves, de forma a preservar sua saúde mental. Para
que esse processo de superação e enfrentamento ocorra, é necessário que ele
se sinta acolhido, compreendido, por esse motivo, familiares, amigos, pessoas
próximas e profissionais da área da saúde são importantes, já que auxiliarão esse
idoso a compreender a situação, seja qual for e resgatar seu potencial criativo,
de adaptação e superação, reestabelecendo o equilíbrio emocional, que é tão
importante nessa fase da vida (MERCADANTE, 1996).

139
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

O processo de somatização faz com o idoso transfira para o seu corpo,


suas angústias e medos. As dores do corpo, dores que são físicas associadas às
diversas perdas ao longo do caminho, provocam neste idoso, sentimento de luto.
Quanto mais os sintomas são valorizados, quanto mais espaço ocupam na psique,
menos rica e mais deteriorada torna-se sua qualidade de vida.

Alguns idosos afirmam que o corpo já não acompanha seus pensamentos


e vontades, de que a beleza antes vista, já está encoberta pelas marcas do tempo,
de que o corpo já está cansado, de que o melhor é morrer, despertando uma
sensação de estranheza, solidão e tristeza.

O corpo acaba se tornando um canal importante de descarga emocionais


para além das físicas, sendo difícil identificar em qual momento de fato se perde o
controle e muitas vezes o contato com o corpo. Muitos idosos percebem esse processo,
quando de fato adoecem, quando sentem dores físicas e com isso tendo prejuízos na
sua capacidade de funções diárias de autocuidado e criatividade em produzir.

O idoso precisa se sentir útil, independente e com sua autonomia


valorizada. Para isso é importante manter atividades que ocupem e favorecem
a criatividade desse idoso. Para isso, alguns fatores precisam ser considerados,
dentre eles:

1- O interesse pelas atividades oferecidas deve ser espontâneo e não imposto ao


idoso, levando em consideração o que é melhor para ele.
2- Quem decide sobre o tempo dedicado a atividades propostas é o idoso, bem
como o horário, já que é ele que deve ser o responsável por organizar seu tempo
em afazeres e tempo livre.
3- As atividades propostas ao idoso, devem explorar a criatividade, capacidade de
resolver e enfrentar os problemas. Trabalhar com estratégias de enfrentamento
é uma ótima oportunidade para a autovalorização e autocuidado.
4- As atividades propostas devem favorecer vínculos interações sociais positivas
e construtivas.
5- Favorecer sempre a participação ativa do idoso em todas as atividades
propostas a ele, dessa forma, será um momento prazeroso e produtivo.

DICAS

Existem universidades que criaram cursos de graduação e especialização para


idosos, você sabia?

Aqui segue o site de um programa criado, chamado UNITI – Universidade da
Terceira Idade. Disponível em: https://www.unoesc.edu.br/portal/uniti-umic.

140
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

Os idosos têm em si um enorme potencial para superar as crises,


principalmente as que envolvem a idade e suas limitações, através da experiência
de vida aprendeu a adaptar-se melhor às situações difíceis. É necessário instigar
nesse idoso, a busca da sua bagagem de vida, recursos para enfrentar esse
momento de crise, com o objetivo de alcançar individualmente a satisfação plena
desse momento e etapa de vida. Quanto mais responsável ele se sentir acerca de
aspectos que envolvem sua vida e caminhada, mais qualidade de vida e equilíbrio
emocional encontrará.

O trabalho para estimular esse idoso quanto a sua autonomia e


autocuidado são imprescindíveis, mas que não garantem que ele não passe por
situações esperadas para essa idade. As demências, problemas de ordem orgânica
e emocional são evidenciados. A partir de agora destacaremos as comorbidades
mais comuns encontradas em idosos.

Os transtornos mentais orgânicos envolvem problemas fisiológicos


do cérebro, como a deterioração, morte ou mau funcionamento de células
cerebrais. Os sintomas de transtornos mentais orgânicos envolvem a perda de
funções cognitivas, como memória, e a perda muscular. Os sintomas associados
aos transtornos mentais orgânicos é a demência. Ela refere-se a uma perda
organicamente causada de habilidades intelectuais suficientemente grandes para
interferir no funcionamento social e ocupacional do indivíduo. Mas maior parte
dos casos, envolvem declínio com relação à memória, julgamento, habilidade de
raciocínio abstrato e outras funções intelectuais superiores (HOLMES,1997).

Para o autor supracitado, a demência influencia muitas habilidades, mas


o problema principal parece ser com a memória e o seu declínio, que pode ser
responsável por grande parte dos declínios em outras habilidades. Os idosos que
são acometidos por demências, inicialmente podem apresentar dificuldade para
recordar de coisas simples, como nomes, números de telefones e/ou uma sequência
pequena de números. Muitas vezes, essa dificuldade em lembrar, pode ocasionar em
repetições em conversações, quando repete a mesma frase por diversas vezes, sem
se dar conta. Com o tempo, a perda da memória acaba por influenciar nos hábitos
pessoais e de higiene, quando o idoso não lembra o que fazer.

Nos estágios mais avançados, conforme nos diz Mercadante (1996), os


idosos podem não lembrar de eventos marcados em sua vida, como nascimentos,
casamento, mortes, não reconhecendo familiares e muitas vezes perdendo o senso
de localização dentro de sua própria casa.

Umas das ferramentas e estratégias de enfrentamento com indivíduos


acometidos por demências, são as anotações de sua rotina, cuidados e afazeres, já
que somente a memória não lhe auxiliaria para desempenhar tudo o que deseja.

Em alguns casos, as demências podem provocar mudanças com relação


à personalidade e/ou temperamento do indivíduo. Isso pode acontecer devido
à perda do controle com relação aos eventos que acontecem ao seu redor,

141
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

provocando sentimentos de raiva, irritabilidade, que são difíceis de manejar.


Algumas pessoas acabam por se isolar, acreditando que assim, irão dar menos
trabalho aos familiares e/ou cuidadores.

A demência tem caráter progressivo em seu curso, mas mesmo assim,


a velocidade quanto ao declino das habilidades e funções cognitivas são
individuais. Alguns indivíduos apresentam declínio bastante lento, enquanto
outros declinam rapidamente.

Além disso, algumas demências apresentam maior grau de declínio que


outras. A doença de Alzheimer envolve uma deterioração progressiva do cérebro,
em que o declínio da memória e de habilidade cognitivas são mais suaves. Os
distúrbios, como multienfartes, que envolvem diversos derrames que matam
diferentes partes do cérebro em momentos diferentes, acarretam prejuízos
específicos nas habilidades afetadas.

Com relação ao declínio envolvendo as demências, se ele iniciar antes dos


65 anos, ele é conhecido como demência pré-senil, mas se ela iniciar após os 65 anos,
é conhecida como demência senil. É importante o olhar da família principalmente
quando o início for precoce, podendo estar associado à probabilidade de que os
parentes biológicos também sofrerão do transtorno.

A demência primária diz do declínio no funcionamento intelectual


devido a um distúrbio orgânico do cérebro, já a demência secundária refere-se a
um declínio no funcionamento intelectual decorrente de algum outro transtorno,
por exemplo, o declínio em habilidades devido à doença de Alzheimer, que
se refere à demência primária, já os declínios associados à depressão, são de
demências secundárias.

Conforme nos diz Holmes (1997), no passado, os transtornos mentais


orgânicos foram considerados como distintamente diferentes de outros transtornos
mentais como a ansiedade, depressão e esquizofrenia. Muito porque, pensava-se
que os transtornos orgânicos se originavam de causas psicológicas, quanto outros
transtornos, era de origem fisiológica. Ambos os tipos de transtornos, podem ter
uma base orgânica, mas, na maioria dos casos, a causa principal dos transtornos
mentais orgânicos é uma deterioração do cérebro, quanto à principal causa de
outros transtornos é em geral, uma disfunção do cérebro.

Entre os transtornos mais conhecido e que acometem idosos e que serão


descritos a seguir, encontram-se: Alzheimer, Parkinson, Pseudodemências e
Depressão.

O Alzheimer é uma doença neurológica e degenerativa, lenta e progressiva


manifestando-se após os 50 anos. A pessoa acometida apresenta dificuldade em
memorizar, decidir, agir, locomover-se, comunicar-se e alimenta-se, até atingir o
estado vegetativo. É de difícil diagnóstico, principalmente na fase inicial, podendo

142
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

ser confundida com outros quadros – arteriosclerose. Estatísticas mostram que


10% da população maior de 65 anos são atingidos por algum tipo de demência
– desses, 60% estão com Alzheimer. As características comuns do quadro são
a desorganização, esquecimento, depressão e agressividade. A depressão e a
agressividade são comuns na fase inicial – quando o sujeito ainda está consciente.
A família, muitas vezes, apresenta dificuldade em aceitar o diagnóstico de
Alzheimer, ficam com vergonha de terem uma pessoa com tal demência na
família. Outros apresentam uma reação negativa – imaginam seu futuro ao olhar
para os pais acometidos – muitos se recusam a ver os pais (HOLMES, 1997).

É muito importante a família buscar informações, a fim de diminuir os


medos e também o próprio preconceito com relação à doença e também com
relação ao idoso. Com relação aos cuidadores é imprescindível a manutenção
da rotina e cuidados, com o objetivo de proporcionar um ambiente seguro,
além de estimular os hábitos de higiene, autocuidado, alimentação, exercícios
físicos (HOLMES, 1997). Para além disso e complementando esses cuidados, é
importante estimular o sujeito à vida, dando afeto e carinho.

DICAS

A história de “Diário de uma paixão” (“The notebook”, no título original) começa


com dois idosos, um homem e uma mulher, em um asilo. Ele está ali voluntariamente e
relativamente bem com sua saúde, enquanto ela é uma interna e tem um quadro grave:
Alzheimer. A doença neurodegenerativa compromete as funções cognitivas, causando
perda de memória, atenção, orientação e linguagem. Tudo isso afeta as relações sociais, o
comportamento e a personalidade do paciente. Vale a pena assistir.

O Parkinson é uma doença degenerativa do Sistema Nervoso Central


– SNC, progressiva e idiopática (manifesta-se subitamente sem ter dado sinais
anteriores). É uma doença limitante que traz, grandes estigmas, o principal dele,
são os tremores crescentes, que dificultando a aceitação dele, da família e amigos.
Da mesma forma que o Alzheimer, a doença de Parkinson é uma enfermidade
a ser relativamente controlada mediante tratamento médico, fisioterápico e
estimulação biopsicossocial (HOLMES, 1997).

Para Mercadante (1996) as principais características se apresentam


através da rigidez muscular e articular, tremor de repouso e lentidão para falar,
caminhar e pensar, instabilidade postural e rigidez facial, dificulta a locomoção,
afeta a capacidade de alimentar-se e motricidade fina, dificuldade para realizar
atividades do dia a dia, como segurar objetos.

143
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Como forma de diminuir os impactos na vida do idoso e familiares é


importante a conscientização do paciente a respeito da doença, possibilitando
autonomia e independência, estimulando a memória, ginástica funcional,
alongamentos, exercícios para liberação de articulações que estimulem o ritmo,
a coordenação motora e a marcha. A manutenção da rotina é importante, bem
como a aproximação, cuidado e empatia de todos que o cercam.

A pseudodemência refere-se aos quadros de variados graus de perda


cognitiva secundários a depressão. Pessoas institucionalizadas por longos anos, não
estimuladas, fora do contexto social, sem contato com a realidade externa, podem
apresentar perdas cognitivas importantes, simulando um quadro demencial, sem
estarem necessariamente deprimidas. Além da depressão, outras situações podem
simular um quadro de demência – falta de estimulação – comportam-se como
dementes para punir a família. Idosos internados em instituições, hospitalizados
ou desnutridos podem apresentar sinais de demência. O excesso de medicação
ou remédios inadequados também podem provocar sintomas de demência. As
cirurgias cardíacas, por exemplo, podem desencadear sintomas de demência
devido à depressão e ao isolamento por estarem internados em CTIs, no qual
podem provocar confusão, medo e problemas de identidade (HOLMES, 1997).

Enquanto papel da família, é importante a estimulação, socialização


e resgate da vontade de viver e de mudar, que através da afetividade, ele
possa receber o que vem como uma necessidade básica de todo indivíduo,
independentemente da idade e condição de vida, que é o carinho, afeto e atenção.

A depressão na velhice está ligada a perdas, doenças, carências e aspectos


sociais. A depressão traz alguns efeitos que prejudicam a vida do idoso. Dentre
eles, os impactos Intelectuais, apresentando-se como transtornos de memória,
que dificultam a aprendizagem. O social que gera o afastamento, isolamento,
perda do status e abandono. E o somático que acarreta em problemas cardíacos,
pulmonares e gastrointestinais (MERCADANTE, 1996).

Os principais sintomas da depressão são a tristeza, falta de motivação,


desânimo, perturbações do sono, perturbações na vontade, desinteresse, perda
de apetite, somatização, dores físicas, irritabilidade, dificuldade de concentração,
perda do gosto pela vida, com risco suicida. A depressão pode surgir pela
ingestão de alguns medicamentos, provocada por doenças físicas e cerebrais, ou
ainda, desencadeadas por fatores sociais, perda de pessoas queridas, negligencia
consigo e com as pessoas próximas (MERCADANTE, 1996).

As pessoas vão se acomodando, diminuem os autocuidados e a autoestima,


preferem o isolamento e como consequência a depressão. Grande número de idosos
sofrem de depressão e fazem uso de medicação antidepressivas. Mas como uma
forma de estimular esse idoso acometido por essa doença, resgatando a criatividade
e a vontade de viver é através de jogos, jogo da memória, passeios, discussões, leitura
e conversas com o objetivo de aumentar a autoestima, organização da vida e rotina,
resgatar aspectos positivos, descobrir atividades prazerosas, recuperar e desenvolver
novos relacionamentos (MERCADANTE, 1996).

144
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

É importante olhar de forma individual para cada idoso, considerando


suas particularidades e desejos, dessa forma, prove-se saúde mental e qualidade
de vida. Trabalhar preventivamente é um fator importante tato para famílias,
como para profissionais da área da saúde.

4 MORTE E O MORRER: ASPECTOS QUE ENVOLVEM A


TERMINALIDADE
Seja pelo sim, ou seja pelo não, o medo da morte, é, sem dúvida, um
sentimento que a maioria das pessoas não consegue suportar. Vivemos uma vida
na qual a morte é negada. Mesmo assim, assistimos a noticiários, vemos filmes,
seminários que tratam sobre a morte, é difícil de olharmos sem que internamente
não nos sentimos tocados ou angustiados por isso.

No século XXI, a morte ainda é vista, na área da saúde, como tabu, insucesso
e até incompetência profissional. O grande desenvolvimento da medicina
permitiu a cura de várias doenças e o prolongamento da vida. Entretanto, esse
desenvolvimento pode levar ao impasse quando se trata de buscar a cura e salvar
uma vida, com todo o empenho possível, num contexto de missão impossível:
manter uma vida na qual a morte já está presente.

A morte faz parte do desenvolvimento humano desde o seu nascimento,


acompanhando o ser humano em todo o seu ciclo vital. Vários questionamentos,
discussões e reflexões são realizadas entre os profissionais da saúde e sociedade
em geral, com a intenção de preparar as pessoas para esse fato tão presente na
existência. Nesse sentido, as discussões sobre o tema morte e o processo de morrer
nas instituições hospitalares e também no âmbito familiar e ao próprio doente e/
ou idoso, são de fundamental importância para diminuir os dilemas éticos nas
relações do cuidado.

Segundo Baudrillard (1996), a imagem da morte tem acompanhado o


existir humano desde os primórdios, levando a um enorme vazio diante da vida.
A morte, porém, nunca deve ser entendida como experiência real do sujeito ou
de um corpo, mas, eventualmente, como forma de relação social na qual se perde
a determinação do sujeito e do valor.

Para Pessini (2001), no processo da terminalidade do ser humano, precisa


ser considerada não a quantidade de vida que resta à pessoa, mas a sua qualidade.
Uma das situações críticas do cuidado da vida é quando ela é marcada por dor e
sofrimento intoleráveis e sem perspectivas, provocados por determinada doença
séria de características mortais. Esse é um dos motivos pelos quais, muitas
vezes, a opção pela eutanásia torna-se atrativa no sentido de abreviar a vida
intencionalmente por causa da dor e do sofrimento.

145
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

O cuidado da dor e do sofrimento é a chave para o resgate da dignidade do


ser humano nesse contexto crítico, e é um dos objetivos da medicina desde tempos
imemoriais. A problemática da dor e do sofrimento não é pura e simplesmente
uma questão técnica; para, além disso, é uma das questões éticas contemporâneas
de primeira grandeza e que precisa ser vista e enfrentada nas suas dimensões
física, psíquica, social e espiritual (PESSINI, 2001).

O autor supracitado diz que a dor pode ser definida como uma perturbação
da sensação do corpo. O sofrimento pode ser definido, no caso de doença, como um
sentimento de angústia, vulnerabilidade, perda de controle e ameaça da integridade do
eu. “Pode existir dor sem sofrimento e sofrimento sem dor”.

Negar a morte significa jamais permitir a nós mesmos, o confronto


com a ansiedade provocada por visões dessa última separação. Negar a morte
facilita a caminhada através dos dias e das noites sem que pensemos no abismo
aos nossos pés. Mas ao mesmo tempo, negar a morte, empobrece a nossa vida,
assim como diz Freud.

Como diz John A. Wheller: “A vida sem a morte não tem sentido... um
quadro sem moldura”. Ao nos depararmos com a morte, temos a possibilidade
de olhar mais para a nossa vida. A morte deveria ser parte da expectativa de vida,
aproveitar os momentos de forma intensa e pulsante (VIORST, 1988).

Para Viorst (1988) é difícil encarar nossa própria morte sem ficarmos
apavorados. O medo do aniquilamento e do não ser, o medo de ir rumo ao
desconhecido, medo de uma vida depois desta em que vamos pagar pelos nossos
pecados, medo de ficar sozinhos e desamparados. Muitos temem a agonia de
uma doença terminal e têm medo de morrer e não da morte. Mas esse é um
fator importante, já que levamos dentro de nós, durante toda a vida, o medo
do abandono.

Os tabus sobre a morte impedem de falar sobre ela. Elisabeth Kübler-


Ross (2005), em seu livro “Sobre a morte e morrer”, incentiva a abrir-se o
diálogo com doentes terminais. Ela descreve um enorme alívio dos pacientes
que estão morrendo, quando são convidados a compartilhar seus temores e suas
necessidades de escuta e de fala. Com isso, ela elabora a partir de cinco estágios,
uma jornada em que os pacientes podem falar sobre a morte e suas expectativas,
seus medos.

1° Estágio – A negação: é a primeira resposta à notícia de uma doença falar. “Não


pode ser”.
2° Estágio – A raiva: ela é direcionada contra os médicos, contra o destino e a
inveja dos que não estão morrendo, vêm em seguida, com a clássica pergunta:
“Por que eu?”.
3° Estágio – A negociação: é a terceira resposta, vem como uma tentativa de adiar
o inevitável, promessas em troca de mais algum tempo.

146
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

4° Estágio – A depressão: é o sentimento de pesar pelas perdas do passado e pela


grande perda que se aproxima. Para alguns, a necessidade de uma lamentação
preparatória para a própria morte, consistindo em juntar-se à morte e ficar triste.
5° Estágio – A aceitação: é o estágio final, “não deve ser considerada” como diz
Kübler- Ross, “como uma fase feliz”. É quase “isenta de sentimento”, parece ser
um tempo onde a luta pela vida, já terminou. Quando as pessoas são ajudadas
na passagem pelos estágios anteriores, não mais ficam deprimidas, invejosas,
zangadas ou inconformadas, mas contemplam o fim próximo, “com certo grau
de tranquilidade”.

Pensando ainda sobre os cinco estágios da jornada para a morte, nem


todas as pessoas passam por todos esses estágios obrigatoriamente. Algumas
pessoas, vão apegar-se mais à negação da morte, até o fim de suas vidas.

Estar disposto a aproximar-se da morte, é que se compreende sua


complexidade e ao mesmo tempo sutileza. Pode ser silêncio, conversa, liberdade
para chorar ou ter acessos de raiva, o toque das mãos numa comunicação sem
palavras. Podem precisar, e geralmente precisam ser cuidados. Fazer-se acessível
para ser usado por eles como desejam usar, mas sem ensinar como morrer.
Estar lá e se prestar atenção, para além de ensinar e ajudar, aprende-se muito
(VIORST, 1988).

A consciência sobre a morte, é subjetiva, individual. Se ela fosse aceita


realmente, como única forma adequada de viver, e se a vida, em todas as suas
manifestações fosse integrada, incluindo a morte de forma natural e toda a tristeza
do fim do caminho, aprenderíamos que a morte é um curso de vida.

Nem todas as pessoas terão a possibilidade de refletir sobre a própria


morte quando estiverem morrendo. Acidentes e doenças levam muitas vidas
instantaneamente. Nem todos desejarão refletir sobre a morte quando estiverem
morrendo. Muitos vão preferir não estar ali psicologicamente quando o momento
e a hora chegar.

Para Oliveira e Lopes (2008), renegar a velhice está ligada à não aceitação
de corpos que evidenciem a marca dos anos, os quais são o oposto do idealizado
padrão jovem no modelo social atual, todavia, a velhice é a fase que mais se
aproxima da morte. A morte é algo relegado a um segundo plano, a não ser
discutido, como se isso pudesse evitá-la. Diante disso, e desse distanciamento da
morte, o luto deixou de ser valorizado.

O luto pode ser definido conforme Zimerman (2005) como um conjunto


de reações diante da perda, que necessita ser devidamente valorizado e
acompanhado, como parte da saúde emocional. O luto é um acontecimento vital
mais grave que a maior parte de nós podemos experienciar. “O luto é um processo
de aperceber-se, de tornar real o fato da perda” (ZIMERMAN, 2005, p.199).

147
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Conforme nos diz Oliveira e Lopes (2008), o luto é a fase de expressão dos
sentimentos decorrentes da perda, podendo ser manifestados através do choque
com a notícia, desejo, desorganização e organização. É uma fase aonde aprende-se
que a morte deve ser tomada como real, não tendo data para terminar, podendo
durar meses e anos ou nunca mais acabar.

Pensando nesta perspectiva, o luto bem-elaborado faz com que a pessoa


enlutada, consiga de alguma forma, manifestar seus sentimentos e passar por esse
momento com maior consciência sobre a perda, morte ou terminalidade. Cada
fase do luto é importante ser vivida, para que exista o processo de aceitação e
ressignificação da vida e também lembranças dos momentos vividos com menos
dor e/ou sofrimento.

Para o idoso, o processo de luto pode acarretar alguns distúrbios, dentre


alguns deles o sono, alimentação, manifestações somáticas, como falta de ar, dores
do peito, apatia, inapetência e crises de ansiedade. No idoso é comum surgirem
quadros depressivos, desânimo, sentimento de culpa e impotência frente à morte,
seja do cônjuge ou de um filho. Muitos acabam se isolando do resto da família,
deixando-se morrer aos poucos, devido à dificuldade de dar e receber afeto.

A morte e o morrer para Zimerman (2005) são duas palavras que as


pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais algumas pessoas
procuram não pensar. A dificuldade de conviver e de trabalhar com a ideia da
morte, impede sua elaboração e também a forma com que se lida com as perdas
que ocorrem inevitavelmente ao longo da vida.

O mesmo autor segue trazendo analogias acerca da morte, dentre elas: o


dia morre para nascer a noite; a flor morre para nascer o fruto. As etapas da vida
vão se encerrando para dar lugar a outras que vão iniciando, nascendo.

A morte pode ser entendida através de muitas definições, conforme


algumas literaturas e também no dicionário da língua portuguesa, a morte se
relacionam com: perder a vida, falecer, finar-se, perder a cor e o vigor, interromper-
se. Para o termo morrer, algumas definições são: ficar no esquecimento, perder a
eficácia, perder o movimento, perder o brilho, parar de funcionar.

Culturalmente, pensar no fim da vida é um fator que desperta em


algumas pessoas o medo, em outras, curiosidade e possibilidade de reflexão,
tudo dependerá de como se encara e se vive a vida diariamente. Quanto mais
intensamente se vive, mais se pensa na morte. Os momentos são apreciados com
maior vigor e qualidade, já que nunca teremos a certeza da chegada da morte,
da terminalidade.

148
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

A morte é o término da vida física, biológica, mas não necessariamente o


fim. Morremos aos poucos, a cada dia, enfrentamos lutos diários, morrer é algo
que está presente no dia a dia de todos nós. Conforme Zimerman (2005) não
morremos, continuamos existindo naquilo que fizemos, no legado que deixamos,
através de nossas ideias, ideais, herança afetiva e atitudes. O corpo físico acaba,
mas não o Eu. Ele diz que morre bem, para quem viveu bem.

A morte ou então a dificuldade em lidar com a morte, não está relacionada


tão somente com o sexo, inteligência, condição social, formação intelectual,
moral e/ou religiosa. As pessoas com maior dificuldade em elaborar aspectos
que envolvem a morte, são aquelas que em vida não conseguiram estabelecer
um bom relacionamento com o ente querido. Muitas vezes, as que choram e se
desesperam mais nos enterros dos pais, são os filhos que se sentem culpados por
não terem dado afeto e feito o que podiam pelos pais quando eles eram vivos
(ZIMERMAN, 2005).

Esses sentimentos manifestados no momento da perda, precisam ser


elaborados. O desespero ganha espaço e nesse sentido, fica difícil de organizar
os pensamentos e todas as demandas que surgiram a partir desse evento. Mais
uma vez, fica evidente que é importante pensar e também falar sobre a morte,
aproveitar os momentos vividos cercados de afetos, para que essas lembranças
sejam realmente mais intensas que o sentimento de culpa, que em algum momento
poderá emergir com todos o sofrimento da perda.

A vida do ser humano é feita de possibilidades, escolhas, concepções de


mundo, mas tem limites. Ela se constrói e se desenvolve ao longo dos anos, porém
sempre está presente a noção de finitude. É necessário mostrar que o ser humano
precisa ter consciência e compreensão de sua finitude. Isso também é pertinente
aos pacientes idosos quando cuidados pelos profissionais. Essa reflexão sobre o
processo de morte e morrer, suas possibilidades e alguns aspectos éticos permitirá
debates sobre a existência humana, a utilização de tecnologias que prolonguem
a vida, bem como os limites e possibilidades das terapêuticas utilizadas no setor
de saúde.

NTE
INTERESSA

Como indicação de leitura: Livro de Ana Claudia Quintana Arantes, intitulado:


“A morte é um dia que vale a pena viver: e um excelente motivo para se buscar um novo
olhar para a vida”. Vai valer muito a pena. Por esse motivo, desejamos boa leitura!

149
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

5 SUICÍDIO E O ENVELHECIMENTO
Segundo a World Health Organization (WHO, 2014), o suicídio vitima
cerca de um milhão de pessoas no mundo por ano. Para a OMS, a violência
autodirigida se manifesta de duas formas: no comportamento suicida (por meio
de pensamentos, tentativa e pelo suicídio consumado) e por meio de atos violentos
provocados contra a própria pessoa, como é o caso das automutilações.

O suicídio entre pessoas idosas constitui hoje um grave problema para


as sociedades das mais diversas partes do mundo. No Brasil, tem aumentado
significativamente. Com o aumento da expectativa de vida, a população idosa
ganha cada vez mais espaço, tanto no critério de qualidade de vida, como também
em direitos de forma em geral.

Somente ter expectativa de vida longa não garante qualidade de dias


vividos. Muitos idosos são negligenciados, abandonados física e afetivamente por
seus familiares, desencadeando fatores de risco para esses indivíduos. As doenças
mais comuns entre idosos têm aumento muito nos últimos anos, necessitando
dessa forma, intervenções médicas, psicológicas e também de uma postura mais
efetiva da família, para dar o suporte que esse idoso necessita.

A respeito das tentativas de suicídio, geralmente são mais efetivas, do


que aquelas praticadas por jovens, por exemplo. O ato de falar menos sobre seus
pensamentos e emoções, faz com o idoso guarde para si aquilo que sente e muitas
vezes os pensamentos e o próprio planejamento com relação ao suicídio passam
longe do olhar da família. Conforme a WHO (2014), as taxas maiores de suicídio
são em poluções acima de 70 anos, independente do gênero, com quase 75% de
assertividade já na primeira tentativa. Esses números são alarmantes, mas que de
fato, mostram a realidade acerca do suicídio na população idosa.

Mesmo com tantas informações, campanhas de conscientização com


relação ao suicídio, ainda assim é necessário o cuidado constante por parte da
família. O olhar voltado para aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais
precisa ser considerado, principalmente quando existe pensamento suicida, afim
de trabalhar de forma protetiva com relação à saúde e integridade do idoso.

Os fatores considerados de risco com relação ao suicídio envolvem


maus-tratos, traumas da infância que se tornam mais evidentes nessa fase de
vida, doenças que aparecem com o passar dos anos e características da idade, o
isolamento social, sintomas depressivos e ansiosos, questão financeira, autonomia
e independência, vínculos familiares e rede de apoio fragilizada e vulnerável,
colocando esse idoso em situação de risco.

Segundo a WHO (2014), todos os anos um milhão de pessoas morrem por


suicídio, sendo que no Brasil, a cada uma hora, ocorre pelo menos um suicídio.
Nesta perspectiva, o cuidado com relação à saúde mental e física do idoso, tem

150
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

se tornado um problema de saúde em todos o mundo. Muitos apresentam uma


maior intenção de morrer, utilizando o discurso de que já não servem mais, que
já não fazem falta. Os meios pelos quais realizam o ato, é com a premeditação
do suicídio, o uso de métodos letais, como arma de fogo, medicação em excesso,
veneno. Muitas vezes, a fragilidade do corpo físico do idoso, favorece no ato e
também em uma chance de vida.

O envelhecimento da população mundial tem sido acompanhado por


um aumento na prevalência de doenças mentais, sendo caracterizada como fator
importante para a morbidade entre idosos. Kaplan e Sadoch (2007) referem que
25% da população idosa em geral, apresenta sintomas psiquiátricos significativos.
No Brasil, estima-se que 40% dos idosos atendidos nas emergências psiquiátricas
apresentam diagnóstico de transtorno de humor, depressivo e/ou ansioso.

O uso de medicação psiquiátrica também é comum entre a população


idosa, o que é outro fator de risco quando não há supervisão de familiares,
cuidadores e/ou rede de apoio. A automedicação favorece a esse idoso, para além
do pensamento e planejamento, a efetividade do ato. A maioria dos idosos que
apresentam tentativas ou de fato cometem o suicídio, sofre de depressão, quando
alguns já vinham de alguma forma, expressando seu desejo em morrer, já outros,
se fosse percebido a tempo e tendo o suporte familiar e profissional, recebendo o
tratamento adequado, poderiam ser evitadas.

As dores crônicas também são vistas como um fator que coloca em risco, a
vida dos idosos. Os comportamentos suicidas podem ser percebidos na população
idosa, três vezes mais, comparado à população em geral, no que se refere às dores
crônicas. Para além da dor, o comprometido físico e neurológico, a angústia e as
percepções negativas de sua própria saúde, podem aumentar o risco com relação
ao suicídio (KAPLAN; SADOCH, 2007).

Outro fator importante a ser considerado são os acidentes que


impossibilitam a autonomia e independência desse idoso, exposição a algum
trauma, problemas de saúde, como câncer, amputações, demências, declínio
cognitivo, sentimento de ser um peso para os familiares, podem acarretar um
fator importante de risco.

A perda de um ente querido, cônjuge, filhos e amigos, sentir-se sozinho


e sem suporte social, a aposentadoria, podem ser fatores que contribuem para o
isolamento social. O suporte social que engloba as redes de serviços e instituições
pelos idosos referenciados, tem papel importante, preventivo e protetivo a saúde
do idoso. Muitas vezes, no ambiente familiar, o idoso devido a conflitos, brigas,
mágoas, não se sente acolhido e escutado, buscando auxilio de profissionais da
área da saúde e assistência, o cuidado e o suporte adequado. Com isso, diminui
significativamente a prevalência da ideação e planejamento suicida, reverberando
o autocuidado, saúde e bem-estar (KAPLAN; SADOCH, 2007).

151
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Quando o idoso percebe que sua saúde física, mental e funcional está ruim
e sem perspectiva de melhora, começa a pensar que sua vida já não vale mais a
pena de ser vivida, considerando o suicídio como uma escolha de forma racional
e consciente. Essa falta de perspectiva de melhora, pode provocar no idoso um
início, recorrência e também recaída de um quadro depressivo, que potencializa
ainda mais, com os pensamentos e sentimentos negativos.

Paciente em fase terminal, que já está em processo de cuidados paliativos,


sente-se vulnerável e sem esperança de melhora, associado ao sentimento de ser
um peso para seus familiares e cuidadores. Com isso, o risco de suicídio é maior,
principalmente, se já existem casos de suicídio na família. Neste mesmo caminho,
percebemos que muitos idosos se deixam morrer, tamanho é o sentimento de
angústia e tristeza. Na Holanda, Suécia e alguns países norte-americanos, para
diminuir a dor e sofrimento de pacientes terminais, dando a este a opção de escolha
em viver menos tempo com qualidade de vida, é legalizado a suicídio assistido
(KAPLAN; SADOCH, 2007).

Pensando em estratégias para prevenção do suicídio, cada país, estado


e região deve considerar questões econômicas, culturais e sociais, atreladas às
problemáticas existentes. A prevenção precisa ser pensada e desenvolvida de
forma multifatorial, envolvendo não só o setor de saúde, mas também setores da
educação, serviço social, judiciário, legislativo, entre outros (WHO, 2014).

A abordagem eficaz para a prevenção do suicídio na população idosa,


primeiramente deve ser multidisciplinar e coletiva, para que em segundo momento,
se pense em uma abordagem individualizada, em que serão considerados
diagnósticos baseados nos fatores de risco e também nos fatores protetores de
cada um envolvido no processo de cuidado. Conhecer a necessidade básica de
cada um, por exemplo, multicausalidade, fatores biológicos, sociais, psicológicos
e culturais que podem vir a determinar o pensamento suicida, mas para além
disso, precisamos identificar nesse grupo, fatores protetores, que promovem
saúde e bem-estar psicológico e social ligados ao ambiente familiar, cultural e
religioso, em que estão inseridos (KAPLAN; SADOCH, 2007).

O acolhimento desse idoso na atenção primária é fundamental. Mesmo


com a descentralização, atendimento prioritário e especializado, ainda no
Brasil, é oferecido pouco acesso a profissionais médicos e demais áreas, nessa
especialidade, em que se deve desenvolver a capacidade de manejo de pacientes
em risco no setor primário de atendimento, envolvendo profissionais da saúde
que não são especialistas (WHO, 2014).

Os médicos da atenção primária são os profissionais com mais contato


com a população idosa, já que buscam o UBS de seus respectivos municípios para
o atendimento de suas enfermidades, entre elas, a depressão. Muitos idosos não
buscam e não se sentem confortáveis em ser atendidos por médicos psiquiatras,
e por escolha e vínculo, desejam ser atendidos e acolhidos pelo seu médico
de referência.

152
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

O trabalho da equipe multiprofissional composta por médicos, assistentes


sociais, nutricionistas, psicólogos educadores físicos, terapeutas ocupacionais,
fisioterapeutas, entre outros, contribuem para o cuidado integral do idoso, levando
em consideração ações que vão de encontro com a necessidade de cada um e
também expectativas individuais. Para além do cuidado individual, os grupos de
apoio, grupos terapêuticos, artesanatos, atividades físicas, promovem bem-estar
e qualidade de vida, além de proporcionar um sentimento de pertencimento a
um grupo social, evitando assim, o isolamento, que podem desencadear fatores
de risco para o suicídio (KAPLAN; SADOCH, 2007).

O plano terapêutico de atendimento ao paciente idoso, precisa ser


avaliado pela equipe de referência, considerando a necessidade e periodicidade
do tratamento, entendo que quanto mais suporte esse indivíduo receber, mais
confiantes e seguro ficará.

Os pensamentos de morte precisam ser avaliados pela equipe, a fim de


entender quanto esses pensamentos são patológicos, e refletem de fato o desejo
de morrer, ideações suicidas ou uma eminente intenção de cometer o suicídio,
ou se fazer parte de uma fase adaptativa de vida do idoso, carregada de grandes
mudanças, devido ao processo do envelhecimento.

Um fator importante a ser considerado, é que nem sempre o idoso fala


sobre seus pensamentos suicidas de forma voluntária, devendo ser questionado
sobre eles. Perguntar sobre o desejo de morrer, não está ligado ao aumento do
risco de suicídio, muito pelo contrário, aumento o sentimento de confiança nos
profissionais que realizam o acolhimento. Uma forma de comunicação e de
levantamento de dados é a utilização de entrevistas semiestruturadas, quando
o profissional através de inqueridos cuidados e escuta atenta e implicada,
conseguirá perceber qual é a real dimensão de risco em que se encontra esse idoso
(KAPLAN; SADOCH, 2007).

O cuidado integral do idoso, considerando suas comorbidades, é


importante, já que de alguma forma esse cuidado diz respeito à importância
que ele tem e que ele realmente se atribui. O tratamento de forma efetiva a
doenças psiquiátricas, considerando em especial a depressão, é uma forma
eficaz de prevenção contra o suicídio de idosos. Nesses casos, o atendimento
individualizado auxilia muito na construção de vínculo e também em estratégias
de enfrentamento.

153
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

NOTA

Aqui deixaremos disponível uma cartilha de violência contra idosos, que pode
ser acessada pelo site: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/
cartilhacombateviolenciapessoaidosa.pdf

Acesse e veja as informações importantes que contém.

De qualquer forma, é importante sempre avaliar qual é a melhor forma


de intervenção com relação aos riscos de suicídio entre idosos e também da
população em geral. Ações individualizadas são indispensáveis, já que consideram
o sujeito em seu contexto, seus sofrimentos, dores, desejos, expectativas. Nas
ações coletivas, avaliam e proporcionam integração, e convivência grupo, onde
esse grupo terá forte influência na vida desse indivíduo, passando a ser sua rede
de apoio, já que muitos idosos, são abandoados afetivamente por suas famílias,
não recebendo à devida atenção e compressão dentro de suas demandas, que
envolvem afeto, reciprocidade, empatia e cuidado.

A qualidade das relações sociais estabelecidas pelos idosos no decorrer


de sua vida, também são consideradas estratégias de proteção contra o risco e
tentativas de suicídio. Por esse motivo, é de extrema importância, que as pessoas
envolvidas no cuidado desse idoso, sejam treinadas para que ofereçam a ele,
maior segurança e conforto. Para trabalhar a prevenção do suicídio é necessário
que todas as esferas de cuidado sejam envolvidas no processo.

O objetivo final de todo o trabalho de cuidado é o idoso, que dentro de


suas condições físicas e emocionais, espera ser visto e lembrado por aqueles que
de alguma forma o cercam. O desejo de morrer, juntamente com as tentativas de
suicídio, vem como uma forma de expressar o que está sentido, já que de outras
formas, não tem conseguido expressar ou então se fazer compreender. O olhar
atento é essencial nesse processo.

154
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

LEITURA COMPLEMENTAR

SENESCÊNCIA E SENILIDADE: NOVO PARADIGMA NA


ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE

Suely Itsuko Ciosak


Elizabeth Braz
Maria Fernanda Baeta Neves A. Costa
Nelize Gonçalves Rosa Nakano
Juliana Rodrigues
Rubia Aguiar Alencar
Ana Carolina A. Leandro da Rocha

INTRODUÇÃO

Envelhecer é um processo natural que implica mudanças graduais e


inevitáveis relacionadas à idade e sucede a despeito de o indivíduo gozar de boa
saúde e ter um estilo de vida ativo e saudável. No ser humano, esse fenômeno
progressivo, além de desencadear o desgaste orgânico, provoca alterações nos
aspectos culturais, sociais e emocionais, que contribuem para que se instale em
diferentes idades cronológicas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o envelhecer


como um processo sequencial, individual, cumulativo, irreversível, universal,
não patológico de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os
membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer
frente ao estresse do meio ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de
morte. Ainda para a OMS, o limite de idade entre o indivíduo adulto e o idoso
é 65 anos em nações desenvolvidas e 60 anos nos países emergentes. Logo, o
envelhecimento populacional é uma consequência do desenvolvimento.

O aumento proporcional de indivíduos idosos, adicionado ao declínio


das taxas de fecundidade e ao desenvolvimento tecnológico e terapêutico no
tratamento de doenças, especialmente as crônicas (DANT), influencia a tendência
de alteração da estrutura etária da população, especialmente no Brasil, com o
consequente aumento do contingente de indivíduos com mais de 60 anos,
resultado do envelhecimento populacional que ocorreu em um curto período,
trazendo importante impacto para o sistema de saúde.

O envelhecimento é algo que ocorre paulatinamente, uma vez que o


indivíduo começa a envelhecer ao nascer. Entretanto, considerando os aspectos
biofuncionais, começa na segunda década de vida, embora de forma imperceptível.
No final da terceira década surgem as primeiras alterações funcionais e estruturais
e, a partir da quarta, há uma perda de aproximadamente 1% da função/ano, nos
diferentes sistemas orgânicos.

155
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

O envelhecer normal está ligado à capacidade de adaptação do indivíduo


aos rigores e às agressões do meio ambiente. Assim, cada sujeito envelhece a seu
modo, dependendo de variáveis como o sexo, origem, lugar em que vive, tamanho
da família, aptidões para a vida e as experiências vivenciadas. A exposição ao
estresse ou ao tabagismo, a falta de exercícios ou a nutrição inadequada são
outros fatores que contribuem para determinar a qualidade do envelhecimento.
O envelhecimento e a doença não podem ser tratados como fatores intimamente
dependentes ou interligados, porém existe maior vulnerabilidade a adoecer, ou
seja, uma predisposição à doença. A saúde e a qualidade de vida dos idosos,
mais que em outros grupos etários, sofrem influência de múltiplos fatores: físicos,
psicológicos, sociais e culturais, de tal forma que avaliar e promover a saúde do
idoso significa considerar variáveis de distintos campos do saber, numa atuação
interdisciplinar e multidimensional.

A assistência ao idoso deve prezar pela manutenção da qualidade


de vida, considerando os processos de perdas próprias do envelhecimento
e as possibilidades de prevenção, manutenção e reabilitação do seu estado de
saúde. Considerando que o processo saúde-doença é um fenômeno complexo,
socialmente determinado e modulado por condicionantes biológicos, psicológicos,
culturais, econômicos e políticos, as necessidades de saúde dos idosos referem-se
a múltiplas dimensões do real e dizem respeito à singularidade dos fenômenos
de saúde ou doença que afetam os indivíduos e suas famílias.

Tal como as demais necessidades humanas, as necessidades de saúde


são social e historicamente determinadas e situam-se entre natureza e cultura,
ou seja, não dizem respeito tão somente à conservação da vida, mas à realização
de um projeto em que o indivíduo, situado entre o particular e o genérico,
progressivamente se humaniza.

Apesar dessas colocações, na sociedade ocidental a preocupação com


o envelhecimento das populações e suas consequências psicológicas, sociais e
econômicas é recente e a atenção tem sido orientada e limitada a certos auxílios
às necessidades biológicas de alimentação, saúde física e asilo.

Como prática social, o cuidado organiza-se para atender necessidades


de saúde; entretanto, pode ou não corresponder às necessidades concretas dos
grupos sociais, visto que as relações entre as necessidades de saúde e as práticas
de cuidado podem estar dissociadas, apreendidas a partir dos significados
econômicos, políticos e ideológicos, captados em sua historicidade e em
sociedades concretas.

Podem ainda ser apreendidas pelos resultados que produzem, ou seja,


pela capacidade de produzir modificações nos perfis de saúde-doença de uma
dada população. Essa segunda perspectiva remete à compreensão e avaliação
das características e dos resultados das práticas em saúde em função de sua
utilidade, viabilidade, exatidão e ética.

156
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

É função das políticas de saúde contribuir para que mais pessoas


atinjam idades mais avançadas com o melhor estado de saúde possível, ou
seja, o envelhecimento ativo e saudável é o grande objetivo nesse processo. Se
considerarmos a saúde de forma ampliada, torna-se necessária alguma mudança
no contexto atual em direção à produção de um ambiente social e cultural mais
favorável à população idosa.

A ideia de que a velhice é dominada pela doença nem sempre se mostra


como realidade, pois, mesmo existindo perdas, tanto no nível biológico como
econômico, social e psicológico, a manutenção das atividades e do engajamento
social e familiar favorece o envelhecimento saudável. Na busca de oferecer
melhores condições de assistir o idoso e preocupado com a projeção de aumento
dessa população na sociedade brasileira, o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741, de
outubro de 2003) representa um grande avanço na legislação, embora ainda exista
uma grande lacuna entre desejo e realidade.

O reconhecimento e o enfrentamento das necessidades de saúde estão


estreitamente vinculados a princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS),
em especial aos conceitos de integralidade e equidade, na medida em que exigem
por parte das equipes de saúde o esforço de tradução e atendimento dessas
necessidades, exigindo ações articuladas e complementares, no cuidado de cada
profissional, de cada equipe e da rede de serviços de saúde, que, por sua vez,
dependem de informações atualizadas, concretas e específicas dos diversos
segmentos da comunidade.

Facilitar o acesso da população idosa aos serviços de saúde, principalmente


tendo como porta de entrada a Atenção Básica, considerando suas limitações, deve ser
a preocupação dos profissionais de saúde. Buscando conhecer o cotidiano dos idosos.

Em relação à saúde do idoso, vários são os aspectos que inquietam. De


um lado, o envelhecer como um processo progressivo de diminuição de reserva
funcional – a senescência – e, do outro, o desenvolvimento de uma condição
patológica por estresse emocional, acidente ou doenças – a senilidade. Ambos
exigem intervenções dos profissionais de saúde, com atuações focadas nesse
segmento populacional.

O maior desafio na atenção à pessoa idosa é contribuir para que, apesar das
progressivas limitações que possam ocorrer, ela possa redescobrir possibilidades
de viver sua própria vida com a máxima qualidade possível. Essa possibilidade
aumenta à medida que a sociedade considera o contexto familiar e social e
consegue reconhecer as potencialidades e o valor das pessoas idosas, pois parte
das suas dificuldades está mais relacionada a uma cultura que as desvaloriza e
limita. A importância do grupo de pesquisa.

157
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

A Senescência e Senilidade: Desafios no Cuidar em Saúde reveste-se na


busca de subsídios do cotidiano dos idosos que frequentam ou não as unidades
de saúde, bem como no domicílio, de modo a possibilitar o desenvolvimento de
programas e ações para profissionais de saúde, que visem alcançar a compreensão
da significativa experiência do cuidar, almejando a manutenção do equilíbrio no
processo saúde-doença.

Assim, vários temas têm sido eleitos como objeto de pesquisa, dos quais
podemos destacar a integralidade na assistência à saúde do idoso, os agravos
à sua saúde, o enfrentamento da doença crônica e o cuidado no domicílio.
Considerando que a possibilidade de organização dos sistemas de saúde está
vinculada a fatores de ordem política, administrativa e gerencial, socioeconômica
e cultural, entre outros, a implantação e a consolidação do SUS têm encontrado
dificuldades em como os sistemas e as práticas de saúde se organizam, no nível
local, para o atendimento às necessidades de saúde da população, dificultando a
afirmação de seus princípios básicos, como universalidade do acesso, equidade,
integralidade, resolubilidade, descentralização e controle social(14), que se agrava
quando se trata da população idosa.

Com vistas a compreender essa dinâmica e os mecanismos envolvidos


nos processos de atenção ao idoso, buscamos conhecer o funcionamento de
sistemas locais de saúde, as experiências concretas de gestores, gerentes e
trabalhadores das Equipes Saúde da Família (ESF), especialmente naquelas em
que o crescimento dessa população vem chamando a atenção, como é o caso do
Município de Santos, SP, através do viés da integralidade. Verificamos que, a
despeito das dificuldades de implantar o SUS e, consequentemente, de programas
que atendam às necessidades dos idosos, percebe-se que há intenção dos gestores
nessa busca, assim como de toda a ESF, e um esforço especial para atender a esse
seguimento populacional.

O aumento de traumas nos idosos é outro aspecto que tem chamado a


atenção dos gestores em saúde, visto que, além dos agravos decorrentes desse
incidente, se somam as doenças degenerativas, comuns nessa faixa etária e que
comprometem a recuperação e a reinserção desse segmento na comunidade.
Buscar indicadores para a prevenção do trauma, principalmente aqueles
provocados por quedas, que é o mais comum entre os idosos, foi objetivo de
outra investigação que sinalizou para a questão de gênero, as medicações de uso
contínuo, problemas de audição e visão, presença de cuidador, como pontos a
serem apontados para o risco de quedas.

Considerando ainda os aspectos vinculados à prevenção, indicadores tais


como o aumento de doenças sexualmente transmissíveis (DST/AIDS) em idosos é
outro desafio que a Atenção Básica (AB) enfrenta, pois, ao negligenciar a sexualidade
nessa população, investe pouco na prevenção e no controle, aumentando não só a
incidência desses agravos como seu diagnóstico tardio. Nossas investigações têm
constatado o despreparo dos profissionais de saúde para essa abordagem, assim
como o pouco investimento em educação e prevenção, indicando a permanência
de estigmas em relação às DSTs, assim como os mecanismos para a sua prevenção.

158
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

Muitos idosos são acometidos por DANT, que requerem acompanhamento


constante. Essas condições crônicas tendem a se manifestar de forma mais
expressiva na idade mais avançada e frequentemente estão associadas a outros
agravos (comorbidades). Ainda que não sejam fatais, tendem a comprometer de
forma significativa a qualidade de vida dos idosos. Identificar formas para seu
enfrentamento é outro tema que tem despertado nosso interesse. Verificamos
que, ainda que os profissionais de saúde pouco utilizem essa abordagem,
a espiritualidade, a religiosidade e a fé interferem de maneira positiva no
enfrentamento da doença crônica e seus agravos e fortalecem a resiliência dos
idosos, melhorando assim a sua qualidade de vida.

A desospitalização, com a consequente desinstitucionalização do cuidado,


está se tornando uma prática comum. A existência de uma política voltada para
os idosos, sem que exista um programa governamental direcionado à população
idosa portadora de dependência, adicionada à falência do sistema previdenciário,
faz com que a família paulatinamente se torne uma das únicas fontes de recurso
para o cuidado do idoso dependente.

É no domicílio que a família se desenvolve física, emocional, mental e


espiritualmente; é onde se estabelecem as relações interpessoais, permeadas por
crises e conflitos. Nos momentos de doença, os membros da família necessitam
de apoio, objetivando a superação, a adaptação e o crescimento nas relações de
autoajuda e cuidado. Nesse sentido, alguns autores referem que, em cada família
e para cada indivíduo, os significados atribuídos às suas experiências são únicos;
dessa forma, devem ser respeitadas suas singularidades e suas especificidades.
Para o grupo de idosos cuidados no domicílio, há outro problema, relacionado
ao cuidador.

O papel do cuidador, familiar ou não, passa a ter importância fundamental


na assistência do indivíduo, especialmente se esta ocorre no domicílio. Em
geral, as responsabilidades do cuidar recaem sobre o cuidador. Esse contexto
desafiador foi outro tema investigado, evidenciando que o cuidado domiciliário
a um indivíduo portador de um agravo à saúde, seja ele físico ou mental, expõe a
família a uma série de desafios significativos, principalmente pelas alterações do
modelo de família. Com o empobrecimento da população, as mulheres passam
a integrar a força de trabalho, o que as leva a deixar o domicílio para reforçar o
orçamento familiar.

Esse fenômeno é evidenciado pelo aumento de núcleos familiares


compostos apenas por idosos, mulheres e seus filhos menores. Esse novo
papel na vida feminina faz com que muitas vezes a família fique nas mãos dos
idosos, que, por sua vez, acabam assumindo as tarefas domésticas, assim como
o cuidado domiciliar ao enfermo. A existência e a amplitude desses problemas,
considerados naturais no olhar da sociedade, é desencadeada por uma situação
nem sempre planejada ou até mesmo trabalhada junto aos familiares, culminando
por recair em um determinado membro do núcleo familiar, escolhido dentre
seus componentes.

159
UNIDADE 2 — CUIDADO AOS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

Ao eleito nem sempre é oportunizada a escolha dessa responsabilidade,


diante das condições circunstanciais dos demais membros da família. Com a
nova situação, a estrutura e o cotidiano familiar, até então organizados dentro de
determinados padrões, sofrem variações, principalmente pelo grau de limitação
e dependência do indivíduo doente, se idoso. Assim, a instalação da doença não
se restringe apenas a um único ser, culminando por interferir em toda a dinâmica
familiar, principalmente quando há idosos cuidando de idosos, expondo-os a
uma série de desafios significativos. A necessidade de serviços de suporte para
esses sujeitos sociais começa a surgir com uma grande premência.

Estudos destacam a capacitação de recursos humanos na área da saúde


para o desenvolvimento de um trabalho junto à população, principalmente a
idosa, apontando para a carência por parte dos familiares de mais informações
a respeito da doença, dos cuidados requeridos para o atendimento do doente,
bem como de uma rede de suporte social. Na busca da redução precoce dos
problemas de saúde advindos da tarefa de cuidar, devem ser incluídas estratégias
passíveis de multiplicação, tais como cursos de capacitação para cuidadores e
o redirecionamento dos serviços públicos de saúde, de modo a contemplar a
assistência domiciliária, associada a uma revisão na formação acadêmica dos
profissionais de saúde, com um enfoque maior para a assistência à população
idosa emergente.

CONCLUSÃO

É função das políticas de saúde contribuir para que mais pessoas alcancem
as idades avançadas com o melhor estado de saúde possível. O envelhecimento
saudável e ativo é o grande objetivo nesse processo. Se considerarmos saúde de
forma ampliada, tornam-se necessárias mudanças no contexto atual em direção
à produção de um ambiente social e cultural mais favorável à população idosa.
Como vimos, muitos são os caminhos para buscar o conhecimento para embasar
e fortalecer o cuidado ao idoso. O reconhecimento desses fatores, que envolvem
valores, crenças, comportamentos e práticas da população e dos profissionais de
saúde, é essencial para que se compreenda de que forma os sistemas de saúde e,
mais especificamente, os processos de trabalho em saúde estruturam-se para o
reconhecimento e o enfrentamento das necessidades de saúde da população idosa.

Considerando os escassos recursos públicos disponíveis do setor


saúde, devemos utilizar estratégias para compreender o processo de desgaste e
fortalecimento do idoso, da família e do cuidador familiar para tornar possível o
desencadeamento de ações na promoção da saúde e prevenção do desequilíbrio
no processo saúde/ doença desses atores sociais.

O profissional de saúde, para atender a necessidade de saúde do idoso,


deve ter sensibilidade para compreendê-lo em seu contexto sociocultural e
fortalecer a responsabilização e o entendimento de sua condição limitante, assim

160
TÓPICO 3 — ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO

como de suas potencialidades. O grande desafio para este milênio é construir


uma consciência coletiva de forma a que tenhamos uma sociedade para todas as
idades, com justiça e garantia plena de direitos.

FONTE: CIOSAK, S. I. et al. Senescência e senilidade: novo paradigma na atenção básica de


saúde. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v. 45, n. spe2, p. 1763-1768, Dec.  2011. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000800022&lng=en&n
rm=iso>. Acesso em: 24 nov. 2020.

161
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A etapa de vida caracterizada como velhice está ligada a aspectos cronológicos,


biológicos, sociais e psicológicos, fortemente ligados à cultura em que esse
sujeito idoso está inserido. O envelhecimento se refere a um processo. A velhice
é uma fase da vida.

• Os idosos são os indivíduos designados a partir de critérios socialmente


construídos.

• O processo de envelhecimento é uma experiência heterogênea, vivida como


uma experiência individual. Algumas pessoas, aos 60 anos, já apresentam
alguma incapacidade; outras estão cheias de vida e energia aos 85 anos.

• Conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde, que é baseada na


idade cronológica, na qual a definição de idoso inicia aos 65 anos nos países
desenvolvidos e aos 60 anos nos países em desenvolvimento. No Brasil, de
acordo com o Estatuto do Idoso (2003), as pessoas com idade igual ou superior
a 60 anos são reconhecidas como idosas.

• “A maneira como cada indivíduo avalia em si mesmo a presença ou a ausência


de marcadores biológicos, sociais e psicológicos da idade, com base em
mecanismos de comparação sociais mediadas por normas etárias.

• O velho é o outro, em quem não nos reconhecemos. A imagem da velhice parece


uma imagem fora do espelho, imagem que nos apanha quando é antecipada
e produz uma impressão de inquietante estranheza. Aproximar-se da velhice, para
captar seu sentido, é evocar em nós, o temos da morte. Ninguém no fundo, crê na
própria morte, mesmo que inconscientemente, negamos nossa imortalidade.

• A velhice, assim como todas a condições humanas, tem uma dimensão


existencial, que é modificada na relação do indivíduo com o mundo e com o
tempo, sua relação com o mundo e com a sua própria história. Na sociedade
o velho tem seu lugar e seu papel levando em conta suas características
comportamentais individuais, precisando se haver com questões do processo
do envelhecimento, limitações e preconceitos.

• Os transtornos mentais orgânicos envolvem problemas fisiológicos do cérebro,


como a deterioração, morte ou mau funcionamento de células cerebrais.

162
• A demência tem caráter progressivo em seu curso, mas mesmo assim, a
velocidade quanto ao declino das habilidades e funções cognitivas são
individuais. Alguns indivíduos apresentam declínio bastante lento, enquanto
outros declinam rapidamente.

• Dentre os transtornos mais conhecidos e que acometem idosos e que serão


descritos abaixo, encontram-se: Alzheimer, Parkinson, pseudodemências e
depressão.

• O Alzheimer é uma doença neurológica e degenerativa, lenta e progressiva


manifestando-se após os 50 anos.

• O Parkinson é uma doença degenerativa do Sistema Nervoso Central –


SNC, progressiva e idiopática (manifesta-se subitamente sem ter dado sinais
anteriores).

• A pseudodemência refere-se aos quadros de variados graus de perda cognitiva


secundários a depressão. Pessoas institucionalizadas por longos anos, não
estimuladas, fora do contexto social, sem contato com a realidade externa,
podem apresentar perdas cognitivas importantes, simulando um quadro
demencial, sem estarem necessariamente deprimidas.

• A depressão na velhice está ligada a perdas, doenças, carências e aspectos


sociais. Ela traz alguns efeitos que prejudicam a vida do idoso. Dentre eles,
os impactos intelectuais, apresentando-se como transtornos de memória, que
dificultam a aprendizagem. O social que gera o afastamento, isolamento, perda
do status e abandono. E o somático que acarreta em problemas cardíacos,
pulmonares e gastrointestinais.

• A morte faz parte do desenvolvimento humano desde o seu nascimento,


acompanhando o ser humano em todo o seu ciclo vital.

• Processo da terminalidade do ser humano, precisa ser considerada não a


quantidade de vida que resta à pessoa, mas a sua qualidade.

• O cuidado da dor e do sofrimento é a chave para o resgate da dignidade do ser


humano nesse contexto crítico, é um dos objetivos da medicina desde tempos
imemoriais.

• Os cinco estágios do Luto de Elizabeth Kübler-Roos são uma jornada em que


os pacientes podem falar sobre a morte e suas expectativas, seus medos.
1° Estágio – A Negação
2° Estágio – A Raiva
3° Estágio – A Negociação
4° Estágio – A Depressão
5° Estágio – A Aceitação

163
• O luto pode ser definido como um conjunto de reações diante da perda, que
necessita ser devidamente valorizado e acompanhado, como parte da saúde
emocional. O luto é um acontecimento vital mais grave que a maior parte de
nós podemos experienciar. “O luto é um processo de aperceber-se, de tornar
real o fato da perda”.

• O suicídio entre pessoas idosas constitui um grave problema para as


sociedades das mais diversas partes do mundo. No Brasil tem aumentado
significativamente. Com o aumento da expectativa de vida, a população idosa
ganha cada vez mais espaço, tanto no critério de qualidade de vida, como
também em direitos de forma em geral.

• É importante avaliar qual é a melhor forma de intervenção com relação aos


riscos de suicídio entre idosos e também da população em geral.

CHAMADA

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164
AUTOATIVIDADE

1 O envelhecimento da população mundial tem sido acompanhado por um


aumento na prevalência de doenças mentais, sendo caracterizada como fator
importante para a morbidade entre idosos. Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Com o aumento da população idosa, os transtornos depressivos


ganham cada vez mais espaço já que não existem estratégias de saúde
e qualidade de vida para essa faixa etária.
b) ( ) A demência tem caráter progressivo em seu curso, mas mesmo assim,
a velocidade quanto ao declínio das habilidades e funções cognitivas
são individuais. Alguns indivíduos apresentam declínio bastante lento,
enquanto outros declinam rapidamente.
c) ( ) As demências não provocam mudanças com relação à personalidade e/
ou temperamento do indivíduo.
d) ( ) O Isolamento não faz parte da vida e rotina do idoso.

2 Com relação às fases do luto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A depressão é considerada a primeira fase do luto, quando o sujeito


nega a morte.
b) ( ) A aceitação é a última fase do luto, quando a família começa a entender
o processo de morte e consequentemente, aceitando a partida do ente
querido.
c) ( ) A negociação ela é direcionada contra os médicos, contra o destino e
a inveja dos que não estão morrendo, vêm em seguida, com a clássica
pergunta: “Por que eu?”
d) ( ) Raiva é a terceira resposta, vem como uma tentativa de adiar o
inevitável, promessas em troca de mais algum tempo.

3 Com relação à idade cronológica, referindo-se somente ao número de anos


que tem decorrido desde o nascimento da pessoa, portanto, não é um índice
de desenvolvimento biológico, psicológico e social, pois ela por si só não
causa o desenvolvimento. A idade é meramente um marcador aproximado
do processo que influencia o comportamento ao longo do tempo. Conforme
preconizado na OMS, com qual idade o sujeito é considerado idoso:

a) ( ) Acima dos 55 anos.


b) ( ) A partir dos 60 anos.
c) ( ) A partir dos 65 anos.
d) ( ) A partir dos 85 anos.

4 Conforme estudamos no Tópico 3, que diz respeito ao luto, conceitue-o:

5 Levando em consideração o que foi estudado sobre os conceitos de morte,


de que forma o idoso pode ser acolhido em seu processo de terminalidade:

165
166
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WORLD HEALTH ORGANIZATION. Envelhecimento ativo: uma política de


saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. 2014.

170
UNIDADE 3 —

CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE


AOS CICLOS DE VIDA NA
CONTEMPORANEIDADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar especificidades na atenção integral em saúde de bebês e


crianças;
• compreender as características biopsicossociais da adolescência e sua
implicação no cuidado em saúde;
• conhecer as possiblidades de atenção integral a adultos e idosos diante de
problemáticas contemporâneas do campo da saúde;
• atuar ética e criticamente diante das necessidades de saúde dos diversos
ciclos vitais na contemporaneidade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA


INFÂNCIA

TÓPICO 2 – CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA


ADOLESCÊNCIA

TÓPICO 3 – CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA


ADULTEZ E ENVELHECIMENTO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

171
172
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA


INFÂNCIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! No Tópico 1, nós estudaremos a atenção à saúde integral
direcionada ao público infantil. Para isso, iniciaremos com a apresentação dos
instrumentos utilizados como estratégias de detecção de risco de desenvolvimento
de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em bebês. Esses instrumentos, têm se
mostrado importantes recursos na atenção à saúde mental, pois, seus resultados
possibilitam que as equipes de saúde planejem intervenções precoces, reduzindo
assim, as possibilidades de agravamento dos sintomas e em algumas situações a
completa remissão deles.

Em seguida, estudaremos como o diagnóstico do Transtorno de Déficit de


Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem impactado a vida das crianças em idade
escolar. Esse diagnóstico, que já mudou de nomenclatura mais de dez vezes em
menos de um século, é bastante controverso pois, não há consenso científico
sobre sua etiologia. Entre as formas de tratamento, o uso de metilfenidato,
comercialmente vendido como Ritalina ou Concerta, ainda é priorizado por
muitos profissionais de saúde, porém, além de seu uso estar associado a inúmeros
agravos à saúde, os efeitos esperados em rendimento escolar, muitas vezes, não
são tingidos.

Por fim, abordaremos o tema da medicalização da infância. Esse


fenômeno, no campo da saúde, está associado ao paradigma biomédico que
propõe explicações e intervenções reduzindo a compreensão sobre o processo
saúde-doença a marcadores biológicos. Os efeitos da medicalização da infância,
está relacionado a um tamponamento das questões existenciais e sofrimentos das
crianças que, em nome de um controle sobre o comportamento e desenvolvimento
infantis, acabam silenciados.

2 BEBÊS EM RISCO PSÍQUICO PARA DESENVOLVIMENTO


DE AUTISMO
Caro acadêmico! Na Unidade 1, nós vimos os vários marcos
desenvolvimentais importantes para o desenvolvimento de um bebê. Desde os
cuidados com a gravidez, o pré-natal, o parto, o desenvolvimento neonatal e as

173
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

influências de diversos aspectos biopsicossociais nos três primeiros anos de vida.


Neste subtópico, veremos as últimas inovações no que se refere ao rastreamento
para o risco de desenvolvimento de sofrimento psíquico em bebês.

Para isso, é importante fazer um breve recorte histórico sobre o autismo, seus
critérios diagnósticos e em seguida, veremos quais instrumentos são, atualmente,
utilizados para identificar riscos de desenvolvimento de sofrimento psíquico em
bebês e assim, poder oferecer a ele e sua família uma intervenção precoce.

2.1 O QUE É O AUTISMO


Apesar do autismo ser estudado há muitas décadas, ele ainda é
um diagnóstico controverso tanto por uma imprecisão em sua etiologia,
isto é, há muitas hipóteses e teorias sobre quais fatores influenciam no seu
aparecimento e também por uma diversidade de sintomas associados ao quadro
(GIARDINETTO, 2009).

Sua história, se confunde com o campo da psiquiatria infantil, pois até


o início do século XX, crianças que apresentavam transtornos mentais graves,
podiam ser classificadas em diversos diagnósticos inespecíficos como: “idiotia,
a debilidade mental, a psicose infantil e a esquizofrenia infantil” (FERNANDES;
LIMA, 2014, p. 11).

O médico Leo Kanner, publicou no ano de 1943 um artigo denominado


“Os distúrbios autísticos do contato afetivo” em que descrevia o resultado do
acompanhamento de onze crianças com dificuldades de ser relacionar com as
pessoas desde o início de suas vidas (BRASIL, 2015).

As crianças descritas no artigo tinham sempre uma boa relação com


os objetos, especialmente aqueles que não modificavam sua aparência
e posição. As relações com as pessoas, por outro lado, estavam
gravemente perturbadas. Na presença de outras crianças, a autista
permanecia sozinha ou nos limites do grupo, não participando de
seus jogos. Kanner também descreveu um “desejo obsessivo e ansioso
pela manutenção da uniformidade”, levando-as a preferir tudo o que
se mostrava repetitivo, rotineiro e esquemático (FERNANDES; LIMA,
2014, p. 12 grifos do autor).

Em sua descrição, Kanner também identificou que algumas crianças


tinham dificuldade na linguagem verbal, sendo que três delas não falavam ou
falavam pouco. Nas outras crianças, a fala estava estabelecida, mas não era usada
com fins de comunicação, sendo caracterizadas por palavras sem sentindo nem
ordem, ou palavras repetidas de forma decorada (FERNANDES; LIMA, 2014).

Em sua pesquisa, Kanner também percebeu que as crianças sentiam que


tudo que vinha do externo era vivenciado de forma assustadora, o que resultava
em recusa de alimentos, ignorar perguntas feitas a elas e reação de desespero

174
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

diante de barulhos forte. Assim, descreveu que elas preferiam tudo aquilo que
era previsível, ordenado e rotineiro. “O medo da mudança e da incompletude
as levava, segundo o autor, à restrição de sua espontaneidade e à ritualização do
comportamento no dia a dia” (BRASIL, 2015, p. 20).

Entre os anos 1940 e 1960, havia a hipótese de que sua origem vinha da
relação estabelecida entre pais e bebês. Essa concepção, levou a uma interpretação
superficial sobre as teorias psicológicas que apontavam a importância das
interações familiares, especialmente a relação mãe-bebê, sobre o desenvolvimento
humano. Compreendendo que as possibilidades do surgimento do autismo eram
uma consequência de más interações afetivas (FERNANDES; LIMA, 2014). Novas
teorias surgiram a partir dos anos 1960, o que possibilitou novas explicações para
o autismo, baseadas em fatores neurológicos, cognitivos, bioquímicos e genéticos,
além dos relacionais, já descritos até o momento.

Entre os novos estudos, destacam-se Bernard Rimland e Lorna Wing que


“ajudaram a fundar as primeiras associações de familiares de autistas em seus países,
propondo a inflexão mais biológica e cognitivista às pesquisas e a participação ativa
dos pais no tratamento dos filhos (FERNANDES; LIMA, 2014, p. 13).

Nos anos 1970, Wing, através de estudo epidemiológico, descreveu três


características presentes em crianças autistas: incapacidade de interação social
com outras pessoas, dificuldades na comunicação verbal e não verbal e limitações
na realização de atividades lúdicas e imaginativas. Esse conjunto de descrição
sintomática ficou conhecida como Tríade de Lorna Wing (GIARDINETTO, 2009).

Em 1976, Ritvo e Ornitz enfatizaram os déficits cognitivos em crianças com


autismo, e assim, relacionaram o diagnóstico a patologias no Sistema Nervoso
Central. Também foi associado a condições genéticas como a Síndrome de Down,
Síndrome do X-Frágil e Esclerose Tuberosa (GIARDINETTO, 2009).

Com tantas produções científicas sobre o autismo, em 1980, esse diagnóstico


passou a compor a 3ª edição do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos
Mentais (DSM-III). Foi excluído da categoria de psicoses infantis e passou para a
categoria de Transtornos Globais do Desenvolvimento (FERNANDES, LIMA, 2014).

NOTA

O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é um


manual elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) desde 1953. É utilizado
por profissionais da saúde para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais.

175
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

A quarta edição do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais


(DSM-IV), lançada em 1994, apresenta a dificuldade em interações sociais, na
comunicação e com baixo repertório de atividades e interesses. A revisão da quarta
edição, o DSM-IV- TR, salienta a predominância do autismo no sexo masculino e com
início anterior aos três anos de idade (GIARDINETTO, 2009).

Atualmente, o DSM está em sua 5ª edição, que foi lançada em 2013. A


partir dessa publicação as diversas categorias de autismo foram incluídas na
terminologia Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (BRASIL, 2015).

DICAS

A cartilha “Autismo: uma realidade” (2013), ilustrada por Ziraldo é uma produção
da instituição Autismo e Realidade. No texto, o autismo é apresentado de forma clara e com
linguagem acessível. Orienta sobre os sintomas e quais profissionais são importantes no
cuidado de alguém diagnosticado com Transtorno do Espectro do Autismo. Você pode
conferir esse material no site: https://autismoerealidade.org.br/convivendo-com-o-tea/
cartilhas/cartilha-autismo-uma-realidade/.

Ao longo desse breve histórico sobre o autismo, fica claro que ele ainda
é um diagnóstico que inclui muitas variáveis que resultam em uma imprecisão
em sua etiologia, bem como, em sua sintomatologia, o que indica que sua
avaliação seja realizada por uma equipe multiprofissional e de forma precoce
(FERNANDES; LIMA, 2014).

DICAS

A respeito da etiologia do autismo, o psicanalista e doutor em educação e


desenvolvimento infantil, Alfredo Jerusalinsky, concedeu uma entrevista à revista Zero
Hora Gaúcha em que aponta as últimas novidades em relação ao diagnóstico, etiologia
e epidemiologia do autismo. Você pode conferir a reportagem completa no link:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/vida/noticia/2017/04/alfredo-jerusalinsky-novas-
esperancas-para-os-autistas-9762949.html.

176
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

A Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que o diagnóstico final


só deve acontecer a partir dos três anos de idade, para evitar falsos positivos.
Ainda assim, detectar sinais que podem indicar o futuro desenvolvimento desse
quadro, tem sido uma estratégia que possibilita minimizar prejuízos futuros
(FERNANDES; LIMA, 2014).

A necessidade de diagnóstico precoce para risco de autismo é


considerada uma verdadeira prevenção em termos de saúde pública,
pois é unanimidade que, se detectados e tratados, esses bebês podem
evoluir de forma mais positiva ou, pelo menos, pode-se diminuir
os prejuízos para o seu desenvolvimento (FERNANDES; LIMA,
2014, p. 24).

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019), há estudos que


indicam que a intervenção precoce, impede o total desenvolvimento do autismo.

A seguir, veremos dois instrumentos que podem ser utilizados para


detecção precoce para o risco de autismo, o Protocolo IRDI (Indicadores Clínicos
de Riscos para o Desenvolvimento Infantil) e o M-CHAT (Modifield Che­cklist fo
Autism in Toddlers).

2.2 PROTOCOLO IRDI


O protocolo IRDI (Indicadores Clínicos de Riscos para o Desenvolvimento
Infantil) é fruto de uma pesquisa realizada pelo GNP (Grupo Nacional de Pesquisa),
que aconteceu entre os anos 2000 e 2008. A pesquisa foi encomendada pelo
Ministério da Saúde com o objetivo de incrementar a avaliação de risco psíquico
para crianças de 0 a 18 meses, no manual de desenvolvimento e crescimento da
criança (MARIOTTO, 2016).

No entanto, o manual foi paulatinamente substituído pela Caderneta


de saúde da criança (Brasil, 2017), que se transformou no principal
documento de orientação da puericultura praticada no Brasil. Também,
aos poucos, os indicadores validados foram incluídos na caderneta,
que vem crescendo desde 2005 até atingir mais de cem páginas na
versão de 2017 (KUPFER; BERNARDINO, 2018, p. 63 – grifo do autor).

Durante o estudo, 727 crianças entre 0 e 18 meses, foram examinadas por


pediatras treinados, em serviços de saúde em 11 serviços de saúde distribuídos
em nove cidades brasileiras. Inicialmente foi elaborado um instrumento com 31
indicadores clínicos de risco psíquico e após análise de resultados de sua aplicação,
ele foi reeditado e conta, atualmente, com 18 indicadores. Vale salientar que na
aplicação do IRDI, são os indicadores ausentes que indicam risco psíquico, e não
sua presença (MARIOTTO, 2016).

177
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

A base conceitual da pesquisa foi a psicanálise, que em diálogo com a


medicina e a saúde pública produziu um instrumento capaz de “apontar indícios
de quando há tendências de problemas no desenvolvimento psíquico infantil
com impacto para a qualidade de vida do sujeito” (MARIOTTO, 2016, p. 187).

A esse respeito, Kupfer e Bernardino (2018), salientam que a aplicação do


instrumento não garante com absoluta certeza que a criança desenvolverá algum
sofrimento no futuro, mas abre espaço para um olhar para a vida psíquica de bebês,
o que até então não era considerado nas avaliações de desenvolvimento infantil.

No âmbito jurídico, em 2017 foi promulgada a Lei nº 13.438, que obriga


a aplicação de instrumento de detecção de risco psíquico em todas as crianças
de 0 a 18 meses em território nacional (BRASIL, 2017). Tal feita, indica que a
preocupação com o desenvolvimento infantil, considerando todos seus aspectos,
se fortaleceu.

O quadro a seguir apresenta os indicadores que devem ser avaliados na


aplicação do protocolo IRDI.

QUADRO 1 – INDICADORES CLÍNICOS DE RISCOS PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Idade em meses Indicadores


1. Quando a criança chora ou grita, a mãe sabe o que ela quer.
2. A mãe fala com a criança num estilo particularmente dirigido a ela
0 a 4 meses (mamanhês).
incompletos 3. A criança reage ao mamanhês.
4. A mãe propõe algo à criança e aguarda a sua reação.
5. Há trocas de olhares entre a criança e a mãe.
6. A criança utiliza sinais diferentes para expressar suas necessidades.
4 a 8 meses 7. A criança reage (sorri, vocaliza) quando a mãe ou outra pessoa está se
incompletos dirigindo a ela.
8. A criança procura ativamente o olhar da mãe.
9. mãe percebe que alguns pedidos da criança podem ser uma forma de
chamar a sua atenção.
10. Durante os cuidados corporais, a criança busca ativamente jogos e
8 a 12 meses brincadeiras amorosas com a mãe.
incompletos 11. Mãe e criança compartilham uma linguagem particular.
12. A criança estranha pessoas desconhecidas para ela.
13 A criança faz gracinhas.
14. A criança aceita alimentação semissólida, sólida e variada.
15. A mãe alterna momentos de dedicação à criança com outros interesses.
16. A criança suporta bem as breves ausências da mãe e reage às ausências
De 12 a 18 meses prolongadas.
17. A mãe já não se sente mais obrigada a satisfazer tudo que a criança pede.
18. Os pais colocam pequenas regras de comportamento para a criança.

FONTE: Adaptado de Mariotto (2016)

178
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

NOTA

Para o preenchimento do instrumento são considerados quatro eixos que se


relacionam ao processo de subjetivação instaurado entre bebês e seu cuidador primordial,
que em geral é a mãe. Esses eixos, assim como o protocolo IRDI, são embasados na teoria
psicanalítica sobre a constituição psíquica dos seres humanos. Os eixos são: suposição
do sujeito; estabelecimento da demanda; alternância presença-ausência e introdução da
alteridade. Para aprofundar seu conhecimento sobre os eixos, você pode consultar o artigo
“Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo
a partir da teoria psicanalítica” (KUPFER et al., 2009), disponível em: http://abppparananorte.
com.br/wp-content/uploads/2017/11/IRDI.pdf.

O protocolo IRDI tem se mostrado um excelente instrumento de detecção


precoce de risco psíquico em bebês, tanto na área da saúde quanto na educação
infantil. Há na produção científica uma série de documentos que comprovam sua
vasta aplicabilidade. Além disso, ele também é um instrumento gratuito, de fácil
aplicação, sendo necessária uma capacitação de cerca de seis horas para habilitar o
profissional de saúde a utilizá-lo (MARIOTTO, 2018).

O IRDI pode ser aplicado em crianças até 18 meses de idade. Veremos


agora a aplicação do M- Chat (Modifield Che­cklist fo Autism in Toddlers), que se destina
a crianças a partir de 18 meses.

2.3 M- CHAT- R
O M- Chat é um questionário, validado no Brasil desde 2008, que pode
ser realizado por qualquer profissional da saúde é um teste de triagem e não
de diagnóstico. É utilizado como ajuda para decidir se uma criança deve ser
encaminhada para atendimento especializado. “É um rastreador importante
baseado no tripé: capacidade de compartilhar, desenvolvimento do faz de conta
e aparecimento do apontar desiderativo (aquele que demonstra interesse em
mostrar ao outro)” (FERNANDES; LIMA, 2014, p. 27).

O M- Chat revisado (M- Chat- R) é composto por 20 questões em que o


profissional assinala SIM ou NÃO para cada pergunta. O principal objetivo desse
instrumento é detectar a maior quantidade possível de casos de autismo, mas isso
não significa que todas as crianças que pontuarem no M-CHAT-R, com risco de
desenvolver autismo, de fato desenvolverão (ROBINS; FEIN; BARTON, 2009).

179
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Devido ao grande número de falsos positivos, a Sociedade Brasileira de


Pediatria indica a utilização do M- Chat revisado com entrevista de seguimento
(M-Chat- R/F), em associação do M-CHAT-R, para avaliação de crianças entre
16 e 30 meses. Apesar dos dois instrumentos conterem os mesmos itens, na
avaliação do M-Chat- R/F, as respostas não são assinaladas como SIM e NÃO,
mas com PASSA e FALHA. Nesse caso, apenas os itens em que a criança falhou
inicialmente, precisarão ser avaliados na entrevista completa (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019).

DICAS

Você pode acessar todas as orientações de aplicação do M-Chat- R/F no site


https://mchatscreen.com/.

No quadro a seguir, você verá as questões que compõem o instrumento


M- CHAT-R.

QUADRO 2 – QUESTÕES DO M-CHAT-R

Se você apontar para qualquer coisa do outro lado do cômodo, sua criança
1 olha para o que você está apontando? (Por exemplo: se você apontar para um Sim Não
brinquedo ou um animal, sua criança olha para o brinquedo ou animal?)
2 Alguma vez você já se perguntou se sua criança poderia ser surda? Sim Não
Sua criança brinca de faz de conta? (Por exemplo: finge que está bebendo em
3 um copo vazio ou falando ao telefone, ou finge que dá comida a uma boneca Sim Não
ou a um bicho de pelúcia?)
Sua criança gosta de subir nas coisas? (Por exemplo: móveis, brinquedos de
4 Sim Não
parque ou escadas)?
Sua criança faz movimentos incomuns com os dedos perto dos olhos? (Por
5 Sim Não
exemplo, abana os dedos perto dos olhos?)
Sua criança aponta com o dedo para pedir algo ou para conseguir ajuda? (Por
6 Sim Não
exemplo: aponta para um alimento ou brinquedo que está fora do seu alcance?)
Sua criança aponta com o dedo para lhe mostrar algo interessante? (Por
7 Sim Não
exemplo: aponta para um avião no céu ou um caminhão grande na estrada?)
Sua criança interessa-se por outras crianças? (Por exemplo: sua criança observa
8 Sim Não
outras crianças, sorri para elas ou aproxima-se delas?
Sua criança mostra-lhe coisas, trazendo-as ou segurando-as para que você as
9 veja – não para obter ajuda, mas apenas para compartilhar com você? (Por Sim Não
exemplo: mostra uma flor, um bicho de pelúcia ou um caminhão de brinquedo?)
Sua criança responde quando você a chama pelo nome? (Por exemplo, olha,
10 Sim Não
fala ou balbucia ou para o que está fazendo, quando você a chama pelo nome?)
11 Quando você sorri para sua criança, ela sorri de volta para você? Sim Não

180
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

Sua criança fica incomodada com os ruídos do dia a dia? (Por exemplo: sua
12 Sim Não
criança grita ou chora com barulhos como o do aspirador ou de música alta?)
13 Sua criança já anda? Sim Não
Sua criança olha você nos olhos quando você fala com ela, brinca com ela ou a
14 Sim Não
veste?
Sua criança tenta imitar aquilo que você faz? (Por exemplo: dá tchau, bate
15 Sim Não
palmas ou faz sons engraçados quando você os faz?)
Se você virar a sua cabeça para olhar para alguma coisa, sua criança olha em
16 Sim Não
volta para ver o que é que você está olhando?
Sua criança busca que você preste atenção nela? (Por exemplo: sua criança olha
17 Sim Não
para você para receber um elogio ou lhe diz “olha” ou “olha para mim”?)
Sua criança compreende quando você lhe diz para fazer alguma coisa? (Por
18 exemplo: se você não apontar, ela consegue compreender “ponha o livro na Sim Não
cadeira” ou “traga o cobertor”?)
Quando alguma coisa nova acontece, sua criança olha para o seu rosto para sua
19 reação? (Por exemplo: se ela ouve um barulho estranho ou engraçado, ou vê um Sim Não
brinquedo novo, ela olha para o seu rosto?)
Sua criança gosta de atividades com movimento? (Por exemplo: ser balançada
20 Sim Não
ou pular nos seus joelhos?)

FONTE: Adaptado de Robins, Fein e Barton (2009)

Ao longo desse subtópico vimos que o autismo ainda é um grande


mistério para a ciência, mas o caminho percorrido até o momento, para sua
compreensão, indica que uma intervenção precoce minimiza prejuízos futuros
e até mesmo impede que a manifestação dos sintomas aconteça. Nesse sentido,
o uso de instrumentos de detecção ao risco de autismo, possibilita que as
intervenções precoces ocorram com mais precisão, potencializando assim, os
resultados na qualidade de vida de crianças e suas famílias.

DICAS

O documentário nacional, “Em um mundo interior”, dirigido por Mariana


Pamplona e Flávio Frederico e lançado em 2018, acompanha a história de várias crianças
brasileiras de diferentes regiões e classes sociais, diagnosticadas com Transtorno do
Espectro do Autismo (TEA). É uma excelente oportunidade para compreender a realidade e
o cotidiano dessas crianças e suas famílias.

181
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

3 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE


(TDAH) NA INFÂNCIA
Assim como o Transtorno do Espectro do Autismo, o Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH), é um diagnóstico controverso no campo da
saúde mental infantil. Tal situação, refere-se à inespecificidade em sua etiologia,
ora ligada a uma alteração cerebral, bases biológicas e genéticas, ora associada a
fatores psicológicos e ambientais. Tais inespecificidades também se apresentam
nas condutas terapêuticas, em que alguns profissionais priorizam o uso de
medicação, enquanto outros priorizam outras terapêuticas, como psicoterapia.

Para que você compreenda as diversas facetas da constituição do TDAH,


iremos apresentar uma breve história desse diagnóstico que em menos de 100
anos, já mudou 10 vezes de classificação (CALIMAN, 2010).

3.1 HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO DIAGNÓSTICO DO


TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
Em 1798, Alexander Crichton descreveu, pela primeira vez, o quadro de
agitação psicomotora e problemas de atenção em crianças. Mais de um século
depois, no ano de 1918, Strauss associou esses comportamentos a crianças
que tinham algum comprometimento cerebral, surgindo assim, a hipótese de
causalidade orgânica para esses sintomas, e propôs em 1944, a “denominação
de "lesões cerebrais mínimas"; seriam tão pequenas que não acometeriam outras
funções neurológicas” (FRANÇA, 2012, p. 192 – grifo do autor).

Charles Bradley, em 1937, iniciou o uso de anfetaminas para crianças e


adolescentes com problemas de aprendizagem e comportamento, e os resultados
foram aumento da atenção e controle da movimentação. Ele também administrou
calmantes, mas os resultados não foram satisfatórios (FRANÇA, 2012).

Caliman (2010), nos alerta para algo importante sobre as intervenções de


Bradley, que apesar de afirmar que os efeitos dos estimulantes se relacionavam com
o estímulo de partes do córtex relacionadas com os sintomas de hiperatividade,
comprovando assim, as bases neurofisiológicas dos sintomas, ele também
enfatizava que a sintomatologia tinha origens psicológicas e relacionais. “As
crianças sem interesse pela escola, incapazes de controlar seus comportamentos
impulsivos e suas emoções estavam quase sempre envolvidas em situações de
conflito pessoal” (CALIMAN, 2010, p. 57).

Na década de 1960, não havia evidência científica que justificasse a


hipótese de lesões cerebrais e surgiu então a nomenclatura Disfunção Cerebral
Mínima (DCM) (FRANÇA, 2012), um diagnóstico extremamente impreciso e
abrangente que Caliman (2010) classifica como um diagnóstico guarda-chuva,
isto é, aquele que tenta unificar muitas patologias em um mesmo diagnóstico, e
recorrentemente, acaba em compreensões reducionistas sobre o fenômeno.
182
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

A hipótese de que o quadro seria psicossomático foi apresentada por Blau


em 1954.

NOTA

Psicossomática se refere ao estudo de doenças que tem como origem


aspectos psicológicos.

Caliman (2010, p. 52), argumentando que a construção de um diagnóstico


deve considerar aspectos sociais, políticos, institucionais, morais, ideológicos e
econômicos, afirma que o TDAH serviu de instrumento para a biologização da
moralidade ao escrever que “Still foi um dentre muitos outros que postulou a
existência de uma patologia moral específica, marcada pela desobediência às
regras e consensos sociais. Seu nome pode ser incluído na história da naturalização
da moral e moralização do natural”.

Em termos de constituição psicológica, autores da psicanálise


compreendem que nossa constituição subjetiva, relaciona-se com nossas relações
afetivas na infância. Inicialmente, um bebê só tem experiências sensoriais (tato,
olfato, paladar, audição e visão), e para que ocorra o desenvolvimento emocional,
é necessário que aconteça a transição entre a pura sensorialidade para a
construção de uma interpretação dessa sensorialidade, traduzindo-a em emoção
e pensamento. Essa transição, só ocorre se os investimentos afetivos e relacionais
entre bebês e crianças e seus cuidadores, geralmente a mãe ou alguém que faça
sua função, forem efetivos. Nesse sentido, é através da interação humana, que
desenvolvemos nos anos iniciais de nossa existência, uma segunda pele psíquica.
Essa segunda pele psíquica seria o recurso para lidarmos com nossas emoções
(FRANÇA, 2012).

Por essa racionalidade, os sintomas do TDAH seriam então explicados


a partir de uma falha na construção da subjetividade. As crianças, por não
terem a capacidade necessária para lidar com os sentimentos mais primitivos,
isto é, devido a uma falha na constituição da segunda pele psíquica, os
expressariam através do corpo, de movimentos, em desatenção e impulsividade
(FRANÇA, 2012).

Metaforicamente, poderíamos comparar com uma panela de pressão. Os


sentimentos pressionam a criança de dentro para fora, e ela, por não ter a segunda pela
psíquica fortalecida, diante de sentimentos que não consegue processar, explode.

183
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Para alcançar a dimensão humana é necessário que as vivências


sensoriais adquiram uma qualidade de vivências emocionais, ou seja, a
passagem das sensações às emoções, das percepções às representações
(das concretas às mais abstratas), que do corporal surja o psíquico
enfim. É fundamental a criação de um espaço mental no interior do
qual esses processos possam ser vividos e transformados (FRANÇA,
2012, p. 198).

Em termos de nomenclatura, o Manual de Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais (DSM) adotou em sua segunda edição, em 1968, o termo
Reação Hipercinética Infantil, na sua terceira edição, em 1980, utilizou Síndrome
de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade. Na revisão de terceira
edição (DSM-IIIR), o nome foi alterado para Distúrbio de Déficit de Atenção/
Hiperatividade (DDA), após assumirem que os critérios diagnósticos eram muito
vagos. A nomenclatura atual, surgiu apenas em 1990, na quarta edição do manual,
passando a ser denominado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH) (FRANÇA, 2012).

Como vimos nesse breve histórico, não há um consenso sobre a etiologia do


TDAH. Na atualidade, esse diagnóstico protagoniza uma disputa científica, pois ao
mesmo tempo em que são divulgados estudos que apresentam explicações biológicas
(alterações cerebrais, neurológicas, genéticas...) sobre a origem do TDAH, há uma robusta
produção que questiona a metodologia e os resultados desses estudos.

É o caso do psiquiatra e psicanalista francês, Patrick Landman que afirma:

[...] O TDAH não existe cientificamente: nada for descoberto, nem


em genética, nem em bioquímica, nem em exames de imagens que
poderia sustentar essa tese. A própria Associação Americana de
Psiquiatria afirma no DSM que nenhum exame neurológico, assim
como nenhuma avaliação da atenção, pode ter valor diagnóstico (apud
KAMERS, 2016, p. 235).

Mesmo diante dessas divergências, o TDAH é considerado uma desordem


comportamental, com sintomas que surgem na infância, acarretando graves
prejuízos na vida da criança, e muitas vezes desgaste familiar pelas dificuldades
em manter rotina. Caracteriza-se pela presença de hiperatividade, impulsividade
e desatenção e é associado ao desenvolvimento de comorbidades ao longo da vida
(EFFGEM et al., 2017).

A seguir, veremos os critérios, descritos pela psiquiatria, para a realização


do diagnóstico do TDAH.

184
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

3.2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO TRANSTORNO DE


DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
Para ser enquadrado no diagnóstico, os sintomas devem surgir antes dos
12 anos e ocorrerem em mais de um local em que a criança interage, por exemplo,
em casa e na escola. Em casos de adultos, poderia ser em casa ou no trabalho
(EFFGEM et al., 2017).

Os sintomas presentes no DSM-5 são apresentados por Sulkes (2018):

Sintomas de desatenção:
a) Não presta atenção a detalhes ou comete erros descuidados em trabalhos
escolares ou outras atividades.
b) Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas na escola ou durante jogos.
c) Não parece prestar atenção quando abordado diretamente.
d) Não acompanha instruções e não completa tarefas.
e) Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades.
f) Evita, não gosta ou é relutante no envolvimento em tarefas que requerem
manutenção do esforço mental durante longo período.
g) Frequentemente perde objetos necessários para tarefas ou atividades
escolares.
h) Distrai-se facilmente.
i) É esquecido nas atividades diárias.

Sintomas de hiperatividade e impulsividade:


a) Movimenta ou torce mãos e pés com frequência.
b) Frequentemente movimenta-se pela sala de aula ou outros locais.
c) Corre e faz escaladas com frequência excessiva quando esse tipo de atividade
é inapropriado.
d) Tem dificuldades de brincar tranquilamente.
e) Frequentemente movimenta-se e age como se estivesse "ligada na tomada".
f) Costuma falar demais.
g) Frequentemente responde às perguntas de modo abrupto, antes mesmo que
elas sejam completadas,
h) Frequentemente tem dificuldade de aguardar sua vez.
i) Frequentemente interrompe os outros ou se intromete.

Para completar o diagnóstico, os sintomas devem estar presentes por


pelo menos seis meses e destoarem em relação ao comportamento de outras
crianças na mesma faixa etária. O diagnóstico do tipo desatenção predominante
exige ≥ de seis sinais e sintomas de desatenção, o diagnóstico do tipo hiperativo/
impulsivo exige ≥ seis sinais e sintomas de hiperatividade e impulsividade e o
diagnóstico do tipo combinado requer ≥ 6 sinais e sintomas de cada critério de
desatenção e hiperatividade/impulsividade (SULKES, 2018).

185
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

NTE
INTERESSA

O questionário SNAP-IV, foi desenvolvido a partir dos critérios diagnósticos do


DSM-IV e validado no Brasil pelo Grupo de Estudos do Déficit de Atenção da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Serviços de Psiquiatria da Infância e Adolescência
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Você pode acessar o questionário
e as instruções de correção pelo site da Associação Brasileira do Déficit de (ABDA) https://
tdah.org.br/diagnostico-criancas/, mas é importante lembrar que o diagnóstico só pode ser
feito por profissionais qualificados.

Ao ler os critérios diagnósticos, é possível entender o porquê de tantas


críticas ao TDAH. Observe os itens descritos acima e tente diferenciar quais
deles são sintomas de uma doença mental e quais podem ser considerados
comportamentos esperados para a infância. A diferença entre patologia e
normalidade tem sido debatido no âmbito científico com a problematização
da chamada medicalização da vida. Abordaremos esse assunto com mais
profundidade no Subtópico 3.

Voltando ao diagnóstico, Effgem et al. (2017, p. 36) indicam que a avaliação


deve contemplar, além dos critérios do DSM-V, “as condições acadêmicas,
psicológicas, familiares e sociais da criança, para que seja possível delinear um
plano de intervenção adequado para tratamento”.

E continuam afirmando que o diagnóstico multidisciplinar, pode envolver


profissionais da medicina, psicologia, fisioterapia e fonoaudiologia e deve
também, ter a participação da família e professores (EFFGEM et al., 2017).

A avaliação do transtorno ainda é essencialmente clínica, baseada em


critérios bem definidos, como os que constam no DSM. No entanto,
sabe-se que a avaliação através do uso único e exclusivo desse manual,
não é suficiente para que seja confirmado o diagnóstico de TDAH,
pois sua interpretação pode ser meramente subjetiva, sendo então
necessária a participação de uma equipe multidisciplinar para que o
diagnóstico seja fidedigno (EFFGEM et al., 2017, p. 36).

A atenção de uma equipe multiprofissional é importante para garantir que


o diagnóstico não seja realizado de forma subjetiva. Em relação ao tratamento, uma
equipe multiprofissional também é mais indicada, porém, como veremos a seguir, o
tratamento ofertado nem sempre é composto por mais de um olhar.

186
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

3.3 TRATAMENTO PARA O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE


ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
Em relação ao tratamento, a psicoterapia é o mais indicado e o uso de
medicação deve ser secundário (EFFGEM et al., 2017), porém, a prescrição de
metilfenidato, comercialmente denominados Ritalina e Concerta, atingiram
no ano de 2010 um aumento de 775% em relação aos dez anos anteriores. Essa
realidade brasileira tem promovido debates no meio científico, apontando que
o uso indiscriminado dessas substâncias pode ter consequências graves como
efeitos cardiovasculares, depressão, psicose, distúrbios neurológicos, dores de
cabeça, anorexia e insônia (KAMERS, 2016).

NOTA

O metilfenidato é um estimulante que aumenta o nível de dopamnina e


noradrenalina nas fendas sinápticas do Sistema Nervoso Central (SNC).

DICAS

O canal Minutos Psíquicos produziu um vídeo chamado Transtorno do Déficit


de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Ritalina, onde explica a sintomatologia do TDAH e
como a medicação, se feita de forma errônea, pode prejudicar que a vida de quem a toma.
Você pode conferir o vídeo no link: https://www.youtube.com/watch?v=zl02W9WsbD4.

Além da descoberta da relação entre uso de metilfenidato e esses sintomas


colaterais, Kamers (2016, p. 229) também aponta que há estudos que mostram
“inconsistências metodológicas presentes nas pesquisas e publicações acerca da
efetividade [do metilfenidato] e dos riscos associados ao TDAH” e ainda, que
muitos estudos que defendem o uso dessas substâncias são financiados pela
indústria farmacêutica que têm interesse econômico na venda dessa medicação.
Apenas no Brasil, são movimentados US$ 30 milhões por ano, nesse mercado
(FRANÇA, 2012).

Assim como as divergências presentes acerca da etiologia do TDAH, o


principal recurso farmacológico para seu tratamento também é controverso.

187
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Para engrossar a polêmica acerca da efetividade dessa medicação, França


(2012) aponta que estudos que compararam o efeito do metilfenidato com placebo,
em geral, não apresentaram diferenças significativas na melhora dos pacientes.
Inclusive, a melhora pode ser associada aos efeitos colaterais da substância. A
autora ainda afirma que:

Mesmo os buscados efeitos terapêuticos, de ajudar a focar a atenção e


diminuir a agitação psicomotora, podem ser acompanhados de uma
sensação de engessamento, de estar aprisionado em si mesmo; e, além
disso, sem dúvida nenhuma, a inibição dos sintomas por si só não
promove desenvolvimento (FRANÇA, 2012, p. 198).

Outro fator a ser considerado, é a relação com a escola, origem recorrente


de encaminhamentos para avaliação de crianças que não se comportam, conforme
o esperado, em sala de aula. Apesar do metilfenidato acalmar as crianças e
promover aumento da capacidade de atenção, em termos de rendimento escolar,
não há benefícios, pois, a medicação não as ajuda em atividades que demandam
flexibilidade de pensamento. Também não há melhora na adaptação social, e ainda,
adultos que foram medicados na infância, não melhoraram em comportamentos
antissociais, nem no uso de drogas e nem nas taxas de detenção (KAMERS, 2016).

[...] a suposta melhora do desempenho escolar da criança promovida


pelo uso do metilfenidato era, na realidade, apenas uma percepção dos
pais e professores já que de fato, o desempenho escolar objetivo não
tinha melhorado. Assim, o que parecia ser um sucesso no rendimento
escolar, na realidade era apenas um aumento da docilidade da criança
em sala de aula [...] (SHARPE, 2014 apud KAMERS, 2016, p. 233).

Como anunciado no início desse tópico, o TDAH é bastante controverso.


Por isso, é importante levarmos em conta todos os fatores históricos associados à
sua construção e também, os fatores contemporâneos associados ao aumento ou
diminuição desse diagnóstico.

No próximo tópico, nós estudaremos o fenômeno da medicalização da


vida e seus conhecimentos sobre o TDAH o ajudarão a construir um pensamento
crítico sobre esse diagnóstico na atualidade.

DICAS

A reportagem “Os quatro excessos da educação moderna que perturbam


as crianças”, publicada na Revista Pazes em 2017, apresenta o texto da psicóloga Jennifer
Delgado Suárez em que ela descreve como o excesso de opções, coisas, velocidade e
informações tem afetado o desenvolvimento infantil na atualidade. Você pode conferir
a reportagem completa no link: https://www.revistapazes.com/os-quatro-excessos-da-
educacao-moderna-que-perturbam-as-criancas/.

188
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

4 SAÚDE MENTAL E MEDICALIZAÇÃO DA VIDA


Em um primeiro momento, o termo “medicalização”, pode nos remeter
à ideia de medicar. Essa confusão é bastante comum visto a semelhança entre
as duas palavras, porém, apesar das práticas medicalizantes serem muitas
vezes realizadas através da medicação, esse conceito não se resume a prescrever
remédios (BRASIL, 2019a – grifo nosso).

A medicalização refere-se ao estreitamento das explicações sobre os


fenômenos humanos, especialmente àqueles relacionados à saúde mental. Assim,
ao invés de considerar vários contextos coletivos como o sistema político-social-
econômico, os processos de medicalização da vida, compreendem os fenômenos
humanos de forma individualizada (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-
SP, 2014). Isto é, a medicalização “envolve um tipo de racionalidade determinista
que desconsidera a complexidade da vida humana, reduzindo-a a questões de
cunho individual, seja em seu aspecto orgânico, psíquico, ou em uma leitura
restrita e naturalizada dos aspectos sociais” (FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO
DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE apud BRASIL, 2019a, p. 13).

No campo da saúde, as práticas de medicalização estão associadas ao


paradigma biomédico que reduz a compreensão do fenômeno saúde-doença
a explicações unicausais, geralmente com argumentos de base biológica,
desconsiderando assim, a singularidade, subjetividade e os diversos contextos
associados à vida humana (BATISTA; OLIVEIRA, 2018).

A crítica que nos é fundamental estabelecer, [...], é que há uma


determinada hegemonização de certo modo de fazer e pensar as
práticas em saúde. A essa hegemonia chamamos de “paradigma
biomédico”, que tem por horizonte normativo a prática curativista
e no modelo técnico-centrado a instrumentalização do fazer desse
paradigma. Apontamos que a hegemonia biomédica das práticas de
saúde desenvolveu a redução da compreensão sobre o fenômeno da
saúde/doença, ou do processo saúde/doença/cuidado, a partir de uma
concepção unicausal (geralmente, biológica), omitindo processos de
singularização e subjetivação [...] (BATISTA; OLIVEIRA, 2018, p. 6 –
grifos do autor)

A esse respeito Batista e Oliveira (2018) recorrem às explicações de


Michel Foucault que aponta que a medicalização, originou-se com a medicina
sendo instrumento de higienização, disciplinarização dos corpos e regulação
dos comportamentos. Através do discurso científico, dita “formas de bem viver,
de lazer, de se relacionar, acaba por se apropriar de toda a existência humana,
criando padrões de comportamentos, normatizando os sujeitos e regulando os
corpos” (BATISTA; OLIVEIRA, 2018, p. 13).

Assim, questões de naturezas diversas como sociais, psicológicas ou


pedagógicas, passaram a ser do domínio da medicina e, portanto, passíveis de
serem explicadas e tratadas por ela, como se essa ciência fosse capaz de explicar,

189
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

em termos biológicos, anatômicos e fisiológicos, todo o processo saúde-doença.


Como consequência, muitos fenômenos da vida cotidiana, como tristeza,
dificuldades de aprendizagem, medo e insônia passam a ser considerados
patologias (BATISTA; OLIVEIRA, 2018).

Nesse cenário, a psiquiatria e em especial o Manual Diagnóstico e


Estatístico, instrumento que orienta a prática psiquiátrica mundialmente,
tem recebido severas críticas relacionadas à medicalização da vida, conforme
apontado pelo Conselho Federal de Psicologia.

[...] percebermos, diariamente, que sentimentos como: tristeza, alegria


e medo, passaram a ter uma medida tal, que se ultrapassarem certa
métrica, considerada como a mesma para uma população, serão
transformados de sentimentos legítimos em diagnósticos patológicos
e, não raras vezes, as pessoas são medicadas com anfetaminas,
estimulantes, dentre outras drogas denominadas de “tarja preta”
pelos sérios efeitos colaterais que causam, assim como a dependência.
Por exemplo, nessa métrica, chega-se ao cúmulo de estabelecer que
é possível chorar a morte de uma pessoa querida por 15 dias, mais
do que isso, seria indicativo de um quadro depressivo, passível de
medicação (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA 2013, p. 5 -
grifos do autor).

DICAS

A reportagem “Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais”


(2014), apresenta uma entrevista com Allen Frances, psiquiatra que dirigiu por alguns anos a
produção do Manual Estatístico e Diagnóstico (DSM). Na matéria, Frances aponta os efeitos
da influência e poder da indústria farmacêutica na produção de transtornos mentais com fins
comerciais e como tais práticas respondem a demandas sociais diversas. O conteúdo está
disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html.

A prescrição de medicações, por si só não se configura como uma prática


medicalizante. Os remédios são fundamentais para o tratamento de muitas
doenças, o que se aponta é sua utilização diante de uma racionalidade que reduz a
compreensão do fenômeno saúde-doença a explicações médicas, desconsiderando
assim, a diversidade de fatores da existência humana e favorecendo práticas de
adequação para os comportamentos socialmente indesejáveis. Porém, é preciso
estarmos atentos ao crescimento na venda de medicações, que inclusive, se
configuram em brindes oferecidos por laboratórios farmacêuticos como estímulo
para que os médicos prescrevam determinadas medicações. “[...] em 2010, o
Conselho Federal de Medicina proibiu os médicos de receberem “vantagens
materiais” por receitarem determinados medicamentos e voltou atrás em 2012,
permitindo que fosse possível oferecer, em troca, uma viagem para Congresso por
ano, financiada por determinado laboratório, justificando que é uma “tendência
mundial”” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 5 - grifos do autor).

190
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

A indústria farmacêutica, em termos de faturamento, só perde para


a indústria bélica (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013). Sua
responsabilidade diante do excesso de prescrição de medicamentos, pode
ser associada ao fato de investir mais em marketing do que em pesquisas
(BRASIL, 2019a).

O constante estímulo ao uso de remédios, através de propagandas,


para resolver problemas sociais, passa a ideia de que tomar remédios é sempre
positivo, o que não é verdade. Nesse sentido, muitas pessoas acreditam que
precisam de substâncias variadas para lidar com questões da vida, como o
trabalho, sem saberem dos riscos de dependência física ou psicológica associados
a determinadas medicações. Tal realidade, se configura nos índices de vendas
de medicações psicotrópicas no Brasil que é o maior consumidor de ansiolíticos
como clonazepam, midazolam e diazepam (BRASIL, 2019a).

DICAS

O documentário norte-americano, “Take Your Pills” (2018) retrata a realidade


do uso de anfetaminas como estratégia para obter maior concentração nos estudos e no
trabalho. De forma bastante esclarecedora, é possível ver os processos de medicalização
da vida, resumidos no consumo de uma pílula que promete vantagens competitivas no
mercado de trabalho e na vida acadêmica, mas cobra um preço alto por isso.

O uso indiscriminado de medicações tem sido foco de atenção da


Organização Mundial da Saúde (OMS), que estima de que “mais da metade dos
medicamentos sejam inadequadamente prescritos, dispensados e/ou vendidos,
e que metade dos pacientes os utilizem incorretamente” (BRASIL, 2019a, p. 13).

Devido aos riscos associados ao uso inadequado de medicações, como


intoxicações, dependência e até óbito, a OMS criou uma campanha denominada
Global Patient Safety Challenge on Medication Safety, com o objetivo de reduzir esses
danos à população, nos próximos anos (BRASIL, 2019a).

A medicalização da vida, que muitas vezes é realizada através da prescrição


de medicações como respostas rápidas para questões complexas, denuncia um
modo de nos relacionarmos enquanto sociedade, veremos os impactos de dessa
prática na infância.

191
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

4.1 MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA


Em relação ao público infantil, crianças em idade escolar são consideradas,
juntamente com idosos, presos (adultos e adolescentes) e pessoas em sofrimento
psíquico, uma das populações mais suscetíveis à medicalização (BRASIL, 2019a).

Nesse cenário, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, que


estudamos no subtópico anterior, se destaca. A escola é uma das instituições
que mais encaminham crianças para avaliação de TDAH, pois, devido ao
contato diário, os professores observam as crianças que não se comportam de
acordo com as regras da instituição (EFFGEM et al., 2017). As explicações para as
dificuldades de aprendizagem da criança são de ordem individual, associadas a
problemas familiares e alterações neurológicas. “É importante enfatizar também
que a exigência de um laudo médico ou psicológico para garantir o direito de a
criança estar numa classe especial ou numa instituição especializada é frequente
nesse cenário (fortalecendo cada vez mais a ideia de que os ditos “problemas
de aprendizagem” sejam entendidos como “problemas de cabeça”” (FIGUEIRA;
CALIMAN, 2014, p. 20 - grifos do autor).

DICAS

A psicóloga e psicanalista Michele Kamers apresenta em seu canal no Youtube,


alguns vídeos em que debate os processos de medicalização da infância no contexto
escolar. Você pode conferir os materiais na íntegra no link: https://www.youtube.com/
channel/UCa2JJSrH7H4E0SqCp5zSW0g.

A associação entre ciências biomédicas e educação não é recente, pelo


contrário, no final do século XIX, a pedagogia e psiquiatria infantil, surgiram como
campos de saber que tentavam normatizar a infância através de identificação e
mensuração de comportamentos estabelecendo, assim, critérios para o que seria
uma infância normal e anormal. A medicina extrapolou seu campo de atuação,
entrou no ambiente escolar e familiar, e passou a normatizar as regras para o bom
convívio social (BATISTA; OLIVEIRA, 2018).

[...] a partir dos séculos XIX e XX a psiquiatria se configurou como um


ramo especializado da higiene pública, cujo objetivo era a prevenção e
a eventual cura da doença mental como estratégia de precaução social,
necessária contra os supostos perigos decorrentes de comportamentos
socialmente indesejados, deixando de abordar o domínio da alienação
mental para incidir sobre as condutas consideradas desviantes. A
infância foi um dos principais objetos dessa construção, oferecendo a
consistência necessária ao saber e às práticas de normalização de todas
as outras etapas e dimensões da vida social e individual (FOUCAULT,
2010 apud FIGUEIRA; CALIMAN, 2014, p. 19).

192
TÓPICO 1 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA INFÂNCIA

A gravidade da medicalização na infância está no fato de que a tentativa


de controlar os comportamentos e o desenvolvimento infantil, desconsideram
a subjetividade, os desejos e a singularidade infantis e ainda, ignoram o fato
de que a criança, ao lidar com adversidades, pode apresentar determinados
comportamentos como estratégias para enfrentar os conflitos e dificuldades
que está passando. Cada criança encontrará um jeito único de demonstrar suas
dificuldades (BATISTA; OLIVEIRA, 2018). Assim, mais do que sintomas, esses
comportamentos são denúncias de que está criança precisa de ajuda. Diante disso
é importante refletirmos sobre as consequências de, em nome de um ajustamento
social, silenciarmos o sofrimento de nossas crianças.

França et al. (2012, p. 197) afirmam que o diagnóstico de TDAH não


beneficia a criança, pelo contrário, apenas tranquiliza pais e professores e os ilude
de que a criança está sendo adequadamente cuidada, pois esse diagnóstico foca
nos sintomas e não na função que eles exercem. E recorre ao exemplo de Leonardi
ao citar Myers & Holland (2000, p. 117), de uma criança que corre pela sala:
“estaria ela fugindo de uma atividade aversiva? Estaria precisando da atenção
dos colegas ou do professor? Estaria buscando uma estimulação sensorial?”

Schaedler e Mariotto (2012, p. 90) nos convocam a pensar além, ao


enfatizarem que o debate não deve se restringir apenas sobre qual tratamento é o
mais adequado, deve sim se ater a uma questão ética: “Que tipo de educação e de
mundo se pretende criar para as crianças de hoje? O que pretendemos transmitir
para elas? E de que forma?” E ainda, o que esperar de uma sociedade que recorre
à medicalização como forma prioritária de cuidar dos sofrimentos humanos?

DICAS

No vídeo, “Medicalização infantil: precisamos falar sobre infância e remédios”,


o pediatra Daniel Becker fala de como o estilo de vida contemporâneo tem contribuído
para o surgimento de vários sintomas associados à transtornos mentais na infância. Becker
reflete sobre o uso de remédios para lidar com fenômenos que são sociais e sugere algumas
estratégias para resistir à pressão de medicar crianças. O vídeo está disponível nesse link:
https://www.youtube.com/watch?v=SR38yYgaWek.

E como combater a medicalização?

Segundo Brasil (2019a, p. 16), é importante que equipes multidisciplinares


promovam ações de promoção de saúde, priorizem outras formas de tratamento
além do farmacológico. “Isso passa necessariamente pela mudança na cultura que
relaciona o direito à saúde a obtenção de uma prescrição de medicamentos”.

193
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Nessa temática, Batista e Oliveira (2018) apontam para a necessidade da


compreensão do ser humano de forma integral, considerando nas avaliações de
saúde aspectos biopsicossociais. E propõem como estratégia de intervenção à
clínica ampliada. Esse recurso muda o foca da atenção, anteriormente centrado na
doença, para a complexidade do processo saúde-doença.

Assim, há a valorização da escuta, da educação em saúde, da


atenção psicossocial e de ações intersetoriais como práticas de saúde que
produzem autonomia, considerando a complexidade do ser humano e de suas
vulnerabilidades (BATISTA; OLIVEIRA, 2018).

194
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é estudado há muitos anos, mas


ainda não há um consenso científico sobre sua etiologia.

• O diagnóstico de autismo só deve ser estabelecido a partir dos três anos de


idade para evitar falsos-positivos.

• A detecção para risco de autismo possibilita intervenções precoces que podem


reduzir a gravidade do quadro e até mesmo suprimir os sintomas.

• O protocolo IRDI (Indicadores Clínicos de Riscos para o Desenvolvimento


Infantil) é um instrumento de detecção de risco de autismo aplicado em bebês
de 0 a 18 meses.

• O M-CHAT (Modifield Che­cklist fo Autism in Toddlers) é um instrumento de


detecção de risco de autismo aplicado em crianças de 16 a 30 meses.

• Para a construção do TDAH surgiram hipóteses biológicas, genéticas, cerebrais,


psicológicas e ambientais.

• Até o momento não há um consenso, na ciência, sobre a etiologia do TDAH.

• Os critérios diagnósticos do TDAH são questionados no meio acadêmico por


se parecerem com comportamentos esperados na infância.

• O diagnóstico deve ser realizado por equipe multiprofissional com participação


da família e dos professores.

• Apesar das intervenções não farmacológicas, como a psicoterapia, serem mais


indicadas o uso de medicação tem crescido exponencialmente.

• No meio científico não há consenso sobre o uso do metilfenidato em crianças


diagnosticadas com TDAH.

• O uso de metilfenidato não está associado a melhora no desempenho escolar.

• A medicalização da vida refere-se a uma compreensão reducionista da


existência humana.

• Na saúde, a medicalização da vida está associada ao paradigma biomédico que


tenta explicar o processo saúde-doença apenas com dados biológicos.

• A medicalização da infância impede que os sofrimentos infantis sejam tratados


conforme sua complexidade.

195
AUTOATIVIDADE

1 A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que o diagnóstico de


Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) só deve ser considerado definitivo
a partir dos três anos de idade. A esse respeito, assinale a alternativa
CORRETA que corresponde à justificativa da OMS para tal orientação.

( ) A orientação da OMS justifica-se pelo risco de diagnósticos falso-positivos


caso o fechamento do diagnóstico ocorra antes dos três anos de idade.
( ) A orientação da OMS justifica-se pela necessidade de intervir tardiamente
em bebês com risco de desenvolvimento de TEA.
( ) A orientação da OMS não encontra respaldo nas produções científicas
apresentadas pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
( ) A orientação da OMS justifica-se para garantir que o diagnóstico seja
realizado por equipe multiprofissional.

2 A respeito do diagnóstico multidisciplinar para o Transtorno de Déficit de


Atenção e Hiperatividade (TDAH), avalie as afirmações a seguir:

I- Além de investigar a presença dos sintomas descritos pelo DSM-V, é


importante investigar as condições escolares, pedagógicas, psicológicas,
familiares e sociais da criança.
II- A avaliação do transtorno ainda é essencialmente clínica, baseada em
critérios que constam no DSM- V, porém, recomenda-se que a criança seja
avaliada por uma equipe multiprofissional para evitar que a avaliação
seja apenas subjetiva.
III- O M-CHAT-R pode ser aplicado parte de uma consulta de rotina e também
pode ser usado por especialistas ou por outros profissionais para avaliar
o risco de TDAH. O principal objetivo do M-CHAT-R é detectar o maior
número possível de casos de TDAH.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) I e III.
b) ( ) I e II.
c) ( ) II e III.
d) ( ) I, II e III estão corretas.

3 O número de crianças diagnosticadas como Transtorno do Déficit de


Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem crescido nas últimas décadas. A
respeito do tratamento ofertado para crianças diagnosticadas com TDAH
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A psicoterapia é o principal recurso terapêutico para o cuidado com


crianças diagnosticadas com TDAH.
( ) A indicação de metilfenidato não é uma unanimidade entre os profissionais
de saúde que cuidam de crianças com diagnóstico de TDAH.
196
( ) O metilfenidato é uma medicação segura, sem efeitos colaterais conhecidos
e que ajuda na melhora no desempenho escolar de crianças diagnosticadas
com TDAH.
( ) Crianças medicadas com metilfenidato apresentam significativas melhoras
em seu desempenho escolar e adaptação psicossocial na vida adulta.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F – F.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – V

4 A redução da compreensão sobre processo saúde-doença a aspectos


biológicos tem provocação explicações e intervenções simplistas sobre
a complexidade do sofrimento humano. Considerando essa afirmação,
discorra sobre a relação entre o paradigma biomédico e a medicalização
da vida.

5 O número de crianças, em idade escolar, diagnosticadas com transtornos


mentais tem crescido vertiginosamente nas últimas décadas. A preocupação
com o desemprenho escolar tem possibilitado que os mecanismos de
medicalização alcancem esse ciclo vital. Considerando o conceito de
medicalização da infância, descreva os efeitos dessas práticas para a saúde
das crianças.

197
198
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA


ADOLESCÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! Neste tópico, nós abordaremos problemáticas
contemporâneas associadas ao cuidado em saúde na adolescência.

Inicialmente, estudaremos o fenômeno da automutilação, também


chamada de autolesão, que se configura como um recurso disfuncional para
enfrentar sofrimentos emocionais que não podem ser expressos de outra forma. A
automutilação, nesse contexto, serviria como alívio para sentimentos angustiantes
e sensação de desamparo, porém não atua na situação que gera esses sentimentos,
possibilitando, assim, que o adolescente repita esse comportamento para obter
alívio temporário.

Esse fenômeno, apesar de não ser exclusivo da adolescência, tem maior


incidência nesse ciclo vital, pois, ele se configura como um período de transição
entre a identidade infantil e adulta, e, portanto, a busca pela própria identidade
pode ser permeada por sentimentos ambíguos e diversos conflitos interpessoais.

Em seguida, estudaremos o bullying, que tem se mostrado um fenômeno


complexo, caracterizado pela realização de agressões intencionais e sistemáticas,
com o objetivo de manutenção de poder por parte do agressor sobre a vítima.
Entre suas especificidades, está o fato de ser composto por diversos papéis como
agressor, vítima e espectadores. Entre os efeitos de ser vítima do bullying estão
depressão, isolamento social e até suicídio.

Por fim, entenderemos como o cyberbullying tem impactado a vida de


muitos adolescentes. O fato da agressão acontecer através do uso de tecnologias
em ambientes virtuais, não descaracteriza os papéis de agressores, vítimas e
espectadoras, mas possibilita a cada um, formas diferentes de atuação.

Veremos também que o cyberbullying é apontado como um agravante


no sofrimento das vítimas, pois, o conteúdo postado na internet pode alcançar
um número incalculável de espectadores e ainda, o material pode ser acessado
infinitamente, expondo a vítima a agressões por tempo indeterminado.

199
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

2 AUTOMUTILAÇÃO
Estudos sobre comportamentos autolesivos têm crescido desde os anos
2000. A compreensão sobre os motivos que levam alguém a iniciar a automutilação
e continuar essa prática, é um desafio para profissionais da saúde e da educação.
Uma das dificuldades para compreender, cientificamente, tais comportamentos
refere-se a uma imprecisão na nomenclatura. Assim, é possível encontrar
produções científicas que utilizam termos diversos como: autoinjúria, autolesão,
comportamento autolesivo entre outros (SANTOS; FARO, 2018).

Outra diferença nas classificações, refere-se à intencionalidade da lesão,


sendo com ou sem intenção suicida (SANTOS; FARO, 2018).

A Automutilação também se diferencia do suicídio. Embora sejam


comportamentos que são frequentemente associados e dividam algumas
experiências em comum, ambos são distintos. O indivíduo que realmente
tenta suicídio tem como objetivo a morte (está em busca de um fim). Já
o que se mutila está procurando o alívio dos seus sofrimentos; sentir-se
melhor (está em busca de mudança); com resultados imediatos e poderá
ser repetida várias vezes até que a sensação desejada de alívio seja atingida
(ALMEIDA et al, 2018, p. 152).

ATENCAO

Mesmo que a intenção da automutilação não seja o suicídio, pessoas que


praticam tal comportamento podem estar em risco de morte, pois, acidentalmente, podem
provocar uma lesão fatal.

Para fins didáticos, nesse material estudaremos as lesões sem intenção


suicida e utilizaremos, prioritariamente, os termos automutilação e autolesão.

DICAS

O artigo “Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero”, de


autoria de Luiza de Lima Braga e Débora Dalbosco Dell'aglio, publicado na Revista Contextos
Clínicos, em 2013, apresenta fatores de risco e dados epidemiológicos do suicídio na
adolescência. Você pode conferir o material completo no link: http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822013000100002.

200
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

O conceito de automutilação refere-se a comportamentos intencionais de


provocar lesões ao próprio corpo, sem intenção de cometer suicídio e caracteriza-
se por ser uma prática não aceita na própria cultura, ou seja, exclui lesões estéticas,
como a tatuagem e piercings, por exemplo. Em geral, são realizadas mais de uma
forma de autolesão e em regiões corporais de fácil acesso como braços e pernas
(ALMEIDA et al., 2018).

Cortes, queimaduras, cutucar ferimentos até sangrar, arranhões e mordidas


são as práticas mais comuns de automutilação. Há autores que caracterizam o
uso abusivo de álcool, drogas e medicações (overdoses) como autolesão, mas essa
classificação não é consenso, pois não gera marcas no corpo e os resultados da
intoxicação são imprevisíveis (GIUSTI, 2013).

A automutilação costuma ser repetitiva, podendo ocorrer mais


de 50 atos independentes num mesmo indivíduo, mas as lesões
são geralmente superficiais e sem repercussões sistêmicas. A
automutilação pode ser pensada por algumas horas, minutos ou
menos antes de executar cada incidente, dependendo da situação e
oportunidade (GIUSTI, 2013, p. 28).

Almeida et al. (2018), nos contam que a automutilação é classificada em


quatro categorias, que serão apresentadas no quadro a seguir:

QUADRO 3- CATEGORIAS DE AUTOMUTILAÇÃO

Apresenta comportamentos altamente repetitivos, monótonos, fixos,


frequentemente ritmados e parecem comandados; com as lesões tendendo
a manter um mesmo padrão, podendo variar de leves a graves ferimentos,
Automutilação do
podendo colocar em risco a vida da pessoa. As pessoas que a praticam não
tipo Estereotipado
têm vergonha e/ou disfarçam esse comportamento, mesmo quando diante
de expectadores e costuma ser frequente em pessoas com retardo mental,
autismo etc.
Inclui ferimentos graves, frequentemente colocando a vida da pessoa em
risco, ocasionando ferimentos irreversíveis, como: castração e amputação de
extremidades. Poucas vezes esse comportamento se repete, provavelmente
Automutilação do devido à gravidade das lesões. Costuma ser acompanhada por delírios
tipo Grave religiosos, com pensamentos de punição, tentação e salvação. Este tipo de
Automutilação não é critério diagnóstico de nenhum transtorno mental, mas
costuma estar associada a quadros com sintomas psicóticos, transtornos da
personalidade etc.
Inclui comportamentos repetitivos, algumas vezes rítmicos, ocorrendo
Automutilação do
diariamente e inúmeras vezes num mesmo dia, como na tricotilomania,
tipo Compulsivo
comportamento mais conhecido desse tipo de automutilação.
Nesse tipo, o indivíduo corta a pele, se queima e se bate; comportamentos
conceituados como atos agressivo-impulsivos, em que o alvo da agressão
Automutilação do
é a si mesmo. Normalmente, ocorre após uma vivência traumática de uma
tipo Impulsivo
forte emoção, como a raiva, ou apenas ela lembrança dela; sendo vistos
como forma de lidar com a emoção.

FONTE: Almeida et al. (2018, p. 150)

201
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

ATENCAO

Nesse tópico, destinado a compreender o fenômeno da automutilação durante


a adolescência, veremos que o tipo “automutilação do tipo impulsivo” é o mais frequente
nesse ciclo de vida.

Uma questão recorrente no estudo da automutilação, refere-se à


compreensão dos fatores de risco associado à sua realização. Se compreendemos
que no desenvolvimento humano, nenhuma intercorrência é unicausal, é
importante, enquanto profissionais de saúde, estarmos atentos aos inúmeros
fatores associados a essa prática, para não perdemos a oportunidade de oferecer
tratamento a alguém que se engaja nesse comportamento, mas por inúmeros
motivos, não consegue pedir ajuda.

A literatura científica aponta uma série de fatores de risco associados à


prática da automutilação. O quadro a seguir, apresenta uma síntese desses fatores.

QUADRO 4 – FATORES DE RISCO PARA AUTOMUTILAÇÃO

Falta de mecanismos de adaptação;


- Pessimismo;
- Insegurança;
Características - Distorção da imagem corporal;
pessoais - Baixa autoestima;
- Instabilidade emocional;
- Impulsividade;
- Autodepreciação.
Transtorno de Personalidade Borderline;
- Ansiedade;
Transtornos - Depressão;
psiquiátricos - Transtornos alimentares;
- Transtornos de uso de substâncias;
- Outros transtornos da personalidade (Ex.: histriônico e antissocial etc.).
Negligência;
Problemas - Abuso (sexual, físico, emocional);
relacionados à - Dificuldade de apego;
infância - Doença grave ou cirurgias na infância;
- Estresse emocional precoce.
Bullying;
- Informações sobre automutilação pela mídia (TV, internet etc.);
Social
- Colegas que se automutilam;
- Dificuldades de relacionamento.
Dependência de álcool;
- Separação precoce dos pais;
- Desvalorização por parte da família;
Familiar
- Violência familiar;
- Relação familiar disfuncional;
- Depressão em algum dos pais.

FONTE: Giusti (2013, p. 38)

202
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Santos e Faro (2018) demonstram que fatores biológicos também estão


associados ao comportamento autolesivo, e exemplificam com: alterações na tireoide,
insônia, fadiga, síndrome pré-menstrual, alterações hormonais e bioquímicas.

A automutilação também está associada à repressão da expressão


emocional, sendo que a maioria das pessoas que se automutilam (90%) afirmam
que ao longo da sua vida, não puderam expressar suas emoções, como raiva e
tristeza (ALMEIDA et al., 2018).

Vimos, até o momento, o conceito de automutilação sem intenção suicida,


as práticas mais frequentes, sua classificação e os fatores de risco. A seguir
estudaremos as especificidades desse comportamento na adolescência.

2.1 AUTOMUTILAÇÃO E ADOLESCÊNCIA


Apesar de não ser uma prática exclusiva da adolescência, é comum que a
automutilação inicie nesse ciclo de vida. Há estudos que apontam que a média do
início dos comportamentos autolesivos ocorra entre 12 e 16 anos, e as adolescentes do
sexo feminino são três vezes mais propensas a esse tipo de prática do que os do sexo
masculino (SANTOS; FARO, 2018).

Em um estudo global, descobriu-se uma prevalência média de 18% de


comportamentos autolesivos em adolescentes. “No Brasil, os estudos sobre
prevalência da autolesão relatam que, em geral, atendimentos de adolescentes
em unidades hospitalares por suicídio ou autolesões representavam cerca de 50%
do valor total de atendimentos das unidades” (SANTOS; FARO, 2018, p. 7).

A autolesão na adolescência está associada à autoimagem negativa e


influência dos pares, isto é, imitação do comportamento, principalmente se o
adolescente que se automutila for alguém de maios status social no grupo. Essa
situação pode levar ao que Santos e Faro (2018) chamam de contágio. Como
exemplo, os autores apresentam dois estudos, um que aponta que 11,9% de
adolescentes, que estavam em uma modalidade de educação de internamento,
realizaram automutilação por influência de outros adolescentes e um estudo que
aponta que 82,1% dos adolescentes afirmaram que conhecem pelo menos mais
um amigo que também se automutila.

DICAS

O filme “Aos Treze” (2003), dirigido por Catherine Hardwicke, conta a história
de duas adolescentes que estão imersas em uma série de conflitos tanto com suas famílias,
quanto com suas identidades. Ao longo da trama, a automutilação é utilizada como recurso
para aliviar sofrimento psíquico em relação a esses conflitos.

203
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

O bullying, a divulgação em redes sociais e ídolos ou celebridades


que relatam seus comportamentos autolesivos, naturalizando-os e assim,
reforçando sua ocorrência, também estão associados ao aumento no número de
automutilações em adolescentes (ALMEIDA et al., 2018).

TUROS
ESTUDOS FU

No próximo subtópico, estudaremos o fenômeno do bullying e do cyberbullying


na adolescência.

Além disso, a adolescência é um período de alterações fisiológicas


e psicossociais que expõe o adolescente a maior vulnerabilidade emocional
(SANTOS; FARO, 2018).

A adolescência é vista como um período de alterações físicas e


psicossociais que são fortemente influenciadas pelas interações do
adolescente, seja com outros ou com diferentes contextos e situações, o
que tende a constituir singularidades e caracterizar a heterogeneidade
deste período. Tantas mudanças requerem um nível de adaptação que
muitas vezes o adolescente não possui, tornando- o vulnerável a se
engajar em comportamentos de risco. Assim, o jovem pode engajar-se
em comportamentos agressivos, impulsivos ou mesmo suicidas, como
os comportamentos autolesivos, por exemplo, com vistas a adaptação
a contextos considerados aversivos (SANTOS; FARO, 2018, p. 3).

Adolescentes experimentam uma perda temporária de identidade, pois


estão em transição entre a identidade infantil e adulta. Nessa vivência, o corpo pode
tornar-se um recurso de expressão de seus conflitos, pois os adolescentes ainda
não conseguem simbolizar e regular seus afetos. Nesse contexto, a automutilação
é uma estratégia disfuncional de enfrentamento de suas dificuldades (ALMEIDA
et al., 2018).

O comportamento autolesivo por si só não é caracterizado como uma


psicopatologia, pelo contrário, ele é uma expressão, uma forma de comunicar,
através do corpo, que está sofrendo (ALMEIDA et al., 2018).

Assim, a autolesão caracteriza-se como um mecanismo de fuga para lidar


com seus sofrimentos psicológicos. A prática é associada a um alívio emocional
e até a prazer. Em sua pesquisa, Ulbrich et al. (2017) apresentam relatos de
adolescentes que demonstram esse efeito: “Tira um peso de mim"; Sim, sinto um
alivio"; Dói mais lá dentro que aqui por fora". O prazer da automutilação, está em
substituir a dor emocional pela dor física (ALMEIDA et al., 2018).

204
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Nesse contexto, Santos e Faro (2018) elencam pensamentos presentes em


pessoas que realizam automutilação, por exemplo: “só vou fazer um corte”, “eu
mereço essa dor”, “a vida é uma droga”, “estou sozinho, não tenho amigos”.

[...] durante e depois do ato os indivíduos que a praticam descrevem


que se sentem satisfeitos, aliviados e até felizes e fascinados com
os sinais e sensação de calor do sangue que escorre dos ferimentos,
comumente não sentindo nenhuma dor ou dor de leve intensidade
associada às lesões; ou seja, ela é acompanhada da sensação de bem-
estar e alívio, que podem persistir por algumas horas, dias e, muito
raramente, por semanas, retornando os sentimentos precipitantes logo
depois (ALMEIDA et al., 2018, p. 150).

Santos e Faro (2018, p. 8), também citam várias emoções que precedem ou
acompanham o momento da automutilação, sendo elas “raiva (dirigida a outro
ou a si mesmo), ansiedade, estresse, tristeza, frustração, culpa, vergonha, nojo,
sentimento de vazio, desesperança e solidão”.

É importante salientar que apesar da dor física aliviar a dor emocional,


essa sensação é temporária e não leva à resolução do conflito psíquico que
originou o desejo de se machucar (ALMEIDA et al., 2018). E ainda, sentir o alívio
emocional, passa a falsa impressão de que esse comportamento é resolutivo, o
que pode incidir num aumento do comportamento, tanto em frequência quanto
em gravidade (SANTOS; FARO, 2018).

Até o momento não há testes diagnósticos para identificar a automutilação,


assim a abordagem é essencialmente clínica. O tratamento deve ser adaptado
de acordo com as necessidades de cada pessoa sendo, geralmente, indicadas
intervenções de psicoterapia e quando necessário, o uso de medicações (SANTOS;
FARO, 2018).

A automutilação na adolescência é um problema de saúde pública e sua


prevenção e cuidado está associada ao trabalho interdisciplinar com famílias,
gestores e profissionais de saúde, e profissionais da educação (ULBRICH et al.,
2017; ALMEIDA et al., 2018).

Em termos de políticas públicas, em abril de 2019, foi promulgada a Lei


nº 13.819, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do
Suicídio (BRASIL, 2019b).

Essa política tem entre seus com objetivos, entre outros: promover
a saúde mental; prevenir a violência autoprovocada; controlar os fatores
determinantes e condicionantes da saúde mental; garantir o acesso à atenção
psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, especialmente
daquelas com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio;
informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância e a relevância das lesões
autoprovocadas como problemas de saúde pública passíveis de prevenção;

205
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

promover a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde em todos


os níveis de atenção quanto ao sofrimento psíquico e às lesões autoprovocadas
(BRASIL, 2019b).

A lei também garante que o poder público manterá um serviço telefônico,


com profissionais capacitados para atendimento gratuito e sigiloso para
pessoas em sofrimento psíquico. Esse serviço será amplamente divulgado em
locais com grande circulação de pessoas e através de campanhas publicitárias
(BRASIL, 2019b).

Em seu sexto artigo, fica determinada a notificação compulsória de


casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovoca. Os estabelecimentos
de saúde públicos e privados devem notificar as autoridades sanitárias e os
estabelecimentos de ensino públicos e privados devem notificar o conselho tutelar
(BRASIL, 2019b). E ainda,

§ 3º A notificação compulsória prevista no caput deste artigo tem caráter


sigiloso, e as autoridades que a tenham recebido ficam obrigadas a
manter o sigilo. § 4º Os estabelecimentos de saúde públicos e privados
[...] deverão informar e treinar os profissionais que atendem pacientes
em seu recinto quanto aos procedimentos de notificação estabelecidos
nesta Lei. § 5º Os estabelecimentos de ensino públicos e privados [...]
deverão informar e treinar os profissionais que trabalham em seu
recinto quanto aos procedimentos de notificação estabelecidos nesta
Lei (BRASIL, 2019b).

NOTA

O conselho tutelar fui instituído juntamente como Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), através da Lei nº 8.069, em 1990. É o órgão responsável por zelar pela
garantia dos direitos das crianças e adolescentes em todo o território nacional. É composto
por membros da comunidade, eleitos a cada três anos.

Em entrevista ao site do governo federal, especialistas apontam a importância


da implementação dessa política e ressaltam que a coleta dos dados, através da
notificação compulsória, poderá facilitar a construção de estratégias preventivas,
tanto à automutilação quanto ao suicídio. O psicólogo Carlos Aragão, um dos
entrevistados, salientou que sua efetividade será um desafio devido à extensão
territorial de nosso país e que o sucesso da iniciativa dependerá de uma articulação
intersetorial, de todos os setores envolvidos (GOVERNO FEDERAL, 2019).

206
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

DICAS

A reportagem “Cicatrizes da Tristeza”, apresentada pela TvBrasil, mostra a realidade


da automutilação no Brasil. Com depoimentos de especialistas e de adolescentes, a matéria
ilustra de forma dramática o contexto desse sofrimento na adolescência. Você pode conferir o
conteúdo na íntegra no link: https://www.youtube.com/watch?v=4TQL4-54iho.

A automutilação, ou autolesão na adolescência, é um fenômeno


multifatorial, que demanda atenção tanto dos profissionais da saúde quanto
dos profissionais da educação, que em parceria com as famílias e comunidade,
podem criar estratégias de atenção aos jovens. Porém, essa prática não é a única a
infligir sofrimento nesse ciclo de vida. A seguir, veremos o impacto do bullying e
do cyberbullying na adolescência.

3 BULLYING E CYBERBULLYING NA ADOLESCÊNCIA


Caro acadêmico! Certamente, você já ouviu falar nos termos bullying
e cyberbullying, pois nos últimos anos, eles têm se popularizado, sendo mais
facilmente discutidos em diversos grupos e não apenas pela literatura científica
ou por profissionais da educação e saúde.

Essa popularização é importante para a conscientização da gravidade


desse comportamento, para alertar a população sobre suas causas e efeitos e,
principalmente, diminuir concepções reducionistas e preconceituosas, como
expressas nas seguintes frases: “isso sempre existiu e nunca causou mal nenhum”
ou “essa nova geração é cheia de frescura, reclamam de tudo”.

ATENCAO

Minimizar a gravidade do bullying pode afetar a gravidade do sofrimento da


vítima, uma vez que tal prática naturaliza a violência e passa a impressão de que a vítima é
fraca ao não conseguir se defender.

Para você, enquanto futuro profissional de saúde, é muito importante que


compreenda que tanto o bullying quanto o cyberbullying são fenômenos complexos
e com sérias consequências para as vítimas, para os agressores e para a sociedade
em geral.

Vamos descobrir então, o que de fato são bullying e cyberbullying?


207
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

3.1 BULLYING NA ADOLESCÊNCIA


A expressão bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa
valentão. Os estudos sobre o fenômeno iniciaram na década de 1970 em âmbito
internacional, e nacionalmente, ganharam força a partir da década de 1990. O
comportamento chamou a atenção de pesquisadores, quando identificaram a
relação entre a frequência do comportamento de apelidar no ambiente escolar, ao
aumento no número de suicídio (MARQUES et al., 2019).

Já o termo bullying também tem origem inglesa e pode ser traduzido como
intimidação ou humilhação, porém, em nossa literatura científica, utilizamos
o termo sem tradução, por compreender que essas palavras não refletem a
totalidade da complexidade do fenômeno (SCHREIBER; ANTUNES, 2015).

DICAS

Para conhecer a produção científica brasileira sobre bullying, consulte o artigo


“Bullying na adolescência: visão panorâmica do Brasil”, publicado na revista Ciência e Saúde
Coletiva, em 2015, pelas autoras Pamela Lamarca Pigozi e Ana Lúcia Machado. O link de
acesso ao material é: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2015.v20n11/3509-3522/pt.

Um dos primeiros estudiosos sobre bullying, Dan Olweus realizou sua


pesquisa com 130 mil alunos noruegueses e constatou que 15% dos estudantes
da educação básica tinham envolvimento com essa prática. Em seus estudos, o
autor conceituou o fenômeno como: “uma forma de violência que se expressa por
meio de diversos modos de ação ou comportamentos, podendo ser descrito como
abuso de poder sistemático, consistindo em ações realizadas de forma persistente
e repetidas, com o intuito de intimidar ou magoar outras pessoas” (OLWEUS
apud SCHREIBER; ANTUNES, 2015, p. 112).

Apesar do bullying ser uma agressão, nem toda agressão caracteriza-


se como tal. As especificidades do bullying em relação a outras agressões são:
persistência, intencionalidade, frequência, desigualdade de poder entre agressor
e vítima, o ato agressivo não é uma resposta à uma provocação, há presença de
público (também denominado de plateia ou espectadores) e a vítima apresenta
concordância com a violência (ZEQUINÃO et al., 2016).

Apesar do bullying geralmente ocorrer em ambiente escolar, tal fenômeno


também pode ser encontrado em ambientes de trabalho e familiar (SCHREIBER;
ANTUNES, 2015). Para fins didáticos, nesse material focaremos no bullying no
ambiente escolar e seu impacto na saúde de adolescentes.

208
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

ATENCAO

A prática do bullying no ambiente de trabalho, também pode ser chamada de


assédio moral.

Além das diferenças do ambiente, o bullying também pode ser dividido


em seis tipos que serão apresentados no quadro a seguir.

QUADRO 5 – TIPOS DE BULLYING

Verbal Insultar, gozar, criar apelidos, fazer comentários racistas, ofensivos e maldosos.
Físico Bater, socar, cuspir, empurrar, dar pontapés, agredir com objetos.
Psicológico Manipular a vítima através de chantagem emocional e ameaça.
Isolar a vítima dos demais membros do grupo, coagir outras pessoas a não
Social/Relacional
interagiram com a vítima, resultando em prejuízo de suas relações grupais.
Praticar gestos obscenos, pedir favores sexuais, obrigar a manutenção de um
Sexual
relacionamento, enviar mensagens de cunho sexual.
Contra a
Roubar, extorquir, exigir dinheiro e bens, estragar objetos intencionalmente.
propriedade
Cyberbullying A violência ocorre no ambiente virtual.

FONTE: Zequinão et al. (2016) e Marques et al. (2019)

TUROS
ESTUDOS FU

No próximo subtópico, estudaremos sobre o cyberbullying e compreenderemos


as especificidades desse fenômeno, bem como, suas semelhanças e diferenças em relação
ao bullying.

Outra característica do bullying refere-se à classificação dos papéis


desempenhados pelos envolvidos: agressores, vítimas e plateia ou espectadores
(ZEQUINÃO et al., 2016).

Os agressores, segundo Schreiber e Antunes (2015, p. 113), podem


ser impulsivos ou dissimulados. “O impulsivo geralmente é uma pessoa com
pouca estabilidade emocional, que apresenta certo nervosismo e que é incapaz
de compreender a emoção dos outros, agredindo de forma cínica, sem qualquer
cerimônia. Já os dissimulados são os agressores que têm alto poder de manipulação
no grupo, sendo mais difícil de serem descobertos”.

209
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Em geral, os agressores são mais velhos que a vítima, consomem mais


substâncias psicoativas, tem mais confiança em si mesmos, apesar de serem
menos inteligentes e apresentarem baixo desempenho escolar, praticam mais
atividades físicas, não apresentam sentimentos como culpa, ansiedade ou medo.
E ainda, avaliam a agressividade como algo positivo, uma qualidade, podendo,
na vida adulta, se envolverem com a criminalidade (ZEQUINÃO et al., 2016).

[...] Os agressores ou autores são os praticantes do bullying. Estes


possuem um perfil dominante, agressivo, impulsivo e não seguem
regras. Acreditam que suas vontades devem ser atendidas e sentem-se
recompensados quando ganham poder e status. Normalmente vivem
em um ambiente familiar com pouco relacionamento afetivo e falha na
educação (MARQUES et al., 2019, p. 293).

Pessoas do sexo masculino são os maiores praticantes de agressões diretas


com uso da força física e as do sexo feminino, praticam agressões indiretas, como
isolar ou através de xingamentos e fofocas (ZEQUINÃO et al., 2016; MARQUES
et al., 2019).

As vítimas, são as pessoas que sofrem a violência. Em geral, esse público


é composto por pessoas mais isoladas, sem tantos amigos, tímidos e inseguros.
Pessoas com algum tipo de deficiência, seja física ou mental, com sobrepeso e
com orientações sexuais ou de gênero diferentes da heteronormatividade, são as
vítimas mais frequentes (ZEQUINÃO et al., 2016).

As consequências das agressões sofridas através do bullying podem


causar grandes prejuízos durante o período de vida em que se está vivendo e
no futuro também. Entre as consequências, podem-se citar: abandono escolar;
sintomas psicossomáticos, como dores de cabeça, insônia, inapetência, fobia
social, anorexia, depressão, ansiedade, enurese noturna, automutilação e, em
casos mais graves, o suicídio (SCHREIBER; ANTUNES, 2015; ZEQUINÃO et al.,
2016; MARQUES et al., 2019).

Anualmente, morrem por suicídio 600 mil adolescentes. Desse montante,


50% está relacionado com o bullying (MARQUES et al., 2019).

Na vida adulta, há a possibilidade de a vítima tornar-se agressiva e ter


problemas familiares e no ambiente de trabalho, podendo repetir as mesmas
agressões que sofreu anteriormente (MARQUES et al., 2019).

Na adolescência, a escola é um dos principais cenários de realização


do bullying. As agressões podem ocorrer em situações em que professores
ou outros adultos não estão presentes, como nos recreios. Porém, alguns
profissionais, mesmo vendo as agressões, entendem que é uma prática natural
desse ciclo de vida e não intervém. Essa realidade, fragiliza ainda mais a vítima,
que recorrentemente, sente que não tem para quem pedir ajuda (MARQUES
et al., 2019).

210
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Tal violência e agressão são algo que vem comprometendo a saúde


mental das pessoas, tanto pela segregação que elas sofrem, como
também pelos estigmas impostos. De fato, o bullying não se assemelha
às brincadeiras entre amigos de colégio, ou de trabalho, de outrora,
nos tempos dos nossos avós, que partiam da inocência de crianças e
de momentos de descontração, com criação de uma caricatura entre
colegas; muito distinto, se mostra como ato de ódio, rancor, ironia,
disputa, e tantos outros sentimentos, que fazem com que, quem
sofre a agressão se sinta a pior das pessoas, ou seja, seres humanos
maltratando outros seres humanos! (MARQUES et al., 2019, p. 294).

A dificuldade da vítima em pedir socorro, aumenta a responsabilidade de


seus adultos cuidadores, tanto no âmbito familiar quanto nos âmbitos escolares
e serviços de saúde. Assim, é importante que estejam atentos a sinais como
desinteresse pela escola (pedir para mudar de escola, redução do rendimento,
faltar com frequência, apresentar mal-estar antes de ir para a aula), e ainda,
hematomas pelo corpo, apresentar materiais ou uniformes sujos ou estragados,
pois estes podem ser indicativos de bullying (MARQUES et al., 2019).

Na dinâmica do bullying, ainda há a existência de vítimas-agressoras, que


são aquelas que ora sofrem e ora praticam a agressão. A esse respeito, Zequinão et
al. (2016, p. 184), apontam que cerca de 10% dos estudantes vivenciam esse duplo
papel e os fatores de riscos, associados a esse grupo, se multiplicam, estando
associados a elevados níveis de envolvimento “em comportamentos violentos
fora da escola, de uso de substâncias ilícitas, de relatos de depressão, ansiedade,
sintomas físicos e psicológicos e com os piores resul­tados em avaliações de
ajustamento psicossocial”.

O terceiro papel é desempenhado pela plateia ou espectadores, que são


aqueles que assistem as agressões, mas não as realizam e também não são vítimas
delas. Há espectadores que tem medo de serem as próximas vítimas e por isso
se calam diante da violência e há aqueles que estimulam a prática (SCHREIBER;
ANTUNES, 2015).

ATENCAO

Papéis envolvidos no bullying:

Agressor: pessoa que realiza a violência;


Vítima: pessoa que sofre a violência;
Vítima-agressora: pessoa que dependendo do contexto, sofre a violência, mas também a pratica;
Plateia/ espectadores/ público: pessoas que assistem a violência, ficando calados por medo
de se tornarem as próximas vítimas ou estimulam a prática.

211
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

É possível constatar que o bullying não é um fenômeno simples, fruto


de um conflito entre duas pessoas, pelo contrário, envolve vários papéis e
têm sido associados ao modo de vida contemporâneo, permeado por valores
individualistas, que estimulam a competitividade e banalizam princípios éticos e
de respeito (SCHREIBER; ANTUNES, 2015).

Nesse sentido, Marques et al. (2019, p. 309), também apontam que o


contexto social legitima a prática do bullying, e salientam exemplificando a
naturalização da violência através do “culto à utilização de força e ideologias de
alguns grupos nos meios de comunicação, a masculinidade exaltada acarretando
no machismo e a exclusão social advindos do preconceito (racial, homofobia e
nazismo, por exemplo)”.

A sociedade em que vivemos ajuda a constituir nossos valores e princípios,


e, portanto, será na infância e adolescência que haverá mais necessidade de
esclarecimentos sobre o que é ou não aceito socialmente. Esses esclarecimentos
são importantes para que os jovens não reproduzam os comportamentos que
resultam em bullying (MARQUES et al., 2019).

Além de orientar os jovens sobre os princípios e valores fundamentais


para a convivência respeitosa e harmoniosa em sociedade, também é importante
estarmos atentos para os fatores de risco para a ocorrência dessa violência, pois
assim, poderemos encontrar formas de preveni-la.

O quadro a seguir apresenta os fatores de risco associado ao bullying nos


contextos escolar e familiar.

QUADRO 6 – FATORES DE RISCO ASSOCIADOS AO BULLYING

Excesso de estudantes, existência de locais pouco supervisionados,


alto índice de reprovação, professores e demais funcionários sem
Ambiente Escolar capacitação adequada para ministrar os conteúdos e inabilidade
interpessoal que dificuldade a relação com os estudantes; alta
rotatividade do quadro docente.
Monoparentalidade, que dificuldade o tempo de interação entre
pais e filhos, gerando estresse e em consequência, agressividade;
Ambiente familiar desarmonia familiar, falta de limites claros, violência intrafamiliar;
pais com histórico de depressão e uso problemático de álcool ou
outras drogas; baixo nível socioeconômico.

FONTE: Zequinão et al. (2016) e Marques et al. (2019)

O bullying, como vimos, é um fenômeno complexo. Além das diversas


formas de agressão, os diferentes papéis desenvolvidos e os inúmeros fatores de
risco, há ainda o componente cultural que legitima ou não as práticas de violência.

212
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Considerando todos os fatores descritos, sua prevenção e as intervenções


após sua ocorrência também devem considerar sua complexidade. Assim, no
âmbito familiar, um clima acolhedor e respeitoso pode diminuir os efeitos do
trauma do bullying, evitando o isolamento social da vítima. Em termos preventivos,
uma relação familiar saudável e com diálogo, previne tanto surgimento de
agressores quanto de vítimas (MARQUES et al., 2019).

No âmbito escolar, é importante capacitar os trabalhadores para


identificarem e agirem de forma adequada diante do bullying. E ainda,
proporcionar espaços de discussão sobre moral, uma vez que ela é construída
nas relações interpessoais, possibilitando a compreensão sobre limites e respeito
sobre as diferenças humanas (MARQUES et al., 2019).

Por fim, é importante estarmos atentos ao fato de que os agressores


estimulam esteriótipos, portanto, é “fundamental trabalhar a conscientização
tanto nas escolas quanto em outros ambientes, não separando o agressor (como
apenas aquele a ser punido) da vítima (como aquela a receber auxílio), entendendo
que ambos necessitam dessa orientação” (MARQUES et al., 2019, p. 314).

Enquanto profissionais de saúde, temos o compromisso de compreender


o bullying e seus efeitos de forma integral, evitando julgamentos que podem
banalizar os sofrimentos tanto de agressores quanto de vítimas e ainda, reduzindo
o fenômeno apenas aos adolescentes envolvidos, desconsiderando assim, os
aspectos sociais, culturas, econômicos e políticos que permeiam os ciclos de
violência em nossa sociedade.

DICAS

O vídeo “Bullying: o que é e como diminuí-lo”, apresenta de forma resumida e


ilustrada o conceito de bullying e orientações de intervenção para pais, professores e toda
comunidade. Você pode conferir o material na íntegra no link: https://www.youtube.com/
watch?v=v-5TfJ39sC0.

O modo de comunicação e interação humana tem se modificado desde


o surgimento da internet. Nesse contexto, as práticas do bullying também se
transformaram dando origem ao cyberbullying. A seguir, veremos quais características
dessa nova forma de violência e seus contextos e efeitos na adolescência.

213
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

3.2 CYBERBULLYING NA ADOLESCÊNCIA


Você já imaginou a vida sem internet? Quem tem mais de 30 anos, vai se
lembrar que há poucos anos, o acesso à internet era algo raro e, praticamente,
desnecessário. Sim, desnecessário. O acesso à informação era feito por livros,
revistas e jornais impressos. Havia bancas de jornal espalhados por quase todas
as cidades.

As conversas com amigos e familiares aconteciam pessoalmente ou por


telefone, mas nesse caso, era preciso falar mesmo, pois, não havia mensagem de
texto. Ah! Os telefones eram fixos, isto é, o aparelho ficava preso à tomada e não
era possível levá-lo para fora de casa. Algumas pessoas possuíam telefones em
que o suporte onde se escuta e fala, era desconectado da base (não tinha um fio
que os unisse), mesmo assim, seu alcance era pequeno e não era possível usá-lo
fora de casa, no máximo, no quintal.

Para assistir a vídeos era preciso ter uma televisão com videocassete ou
mais recentemente, um aparelho de dvd. Fotografias, só impressas. Para acessá-
las levava vários dias entre entregá-las para revelação em uma loja especializada
e finalmente, pegá-las para poder vê-las. Ou seja, nada instantâneo.

A internet foi uma revolução para a humanidade. O que antes era restrito
em nível local, tornou-se mundial. Hoje sabemos de notícias, em tempo real, de
fator acontecendo em locais muito distantes de onde estamos.

Ao sair na rua e até em espaços de lazer, é muito frequente vermos pessoas


com celulares nas mãos. Ah! Os celulares foram uma inovação, mas quando
surgiram, só tinham a função de telefone mesmo. Pouco tempo depois começaram
as mensagens de texto e bem depois, surgiram os aparelhos com acesso à internet.

Enfim, há poucas décadas a forma de relação humana era muito diferente


da atual. São inegáveis as incríveis possibilidades que a internet nos oferece,
por outro lado, a possibilidade de transmissão de informações para milhares de
pessoas (sem que consigamos controlar para quais e quantas pessoas) e em alta
velocidade, e muitas vezes, anônimas, têm fomentado o fenômeno conhecido
com cyberbullying.

Vimos que o bullying é um fenômeno bastante complexo e com efeitos


nefastos para todos os envolvidos e assim, também é o cyberbullying. Apesar
de ser uma forma de violência mais recente, já que tem seu campo de atuação
relacionado ao acesso à internet, tal prática tem sido bastante recorrente no
Brasil, uma vez que tal violência, muitas vezes, é estimulada pela possibilidade
de anonimato (MARQUES et al., 2019).

O conceito de cyberbullying tem sido apresentado por diversos autores nas


últimas décadas. Schreiber e Antunes (2015, p. 115), apresentam em seu estudo,
uma síntese de algumas definições, a saber:

214
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

• “uso de informações e de tecnologias de informação, como e-mail,


celular, aparelhos e programas de envio de mensagens instantâneas
e sites pessoais, com o objetivo de difamar ou apoiar de forma
deliberada comportamentos, seja de individuo ou de grupo, que
firam, de alguma forma, a outros indivíduos”, definição apresentada
por Belsey em 2004;
• “uma forma de bullying que utiliza a tecnologia, como um mecanismo
utilizado por crianças e adolescentes para ofender uns aos outros”,
definição apresentada por Campbell em 2005;
• “uma ação agressiva e intencional realizada por um grupo ou por
um indivíduo, com o uso de forma de contato eletrônico, de forma
repetida e ao longo de um período contra uma vítima que não
consegue se defender com facilidade”, definição apresentada por
Smith em 2004 (p. 99).
E ainda, temos o conceito de Patchin e Hinduja (2006, p. 149 apud
SCHREIBER; ANTUNES, 2015, p. 115) que afirmam que o cyberbullying
é uma “ofensa deliberada e repetida infligida por texto eletrônico.

Independente do autor, Schreiber e Antunes (2015) pontuam as


semelhanças entre as definições, destacando o uso da tecnologia como recurso
para cometer agressões de formas repetidas, deliberadas e intencionais.

O acesso à internet tem crescido nos últimos anos o que aumenta a


probabilidade de ocorrência do cyberbullying. Dados de 2012 apontavam que
entre crianças e adolescentes da faixa etária que engloba dos 9 aos 16 anos, 70%
possuíam perfis em redes sociais e um recorte etário de pré-adolescentes entre 11
e 12 anos, mostrou um pequeno aumento, atingindo 71% do total (SCHREIBER;
ANTUNES, 2015).

Já dados mais recentes, apresentados pela pesquisa TIC Kids Online


Brasil 2019, apontam que 89% da população entre 9 e 17, tem acesso à internet,
totalizando 24,3 milhões de crianças e adolescentes (TELE.SÍNTESE, 2020).

Apesar da impossibilidade da realização de agressão física, há inúmeras


formas de violentar alguém através do cyberbullying. O quadro a seguir apresenta
uma síntese dessas agressões.

215
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

QUADRO 7 – FORMAS DE REALIZAÇÃO DO CYBERBULLYING

Assédio Divulgação por meios eletrônicos de mentiras, fofocas, difamação e/ou fotografias
virtual (reais ou adulteradas) da vítima.
Roubo de O agressor utiliza a identidade virtual da vítima para enviar mensagens por
identidade meios eletrônicos em seu nome.
Ocultação de O agressor utiliza uma identidade falsa para acessar informações sigilosas e/
identidade ou comprometedoras da vítima para, futuramente, expô-la no ambiente virtual.
Impedimento da vítima em acessar determinados grupos ou conteúdos em redes
Exclusão
sociais.
Pornografia
Envio de imagens ou vídeos de cunho sexual ou erótico sem o consentimento
por vingança
da vítima.
(Revenge porn)
Utilização de fotos ou vídeos, de caráter sexual ou cômico, inicialmente consentido
Outing
pela vítima com o intuito de divulgar o conteúdo para adquirir fama, mas que
no futuro torna-se alvo de agressão pela sua exposição.

FONTE: Tavares (2012) e Schreiber e Antunes (2015)

DICAS

O filme brasileiro “Ferrugem’ (2018), dirigido por Aly Muritiba, retrata de forma
dramática e muito realista, os efeitos do vazamento de conteúdo íntimo em grupos de
whats app. Um excelente material para refletir sobre a contemporaneidade da adolescência
e suas manifestações através de novas tecnologias.

Há ainda, duas novas formas de violência através do cyberbullying que


extrapolam a fronteira virtual, são elas a “provocação incendiária” que consistem
em discussões com linguajar ofensivo que iniciam nas redes sociais e continuam
ocorrendo quando os envolvidos se encontram pessoalmente em outros ambientes
e a “happy slapping”, que acontece através do registro em vídeo de uma agressão
física (brigas em colégios, por exemplo) e posteriormente, o conteúdo do registro
é compartilhado nas redes sociais (SCHREIBER; ANTUNES, 2015 grifo nosso).

Assim como no bullying, o cyberbullying também é composto por pessoas


que desempenham os papéis de agressores, vítimas e espectadores. Porém,
há algumas especificidades nesses papéis que os diferenciam da prática do
bullying presencial.

Os agressores praticam o cyberbullying como objetivos variados, que


“incluem a vingança, chantagem, afirmação social, promover o ostracismo das
vítimas, frustração, revolta e diversão” (TAVARES, 2012, p. 175).

216
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Uma característica desse tipo de violência é a possibilidade de


anonimato, uma vez que o agressor pode criar diversos perfis falsos para
praticar o cyberbullying. Assim, qualquer pessoa próxima pode ser o agressor,
alguém que a vítima talvez nem desconfie e também pode ser alguém que não
convive pessoalmente com a vítima (TAVARES, 2012).

O anonimato favorece a desinibição dos agressores, o que contribui para


a sensação de irresponsabilidade e impunidade para seus atos. “Sendo assim,
a internet desperta em algumas crianças e adolescentes a sensação de que não há
regras legais ou éticas que regem as interações que ocorrem na rede, portanto, livre
para experimentar seu lado bom e o ruim” (SCHREIBER; ANTUNES, 2015, p. 118).

NOTA

Apesar de ainda termos uma legislação frágil para a responsabilização jurídica


pelo cyberbullying, a convicção do anonimato é uma ilusão, uma vez que o agressor pode
ser identificado pelo endereço de IP.

O anonimato possibilita também a alternância de papéis de vítimas


e agressores. Diferente do bullying, em que a vítima tem poucas chances de se
defender, no cyberbullying, as vítimas, inclusive do bullying presencial, podem se
tornar agressores como forma de vingança. “Assim, a desproporção de forças que
caracteriza e define esta forma de agressão por vezes é invertida no cyberbullying,
que pode ser perpetrado pelas “convencionais” vítimas (TAVARES, 2012, p. 175
– grifo do autor).

Em relação à plateia ou espectadores, o fato do conteúdo estar on-line


dificulta a identificação de todos que acessam o material e também, o tempo
de acesso, muitas vezes, é incalculável, visto que os materiais postados podem
circular pela rede indefinidamente. Assim, diferente do bullying presencial em que
as agressões ficam restritas à escola e seu entorno, no cyberbullying, a vítima não
consegue escapar do agressor enquanto estiver acessando à internet. A qualquer
momento do seu dia, a violência pode surgir em uma rede social, site ou grupos
de mensagens (TAVARES, 2012).

Esse cenário contribui para o agravo no sofrimento das vítimas que podem
passar a vida toda sendo revitimizadas por conteúdos postados anos antes. A
esse respeito, Schreiber e Antunes (2015, p. 119), afirmam que

Na verdade, dada a rápida e extensiva repercussão das agressões, não


é surpreendente que o efeito de tal ato seria mais penoso e prejudicial
para a vítima de cyberbullying do que para uma vítima do bullying
presencial, onde o fenômeno se resume há um pequeno grupo de
espectadores. Em essência, o efeito do grupo cyber ultrapassa de longe
as barreiras da escola, sendo que seu público potencial é ilimitado.

217
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Assim, os espectadores, que no bullying presencial podem ter papéis mais


passivos, no cyberbullying podem ser mais ativos, ao compartilharem em suas
redes sociais e grupos de amigos o conteúdo da agressão (TAVARES, 2012).

ATENCAO

Para que a agressão seja caracterizada como cyberbullying, é imprescindível


que seja composta pelos papeis de agressor, vítima e espectadores, porém, o ambiente
virtual proporciona uma nova dinâmica a esses papéis, principalmente ao considerarmos a
questão do anonimato, do alcance de espectadores e do tempo de exposição à violência
que é indeterminado.

A repetição, que é uma das características dessa forma de violência,


também tem suas particularidades e relação ao ambiente virtual, pois fica evidente
quando há o envio de inúmeras mensagens, porém, quando há a publicação de
um único conteúdo que tem potencial de se tornar uma exposição vexatória para
muitas pessoas, a repetição não fica tão clara. Nesse caso, o efeito de repetição
se dará pelos sucessivos acessos, realizado pelos espectadores, a esse conteúdo
(SCHREIBER; ANTUNES, 2015).

Em relação aos danos associados ao cyberbullying nas vítimas encontramos


o isolamento social, depressão, risco de suicídio, baixa autoestima, mudanças de
humor, maiores chances de uso de drogas, agressividade, enurese, insônia, dores
de cabeça, automutilação e redução no rendimento escolar (TAVARES, 2012;
SCHREIBER; ANTUNES, 2015).

É importante ressaltar que “[...] as consequências deste tipo de bullying


podem mesmo ser mais destrutivas do que nas outras formas de agressão, muito
pelas razões apontadas aquando da comparação com o bullying convencional
(anonimato, espaço de atuação alargado, facilidade e tempo de disseminação e a
possível perpetuação da agressão no tempo)” (TAVARES, 2012, p. 176).

ATENCAO

No subtópico anterior, vimos que a automutilação é um recurso utilizado por


adolescentes para enfrentar emoções que ainda não podem ser expressas de outras formas
além do corpo. Enquanto profissional de saúde, você precisa estar atento para o risco desse
comportamento estar relacionado ao cyberbullying.

218
TÓPICO 2 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AO CICLO VITAL DA ADOLESCÊNCIA

Os agressores também não estão isentos de prejuízos, tendo propensão à


depressão, maiores chances de uso de drogas, baixa interação social e maior risco
de suicídio do que as vítimas, principalmente, agressores do sexo masculino.
Esse aumento no risco de suicídio é apontado por Schreiber e Antunes (2015, p.
120) ao afirmarem que dentro do cyberbullying “por muitas vezes os autores não
terem a intenção de fazer mal a vítima, sendo que o fato poderia ter iniciado como
uma declaração que foi concebida como uma piada ou mal interpretada e acabou
resultando em uma situação que se agrava rapidamente e envolve várias partes,
deixando a sensação de culpa por iniciar uma agressão não intencional”.

Assim como o bullying, o cyberbullying também é um reflexo da sociedade


contemporânea que estimula a individualidade e competitividade e muitas vezes,
banaliza as inúmeras formas de violências. Sua prevenção deve ser associada a
um debate e reflexões coletivas sobre que mundo queremos para nosso futuro
e quais estratégias utilizaremos para orientar os jovens sobre respeito, ética e
interação humanas harmoniosas.

As ações de prevenção, apesar de sabermos que o cyberbullying não se


restringe aos adolescentes, priorizam um comprometimento de pais e professores
que devem orientar os jovens sobre o uso responsável das tecnologias, ajudá-los a
administrar o tempo que passam on-line com as atividades off-line, acompanhar
o conteúdo que eles acessam e restringir conteúdos inadequados para cada faixa
etária, orientá-los sobre os riscos de compartilhamento de informações pessoais
e deixaram claro que devem ser informados sobre qualquer atividade que possa
incorrer em cyberbullying (TAVARES, 2012).

A esse respeito, Schreiber e Antunes (2015) também apontam que as


punições devem estimular ações de reflexão sobre o comportamento e não apenas
cessá-los. E recorrem à produção de Xarife (2011), que afirma que alguns pais
compreendem que conteúdos sobre sexualidade, violência e religião presentes em
livros e filmes devem ser censurados para seus filhos. Porém, “a censura, seja ela
consciente pelos pais, ou inconsciente através de associações em mídias no meio
de comunicação de massa, leva os jovens a reiterarem atitudes e perspectivas
discriminatórias e desrespeitosas ao encontrarem liberdade no ciberespaço, por
achar que nesse espaço não existe uma necessidade de se sujeitar às regras dos
adultos” (SHARIFF, 2011, p. 273 apud SCHREIBER; ANTUNES, 2015, p. 121).

DICAS

A reportagem “Cyberbullying: como evitar que o adolescente sofre com ele”,


publicada em 2019, apresenta uma série de orientações sobre como podemos agir diante
desse fenômeno. Você pode acessar o conteúdo completo, através do link: https://www.
vittude.com/blog/cyberbullying/.

219
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Fica claro que o cyberbullying apresenta especificardes próprias, tendo


potencial de lesão às vítimas aumentado devido às suas características. As ações de
prevenção, muitas vezes são focadas nos agressores, mas é importante, enquanto
profissionais de saúde, estarmos atentos à participação dos espectadores que de
forma ativa, contribuem para o sofrimento das vítimas.

220
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A automutilação é um problema de saúde pública que tem crescido nos últimos


anos.

• A automutilação pode ser classificada como tendo ou não intenção suicida.

• A adolescência é um ciclo vital de maior vulnerabilidade para a automutilação,


pois, os adolescentes experenciam uma transição em suas identidades;

• Os comportamentos de automutilação podem ser classificados como:


estereotipada, grave, compulsiva ou impulsiva.

• Adolescentes se engajam em comportamentos autolesivos para aliviarem


sentimentos muito intensos com os quais não sabem lidar de outra forma.

• Mesmo sem intenção suicida, quem pratica automutilação corre risco de


morrer, pois, pode provocar, acidentalmente, uma lesão fatal.

• A Lei nº 13.819, de 2019, prevê ações de combate e levantamento de dados


sobre automutilação e suicídio em todo o território nacional.

• O bullying é um fenômeno complexo que começou a ser estudado na década de


1970, quando pesquisadores associaram o aumento no número de suicídios a
práticas de apelidar em colégios.

• Para ser considerada bullying, a agressão precisa ser frequente, intencional,


sistemática e haver diferença de poder entre agressor e vítima.

• No bullying, os envolvidos desempenham papéis de agressores, vítimas,


vítimas-agressoras e espectadores.

• Há diversas formas de praticar o bullying, entre elas: verbal, física, psicológica,


social, sexual, contra o patrimônio e virtual.

• As vítimas de bullying podem ter prejuízos escolares, sintomas psicossomáticos,


praticarem automutilação e até suicídio.

• O bullying, para além do contexto escolar, tem relação com a sociedade


contemporânea que estimula o individualismo e a competitividade,
banalizando, assim, as diversas violências.

221
• Sua prevenção deve considerar um debate ampliado, de toda a sociedade,
sobre respeito e diferenças humanas.

• No âmbito escolar, a prevenção deve ser direcionada à capacitação dos


profissionais para identificarem e atuarem adequadamente diante das
agressões e também, promoverem debates sobre moral e respeito.

• No âmbito familiar, manter um clima de respeito e acolhedor, previne agravos


na vítima e, uma relação aberta e com diálogo, previne que os jovens se tornem
agressores ou vítimas.

• O cyberbullying refere-se à prática de agressões, através do uso de tecnologias,


no âmbito virtual.

• O cyberbullying pode ser realizado através de: assédio virtual, roubo de


identidade, ocultação de identidade, exclusão, pornografia por vingança,
outing, provocação incendiária e happy slapping.

• No cyberbullying também há os papéis de agressor, vítima e espectadores, mas


apresentam dinâmicas diferentes do bullying presencial.

• As consequências para a vítima do cyberbullying podem ser agravadas pelo


anonimato do agressor, a impossibilidade de conter o compartilhamento do
conteúdo e, portanto, de número de espectadores e também, há a possibilidade
de o conteúdo ser usado, por tempo indefinido.

• Assim como no bullying, no cyberbullying, as vítimas enfrentam diversos


sofrimentos, inclusive a possibilidade de suicídio.

• As ações preventivas ao cyberbullying passam por orientação e acompanhamento


dos jovens no uso de tecnologias.

222
AUTOATIVIDADE

1 A automutilação é um comportamento intencional de provocar uma lesão


ao próprio corpo, sem intenção consciente de suicídio. Apesar de não ser
um comportamento exclusivo da adolescência, esse ciclo vital é considerado
um fator de vulnerabilidade, pois, os adolescentes vivenciam uma transição
identitária. Considerando essa afirmação, assinale a alternativa CORRETA
sobre o fenômeno da automutilação na adolescência.

a) ( ) Adolescentes praticam a automutilação para entenderam como seus


corpos funcionam e escolherem a melhor forma de se expressarem.
b) ( ) Adolescentes praticam a automutilação como estratégia para obter
alívio diante de uma dor emocional profunda.
c) ( ) A automutilação na adolescência está associada a fatores biológicos e
não a fatores psicossociais.
d) ( ) Adolescentes que se automutilam, em geral, têm confiança para
expressarem seus sentimentos ao pais e professores.

2 A respeito das práticas preventivas e terapêuticas indicadas para a atenção


ao fenômeno da automutilação na adolescência, assinale V para verdadeiro
e F para falso nas sentenças a seguir:

( ) O cuidado em saúde a um adolescente que pratica automutilação deve


ser através de processos psicoterápicos e se necessário, intervenção
farmacológica.
( ) O diagnóstico de automutilação é feito através de testes psicológicos e
exames de imagem que detectam transtornos mentais associados ao
quadro.
( ) Ações interdisciplinares, que contemplem participação de profissionais
da saúde e da educação, e também de pais, são indicadas para a prevenção
à automutilação.
( ) A Lei nº 13.819 de 2019, pretende levantar dados estatísticos e
epidemiológicos para atuar no combate à automutilação e ao suicídio.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) V – F – F – V.
c) ( ) V – V – F – F.
a) ( ) F – F – V – V.

223
3 O bullying é um fenômeno complexo e multifatorial que tem acometido
muitos adolescentes, principalmente, no ambiente escolar. A respeito do
bullying na adolescência analise as sentenças a seguir:

I- Uma das características do bullying é que a motivação da agressão não está


associada a uma provocação por parte da vítima.
II- Adolescentes que assumem o papel de agressores, em geral, não têm
compaixão pelo sentimento dos outros.
III- Após cerca de quatro décadas de estudos sobre o bullying, não é mais
possível relacioná-lo com o aumento de suicídios entre adolescentes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

4 O bullying e o cyberbullying, apesar de serem, frequentemente, realizados


por adolescentes, não são exclusivos desse ciclo vital e também não se
restringem ao ambiente escolar. Considerando a complexidade desses
fenômenos, discorra sobre características da sociedade contemporânea que
legitimam tais práticas.

5 O cyberbullying caracteriza-se por ser uma agressão realizada através de


tecnologias em ambientes virtuais. Considerando suas especificidades,
elenque três características do cyberbullying que estão associadas ao
agravamento do sofrimento das vítimas.

224
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA


ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! Neste tópico, nós estudaremos o cuidado integral em
saúde aos ciclos vitais da adultez e envelhecimento. Para isso, selecionamos duas
temáticas presentes na vivência desses ciclos vitais, a saber: sofrimento psíquico
associado ao uso de álcool e outras drogas e sexualidade na velhice. Iniciaremos
com a temática sobre uso problemático de álcool e outras drogas, ou substâncias
psicoativas na vida adulta.

Apresentaremos o conceito de droga, suas possibilidades de efeitos no


sistema nervoso central e os critérios utilizados para tornar uma droga ilegal.
Em seguida, entenderemos como a redução de danos tem se mostrado uma
perspectiva ética de atenção a pessoas em sofrimento devido ao uso problemático
de substâncias psicoativas, ao considerar a subjetividade e os valores das pessoas
que fazem uso dessas substâncias.

Por fim, discutiremos o fenômeno de uso de drogas através do prisma


dos determinantes sociais da saúde. Para isso, abordaremos a intersecção com as
categorias gênero e raça. Na temática da sexualidade na velhice, apresentaremos
os mitos e tabus que têm contribuído para uma concepção de que idosos são
assexuados. Esclareceremos que a sexualidade não se resume ao ato sexual, pelo
contrário, faz parte da constituição da nossa subjetividade e é influenciada por
fatores sociais, culturais e familiares.

Discutiremos a importância de os profissionais de saúde estarem atentos


à sexualidade de idosos LGBT, uma vez que essa população é sistematicamente
exposta a discriminações por exercerem sexualidades que diferem da
heteronormatividade.

Para finalizar este subtópico, apresentaremos as possibilidades de atuação


profissional humanizada no campo da sexualidade na velhice.

225
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

2 USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS


NA VIDA ADULTA
Caro acadêmico! Neste subtópico, nós abordaremos o fenômeno do uso
de álcool e outras drogas na contemporaneidade e como você, futuro profissional
de saúde, pode oferecer o melhor cuidado a pessoas que sofrem devido ao
uso problemático dessas substâncias. Antes de iniciarmos a apresentação dos
principais conceitos e do contexto sociocultural associado ao campo do uso de
álcool e drogas no Brasil, responda à seguinte pergunta: Você já se drogou hoje?
Se esta pergunta assustou ou pareceu incômoda e inoportuna, é provável que
você não conheça o conceito de droga. Então, afinal, o que é droga?

Segundo a (OMS) droga é “qualquer substância não produzida pelo


organismo, que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas,
produzindo alterações em seu funcionamento” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE apud CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP, 2015, p. 5).

Assim, tudo aquilo que consumimos e altera nossos sistemas, é


considerado droga. A partir desse conceito, um remédio para dor de cabeça, um
antiácido, um café e até um simples chá de camomila, são considerados drogas.

Conhecendo esse conceito, fica mais fácil responder à questão acima:


Você já se drogou hoje? É importante que você saiba que as drogas são parte
essencial das maiorias das sociedades e têm sido usadas, ao longo da história da
humanidade para diversos fins como alimentação, analgesia, êxtase e como parte
de rituais religiosos, portanto, as diversas modalidades de uso têm papel crucial
nas constituições culturais, identitárias, étnicas e religiosas e estão relacionadas a
formas de sobrevivência de muitas populações (CARNEIRO, 2014).

NOTA

Quando falamos em uso cultural e/ou religioso de substâncias psicoativas,


estamos nos referindo, por exemplo, ao ritual de tomar chimarrão, o quentão em festas juninas
e o uso do vinho e cachaça em algumas religiões. Isto é, práticas que fortalecem a relação
entre as pessoas, e, portanto, são consideradas atividades que protegem a saúde mental.

Apesar dessa característica constituinte das sociedades, o uso


problemático é menos frequente que os usos caracterizados como interações
sociais construtivas, sendo que a maioria das pessoas faz uso de drogas sem
sinais de prejuízos e sem intenção de parar de usá-las (CARNEIRO, 2014).

226
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Para você, enquanto futuro profissional de saúde, é fundamental compreender


esses aspectos históricos sobre o consumo de drogas pela humanidade para que
possa construir um pensamento crítico e contextualizado quando atender a alguém
que tem sofrimentos psíquicos associados a essas substâncias.

Nesse material, trabalharemos duas classificações das drogas, a saber: seus


efeitos e sua legalidade. Sobre seus efeitos, as drogas podem ser classificadas em
psicoativas, isto é, têm poder de alterar a consciência ou drogas não psicoativas.

Para o nosso estudo, abordaremos apenas as drogas psicoativas, também


chamadas de substâncias psicoativas (SPA), que são classificadas em depressoras,
perturbadoras ou estimulantes do sistema nervoso central (SNC).

As substâncias depressoras são as que reduzem a atividade do SNC,


podendo causar lentidão, sonolência e menos sensibilidade à dor. O álcool,
assim como a cola de sapateiro, a morfina e a heroína, são exemplos de drogas
depressoras (NICASTRI, 2011).

Drogas que causam delírios e alucinações são classificadas como


perturbadoras do SNC e como exemplos dessas substâncias, podemos citar a
maconha e o ecstasy (NICASTRI, 2011). Já as substâncias estimulantes são aquelas
que aceleram o funcionamento do SNC, podendo causar agitação, insônia e estado
de alerta. Como exemplo dessas substâncias, temos tabaco, cocaína, anfetaminas
e cafeína (NICASTRI, 2011).

Sobre a legalidade das drogas, encontramos, no Brasil, drogas lícitas e


drogas ilícitas. As drogas lícitas são aquelas autorizadas pelo Estado a serem
produzidas, comercializadas, transportadas e consumidas. Já as drogas ilícitas
são aquelas que o Estado tornou proibida tais atividades e, portanto, pune àqueles
que realizarem tais ações (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP, 2015).

E quais são os critérios utilizados para tornar uma substância ilegal? É


importante saber que a legalidade ou ilegalidade de uma substância não têm,
necessariamente, relação com seus efeitos farmacológicos, pelo contrário, há
inúmeros interesses econômicos e políticos, associados a esse contexto (FIORE,
2012). Por exemplo, o consumo de álcool foi proibido nos Estados Unidos da
América (EUA), através da chamada Lei Seca que perdurou entre os anos 1920 e
1933. Os argumentos do governo norte-americano para a proibição da produção,
comercialização e consumo do álcool, era reduzir os riscos associados ao consumo
dessa substância e controlar a disciplina de trabalhadores (CARNEIRO, 2014).

227
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

NTE
INTERESSA

No período da Revolução Industrial, estimulantes como chás e cafés, eram


substâncias muito valorizadas, pois, mantinham as pessoas trabalhando por mais horas
e assim, aumentavam a produtividade e o lucro das recém-criadas fábricas. Atualmente,
essa realidade também é encontrada em muitos profissionais que, pressionados por
produtividade e prazos, usam estimulantes (café, cocaína) para trabalharem por mais horas.

Mesmo com a proibição, a produção, comércio e consumo de álcool não


deixou de existir. Existia, mas de forma clandestina, assim como acontece em nosso
país com as drogas tornadas ilegais na atualidade. Os resultados dessa política,
chamada de política proibicionista, foi o aumento de casos de intoxicações graves
e envenenamentos, uma vez que não havia regulamentação sobre sua produção,
fortalecimento de grupos criminosos, que sem a necessidade de pagamento
de impostos, lucravam muito com as atividades comerciais dessa substância e
também, o aumento do encarceramento da população (CARNEIRO, 2014).

No Brasil, as políticas proibicionistas também foram adotadas e existem


até hoje dependendo da substância, como é o caso da maconha, cocaína e crack.
A maconha, até o início do século passado não era uma substância ilegal, tanto
que até o ano de 1905, era possível encontrar à venda um cigarro chamado Índios,
composto de tabaco e maconha (LOPES, 2006).

As políticas proibicionistas fortaleceram um fenômeno chamado


“Guerra às drogas”. Essa expressão foi popularizada pelo presidente norte-
americano, Nixon, na década de 1970. A guerra às drogas, destina às substâncias
a responsabilidade pelos desarranjos sociais, porém desconsidera os fatores
sociais, econômicos e culturais associados ao consumo de substâncias. Essa
lógica fomenta a militarização em torno da problemática das drogas, com
alto investimento financeiro em capacitação policial para combate ao tráfico,
penalizando juridicamente, inclusive, quem apresenta um sofrimento psíquico
associado ao uso de substâncias (RODRIGUES, 2003).

ATENCAO

No Brasil, as políticas públicas sobre drogas fazem distinção entre usuários


(pessoas que usam as substâncias) e traficantes (pessoas que fazem trocas comerciais com
as substâncias), porém, apesar dessa diferenciação conceitual, não há critérios quantitativos
que estabeleçam essa diferença, ou seja, na legislação não está estabelecido se 10 gramas
de maconha ou crack são considerados tráfico ou para uso pessoal. Essa situação dificulta
a identificação de pessoas que precisam de tratamento, sendo muitas vezes, encarceradas
sem atenção as suas necessidades de saúde.

228
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Essa racionalidade também considera criminoso quem faz uso dessas


substâncias por uma questão de saúde mental o que fortalece o estigma aos
usuários das substâncias que, frequentemente, são associados à criminalidade,
vagabundagem e periculosidade (ANDRADE; RONZANI, 2017).

Atualmente, temos acompanhado o problema do uso de crack e


toda a repercussão junto à opinião pública e à mídia, que muitas
vezes generaliza o uso e o usuário de crack, fazendo uma rápida
associação entre o consumo dessa droga por moradores de rua e as
“cracolândias” nas grandes cidades, como se todos usuários de crack
estivessem ligados a comportamentos violentos e fossem todos iguais,
de uma maneira negativa (ANDRADE; RONZANI, 2017, p. 34 grifos
do autor).

Muitas vezes, profissionais de saúde são influenciados por concepções


preconceituosas e moralistas sobre usuários de drogas que além de serem
associados a práticas criminosas também são considerados fracos, sem caráter,
acomodados e que, portanto, não há muito o que fazer por eles. Essa realidade
resulta em uma piora na qualidade do atendimento destinada a usuários de
drogas que, frequentemente, sentem-se julgados nos serviços de saúde e, portanto,
apresentam mais resistência em procurar ajuda quando necessitam (ANDRADE;
RONZANI, 2017).

DICAS

Para conhecer mais sobre as políticas de drogas e as estratégias de atenção


em saúde a pessoas em sofrimento psíquico associados ao uso de substâncias psicoativas,
assista ao documentário brasileiro “Quebrando o tabu”, dirigido por Fernando Grostein
Andrade e Cosmo Feilding-Mellen (2011). Você pode acessar o conteúdo na íntegra através
do Link: https://www.youtube.com/watch?v=tKxk61ycAvs&has_verified=1.

As drogas também têm importância econômica e política para muitas


sociedades. Transações comerciais, cobrança de impostos e até guerras,
foram realizadas em nome do lucro associado a determinadas substâncias. A
importância do café e da cana-de-açúcar para o desenvolvimento econômico
brasileiro é tão significativa que no nosso brasão, encontramos os ramos dessas
plantas (CARNEIRO, 2014).

A importância econômica das drogas cresceu especialmente na


história moderna, quando os ciclos mercantis das especiarias (açúcar,
bebidas alcoólicas fermentadas e destiladas, dos excitantes cafeínicos,
ópio e tabaco) vão ser eixos articuladores da atividade comercial e da
obtenção de rendas fiscais pelos estados na tributação desses produtos
(CARNEIRO, 2014, p. 18).

229
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Em resumo, as políticas proibicionistas e a guerra às drogas privilegiam


financiamento de práticas de controle e combate à produção, comércio e
consumo de determinadas substâncias, em detrimento de ações de prevenção e
cuidado em saúde. Em uma perspectiva utópica, que desconsidera o contexto de
uso de substâncias psicoativas ao longo da história da humanidade, acreditam
em uma sociedade livre de drogas. Porém, em termos de resultados sociais,
essas políticas têm contribuído para o aumento da criminalidade, haja vista
as recorrentes disputas territoriais pelo tráfico de drogas, o encarceramento
sistemático da população e estigmatização dos usuários de drogas (CARNEIRO,
2014; ANDRADE; RONZANI, 2017).

O insucesso do modelo proibicionista foi atestado pelo aumento


mundial do tráfico e do consumo de drogas. Nesse âmbito, compreen­
de-se o usuário de drogas em termos de duas perspectivas: a moral/
criminal e a da doença. O processo de estigmatização decorrente
destas perspectivas cria barreiras para a inclusão social e também
para o próprio tratamento, ao passo que o rótulo atrelado aos usuários
de drogas dificulta, por exemplo, o acesso às instituições de saúde
(GOMES; VECCHIA, 2018, p. 2328).

Até agora vimos que o consumo de drogas pode estar associado a práticas
culturais, terapêuticas e recreativas e entendemos que a legalidade ou ilegalidade
de determinada substância, é influenciada por fatores sociais, econômicos e
políticos e contribui para a construção de estigmas sobre usuários de drogas, que
sistematicamente, são considerados marginais e não pessoas que precisam de
tratamento por uma questão de saúde. Veremos a seguir, como os profissionais
de saúde podem ofertar um cuidado integral às pessoas em sofrimento psíquico,
associado ao uso de substâncias psicoativas.

2.1 ATENÇÃO INTEGRAL A PESSOAS EM SOFRIMENTO


PSÍQUICO ASSOCIADO AO USO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS (SPA)
Caro acadêmico! Você já se perguntou por que alguém usa drogas? Qual
é a diferença entre uma pessoa que bebe esporadicamente, de forma recreativa, e
aquela que um gole desencadeia um consumo compulsivo?

Você já deve ter ouvido que a maconha é a porta de entrada para outras
drogas. Será que isso realmente é verdade? E ainda, já ouviu alguma expressão
assim: “hoje a cervejinha não caiu bem” ou “tomei só uma dose, mas parece que
bebi dez taças de vinho”. Essas expressões indicam que uma mesma pessoa,
consumindo a mesma substância em dias diferentes, não alcançou o mesmo efeito
das vezes pregressas. E qual é a explicação para essas diferenças entre as pessoas
e entre a mesma pessoa em situações diferentes se a substância é a mesma?

230
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Segundo Andrade e Espinheira (2017, p. 16), as respostas para essas


perguntas apontam que os efeitos das drogas estão associados a três situações:

1. Suas propriedades farmacológicas (estimulantes, depressoras ou


perturbadoras);
2. A pessoa que a usa, suas condições físicas e psíquicas, inclusive
suas expectativas;
3. O ambiente e o contexto de uso dessa droga, tais como as
companhias, o lugar de uso e o que representa esse uso socialmente.

Essa explicação, nos leva a concluir que a experiência de cada pessoa


com determinada substância é muito singular. Não há ninguém que faça o uso
de qualquer droga, pelos mesmos motivos e procurando os mesmos efeitos que
outra pessoa e ainda, a mesma pessoa pode usar substâncias diferentes em busca
de efeitos diferentes.

NOTA

As drogas só têm efeito na relação com o ser humano. Nenhuma substância,


por si só, é boa ou ruim, terapêutica ou danosa. Essas classificações só poderão ser
consideradas a partir da experiência de cada pessoa com cada substância.

A esse respeito, a cartilha “Ouvi Falar: dialogando sobre o que você ouviu
(ou não) falar sobre drogas” nos explica que há formas diferentes de uso de
drogas, por exemplo: alguém pode fazer um uso recreativo e esporádico, com o
objetivo de se divertir. Há também o uso nocivo, que mesmo que seja esporádico,
pode causar prejuízos como se envolver em brigas, acidentes e até mesmo, sofrer
uma overdose (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP, 2015).

Os tipos de uso também são singulares e não necessariamente sequenciais.


Alguém que os usa de forma recreativa pode passar a vida toda sem realizar uso
nocivo. Assim como alguém que teve experiências de uso abusivo pode mudar seu
padrão de consumo e realizar apenas uso recreativo ou nenhum uso ao longo da sua
vida (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP, 2015).

Outra questão que permeia o contexto do uso de drogas, refere-se ao


conceito de dependência que se configura como um padrão de uso problemático
que pode causar prejuízos em diversas áreas da vida da pessoa, como problemas
psicológicos, sociais e físicos (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP,
2015). Essas experiências também são singulares e as pessoas podem vivenciar
processos de:

231
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

• Tolerância: o organismo passa a exigir doses maiores para conseguir


os mesmos efeitos.
• Abstinência: a ausência da substância no organismo provoca
sintomas físicos e/ou psicológicos.
• Fissura: acostumada a viver sob os efeitos da droga, a pessoa
sente uma grande vontade de usá-la com frequência
(CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA-SP, 2015, p. 9).

NOTA

Você reparou que em nenhum momento utilizamos a expressão “dependente


químico”? O não uso do termo “químico” é intencional, pois, dentro da atenção integral
à saúde, consideramos a multifatorialidade do uso de drogas, isto é, acreditamos que os
problemas associados ao uso de substâncias não se reduzem a mecanismos fisiológicos
associados aos efeitos cerebrais de cada substância. Pelo contrário, para a atenção integral
em saúde, os contextos sociais, culturais, políticos e psicológicos são considerados
fundamentais para a compreensão do fenômeno.

Essas informações nos levam ao principal objetivo de estudo desse


subtópico que é debater a melhor forma de intervenção em saúde a quem tem
sofrimentos associados ao uso de substâncias. Se estamos falando em padrões de
consumo singulares, evidentemente estamos falando em intervenções singulares,
isto é, intervenções em saúde que estejam de acordo com a história de vida, a
relação estabelecida com a substância e os prejuízos que cada pessoa identifica
em sua vida a partir do uso.

Nesse contexto, o cuidado em saúde pautado pela perspectiva da redução


de danos, tem se mostrado uma estratégia de atenção que respeita a singularidade
dos sujeitos, uma vez que se dispõem a compreender como a droga entrou na vida
de cada pessoa, o que a faz continuar o uso e o que a faz querer reduzir ou parar
totalmente o uso e ainda, qual seu projeto de vida para além da relação com a
substância (É DE LEI, 2014).

Mas, afinal, o que é a redução de danos? A seguir, veremos um breve


histórico sobre redução de danos e como essa perspectiva ética pode ser adotada
por profissionais de saúde na atenção a pessoas com sofrimentos psíquicos
associados ao uso de substâncias psicoativas.

232
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

2.1.1 Redução de danos


As primeiras estratégias de redução de danos brasileiras datam da década
de 1990 e surgiram devido à alta transmissibilidade do HIV, entre usuários de
drogas injetáveis, que realizavam o compartilhamento de seringas. Assim, em
Santos-SP surgiu a primeira iniciativa de troca de seringas, em que as pessoas
trocavam as seringas usadas, e potencialmente contaminadas, por novas,
reduzindo assim, o risco de transmissão do vírus (PASSOS; SOUZA, 2011).

ATENCAO

O principal objetivo dessas ações, eram reduzir o risco de contaminação por


HIV das pessoas que não podiam, não queriam ou não conseguiam parar o uso de drogas.

Nas últimas décadas, a redução de danos foi adicionada às políticas


públicas do Ministério da Saúde através da Política do Ministério da Saúde para
a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas que publicada em 2003
(BRASIL, 2003) e Portaria nº 1.028, de 1º de julho de 2005, que instituiu a Política
de Redução de Danos do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005).

Mais do que políticas que direcionam o modelo assistencial, esses


documentos representam uma perspectiva ética de concepção sobre o fenômeno
de drogas, considerando os fatores psicossociais que influenciam o uso, isto
é, compreendem que o uso de drogas é determinado por contextos culturais,
econômicos e políticos e, portanto, não se reduzem apenas a escolhas pessoais
e muito menos a mecanismos fisiológicos da dependência (BRASIL, 2003;
BRASIL, 2005).

Através da perspectiva da redução de danos, o profissional de saúde


amplia seu olhar sobre a diversidade humana, respeitando assim, a singularidade
e as possibilidades de cada pessoa e, também, compreendendo que a problemática
associada ao uso de álcool e drogas é multifatorial, isto é, para além dos
aspectos biológicos, é preciso considerar os aspectos psicossociais do fenômeno
(BRASIL, 2003).

Outra questão importante no contexto do uso de álcool e drogas, refere-


se ao objetivo ou sucesso terapêutico das intervenções em saúde. É importante
compreender que a abstinência nem sempre será a saída para algumas pessoas,
sendo que a maioria precisará de um processo terapêutico para compreender o
papel da droga em sua vida e se ela continuará ou não no seu futuro. Não é o
profissional de saúde que determinará essa escolha, e sim a pessoa em tratamento
(BRASIL, 2003).

233
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

NOTA

A internação prolongada é comumente interpretada como a melhor forma de


tratamento para quem faz uso problemático de álcool e drogas. Porém, pela perspectiva
da redução de danos, o tratamento em liberdade produz mais efeitos terapêuticos a
longo prazo, pois, o sujeito poderá ressignificar o papel da droga em sua vida, diante das
dificuldades e conflitos que podem estar associados à manutenção do consumo, isto é, na
sua vida real e cotidiana. Assim, a internação será indicada para tratamento de questões
clínicas ou comorbidades, pelo menor tempo possível, e não com o objetivo de afastar o
sujeito de seu cotidiano.

Portanto, o papel do profissional de saúde é estabelecer um vínculo


de confiança com o sujeito em sofrimento, atuando sem julgamentos morais,
respeitando os valores da pessoa atendida, valorizando a liberdade e sendo
corresponsável pelos caminhos que serão seguidos no tratamento (BRASIL, 2003).

Historicamente, o cuidado a pessoas em sofrimento psíquico associado ao


uso de substâncias psicoativas desconsiderava essas pessoas como protagonistas
de sua vida. Essas ações eram pautadas em uma incompreensão sobre a diversidade
de contextos de uso e, infelizmente, muitas vezes pautadas em preconceitos e
crenças pessoais. Praticar a redução de danos é superar concepções reducionistas
sobre o fenômeno do uso de drogas e estar aberto para uma intervenção ética e
respeitosa com àqueles que buscam tratamento.

Se pensarmos que o consumo de drogas está relacionado a uma


incapacidade de controle sobre si mesmo, corremos um enorme risco
de executar práticas prescritivas e tutelares, ou seja, corremos o risco
de decidir sobre as pessoas ao invés de fazer redução de danos. Fazer
redução de danos, é fazer junto com a pessoa e a partir da forma como
ela pode e quer cuidar de si mesma (É DE LEI, 2014, p. 40).

Além do posicionamento ético da redução de danos, outro ponto a ser


considerado são os determinantes sociais da saúde (DSS). A seguir, nós veremos
as possibilidades de compreender o fenômeno de uso problemático de drogas em
nossas sociedades a partir da compreensão dos determinantes sociais da saúde.

2.1.2 Interface entre determinantes sociais da saúde e


uso problemático de álcool e outras drogas
Os determinantes sociais da saúde são categorias de análise que avaliam
os riscos à saúde aos quais as pessoas estão expostas. A classe social, raça, gênero,
condições de trabalho, acesso ou não a serviços de saúde e educação de qualidade,
condições de moradia entre outros, são fatores que influenciam na saúde das
populações (MENDES, 2011).

234
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

DICAS

Para conhecer mais sobre os Determinantes Sociais da Saúde, assista ao


vídeo apresentado pelo Doutor Alberto Pellegrini Filho, diretor do Centro de Estudos em
Determinantes Sociais da Saúde da Fiocruz. O material está disponível no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=bVmc-gngyVI.

Grande parte das causas de doenças e desigualdades em saúde


derivam, principalmente, de fatores como: condições em que a pessoa
nasce; trajetórias familiares e individuais; desigualdades de raça,
etnia, sexo e idade; local e condições de vida e moradia; condições de
trabalho, emprego e renda; acesso à informação e aos bens e serviços
potencialmente disponíveis (BRASIL, 2011, p. 11).

Assim, entende-se que as diferenças nas condições de saúde não


acontecem ao acaso ou são naturais, pelo contrário, são fruto de sistemáticas
condições sócio-históricas que distribuem, desigualmente nos âmbitos regional,
nacional e mundial o acesso às condições mínimas para uma vida digna
(MENDES, 2011).

No campo do uso problemático de drogas, o uso de crack, um derivado da


cocaína, surgiu no Brasil há cerca de 30 anos e entre os motivos que as pessoas
busquem fumá-lo, estão associados a conflitos familiares, problemas finaceiros e
solidão (OLIVEIRA et al., 2014). Outro exemplo é evidenciado quando avaliamos
as especificidades do uso de substâncias psicoativas na intersecção com gênero e
percebemos que os riscos de agravo à saúde são diferentes para homens e mulheres.

O conceito de gênero que norteia nossa discussão refere-se a uma


construção histórica, social e cultural, determinada, a partir de marcadores
biológicos do sexo (XX ou XY), os papéis sociais atribuídos ao masculino
e ao feminino (BARATA, 2009). Assim, cada sociedade, cria padrões de
comportamento esperados para homens e mulheres, e esses padrões, também
influenciam na relação que as pessoas terão com as substâncias psicoativas.
Assim, a categoria gênero também está, intimamente, relacionada com a
construção de nossa identidade (CORTINA, 2015).

[...] a incorporação de uma perspectiva de gênero na saúde pode


contribuir para uma abordagem integral no contexto dos processos que
rotulamos como “problemas sanitários” relacionados com o consumo
de drogas, ajudando a entender as maneiras como os gêneros são
produzidos e como influenciam nas produções discursivas e práticas
de cuidado (MORAES; MONTENEGRO, 2014 p. 61 grifos do autor).

235
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Para entender melhor a diferença entre sexo biológico e gênero, assista ao


vídeo “Gênero e natureza” apresentado pelo professor e ator Guilherme Terreri Lima Pereira
através da personagem Rita von Hunty. O conteúdo está disponível no link: https//www.
youtube.com/watch?v=vK3koIjeWoc.

A construção social da masculinidade tem sido relacionada ao agravamento


de saúde dos homens em todas as áreas da saúde, pois, ser homem está associado
à força, violência, invencibilidade, insensibilidade e outras características que
afastam os homens de sua realidade, isto é, de que são humanos e, portanto,
passíveis de adoecimento e sofrimentos de todos os tipos.

DICAS

O documentário brasileiro, “O Silêncio dos Homens” (2019), faz uma imersão


sobre a chamada masculinidade tóxica, retratando experiências de constituição das
masculinidades associadas à violência, virilidade, uso de drogas e outras caraterísticas
nocivas que resultam em adoecimento, mortes, suicídio, encarceramentos e tantas outras
consequências para os homens e para toda a sociedade. O material está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=NRom49UVXCE.

Nesse sentido, Reis et al. (2013, p. 506) afirmam que “o homem, por uma
série de questões culturais e educacionais, ainda é considerado invulnerável e
imune a qualquer tipo de adoecimento, contribuindo para que descuide de sua
saúde e se exponha a mais riscos que as mulheres”.

Essa construção inicia desde a infância quando meninos e meninas são


tratados de forma diferente por suas famílias e pela sociedade. Enquanto o
comportamento das meninas é mais supervisionado por adultos, o dos meninos
é menos controlado, tendo mais liberdade e, portanto, desde cedo, expõem-se a
mais acidentes através de brincadeiras mais arriscadas (REIS et al., 2013).

No campo de álcool e drogas, o uso de substâncias é considerado uma


prática de afirmação da masculinidade, resultando, assim, em estatísticas que
apontam que homens são o público majoritário nos serviços de saúde destinados
ao cuidado de quem faz uso problemático de substâncias psicoativas (MORAES;
MONTENEGRO, 2014).

236
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

ATENCAO

Muitos jovens iniciam o uso de álcool e outras drogas para tentar afirmar seu
papel de homem na sociedade. Em situações de festas, por exemplo, muitos adolescentes
são estimulados a beber para provar que são fortes, que aguentam beber sem cair e para
seduzir garotas.

Assim como no público masculino, as construções sociais acerca do


que é ser mulher, influenciam nas condições da saúde das mulheres, mas ao
contrário dos homens, o uso de drogas não é considerado parte da constituição
da feminilidade.

O imaginário social associa o papel da mulher na sociedade, como restrito


ao ambiente doméstico, priorizando a maternidade, pois são mais afetuosas
(MEDEIROS; MACIEL; SOUSA, 2017). Essas características não encontram
justificativas biológicas, isto é, ligada à natureza do corpo feminino e, portanto,
são entendidas como construções sociais.

Além de ser doce, afetuosa, submissa, cuidadora e priorizar a maternidade,


as mulheres também precisam ser bonitas e magras para serem consideradas
dignas. Assim, há um maciço investimento em marketing que estimulam
mulheres a consumirem substâncias para atingirem o corpo ideal. Entre essas
substâncias, podemos citar os moderadores de apetite, os ansiolíticos, o álcool e a
cocaína (NAOMI et al., 2016; MEDEIROS; MACIEL; SOUSA, 2017).

A esse respeito, Naomi et al. (2016) apresentam dados que indicam que o
uso de benzodiazepínicos (ansiolíticos) por mulheres é três vezes maior do que o
uso por homens e as anfetaminas (muito utilizadas como moderadores de apetite)
são consumidas por mulheres, cinco vezes mais do que por homens.

E como são vistas, pela sociedade, mulheres que fazem uso problemático
de alguma droga? Essas mulheres são julgadas como traidoras da ordem social,
pois, é entendido que elas descumpriram o papel de feminilidade destinado a
elas. Serão moralmente julgadas como criminosas, imprevisíveis, promíscuas,
amorais e, muitas vezes, culpabilizadas pela sua condição de saúde (NAOMI et
al., 2016; MEDEIROS; MACIEL; SOUSA, 2017).

Fruto dessa construção foi associado às mulheres um imaginário social


de que estas seriam mais frágeis, mais afetivas, passivas e limitadas
ao espaço doméstico, tendo como prioridade os cuidados maternos-
familiares, e enquadrando-as em modelos “ideais” de feminilidade.
Portanto, através desse viés, revelado por estruturas de desigualdades
de gênero, o uso de drogas por mulheres deflagra um terreno minado
por representações depreciativas acerca da mulher usuária de drogas,
que legitimam a expressão de atitudes preconceituosas e a exclusão
social (MEDEIROS; MACIEL; SOUSA, 2017, p. 440 grifos do autor).

237
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Uma das questões importantes no fenômeno de uso problemático de


drogas por mulheres, refere-se à gestação e maternidade. Muitas vezes, essas
mulheres serão consideradas incapazes de cuidar de seus filhos e perdem a
guarda, sem que para isso sejam devidamente avaliadas. Essa situação, ignora o
fato de que muitas delas procuram o tratamento justamente pelo vínculo que têm
com as crianças (NAOMI et al., 2016).

A esse respeito, Medeiros, Maciel e Sousa (2017) apresentam relatos


de mulheres que fazem uso problemático de drogas e evidenciam que muitas
internalizam os estigmas construídos socialmente sobre o que é ser mulher e ser
mãe. O relato a seguir, deixa claro o exposto:

“Eu passava tempos sem ir em casa ... minhas filhas quem criou foi meu
irmão ... viver maternidade para mim é um privilégio, mas quando a gente tem
condições, porque uma pessoa drogada, não tem condições de cuidar da própria
vida, não é uma boa opção ser mãe (Mulher 8, idade 28 anos)” (MEDEIROS;
MACIEL; SOUSA, 2017, p. 444).

É possível notar que a entrevistada considera a maternidade como


um privilégio e não como um direito que só será perdido se, de fato, forem
comprovados riscos às crianças. O uso de drogas, a priori, não garante que haverá
negligência.

A prostituição também é uma temática que diferencia o olhar sobre o


uso de drogas por mulheres, pois, muitas vezes, é o recurso utilizado para obter
dinheiro para consumir a droga, expondo a mulher a mais riscos de contrair
doenças sexualmente transmissíveis e ficam mais expostas à violência de gênero
(NAOMI et al., 2016).

NOTA

Há também a prostituição forçada em que o homem usuário de drogas,


oferece e obriga sua companheira a ter relações sexuais com outros homens para pagar
dívidas de drogas ou para obter acesso a elas.

É possível concluir que a atenção à saúde de mulheres que fazem uso


problemático de substâncias psicoativas, demanda dos profissionais e serviços de
saúde um olhar sensível e ampliado para as construções de gênero.

238
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

A esse respeito, Oliveira et al. (2014, p. 121), ao apresentarem os resultados


de seus estudos com mulheres que fazem uso de crack, afirmam que

[...] o tratamento dirigido às mu­lheres deve ser diferencial, trabalhando


aspectos ligados à beleza, cuidados com o corpo e com as dimensões
sexuais como uso de contraceptivos e prostituição, além de discussões
acerca da femi­nilidade, sentimentos e objetivos de vida dentro da
perspectiva de gênero.

Naomi et al. (2014) afirmam que grupos homogêneos, separados por


gênero, permitem que as mulheres expressem suas especificidades com mais
liberdade e acolhimento do que quando o tratamento acontece em grupos mistos.

Fica claro que as construções de gênero afetam de forma diferente a saúde


de homens e mulheres que têm sofrimentos psíquicos associados ao uso de álcool
e outras drogas, porém, essa intersecção não é a única a ser observada nessa
problemática, pois, quando estudamos as implicações das variações de raça, há
outras especificidades que precisam ser analisadas.

Para iniciar o olhar sobre a intersecção raça e uso de drogas, é importante


saber que na atualidade não há justificativas biológicas que possam ser usadas para
discriminar seres humanos. Isto é, ao serem analisadas as características genéticas
da espécie humana, não se encontram indicadores que possam diferenciar raças
humanas. Mesmo assim, a categoria raça é uma variável que pesa nos agravos
em saúde, pois é herança de uma construção histórica e ideológica, com vistas à
manutenção de poder de um grupo de humanos sobre outros, resultado assim,
em sucessivos processos de discriminação que têm efeitos no processo saúde-
doença (BARATA, 2009).

Segundo Silva et al. (2017), o racismo configura-se como uma desigualdade


de acesso a bens e serviços sociais que acomete pessoas negras. Os autores ainda
enfatizam que

As desvantagens primordiais criadas pela escravidão, pela natureza


da abolição, pela subsequente ausência de políticas públicas de
inserção na educação e na força de trabalho, pela miséria material, pelo
isolamento social e pela restrição à participação política dos negros
no Brasil contribuíram e contribuem para a formação e a manutenção
desse cenário (SILVA et al., 2017, p. 101).

No campo da saúde, o uso de drogas é um dos agravos associados à


exposição sistemática a situações de discriminação e racismo. Além disso, pessoas
que sofrem racismo também sofrem discriminação econômica; desvalorização
cultural; pouca possibilidade de mobilidade social, vivendo, muitas vezes, em
regiões com pouco acesso a condições saudáveis de vida como saneamento básico,
por exemplo; perda de poder político, segregação espacial; exposição frequente a
situações que geram medo e raiva e exclusão social (BARATA, 2009).

239
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

NOTA

A Guerra às drogas também é considerada uma expressão do racismo, uma


vez que pessoas negras são mais encarceradas por tráfico do que pessoas não negras,
mesmo portando a mesma quantidade de drogas. Lembre! Nossa legislação não apresenta
critérios quantitativos para diferenciar traficante de usuário, portanto, o expressivo número
de pessoas negras presas, denuncia que os critérios jurídicos que determinam essas prisões
são pautados por preconceitos construídos historicamente que associam pessoas negras
à criminalidade.

Caro acadêmico! Se você analisar o fenômeno do uso de drogas em nossa


sociedade, pelo prisma dos determinantes sociais de saúde, vai identificar que
há uma rede de intersecções que influenciam a vida das pessoas e, portanto, a
adoção de estilos de vida específicos. Para que você possa atuar eticamente nos
cuidados daqueles que apresentam sofrimentos pelo uso problemático de álcool
e outras drogas, é importante estar atento a todas as variáveis que influenciam a
vida das pessoas, e em conjunto com elas, elaborar um projeto de intervenção que
contemplem os aspectos biopsicossociais de sua condição de saúde.

No próximo subtópico, estudaremos a atenção à sexualidade na velhice


e você descobrirá que assim como o fenômeno de drogas, essa temática também
exige dos profissionais de saúde um olhar sensível às especifidades das diversas
formas de expressão da sexualidade no envelhecimento.

3 SEXUALIDADE NA VELHICE
Caro acadêmico! Nas últimas décadas estamos vivenciando uma
transição demográfica em que o número de pessoas idosas tem aumentado em
relação aos mais jovens. Essa realidade é um fenômeno mundial e tem convocado
profissionais de saúde a pensar estratégias de atenção à saúde dessa população
(VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016). Segundo Ciosak et al. (2011, p.1764)

O aumento proporcional de indivíduos idosos, adicionado ao


declínio das taxas de fecundidade e ao desenvolvimento tecnológico
e terapêutico no tratamento de doenças, especialmente as crônicas
(DANT), influencia a tendência de alteração da estrutura etária da
população, especialmente no Brasil, com o consequente aumento
do contingente de indivíduos com mais de 60 anos, resultado do
envelhecimento populacional que ocorreu em um curto período,
trazendo importante impacto para o sistema de saúde.

240
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Entre as possibilidades de atenção à saúde do idoso, que possibilitam uma


melhora na qualidade de vida, está a sexualidade que segundo Evangelista et al.
(2019) tem sido foco de estudos na última década, mas apesar do crescimento
do interesse acadêmico pela temática, há ainda algumas lacunas. Nesse sentido,
Vieira, Coutinho e Saraiva (2016) apontam que apesar de inúmeros estudos sobre
o processo de envelhecimento, a sexualidade nesse ciclo vital tem sido reduzida
a disfunções fisiológicas dos órgãos genitais, e há pouca atenção para os aspectos
subjetivos e existenciais associados ao exercício da sexualidade nessa fase da vida.

Essa realidade pode ser explicada pela constatação da existência de


preconceitos e tabus tanto em relação ao envelhecimento quanto à sexualidade
em geral. Infelizmente, as consequências à saúde dos idosos, devido à existência
desses preconceitos e tabus, refletem-se em aumento no índice de contaminação
de doenças sexualmente transmissíveis (DST), falta de assistência em saúde
adequadas a demandas dos idosos em relação à sua sexualidade e impossibilidade
de realização de uma sexualidade plena (RABELO; LIMA, 2011; VIEIRA;
COUTINHO; SARAIVA, 2016).

O processo de envelhecimento tem sido associado a aspectos negativos,


de deterioração, adoecimento e morte, o que acarreta uma desvalorização dos
idosos em nossa sociedade. Essa visão deturpada desconsidera as singularidades
das pessoas idosas, e as inúmeras possibilidades de vivenciar o processo de
envelhecimento de forma diferenciada (VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016).

Apesar de ser uma fase do ciclo vital mais vulnerável a adoecimentos, a


associação linear entre envelhecimento e doença não corresponde à realidade,
uma vez que o processo saúde-doença é influenciado por fatores biológicos,
psicológicos, socioculturais, econômicos e políticos e, portanto, o envelhecimento
saudável e ativo também será influenciado por esses fatores (CIOSAK et al., 2011).

Essa visão simplista e preconceituosa sobre o processo de envelhecimento


é um dos fatores que contribuem para a má formação de profissionais acerca da
sexualidade de pessoas idosas que, sem possibilidade de combater os esteriótipos
acerca do envelhecimento através de disciplinas e atividades de extensão
durante a formação, muitas vezes, ignoram a importância da sexualidade no
desenvolvimento de um processo de envelhecimento ativo e saudável (RABELO;
LIMA, 2011).

As mudanças consequentes da crescente presença do idoso em


nossa sociedade exigem uma nova postura, sobretudo no enfoque à
sexualidade, por ser este um tema de difícil entendimento, incluindo,
neste contexto, os futuros profissionais que ainda estão em formação.
Com uma visão limitada, tanto em relação à sexualidade quanto à
velhice, as sociedades, muitas vezes, classificam este período da vida
como uma época de assexualidade e de renúncias, baseando-se em
referências adquiridas ao longo da vida (RABELO; LIMA, 2011, p.164).

241
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

DICAS

A fotógrafa documental Isadora Kosofsky acompanhou por cerca de três


anos a convivência de um triângulo amoroso composto por três idosos Will, Jeanie e
Adina. Em sua palestra no TED, a artista narra particularidades de sua experiência e como
a invisibilidade da velhice foi revelada ao longo desses anos. Você pode conferir a palestra
completa em :https://www.ted.com/talks/isadora_kosofsky_intimate_photos_of_a_senior_
love_triangle#t-298328.

Supor que idosos são assexuados ou incapazes de exercer sua sexualidade,


negligencia o olhar sobre a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis
(DST), que como o próprio nome já diz, doenças que são contraídas através de
práticas sexuais desprotegidas. Se idoso não transa, então não pega DST, certo?

Errado! Idosos transam e se contaminam. Dados nacionais apontam


que há mais idosos contaminados por HIV do que jovens entre 15 e 19 anos. “As
explicações para esse aumento do número de casos de HIV em idosos referem-
se ao envelhecimento populacional, ao aumento da sobrevida das pessoas com
HIV/Aids, bem como, ao acesso aos medicamentos para disfunções eréteis, em
associação com a desmistificação do sexo na velhice” (VIEIRA; COUTINHO;
SARAIVA, 2016, p. 199).

NOTA

A disseminação do HIV na década de 1990 foi associada à prostituição, uso


de drogas injetáveis e homossexualidade. Isso contribuiu para a construção de uma
conotação moral acerca da contaminação, como se as pessoas contaminadas fossem
imorais. Hoje, sabemos que a contaminação acontece através de práticas sexuais
desprotegidas, independente da orientação sexual ou se o sexo é feito em troca de dinheiro;
compartilhamento de seringas contaminadas (o uso de drogas injetáveis só é um risco se
a seringa for compartilhada, se usar uma seringa limpa não se contaminará); na gestação,
trabalho de parto, amamentação e transfusão de sangue. Mesmo com esse conhecimento
sendo difundido para a população, a conotação moral ainda existe, o que faz com que
muitas pessoas que não são homossexuais, não fazem uso de drogas injetáveis e nem se
prostituem acreditem estarem livres do risco de contaminação por HIV.

242
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Além da má assistência da área da saúde acerca dessa temática, a família


também tem responsabilidade pela não possibilidade das vivências sexuais
satisfatórias de seus familiares idosos. A realidade de muitas famílias, em que há
a coabitação entre filhos adultos e pais idosos, pode significar um impedimento
para que o casal mantenha suas experiências sexuais, tanto por não possuírem
um quarto em que se sintam seguros de que não serão interrompidos, isto é,
que tenham privacidade, tanto pelo fato dos filhos negarem a sexualidade dos
pais, considerando sua expressão como infantis, sinais de demência ou outras
características depreciativas (VIEIRA, COUTINHO; SARAIVA, 2016).

NOTA

As instituições de longa permanência (ILP) também podem utilizar estratégias


que dificultam as práticas sexuais, por exemplo: impedir dormitórios compartilhados por
casais, desestimular interações afetivas entre os moradores com a intenção de impedir
que novos casais se formem, constrangendo ou infantilizando idosos que demonstram
interesses sexuais ou até aceitando apenas homens ou apenas mulheres como residentes.

Todo esse contexto de tabus e preconceitos também afeta a autopercepção


dos próprios idosos em relação à sexualidade que “muitas vezes pela interiorização
das normas culturais, têm tomado para si o estereótipo negativo da velhice e
inibindo totalmente qualquer expressão sexual” (RABELO; LIMA, 2011, p. 177).

Assim, a vontade de ter prazer sexual vem acompanhada de sentimento de


culpa e vergonha, pois, os idosos são convencidos de que a sexualidade é prática
exclusiva da juventude. Vale salientar, que há também outros fatores associados
a esses sentimentos desagradáveis em relação à própria sexualidade, entre eles
crenças religiosas que associam sexo à pecado, educação repressora e a noção
de que o objetivo da sexualidade é apenas a procriação (VIEIRA; COUTINHO;
SARAIVA, 2016).

Em especial, em mulheres idosas, há uma convicção de que o fim do


período reprodutivo é também o fim de sua função sexual, mas essa convicção é
fruto de uma construção social, uma vez que não encontra justificativas fisiológicas
para o término das atividades sexuais mesmo quando não há mais possibilidades
orgânicas de engravidar (VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016).

Por fim, não podemos negar o impacto de valores culturais da sociedade


contemporânea que atribui aos padrões estéticos um valor moral. Assim, a
supervalorização do corpo jovem, magro e saudável denuncia a desqualificação
dos corpos idosos que passam a se enxergar como não atraentes, pois, estão fora
desses padrões de beleza (VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016).

243
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Consequentemente, o lugar social destinado ao velho tem valor


negativo, onde o corpo dos idosos é quase invariavelmente associado
à doença, invalidez, decrepitude e proximidade da morte. Envelhecer
passa a ser o ficar cada vez mais distante do ideal da perfeição do
corpo, já que a beleza e a juventude são associadas à saúde (VIEIRA;
COUTINHO; SARAIVA, 2016, p. 205).

Todo esse cenário produz uma concepção de imoralidade associada


à sexualidade no envelhecimento, aumentando assim, o estereótipo de idoso
assexuado e a vulnerabilidade dessa população que fica invisibilizada até pelos
profissionais de saúde (EVANGELISTA et al., 2019).

Mas por que a sexualidade é um fator tão importante em nossas vidas?


Por que a sexualidade deve fazer parte do processo de formação dos profissionais
da saúde? E afinal, de que sexualidade estamos falando?

Em um primeiro momento é importante deixar claro que a sexualidade


não é entendida apenas pelo contato físico ou pelo ato sexual em si, pelo
contrário, ela é considerada parte essencial da existência humana em que “há
uma junção de prazeres: harmonia na relação, afeto, aspectos culturais e sociais”
(EVANGELISTA et al., 2019, p. 2).

A sexualidade, nessa perspectiva é uma função vital do ser humano,


reflexo de interações humanas significativas que proporciona ao casal
ampliação da sua intimidade e cumplicidade, fortalecendo-os emocionalmente,
possibilitando as expressões de carinho e companheirismo e, consequentemente,
aumentando a autoestima e valorização do próprio corpo (VIEIRA; COUTINHO;
SARAIVA, 2016).

DICAS

Dica: O filme brasileiro “Antes que eu me esqueça” (2018), é uma comédia


dramática dirigida por Tiago Arakilian, que trata das especificidades do envelhecimento,
inclusive sobre a sexualidade. Vale a pena conferir!

Portanto, a sexualidade na velhice é importante fonte de sentimentos


positivos, e o seu sentido subjetivo nesse período é um “tema complexo, que
envolve valores humanos, filosóficos, sociais e religiosos, e é constituído
simultaneamente pela subjetividade individual e social, em uma visão que
permite enxergar, de maneira distinta, profunda, recursiva, contraditória e
multidimensional o caráter de sua constituição” (RABELO; LIMA, 2011, p. 177).

244
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Todo ser humano envelhece de forma singular e complexa, e também a


expressão da sexualidade será condizente com sua constituição subjetiva, cultural,
familiar e social. Não há, portanto, marcadores etários que condenem o fim do
desejo sexual, sendo este reflexo da complexidade da vida humana em qualquer
ciclo vital (VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016).

É importante salientar que a sexualidade está presente ao longo de


toda nossa vida, e assim como outros aspectos, está sempre se transformando
não sendo expressa da mesma forma ao longo dos anos. No envelhecimento,
limitações físicas podem demandar adaptações no exercício da sexualidade,
abrindo possibilidades de descoberta de novas zonas erógenas ou outras formas
de expressão de intimidade, a critério do casal. “Dessa forma, não é a velhice que
determina a ausência do desejo ou a diminuição das relações sexuais, mas é a
própria complexidade do desejo que impõe novas cores para tecer a sexualidade
na velhice” (VIEIRA; COUTINHO; SARAIVA, 2016, p. 206).

DICAS

O premiado longa brasileiro “A despedida” (2014), foi dirigido por Marcelo


Galvão e é baseado em uma história real. De forma sensível, mas intensa, o filme mostra
as limitações do protagonista Almirante, de 92 anos, interpretado por Nelson Xavier e sua
tentativa de resolver pendências de sua vida. Entre elas, a relação com sua amante de 37
anos, interpretada por Juliana Paes.

Em síntese, a sexualidade é uma das formas de expressão do nosso modo


de ser no mundo, configurando-se então como uma necessidade psicofisiológica
e que no ciclo vital do envelhecimento, apesar das concepções preconceituosas e
reducionistas sobre os idosos, apresenta-se como uma possibilidade de contribuir
para um envelhecimento ativo e saudável (EVANGELISTA et al., 2019).

Fica claro então a importância da capacitação dos profissionais da saúde


para que tenham um olhar ampliado sobre a sexualidade na velhice e assim,
possam ofertar um cuidado integral aos idosos.

Mas como os profissionais da saúde podem atender idosos que tem


queixas relacionadas à sexualidade? Segundo Evangelista et al. (2019), o primeiro
passo para a excelência no atendimento é o profissional de saúde ser isento
de preconceitos e que não trate os idosos como pessoas em degeneração. As
informações devem ser passadas em linguagem clara, correta, direta, sincera e
sem constrangimentos.

245
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

ATENCAO

Para que um profissional de saúde possa superar preconceitos acerca da


sexualidade na velhice, além de estudar através de materiais atualizados e confiáveis, é
importante que ele tenha um espaço de cuidado de si para poder falar de suas dificuldades
e poder assim, ressignificar concepções estereotipadas sobre a temática.

Os futuros profissionais de saúde terão o papel de desenvolver práticas


que envolvam ações educativas, com enfoque em medidas preventivas
na prática sexual; trabalhar diretamente com o idoso despertando
o interesse em vivenciar a sexualidade; buscar estratégias para
minimizar as dificuldades de ordem psicológica e social, bem como
atuar no aconselhamento sexual capaz de tornar o idoso consciente de
suas capacidades, levando-o a emancipação da saúde sobre o exercício
da sexualidade na velhice (RABELO; LIMA, 2011, p. 166).

É importante que os idosos se sintam acolhidos e confortáveis para falar


sobre o tema, pois muitos podem ter vergonha ou culpa, como já discutimos
anteriormente. Nesse sentindo, um ambiente privativo também é essencial para
que possam expressar seus sentimentos com segurança (VIEIRA; COUTINHO;
SARAIVA, 2016).

Um assunto atual na temática da sexualidade na velhice, refere-se ao


atendimento a idosos homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).

O primeiro ponto para que o profissional de saúde, possa atender de


forma humanizada a essa população, é compreender as diferentes concepções
acerca das sexualidades, diferenciando os conceitos de orientação sexual e
identidade de gênero. O primeiro refere-se ao desejo afetivo- sexual, isto
é, a pessoa poderá ter interesse afetivo-sexual por pessoas do mesmo sexo
(homossexual) ou por outro sexo (heterossexual). O segundo, refere-se a sua
identidade, isto é, se me reconheço como do gênero masculino, feminino ou
de alguma combinação entre eles. A identidade de gênero, independe do sexo
biológico (ARAÚJO; CARLOS, 2018).

DICAS

Atualmente a sigla LGBT foi ampliada para LGBTQIA+. Para compreender o


significativo dessa sigla, assista ao vídeo Rita em 5 minutos: LGBTQIA+ disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=EREoc40JBr8.

246
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Vivemos em uma sociedade heteronormativa que marca como desigual


aqueles que apresentam sexualidades diferentes da norma cultural. Portanto, todo
idoso que não se “enquadra” na heterossexualidade, poderá sofrer preconceito e
marginalização (ARAÚJO; CARLOS, 2018).

Essa realidade, impede que muitos idosos LGBT procurem ajuda


profissional quando precisam de orientação sobre sua sexualidade, pois têm
medo de serem rejeitados ou perseguidos. Portanto, é urgente que surjam políticas
públicas e capacitações de profissionais de saúde para que possam superar esse
contexto de discriminação e assim, ofertar cuidado integral à população LGBT
(ARAÚJO; CARLOS, 2018).

DICAS

A série de vídeos “LGBT+60: Corpos que resistem” apresenta histórias de casais


idosos com diversas configurações de sexualidades. Você pode acompanhar as histórias
desses casais, suas lutas e conquistas, acessando ao primeiro vídeo em: https://www.
youtube.com/watch?v=HUpAIMqmqxA.

Caro acadêmico! A sexualidade, como vimos, vai muito além da relação


sexual e está relacionada com a nossa constituição enquanto seres humanos.
Assim, o cuidado em saúde direcionado à sexualidade na velhice, além da
prevenção e orientação sobre as DSTs, deve possibilitar que, os idosos que
desejam, possam viver uma sexualidade satisfatória, com informação de
qualidade e isenta de sentimento de culpa e vergonha. Para isso, os profissionais
de saúde, devem estar em constate atualização, abertos para compreender as
diversas formas de expressão da sexualidade e dispostos a oferecer atenção
integral à saúde de toda a população.

DICAS

A reportagem “Sexualidade na velhice e suas abordagens” (2020), escrita por


Beltrina Côrte apresenta uma síntese de várias publicações sobre o tema da sexualidade na
velhice. Você pode conferir todo o material em: https://www.portaldoenvelhecimento.com.
br/sexualidade-na-velhice-e-suas-abordagens/.

247
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

LEITURA COMPLEMENTAR

AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO CUIDADO EM SAÚDE: UMA


APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA

Gláucia Alexandre Formozo


Denize Cristina de Oliveira
Tadeu Lessa da Costa
Antonio Marcos Tosoli Gomes

INTRODUÇÃO

O cuidado em saúde é compreendido como um ato singular que objetiva


o bem-estar dos seres envolvidos, sendo imprescindível que o ser cuidado e o ser
cuidador se encontrem em interação qualitativamente produtiva.

Desta forma, vislumbra-se uma constante aproximação entre sujeitos no


contexto das interações sociais. Para que estas interações sejam profícuas, alguns
componentes das relações interpessoais devem o cuidado em saúde.

Pode-se dizer que as relações interpessoais são importantes para entender


o cuidado nas práticas profissionais em saúde, uma vez que são inerentes a
estas. Porém, considera-se que os diferentes comportamentos sociais se devem
a parâmetros típicos de cada contexto e cultura, necessários para conviver com
as demandas colocadas pelas situações interpessoais impostas pela sociedade na
qual a pessoa se insere.

Logo, para a abordagem do papel das relações interpessoais no cuidado


em saúde, impõe-se uma análise da multiplicidade dos aspectos que caracterizam
sua complexidade como fenômeno psicossocial. Estes elementos englobam:
questões de natureza individual associadas ao profissional e ao cliente (crenças,
habilidades, valores, sentimentos e motivações); condições físicas e humanas do
ambiente (hospital, domicílio, unidades básicas de saúde, entre outros); dinâmica
organizacional e autonomia profissional; e o papel que a saúde e suas respectivas
políticas assumem historicamente.

Haja vista serem as interações sociais imprescindíveis à discussão do


cuidado em saúde, delimita-se como objetivo deste estudo refletir acerca das
influências do relacionamento interpessoal para o desenvolvimento do cuidado
em saúde.

O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NO CONTEXTO DO CUIDADO


EM SAÚDE

Considerando que o processo de trabalho em saúde tem como um dos


seus elementos principais as ações de cuidado, tanto físicas quanto relacionais,
este não deve limitar-se à realização de procedimentos técnicos, pois a técnica

248
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

impessoal e mecanicista pode levar ao distanciamento da pessoa cuidada. Ao


contrário, deve englobar o sentido de ser, pois se trata de uma relação entre
sujeitos, sendo primordial na prática profissional em saúde como princípio
norteador desta. Assim, para que esta relação seja possível, os atores envolvidos
precisam interagir entre si, visando o engajamento necessário para a concretização
do verdadeiro ato de cuidar.

Cuidar inclui a realização de procedimentos técnicos aliados à expressão


de atitudes condizentes com princípios humanísticos, entre os quais a
manutenção do respeito, da dignidade e da responsabilidade entre as pessoas
em relação. Ao cuidar o profissional de saúde estabelece com o cliente uma
relação que deve ser permeada tanto por valores morais, éticos e sociais, quanto
pela interferência do meio. Pode-se dizer, também, que o processo de cuidar é
diretamente influenciado pela formação pessoal e pela personalidade do cuidador
e do ser cuidado, adquiridas através de suas experiências, crenças e cultura.

O espaço do cuidado não se restringe ao ato técnico, mas abarca o


envolvimento e a preocupação com os sujeitos como aspecto essencial. Nesse
sentido, considera- se que ao efetuar uma atividade técnica, estando presente
somente de corpo e não de mente e espírito, o profissional não realiza o cuidado,
mas somente um determinado procedimento.

O desenvolvimento das ações de cuidado traz à baila, também, a questão


da intersubjetividade estabelecida na relação interpessoal. A consideração pelo
outro, a observação das suas particularidades, a individualidade e, ainda, o caráter
expressivo manifesto na emoção imprimem qualidade humana ao cuidado.

A interação entre o cuidador e o ser cuidado é caracterizada pelo


desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos guiados por fundamentação
científica, experiência, intuição e pensamento crítico. Este processo é realizado
para e com o cliente, visando promover, manter e/ou recuperar sua dignidade e
totalidade humanas, e não apenas a sua integridade física.

Este processo de cuidado em saúde, como ação humana, não beneficia


somente o ser cuidado, mas também o cuidador. A primeira experiência melhoria
do estado de saúde, aumento de sua autoestima – pelo conhecimento de si e de
suas potencialidades –, alívio da dor e conforto. Já o segundo, alcança satisfação,
realização, aumento da autoestima e sensação de dever cumprido.

Por caracterizar-se como interação interpessoal, para surtir o efeito


desejado, o cuidado necessita contar com tato, audição e postura corporal, pois a
partir destes são demonstrados os sentimentos implicados na ação, com satisfação
ou reprovação da ação.

Os profissionais de saúde utilizam, frequentemente, as relações


interpessoais como instrumento de trabalho e são particularmente exigidos a
desenvolver habilidades sociais para subsidiar esses processos de interação.
As habilidades sociais podem ser definidas como o conjunto de capacidades

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UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

comportamentais aprendidas e apresentadas pelo indivíduo diante das demandas de


uma situação interpessoal, incluindo as capacidades de comunicação, resolução de
problemas, cooperação, empatia e assertividade.

Nessa perspectiva, compreende-se que, para desenvolver-se integralmente,


o ser humano necessita do meio social, sendo fundamental para essa inserção o
desenvolvimento das habilidades que permitem o estabelecimento de relações
interpessoais satisfatórias e efetivas. Para a determinação das habilidades sociais,
faz-se relevante considerar os aspectos: não verbais, como postura, expressão
facial, contato visual, gestualidade e distância/proximidade; cognitivo-afetivos,
que implicam em autoeficácia e leitura do ambiente; fisiológicos, como a respiração
e os batimentos cardíacos; e a aparência pessoal e atratividade física. Dificuldades
na aquisição e expressão das habilidades sociais, tanto pelos profissionais de saúde
quanto pelos clientes, pode ocasionar conflitos, trazendo prejuízos ao processo
relacional e ao cuidado.

Cabe ressaltar que, quando há pouca utilização das habilidades sociais,


as relações sociais podem tornar-se restritas e conflitivas, interferindo de maneira
negativa no grupo em que o indivíduo se insere. Nesse sentido, as habilidades
sociais mostram-se relacionadas à qualidade de vida, pois, por meio das mesmas,
o indivíduo pode tornar-se capaz de desenvolver relações interpessoais mais
gratificantes e, consequentemente, maior realização pessoal.

Considera-se que os profissionais que utilizam as relações interpessoais


como instrumento privilegiado de trabalho, tal como os enfermeiros, devem
buscar de modo permanente o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das
habilidades sociais, pois a sua falta ou limitação pode tornar essas relações
impessoais, distanciadas e conflitantes, impedindo o estabelecimento do cuidado
em saúde.

Além das habilidades sociais, outro conceito interessante à reflexão sobre


as relações pessoais no cuidado em saúde é o de comportamento social. Isto
porque é fortemente determinado pelo contexto social (valores, normas e cultura),
tendo, por isso, características próprias conforme o grupo social e a cultura nos
quais o indivíduo encontra-se inserido.

A partir do comportamento social, é possível compreender a si e aos


outros, no bojo do que se denomina de inteligências interpessoal e intrapessoal.
A primeira, definida como a capacidade para entender as outras pessoas, suas
motivações e como lidar com elas cooperativamente. A segunda, caracterizada
como a capacidade para a compreensão de si e das próprias motivações, o que
contribui para que a relação profissional com o outro tenha como substrato o
autoconhecimento e não os conflitos pessoais colocados em relação.

Diante do exposto, entende-se que a inteligência interpessoal possibilita


ao profissional de saúde planejar suas atividades baseado nas necessidades
e expectativas do cliente e, a este, entender as motivações do profissional.

250
TÓPICO 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS VITAIS DA ADULTEZ E ENVELHEHCIMENTO

Ao passo que a inteligência intrapessoal permite aos sujeitos envolvidos no


cuidado compreenderem suas próprias emoções, interpretarem e orientarem
suas condutas.

Outro tipo de inteligência descrita no campo da Psicologia é a emocional,


à qual se associam quatro aspectos principais: conhecer as próprias emoções;
autodomínio; empatia; e habilidades sociais7. Assim, pode-se afirmar que a
inteligência emocional estabelece as bases principais a partir das quais o cuidado
se estabelece, pois os sujeitos precisam conhecer seus sentimentos a fim de
identificar suas limitações e seus potenciais para prestar/receber o cuidado,
manejar suas limitações e reconhecer as emoções das pessoas.

Aliado a isto, deve-se considerar o conceito de competência social, a qual


é definida como o conjunto de ações, atitudes e pensamentos das pessoas em
relação à comunidade, aos indivíduos com que interage e a elas próprias a fim
de concretizar uma adequada interação social. Estas competências podem ser
expressas em comportamentos sociais adequados a situações particulares, com
respeito às condutas dos demais e resolução de conflitos imediatos, minimizando
a probabilidade de futuros problemas. Consequentemente, pode-se reconhecer
que a competência social se coloca como elemento mediador das ações de cuidado
em saúde, podendo facilitá-las ou dificultá-las.

Ressalta-se que um comportamento social considerado adequado a


uma ocasião pode ser inadequado a outra, pois depende de quem faz o quê;
com quem; para quem; como; em que contexto; com que finalidade; e com
que resultado. Isto porque os padrões de relacionamento interpessoal variam
conforme parâmetros diversos como a cultura, a idade, o gênero, a educação,
as condições socioeconômicas e o pertencimento religioso. Considerando que o
cuidado necessita do envolvimento com o outro, a competência social mostra-se
vital para a sua efetivação, pois possibilita relações interpessoais satisfatórias.

No relacionamento interpessoal, a empatia consiste, igualmente, em um


elemento primordial, pois se refere à capacidade do indivíduo compreender, sem
julgar, as experiências positivas e negativas do outro. Isto implica em compartilhar
a emoção percebida no outro, sentir com o outro, sendo uma resposta emocional
que nasce e é congruente com o estado emocional do outro9. Envolve ouvir o
outro, entender suas preocupações e fazer com que possa sentir-se compreendido.

Trazendo as definições de empatia para a discussão do cuidado em


saúde, percebe-se que a escuta empática do profissional de saúde, bem como
do cliente, pode atribuir maior qualidade ao cuidado11. O distanciamento entre
profissionais e clientes durante o cuidar é justificado, no discurso proferido
pelos primeiros, pela falta de tempo devido à carga de trabalho e por, durante a
formação profissional, preconizar- se o controle da expressão dos sentimentos e
emoções para não interferir no desempenho profissional.

Essas justificativas são conflitantes com a própria conceituação de


cuidado, já que a ausência de uma transação pessoal autêntica implica na
descaracterização da atitude e dos atos de cuidar.
251
UNIDADE 3 — CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE AOS CICLOS DE VIDA NA CONTEMPORANEIDADE

Finalmente, um conceito da psicologia que pode ajudar na melhor


compreensão da imbricação dos elementos apontados trata-se do fenômeno do
mal-estar pessoal. Este é caracterizado como o estado aversivo, de ansiedade
ou preocupação experimentado pelos sujeitos ao perceberem situações de mal-
estar alheio. Tal percepção não é congruente com o estado do outro, mas uma
reação egoísta centrada em si mesmo9 que resulta no afastamento do outro para
minimizar seu próprio estado de incômodo. Assim, funciona como mecanismo
de autopreservação, estando na base das atitudes profissionais de distanciamento
dos clientes em muitas situações.

CONSIDEERAÇÕES FINAIS

A reflexão desenvolvida no presente texto possibilitou o escrutínio do


campo teórico das interações sociais, trazendo à baila elementos psicossociais,
cognitivos e afetivo-expressivos importantes para a compreensão do cuidado em
saúde. Para tal, os constructos oriundos da área interdisciplinar da psicologia
social mostraram-se úteis neste sentido.

O cuidado em saúde consiste em uma relação estabelecida entre pessoas


tendo em vista o alcance da melhoria do estado de saúde e da qualidade de vida,
impingindo os resultados do processo relacional em todos os entes envolvidos.
Assim, as práticas profissionais de cuidado não podem se restringir à ação
técnica, mas devem ser expressas de forma atitudinal e relacional, devendo ser
assumidas como questão complexa e multifacetada a partir de aportes teóricos
interdisciplinares.

No que diz respeito ao relacionamento interpessoal, conclui-se que seus


fatores influenciam diretamente a prática de cuidado, uma vez que perpassam
o agir dos sujeitos determinando a interação social estabelecida. Com isso,
os componentes do relacionamento interpessoal fazem-se primordiais no
desenvolvimento do cuidado com vistas à sua humanização, contemplando
elementos como a empatia e a escuta ativa.

Finalmente, destaca-se a necessidade de constante capacitação dos


profissionais de saúde, e entre eles os de enfermagem, envolvidos no processo
de cuidar, não apenas em procedimentos técnicos, mas especialmente na sua
melhor qualificação para o desenvolvimento de relações interpessoais seguras,
aprendidas como ferramentas profissionais de cuidado.

Como os procedimentos técnicos, as habilidades sociais podem ser


aprendidas e desenvolvidas intencionalmente, desde que sejam ensinadas aos
profissionais desde a sua formação de base.

FONTE: FORMOZO, G. A. et al. As relações interpessoais no cuidado em saúde: uma


aproximação ao problema. Revista Enfermagem UERJ, [S.l.], v. 20, n. 1, p. 124-127, out. 2012.
Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/
view/4006>. Acesso em: 14 nov. 2020.

252
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Drogas psicoativas são aquelas capazes de alterar nossa consciência.

• As drogas psicoativas podem ser classificadas em depressoras, estimulantes ou


perturbadoras do sistema nervoso central.

• As drogas fazem parte da história da humanidade e são usadas para diversos


fins como alimentação, êxtase, analgesia e práticas religiosas e culturais.

• A legalidade de uma droga não é determinada apenas por suas propriedades


farmacológicas, mas também por interesses econômicos e políticos.

• As políticas proibicionistas têm sido adotadas com o intuito de alcançar


uma sociedade livre de drogas, mas desconsideram os aspectos psicossociais
envolvidos no uso de drogas pela humanidade.

• A guerra às drogas tem causado efeitos nefastos para a sociedade como


o aumento da violência, das intoxicações e do encarceramento em massa,
principalmente da população negra e pobre.

• A redução de danos é uma estratégia de atenção integral a pessoas que fazem


uso problemático de álcool e outras drogas.

• Os motivos de iniciar o uso de substâncias são singulares, portanto não há


ninguém que use a mesma substância com o mesmo objetivo que outra pessoa.

• Na redução de danos, a vontade e os valores da pessoa que uso drogas são


consideradas pontos centrais para o planejamento das intervenções terapêuticas.

• Pela perspectiva da redução de danos, a indicação de abstinência não é


absoluta, uma vez que entende muitas pessoas não querem, não podem ou não
conseguem cessar o consumo.

• O fenômeno de uso problemático de drogas deve ser avaliado considerando os


determinantes sociais de saúde.

• Na intersecção com a categoria gênero, o uso de drogas tem sido considerado


parte constituinte da masculinidade, estimulando assim, o consumo dessas
substâncias por homens desde muito jovens.

253
• Para o gênero feminino, o uso de drogas é considerado incompatível com
a feminilidade e as mulheres que fazem uso problemático são julgadas
moralmente. A atenção a mulheres em sofrimento psíquico associado ao uso
de substâncias psicoativas deve considerar as variáveis: gestação, maternidade,
beleza e prostituição.

• Na intersecção com a categoria raça, os profissionais devem estar atentos aos


efeitos do racismo, pois, a sucessiva exposição à discriminação está associada a
maior risco de uso de drogas.

• A sexualidade na velhice tem sido foco de novas pesquisas, porém, muitas


vezes, os estudos direcionam o olhar para os aspectos fisiológicos e não aos
aspectos subjetivos da experiência sexual.

• A velhice é associada à morte e degeneração e esses esteriótipos influenciam na


concepção de que idosos são assexuados.

• Não há justificativas fisiológicas para o não exercício da sexualidade na


maturidade, e as dificuldades dessa população muitas vezes, estão associadas
a preconceitos e concepções moralistas sobre a sexualidade na velhice.

• Mesmo que haja necessidade de adaptações, idosos podem exercer a


sexualidade de forma satisfatória.

• A sexualidade é entendida como algo que constitui os seres humanos, como


possibilidade de interações humanas significativas, que promovem autoestima
e qualidade de vida e, portanto, não se resume ao ato sexual.

• A população LGBT idosa tem dificuldades de acessar os serviços de saúde, pois,


tem medo de serem rejeitados e constrangidos, uma vez que suas sexualidades
diferem da heteronormatividade.

• Profissionais de saúde devem compreender as especificidades da população


LGBT para poder oferta um cuidado integral à sexualidade na velhice.

• Para que o atendimento à sexualidade de idosos seja humanizado, é preciso


que os profissionais de saúde sejam livres de preconceitos e estejam atualizados
com as informações de excelência dessa temática.

CHAMADA

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254
AUTOATIVIDADE

1 Considerando as políticas proibicionistas e a guerra às drogas, assinale


a alternativa CORRETA que contempla o efeito dessas práticas para a
sociedade:

a) ( ) Com o sucesso do proibicionismo e da guerra às drogas, atualmente,


vivemos em uma sociedade livre de drogas e de violências associadas
ao tráfico.
b) ( ) As práticas proibicionistas e a guerra às drogas relacionam-se com o
aumento da violência e do encarceramento em massa da população.
c) ( ) O insucesso do proibicionismo e da guerra às drogas está associado à
redução do número de overdoses em toda a população mundial e da
extinção da maconha.
d) ( ) O proibicionismo e a guerra às drogas contribuem para a melhoria
na atenção à saúde de pessoas com sofrem com uso problemático de
drogas.

2 A respeito do atendimento em saúde para pessoas que fazem uso


problemático de drogas, através da perspectiva da redução de danos, avalie
as afirmações a seguir:

I- A redução de danos orienta que o melhor tratamento é a internação


prolongada para que a pessoa se desintoxique e volte a ter controle sobre
si mesma.
II- A redução de danos considera os valores e escolhas das pessoas que fazem
uso problemático de drogas como norte para seu tratamento.
III- A redução de danos surgiu para evitar a disseminação do HIV entre
usuários de drogas injetáveis, portanto, não pode ser utilizada com quem
usa outras drogas.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) I e III.
b) ( ) II, apenas.
c) ( ) III, apenas.
d) ( ) I, II e III estão corretas.

3 A transição demográfica iniciada nas últimas décadas, tem estimulado


profissionais da saúde a olharem para a sexualidade na velhice como uma
forma de intervenção que promove qualidade de vida de pessoas idosas.
Nesse contexto, o aumento nos casos de HIV tem sido maior do que em jovens
de 15 a 19 anos. Considerando essa realidade, avalie as afirmativas a seguir:

255
I- O aumento de casos de HIV em idosos pode ser explicado pelo aumento
da sobrevida das pessoas com HIV/Aids.
II- Não é possível estabelecer relação entre o uso de medicações para
disfunção erétil e o aumento dos casos de HIV em idosos.
III- O preconceito acerca da sexualidade na velhice é um fator que evita a
contaminação de DSTs em idosos.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) I e III.
b) ( ) I, apenas.
c) ( ) II, apenas.
d) ( ) I, II e III estão corretas.

4 Por que é importante contextualizar o fenômeno do uso problemático de


drogas com os determinantes sociais da saúde?

5 A velhice dessexualiza as pessoas?

256
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